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VERIFICAÇÃO DE

LOCUTOR

André Luiz da Costa Morisson - perito criminal federal - INC/DITEC - engenheiro eletricista - mestre em Proteção do Sistema Elétrico

C
Verificação de Locutor é o braço da posterior. A região laríngea é responsável pela

A fonética forense que busca determinar


se as falas armazenadas em uma mídia
fonação. A corrente de ar egressa dos pulmões,
que é contínua, ao passar pelas pregas vocais

a
de gravação provêm ou não do aparelho fonador pode sofrer modificações, transformando-se em
de determinada pessoa. Serve como prova pulsos de ar, dependendo da realização fonética
material, permitindo imputar a autoria de um desejada.

p
crime a alguém ou desvincular sua participação. O subsistema supralaríngeo, que com-
Muitas vezes, é a única prova material existente, preende as regiões faringal, bucal e nasal, é
como em casos de suborno, chantagem e responsável pela modulação do som gerado na

a
extorsão. região laríngea ou na própria região supralaríngea,
Nos exames de Verificação de Locutor são definindo a maioria das suas características quali-
comparados numerosos parâmetros acústicos e tativas. Por meio da movimentação dos órgãos
diversas realizações articulatórias do falante, ativos, sobretudo a língua, modificam-se a forma e
similares estatisticamente, extraídos e perce- o comprimento da cavidade oral e acoplam-se ou
bidos a partir dos registros de voz perquiridos, os não a cavidade nasal na produção dos mais diver-
quais permitem aos peritos concluir quanto à uni- sos sons da linguagem.
cidade ou não das vozes cotejadas. Esses Sistema de produção da fala
parâmetros técnico-comparativos estão correla-
cionados à anatomia, à fisiologia, à neurofisiolo-
gia, ao desenvolvimento neurológico e ao léxico
do falante e podem ser determinados por análi-
ses de oitiva e por análises acústicas.

A FISIOLOGIA DA FALA
Do ponto de vista fonético, podemos sim-
plificar a fisiologia do aparato vocal dividindo-o
em três subsistemas anatômicos: o respiratório,
o laríngeo e o supralaríngeo.
O subsistema respiratório, que com-
preende os pulmões, os músculos respiratórios,
os brônquios e a traquéia, é responsável pela
energia aerodinâmica da fala. A grande maioria
dos sons é produzida com a corrente de ar egres-
siva, entretanto há sons com corrente de ar
ingressiva, fato que não ocorre na língua por-
tuguesa.
O subsistema laríngeo compreende um
conjunto de músculos, ligamentos e cartilagens,
cuja função principal é controlar a disposição das
pregas vocais, que constituem uma dobra de
membrana de ligamento, postadas transver-
salmente na laringe, da parte anterior para a

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A corrente de ar egressa dos pulmões Exemplificando como a energia é modifi-
atravessa a traquéia e chega à laringe. Na cada nas cavidades do trato vocal, utilizare-
laringe, as pregas vocais são responsáveis pelo mos inicialmente a produção da vogal neutra
fenômeno da fonação. Quando a pressão sub- [F], denominada "schwa", a qual é produzida
glótica atinge valores suficientes para promover com o mínimo de tensionamento do trato
o afastamento das pregas vocais, o ar atravessa vocal. Para esse caso, a configuração do trato
a glote (espaço existente entre as pregas vocais) vocal pode ser modelada como um tubo reto,
em um fluxo crescente até que, devido aos cilíndrico, com uma das suas extremidades
efeitos restauradores, é amortecido. Com a fechada. Essa extremidade fechada refere-se
reaproximação total das pregas vocais, finaliza- à glote e é onde se localiza a fonte da energia
se um ciclo vibratório. Como resultado, a fo- acústica, e a outra extremidade, aberta, repre-
nação gera uma série de pulsos de ar que irão senta os lábios.
abastecer o subsistema supralaríngeo. Quando
as pregas vocais permanecem afastadas, o fluxo Este tubo funcionará como um
de ar que chega ao subsistema supralaríngeo é ressoador natural, apresentando caracterís-
contínuo. Assim, podemos considerar o subsis- ticas físicas que permitirão a ressonância da
tema laríngeo, juntamente com o ar egresso dos energia acústica proveniente da laringe em
pulmões, como a fonte de energia por excelência infinitas freqüências, definidas pela
do sistema fonatório. expressão:
O subsistema supralaríngeo tem a função
de modular a energia proveniente da laringe, pro- Fn = (2n-1)c/4L, em que:
duzindo o som desejado pelo falante. Funciona
como um filtro acústico que atenua a energia do n = {1, 2, 3...}
som em certas freqüências, enquanto reforça a c = velocidade do som em cm/s
energia em outras. L = comprimento do tubo em cm
O trato vocal é formado pelas cavidades
que vão desde as pregas vocais até os lábios e as
narinas. A forma e comprimento de cada cavi- Considerando que a velocidade do som é
dade do trato vocal são os principais parâmetros cerca de 34000 cm/s e que o comprimento
de definição da qualidade do som produzido e da médio do trato vocal de um homem adulto é 17
formatação dos valores de diversos elementos cm, teremos amplificações de energia nas
técnico-comparativos nos exames periciais. seguintes freqüências:

F1 = 500 Hz
F2 = 1500 Hz
F3 = 2500 Hz etc

Para as demais vogais, o


trato vocal estreita-se em deter-
minado ponto, de acordo com a
posição do articulador, podendo
ser modelado como dois tubos
retos, cilíndricos, com compri-
mentos definidos pelo posi-
cionamento do articulador, apli-
cando-se as mesmas pro-
a) b) c)
priedades físicas empregadas
na vogal neutra para cada um
Cavidades do trato vocal (a) e fluxo da corrente de ar quando da realização dos tubos, independentemente.
de sons de vogais orais (c) e nasalisadas (b)

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nantes; e a participação ou não da cavidade
nasal na articulação do som.

ELEMENTOS
TÉCNICO-COMPARATIVOS

FORMANTES
Os formantes são os efeitos ressonantes
no trato relacionados à amplificação da energia
do som no subsistema supralaríngeo. Estão rela-
cionados à anatomia e às configurações especí-
ficas do aparelho fonador de cada indivíduo.
A freqüência do primeiro formante (F1)
Modelo simplificado de configurações do trato vocal
está relacionada à posição da língua no plano
e suas ressonâncias vertical e é influenciada pelo grau de abertura da
boca, enquanto a freqüência do segundo for-
Há de se observar que a labialização acar- mante (F2) está relacionada à posição da língua
retará o prolongamento do tubo formado pelos no plano horizontal (grau de anterioridade).
lábios, alterando certos valores de freqüências Quanto às freqüências dos demais formantes,
de ressonância. apesar de este autor não dispor de pesquisa
Na realidade, o tubo do trato vocal não é científica sedimentada que demonstre quais
reto, porém a análise de ressonância em tubos fatores os influenciam, sabe-se que eles estão
retos ou curvos não traz diferenças significativas relacionados à geometria do trato vocal e que
nos resultados. são, assim como o primeiro e segundo for-
mantes, dentro de um conjunto de convergên-
cias, fortes elementos para a individualização do
falante.

Modelos simplificados do trato vocal para sons de


vogais, consoantes nasalisadas e fricativos, nos
quais se observa o sentido de movimento do fluxo de
ar. As letras "V", "A" e "L" referem-se a oclusões e a
constrições nas regiões Velar, Alveolar e Labial

CASO REAL
Os demais sons produzidos pelo aparelho
Perfeita coerência de valores dos quatro
fonador também podem ser modelados, de acor-
primeiros formantes do fone relacionado à vogal
do com suas características peculiares, em tubos
[e] da primeira sílaba do enunciado "deixa o resto"
cilíndricos, levando-se em consideração as pro-
quando comparado entre os registros de voz
priedades físicas envolvidas, como, por exemplo:
questionado (curva vermelha no gráfico à direita)
as turbulências geradas nos pontos de cons-
e padrão (curva azul). Ressalte-se que não é
trições (típico de sons fricativos); os efeitos ori-
articulada a semivogal /i/ nesse enunciado.
undos das energias de freqüências anti-resso-

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CASO REAL
Perfeita coerência entre o segundo, ter- CASO REAL
ceiro e quarto formantes do segmento vocáli- Compatibilidade da freqüência fundamen-
co da locução "tá" quando comparados entre tal (freqüência de vibração das pregas vocais)
os registros de voz questionado e padrão. quando confrontado o mesmo enunciado entre
Como o primeiro formante está diretamente os registros de voz questionado (janela superi-
relacionado ao grau de abertura da boca, a or) e padrão (janela inferior). O autor deixa de
falta de espontaneidade durante o forneci- expor qual é o enunciado, pois este se refere ao
mento do material sonoro padrão justifica a nome de uma pessoa investigada.
divergência encontrada nos valores do
primeiro formante.
MODOS
ARTICULATÓRIOS
FREQÜÊNCIA FUNDAMENTAL A análise espectrográfica de segmentos
A freqüência fundamental (f 0) é a com- fonéticos permite aos peritos inferir precisa-
ponente de freqüência com maior energia do mente o modo articulatório empregado em
pulso de ar gerado no sistema laríngeo, devi- determinado enunciado. A tendência de um
do ao movimento de afastamento e reaproxi- falante empregar realizações fonéticas estatisti-
mação das pregas vocais. Corresponde à fre- camente similares para uma mesma especifi-
qüência de vibração das pregas vocais. cação fonológica é mais um forte elemento técni-
Os falantes masculinos adultos, normal- co-comparativo para apontar a unicidade entre
mente, apresentam valores de freqüência os registros de voz investigados.
fundamental em média de 120 Hz, os falantes
femininos adultos, em média de 220 Hz e as
crianças, em média de 300 Hz. Essa tendên-
cia é explicada, anatomicamente, pela dife-
rença de comprimento das membranas das
pregas vocais. Como os falantes masculinos
adultos, em geral, apresentam um compri-
mento maior dessas membranas, fisiologica-
mente, levam mais tempo para afastar e
reaproximar as pregas vocais, completando
um ciclo vibratório. A relação entre essa fre-
qüência e a anatomofisiologia das pregas
vocais nos leva a concluir que a freqüência Enunciado "ara": diferentes modos articu-
fundamental é mais um importante latórios envolvendo distintas realizações fonéti-
parâmetro técnico-comparativo na individua- cas do fonema /r/ quando pronunciado entre
lização do falante. duas vogais /a/.

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QUALIDADE VOCAL DO FALANTE DE OUTROS ELEMENTOS

A qualidade vocal relaciona-se à impressão Além dos elementos técnico-compara-


auditiva total criada por uma voz. Depende dos tivos acima expostos, existem outros tantos
harmônicos da onda sonora e representa a ação que permeiam os exames de Verificação de
conjunta da laringe e do trato vocal. É o resulta- Locutor, dentre os quais destacamos: a
do da interação entre as forças aerodinâmicas avaliação de instabilidades da onda sonora
pulmonares, as forças mioelásticas laríngeas e a laríngea (Jitter e Shimmer); o levantamento
dinâmica articulatória. de características dialetais e idioletais; as
Entre os diversos tipos de voz, desta- influências de coarticulações antecipatórias
camos: a voz modal (normal), a voz rangida, o e perseverativas próprias do falante; e a
falseto (pitch alto), a voz bitonal, a voz laringa- apreciação de parâmetros sociolingüísticos e
lizada (creacky voice), a voz murmurada, a voz psicolingüísticos.
áspera, a voz rouca, a voz hipernasalisada, a voz
robotizada (monotônica), a voz infantilizada, a
voz virilizada e a voz feminilizada.
BIBLIOGRAFIA

SONORIDADE OU VOZEAMENTO BRAID, Antonio César


Morant. Fonética
É a investigação que se faz em segmentos
forense. Porto Alegre,
fonológicos na qual se verifica se houve ou não a
vibração das pregas vocais durante a sua realiza- Editora Sagra Luzzatto,
ção. Diz-se que um som (ou fone) é sonoro se a 1999.
vibração existe, e se não existe, é surdo.
KENT, Ray D.; READ,
Charles. The acoustic
RITMO E TAXA DE ELOCUÇÃO
analysis of speech. San
O ritmo e a taxa de elocução (speech rate) Diego, Singular
estão relacionados ao encadeamento motor dos Publishing Group, Inc.,
órgãos ativos do aparelho fonador. Dependem da 1992.
maturação neurológica, das características
anatomofisiológicas dos articuladores e do código
LADEFOGED, Peter;
lingüístico empregado pelo falante, se é natural ou
não ao seu léxico mental. Os aspectos psico-emo- Elements of acoustic
cionais influenciam nesses parâmetros. pheonetics. Chicago,
The University Of
Chicago Press, 1974.
"VOICE ONSET TIME" (VOT)
RUSSO, Iêda; BEHLAU,
É a medida do tempo que leva entre a
soltura de uma oclusão no trato e o início do Mara. Percepção da
vozeamento a ele interligado. Como exemplo, fala: análise acústica
citamos o intervalo de tempo entre a explosão do português brasileiro.
de um som oclusivo (por exemplo, um [p]) e o São Paulo, Editora
início de vibração das pregas vocais.
Lovise, 1993.

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