Professional Documents
Culture Documents
1
2
Douglas Nassif Cardoso (2009, p. 106-114) afirma que a tese de Barbosa (2002)
é generalizante. Cardoso (2009) se propõe a analisar a chamada “Pastoral da
Liberdade”, de Robert Reid Kalley (1809-1888), sobre ser certo ou não um cristão
possuir escravos. O documento, de caráter normativo eclesiástico, foi emitido em 1865.
Para Kalley, o senhor de escravos era inimigo de Cristo e não poderia ser membro da
Igreja de Jesus.
e este aplauso achará eco entre os povos civilizados. São talvez poucos, porém, os que
não consideram a lei muito defeituosa” (IMPRENSA EVANGELICA, 1871, p. 145).
Esse comentário sobre a Lei do Ventre Livre é a primeira menção sobre o tema no
jornal presbiteriano Imprensa Evangélica. Para Barbosa (2002, p. 171), o comentário
era a demonstração da frieza do periódico sobre a abolição, pois seu “objetivo é tolerar a
manutenção e a continuidade do sistema vigente, até que se consiga encontrar uma saída
que não prejudique os interesses tanto dos senhores como dos escravos”. Todavia, Silva
(2010, p. 54) diz: “essa é claramente uma postura favorável à abolição, ainda que,
concorda-se, seja tímida”.
O projeto original do Ventre Livre, como proposto inicialmente por Rio Branco
(1819-1880), para ser aprovado, sofreu diversas alterações para não prejudicar a
estrutura escravista. Depois de aprovada, o senhor só precisava informar ao Estado
sobre o ingênuo em sua maioridade, isto é, a lei perdia seu efeito imediato. Além disso,
todas as alforrias previstas, de acúmulo de pecúlio pelo escravo ou de compra por
terceiros, ficavam condicionadas à autorização do senhor. Não haveria libertação dos
escravos de ordens religiosas. Por fim, vedou-se a ingerência dos abolicionistas na
ordem privada escravista (ALONSO, 2015, p. 60-66).
Bíblias com um compendio doutrinário protestante. Para o editorial, isso atendia ao bem
estar dos cativos e ao interesse do senhor, tal exemplo deveria ser seguido.
Tanto para Alonso (2015, p. 19, 39), quanto para Machado (2014, p. 208-265) e
Barbosa (2002, p. 120-121), o paternalismo se encontrava em todo o movimento
abolicionista e manteve-se até a abolição. Estava presente a ideia de mediar os conflitos,
criando vínculos de gratidão entre escravos e senhores. O foco de Joaquim Nabuco
(1849-1910), por exemplo, era a valorização do trabalho livre e a redenção moral dos
senhores, alvos da propaganda. Os escravos não tinham condições de receberem a
mensagem dentro da ordem nem lutarem por si próprios, eles precisavam ser
moralizados. No Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, de 1880,
assinado também por Nabuco, a ideia dos senhores agindo para atender as necessidades
morais do escravo, também estava presente. Isso interessava aos senhores, pois teriam
uma mão de obra barata e grata.
Durante a década de 1870, a Imprensa Evangélica não assume uma posição clara
ao lado do movimento abolicionista, mas também não defende a manutenção da
escravidão, pelo contrário, vislumbra a iminência da abolição. No entanto, a imprensa
de forma geral, de acordo com Machado (2014, p. 115-144), somente a partir do
crescimento do movimento, quando o tema passa a sensibilizar a opinião pública, deu
maior atenção à questão abolicionista, antes não havia apoio à causa. O primeiro
periódico a apoiar o movimento, de forma ambígua, foi a Gazeta de Notícias fundada
em 1876, que também publicava anúncios escravistas para poder sobreviver.
Alonso (2015, p. 19, 39) demonstra que o movimento pôde crescer durante os
governos liberais, entre 1878 e 1885, por tolerarem manifestações em espaço público.
Todavia houve reação do escravismo que se organizou em congressos agrícolas. O
movimento de início era de elite, sem radicalismos. No entanto, a estrutura de
pensamento escravista da sociedade foi se diluindo. Graças ao iluminismo, ao
romantismo e ao pensamento protestante quaker, a escravidão tornou-se obstáculo para
a felicidade, pecado e o escravo passou a ser visto como bom selvagem vítima do
cativeiro. Conforme essas ideias foram se inserindo na sociedade, o movimento de elite
tornou-se um ativismo social popular. O repertório abolicionista passou ao senso
comum em 1880.
É a partir de 1884 que a Imprensa Evangélica também assume uma posição clara
de apoio ao movimento com cerca de quatorze publicações tratando do tema. Para
Edwiges Rosa dos Santos (2009, p. 97-98), isso se dá no momento de maior influência
de lideranças nacionais na direção do periódico. Para Barbosa (2002, p. 122-123), essa
mudança é explicada pela percepção dos evangélicos com relação ao movimento,
caracterizado por sua popularidade e por se manter na ordem.
mantinha os sexagenários cumprindo serviço ainda por três anos, deixando o local de
trabalho apenas com autorização do juiz de órfãos (ALONSO, 2015, p. 239-279).
1887 e 1888, a fim de controlar o processo, devido ao aumento das fugas (ALONSO,
2015, p. 317-332).
A escravidão gentia entre os hebreus não era nem hereditária, nem opressiva e
nem infamante. O escravo brasileiro “está completamente á mercê de seu senhor, não
tem nenhuma esperança de protecção contra a avareza e tyrannia do mesmo”
(HOUSTON, 1884, p. 7). Só havia escravidão hereditária de gentios entre os hebreus
em casos de prisioneiros de guerra, mas não havia tráfico, nem havia o costume de
10
mantê-los acorrentados. Escravos fugidos não deveriam ser devolvidos, ele era
protegido, tinha direitos. O assassino de um escravo deveria ser punido como se matasse
um homem livre e um escravo ferido deveria ser liberto. “Em geral o tratamento dos
escravos era suave e brando tendo-se em vista a justiça e equidade” (HOUSTON, 1884,
p. 8).
Houston (1884) declara que diante do Evangelho todo o homem é um irmão, não
importando sua nação ou credo. A condenação do tráfico de escravos entre os hebreus,
agora vale para todos os homens, quem escraviza é digno de morte. “Não é licito agora
sob as leis do Evangelho um homem escravisar o seu semelhante contra a vontade deste,
seja desta ou daquella nação, quer desta ou daquella côr” (HOUSTON, 1884, p. 10).
Além disso, o Cristianismo é “amigo de todo e qualquer movimento que tenha por fim
alliviar os opprimidos” (HOUSTON, 1884, p. 11).
Ao fazer referência ao Gabinete Dantas, Houston (1884, p. 14) pede para seus
leitores apoiarem a todo o movimento abolicionista que já era popular e nacional, tendo
alcançado a alta administração do Estado. O Brasil era o único país civilizado no
continente a manter a escravidão e isso era prejudicial moral, espiritual e materialmente.
peccado nacional” (PEREIRA, 1886, p. 7). Manter a escravidão era ofensivo às leis de
Deus. Também denuncia a existência de escravistas membros de igrejas evangélicas.
Para Pereira (1886, p. 8-12) a escravidão não tem sanção divina. Entre os
hebreus ela era tolerada. No entanto, os legisladores brasileiros haviam legitimado o
roubo sacrílego de africanos, reduzidos à escravidão após a Lei de 1831. Lamenta-se a
queda do Gabinete Dantas.
Bibliografia
BARBOSA, José Carlos. Negro não entra na Igreja espia pela banda de fora:
protestantismo e escravidão no Brasil Império. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2002.
FONSECA, Andréa B.. A imprensa evangélica no Brasil do século XIX e XX: um olhar
sobre a questão da escravidão e o progresso. In: Encontro Regional de História -
ANPUH: História e Biografias, 10, 2002, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos do X
Encontro da ANPUH. Rio de Janeiro: ANPUH-RJ, 2002. Disponível em:
<http://www.rj.anpuh.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO=312 >. Acesso em: 06
maio 2016.