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A LIBERDADE É UMA BÊNÇÃO: O PRESBITERIANISMO E O

ABOLICIONISMO NO SEGUNDO REINADO BRASILEIRO

Pedro Henrique Cavalcante de Medeiros (Doutorado em História pelo PPHR-UFRRJ-


FAPERJ)

Palavras-chave: Presbiterianismo, Abolição, Imprensa

Esta comunicação representa o início de uma pesquisa mais ampla de doutorado.


Nosso objetivo é analisar as relações entre o discurso e a prática da missão presbiteriana
e o discurso político no período final do Império e inicial da República brasileira. Nosso
foco neste momento é a questão abolicionista.

1. Historiografia sobre o discurso abolicionista do protestantismo

A principal interpretação sobre o discurso abolicionista do protestantismo foi


exposta por José Carlos Barbosa (2002). Para o autor, desde 1870 estava patente a ideia
da extinção da escravidão como algo inevitável e necessário. Bastava apenas a escolha
de uma melhor forma e uma propícia oportunidade. “Libertar o escravo era quase um
consenso nacional” (BARBOSA, 2002, p. 104). Além disso, analisando o papel do
publicista antiescravista norte-americano, James Cooley Fletcher (1823-1901), Barbosa
(2002) afirma que para muitos missionários protestantes a abolição estava prestes a
ocorrer.

Para Barbosa (2002, p. 141), mesmo com o crescimento do movimento


abolicionista em 1880, com grande adesão popular, os missionários ainda mantinham o
propósito principal de implantar o protestantismo no Brasil. A questão era tratada de
forma essencialmente religiosa. O foco era demonstrar como a Igreja Católica
representava o atraso. A dicotomia entre o espiritual e o temporal, segundo Barbosa
(2002, p. 151), era a justificativa para a cautela dos missionários, uma visão reformista,
conservadora e moralista. “Nega-se totalmente ao negro a condição de sujeito da

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história, encarando-o tão-somente como objeto a ser resgatado” (BARBOSA, 2002, p.


186).

Para Hélio de Oliveira Silva (2010, p. 44-45), os argumentos de Barbosa (2002)


sofrem de anacronismo, ao exigirem expectativas do presente em missionários que
viveram há um século e meio atrás, quando a presença quantitativa e qualitativa deles
era irrisória diante da sociedade brasileira. Os primeiros missionários presbiterianos
eram contrários à escravidão, mas inicialmente não se envolveram com o movimento.
No entanto, deve-se atentar para o desenvolvimento do abolicionismo e destacar o papel
daqueles que endossaram e atuaram em favor da causa. A prioridade realmente era a
instalação do protestantismo no Brasil, desde 1859, e o envolvimento com o movimento
logo de início poderia comprometer todo o trabalho de implantação e expansão do
presbiterianismo frente a um catolicismo oficial e majoritário.

Em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, a Igreja Presbiteriana do Brasil


possuía apenas 26 anos de organização, “a igreja era jovem, inexperiente e estrangeira
em quase dois terços de seus obreiros e boa parte de seus membros” (SILVA, 2010, p.
47). O fundador, Ashbel Green Simonton (1833-1867), considerava a escravidão pecado
e opressão, mas tinha cautela ao tratar do assunto, principalmente diante da impressão
que lhe causou a Guerra Civil norte-americana: “as consequências desse ato, porém, não
podem ser calculadas. Se a proclamação for posta em prática uma revolução formidável
está em nosso meio” (SIMONTON, 2002, p. 157). A mesma cautela é verificada no
jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton em 1864. Na década de 1870, o
tema aparece raramente no jornal, pois não era intenção atrair uma atenção indesejada
para o periódico. Isso só muda a partir de 1880, ao mesmo tempo em que protestantes
passam a dar guarida para membros do movimento abolicionista, como Chamberlain
(1839-1902) ao acolher os filhos dos ativistas na Escola Americana, quando esses
passaram a sofrer constrangimentos nas escolas públicas (SILVA, 2010, p. 54).

Emanuel Vanorden (1836-1917), ao fundar a Primeira Igreja Presbiteriana do


Rio Grande do Sul, na cidade de Rio Grande, em 1878, adotou a resolução de não
aceitar nenhum proprietário de escravos como membro da igreja, pois a escravidão era
“um pecado contra Deus e contra o homem” (MATOS, 2004, p. 79). Denunciou
também, em 24 de outubro de 1877, em carta ao presidente dos Estados Unidos,
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Rutherford B. Hayes (1822-1893), o transporte de escravos para o Brasil em navios


norte-americanos. Também congratulou o imperador brasileiro em 1884 pela abolição
no Ceará, como membro da Sociedade Antiescravista de Londres (SILVA, 2010, p. 60-
63).

Houve também os opúsculos abolicionistas de James Theodore Houston (1847-


1929) e de Eduardo Carlos Pereira (1855-1923), que analisaremos adiante. Dessa forma,
Silva (2010, p. 65) defende que a Igreja Presbiteriana enquanto instituição manteve uma
postura cautelosa quanto ao tema devido aos empecilhos legais e sociais para sua efetiva
implantação e permanência no Brasil. No entanto, ainda assim, há exemplos claros de
sua posição antiescravista, como foi afirmado na reunião do Presbitério do Rio de
Janeiro em 1886, quando os pastores reunidos condenaram o escravismo.

Douglas Nassif Cardoso (2009, p. 106-114) afirma que a tese de Barbosa (2002)
é generalizante. Cardoso (2009) se propõe a analisar a chamada “Pastoral da
Liberdade”, de Robert Reid Kalley (1809-1888), sobre ser certo ou não um cristão
possuir escravos. O documento, de caráter normativo eclesiástico, foi emitido em 1865.
Para Kalley, o senhor de escravos era inimigo de Cristo e não poderia ser membro da
Igreja de Jesus.

Segundo Barbosa (2002, p. 169) ao contrário de um comprometimento, Kalley


também não queria entrar em conflito com as autoridades brasileiras. Essa atitude teria
sido apenas de âmbito local, sem qualquer interferência na estrutura do sistema.

Andréa Braga Fonseca (2002, p. 5) segue a mesma teoria de Barbosa (2002).


Para ela, os protestantes tinham os escravos como alvos da evangelização. A escravidão
era um dos motivos do atraso do país. De forma semelhante, Elizete da Silva (2003, p.
12-14) diz que só houve uma condenação clara da escravidão por parte dos protestantes,
principalmente dos batistas, após a abolição.

2. O movimento abolicionista e a Imprensa Evangélica

A primeira afirmação pública dos presbiterianos com relação à escravidão foi a


seguinte: “será sempre uma época notável na história pátria. A nação aplaude a medida,
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e este aplauso achará eco entre os povos civilizados. São talvez poucos, porém, os que
não consideram a lei muito defeituosa” (IMPRENSA EVANGELICA, 1871, p. 145).
Esse comentário sobre a Lei do Ventre Livre é a primeira menção sobre o tema no
jornal presbiteriano Imprensa Evangélica. Para Barbosa (2002, p. 171), o comentário
era a demonstração da frieza do periódico sobre a abolição, pois seu “objetivo é tolerar a
manutenção e a continuidade do sistema vigente, até que se consiga encontrar uma saída
que não prejudique os interesses tanto dos senhores como dos escravos”. Todavia, Silva
(2010, p. 54) diz: “essa é claramente uma postura favorável à abolição, ainda que,
concorda-se, seja tímida”.

O projeto original do Ventre Livre, como proposto inicialmente por Rio Branco
(1819-1880), para ser aprovado, sofreu diversas alterações para não prejudicar a
estrutura escravista. Depois de aprovada, o senhor só precisava informar ao Estado
sobre o ingênuo em sua maioridade, isto é, a lei perdia seu efeito imediato. Além disso,
todas as alforrias previstas, de acúmulo de pecúlio pelo escravo ou de compra por
terceiros, ficavam condicionadas à autorização do senhor. Não haveria libertação dos
escravos de ordens religiosas. Por fim, vedou-se a ingerência dos abolicionistas na
ordem privada escravista (ALONSO, 2015, p. 60-66).

O comentário da Imprensa Evangélica (1871, p. 146) foi sobre a lei aprovada,


considerando-a defeituosa. Além disso, a intenção do editorial era introduzir o apoio ao
projeto do conselheiro Bernardo de Sousa Franco (1805-1875) de libertação de escravos
de confiança e aproveitamento dos libertos como mão de obra livre assalariada. Com
esse projeto em breve todos os escravos estariam livres, defendia o editorial.

Em 3 de outubro de 1874, a Imprensa Evangélica retorna ao tema, dizendo que


as dificuldades já se faziam sentir e enfatizava serem os libertos de valor igual a de um
bom imigrante. Em 6 de dezembro de 1874, o editorial comenta a iniciativa do
comendador José Pereira de Campos Vergueiro de abrir contas correntes para seus
escravos, “para aquelles cujo caracter e procedimento os têm tornado mais merecedores
de confiança e consideração” (IMPRENSA EVANGELICA, 1874, p. 180), poderem
acumular pecúlio e comprarem sua própria alforria. A intenção era torná-los colonos
libertos, prontos para aproveitarem a liberdade, regularizando seus casamentos,
investindo na instrução, com implantação de escola, compra de livros e fornecendo-lhes
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Bíblias com um compendio doutrinário protestante. Para o editorial, isso atendia ao bem
estar dos cativos e ao interesse do senhor, tal exemplo deveria ser seguido.

Tanto para Alonso (2015, p. 19, 39), quanto para Machado (2014, p. 208-265) e
Barbosa (2002, p. 120-121), o paternalismo se encontrava em todo o movimento
abolicionista e manteve-se até a abolição. Estava presente a ideia de mediar os conflitos,
criando vínculos de gratidão entre escravos e senhores. O foco de Joaquim Nabuco
(1849-1910), por exemplo, era a valorização do trabalho livre e a redenção moral dos
senhores, alvos da propaganda. Os escravos não tinham condições de receberem a
mensagem dentro da ordem nem lutarem por si próprios, eles precisavam ser
moralizados. No Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, de 1880,
assinado também por Nabuco, a ideia dos senhores agindo para atender as necessidades
morais do escravo, também estava presente. Isso interessava aos senhores, pois teriam
uma mão de obra barata e grata.

Durante a década de 1870, a Imprensa Evangélica não assume uma posição clara
ao lado do movimento abolicionista, mas também não defende a manutenção da
escravidão, pelo contrário, vislumbra a iminência da abolição. No entanto, a imprensa
de forma geral, de acordo com Machado (2014, p. 115-144), somente a partir do
crescimento do movimento, quando o tema passa a sensibilizar a opinião pública, deu
maior atenção à questão abolicionista, antes não havia apoio à causa. O primeiro
periódico a apoiar o movimento, de forma ambígua, foi a Gazeta de Notícias fundada
em 1876, que também publicava anúncios escravistas para poder sobreviver.

De acordo com Alonso (2015, p. 17-18) e Carvalho (1998, p. 52), o movimento


abolicionista teve início tardiamente no Brasil. Contribuíram para a organização do
movimento: a abolição nos Estados Unidos; a aceleração da urbanização no Brasil; o
uso do espaço público pelos liberais, a partir de 1868, para contestar a hegemonia dos
conservadores, forçando-os a responderem com modernização, ampliação do acesso ao
ensino superior, barateamento dos custos da imprensa e um projeto de Lei do Ventre
Livre; a mensagem do governo brasileiro à Junta Francesa de Emancipação em 1866; e
a menção ao tema na fala do trono de 1867.

Em oposição aos abolicionistas, os escravistas mantinham o discurso da crise


econômica resultante da abolição. Em resposta, o movimento abolicionista apelava para
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a retórica da compaixão, do direito e do progresso. A abolição na tradição inglesa era


uma questão religiosa, no Brasil, tornou-se um problema público ou político. No Brasil
o movimento não teve apoio da Igreja oficial, uma igreja retrógrada, segundo os
abolicionistas. O movimento foi caracterizado pela laicidade dos teatros para
propagação das ideias e deslegitimação do sistema. Com a arte, o senhor se transformou
de figura paterna em personagem vil (ALONSO, 2015, p. 18; CARVALHO, 1998, p.
54).

Alonso (2015, p. 19, 39) demonstra que o movimento pôde crescer durante os
governos liberais, entre 1878 e 1885, por tolerarem manifestações em espaço público.
Todavia houve reação do escravismo que se organizou em congressos agrícolas. O
movimento de início era de elite, sem radicalismos. No entanto, a estrutura de
pensamento escravista da sociedade foi se diluindo. Graças ao iluminismo, ao
romantismo e ao pensamento protestante quaker, a escravidão tornou-se obstáculo para
a felicidade, pecado e o escravo passou a ser visto como bom selvagem vítima do
cativeiro. Conforme essas ideias foram se inserindo na sociedade, o movimento de elite
tornou-se um ativismo social popular. O repertório abolicionista passou ao senso
comum em 1880.

Machado (2014, p. 132), ao analisar o desenvolvimento dos jornais


abolicionistas, destaca uma mudança de inclinação, mais favorável aos senhores, da
Gazeta de Notícias, após a saída de José do Patrocínio (1853-1905), de sua redação, em
1881. Os jornais conservadores ainda tinham forte influência no início da década de
1880, mas em 1884, o jornal abolicionista de Patrocínio, Gazeta da Tarde, passa a ter
maior influência na sociedade.

É a partir de 1884 que a Imprensa Evangélica também assume uma posição clara
de apoio ao movimento com cerca de quatorze publicações tratando do tema. Para
Edwiges Rosa dos Santos (2009, p. 97-98), isso se dá no momento de maior influência
de lideranças nacionais na direção do periódico. Para Barbosa (2002, p. 122-123), essa
mudança é explicada pela percepção dos evangélicos com relação ao movimento,
caracterizado por sua popularidade e por se manter na ordem.

A década de 1880 foi significativa para a ascensão das novas lideranças do


abolicionismo. No entanto, a reforma eleitoral de 1881 não impediu a vitória dos
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conservadores. A saída de Joaquim Nabuco do parlamento e a ascensão do Gabinete de


Martinho Campos (1816-1887), em 1882, tirou o abolicionismo da pauta institucional.
O movimento continuou no espaço público com o avanço do associativismo (ALONSO,
2015, p. 122, 177-178).

O abolicionismo retorna para a agenda do governo em 1882, com a ascensão do


Gabinete de João Paranaguá (1821-1912), principalmente devido à propaganda
doméstica e à abolição em Cuba. Entretanto, não houve ação efetiva do governo com
relação à questão. Entretanto, o movimento continuou a avançar, em 1883, a Comissão
Central Emancipadora iniciou a campanha pela libertação de territórios, que serviriam
como cidades refúgio para escravos fugidos, conseguindo a libertação do Ceará, em 25
de março de 1884, e do Amazonas, em 24 de abril de 1884. O movimento estava ainda
mais unido contra um inimigo comum. O tema se tornou assunto predominante na
sociedade. Ainda em 1883 é publicado o Manifesto da Confederação Abolicionista,
primeiro a defender de forma generalizada a abolição sem indenização, e O
Abolicionismo de Joaquim Nabuco, obra intelectual mais aprimorada do movimento,
baseada na razão nacional, de cidadania para libertos e escravos. As duas obras,
permaneceram atreladas à ideia de uma reforma legal em prol da abolição, não havia a
defesa do valor moderno da liberdade do indivíduo em si (CARVALHO, 1998, p. 60-
61; ALONSO, 2015, p. 186-191). Sobre a obra de Nabuco, a Imprensa Evangélica
(1884, p. 73), em 24 de maio de 1884, recomenda sua leitura: “o livro [...] merece ser
lido por todos os que amam o paiz e querem o seu progresso”.

A partir da ascensão do Gabinete abolicionista de Sousa Dantas (1831-1894), em


6 de junho de 1884, o assunto retorna às instituições imperiais. Era o momento da união
entre governo e movimento. Ao propor uma reforma de libertação dos sexagenários que
incluía o cancelamento dos títulos de propriedade de escravos de meia-idade registrados
como mais velhos, a proibição do tráfico interprovincial, a pequena propriedade e a
abolição sem indenização para 1900, Dantas sofreu forte oposição dos conservadores,
conseguindo do imperador a dissolução da Câmara. Entretanto, após os abolicionistas
sofrerem derrota nas eleições de 1884, Dantas perde o cargo para Saraiva (1823-1895)
para dar prosseguimento ao projeto. A Lei dos Sexagenários aprovada estava muito
distante do projeto original de Dantas. A nova lei, regulamentada por João Maurício
Wanderley (1815-1889), o barão de Cotegipe, nomeado para o Gabinete em 1885,
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mantinha os sexagenários cumprindo serviço ainda por três anos, deixando o local de
trabalho apenas com autorização do juiz de órfãos (ALONSO, 2015, p. 239-279).

Neste momento, o escravismo só se mantinha pela lei, a sociedade já estava


dividida. O governo havia se unido novamente aos escravistas para reprimir os
abolicionistas (ALONSO, 2015, p. 281-291). Em 1886, Joaquim Nabuco, ao lado dos
positivistas desejosos de um executivo forte e modernizador, denunciou a traição do
Poder Moderador e mencionou o apoio da imprensa protestante ao abolicionismo. Essa
menção é reproduzida em 24 de julho de 1886 na Imprensa Evangélica (1886, p. 235):
“todos os dias nós lemos nos pequenos jornais protestantes que se publicam no Brazil
escriptos de propaganda abolicionista”.

Sobre a aprovação da Lei dos Sexagenários, a Imprensa Evangélica (1885, p.


169) a noticia com pesar: “como lei emancipadora, ella não merece a confiança dos que
desejam a libertação dos escravos [...] queremos que uma lei efficaz seja adoptada para
sua inteira emancipação, no praso mais curto possivel”.

A repressão do Gabinete Cotegipe incluiu o empastelamento de jornais, como o


Vinte e Cinco de Março, em Campos, e a tentativa contra a Gazeta da Tarde, em 1885.
Situação que talvez justifique o receio da redação da Imprensa Evangélica de, em 1885,
só publicar cinco artigos sobre o tema, em 1884 foram quatorze e em 1886 foram vinte.
No ano de 1886, o movimento abolicionista passou a investir no choque moral nas ruas.
Naquele ano, Patrocínio e João Fernandes Clapp (1840-1902) andaram pelas ruas da
Corte com as escravas Eduarda, quinze anos, e Joana, dezessete anos, torturadas, a
primeira tendo ficado cega e a segunda, após a procissão, tendo morrido. O caso
revoltou a sociedade, principalmente, com a absolvição da senhora torturadora. Com
isso, aumentou a adesão da população ao acoitamento de escravos fugitivos. (ALONSO,
2015, p. 292-297; MACHADO, 2014, p. 167-187).

Com a tensão entre o Gabinete e o Exército, em 1887, o governo perdeu suas


armas contra o movimento. Os conflitos estavam muito acirrados no fim de 1887. A
Igreja oficial passou a apoiar o movimento, os prelados passaram a fazer declarações
públicas em prol da abolição. O Partido Liberal aderiu de fato em março. Saraiva passou
a apoiar em fevereiro de 1888. Senhores passaram a libertar seus escravos entre fins de
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1887 e 1888, a fim de controlar o processo, devido ao aumento das fugas (ALONSO,
2015, p. 317-332).

Pressionada e acusada de ser alheia a política, a princesa Isabel (1846-1921)


toma a decisão de mudar o Gabinete no início de 1888, nomeando João Alfredo Correia
de Oliveira (1835-1919), o ministro que aprovara a Lei do Ventre Livre, com a missão
de propor um projeto de abolição da escravatura. O projeto, o mais simples e curto
sobre a abolição, foi aprovado e assinado em 13 de maio de 1888. Nem governo nem
movimento queriam dificultar o andamento do projeto, por isso, não foi discutido nem
indenização nem disciplina de trabalho. Segundo Alonso (2015, p. 340-351),
simbolicamente, o projeto de Dantas fora aprovado.

3. Os opúsculos presbiterianos abolicionistas

Dois opúsculos escritos por lideranças do presbiterianismo foram publicados na


década de 1880. Houston (1884), missionário norte-americano, proferira suas ideias na
Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 1884, seu discurso foi
publicado pela Tipografia de G. Leuzinger e Filhos, com o título O Christianismo e a
escravidão. Ele se punha contra a justificativa da escravidão devido a sua existência
entre os hebreus no Antigo Testamento. Segundo Houston (1884, p. 3-6), um hebreu
poderia se tornar escravo em três condições: pobreza, punição por roubo e por vontade
paterna. No primeiro caso, a escravidão era voluntária, o escravo não poderia ser
vendido e sua situação não era perpétua. No segundo caso, sua escravidão durava até a
restituição do valor roubado. No terceiro caso, normalmente ocorria que a filha vendida
como escrava se tornava esposa do filho do senhor. Em todos os casos o escravo
poderia ser liberto quando cumpridas as obrigações para remissão; no ano do Jubileu,
quando todos os escravos hebreus eram libertos; ou após seis anos de serviço.

A escravidão gentia entre os hebreus não era nem hereditária, nem opressiva e
nem infamante. O escravo brasileiro “está completamente á mercê de seu senhor, não
tem nenhuma esperança de protecção contra a avareza e tyrannia do mesmo”
(HOUSTON, 1884, p. 7). Só havia escravidão hereditária de gentios entre os hebreus
em casos de prisioneiros de guerra, mas não havia tráfico, nem havia o costume de
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mantê-los acorrentados. Escravos fugidos não deveriam ser devolvidos, ele era
protegido, tinha direitos. O assassino de um escravo deveria ser punido como se matasse
um homem livre e um escravo ferido deveria ser liberto. “Em geral o tratamento dos
escravos era suave e brando tendo-se em vista a justiça e equidade” (HOUSTON, 1884,
p. 8).

Houston (1884) declara que diante do Evangelho todo o homem é um irmão, não
importando sua nação ou credo. A condenação do tráfico de escravos entre os hebreus,
agora vale para todos os homens, quem escraviza é digno de morte. “Não é licito agora
sob as leis do Evangelho um homem escravisar o seu semelhante contra a vontade deste,
seja desta ou daquella nação, quer desta ou daquella côr” (HOUSTON, 1884, p. 10).
Além disso, o Cristianismo é “amigo de todo e qualquer movimento que tenha por fim
alliviar os opprimidos” (HOUSTON, 1884, p. 11).

Sobre a postura do apóstolo Paulo ao recomendar a obediência dos escravos aos


senhores, Houston (1884, p. 12) diz que naquele contexto, os cristãos não tinham
qualquer influência sobre a sociedade, eram pobres, poucos e desprezados. Entrar numa
luta contra a estrutura da sociedade causaria uma barreira insuperável para o progresso
do Evangelho.

Ao fazer referência ao Gabinete Dantas, Houston (1884, p. 14) pede para seus
leitores apoiarem a todo o movimento abolicionista que já era popular e nacional, tendo
alcançado a alta administração do Estado. O Brasil era o único país civilizado no
continente a manter a escravidão e isso era prejudicial moral, espiritual e materialmente.

Eduardo Carlos Pereira (1886), pastor presbiteriano nacional, publica em 1886 o


opúsculo A Religião Christã em suas relações com a Escravidão. A impressão da obra
foi feita pela Tipografia de Jorge Seckler e foi editada pela Sociedade Brasileira de
Tratados Evangélicos, fundada por Pereira.

Pereira (1886, p. 3-4) denuncia a prática do suplício contra o escravo, comum


nas fazendas do Brasil, além de criticar e amaldiçoar a todos os escravistas envolvidos
na aprovação da Lei Saraiva-Cotegipe. A consolação para o escravo era saber que seu
sangue e seus gemidos estavam sendo recolhidos no cálice da ira de Deus. A imprensa
deveria levantar com som de trombeta e denunciar ao povo a “monstruosidade deste
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peccado nacional” (PEREIRA, 1886, p. 7). Manter a escravidão era ofensivo às leis de
Deus. Também denuncia a existência de escravistas membros de igrejas evangélicas.

Para Pereira (1886, p. 8-12) a escravidão não tem sanção divina. Entre os
hebreus ela era tolerada. No entanto, os legisladores brasileiros haviam legitimado o
roubo sacrílego de africanos, reduzidos à escravidão após a Lei de 1831. Lamenta-se a
queda do Gabinete Dantas.

Pereira (1886, p. 30-31) exorta os seus leitores a se posicionarem em apoio ao


movimento abolicionista, pois naquele momento não cabia mais a reserva. Manter-se
distante da questão era sinal de infidelidade. O cristão não poderia ser escravista. O
crente não poderia tentar justificar a escravidão com textos isolados da Bíblia. Quem
justificava a escravidão por circunstâncias econômicas deveria confiar na providência
de Deus. Quem quisesse manter escravos deveria ter ciência de estar sob a maldição de
Deus, pois era vergonhoso ver incrédulos libertando seus escravos e crentes tentando
mantê-los no cativeiro. Por fim, o exemplo de Cristo deve ser seguido, pois ele libertou
o homem do pecado, os cristãos devem libertar seus escravos, a liberdade deveria ser
devolvida ao seu verdadeiro dono, a pessoa do escravo.

Portanto, qualquer análise sobre o objeto proposto deve levar em consideração a


relação entre o discurso e a prática dos presbiterianos nacionais e o movimento
abolicionista como um todo.

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