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Respiração  

Artigo publicado na Revista Magníficas 
Por Fernando Dissenha  
 
 
Introdução 
 
 
  Os leitores do meu primeiro artigo já estão familiarizados com o nome do grande artista Arnold Jacobs, que 
foi um dos maiores especialistas no ensino de instrumentos de metal no mundo. Depois de mais de cinqüenta anos 
de experiência, Jacobs sintetizou a importância do estudo da respiração da seguinte maneira:“Ótima musica pode 
ser feita sem um conhecimento específico do corpo. Da mesma maneira que, um motorista comum não necessita 
saber  sobre  a  mecânica  do  carro  para  dirigir.  Entretanto,  para  um  piloto  profissional,  o  conhecimento  da  parte 
mecânica do carro é muito importante. A mesma abordagem se aplica ao conhecimento sobre respiração. No dia‐a‐
dia,  não  é  necessário  pensar  em  como  respirar  corretamente.  Todavia,  para  uma  atividade  mais  especifica  como 
tocar um instrumento, o conhecimento da respiração pode ser benéfico”. (Frederiksen, 1996, p.99).   
 
 
Ar como Combustível   
 
 
  O  ar  é  um  gás  existente  na  atmosfera  terrestre,  constituído  por  oxigênio  (20%),  nitrogênio  (79%)  e 
quantidades variáveis de vapor d`água, dióxido de carbono, argônio, e outros gases nobres. Quando respiramos, o 
oxigênio é absorvido e, depois de se realizarem as trocas necessárias para gerar energia indispensável à manutenção 
da  vida,  expelimos  o  gás  carbônico  resultante  das  queimas  orgânicas.  Musicalmente  falando,  o  ar  também  é  o 
“combustível” para os lábios produzirem vibrações que, amplificadas de acordo com propriedades acústicas de cada 
instrumento, geram o som. Para o professor Chris Gekker ‐ com quem estudei na Juilliard School ‐ o sopro funciona 
como o arco para os instrumentistas de corda. Sem movimento do arco não existe som, pois as cordas não vibram. 
Similarmente, sem o sopro vibrando os lábios, não existe som. Para as atividades cotidianas, usamos somente uma 
pequena porção da nossa capacidade respiratória. Freqüentemente (e felizmente!) nem precisamos pensar nisso. O 
nosso  corpo  cuida  automaticamente  de  tomar  o  ar  necessário  e  de  como  utilizá‐lo  da  forma  mais  eficiente.  As 
exigências da música (frases, duração de notas, dinâmicas, articulações, etc.) nos obrigam a ter um controle maior 
sobre como sopramos.   
 
Inspiração 
 
 
  A inspiração ‐ tomada de ar ‐ pode ser feita pelo nariz ou pela boca. Deveríamos sempre respirar pelo nariz, 
que  purifica,  umedece  e  aquece  o  ar,  tornando‐o  ideal  para  a  inspiração.  Muitas  vezes,  porém,  de  acordo  com  as 
necessidades musicais, precisamos tomar ar rapidamente e a inspiração pelo nariz é lenta. A tomada de ar pela boca 
resulta  em  uma  quantidade  maior  de  ar  inalado  em  menor  tempo.  Alguns  excelentes  músicos  também  usam 
respirações rápidas pelo nariz no meio das frases, ou ainda tomam ar pela boca e nariz simultaneamente. Um ponto 
importante  na  inspiração  é  manter  a  garganta  relaxada  o  tempo  todo  para  reduzir  a  fricção  do  ar  ao  mínimo.  A 
melhor  forma  de  demonstrar  o  relaxamento  necessário  da  garganta  é  fazer  um  bocejo.  Repare  quando  bocejar  a 
sensação de abertura e relaxamento da garganta. A língua também não deve impedir a tomada de ar. Experimente 
inspirar posicionando a língua como se estivesse falando “i”, “ê”, “é”, e finalmente “a”. Progressivamente é possível 
sentir que o bloqueio à passagem do ar diminui; por conseqüência, mais ar é inspirado. O famoso professor James 
Stamp sugeria aos alunos utilizar a palavra “up” (soa “ap”, em português) no momento da inspiração.    
 
 
 
 
Diafragma 
 
 
  O  diafragma  é  o  músculo  que  separa  a  cavidade  abdominal  da  torácica.  Quando  contraído,  o  diafragma 
desce,  aumentando  a  cavidade  do  peito  e  diminuindo  a  pressão  interna  do  ar,  que  por  conseqüência,  entra  nos 
pulmões.  O  funcionamento  do  diafragma  se  assemelha  ao  de  um  pistão  de  antigos  borrifadores  caseiros  de 
inseticida.  Quando  o  pistão  é  puxado  para  trás,  a  pressão  interna  do  reservatório  do  líquido  diminui  e,  quando  o 
pistão é empurrado para frente ‐ como para espirrar o inseticida ‐ a pressão interna aumenta. Para uma respiração 
mais profunda, as costelas são elevadas e expandidas. Pequenos aumentos em volume podem ser obtidos ainda com 
adicional  elevação  das  costelas  por  músculos  localizados  nas  costas  e  pescoço.  Pode‐se  observar  também  que  os 
órgãos  do  corpo  logo  abaixo  do  diafragma  ficam  com  menor  espaço,  o  que  causa  uma  expansão  do  diâmetro  da 
cintura. É importante enfatizar esse ponto, pois quando afirmo que devemos utilizar em primeiro lugar a parte baixa 
dos  pulmões  para  respirar,  não  estou  me  referindo  obviamente  a  tomar  ar  na  cintura.  Aliás,  isso  é  uma 
impossibilidade física! A expansão da cintura é um resultado da contração do diafragma no momento da inspiração. 
A  utilização  inicial  da  parte  baixa  dos  pulmões  é  também  defendida  pelo  professor  alemão  Malte  Burba.  Se  o 
indivíduo só respirar com “o peito” ‐ parte alta dos pulmões ‐ ele usará somente uma parte da capacidade total dos 
pulmões. Algo como usar somente uma parte de uma esponja como explica o professor Burba. Se não usada, a outra 
parte da esponja ficará dura, quebradiça e estragará com o tempo pela falta de uso. Tome cuidado também para que 
seu  corpo  não  o  engane  na  inspiração.  Explico  melhor:  muitos  instrumentistas  realizam  todos  os  movimentos 
fisicamente  corretos  na  tomada  de  ar,  mas  infelizmente  pouco  ar  entra  nos  pulmões.  Não  tente  simplesmente 
expandir  o  corpo  ‐  pense  em  tomar  ar  para  expandi‐lo.  Alerto  também  que  o  fumo  é  inadmissível  para  qualquer 
instrumentista de sopro com ambição de uma carreira longa e uma vida saudável.   
 
 
 
 
Quantidade de Ar  
 
 
  Em  2001,  em  uma  master  class  em  São  Paulo,  Philip  Smith  ‐  grande  artista  da  Filarmônica  de  Nova  York  ‐ 
usou uma abordagem esportiva para explicar quanto ar é necessário para tocar. Ele comparou a quantidade de ar a 
ser  tomada  com  tacadas  em  um  jogo  de  golfe.  Se  a  bola  está  no  green  ‐  região  próxima  do  buraco  ‐  não  há 
necessidade  de  uma  grande  tacada.  É  a  situação,  por  exemplo,  de  tocar  uma  nota  de  curta  duração  no  registro 
médio  do  instrumento.  Por  outro  lado,  se  temos  uma  longa  frase  musical,  podemos  pensar  como  um  full  swing  ‐ 
balanço total do corpo ‐ o que é semelhante e a uma tacada de centenas de metros. Não há necessidade de sempre 
se tomar o máximo de ar para tocar. É arriscado, porém, calcular o mínimo de ar que será usado para uma passagem 
musical. Lembre‐se sempre que alguma “surpresa musical” pode acontecer, especialmente nos finais de frase. Além 
do mais, o ar tem que manter todas as funções físicas e mentais do corpo. É sempre recomendável tomar mais ar do 
que você imagina que vai precisar.   
 
 
Expiração 
 
 
  Como  já  mencionei  na  primeira  parte  desse  artigo  (Revista  Magníficas  18),  o  nosso  corpo  cuida 
automaticamente  da  inspiração  e  da  expiração.  Para  atividades  cotidianas,  a  expiração  passiva  ‐  baseada  na 
elasticidade dos pulmões ‐ é suficiente. Entretanto, quando tocamos um instrumento de sopro, necessitamos de um 
controle maior da quantidade e da velocidade que o ar é soprado. O nosso corpo já tem “programas” prontos para 
realizar essa tarefa.   
  Como você apaga as velas de um bolo de aniversário? A resposta é fácil: soprando. Você não precisa pensar 
como seu corpo fará essa tarefa. Você vai simplesmente tomar muito ar, e soprar continuamente para realizar esse 
“produto”.  O  seu  corpo  automaticamente  decidirá  que  músculos  serão  utilizados  para  cumprir  o  que  você  deseja 
fazer. 
  Esse  “programa”  também  funciona  quando  tocamos  um  instrumento  de  sopro:  tomamos  ar  e  pensamos 
como uma frase deve soar. Mais uma vez, o corpo se encarregará de mover o ar necessário para que esse “produto” 
que imaginamos (frase musical),  seja criado. Esse conceito, chamado de Wind and Song (Vento e Melodia), é a base 
de  toda  a  pedagogia  de  Arnold  Jacobs  e  outros  excelentes  artistas  de  instrumentos  de  sopro  no  mundo. 
Infelizmente,  alguns  professores  ainda  ensinam  o  conceito  equivocado  de  “suporte  diafragmático”  (sic).  Parece 
óbvio,  mas  quando  expiramos  os  músculos  da  inspiração  não  devem  ser  ativados.  A  tensão  no  diafragma  no 
momento  da  expiração  gera  um  conflito  de  funções  no  corpo,  podendo  disparar  uma  situação  chamada 
cientificamente de Manobra de Valsalva. Esse fenômeno ocorre quando a glote é fechada e os músculos expiratórios 
são ativados ao máximo, aumentando assim a pressão intra‐abdominal e intratorácica. Essa expiração forçada contra 
a  glote  fechada  é  usada  no  esporte  (levantamento  de  pesos),  na  medicina  (como  ferramenta  para  diagnosticar 
anomalias no coração), e em outras atividades que exigem uma aplicação rápida de força por um período curto. Para 
os instrumentistas de sopro, a Manobra de Valsalva é muito prejudicial, e deve ser evitada a todo custo.    
  No  artigo  The  Dynamics  of  Breathing  de  Kevin  Kelly,  o  professor  David  Cugell  (Northwestern  University 
Medical  School),  descreve  um  interessante  estudo  realizado  na  Inglaterra  com  alguns  cantores  profissionais.  Foi 
observado  o  movimento  do  diafragma  durante  o  canto,  utilizando  um  equipamento  específico  para  este  fim. 
Primeiramente,  os  artistas  eram  orientados  a  cantar  usando  o  “suporte  diafragmático”;  em  seguida,  os  mesmos 
cantores repetiram o teste de forma supostamente errada, ou seja, sem o “suporte”. Como esperado, o resultado 
dos dois testes foi exatamente igual. O suporte não vem da tensão do diafragma, mas sim, do movimento do ar ‐ que 
acontece pela atuação dos músculos abdominais e peitorais.   
 
 
Menos Ar, Mais Força   
 
 
  Existe uma relação inversa entre a quantidade de ar nos pulmões e a força muscular para soltá‐lo. Explico 
melhor: menos ar nos pulmões significa maior esforço físico para tocar. Esse conceito pode ser demonstrado usando 
o exemplo de dois tubos de pasta dental ‐ um cheio e outro quase vazio. No tubo cheio, uma pequena pressão dos 
dedos resultará em uma saída rápida da pasta. Compare agora a situação no tubo quase vazio ‐ você pode puxar, 
esticar,  enrolar  e  espremer  o  pobre  tubo,  e  quase  nada  de  pasta  vai  sair.  É  hora  de  comprar  um  novo  tubo!  
Experimente testar esse conceito no seu instrumento, tocando uma longa frase, mas com pouco ar nos pulmões. À 
medida que o ar vai acabando, os músculos abdominais vão trabalhar cada vez mais. Apesar desse grande esforço 
muscular, somente uma pequena quantidade de ar será movida. Você respirou pouco ‐ o “tubo” está vazio. É fácil 
prever  que  essa  coluna  de  ar  não  será  suficiente  para  “abastecer”  a  vibração  de  seus  lábios.  (Ver  o  artigo 
Embocadura na Revista Magníficas 16).  
  Respirar  bem  ajuda  muito  nas  retomadas  de  ar  ‐  as  inspirações  entre  as  frases.  Como  analogia,  pense  no 
tanque de combustível de um carro. Algumas pessoas reabastecem somente quando o tanque chega na reserva, e 
ainda  assim,  colocam  poucos  litros.  Se  você  dirigir  em  terreno  íngreme,  o  carro  terá  dificuldade  para  obter  o 
combustível  no  fundo  do  tanque,  e  você  pode  ficar  a  pé!  Voltando  ao  instrumento,  quando  você  respira  pouco  ‐ 
chegando “na reserva” em cada frase ‐ o esforço muscular para expelir o ar será muito grande. Lembre‐se: menos ar, 
mais força. Além disso, não é recomendável usarmos aquele último ar dos pulmões, tecnicamente chamado de “ar 
residual”, pois é inconsistente. Evite que o ar nos pulmões fique “na reserva”, inspire mais e com maior freqüência. 
   
 
 
Pressão e Fluência   
 
 
  Arnold Jacobs descrevia a diferença entre pressão e movimento do ar da seguinte maneira: “Com o vento 
(sopro), sempre existe pressão de ar. Com pressão de ar, nem sempre existe vento” (Frederikson, p. 119). Teste esse 
o  conceito  de  pressão  de  ar  colocando  o seu  dedo  indicador  no  centro  dos  seus  lábios,  forme  a  sua  embocadura, 
inspire, e segure o ar por alguns segundos. Quando você soltar o dedo e expirar, um pequeno estouro irá acontecer ‐ 
isso é o ar sob pressão. No início, um grande volume de ar será expelido, mas por poucos instantes, caso não haja 
um sopro contínuo.   
  Para  demonstrar  a  fluência  de  ar  coloque  a  palma  da  mão  na  frente  da  boca  e  sussurre  “uuuuu”  ‐  sinta  o 
grande  volume  de  ar  exalado,  sob  baixa  pressão.  Sopre  agora  pronunciando  “sssss”.  Repare  agora  a  pequena 
quantidade de ar, mas dessa vez, exalado com muita pressão.   
  Especialmente  nas  dinâmicas  suaves  no  registro  agudo,  busque  sempre  a  sensação  de  fluir  o  ar.  Pretendo 
abordar mais o tema de estudos de fluência (flow studies) em futuros artigos.    
 
 
Conclusão 
 
 
  Nos  festivais  de  música  que  participo,  percebo  que  os  instrumentistas  de  sopro  ainda  têm  muitas  dúvidas 
sobre o correto uso da respiração. Infelizmente, o desconhecimento e o uso de conceitos equivocados atrapalham o 
desenvolvimento  musical  dos  estudantes.  É  fundamental,  portanto,  que  os  professores  busquem  a  abordagem 
correta para ensinar as complexidades da respiração. Espero que esse artigo sirva como mais uma fonte de pesquisa 
para  esclarecer  algumas  dúvidas  sobre  esse  assunto.  Sugiro  também  a  leitura  dos  livros  e  artigos  que  incluí  na 
pequena  bibliografia.  Trata‐se  de  excelente  material  de  pesquisa,  que  auxiliará  na  obtenção  de  informações 
adicionais.  Por  fim,  todas  as  dúvidas  e  perguntas  são  bem‐vindas,  e  podem  ser  encaminhadas  para  a  redação  da 
Revista Magníficas.   
 
Um abraço e bons estudos.   
 
Referências Bibliográficas    
 
BURBA, Malte. Brass Master‐Class. Mainz: Schott Musik International, 1997.   
 
FARKAS, Philip. The Art of Brass Playing. Rochester: Wind Music, 1962.   
 
FREDERIKSEN, Brian. Arnold Jacobs: Song and Wind. WindSong Press, 1996. 
   
KELLY, Kevin. The Dynamics of Breathing ‐ A Medical/Musical Analysis. Northfield: The  Instrumentalist  Publishing 
Company, 1991.   
 
KLEINHAMMER, Edward e YEO, Douglas. Mastering the Trombone. Hannover: Edition Piccolo,   1997.  
 
RIDGEON, John. How Brass Players Do It. Manton: Brass Wind Educational Supplies &   Company, 1976.   
 
SIMÃO, Roberto. A Manobra de Valsalva Durante o Exercício de Força.Texto obtido no site:   www.sanny.com.br. 
Fit News, 2002.  

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