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COMPOSIÇÃO
CONTEMPORÂNEA
NA UFBA
Ernst Widmer
ENTROncamentos
SONoros
Ensaio a uma didática da
música contemporânea
Alda Oliveira
Comentários Críticos
ENTROncamentos SONoros
Ensaio a uma didática da música contemporânea
por
Ernst Widmer
Salvador, 1972
Comentários Críticos
Alda Oliveira
Universidade Federal da Bahia
Reitor: Prof. Dr. Naomar de Almeida Filho
Escola de Música
Diretor: Prof. Dr. Erick M. Vasconcelos
Corpo Consultivo:
Prof.ª Alda Jesus de Oliveira
Prof. Erick Magalhães Vasconcelos
Prof. Jamary Oliveira
Prof. Manuel Veiga
Prof.ª Martha Herr
ENTROncamentos
1
SONoros
Salvador-Bahia 1972
2
"Die Kunst verhält sich zur Schöpfung gleichnisartig ... " 1)2
"Die Schöpfung
lebt als Genesis
unter der sichtbaren Oberfläche
des Werkes.
Nach rückwärts
sehen das alle Geistigen,
nach vorwärts
- in die Zukunft -
nur die Schöpferischen". 2)
"Hie Werk, das wird (zweiteilig) Hie Werk, das ist". 3)3
PREFÁCIO
A CONTEMPORANEIDADE . . . 4)
5
CONCLUSÃO
John Cage
21
12
NOTAS
13
BIBLIOGRAFIA
Notas Editoriais
1 Esta edição procura preservar o formato do original datilografado de Widmer, em sua distribuição do texto por página, nas páginas, e na
escolha dos tipos de fontes. Foram feitas atualizações ortográficas quando necessárias.
2 A indicação da nota 1 não consta do original. Seu aparecimento neste local é uma inserção editorial.
3 A indicação da nota 3 não consta do original. Seu aparecimento neste local é uma inserção editorial.
4 No original, esta citação não se encontra em fonte diferenciada, como todas as outras no texto de Widmer. Por questão de coerência, esta
edição conservou a fonte usada em todas as outras citações.
6 No original: “Eis o seu valor preliminar por sua vez freqüentemente superestimado”.
8 A preposição “com”, que não há no original, foi colocada por coerência gramatical.
10 A preposição “a”, que não há no original, foi colocada por coerência gramatical.
12 Não há o titulo “NOTAS” no original. As notas foram adaptadas às normas técnicas atuais da ABNT.
Com uma vida dedicada à música2, Widmer teve uma relevante trajetória como
professor do Departamento de Composição, Literatura e Estruturação Musical (CLEM)
na Escola de Música da UFBA. Ocupou cargos importantes dentro da estrutura geral da
Universidade, mantendo sempre uma visão sintonizada com a realidade atual e criando
situações em direção à estimulação da divulgação e projeção da música e da arte
contemporâneas. Como resultado dessa vida de muito trabalho acadêmico, Widmer foi
o primeiro professor nos primeiros quarenta anos da escola, a fazer concurso para
Professor Titular.
Widmer, compositor suíco-baiano, arauto do ensino criativo da música
(composição e LEM3), encarou a arte como um espelho através do qual o homem pode
expressar o complexo da maneira mais inteligível e objetiva. Para Widmer, esta
1
Lembro que algumas vezes, depois de apresentações suas como regente da orquestra, ele chamava os
alunos e perguntava qual a opinião crítica deles sobre o concerto, não só de forma geral (interpretação
musical, assuntos técnicos etc.), mas também sobre a sua atuação como regente.
2
Widmer viveu 34 anos no Brasil (chegou ao Brasil em 1956).
3
Sigla usada para nomear a disciplina Literatura e Estruturação Musical (LEM) que foi criada pelos
professores de teoria da música da Escola de Música da UFBA durante a reforma curricular dos anos 60.
25
A partir do contato que tivemos com Widmer, pudemos perceber que ele sempre
tentava despertar nos alunos brasileiros uma compreensão de que a partir das nossas
próprias experiências musicais e artísticas poderíamos ver o que o mundo estava nos
mostrando. A educação musical vista de forma ampla6 (não somente como fase inicial,
mas envolvendo todos os níveis de ensino), era aplicada para ajudar os alunos a olhar o
novo sem medo, preconceitos e anacronismos. Essa postura educacional, Widmer
defendeu e colocou em prática durante toda a sua carreira docente. Alunos, colegas,
músicos e amigos que com ele conviveram puderam vivenciar, observar e sentir o
quanto Widmer valorizava as atividades didáticas que partiam "da vivência da
4
Ernst Widmer escreveu "Ensaio a uma didática da música contemporânea" em Salvador, Bahia (1972)
para conquistar o título de Professor Titular na UFBA. O trabalho inclui uma composição intitulada
"Rumos" op.72 e o texto é dedicado aos colegas do Departamento de CLEM.
Para os títulos das seções da tese (que são três), Widmer usa as partes da seguinte afirmativa: "A
contemporaneidade / não continuará sendo considerada irrelevante ou estranha / se a própria
aprendizagem se tornar um processo criativo".
5
Este autor insere no seu livro, as contribuições do I Encontro Internacional da Carta da Terra na
Perspectiva da Educação (1999) cujos 23 países participantes tentam contribuir para uma busca coletiva
para uma Terra sustentável.
6
Quando comecei a estudar Educação Musical com Widmer, na disciplina Iniciação Musical (que era a
matéria relacionada à didática do ensino de música), ele perguntou ao grupo: "quem quer fazer pesquisa
em educação musical?". Naquele momento eu nem sabia o que realmente aquilo significava, mas levantei
a mão dizendo que queria, por sentir que seria uma nova possibilidade de aprendizagem e descoberta. A
partir daí, Widmer organizou uma turma de alunos de sete e oito anos de idade, me entregou e eu comecei
a inventar estruturas sonoras com gráficos de música contemporânea, compor canções que integravam
elementos da cultura brasileira com sonoridades modernas, a usar semitons, a criar pontes educacionais
que motivassem os alunos a ouvir diversos tipos de músicas (de vários estilos e épocas), usando
elementos de dança, dramatização e artes visuais quando era necessário, para estimular os alunos,
aumentar a participação, facilitar a compreensão dos elementos de música e a relação interpessoal entre
eles e eu como professora.
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atualidade para trás"7, objetivando antes de mais nada, construir atitudes abertas para
com a arte de modo geral, com o ensino, e com a vida. Atitudes ortodoxas e anacrônicas
eram permanentemente questionadas e postas à prova diante dos desafios que eram
colocados nas propostas pedagógico-musicais que Widmer e seus seguidores8
propunham naquele contexto sócio-musical brasileiro/baiano das décadas de 50 a 80.
O texto, o contexto
O ensino e o pretexto
De acordo com um dos seus primeiros alunos de composição, Jamary Oliveira
(2004), Widmer sempre dizia: "não importa qual a desculpa, o importante é compor".
Fica clara a visão de Widmer sobre a necessidade e importância da motivação, da
estimulação, do "pretexto" para que houvessem impulsos e energias criativas no ensino
de composição, teoria da música, educação musical e apreciação musical. Em texto
publicado no Boletim 3 (1969) do Grupo de Compositores da Bahia, ele chega a nomear
essas oportunidades de "armadilhas" que "precisam ser preparadas ao longo do caminho
da aprendizagem." Naquela escola de música, implantada com algumas características
de conservatório europeu do século dezenove, essa postura criativa impulsionou alunos
e professores a criar, a compor música e envolver-se na contemporaneidade de forma
ativa e envolvente.
7
Visão expressa por Widmer em "Bordão e Bordadura", texto também escrito em Salvador, Bahia (1970)
para ingressar na categoria de Professor Assistente da UFBA. Foi publicado na revista da UFBA,
Universitas (v. 8/9, 1971).
8
Widmer trabalhou em grupo. Dentre os que trabalhavam com Widmer em Composição estavam Jamary
Oliveira, Fernando Cerqueira, Rinaldo Rossi, Miltom Gomes, Ilza Nogueira, Carmem Mettig Rocha,
Lucemar Ferreira. Em Educação Musical estavam Aída Zollinger, Ida Meirelles, Carmem Mettig Rocha,
Maria da Graça Santos, Alda Oliveira.
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pontes educativas inventadas por Widmer na sua trajetória acadêmica. Neste texto
porém, centramos na sua tese de Professor Titular, que se refere ao projeto
"ENTROncamentos SONoros". Deste projeto participei como intérprete (piano). Por
meio desta ponte educacional, Widmer colocou em prática, através de "situações,
pontos de partida, rumos e metas" a sua visão para reorientar o ensino e a divulgação da
música, principalmente a contemporânea. Estreando obras do Grupo de Compositores
da Bahia, (assim eram chamados os participantes do movimento vanguardista baiano),
através do uso de recursos multimeios como slides e a participação de narrador, esta
proposta entrosava9 o público com as sonoridades contemporâneas e com a mentalidade
atual sobre música e as demais artes. Sobretudo, aplicando na prática o que sempre
defendia: "a eficácia de um pedagogo se mede através de sua habilidade em aplicar os
diversos graus de dificuldade, ora recuando para não frustrar ora avançando para
estimular." (Widmer, p. 9). No final do texto da sua tese que aqui analisamos, este autor
oferece a possibilidade da execução de uma obra musical que ilustra os seus princípios
educacionais. Apresenta uma análise sucinta da obra "Rumos, op. 72", que foi elaborada
e realizada em equipe com o Grupo de Compositores da Bahia. Esta obra, de acordo
com o próprio Widmer, pretende "evidenciar a ligação inerente entre o tronco da arte
musical e as ramificações do mundo sonoro do público, ou vice-versa, visando o seu re-
atamento." (p. 17). Observamos que a sua postura metodológica está assentada
fortemente na própria música e no exercício constante de fazer relações entre música,
ouvinte, professor, músicos, cotidiano, contexto sócio-cultural, demais artes.
"Rumos op. 72", composição que aplica a sua visão educativa a partir do
contemporâneo, como uma possibilidade criativa onde se poderá aplicar a sua proposta.
Esta obra foi o primeiro trabalho do projeto "Entroncamentos Sonoros", "elaborado e
realizado em equipe pelo Grupo de Compositores da Bahia" (Widmer, 1972, p. 17). Esta
faceta de Widmer, de saber como ninguém, oportunizar aos companheiros chances de
trabalhar com as suas próprias idéias e projetos, e de trabalhar em equipe. Poderia
significar insegurança, poucos saberes em alguns assuntos, porém, como disse
Gonzaguinha, Widmer sabia "cantar a beleza de ser um eterno aprendiz", talvez a maior
sabedoria do bom professor.
Em termos teóricos, Widmer usa neste texto diversas citações de autores como
Paul Klee, John Cage, Mc Luhan, Leonardo Froes, R.U. Ringger, Jorge Zulueta, Jean
Piaget, Oliveira Lima, Edgar Willems, Umberto Eco, David Cope, visando reforçar as
suas idéias sobre um ensino contemporâneo da música. Widmer procurou autores que
expressavam a sua maneira de pensar e atuar, relacionando-os com a sua visão
inovadora. Talvez possa ser considerado um precursor da filosofia do cotidiano na
educação musical no Brasil.
Apesar de Widmer ter usado como referência Jean Piaget, a sua linha de pensamento
educacional talvez se aproxime mais de Vygotsky (1896-1934), um teórico do
desenvolvimento cognitivo que defende esta integração do desenvolvimento interno
com as forças ambientais. Este autor defende a relação entre as duas linhas de
desenvolvimento: a "linha natural" que emerge de dentro, e a "linha sócio-histórica" que
influencia o indivíduo de fora para dentro. Vygotsky morreu muito cedo (aos 38 anos de
idade). Mesmo assim, muitos psicólogos acham que para construirmos uma teoria
integrada do desenvolvimento, devemos construí-la a partir do que este autor nos
deixou. (Crain, 1992: 194) Em termos do controle verbal do comportamento, Vygotsky
descreveu os estágios do desenvolvimento das crianças de forma geral, mas o seu aluno
Luria, considerado um dos grandes neurologistas da história, desenvolveu pesquisas
sobre internalização de comandos de adultos nas crianças. Ele estudou como a criança
desenvolve a capacidade de obedecer o comando de adultos e depois consegue aplicar
esses comandos a si mesma, regulando o seu próprio comportamento. Luria concluiu
que essa habilidade se desenvolve lentamente. Tendo presenciado Widmer em ação
educativa, pode-se observar uma postura integradora e de respeito pelo tempo do aluno
para amadurecer a partir das suas próprias vivências, mas sem deixar de reconhecer a
importância das motivações e estimulações externas. A obra "Rumos" é uma dessas
estimulações. O projeto "ENTRO-SON" também.
10
C(L)A(S)P: Composição, Literatura, Apreciação, Técnica e Performance. Alda Oliveira e Liane
Hentschke traduziram este modelo com a sigla (T)EC(L)A. Neste modelo as atividades básicas são
composição, apreciação e performance. As atividades de literatura e técnica são complementares.
30
que diz respeito à relação do contemporâneo com a cultura e o contexto local, mas
também ao tomar como base a vivência do aluno, ao estudar o cotidiano escolar, ao
defender a interligação entre as várias atividades musicais centrando na própria música
e nos relacionamentos sócio-culturais, que podem levar a novas representações,
produtos e tornar a experiência musical significativa.
A partir desse contato com o texto ora analisado, podemos sentir a influência
que Widmer nos deixou. Mesmo sem uma consciente aproximação teórica, podemos ver
desdobramentos da proposta de Widmer, embora mais de cunho teórico do que prático.
Em trabalhos anteriores temos defendido uma visão de planejamento e postura
metodológica para o educador musical como compositor de pontes ou estruturas de
ensino-aprendizagem, ou pontes educacionais. Evitando modelos ideais de metodologia
do ensino de música, esta visão de organização e descrição analítica da atividade ou do
caminho da ação docente vê a relação de ensino/aprendizagem como dialética e
dinâmica, pois, como na vida real, todo relacionamento humano pode apresentar
variadas formas de abordagem, planejadas ou não, duradouras ou curtas. Assim é que
usamos o termo pontes educacionais. Para ilustrar e instigar o professor, criamos um
acróstico para descrever algumas características importantes para o desenvolvimento de
uma atitude ou abordagem em relação ao ensino de música.
11
Projeto com crianças de 6 a 13 anos de idade, intitulado "Por uma busca de metodologia da Educação
Artística Integrada", coordenado por Dulce Aquino (Dança). Departamento de Educação Artística da
UFBA. Professores: Alda de Oliveira (Música), Suzana Coelho (Dança), Eunice Tabacoff (Psicologia),
Dalva Santiago (Teatro e Artes Visuais). Período: 1969-1975.
12
Estas atividades do professor foram descritas no artigo "Atividades do Professor numa fase exploratória
de um curso de expressão artística", publicado na revista UNIVERSITAS, da Universidade Federal da
Bahia, número 25, pp. 47-63, 1979. A revisão do texto foi feita pelo Prof. Ernst Widmer.
32
contexto e os atores. Widmer tentava sempre entender o que o aluno queria expressar.
Muitas vezes apenas deixava a dúvida, a crítica, o desafio como respostas.
Olhando o seu texto com mais detalhes, Widmer coloca (p. 9) como desafio e
tarefa para o educador musical e para o compositor: aproximar a capacidade criadora
dos homens, explorando-a seriamente, visando aproximar mais as pessoas da arte
contemporânea. Apresenta uma aguçada intuição pedagógica quando afirma que "será
preciso descer às raízes: à vivência e experiência, proporcionar condições que
favoreçam percepção, assimilação e intelecção." (p. 9) Mesmo no que se refere a
assuntos educacionais e de psicologia educacional, o autor se refere a problemas de
aplicação de métodos de ensino que graduam assuntos do fácil ao difícil, argumentando
que o difícil difere de pessoa a pessoa, antecipando a visão de Keith Swanwick sobre
desenvolvimento musical, avaliação e planejamento de ensino de música. Para Widmer,
a "eficácia de um pedagogo se mede através de sua habilidade em aplicar os diversos
graus de dificuldade, ora recuando para não frustrar ora avançando para estimular." Isso
porque o que é fácil para um não é fácil para outro, causando distorções grotescas na
avaliação.
Widmer fundamenta a sua visão educacional, usando Chr. v. Ehrenfels, que já
em 1890 introduzia o termos "qualidade estrutural" (Gestaltqualitaet) ou simplesmente
"estrutura" (Gestalt). Ou seja, para este teórico estaria confirmado "que, na vivência,
existem qualidades que não se deixam derivar da convergência de elementos ou
'unidades irredutíveis', mas que são mais do que a adição ou soma destes últimos....[e
confirma também] que inexistem, absolutamente, vivências meramente aditivas,
elementares....mas, pelo contrário, somente 'estruturas' ou totalidades [complexas]." (p.
10). O professor alemão Rolf Gelewski13, que também trabalhou vários anos na Escola
de Dança da UFBA, foi contemporâneo de Widmer. Como músico e dançarino,
trabalhou muitos anos com estruturas sonoras, levando alunos de dança e música a
analisar oralmente músicas de vários estilos, com alguma ênfase na tendência
contemporânea. Nesse contexto de permanentes e significativos contatos entre
13
Trabalhei 6 anos como pianista da Escola de Dança da UFBA. Rolf Gelewski era um professor muito
concentrado, exigente e tinha uma alta demanda pelo trabalho do dançarino e também do pianista que
acompanhava as suas aulas. Nas disciplinas Improvisação, Coreografia e de Técnica Moderna para o
"Grupo de Dança Contemporânea da UFBA" ele nos dava músicas de diferentes compositores para tocar
e analisar, além de exigir muitas improvisações ao piano, em permanente contato com as coreografias e
exercícios técnicos.
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Ernst Widmer demonstrou o seu respeito e afeto pela sua escola, dedicando o
texto aos colegas do Departamento de Composição, Literatura e Estruturação Musical -
CLEM. Uma tese sucinta, inovadora e capaz de gerar muitos caminhos a serem
percorridos. Esta tese é uma proposta inovadora de Widmer. O autor contribuiu com a
sua prática docente em teoria da música, educação e composição musical, e com a
produção de textos, programas de ensino, projetos educacionais e composições que
combinam o tradicional com outras sonoridades contemporâneas e multimeios. Formou
toda uma geração de músicos que têm tido uma relevante atuação para o
desenvolvimento da área de Música no Brasil e no mundo. Suas propostas na área de
educação musical ainda hoje são importantes e podem ser um aporte indispensável para
fundamentar novas propostas para o ensino de música no país.
BIBLIOGRAFIA