A preocupação de Arendt concentra-se nos “instantes raros que
são aqueles nos quais se revela com maior intensidade as determinações essenciais do político, isto é, a capacidade humana de agir de forma concertada e discutir publicamente assuntos de interesse comum. Arendt não é uma teórica sistemática da política, mas uma pensadora do político em sua excepcionalidade, ou seja, uma pensadora do político como evento, como instauração da novidade deixada impensada pela tradição do pensamento político ocidental” Duarte, André, Modernidade, biopolítica e violência: a crítica arendtiana do presente, p.38. Pensamento sobre a Ação Política e a formação do Espaço Público na Polis grega. • As 3 atividades humanas fundamentais que constituem o ideal grego de “Vita Activa”, ou seja, 1º.Labor: é a atividade que existe para produzir tudo que é vital ao homem, onde ele (aqui tratado como animal laborans) retira da natureza tudo que é necessário para a manutenção da vida, mostrando o caráter biológico dessa atividade ligada ao naturalismo radical do ser humano. Atividade vinculada à conservação da espécie e da vida enquanto tal, é a que mais aproxima o ser humano dos animais. 2º. Trabalho: é a atividade de transformação da natureza, onde o homem é tratado como homo faber (fabricador), e tem como virtude intelectual a "techné" (capacidade raciocinada de produzir, inteligência produtora, técnica). O trabalho produz um mundo artificial entre o homem e a natureza: os objetos de uso, a poiésis (obra) que continua na Terra, estabelecendo uma morada para o homem. O criador morre e a obra vive: os objetos do trabalho possuem durabilidade, objetividade, reversibilidade, além de permanência à futilidade humana. 3ª Ação: • Retomando o conceito de homem em Aristóteles – animal político, ou seja, “ser vivo dotado de fala” -, Arendt diz que, para os gregos, os bárbaros, que não viviam na Polis, eram destituídos de fala, de “um modo de vida no qual o discurso e somente o discurso tinha sentido e no qual a preocupação central de todos os cidadãos era discorrer uns com os outros” . • Assim, na concepção original grega de política, diferentemente da companhia natural da espécie, para satisfazer as necessidades da vida biológica, o que caracteriza a vida na polis era a ação política que se efetivava na cena publica pela ação (práxis) e pelo discurso (lexis). (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p. 36) • Refletindo o condicionamento da vida em comum sobre as atividades humanas – o labor, a fabricação e a ação –, Arendt afirma que a ação é a única atividade que “não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens” , além de depender inteiramente da constante presença dos outros, e por isso mesmo, “só a ação é prerrogativa exclusiva dos homens” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.31.) Diferentemente das necessidades biológicas do individuo ou da conservação da espécie, a manifestação da ação e da palavra lida com algo que é estritamente humano e “nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de ser humano”. Arendt, Hannah. A Condição Humana, p. 36. • Locus (locais) das atividades humanas:
1) Espaço Privado = Labor e Trabalho.
2) Espaço Público = Ação de Discurso Político.
• Distinguindo duas esferas da vida na polis, a casa (oikia), lugar da família, esfera da vida privada; e a esfera dos negócios humanos, ou seja, a esfera pública, a autora nos informa que diferentemente da força e da violência, características próprias do despotismo doméstico, ser político na Polis significa que tudo era decidido mediante palavras e persuasão – a retórica, de acordo com Aristóteles. Esfera Privada: • Unindo as pessoas por suas necessidades e carências, a esfera privada na Polis grega tinha a função da manutenção da vida individual e da espécie. Para atingir tais objetivos, a família utiliza a violência e a força como meio de vencer a necessidade e alcançar a liberdade. Apesar de não ser a finalidade da vida na Polis, a esfera privada era necessária na medida em que “a vitória sobre as necessidades da vida em família constituía a condição natural para a liberdade da Polis”. (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p. 40). • Casa = Desigualdade e depotismo. • Ágora = Isonomia e liberdade.
• Se por um lado, a esfera da Polis era a esfera da liberdade e se
diferenciava da família pelo fato de somente conhecer “iguais”, a família era o centro da mais severa desigualdade.
• A liberdade na Polis significava ao mesmo tempo “não estar sujeito às
necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar”, ou seja, a igualdade na Polis era a essência da própria liberdade, na medida em que esta significava “viver entre pares e lidar somente com eles. (...) Ser isento da desigualdade presente no ato de comandar, e mover-se numa esfera aonde não existe governo nem governados” . (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p. 42) • Porem, a igualdade na Polis, o privilégio de viver entre pares, não significava a homogeneidade dos cidadãos. A esfera publica era permeada pelo espírito de acirramento, era o espaço onde cada homem tinha que constantemente se diferenciar de todos os outros, de mostrar através de seus feitos e discursos que era o melhor de todos; realizações estas que transbordavam a própria existência dos indivíduos. Assim, é na esfera pública que o cidadão deixava sua marca, sua obra no mundo, como um ser singular. • Para Arendt, a pluralidade humana é a condição básica da ação e encerra um duplo aspecto: • um de igualdade, na medida em que possibilita os homens se relacionarem entre si, com seus ancestrais e com os que vierem a existir (ou seja, constitui uma comunidade); • é uma diferenciação, na medida em que, se fossem todos iguais, os homens não precisariam da palavra para exprimir suas vontades. Outra característica desta diferenciação entre os seres humanos, é que somente o homem é capaz de comunicar a si mesmo. • Assim, “a pluralidade humana é paradoxal pluralidade de seres singulares” , que só vem à tona pela ação e pelo discurso.
• Deste modo, a ação e o discurso são os modos pelos quais os
seres humanos manifestam-se uns aos outros, não como meros seres biológicos ou elementos físicos, mas enquanto homens. (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.189) • Para o homem da Polis, viver a sombra do mundo privado tem um sentido de privação; viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo “ser destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana: ser privado da realidade de que advém do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma relação ´objetiva` e eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles mediante um mundo de coisas, e privado da possibilidade de realizar algo mais permanente que a própria vida”
(Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.68).
• A ERA MODERNA:
• Diferentemente da concepção grega de ação política, no
uso moderno e na moderna concepção de sociedade a confusão entre a esfera pública e a esfera social se agravou. Se na Polis grega a esfera privada e a pública eram espaços distintos e essenciais para a vida política dos cidadãos, na sociedade moderna, com a ascensão “do social”, que não é nem público nem privado, a forma política predominante passou a ser o Estado Nacional. • . No social, cuja origem coincide com o surgimento da era moderna, a “linha divisória que separa o público do privado é inteiramente difusa, porque vemos o corpo de povos e comunidades políticas como famílias cujos negócios diários devem ser atendidos por uma administração doméstica nacional” , tento a economia-política como pensamento correspondente. • (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.39) • Como a esfera da família na Grécia Antiga, a esfera social da moderna sociedade de massas exclui qualquer possibilidade para a ação, que foi substituída pelo comportamento. Impondo inúmeras regras de condutas, normalizadoras, aos seus membros, a esfera social aboliu toda ação espontânea e inusitada. Tudo na sociedade é passivo de equalização e controle por meio da estatística, principal instrumento que só capta, dentro de uma grande escala de população e em um longo período de tempo, o homogêneo e previsível.