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Cérebro turbinado: as técnicas e remédios para melhorar a mente

Esse é o desejo da vez quando o assunto é saúde. Os métodos para conquistá-lo vão de
suplementos a – acredite – microdoses de LSD

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Para aqueles que acreditam na máxima de que o corpo é uma máquina, faz

sentido dizer que o cérebro é que comanda as engrenagens. Em última análise,

tudo que fazemos depende da performance desse órgão. A boa notícia é que

nunca tivemos tantos recursos para conhecê-lo, treiná-lo e, por que não, fazê-lo

funcionar melhor. Duas das descobertas mais importantes demonstram que o

cérebro é plástico e pode se adaptar, como qualquer músculo, e que os

neurônios, ao contrário do que se acreditava, são produzidos ao longo da vida, e

essa neurogênese pode ser estimulada. Veja os truques para fazer isso acontecer.
Suplemento para a cuca
Conhecidas como nootrópicos ou smart drugs, essas substâncias prometem

melhorar o desempenho mental de áreas responsáveis por memória,

concentração e velocidade de raciocínio, a partir de substâncias que não exigem

prescrição médica e que não teriam efeitos colaterais. Com nomes sugestivos,

como OptiMind, Alpha Brain e Lumonol, os coquetéis têm substâncias

como cafeína, colina e racetams, que teriam a função de estimular

neurotransmissores.
LEIA TAMBÉM
 Pesquisa revela que, quanto mais você lê, mais você vive
 Atividade cerebral muda de acordo com as estações, diz estudo

Esses produtos foram moda nos anos 1980 e voltaram a circular nas startups do

Vale do Silício. No Brasil, não há suplementos aprovados pela Anvisa. "O ser

humano está atrás de um milagre que turbine o cérebro, e é óbvio que há

medicamentos que podem aumentar o desempenho e a atividade cerebrais, mas

isso não necessariamente é positivo, pois eles podem ter malefícios e efeitos

colaterais a longo prazo.

O que está na moda são substâncias que seriam naturais, como aginina e L-

teanina, mas não há comprovação de efeito. Muitas dessas substâncias já foram


estudadas e se mostraram ineficazes", afirma o neurologista Renato Anghinah,

professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP. Ele cita o caso do

ginkgo biloba, que foi uma febre nos anos 1990, mas até hoje não há estudos

conclusivos de que a substância proteja ou melhore a performance da atividade

mental.

Comida esperta
Não se espante se ouvir falar – e muito – sobre brain food. A neuronutrição está
em alta e tem como foco os ingredientes que podem melhorar a concentração e a

memória e combater os efeitos do envelhecimento no cérebro. No hotel London

Corinthia, na capital inglesa, a neurocientista Tara Swart desenvolveu um menu

que melhora a atividade mental: "Alguns alimentos têm poder maior de turbinar

o cérebro. Uma boa hidratação e boas gorduras (ovos, peixes de águas

profundas, abacate, nozes, azeite e óleo de coco) melhoram a capacidade de

pensar e tomar decisões", explica. "Magnésio é importante para reduzir os níveis

de cortisol, o hormônio do estresse. Boas fontes são folhas verde-escuras ou até

suplementos", explica a cientista, que toma uma colher de óleo de coco batida

com a bebida do café da manhã. "Dá um gás na capacidade cognitiva 20


minutos depois de tomar", garante.
Se quiser começar as mudanças agora, beba água. "Uma baixa de 1% a 3% na

hidratação já pode afetar negativamente memória, concentração e capacidade de

decisão. Invista em alimentos como pepino, melancia e alface e tente beber pelo

menos meio litro de água por dia a cada 15 kg de peso corporal." A nutricionista

funcional Priscila di Ciero complementa: "Ovos têm fosfatidilcolina, uma

vitamina que forma a parede de células do corpo inteiro, inclusive do cérebro",


explica. Aliás, as colinas estão em boa parte das brain drugs, mas nos ovos a
absorção é melhor. Cúrcuma, que dá o amarelo do curry, tem curcumina, que

melhora a oxigenação do cérebro. "A dica é usar com pimenta, que melhora sua

absorção.”

As frutas vermelhas têm antocianinas, que previnem o envelhecimento, e o café

continua com o posto de estimulante imbatível: duas a três xícaras por dia

ajudam a turbinar a memória. "Existem vários nutrientes e fitoterápicos que

atuam como calmantes e antidepressivos, como a L-teanina (aminoácido

presente no chá-preto), a valerina (planta com propriedades calmantes e

sedativas) e o triptofano (presente em alimentos como a banana), que ajuda a


formar serotonina e tem efeito antidepressivo e de bem-estar", diz a especialista.

E passe longe do excesso de açúcar, adoçantes, cigarro e poluição. O cérebro

inflama – e muito! Essa lista de substâncias neurotóxicas pode acelerar o

envelhecimento do órgão.

Neurônios adestrados
A ciência finalmente reuniu provas de que atividade física altera a plasticidade

do cérebro, incluindo o nascimento de novos neurônios e a capacidade de

regular funções como memória e criar novas conexões no hipocampo, ligado à

aprendizagem. “Os exercícios aeróbios, em sessões de no mínimo meia hora,

duas ou três vezes por semana, são o mínimo para obter os benefícios”, afirma a

neurocientista e professora de yoga e corrida Valéria Duarte Garcia.

Já a malhação mental tem outras diretrizes: praticar uma atividade diferente do

seu cotidiano estimula partes “sedentárias” do cérebro. O neurocientista Larry

Katz, autor do livro Mantenha seu Cérebro Vivo (ed. Saraiva), criou a chamada

neuróbica, exercícios que oferecem novos estímulos cerebrais. Ele dá dicas para

começar a explorar a malhação mental. A primeira é usar seus sentidos em um


contexto diferente (vestir-se no escuro, por exemplo).
A segunda é mudar o foco da atenção: fazer uma trilha na natureza aciona

sentidos diferentes daqueles usados na cidade. A terceira é mudar rotinas do

cotidiano, como usar a mão esquerda para escovar os dentes se você é destro. A

quarta é usar associação com alguma informação pessoal, espacial ou instigante

para guardar uma informação: volte à época do cursinho, quando você usava

frases engraçadinhas para lembrar uma fórmula. É o mesmo princípio.

Reset na máquina
No corpo humano, a meditação é a forma de dar um Ctrl+Alt+Del. "Um estudo
realizado por pesquisadores de Harvard constatou que a meditação modifica

áreas estruturais do cérebro, mais especificamente a massa cinzenta", conta

Valéria Duarte Garcia. Após apenas oito semanas de práticas meditativas com a

técnica mindfullness – ou atenção plena –, pode-se detectar modificações

estruturais no cérebro mapeadas por imagens de ressonância magnética, que

mostram maior densidade de massa cinzenta na região do hipocampo, área

importante no processamento de memória e aprendizagem.

Em grupos de pesquisa, os participantes também relataram diminuição do

estresse após o mesmo período de prática, provavelmente graças à menor

densidade da massa cinzenta da região da amígdala cerebral, ligada ao processo

de estresse e ansiedade. “E os benefícios não dependem de uma perspectiva

espiritual da meditação. Basta observar a respiração e trazer a mente de volta a

ela toda vez que esta insistir em fugir”, explica Valéria.


Sim às drogas?
Talvez. O uso de LSD em microdoses como potencializador da mente ou

mesmo como droga lícita está na mira da ciência. “Os estudos com psicodélicos

seguem a todo vapor no mundo. Atualmente, estão em andamento no exterior

pelo menos duas pesquisas específicas sobre a microdosagem, e o assunto já foi

tema de capa de três revistas científicas de prestígio”, diz Eduardo Schoenberg,

doutor em neurociências pela USP com pós-doutorado no Imperial College

London, onde acontece atualmente pesquisas com lisérgicos.

Os usuários dizem que o tratamento melhora foco e criatividade no trabalho e


resistência e performance na atividade física. Obviamente, há quem aponte os

malefícios: "O uso de drogas para aumento de produtividade, como foi clássico

com a cocaína nos anos 1990, é relativamente comum. Mas a produtividade

dura pouco, e há um grande risco para a carreira e a vida, caso se desenvolva

dependência", alerta o neurologista Renato Anghinah, da Academia Brasileira

de Neurociência.

Se nada der certo...


Apostas mais bizarras também têm adeptos. Os bares de oxigênio foram uma

febre nos Estados Unidos nos anos 1990, e muitos ainda sobrevivem. Não há
evidências científicas de que se expor às sessões, que podem durar até 20

minutos, traga uma melhor performance mental. Os fãs dos oxygen bars

garantem que elas melhoram a atenção e o foco, reduzem estresse, causam

efeito relaxante e até curam ressaca.


As terapias com eletrochoque, apesar de parecerem radicais, podem ser uma

alternativa no futuro: um estudo de 2010 da Universidade de Oxford indicou

que microchoques, combinados com treinos específicos, poderiam melhorar o

desempenho em tarefas ligadas à fala em pacientes que sofreram derrame. Vai

um choquinho aí?

3 APLICATIVOS PARA O CÉREBRO

Lumosity

Cria um programa sob medida para dar agilidade e precisão, com diversos

exercícios baseados no perfil informado. Disponível para Android e iOS.

Fit Brains

São mais de 60 jogos e exercícios para memória, linguagem e rapidez de

raciocínio baseados em psicologia cognitiva e neurociência. Disponível para

Android e iOS.

Memrise

Cursos de idiomas, matemática, ciências e outros assuntos, baseados em

técnicas de memorização. Disponível para Android e iOS.


BERNARD LONERGAN (1904-1984)
Bernard Joseph Francis Lonergan nasceu em 17 de dezembro de
1904 em Ontário, no Canadá. Foi um padre jesuíta canadense. Ele foi
um filósofo e teólogo de tradição tomista e também um economista,
formado em Buckingham, Quebec. Lonergan era professor do Colégio
Loyola, de Montreal, da Universidade de Toronto (Regis College), da
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Harvard e do Boston College.
Durante vários anos as suas idéias foram estudadas nas mais
variadas áreas do saber: ciências naturais, economia, sociologia,
filosofia e teologia.

O seu pai era um engenheiro de ascendência irlandesa, e a família da


mãe era inglesa. Aos 13 anos, trocou a casa pela Faculdade de
Loyola, uma escola jesuíta em Montreal, e de lá entrou para o
noviciado na cidade de Guelph. Frederick Crowe, S.J., diretor emérito
do Instituto Lonergan, da Universidade de Toronto, descreve os
primeiros anos de aprendizagem de Lonergan, esse estranho mundo
anterior ao Concílio Vaticano II. Havia, diz, «leituras sobre a vida de
Cristo e dos santos, a Imitação de Cristo, sobre documentos jurídicos
e espirituais jesuítas, o velho fiel Afonso Rodriguez, a prática da
perfeição e virtudes cristãs. Havia as instruções do mestre aos
noviços... as "exortações" pregadas por austeros sacerdotes na
comunidade, e assim por diante. Havia as penitências, publicação das
faltas - admitidas voluntariamente ou indicadas pelos companheiros
em ágapes transbordantes - e havia muita oração... a mais lenta de
todas as práticas a aprender».

Era uma vida que ensinava a paciência, a disciplina, e o estudo sério,


embora de modo um pouco rígido e restritivo; serão marcas do
trabalho de Lonergan. Em 1926, Lonergan foi para Inglaterra estudar
filosofia, regressando ao Canadá para ensinar na sua velha escola,
em Montreal. De 1933 a 1937 licenciou-se em Teologia em Roma.
Não tinha sido um aluno premiado, mas desenvolveu em Roma as
ambições intelectuais exemplificadas por uma carta de 1935 a um
superior: «Consigo elaborar uma metafísica tomista da história que
ofuscará Hegel e Marx, apesar da enorme influência deles nessa obra.
Tenho já escrito um esboço, disso como de tudo o mais. Examina as
leis objetivas e inevitáveis da economia, da psicologia (ambiente,
tradição) e do progresso... para encontrar a síntese superior destas
leis no Corpo Místico.» Hegel e Marx, não eram exatamente leituras
recomendadas para um jovem sacerdote em Roma e, ainda mais, na
Itália fascista. Mas fica bem claro como ele era já o indivíduo audaz,
capaz de pensar sem imprimatur. E também fica claro que o corpo
místico de Cristo, é desde S. Paulo, um dos conceitos mais
integradores da teologia.

A originalidade do seu trabalho está sobretudo em ter proposto,


através de um profundo estudo da mente em ação, um método de
inter-relação entre todos estes ramos do saber e da experiência
humana.

―Sê atento, sê inteligente, sê razoável e sê responsável‖. São os


traços que marcam, para Lonergan, a atitude fundamental da pessoa
que é autêntica. Máximas do gênero "Trata os outros como queres
ser tratado" não podem, em última análise, ser fundamentais porque
não há uma máxima superior que nos leve a aderir a elas. Nem tão
pouco as autoridades nos podem dar os nossos valores últimos,
porque não há uma autoridade superior que nos diga que autoridades
seguir. O que Lonergan nos diz é, no fundo, que todos nos guiamos
por critérios como ―sê atento, sê inteligente, sê razoável e sê
responsável‖, independentemente do modo como se manifestam em
nós, e é por eles que escolhemos as máximas e as autoridades pelas
quais reger a nossa vida.

Toda a originalidade de Lonergan, reside em oferecer um instrumento


hermenêutico da consciência humana que permite elaborar uma nova
interpretação tanto do trabalho do teólogo quanto do objeto da
teologia.

O seu método empírico generalizado clarifica as operações que se dão


no sujeito no que diz respeito à escolha de valores. É uma busca das
normas morais inatas e de um possível sentido para a objetividade
moral. Num mundo em que há tanta incompreensão e diversidade
cultural, ética, etc, Lonergan parte do pressuposto de que o
desenvolvimento da verdadeira moralidade só será possível se os
jogadores "puserem as cartas na mesa".

Este método dá-nos a possibilidade de conhecer as categorias


explicativas da nossa moralidade e do nosso modo de valorizar, o que
nos permite conceptualizar o que se passa em nós a nível de valores,
e também justificar perante os outros as nossas opções
fundamentais, como por exemplo a nossa fé.

Profundo conhecedor do pensamento de Tomás de Aquino, sempre


pessoal e original na sua interpretação, tem brindado o público com
obras de grande valor. Uma das suas principais obras é: Insight: A
Study of Human Understanding (1957). O "Insight" é um ponto de
partida para a metafísica, é uma nova concepção da metafísica, é
uma introdução à Teologia, é como diz o seu título, "um estudo do
conhecimento humano". Analisando outras correntes filosóficas ou
discorrendo sobre ciências físico-matemáticas e sobre psicologia
profunda, Lonergan evidencia uma cultura científica impressionante,
pouco comum num filósofo, e menos ainda, pela própria natureza das
coisas, num professor de Teologia Dogmática.

Bernard Lonergan faleceu em Pickering, perto de Toronto, em 26 de


novembro de 1984.

Lonergan é autor, entre outras obras, de Insight: A Study of Human


Understanding (1957) e de Method in Theology (1973), trabalhos que
estabeleceram os lineamentos daquilo ele denominaria Método
Empírico Generalizado (Generalized Empirical Method - GEM).

PENSAMENTOS DE BERNARD LONERGAN

"A dificuldade surge na segunda etapa, a expansão básica. Os


moralistas responsabilizam a ganância, a avidez. Mas a causa
principal é a ignorância. Poucos percebem e poucos ensinam a
dinâmica da produção. E quando as pessoas não compreendem o que
está a acontecer, não se pode esperar que actuem de modo
inteligente. Quando a inteligência desaparece, a primeira lei da
natureza é a auto-preservação. São esses esforços frenéticos que
transformam a recessão em depressão, e a depressão em falência."

―Ser enamorados por Deus, enquanto experiência, é ser enamorados


de uma maneira que não conhece limite algum. Cada amor é doação
de si, mas ser enamorados por Deus é ser enamorados sem limites,
nem restrições, nem condições, nem reservas. Como a nossa
capacidade ilimitada de questionar constitui a nossa capacidade de
auto-transcendência, assim o ser enamorados de forma ilimitada
constitui o cumprimento próprio de tal capacidade‖.

―Na assimilação do passado dá-se a primeira busca, que descobre e


torna disponíveis os dados. Há uma teologia ‗in oratione recta‘ na
qual o teólogo, iluminado pelo passado, enfrenta os problemas do seu
tempo‖.

―Assim como alguém levanta espontaneamente o braço para golpear


a cabeça de alguém, pode espontaneamente estender o braço para
alcançar e salvar alguém da queda. Percepção, sentimento e o
movimento corporal são envolvidos, mas a ajuda dada a outra pessoa
não é deliberada, mas espontânea. Alguém só se dá conta disso não
antes mas durante o fato. É como se ‗NÓS‘ assumíssemos ser
membros uns dos outros antes de nossas distinções nos afastarem
uns dos outros‖.

―Existe o amor da intimidade, do marido e da mulher, dos pais e dos


filhos. Existe o amor aos próprios semelhantes, que tem como fruto a
realização do bem-estar humano. Existe o amor de Deus com todo o
próprio coração e com toda a própria alma, com toda a própria mente
e com todas as próprias forças (cf. Mc 12,30)‖.

―O significado dessas declarações (infalíveis) da Igreja vai além das


vicissitudes do processo histórico humano. Mas os contextos em que
tal significado é colhido e, portanto, o modo em que tal significado é
expresso, variam tanto segundo as diferenças culturais como
segundo o grau de diferenciação da consciência humana‖.

―A especialização funcional da fundação determina que concepções


representam as posições que procedem da presença da conversão
intelectual, moral e religiosa e que concepções representam as
contraposições que revelam ausência de conversão. Em outras
palavras, cada teólogo julgará da autenticidade dos autores das
várias concepções e o fará sobre a pedra de toque que é a própria
autenticidade‖.

―As doutrinas da Igreja e as doutrinas teológicas pertencem a


contextos diferentes. As doutrinas da Igreja são o conteúdo do
testemunho da Igreja a Cristo; elas exprimem o conjunto dos
significados e valores que informam a vida cristã, individual e
coletiva. As doutrinas teológicas fazem parte de uma disciplina
acadêmica, que se fixa no objetivo de conhecer e compreender a
tradição cristã e de favorecer seu desenvolvimento. Como os dois
contextos dirigem-se para fins bem distintos, assim também são
desiguais quanto à extensão. Os teólogos levantam muitas questões
que não são mencionadas nas doutrinas da Igreja. E também os
teólogos podem diferir entre eles, mesmo pertencendo à mesma
Igreja‖.

―A teologia medieval voltou-se para Aristóteles em busca de um guia


e um auxílio tendo em vista esclarecer o próprio pensamento e torná-
lo coerente. Segundo o método por nós proposto, a fonte do
esclarecimento de base será a consciência segundo a diferenciação
interior e segundo a diferenciação religiosa‖.

―A purificação das categorias... é efetuada na medida em que os


teólogos alcançam a autenticidade mediante a conversão religiosa,
moral e intelectual. Não se deve esperar a descoberta de qualquer
critério, experimento ou controle ‗objetivo‘. Semelhante significado de
‗objetivo‘ não passa na realidade de uma ilusão. A genuína
objetividade é fruto da subjetividade autêntica. Buscar e usar
qualquer sustentação ou muleta como alternativas conduz
invariavelmente, em uma ou outra medida, ao reducionismo‖.

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 09:54 3 comentários:

VLADIMIR LOSSKY (1903-1958)


Vladimir Lossky é filho do célebre filósofo russo Nicola O. Lossky.
Nasceu em Gottingen, Alemanha, em 8 de junho de 1903, pois seu
pai lá se encontrava para completar sua formação universitária.
Realizou seus estudos superiores na Universidade de Petersburgo,
seguindo com grande interesse os cursos do historiador da filosofia
Leon Karsavin. Dos seus ensinamentos, recebeu um impulso
determinante para suas futuras pesquisas sobre os teólogos
ocidentais e sobre a tradição patrística grega.
Em 1923 foi expulso da Rússia juntamente com seu pai. Como a
maior parte dos russos exilados, Vladimir também se estabeleceu
inicialmente em Praga, onde o pai fora nomeado professor de filo. Lá
seguiu os cursos de N. P. Kondakov, o célebre pesquisador de
bizantinismo e historiador da arte iconográfica. Um ano depois,
transferiu-se para Paris, iniciando seus estudos na Sorbonne, onde
continua e aprofunda seus estudos sobre o pensamento medieval,
sob a direção do maior especialista católico no assunto, Etienne
Gilson. Com sua assistência, empreende em 1927 o estudo da
doutrina mística de Mestre Eckhart, que deveria ser a sua tese de
mestrado. Uma forte amizade o une a Eugraf Kovalevsky e entra na
Confraria São Fócio com vistas a uma ortodoxia universal, capaz de
revivificar as tradições ortodoxas da França dos onze primeiros
séculos. Sua vocação já se encontra cristalizada: é a do encontro
entre a tradição cristã do Oriente e a cultura ocidental da Idade
Média. De modo particular, pretende prestar testemunho da Igreja
dos seus pais na França.
Ao mesmo tempo, engaja-se também na vida eclesiástica da
Ortodoxia no Ocidente. Em contraste com a maior parte dos exilados,
em 1931 ele se pronuncia a favor do Patriarcado de Moscou. Em
1935, coloca-se entre os opositores de Bulgakov a propósito de sua
"sofiologia". Depois de uma intervenção sua junto ao metropolita de
Moscou, Sérgio, a doutrina de Bulgakov é condenada.
Casou em 1938, e teve quatro filhos
Em 1939, Lossky torna-se cidadão francês. Durante a Segunda
Guerra Mundial, participa dos sofrimentos de sua pátria de adoção e
da resistência contra o invasor.
Os acontecimentos ligados à guerra, todavia, não o impedem de
prosseguir suas atividades de estudioso. Em 1944, publica a sua
obra-prima, A Teologia Mística da Igreja do Oriente.
Em 1945, começa sua carreira de professor universitário. Ministra
uma série de conferências na "École des Hautes-Études" da Sorbonne
sobre a doutrina da visão de Deus na teologia bizantina, as quais
seriam publicadas postumamente sob o título Vision de Dieu.
Trabalhador incansável, continua suas pesquisas sobre Mestre
Eckhart, que depois seriam reunidas numa obra também publicada
postumamente, organizada por seus amigos, em especial Gilson, dois
anos depois de sua morte.
Depois da Grande Guerra, o engajamento na vida de sua Igreja leva-
o a dedicar-se também à atividade ecumênica. Em 1947, entra em
contato com o mundo anglicano. No mesmo ano, participa da
assembléia realizada em Oxford reunindo católicos, anglicanos e
ortodoxos, e profere a memorável conferência intitulada "The
Procession of the Holy Spirit in the Orthodox Triadology", na qual
sustenta que o Filioque não é absolutamente um simples
theologoumenon, como afirmara Bulgakov, mas sim a razão
fundamental da divisão entre as Igrejas Ortodoxa e Latina. Expressão
de suas preocupações ecumênicas são ainda diversos artigos sobre as
propriedades da Igreja (sobretudo a catolicidade), publicados na
revista do patriarcado de Moscou na França. Em 1956, sua atividade
em favor da Igreja Ortodoxa é premiada publicamente: é convidado
pelo Patriarca de Moscou, Alexis, a visitar a Rússia, terra de seus
antepassados. Lossky atendeu ao convite com grande júbilo.
Em 7 de fevereiro de 1958, morre inesperadamente com a idade de
55 anos, quando o seu talento estava maduro para a produção de
excelentes obras teológicas, tanto no campo histórico como no
dogmático.

TEOLOGIA

A missão à qual os teólogos russos da Diáspora sentiram-se


chamados foi a de conservar e transmitir ao Ocidente o grande e
precioso tesouro do pensamento teológico da Igreja Ortodoxa, do
qual eles eram os principais depositários. Entre aqueles que
souberam cumprir mais brilhantemente essa missão importante
deve-se colocar Vladimir Lossky.
Ele é autor de uma síntese teológica mais completa e sistemática do
que a de Florovsky e, ao mesmo tempo, mais "ortodoxa", ou seja,
mais fiel à tradição oriental, do que a de Bulgakov.
À sua síntese Lossky deu o nome de "teologia mística".
Lossky, como seu amigo íntimo Georges Florovsky, se opôs às teorias
sofiológicas de Sergei Bulgakov e Vladimir Soloviev.
A obra teológica de Lossky parte dos mesmos princípios inspiradores
da teologia de Florovsky: ela quer contrapor à "sofiologia" de
Bulgakov o pensamento autêntico da teologia ortodoxa. Só que
alcança resultados mais satisfatórios, na medida em que explicita
mais claramente os princípios sobre os quais pretende edificar sua
síntese e, em segundo lugar, na medida em que dá a essa síntese um
desenvolvimento sistemático e completo.
O significado teológico de Lossky está ligado a uma exegese do
misticismo da Tradição Ortodoxa. Ele afirmou em Teologia Mística da
Igreja do Oriente que a Igreja Ortodoxa manteve suas dimensões
místicas enquanto o ocidente perdeu-as depois do cisma Ocidente-
Oriente. Ele cita muito do misticismo da Igreja Ortodoxa como
expresso nas palavras da Filocalia, São João Clímaco, A Escada
Divina, e vários outros como Pseudo-Dionísio Areopagita, São
Gregório de Nissa, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno, e
São Gregório Palamas. Georges Florovsky nomeou a Teologia Mística
da Igreja do Oriente de Lossky como uma "síntese neopatrística".
Os princípios fundamentais - os pilares em que se baseia a
construção teológica de Lossky - são os seguintes:

1. A "apofaticidade": que justifica a qualificação "mística" que o autor


dá à sua teologia. Lossky descreve assim a apofaticidade: "É um
caminho constante do pensamento, que elimina progressivamente do
objeto que quer alcançar qualquer atribuição positiva, para
desembocar finalmente numa espécie de possessão por ignorância
total daquele que nunca poderia ser um objeto de conhecimento.
Pode-se dizer que é uma experiência intelectual da derrocada do
pensamento diante daquilo que está além do pensável‖.

2. As energias divinas, distintas realmente da essência divina sem


estarem separadas dela: essas energias permitem a Lossky
salvaguardar a transcendência absoluta de Deus e, ao mesmo tempo,
manter intactas as doutrinas da graça incriada, da imago Dei, da
visão de Deus e da "deificação". Segundo Lossky as energias divinas
tratam-se de forças, ou seja, expressões dinâmicas da realidade
divina, que representam o modo de existir do próprio Deus em
relação ao que está fora dele. Elas são realmente distintas da
essência divina, mas, ao mesmo tempo, são absolutamente idênticas
a Deus. Por essa razão, conhecendo-se as energias divinas, conhece-
se Deus; recebendo as energias divinas, recebe-se Deus.

3. A dupla economia (do Filho e do Espírito Santo): essa tese permite


ao autor elaborar uma doutrina pneumatológica bem mais rica e
substancial do que conseguiram os teólogos ocidentais, tanto
católicos como protestantes. Lossky faz a distinção de suas
economias na história da salvação: a do Filho e a do Espírito Santo.
No sistema teológico de Lossky encontramos dois centros: Jesus
Cristo e o Espírito Santo. Com efeito, segundo ele, nossa salvação é
operada em parte pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e em
parte pela Terceira. Há, portanto, uma economia soteriológica do
Verbo Encarnado e uma outra do Espírito Santo. As duas economias
"encontram-se na base da Igreja, ambas necessárias para que
possamos obter a união com Deus". A economia do Verbo Encarnado
refere-se somente à natureza humana, não às pessoas
individualmente. Já a economia do Espírito Santo refere-se
diretamente às pessoas em particular.

4. O conceito de pessoa: entendida como capacidade de renunciar à


própria vontade, às inclinações da própria natureza. Com esse
conceito, nosso teólogo ilumina os mistérios da Encarnação de Cristo
e de nossa santificação. Um conceito-chave da teologia de Lossky,
que propicia a solução de alguns problemas fundamentais de
cristologia, pneumatologia, antropologia, eclesiologia e teologia
trinitária, é o conceito de pessoa. Lossky conclui que a única definição
satisfatória é aquela que descreve a pessoa em termos de kénosis.
Com efeito, aquilo que mais caracteriza a pessoa é sua capacidade de
subtrair-se aos instintos da natureza, às paixões e aos impulsos
egoístas da vontade. "A perfeição da pessoa se realiza no abandono
total, na renúncia a si mesma. Cada pessoa que procura se afirmar
acaba somente na fragmentação da natureza, no ser particular,
individual, que cumpre uma obra contrária à de Cristo".

OBRAS

A produção científica de Lossky não é muito vasta. Além de um certo


número de artigos, ela abrange quatro livros: Teologia Mística da
Igreja do Oriente (1944); Teologia Negativa e Conhecimento de Deus
em Mestre Eckhart (1960); Visão de Deus (1962); À Imagem e
Semelhança de Deus (1967).
Dessas obras, a mais significativa é sem dúvida a primeira: ela
contém uma brilhante e vigorosa síntese do sistema teológico de
Vladimir Lossky, o qual, sendo construído sobre o princípio da
"apofaticidade", é chamado pelo autor de "teologia mística".
As três outras obras também abordam os problemas da teologia
mística, mas não mais em termos sistemáticos e sim em termos
históricos. A segunda, como diz o próprio título, é um penetrante
estudo da teologia negativa de Mestre Eckhart. A terceira, Vision de
Dieu, propõe-se a estudar o problema do conhecimento de Deus
como ele foi colocado pela teologia bizantina. Seu objetivo é verificar
se a distinção entre a "apofaticidade" da essência de Deus e a
"catafaticidade" das energias divinas é uma invenção de Gregório
Palamas ou uma doutrina que já tinha precedentes na Sagrada
Escritura e na Patrística. Através de uma acurada análise dos textos
da Escritura e do pensamento de alguns dos maiores Padres gregos,
Lossky consegue estabelecer que a distinção entre a essência e as
energias das operações divinas, tal como é ensinada por Palamas e
pelos concílios do século XIV, "é a expressão dogmática da Tradição
relativa aos atributos cognoscíveis de Deus que encontramos nos
Capadócios e mais tarde em Dionísio, em sua doutrina sobre as
uniões e distinções divinas, sobre as virtudes ou raios da treva divina,
cuja distinção da essência dá lugar a dois caminhos teológicos: o
caminho afirmativo e o negativo; um revela Deus, o outro conduz à
união na ignorância".
A última obra, À L'Image et à la Ressemblance de Dieu, é uma
coletânea de artigos em que o autor retoma e desenvolve alguns dos
temas que mais lhe são caros (a "apofaticidade", o conceito de
pessoa, a processão do Espírito Santo, a catolicidade da Igreja),
investigando sua validade através do estudo do pensamento dos
Padres orientais. De capital importância é o ensaio intitulado La
Procession du Saint-Esprit dans la Doctrine Ortodoxe, tradução da
conferência mantida em Oxford em 1947: contém a quintessência do
pensamento de Lossky.

PENSAMENTOS DE VLADIMIR LOSSKY

"A distinção entre a essência e as energias - fundamental para a


doutrina ortodoxa sobre a graça - permite que conserve seu sentido
real a expressão de São Pedro: «partícipes da natureza divina». A
união a que estamos chamados não é nem hipostática como para a
natureza humana de Cristo, nem substancial como para as três
pessoas divinas: é a união com Deus em suas energias ou a união
pela graça que nos faz participar na natureza divina, sem que nossa
essência se converta por isso na essência de Deus. Na deificação se
possui pela graça, quer dizer nas energias divinas, tudo o que Deus
tem por natureza, salvo a identidade de natureza, segundo o ensino
de São Máximo. Se permanece criatura, convertendo-se
simultaneamente em Deus pela graça, como Cristo seguiu sendo
Deus ao converter-se em homem pela encarnação".

―A via negativa do conhecimento de Deus é uma démarche


ascendente do pensamento, que elimina progressivamente do objeto
que quer alcançar toda atribuição positiva para realizar finalmente
uma espécie de apreensão pela ignorância suprema Daquele que não
poderia ser um objeto de conhecimento. Pode-se dizer que é uma
experiência intelectual do fracasso do pensamento diante de um além
inconcebível. Com efeito, a consciência do fracasso do entendimento
humano constitui o elemento comum a tudo que se pode denominar
apofasia ou teologia negativa, quer seja dentro dos limites da
intelecção, constatando simplesmente a inadequação radical entre
nosso pensamento e a realidade que quer alcançar, ou quer deseje
superar os limites do entendimento, prestando à ignorância daquilo
que Deus em sua natureza inacessível o valor de um conhecimento
místico superior ao intelecto - hyper noun‖.

"A existência de uma atitude apofática, de uma superação de tudo


aquilo que provém da finitude criada, está implicada no paradoxo da
revelação cristã: o Deus transcendente torna-se imanente no mundo,
mas também na imanência de sua economia, que leva à encarnação
e à morte na cruz, ele se revela como transcendente, como
ontologicamente independente de qualquer ser criado. Essa é a
condição sem a qual seria impossível conceber o caráter voluntário e
absolutamente gratuito da obra redentora de Cristo e em geral de
tudo aquilo que é 'economia' divina, começando pela criação do
mundo, a respeito da qual a expressão ex nihilo deve assinalar
justamente a ausência de qualquer necessidade ex parte Dei, uma
certa contingência divina, se podemos assim dizer, no ato da vontade
criadora".
"É a diversidade absoluta das três hipóstases que determina as
diferentes relações e não o contrário. Aqui, o pensamento se detém
diante da impossibilidade de definir uma existência pessoal na sua
diferença absoluta e tem que adotar uma atitude negativa para
declarar que o Pai privado de início (ánarkos) não é nem o Filho nem
o Espírito Santo; que o Filho gerado não é nem o Espírito Santo nem
o Pai; que o Espírito Santo oriundo do Pai não é nem o Pai nem o
Filho. Não se pode falar aqui de relações de oposição, mas apenas de
relações de diversidade. Seguir nessa questão um caminho positivo e
conceber as relações de origem de outro modo que como sinais da
diversidade inexprimível das pessoas significaria suprimir o caráter
absoluto dessa diversidade pessoal, ou seja, relativizar a Trindade e,
de certo modo, despersonalizá-la".

"Se se quisesse introduzir aqui, em conformidade com a fórmula


latina (do filioque), uma nova relação de origem, fazendo o Espírito
Santo proceder do Pai e do Filho, a 'monarquia' do Pai, essa relação
pessoal que cria a unidade e a trindade ao mesmo tempo, cederia
lugar a uma outra concepção: a da substância una, na qual as
relações interviriam para basear a distinção das pessoas, e a
hipóstase do Espírito Santo seria apenas um laço recíproco entre o
Pai e o Filho. Se se percebeu a tônica diferente das duas doutrinas
trinitárias então se compreenderá porque os orientais sempre
defenderam o caráter inefável, apofático, da processão do Espírito
Santo do Pai, fonte única das Pessoas, contra uma doutrina mais
racional que, fazendo do Pai e do Filho um princípio comum do
Espírito Santo, colocava o comum acima do pessoal, uma doutrina
que tendia a enfraquecer as hipóstases, confundindo as pessoas do
Pai e do Filho no ato natural da expiração e fazendo da pessoa do
Espírito Santo o laço entre ambas".

"Se Deus é verdadeiramente o Deus vivo da revelação e não a


essência simples dos filósofos, então ele só pode ser Deus-Trindade.
Essa é uma verdade primária que não pode estar baseada em
nenhum raciocínio, porque toda razão, toda verdade e todo
pensamento se apresentam como posteriores à Trindade, fundamento
de qualquer ser e de qualquer conhecimento".

"A vida terrestre de Cristo foi um contínuo abaixamento: a sua


vontade humana renunciava incessantemente àquilo que lhe era
próprio por natureza e aceitava aquilo que era contrário à
humanidade incorruptível e deificada: a fome, a sede, o cansaço, a
dor, os sofrimentos e, por fim, a morte na cruz. Assim, pode-se dizer
que, antes do fim da obra redentora, antes da ressurreição, a pessoa
de Cristo tinha em sua humanidade como que dois pólos diversos: a
incorruptibilidade e a impassibilidade naturais próprias de uma
natureza perfeita e deificada e, ao mesmo tempo, a corruptibilidade e
a sujeição voluntariamente assumidas, condições às quais a sua
pessoa 'quenótica' submeteu e submetia sem pausas a sua
humanidade livre do pecado".

"Assim, toda a realidade de nossa natureza decaída - inclusive a


morte -, todas as condições essenciais que eram resultado do pecado
e, como tais, tinham um caráter de pena, castigo e maldição, foram
transformadas pela Cruz de Cristo em condições de salvação".

"Precisaríamos muito mais dizer que o Espírito Santo se cancela,


enquanto pessoa, diante das pessoas criadas às quais ele dá a graça.
Nele, a vontade de Deus já não nos é mais externa: ela nos dá a
graça desde o interior, manifestando-se em nossa própria pessoa, até
que nossa vontade humana permaneça de acordo com a vontade
divina e coopere com ela na obtenção da graça, fazendo-a nossa. É o
caminho da 'deificação' que termina no Reino de Deus, introduzido
nos corações pelo Espírito Santo desde a vida presente. Isso porque o
Espírito Santo é a unção régia que repousa sobre Cristo e sobre todos
os cristãos chamados a reinar com ele no século futuro. Então, essa
pessoa divina desconhecida, que não tem sua imagem numa outra
hipóstase, se manifestará nas pessoas 'deificadas': sua imagem será
a multidão dos santos".

"A kénosis é o modo de ser da pessoa divina enviada ao mundo,


pessoa na qual se cumpre a vontade comum da Trindade, da qual o
Pai é a fonte. As palavras de Cristo 'o Pai é maior do que eu'
expressam essa renúncia 'quenótica' à própria vontade".

"Para que a teologia trinitária se tornasse possível, foi necessário que


a apófase presidisse ao despojamento do pensamento, forçado a
elevar-se a uma noção de Deus que transcende toda relação com o
ser criado, absolutamente independente, naquilo que é, da existência
das criaturas".

"O ponto final a que chega a teologia apofática (se é que se pode
falar de fim e de chegada onde se trata de uma elevação para o
infinito) não é uma natureza ou uma essência, nem tampouco uma
pessoa, mas algo que supera ao mesmo tempo toda noção de
natureza e pessoa: é a Trindade".

"A perfeição da pessoa se realiza no abandono total, na renúncia a si


mesma. Cada pessoa que procura se afirmar acaba somente na
fragmentação da natureza, no ser particular, individual, que cumpre
uma obra contrária à de Cristo".

"Enquanto ser criado à imagem de Deus, o homem apresenta-se


como ser pessoal, como pessoa que não deve ser determinada pela
natureza, mas que pode determinar a natureza, assimilando-a ao seu
Arquétipo divino".

"É-nos mais fácil imaginar a pessoa que quer, que se afirmar, que se
impõe com sua vontade. Entretanto, a idéia de pessoa implica a
liberdade diante da natureza; a pessoa é livre por natureza, não é
determinada por ela. A hipóstase humana só pode se efetivar na
renúncia à vontade própria, àquilo que nos determina e nos subjuga
a uma necessidade natural. O individual - a afirmação de si na qual a
pessoa se confunde com a natureza e perde a sua verdadeira
liberdade - deve ser despedaçado. É o princípio fundamental do
ascetismo: a livre renúncia à própria vontade, a um simulacro de
liberdade individual, para recuperar a verdadeira liberdade, a
liberdade da pessoa que é a imagem de Deus, própria de cada um".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 09:40 Nenhum comentário:

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


GUSTAVO GUTIERREZ MERINO (1928- )
Gustavo Gutiérrez Merino nasceu em Lima, Peru, em 8 de
junho de 1928. É é um teólogo peruano e sacerdote dominicano,
considerado por muitos como o fundador da Teologia da Libertação.

Sofreu de osteomielite na infância e adolescência, permaneceu em


cadeira de rodas dos doze aos dezoito anos. Ao recuperar a
mobilidade, estudou medicina e letras na Universidad Nacional Mayor
de San Marcos. Foi militante da Ação Católica, o que o motivou a
aprofundar os estudos teológicos. Decidido pelo sacerdócio, entrou
para o seminário em Santiago do Chile. Estudou Filosofia e Psicologia
na Universidade Católica de Louvain, Bélgica. Seus estudos de
Teologia foram efetuados na Universidade Católica de Lyon, França,
na Universidade Gregoriana de Roma e no Instituto Católico de Paris,
chegando ao grau de doutor.

Foi ordenado sacerdote em 1959. Gutierrez, na década de 60, foi o


primeiro a falar na igreja dos pobres e, na década seguinte, elaborou
o conceito teológico propriamente dito. É considerado por muitos o
pioneiro na sistematização da Teologia da Libertação na década de
70, quando lançou o livro Teologia da Libertação. Na obra Teologia da
Libertação, focaliza que o nosso Deus é o Deus da Aliança com os
marginalizados e desclassificados. No livro, Gutierrez afirma que o
cristianismo da misericórdia não devia ser apenas da assistência pela
esmola, mas do compromisso com a superação das desigualdades
sociais. Dessa forma, a Teologia da Libertação oferecia uma nova
espiritualidade para o engajamento paroquial, comunitário e religioso.
Isso se manifestou num "novo jeito de ser Igreja", que se concretizou
nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Nos anos 80 sofreu processo da Cúria Romana, que acusava sua obra
de reduzir a fé à política.
Gutiérrez cria, no fim dos anos 60, um método teológico desde e para
a América Latina pobre e oprimida. Deu a essa reflexão da fé a partir
do reverso da história o nome de Teologia da Libertação. Seu raio de
projeção tem sido verdadeiramente impressionante: desde a teologia
negra, índia, asiática, feminista, ecológica e das religiões até a
teologia judaica e palestina da libertação. Gustavo é o primeiro
latino-americano a se situar de igual para igual entre os grandes
criadores dentro da história da teologia.

Em 1998 ingressou como noviço na Ordem dos Pregadores.


Possui 23 títulos de Doutor Honoris Causa outorgados por
universidades de diversos países: 5 no Peru, Argentina, Holanda,
Suiça, dois na Alemanha, dez nos Estados Unidos, dois no Canadá e
também na Escócia, obtidos entre 1979 e 2006. Ganhou o Prémio
Príncipe das Astúrias em 2003 na Categoria Comunicação e
Humanidades.

Atualmente Gutierrez vive e trabalha entre os pobres em Lima. Em


seus livros, Gutiérrez explica sua visão da pobreza cristã, como um
ato de amor e solidariedade com os pobres e um protesto libertador
contra a pobreza. Gutiérrez continua tendo responsabilidade pastoral
na Igreja do Cristo Redentor em Rimac. Gutiérrez é também
professor de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Lima.

No movimento da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez ocupa


um lugar em destaque. A ele deve-se a primeira obra sistemática de
reflexão crítica a partir da práxis histórica da libertação em confronto
com a palavra de Deus, acolhida e vivenciada na fé. Em sua ótica, a
teologia é representada com um ato segundo, que supõe como ato
primeiro não uma práxis qualquer, mas a práxis da fé, isto é, uma
espiritualidade caracterizada pelo compromisso com o outro - que no
contexto latino-americano é o empobrecido - e, então, pela luta em
prol da justiça que o Deus da vida não só comanda mas compartilha.
Trata-se de uma teologia "do avesso da história", que se deixa
provocar pela indentificação de Cristo com os oprimidos e leva os
cristãos a "descer do inferno deste mundo", e a "comungar com a
miséria, com a injustiça, com as lutas e com as esperanças dos
condenados da Terra, porque deles é o Reino dos Céus". Nesse
sentido, o objetivo da teologia é "apologético" no significado mais
elevado: dar testemunho do Deus da vida que escuta o grito do
pobre.

Obras:

- Teologia da libertação
- O Deus da vida
- A força histórica dos pobres
- Beber no próprio poço - Itinerário espiritual de um povo.

PENSAMENTOS DE GUSTAVO GUTIERREZ

"Vivemos numa época dominada pela economia liberal, ou, se se


preferir, neoliberal. O mercado irrestrito, chamado a regular-se com
as suas próprias forças, passa a ser o princípio, quase absoluto, da
vida económica. O célebre e clássico "deixar fazer" do início da
economia liberal postula hoje de forma universal – pelo menos na
teoria – que toda a intervenção do poder político, mesmo para
atender a necessidades sociais, prejudica o crescimento económico e
redunda em prejuízo geral. Por isso, se se apresentam dificuldades
nos rumos económicos, a única solução é mais mercado."

"Não há duas histórias, uma da filiação e outra da fraternidade, uma


em que nos fazemos filhos de Deus e outra na qual nos tornamos
irmãos entre nós. É isso o que o termo ´libertação` quer destacar".

"Na raiz de nossa existência pessoal e comunitária se acha o dom da


autocomunicação de Deus, a graça de sua amizade enche de
gratuidade a nossa vida. Faz-nos ver como um dom nossos encontros
com os outros homens, nossos afetos, tudo o que acontece".

"Assim, desprendidos de nós mesmos, chegamos ao outro libertos de


toda tendência de impormos uma vontade que lhe seja alheia,
respeitosos de sua própria personalidade, de suas necessidades e de
suas aspirações. Dado que o próximo é o caminho para chegarmos a
Deus, a relação com Deus será a condição necessária para o
encontro, para a verdadeira comunhão com o outro".

"A verdade é que um cristianismo vivido no compromisso com o


processo libertador, apresenta problemas próprios que não se podem
descurar e encontra escolhos que importa superar. Para muitos, o
encontro com o Senhor, nessas condições pode desaparecer em
benefício do que ele próprio suscita e alimenta: o amor do homem.
Amor que desconhecerá, então, toda a plenitude que encerra".

"Neste contexto, a teologia será uma reflexão crítica a partir de e a


respeito da práxis histórica diante da palavra do Senhor acolhida e
vivida na fé".

"Mais do que o pai da Teologia da Libertação, eu gostaria de ser


conhecido como um daqueles que contribuíram para libertação da
Teologia".

"Senti-me muito tocado pela fundamentação do júri que outorgou o


prêmio, por sua referência ao mundo pobre e à América Latina, aos
quais escolhi dedicar minha vida. Pode ser que a Teologia da
Libertação não esteja mais atual. Infelizmente, porém,
desgraçadamente, permanece atual a realidade da pobreza que
suscitou o seu nascimento".

"Conversão significa transformação radical de nós mesmos, significa


pensar, sentir e viver como Cristo presente no homem despojado e
alienado."
"O discurso sobre Deus vem depois do silêncio da oração e do
compromisso."

"Precisamos conceber a história como um processo de libertação de


homens e mulheres no qual este vão assumindo conscientemente seu
próprio destino..."

"A fé não é coisa que se conserve num cofre-forte para a proteger, é


vida que se exprime no amor e na dedicação aos outros. Nos
Evangelhos ter medo equivale a não ter fé... A parábola dos talentos
ensina-nos que uma vida cristã, baseada não na formalidade, na
auto-proteção e no medo, mas na gratuidade, na coragem e no
sentido do outro, constitui a alegria do Senhor. E a nossa".

"Para mim fazer teologia é escrever uma carta de amor ao Deus em


que eu creio, ao povo ao que pertenço e a Igreja da que formo parte"

"Além de qualquer dúvida, a vida do pobre é marcada pela fome e


pela exploração, cuidado médico inadequado, ausência de habitação
digna, dificuldade em alcançar alguma educação, salários injustos e
desemprego, lutas por seus direitos e também repressão. Ma não é
tudo. Ser pobre é também uma forma de sentir, conhecer, pensar,
fazer amigos, amar, crer, sofrer, celebrar e rezar. O pobre constitui
um mundo em si mesmo. Compromisso com o pobre significa entrar
e, por vezes permanecer neste universo, com uma consciência muito
mais clara; significa ser um dos seus habitantes, olhando para ele
como local de residência e não só de trabalho. Não significa ir a este
mundo pontualmente, para testemunhar o Evangelho, mas antes,
dele emergir, cada manhã, com o propósito de proclamar as boas
novas a todo ser humano… Vemos com clareza crescente que se
exige uma imensa dose de humildade para que as pessoas se
comprometam com os pobres dos nossos dias".

"Uma espiritualidade é uma forma concreta, movida pelo Espírito, de


viver o Evangelho. Maneira precisa de viver 'diante do Senhor' em
solidariedade com todos os homens, 'com o Senhor' e diante dos
homens"

"Aos países pobres não interessa repetir o modelo dos países ricos,
entre outras coisas, porque estão cada vez mais convencidos de que
a situação daqueles é fruto da injustiça, da coerção. Para eles, trata-
se de superar, é certo, as limitações materiais, a miséria, mas para
chegar a um tipo de sociedade que seja mais humana".

"Uma teologia que não se situe no contexto de uma experiência de fé


corre o risco de converter-se numa espécie de metafísica religiosa,
numa roda que gira no ar sem mover o carro"

"A espiritualidade é uma aventura comunitária, passo de um povo


que percorre o próprio caminho, em seguimento a Jesus Cristo,
através da solidão e das ameaças do deserto. Experiência espiritual
que é o poço do qual teremos de beber. Ou, quem sabe, na América
Latina de hoje, o nosso cálice, promessa da ressurreição".

"Situar-se na perspectiva do Reino é participar da luta pela libertação


dos homens oprimidos por outros homens. Isto é o que começaram a
viver muitos cristãos, ao comprometer-se com o processo
revolucionário latino-americano. Se esta opção parece afastá-los da
comunidade cristã, é porque muitos nela, empenhados em
domesticar a boa-nova, olham-nos como membros agressivos e até
perigosos"

"Uma espiritualidade da libertação deve estar impregnada de vivência


de gratuidade. A comunhão com o Senhor e com todos os homens, é
antes de tudo, um dom. Daí a universalidade e a radicalidade da
libertação trazida por Ele"

"Mais do que teologias, os testemunhos vividos é que assinalarão e já


estão assinalando o rumo de uma espiritualidade da libertação".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 08:42 5 comentários:

MARIE-DOMINIQUE CHENU (1895-1990)


Marie-Dominique Chenu, OP (1895-1990), foi teólogo francês com
grande influência no Concílio Vaticano II. Nascido em Soisy-sur-
Seine, França, a 7 de janeiro de 1895, e falecido a 11 de fevereiro de
1990, com 95 anos.

Entrou para a Ordem dos Pregadores em 1913 e concluiu os seus


estudos, em Roma, em 1920, tornando-se professor no convento
de Le Saulchoir. Especialista em história da Idade Média, foi
efetuando também estudos teológicos. Um dos seus primeiros livros
Une école de teologie (1937), foi em 1942 colocado no Index, o
índice dos livros proibidos da Igreja Católica. Soube da notícia pela
rádio e profundamente afeta, tanto mais que era superior do seu
convento, nessa mesma noite demitiu-se do seu cargo directamente
ao arcebispo de Paris, que lhe disse para ter calam, pois «dentro de
20 anos todos falaremos como você». Depois da II Grande Guerra,
entre 1946 e 1952 foi professor na Universidade da Sorbone, em
Paris. Reabilitado, ainda que não de forma completa, pois apenas
pode participar no Concílio Vaticano II como consultor de um bispo de
Madagascar, veio a ser reconhecido como um dos mais influientes
teólogos do século XX.

Foi diretor do Bulletin thomiste de 1924 a 1934; diretor da Revue des


sciences philosophiques et théologiques de 1928 a 1934; fundador do
Institut d'études médiévales, anexo à Universidade de Montreal (em
1932); membro da Société de philosophie, de Lovaina; presidente da
Société thomiste; colaborador de numerosas revistas de teologia,
filosofia e história; consultor do Secretariado para os não-crentes.

Foi fundador da revista teológica Concilium. Grande especialista em


Santo Tomás de Aquino.
Um primeiro olhar aos escritos de Chenu pode dar a impressão de
haver um certo dualismo em sua obra: parece que de um lado está o
historiador, de outro o teólogo; de um lado, como disse o próprio
Chenu em uma conferência a um grupo de seminaristas, parece estar
"um velho medievalista de certa fama, imerso na leitura de textos
antigos, estofado de erudição, ligado aos velhos séculos da
cristandade, em uma tradição que se obstina a manter-se em meio
ao mundo contemporâneo; do outro, um jovem que se lança indócil
na confusão do mundo contemporâneo, extremamente sensível aos
seus apelos, pronto a enfrentar os problemas delicados do mundo e
da Igreja. E, por isso, discutido e até mesmo suspeitado junto a
certas pessoas". Na realidade, assegura-nos o próprio interessado, há
um só e idêntico Chenu; nele, o historiador da idade Média e o
teólogo moderno constituem uma só coisa. Foi o historiador que
ensinou ao teólogo, a distinguir nas coisas, aquilo que é perene
daquilo que é mutável, e que o tornou sensível aos sinais dos
tempos. Somente um profundo conhecedor da história da Igreja, da
humanidade e da teologia, poderia delinear as soluções que ele
elaborou para os difíceis problemas da natureza e das tarefas da
teologia, da missão da Igreja no momento presente, do valor da
matéria, das realidades terrestres, do trabalho, da socialização e de
outros aspectos típicos do nosso tempo.

A produção de Chenu no campo especulativo não é muito vasta. Ele


excluiu conscientemente a hipótese de reescrever a teologia do início
ao fim, como se tudo o que foi feito pelos teólogos do passado
carecesse de valor. Chenu não compartilha o parecer daqueles que
consideram a teologia de nossos antepassados como totalmente
envelhecida e morta. Segundo ele, no que se refere a certos
problemas, ela pronunciou uma palavra que vale para sempre e
cunhou uma linguagem teológica que não é defeituosa nem
incompreensível. Ao contrário, ele fez ver que a teologia medieval
possui um repertório lingtiístico inexaurível, além de doutrinas de
valor perene. Chenu não concebe a teologia como uma empresa
individual, que cada qual pode tentar por conta própria, mas sim
como um trabalho da Igreja inteira, um trabalho que se realiza lenta
e continuamente, através da obra dos teólogos em particular.
Coerente com essa concepção, ele assumiu a tarefa de ampliar o
saber teológico em algumas direções ainda inexploradas, mas de
capital importância, dada a situação em que se debate atualmente a
humanidade. E, assim, enfrentou os problemas do valor da matéria,
do trabalho, da socialização, das tarefas do laicato, da natureza da
teologia. E foi nesses pontos que sua contribuição ao
desenvolvimento da teologia tomou-se determinante.

PENSAMENTOS DE DOMINIQUE CHENU

"Dado que a palavra de Deus se exprimiu em linguagem humana,


moldando-se às palavras, frases, imagens, estrutura, géneros
literários da palavra humana, essa ‗escrita divina‘ encontrará as suas
vias de inteligibilidade através da interpretação das palavras, das
frases, das figuras, dos géneros literários da linguagem humana."

"Aquilo mesmo mediante o qual a teologia é ciência é aquilo pelo qual


ela é mística".

"O cristianismo é sem dúvida, o mistério de Cristo que vive, morre e


ressuscita em mim. Porém, como se realizou este mistério? Numa
incarnaçao, isto é, numa vinda de Deus no tempo e na história. O
cristianismo a partir daí não mais é uma evasão; mas uma
recapitulação, segundo a própria expressão de S. Paulo. Um retomar
e um recuperar de toda a criatura em Cristo, até à divinização
através do homem".

"Historia est magistra vitae: máxima admirável que condensa, ao


mesmo tempo, uma experiência milenar e um princípio de elevada
cultura. É urgente que, contra as reivindicações infantis de uma
espontaneidade que se afirma a única criadora, se medite sobre as
lições e as leis da História (...). O enraizamento inteligente no
passado é a garantia da projecção do futuro; o presente não é mais
que o ponto nevrálgico desta dialética."

"Por causa de um errado sobrenaturalismo, alguns teólogos –


católicos e protestantes, estes em maior numero – dividiram a
realidade ao reduzir a profissão à natureza para enaltecer a vocação
com a graça".

"O fato social humano não permanece exterior à incarnaçao, é até o


lugar privilegiado da consumaçao da incarnaçao. A humanidade é
uma expressao muito simples, porém, vejamo-la em toda a sua
força: a humanidade é o corpo místico de Cristo e a entrada na posse
do mundo pela qual o homem realiza o destino de toda a criatura,
marca, nas suas etapas económicas, o desenvolvimento místico do
empreendimento divino".

"O cristianismo situa-se no tempo vinculando-se assim à história. É


uma força histórica na transformaçao do mundo e isto, não sómente
em virtude de quaisquer benefícios esporádicos, mas como um
fermento que faz levedar a massa. A salvação é sem dúvida pessoal e
realiza-se numa comunhão exclusiva e íntima com Deus. Não se pode
porém efetuar fora da comunidade humana".

"Deus é a verdade substancial, fim plenificador de todos os meus


desejos. Não é um conceito, nem são proposições, nem um sistema
de pensamento, mas aquele em quem reconheço agora o todo de
minha vida, o objeto deleitável de minha felicidade".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 03:59 Um comentário:


quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
GHIORGHIU VASILIEVICH FLOROVSKI (1893)
Ghiorghiu V. Florovsky foi um teólogo e sacerdote Ortodoxo. Nasceu
nos arredores de Odessa em 28 de agosto de 1893. Na época, seu
pai Basílio era capelão e professor de religião num colégio da cidade.
Sua mãe, Cláudia Poprouzhenko, descendia do meio clerical. Recebeu
a educação inicial de seus pais; herdou deles profunda piedade e um
conceito muito elevado do que fosse religião. Assimilou de seus pais
um sentido de profunda piedade e um conceito muito elevado de tudo
aquilo que diz respeito à religião: a Igreja, os ícones, a liturgia, a
Tradição, o clero.

Ingressou na Universidade de Odessa, onde inicialmente estudou


história e filologia e depois filosofia, psicologia e ciências naturais
(química e fisiologia). Teve duas celebridades entre seus professores:
o filólogo e psicólogo N. N. Tange, seguidor de W. Wundt, e o biólogo
B. Babkin, discípulo de I. P. Pavlov.

Em 1919, obteve o Philosophiae Magister e a livre docência em


filosofia na Universidade de Odessa.

Nesse meio tempo, os comunistas haviam tomado o poder e se


aproximavam tempos difíceis para o clero. Em 1920, toda a família
Florovsky refugiou-se na Bulgária, juntamente com uma centena de
sacerdotes e intelectuais. No ano seguinte, Florovsky deixou e rumou
para Praga, onde se estabelecera uma grande colônia de emigrados.
Prestou novos exames para obter a livre docência em filosofia. De
1922 a 1926, lecionou Filosofia do Direito na Universidade de Praga.

Durante esse período, Florovsky submeteu todas as suas convicções


filosóficas a uma análise crítica: abandonou o idealismo, o kantismo e
o racionalismo e voltou à filosofia cristã oriental. Expressão dessa
conversão filosófica foi o ensaio intitulado As astúcias da Razão, um
severo exame de todos os sistemas filosóficos do século XIX, do
hegelismo ao marxismo, ao cientismo de Comte, ao determinismo
freudiano ou darwinista, ao naturalismo de Bergson, ao
antipsicologismo de Husserl, ao neo-escolasticismo protestante e à
tendência acentuadamente jurídica dos católicos romanos. Em todos
esses sistemas, Florovsky denuncia a esterilização da espontaneidade
criadora do homem, a coisificação da vida e o matematismo dos
mistérios. Em seu lugar, propõe uma reabilitação da Tradição cristã
oriental, a única, segundo ele, capaz de salvaguardar o sentido do
mistério e os direitos da pessoa.

Em 1925, realizou-se um sonho que os teólogos da Diáspora


cultivavam há anos: a criação em Paris do Instituto Ortodoxo de São
Sérgio, para a formação do clero ortodoxo destinado a prestar
assistência às comunidades dos exilados e defender a Ortodoxia. A
direção do Instituto foi confiada a Bulgakov; Florovsky assumiu a
cátedra de Patrologia. E, assim, nosso teólogo transfere-se de Praga
para Paris, onde, em 1932, foi ordenado sacerdote.

Florovsky encontrou no ensino da patrologia o estímulo necessário


para redescobrir aquela "Tradição cristã oriental" que se tornara o
seu novo modo de "teologar" depois de seu repúdio às filosofias
ocidentais, e que a polêmica em torno da visão "sofiológica" de
Bulgakov, na década de trinta, tornava tanto mais urgente.Não
participou diretamente da violenta polêmica que se desencadeou em
torno da "sofiologia", por razões de respeito para com o diretor de
sua escola. Mas ofereceu uma alternativa à teologia de Bulgakov com
a publicação de dois livros, Os Padres Orientais do Século Quatro
(1931) e Os Padres Orientais dos Séculos Cinco ao Oito (1933). Tais
livros contêm o núcleo da "síntese neo-patrística" (ou "sacro-
helenismo") com a qual se identifica a visão teológica florovskyana.

Confirmando as teses apresentadas nesses dois livros, em 1937


Florovsky publicou uma obra magistral, Os Caminhos da Teologia
Russa, na qual demonstrava que do século XVII em diante a teologia
ortodoxa se afastara da tradição patrística, sofrendo profundas
infiltrações por parte das teologias católica e protestante.

O ecumenismo vinha sendo favorecido pela Igreja Ortodoxa Russa


desde a Primeira Guerra Mundial. Florovsky, porém, só começou a se
interessar por ele quando se estabeleceu em Paris. Naquela cidade,
Berdiaev fundara um círculo ecumênico abrilhantado por nomes
ilustres, como Bulgakov, Zenkovsky, Boegner, Maury, Maritain,
Marcel e Gilson. Florovsky inscreveu-se no círculo logo que se
transferiu para o Instituto São Sérgio. Em 1931, Karl Barth convidou
Florovsky para pronunciar uma conferência sobre a Revelação na
Universidade de Bonn. Foi um acontecimento memorável na história
do ecumenismo. Em 1937, participou da Conferência Ecumênica de
Edimburgo e causou uma forte impressão. Ao término do encontro,
foi escolhido para participar do Comitê dos Catorze, encarregado de
preparar o Conselho Mundial das Igrejas. Desde então, sempre
esteve presente em todos os grandes encontros ecumênicos. E
desses encontros nasceram alguns dos escritos mais significativos do
nosso autor. Criticou vigorosamente a expressão "Conselho Mundial
das Igrejas". Para Florovsky, o plural "Igrejas" era inadmissível.
"Ainda que a desgraça das divisões cristãs", declarou o teólogo de
Odessa, "nos obrigue a reconhecer muitas confissões, só há uma
única Igreja, a Igreja Ortodoxa, que tem uma função missionária no
seio do Conselho Mundial." Em 1950, na Conferência de Toronto,
lutou até o fim pela inserção no relatório final do esclarecimento de
que a participação no Conselho Mundial das Igrejas não implica para
qualquer Igreja-membro a obrigação de reconhecer às outras Igrejas-
membros o título de Igreja no verdadeiro sentido da palavra. Nessa
questão da definição eclesiológica do Conselho Mundial, Florovsky
mostrou-se inarredável, fazendo dela uma conditio sine qua non para
a participação da Ortodoxia. Na Conferência de Evanston (1954),
lançou uma conclamação a um novo tipo de ecumenismo: "Ao
ecumenismo no espaço deve-se acrescentar também um ecumenismo
no tempo", ou seja, uma nova tomada de contato com os grandes
momentos da Tradição apostólica, essencialmente salvaguardados
pela Ortodoxia.
São especialmente memoráveis dois relatórios que leu diante do
Congresso Teológico Pan-Ortodoxo de Atenas (1936), Westliche
Einflüsse in der Russischen Theologie e Patristics and Modern
Theology. O primeiro trata da "pseudomorfose" da teologia oriental
sob as influências latinas e protestantes; o segundo apresenta o
programa de "re-helenização da Ortodoxia".

Durante a Segunda Guerra Mundial, nosso teólogo buscou refúgio


inicialmente na Suíça, depois na Iugoslávia e finalmente na
Tchecoslováquia. Depois da guerra, retornou a Paris.

Em 1949 ingressou na Faculdade de Teologia da Universidade de


Harvard, na qualidade de professor de História da Igreja Oriental. No
ambiente sereno e acolhedor de Harvard, passou a se dedicar
novamente à pesquisa científica. Desenvolveu e aperfeiçoou sua
"síntese neopatrística" e organizou um grupo de estudos sobre o
tema "Teologia e História".

Quando do anúncio da convocação do Concílio Vaticano II, embora se


alegrando com o acontecimento, Florovsky manifestou algumas
reservas ao convite enviado por Roma à Igreja Ortodoxa para que
enviasse alguns de seus membros da hierarquia como observadores.
Pareceu-lhe um sistema muito triunfalista e paternalista. Segundo
ele, o convite devia ser endereçado somente aos teólogos.
Em 1964, alcançado o limite de idade, deixou a cátedra de Harvard e
ingressou na Universidade de Princeton, na qualidade de visiting
professor.

PENSAMENTOS DE FLOROVSKY

"Um corpo, em suma, o corpo de Cristo; esse excelente paralelo de


que se serve são Paulo nos vários textos em que descreve o mistério
da existência cristã é ao mesmo tempo o melhor testemunho que se
possa prestar da experiência íntima da Igreja apostólica. Não é
absolutamente metáfora acidental: é muito mais um resumo da fé e
da experiência".

"As outras imagens e analogias de que se vale são Paulo e o resto do


Novo Testamento acentuam do mesmo modo a unidade orgânica
entre Cristo e os crentes; o alicerce construído com pedras múltiplas
e vivas, que no entanto se apresenta como uma única pedra; a vinha
e seus ramos, e muitas outras imagens, todas elas servem ao mesmo
objetivo principal. Dentre elas, a imagem do Corpo é a mais forte e a
mais expressiva"

"A Igreja é o Corpo de Cristo porque e na medida em que (pour


autant) ela é o seu complemento... Noutros termos, a Igreja é a
extensão e a 'plenitude' da Encarnação, ou melhor, da vida
encarnada do Filho, 'junto a tudo aquilo que foi feito por nossa
salvação: a Cruz e o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, a
Ascensão aos céus, o estar à direita do Pai' (São João Crisóstomo)".

"A Igreja, portanto, é o lugar e o modo da presença salvífica do


Senhor, glorificado no mundo ou na humanidade que ele salvou"

"Os cristãos não são apenas unidos entre si; antes de mais nada, eles
são uma unidade em Cristo e só essa comunhão com Cristo torna
possível a comunhão dos homens, nele. O centro da unidade é o
Senhor e o poder que opera essa unidade é o Espírito Santo".

"Católico não é um nome coletivo. A Igreja ... é católica em todos os


seus elementos... Cada membro da Igreja é e deve ser católico. Toda
a existência cristã deve ser organicamente 'catolicizada', ou seja,
reintegrada, concentrada, centralizada interiormente".
"Cristo é o mesmo, ontem, amanhã e sempre. Nele todas as gerações
cristãs estão unidas".

"A função principal da Igreja no mundo é precisamente reunir os


indivíduos dispersas e separados, incorporando-os numa unidade
orgânica e viva, em Cristo"

"É através do seu bispo ou, mais exatamente, no seu bispo que cada
igreja local ou particular se inclui na totalidade da Igreja católica.
Através do seu bispo, ela é colocada em contato com as fontes
primeiras da vida carismática da Igreja, ligada a Pentecostes"

"Aquilo que realmente se exige não é uma linguagem nova ou novas


visões gloriosas, mas unicamente uma melhor vida espiritual que nos
torne novamente capazes de discernimento no âmbito da plenitude
da experiência católica".

"A primeira tarefa para a geração atual de teólogos ortodoxos é


restaurar em si mesmos a capacidade de sacrifício que lhes permita
não tanto exprimir as próprias idéias ou as próprias visões, mas
unicamente prestar testemunho da fé imaculada da Mãe Igreja. Cor
nostrum sit semper in Ecclesia!"

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 12:32 19 comentários:

domingo, 14 de setembro de 2008


BERNHARD HÄRING (1912-1998)
Nasceu em 1912 em Böttingen (Alemanha). Ordenado sacerdote em
1937, participou como soldado enfermeiro na frente russa na II
Guerra Mundial (1940-1945). Terminada a guerra, obteve o
doutorado em teologia em Tubinga. Desde 1949 dedicou-se
ininterruptamente ao estudo e à docência da teologia moral. Ao final
do curso acadêmico, 1987-1988, deu sua última lição na Academia
Alfonsiana de Roma. Desde 1988, residiu em Gars, povoado próximo
de Munique.

O nome de Häring está vinculado, indissoluvelmente, à renovação da


teologia moral católica. O que fizeram, em princípios do séc. XX, P.
Lippert, R. Guardini, K. Adam no campo da teologia dogmática, fez
ele uns anos mais tarde no terreno da teologia moral. Sua tentativa
foi redescobrir uma moral bíblica em torno da idéia da imitação de
Cristo. O repúdio a uma moral casuísta e ao juridicismo foi o que o
guiou em seu esforço para recriar uma moral católica. Esse repúdio é
dirigido contra o moralismo e propõe uma superação do formalismo e
do legalismo para dar a primazia ao amor, que é a vida com Cristo e
em Cristo. Resgata para a moral cristã o personalismo como relação
da pessoa com o tu, com o tu absoluto: Deus.

Realiza essa volta ao enfoque essencial da moral em sua obra


fundamental A lei de Cristo - Teologia moral para sacerdotes e leigos
(1954), que o transforma num dos pais da nova teologia moral
católica. Por sua concepção, estrutura e estilo, a obra conseguiu
interessar a grandes setores do mundo eclesiástico, apesar de seus
três grossos volumes. As edições sucederam-se ininterruptamente ao
longo desses 40 anos, tanto em alemão quanto em suas traduções
para as línguas cultas.

Seus esforços para conseguir uma síntese vital entre a moral e a


vida, partindo da superação da dicotomia existente entre o dogma e a
moral, cristalizam-se nestas coordenadas:

1. Uma moral do credo. Häring parte do mistério da salvação, que ele


resume na palavra central da Bíblia: ―Basiléia‖, o reino. Este expressa
tanto o domínio quanto o reinado de Deus, não pela força, mas pelo
amor. A autenticidade bíblica deste conceito, seu conteúdo
existencial, universal, missionário e escatológico, dá estrutura e
forma à moral de Häring, tranformando-a em ―boa notícia‖, termo
que repete constantemente. Dentro desta síntese destaca a
espiritualidade no esquema da teologia moral. O objeto da moral não
são os pecados; seu núcleo central deve ser o amor direcionado à
perfeição ou à ―imitação de Cristo até copiá-lo‖.
2. Uma moral da vida. Na moral de Häring, fé e vida estão sempre
unidas. Sua teologia moral tem muito de existencial, porque a
encarna como ciência de ―Deus em relação comigo‖. A moral ―não
pode ser exercida‖ em forma neutra ou sem se comprometer. Daí: a)
seu conceito integral da pessoa. O homem deve ser visto inserido na
realidade de seu ―contexto social‖: ambiente e comunidade; b) da
responsabilidade. O homem é pessoa. Por isso lhe vem o que por si e
de si responda.
3. O chamado de Cristo. Somente há uma resposta quando antes há
um chamado. A partir desta idéia central de responsabilidade,
ramifica-se a teologia moral de Häring em torno de dois grandes
núcleos: o chamado de Cristo e a resposta do homem. Em torno
deste chamado de Cristo e à resposta do homem, oferece Häring
todos os temas cristãos da moral cristã: a consciência, a liberdade, a
lei, o pecado, a conversão, os mandamentos etc.

Esse magistério de Häring através de sua obra central A lei de Cristo


(Herder, 1960), ampliada e refundida em suas últimas edições sob o
título de Livres e fiéis em Cristo (Paulinas), ampliou-se ao longo dos
anos em quatro frentes fundamentais:

a) Publicações de livros e colaborações em revistas científicas e


populares. Häring escreveu mais de 40 obras sobre os diversos
problemas morais. Mencionamos algumas: Força e fraqueza da
religião; Cristão e o mundo; O matrimônio em nosso tempo; A
mensagem cristã e a hora presente etc.
b) Cursos e conferências a grupos especializados e a religiosos e
seculares de toda classe e condição, praticamente em todas as partes
do mundo.
c) Seu trabalho docente na ―Academia Alfonsiana‖, em contato direto
com milhares de sacerdotes e educadores ao longo de 40 anos.
d) Finalmente, mas não em último lugar, Häring foi um impulsor do
espírito e da obra do Concílio Vaticano II. Sua participação ativa e
direta no Concílio, em concreto na redação da Gaudium et Spes,
posteriormente no debate gerado em torno da Humanae Vitae de
Paulo VI, e em geral em toda a renovação pós-conciliar da teologia
moral fazem dele o pioneiro e o impulsor do movimento renovador no
campo moral do espírito do concílio.

Somente resta dizer que, apesar do reconhecimento unânime e


universal que seu trabalho obteve, ou talvez por isso, sua pessoa e
sua obra viram-se submetidas recentemente a um ―processo
doutrinal‖ por parte da Congregação da Doutrina da Fé (1975-1979).
Conta os pormenores em seu último livro de caráter autobiográfico:
Fé, história e moral. Esse processo doutrinal é a raiz da crise da
Humanae Vitae em 1968. Recrudesce quando em janeiro de 1989
escreveu um artigo, pedindo ao papa uma reconsideração da doutrina
oficial sobre a contracepção.
Bernhard Häring faleceu no dia 03 de julho de 1998, na Alemanha.

PENSAMENTOS DE BERNHARD HÄRING

"Para viver uma existência autenticamente pessoal, a pessoa deve


estar presente em si mesma, no seu próprio eu. Sem isso ser-lhe-á
impossível encontrar o tu do outro"

"Não existe meio mais certo e eficaz para exercer influência direta
sobre o próximo do que o bom exemplo, a força e o prestígio de uma
personalidade modelar"

"O primeiro grito da consciência concentra-se no Eu (sem por isso se


revestir de egoísmo). Simplesmente o Eu ferido grita. Mas logo que,
movido pela primeira dor de sua consciência, o ser humano se abre
novamente aos valores, não é mais só pela dor da ferida tão
bruscamente aberta que ele chora os valores perdidos, mas étambém
pelo abalo que lhe causa o som da trombeta do Anjo do Juízo, que
proclama altamente a sua rigorosa exigência. Sentença de
condenação e apelo ao arrependimento misturam-se à dor do Eu
dilacerado. Uma consciência que estremece em meio às dores,
percebe com agudeza este apelo que a incita a seguir obem, apelo
que significa para ela uma sentença de vida ou de morte, conforme a
decisão que ela adotar... Diferente é a situação na consciência moral
sã (boa consciência). Assim como a pessoa humana que desfruta de
boa saúde não pensa em suas forças, não obstante elas
transbordarem de plenitude, também a pessoa humana voltada
inteiramente para os valores, não pensa continuamente com uma
reflexão atual, naquilo que o bem proporciona ao seu bem-estar
espiritual, mas rejubila-se com o bem e pratica-o por amor"

―O importante é deixar a solidariedade na perdição para entrar na


solidariedade da salvação‖.

"É sempre fácil encontrar um alibi para justificar a negligência de


estudos mais sérios e exigentes"

"O suicídio é um sintoma de perda de consciência do sentido da vida"

"A vaidade absorve-se na alegria que advém das mínimas vantagens


pessoais, sem se dar conta dos verdadeiros valores morais"

"No centro da Sagrada Escritura não estão as normas, mas Cristo,


Filho Unigênito do Pai, que se fez homem para ser um de nós! Nele
temos a vida. É o seu Espírito que nos dá alegria, tornando-nos
livres. A nossa relação com Cristo não é algo exterior, baseada na
simples imitação; aquilo que muda a nossa vida é o fato que Jesus
nos dá o seu Espírito, porque quer continuar a sua vida conosco, ou
melhor, em nós‖.

"Para sermos livres em Cristo e libertados por Cristo, devemos fazer


a escolha fundamental de seguir o Mestre e de ouvir a sua voz. A
escolha da liberdade implica, intrínseca e fortemente, a fidelidade à
opção fundamental: colocar Cristo no centro da nossa vida‖.

―É preciso estar no ‗seguimento‘ do Mestre, como outros ‗Cristos‘


vivos no momento presente. Neste sentido. os elementos
fundamentais de uma moral baseada no seguimento são: rejeição do
moralismo, superação doformalismo e do legalismo, primado do
amor, vida com Cristo e em Cristo e, sobretudo, personalismo
segundo o qual a pessoa é relação com o tu. E age plena e somente
em relação com o Tu absoluto, Deus‖.

"Na medida em que a verdade e os valores objetivos estiverem


envolvidos, a consciência humana certamente nunca será infalível. O
Concílio reconhece que o erro na avaliação acontece bastante
freqüentemente... Porém, quase sempre sem culpa pessoal e sem
que a consciência perca a sua dignidade. Acontece isto sempreque as
intenções são retas e que a consciência está procurando
sinceramente a melhor solução... O mal maior se dá quando a
consciência se torna insensível e cega"

"Atrás do apelo da consciência vemos, em última análise, o Deus três


vezes Santo. Por certo, não é mister que se veja em cada juízo da
consciência uma intervenção de Deus. Não é por revelações
imediatas, ao menos habitualmente, mas através de seus dons, que o
Espírito Santo nos fala. Eles aguçam a sensibilidade da
nossaconsciência e lhe infundem a necessária perspicácia, para que à
luz da revelação divina projetada sobre as circunstâncias possamos
identificar com maior facilidade a vontade de Deus... Deus fala à
consciência, mas fá-lo de tal maneira que não fica poupado o esforço
de formarmos juízos corretos por nós mesmos. Permanece, pois,
aberta a hipótese de formularmos juízos desacertados. Na sua
qualidade de voz de Deus, a faculdade da consciência estimula-nos a
agir segundo aquilo que conhecemos. Neste sentido ela é infalível.
Mas, o juízo como tal, pode ser defeituoso, e suas determinações
emanadas da inteligência, podem ser errôneas".
"A característica mais própria da consciência é estimular a
concordância da vontade com a verdade conhecida e impeli-la a
procurar a verdade antes de tomar uma decisão. Assim, a consciência
é verdade objetiva ou, em outros termos: consciência e autoridade de
Deus que nos guia, prestam-se mútuo apoio. A própria
consciênciarequer ensinamento e guia. Já na harmonia da criação e,
sobretudo na plenitude maravilhosa de Cristo e de seu Santo Espírito
que instruem a Igreja e pelos quais a Igreja nos instrui, encontra a
consciência luz e direção. Para qualquer um a consciência é a
suprema norma subjetiva de sua atuação moral; mas esta
normadeve, por sua vez, conformar-se a uma norma objetiva. Para
ser reta e autêntica, deve ela procurar por si mesma a sua norma no
mundo objetivo da verdade".

"O dogma da infalibilidade da Igreja (ou do Papa) em nada fere a


função da consciência moral, mas ao contrário, garante-lhe uma
orientação segura nas questões fundamentais e decisivas. Ademais,
uma justa determinação da infalibilidade eclesiástica indica a esfera,
no interior da qual a consciência moralrecebe uma direção
absolutamente segura, o terreno, no qual a consciência e a
autoridade não infalível, embora autêntica da Igreja, podem entrar
em conflito‖.

―A consciência acha-se duplamente vinculada à autoridade civil. É


uma autoridade legítima de conformidade com a lei natural, a qual
confirma e determina a revelação sobrenatural. Em muitíssimos
casos, aconsciência necessita do concurso da sociedade e da
autoridade social para conseguir um juízo bem fundamentado‖.

"Não se pode falar de liberdade absoluta para a consciência, uma vez


que, longe de eximir da lei, ela tem, ao contrário, a finalidade de
vincular à lei do bem. Sem dúvida, cada um deve obedecer à sua
consciência, isto é, fazer o bem que sua consciência, após um sincero
exame, lhe indica como obrigatório. Mas existemprincípios morais
que todos devem conhecer. Ninguém pode apelar para a própria
consciência para justificar-lhes a transgressão. Um dos maiores
males de nosso tempo está em que os povos só reconhecem um
número muito restrito de princípios gerais em moral. Em
conseqüência disto, prepondera uma margem exagerada deliberdade
a consciência culpadamente errôneas e cientemente más. O Estado
tem o dever de garantir a liberdade à consciência sã e boa, mas não
a licença à consciência má. Caso contrário, verificar-se-á
inevitavelmente, que os bons acabam sendo submetidos à violência
dos maus".

"A pessoa prudente e cônscia de suas limitações, saberá investigar e


tomar conselhos; valorizará espontaneamente a submissão devida ao
Magistério eclesiástico, e, acima de tudo, será humilde e dócil ao
Espírito Santo. Esse é o caminho que nos leva à prática da virtude da
prudência e ao exercício dos dons a ela correspondentes... O
dinamismo da consciência encontra-se particularmente ameaçado no
tipo de pessoafraca que se compraz em considerar o bem ideal, mas
na prática não assume nenhum compromisso com ele. É de grande
importância para a cultura de uma consciência íntegra, estudarmos
não somente os mandamentos e sobretudo o Bem no seu valor ‗em
si‘, mas de maneira semelhante ou mesmo preferencial, no apelo que
eles nos dirigem. A ruína infalível da consciência é causada, antes de
tudo, pela desobediência habitual e voluntária às suas exigências e
pelas faltas multiplicadas sem nenhuma contrição"

―O escrúpulo é uma incerteza doentia que afeta o juízo moral. O


escrupuloso vive perturbado por um medo constante de pecar. Vê em
toda a parte deveres e perigos que ameaçam induzi-lo a pecar
gravemente. A norma capital para o escrupuloso é obedecer
incondicionalmente ao confessor, porque a consciência escrupulosa é
uma consciência doente e tem absoluta necessidade de guia e de
médico‖.

―A fonte mais comum de nossos erros e de nossas incertezas é a


ignorância mais ou menos culpável das coisas religiosas e morais...
Uma consciência moral suficientemente madura não escolherá
inconsideradamente o caminho mais fácil. Ela saberá atender à voz
da graça e da ‗situação‘ e enfrentar as asperezas de um compromisso
que exija maior coragem, toda vez que uma atitude lhe pareça
consultar melhor os interesses do Reino de Deus‖.

"Nota peculiar do ser humano é que ele tenha história, ele é história e
faz história. Os animais carecem deste tipo de memória e de
consciência que permite fazer história. O indivíduo humano e a
comunidade humana têm memória... somos conscientes do
desenvolvimento e do declínio das culturas. Além disso, vemos a
consciência da pessoa humana numa perspectiva de psicologia
evolutiva"

"Sempre que penso ou falo sobre a liberdade, brota em meu coração


a palavra ‗fidelidade‘ a Cristo‖.

―A adoração não é algo que se acrescenta ao resto da vida moral. É o


coração e a força desta vida. É a expressão mais elevada de
submissão fiel a Deus, fonte da liberdade criadora‖.

"São Paulo nos ensina que o amor é a plenitude da lei. Mas nos
ensina também que Cristo nos libertou para que sejamos livres no
amor. Somos salvos por meio de uma fé que implica um firme auto-
empenho pelo bem e por Deus e uma busca sincera da verdade como
propósito de ação. A liberdade religiosa é condição essencial na qual
se explica o empenho do cristão a dar testemunho, a convencer
alguém a favor de Cristo e a servir para a salvação da humanidade
inteira"

―Eu sofro com a Igreja quando vejo partes dela escravizadas por
tradições mortas, em contradição comnossa fé num Deus vivente que
age com seu povo em todas as épocas... Deveremos nos perguntar a
nós mesmos, como povo deste tempo e desta época, como podemos
chegar a uma melhor inteligência da primitiva lei de liberdade‖.

"O termo ‗consciência‘ deriva do latim cum (juntos) e scientia, scire


(conhecer). A consciência é a faculdade moral da pessoa, o centro e o
santuário íntimo onde se conhece a si mesmo no confronto com Deus
e com o próximo. Mesmo que a consciência tenha uma voz própria, a
palavra que ela diz não é dela: vem da Palavrana qual todas as coisas
são criadas, a Palavra que se fez carne para viver, ser e existir
conosco. E esta Palavra fala através da voz íntima da consciência, o
que pressupõe a nossa capacidade de escutar com todo o nosso ser"

Consciência significa também reflexão sobre si, conhecimento de si,


estar em paz consigo mesmo, experimentar a própria totalidade que
cresce ou que a ameaça. Mas, o genuíno conhecimento de si e a
autêntica reflexão de si não são existencialmente possíveis sem a
experiência do encontro com o outro. A pessoa alcança a sua
integridade e a sua identidade somente na reciprocidade de
consciências. Conhecesea unicidade do próprio eu somente através
da experiência da relação entre o ‗tu‘ e o ‗eu‘ que conduz à
experiência do ‗nós‘"

―Segundo São Paulo, é evidente que não podemos honrar a Deus do


íntimo de nossa consciência se não somos agradecidos e também
cheios de respeito diante do impacto de nossa ação sobre a
consciência vacilante denossos irmãos‖.

"A mutualidade de consciência tem suas raízes nas nossas relações


de fé com Cristo. Se vivemos pelo Senhor, vivemos também um pelo
outro na atenção e no respeito pela consciência do outro (Rm 14,7-
8). E, uma das dimensões mais importantes da reciprocidade das
consciências é o pleno reconhecimento da liberdade deconsciência, e
ainda mais especificamente da liberdade religiosa. Portanto, a
focalização na pessoa e na reciprocidade das consciências é a base da
vida comunitária e da evangelização".

―Possuímos uma consciência distintamente cristã quando nos


achamos profundamente enraizados em Cristo, atentos à sua
presença e aos seus dons, prontos a nos unirmos a ele em seu amor
por todo o seu povo‖.

―A aguda consciência dos cristãos pela justiça social, o seu empenho


não violento e ativo e uma Igreja que escuta os sinais dos tempos
deverão ser um símbolo real da nossa esperança com relação ao
mundo que virá‖.

―A vigilância resulta da tensão criativa entre o já e o ainda não que


são percebidos e que recebem resposta na gratidão e na esperança.
Quando se pratica a vigilância, a consciência especificamente cristã
vem plasmada pela riqueza e pela tensão da história da salvação‖.

"A Bíblia nos mostra a relação entre pecado e falta de saúde, sendo
que as destruições internas e externas causadas pelo pecado são
confirmadas de uma forma concreta. Como pode uma pessoa
considerar-se saudável a nível humano se tem falhado na busca da
sua verdadeira identidade e integridade? O pecado se opõe à nossa fé
e, portanto, a nossa liberdade em Cristo. Especialmente o pecado
habitual e a falta de arrependimento provocam feridas que atingem o
nosso eu mais profundo, enquanto a consciência não cessa de invocar
a totalidade da saúde".
"O ser humano é de tal maneira uma boa criação de Deus que
mesmo depois de um pecado mortal, nele subsiste ainda resquícios
da imagem e da semelhança de Deus, uma aspiração natural à
totalidade sobre a qual a graça pode fundar-se e construir. O
renascimento não é possível, porém, sem uma profunda dor, sem
uma contrição na qual toda a alma é sacudida com a tomada de
consciência da terrível injustiça cometida contra Deus e contra o
bem".

"A Igreja e o mundo necessitam de uma consciência crítica. A palavra


―critica‖ vem do grego krínein, que se aproxima do nosso
―díscernimento‖. Numa sociedade e num mundo pluralistas, os
cristãos deveriam ser um fermento atuante da virtude da crítica de
acordo com a visão de Deus. Cumpre também estarmos prontos para
aceitar a crítica de outros, e para reconhecer nossos malogros e
nossas faltas. Devemos escutar os profetas, pois eles nos sacodem e
desmascaram os nossos erros".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 23:42 2 comentários:

sexta-feira, 11 de julho de 2008


YVES MARIE-JOSEPH CONGAR (1904-1995)
Yves Congar foi um dos grandes teólogos do Concílio Vaticano II e
autor de uma obra ecumênica e teológica considerável.

Yves Congar é um teólogo dominicano francês, nascido em Sedan,


em 1904. Foi ordenado em 1930. Esteve preso em 1940-1945 nos
campos de concentração de Golditz e Lübeck. Foi fundador e diretor
da coleção Unam Sanctam, e professor de teologia na faculdade de Le
Saulchoir. Foi um sólido eclesiólogo, aberto ao ecumenismo e à
reforma da Igreja, precursor e consultor do Concilio Vaticano II.

Professor em La Saulchoir, o seu livro "Verdadeira e falsa reforma de


Igreja" foi objeto de duras censuras. O seu apoio aos curas obreiros e
a sua solidariedade com a causa da justiça social não fez mais que
complicar a súa situação. Durante 10 anos é afastado do ensino,
sancionado, marginalizado de toda atividade pública e tem que exilar-
se a Jerusalém. Surpresamente, João XXIII lhe encomendará
trabalhar nos mais importantes documentos do Concilio Vaticano II,
junto com outros teólogos naquele momento considerados
aberturistas como Joseph Ratzinger ou Henri de Lubac.
Como compensação pela incomprensão que sofreu e aos anos de
sofrida obediencia e silenciamento Congar foi elevado à dignidade
cardinalícia por João Paulo II em 30 de outubro de 1994, recebendo o
barrete de cardeal em 8 de dezembro do mesmo ano.

Vítima de uma enfermidade neuronal acabou os seus días impedido


fisicamente porém intelectualmente ativo. Yves Congar faleceu em
1995, em Paris.

Entre suas obras, cabe destacar Verdadeira e falsa reforma da Igreja


(1950), Jalones para una teología del laicado (1954), Cristãos em
diálogo (1964), Tradição e tradições (1961-1963) e O Espírito Santo
(1980). Congar é a ponta de lança de uma equipe numerosa de
teólogos dominicanos franceses que renovaram a teologia católica ao
longo dos últimos cinqüenta anos. Basta citar teólogos como Chenu,
Liégé, Lelong, Cardonnel, Schillebeeckx etc.

Duas atividades fundamentais ocupam a vida de Congar:

1. O estudo da Igreja sob todos os seus aspectos. Fruto desse estudo


são seus primeiros Ensaios sobre o mistério da Igreja (1952);
Verdadeira e falsa reforma da Igreja (1950) onde ataca, pela primeira
vez, o tema da reforma da Igreja; Balizas para uma teologia do
laicato (1953), onde aborda o tema dos leigos na vida e na atividade
missionária da mesma Igreja. Em 1964, formula os princípios do
diálogo entre as diferentes Igrejas cristãs com Cristãos em diálogo,
continuação de obras anteriores como Cristãos desunidos e Princípios
para um ecumenismo católico (1957). Complemento e expressão de
seu trabalho e estudo sobre o tema da Igreja é a grande coleção
sobre teologia da Igreja, ―Unam Sanctam‖, fundada e dirigida por ele.

2. Mas Congar não tem sido apenas um homem de estudo; mas,


fundamentalmente, o homem que ―preparou o clima do Concílio
Vaticano II‖. Como teólogo do Concílio, influenciou decisivamente nos
novos enfoques da teologia, na preparação de novos teólogos e,
finalmente, na redação e orientação dos documentos do Concílio
Vaticano II, de um modo especial, a Constituição Dogmática sobre a
Igreja, A Igreja no mundo de hoje e o documento sobre o
Ecumenismo. O mesmo Papa Paulo VI agradeceu publicamente a
Congar pela sua colaboração ao Concílio Vaticano II.
Congar utilizou o método especulativo, próprio da escolástica como
método histórico. Buscou uma aproximação com o protestantismo
afirmando que a Biblia é regra para a Tradição e para a Igreja. Pero
sustenta que é sob a luz da Tradição e na proclamação na
comunidade eclesial que a Escritura adquire o seu sentido.

Nos seus estudos sobre o Espírito Santo, parte dos escritos dos Pais
da Igreja gregos como Atanasio de Alexandría e Basilio o Grande com
fim de aproximar-se a posições aceitáveis para a Igreja ortodoxa, e
une, como esta, eclesiología e pneumatología. Para Congar o Grande
Cisma, desde o ponto de vista dogmático é fruto de perspectivas
filosóficas diversas, porém expressan uma mesma fé.

Congar enfatiza que a Igreja é santa, não em sí mesma, ou como


qualidade dos seus membros, senão como ámbito da presença de
Deus que se aproxima da mesquinhez e miseria humana (pecado),
presente na comunidade eclesial. A extensão da vida divina é gratuíta
(graça) sem mérito por parte da hieraquía e dos fieis que participam
dela.

No que atinge à catolicidade, esta há de consistir na capacidade da


Igreja de assimilar e desenvolver os valores auténticos humanos e
culturais, tanto de outras igrejas, como de outras religiões e de todas
as culturas.

Busca também fazer fincapé na relação fundamental dos leigos,


através do seu compromiso com as causas justas da humanidade. A
salvação cristã assume e engloba a libertação social, política,
económica, cultural e pessoal dándo-lhe totalidade e plenitude na
trascendencia. Aquí o compromisso, desde um imperativo cristão
orientador, ha de ser radical, porém as opções do crente podem ser
opináveis e faliveis e, logo, plurais.

A Congar preocupa o papel da hierarquía na Igreja e não oculta


críticas sinceras. Os bispos, para éle estão encurvados absolutamente
na passividade e o servilismo a Roma. Defende um conceito profundo
e radical de obediencia frente ao simplismo insincero tipo autoridade-
súdito.

A atividade de Congar continuou depois do Concílio: Situação e


tarefas atuais da teologia (1967) e A Igreja desde Santo Agostinho
até a época moderna (1970) são contribuições geniais deste homem
que, já numa cadeira de rodas, confessava que sua teologia não vale
mais do que a vida de um simples cristão em pé.

PENSAMENTOS DE YVES CONGAR

―Diz-se que a Igreja não interessa mais a ninguém, que a maioria dos
homens deixou de esperar dela algo que tenha o peso do real. Isso
não é exato. Uma decepção dá a medida de uma esperança, um
despeito a medida de um amor. Se não se esperasse mais nada da
Igreja, não se falaria tanto dela...‖

"Vocês não deveriam dizer que um sapateiro fabrica sapatos; mas,


sim, que ele calça os cristãos... 'Fabricar sapatos' indica apenas a
profissão e insinua que o único objetivo do fabricante é seu lucro
pessoal".

"Aqui está o que Jesus nos deixa: o Espírito e a Noiva. Tal como Eva
foi formada a partir do lado de Adão que dormia, assim o foi a Igreja,
a nova Eva, formada pelo lado de Cristo crucificado. Em ambos os
casos, os símbolos significaram a unidade de duas pessoas chamadas
para formar uma única carne, um único corpo, no amor dos esposos
destinado para a fecundidade da maternidade"

"Toda vida cristã é fundada na possibilidade melhor, na realidade de


um apelo (…). Esta possibilidade de ouvir um apelo e de responder-
lhe atualiza-se no máximo na conversão. O homem é capaz de
modificar-se, de dar outra direção, outro sentido a sua vida (…). É,
em dúvida, por isso que Jesus reconhece uma espécie de primazia
para o pecador: é sempre ao vazio e ao defeituoso que ele se dirige;
é somente o pobre que ele quer enriquecer. Mas, no fundo, é o único
que pode ser enriquecido, porque ‗não são os que tem saúde que
precisam de médico, mas os doentes‘".

"O sábado era o dia da criação terminada e, por isso, é o sétimo e


último dia; era a festa e o repouso do homem criado a imagem de
Deus e constituído assim seu colaborador pelas suas obras; ele
referia-se aos dias úteis que cumulava pelo repouso, pelo louvor, pela
ação de graças. O domingo é a celebração, a aplicação ou a
separação da nova criação, a dos filhos e já não a dos servos, que a
ressurreição de Cristo inaugura. Por isso o domingo não está, como o
sábado estava, em relação direta com os outros dias da semana ; por
isso, a interrupção do trabalho se torna um elemento relativamente
secundário: o domingo não é uma festa desta criação, pertence à
criação nova, a do Filho, cujo princípio é este Espírito vivificador que
é a realidade própria dos últimos tempos e do qual se disse que não
tinha sido totalmente dado enquanto Jesus não fora glorificado.
Assim, o domingo já não é o sétimo dia, o dia do repouso do trabalho
deste mundo, mas o primeiro, ou então o oitavo, e recebeu nomes
sensivelmente equivalentes para marcar que era o início de uma nova
semana, se um novo mundo e, para além da consumação cósmica, o
princípio da vida eterna, que é a dos filhos de Deus, dos que vivem a
vida eterna n'Aquele que, ressuscitado dos mortos, vive doravante
―para Deus‖ (Rm 6,10).
Na medida em que os fiéis participam deste mistério, têm já em si a
vida, a vida eterna, a vida filial e bem-aventurada; mas esta vida
está escondida com Cristo em Deus e espera a manifestação dos
filhos de Deus".

―A Palavra e sacramentos têm, aliás, uma união orgânica: a pregação


é litúrgica e a celebração deve ser profética, toda esclarecida
espiritualmente pela palavra, comunica seu sentido à fé dos fiéis.
Mas, destas duas formas do Pão da vida, a Palavra é logicamente a
primeira‖

"No Evangelho, palavra e sinais caminham juntos. O sinal não toma


todo o seu valor de sinal senão iluminado pela palavra‖.

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 06:00 2 comentários:

segunda-feira, 23 de junho de 2008


PAUL JOHANNES TILLICH (1866-1965)
Paul Johannes Oskar Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em
Starzeddel, Alemanha. Foi um teólogo alemão-estado-unidense.
Tillich foi comtemporâneo de Karl Barth, e um dos mais influentes
teólogos protestantes do século XX.

Estudou sucessivamente a filosofia e a teologia em Berlin, Tübingen e


Halle, sendo contemporâneo de Karl Barth e Rudolf Bultmann. Suas
teses foram dedicadas à filosofia religiosa de Schelling.

Ordenado em 1912, foi pastor da Igreja luterana evangélica de


Brandeburgo; participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de
guerra. Até 1933, lecionou em Berlin, Marburg, Dresden, Leipzig e
Frankfurt. Em 1929 sucedeu Max Scheler na cátedra de filosofia e
psicologia de Frankfurt.

Desempenhou um papel importante na fundação da Escola de


Frankfurt, tendo orientado a tese de doutorado de Theodor Adorno.
Foi fundador, com um grupo de amigos, do movimento intelectual do
"socialismo religioso".

Tendo perdido sua cátedra por causa de suas posições anti-nazistas,


Tillich emigrou para os Estados Unidos em 1933, a convite dos
amigos Reinhold e Richard Niebuhr. De 1933 a 1955, foi professor de
Teologia Filosófica no Union Theological Seminary e na Columbia
University (New York).

Nacionalizou-se americano e lecionou nas universidades de Harvard e


de Chicago. Nesta última cidade, coordenou importantes seminários
de estudos da religião com Mircea Eliade. Depois da Segunda Guerra,
fez freqüentes viagens a Europa para cursos e conferências. Recebeu
o prêmio da paz dos editores alemães em 1962.
Harvard e Chicago ocuparam os últimos anos de sua docência como
teólogo protestante.

Paul Tillich foi casado com Hanna Tillich e tiveram dois filhos.

Paul Tillich faleceu em Chicago, em 22 de outubro de 1965.

As pesquisas de Paul Tillich contribuíram também para o


existencialismo cristão. Tillich é tido, ao lado de Karl Barth, como um
dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

Tillich deixou uma densa obra e numerosos discípulos, que seguiram


e aplicaram sua doutrina. Seu pensamento aparece como uma ponte
entre o sagrado e o profano. Não confunde as duas esferas, mas
tende a explicitar o sentido religioso, implícito nas profundezas do
ser, de todo ser. A tentativa apóia-se nestes conceitos-base: o limite,
a ruptura, a correlação e o abismo. É um pensamento no limite,
porque é onde se definem as coisas. O ser no limite significa não um
ser estático, mas uma posição de ruptura entre o ser e o não-ser. A
ruptura segue a correlação, categoria básica de Tillich, resposta aos
problemas do homem e da história. E finalmente o abismo, que
permite a Tillich superar a oposição da moderna teologia protestante
entre o Deus da razão e o Deus da fé. No abismo de todo ser
reúnem-se e harmonizam-se unitariamente o ser em si e o Uno-Trino
da Bíblia. Paul Tillich defendeu o exame da religião pela razão, assim
como valorizou o auxílio do conhecimento secular para a
compreensão do cristianismo, embora afirmasse que o critério
supremo da revelação residia em Jesus.

Sobre essa base filosófica de fundo hegeliano, Tillich constrói sua


teologia, que pode ser resumida nestes pontos:

— Insistência em que a Bíblia não é a única fonte da teologia. Esta


deve ser predominantemente apologética e querigmática, isto é, deve
interessar-se pelas diferentes formas de cultura e ser uma tarefa
essencialmente racional para chegar à compreensão do
especificamente cristão. Em sua Teologia sistemática (3 vols., 1951-
1957), Deus é apresentado como ―aquele que nos concerne, em
última instância‖ ou ―a essência de nosso ser‖. Deus não é um ser,
mas o próprio ser. A linguagem da teologia e da religião é
essencialmente simbólica. A única exceção é Deus que, como vimos,
define como o mesmo ser. ―O homem desta infinita e incansável
profundidade de todo ser é Deus.‖ ―Talvez se esqueça tudo o que se
aprendeu sobre Deus, inclusive a própria palavra, para desta maneira
saber que conhecendo que Deus é o profundo, conhecemos muito
sobre ele. Neste sentido, ninguém pode chamar-se ateu ou
nãocrente. Somente é ateu quem seriamente afirma que a vida é
superficial.‖

— Com relação ao fato cristão, afirma que Cristo, ―enquanto símbolo


da participação de Deus nas situações humanas‖, é a resposta
necessária para a situação existencial do homem pecador. Com ele
mudou-se a existência, pois revelou-nos um Deus libertador. Para
Tillich, o Novo Testamento somente se refere à história de Jesus para
elevá-lo a valor simbólico universal, cujos momentos decisivos são a
cruz, símbolo do encadeamento do homem ao finito e negativo da
existência, e a ressurreição, símbolo da vitória.

— Fiel a seu método da ―correlação‖, Tillich insinua e demonstra, em


termos arduamente exeqüíveis, que não existe contradição entre o
natural e o sobrenatural e que, portanto, o Deus da razão e o Deus
da fé e a revelação são dois aspectos de uma mesma realidade.
Corrige assim o sobrenaturalismo de Barth, demasiado preocupado
em identificar a mensagem imutável do Evangelho com a Bíblia ou
com a ortodoxia tradicional. Sua teologia apologética destina-se a
responder aos problemas da situação de hoje. ―Deve-se lançar a
mensagem como se lança uma pedra sobre a situação de hoje.‖ Pelo
princípio da correlação os elementos relacionados só podem existir
juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o
princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois
pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa
verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o
destinatário da mensagem. E a situação não diz apenas respeito ao
estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas "as formas
científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os
indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência".
A situação é o que se deve levar a sério.

— Com fundamento nas idéias de Schelling e no existencialismo de


Kierkegaard, Tillich elaborou uma teologia que engloba todos os
aspectos da realidade humana em função da situação histórica do
homem. Seu método teológico baseou-se no chamado princípio da
correlação, descrito em Systematic Theology (1951-1963; Teologia
sistemática). Esse princípio transforma a teologia num diálogo que
relaciona as perguntas feitas pela razão às respostas obtidas
mediante a fé, como experiência reveladora.

— Para Tillich, a teonomia - lei interior dada por Deus, em harmonia


com a natureza essencial do homem - dá força e liberdade ao homem
para reconstruir a sociedade de forma criativa. A teonomia
contrapõe-se à heteronomia, lei imposta ao homem de fora para
dentro, e à autonomia, que o deixa frustrado e sem motivação para a
vida.

— A vida é definida por Paul Tillich como sendo a atualização do ser


potencial. Em todo processo vital ocorre essa atualização. Os termos
"ato", "ação", "atual" denotam um movimento com centralidade
dirigida para diante, um sair do centro de ação. Mas esse sair-de-si
ocorre de tal forma que, para Tillich, "o centro não se perde nesse
movimento centrífugo. Permanece a auto-identidade na auto-
alteração." O outro, no processo de alteração se dirige tanto para fora
do centro como para dentro dele novamente. Dessa forma distingue
três elementos no processo da vida: auto-identidade, auto-alteração,
e volta para si mesmo. "Potencialidade se torna atualidade somente
através desses três elementos no processo que chamamos vida".

A influência de Tillich cresceu ainda mais depois de sua morte. Seu


pensamento com relação ao conceito de Deus foi seguido e
popularizado por John Robinson, autor de Honest to God (1963). Mais
recentemente, Don Guppitt iniciou um duro ataque à doutrina
tradicional cristã sobre Deus em sua obra Tomando o lugar de Deus
(1980), na qual advoga por um conceito cristão-budista de Deus
similar ao de Tillich.

Entre suas obras, cabe destacar Se comovem os fudamentos da Terra


(1948), Teologia sistemática (1951, 1957 e 1963), Coragem de ser
(1952) e O eterno agora (1963). Grande renovador da teologia, seu
tema principal é a reconciliação entre ciência e fé e entre cultura e
religião.

PENSAMENTOS DE PAUL TILLICH

"A cura pela fé no sentido não pervertido da palavra é a recepção da


salvação/saúde no ato da fé, isto é: na entrega a algo que nos diz
respeito incondicionalmente, ao sagrado que não pode ser forçado a
se colocar a nosso serviço. De tal entrega deriva a cura no centro da
personalidade, integração das forças contraditórias que se subtraem
ao centro e querem então se apossar dele".

"A integração do si mesmo pessoal só é possível mediante a sua


elevação até aquilo que chamamos simbolicamente de si mesmo (ou
personalidade) divino. E isso só é possível graças à irrupção do
Espírito divino no espírito humano, isto é, pela presença do Espírito
divino".

"Chegamos assim à conclusão que cura e salvação se pertencem


mutuamente de modo indissociável, que os múltiplos aspectos do
curar/salvar devem ser claramente diferenciados, que eles são
produzidos por uma força suprema de cura e que seus portadores
devem lutar juntos a favor da humanidade. Nenhuma separação,
nenhuma confusão mas um objetivo comum de todo "curar": o ser
humano salvo, em totalidade".
"Uma religião que não possui um poder de curar e salvar é
desprovida de sentido".

"A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois
revelação significa a reintegração da razão".

"É a finitude do ser que conduz à questão de Deus".

"... o termo 'Novo Ser', quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica
o poder que nele vence a alienação existencial ou, expresso em forma
negativa, o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o
Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que
nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles
que têm parte com ele".

"A teologia sistemática necessita de uma teologia bíblica que seja


histórico-crítica sem quaisquer restrições, mas que seja, ao mesmo
tempo, interpretativo-existencial, levando em conta o fato de que ela
trata de assuntos de preocupação última"

"Nossa preocupação última é aquilo que determina o nosso ser ou


não-ser. Só são teológicas aquelas afirmações que tratam de seu
objeto na medida em que possa se tornar para nós uma questão de
ser ou não-ser"

"O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria
através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a
condenar o amor-próprio; mas aquilo que pretendemos realmente
condenar é o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e
aversão por nós próprios que permanentemente nos persegue, que
nos impede de amar os outros e que nos proíbe de nos perdermos no
amor com que somos eternamente amados. Aquele que é capaz de
se amar a si próprio é capaz de amar os outros; aquele que aprendeu
a superar o desprezo por si próprio superou o seu desprezo pelos
outros".

"Na nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma


tendência, visível ou oculta, para nos maltratarmos e nos
destruirmos. A crueldade para com os outros é sempre também
crueldade para com nós próprios. Deste modo, o estado de toda a
nossa vida é o distanciamento dos outros e de nós próprios, porque
estamos distanciados da Razão do nosso ser, porque estamos
distanciados da origem e do objectivo da nossa vida".

"A teologia levanta necessariamente a questão da realidade como um


todo, a questão da estrutura do ser. A teologia suscita
necessariamente a mesma pergunta, pois aquilo que nos preocupa de
forma última deve pertencer à realidade como um todo; deve
pertencer ao ser".

"O objetivo da teologia é aquilo que nos preocupa de forma última.


Só são teo-lógicas aquelas afirmações que tratam do seu objeto na
medida em que ele pode se tornar questão de preocupação última
para nós"

"―Um sistema teológico deve satisfazer duas necessidades básicas: a


afirmação da verdade da mensagem cristã e a interpretação desta
verdade para cada nova geração‖.

"Se a ―Palavra de Deus‖ ou o ―ato de revelação‖ é considerado a


fonte da teologia sistemática, devemos enfatizar que a ―Palavra de
Deus‖ não está limitada às palavras de um livro e que o ato de
revelação não se identifica com a ―inspiração‖ de um ―livro de
revelações‖, mesmo que esse livro seja o documento da ―Palavra de
Deus‖ final, plenitude a critério de todas as revelações".

"O sentido ontológico da experiência é uma conseqüência do


positivismo filosófico. O que é dado positivamente é, segundo esta
teoria, a única realidade da qual se pode falar de modo significativo.
E positivamente dado significa dado na experiência. A realidade é
idêntica à experiência"

―A Bíblia como um todo nunca foi a norma da teologia sistemática. A


norma tem sido um princípio derivado da Bíblia num encontro entre
ela e a igreja‖.

―Já que a norma da teologia sistemática é o resultado de um encontro


da igreja com a mensagem bíblica, podemos considerá-la produto da
experiência coletiva da igreja‖

"A Bíblia é a Palavra de Deus em dois sentidos: É o documento de


revelação final e participante na revelação final da qual é documento.
Provavelmente nada contribuiu mais para a interpretação errônea da
doutrina bíblica da Palavra do que a identificação da Palavra com a
Bíblia"

―O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a Igreja não é Igreja sem o


Cristo. A revelação final, como toda revelação, é correlativa‖.

HENRI DE LUBAC (1896-1991)


Henri de Lubac é considerado um dos principais representantes do
pensamento religioso contemporâneo. Seu campo de preocupação e
estudo vai desde os padres da Igreja à teologia medieval e ao
ateísmo contemporâneo. Especializado em temas da Igreja, é
fundador com Daniélou da coleção de textos cristãos ―Sources
chrétiennes‖. Em 1967, recebeu o ―Grande Prix‖ católico de literatura,
dando a conhecer ao grande público a importância deste fundador de
uma teologia aberta, em diálogo permanente e positivo com as
diversas correntes do pensamento moderno.

Nascido em Cambrai (França), em 1896, entrou na Companhia de


Jesus para atuar muito cedo como professor de Teologia Fundamental
e História das Religiões na Universidade Católica de Lyon e na
faculdade dos jesuítas de Fourvière. Suas qualidades de escritor, sua
grande erudição e a agudeza de seu pensamento cedo o levaram ao
primeiro plano da investigação teológica francesa. Iniciou sua
produção com o ensaio Catolicismo, sobre os aspectos sociais do
dogma. Fruto de seu estudo da história da teologia patrística e
medieval é a criação de ―Sources chrétiennes‖, coleção de textos da
literatura cristã. A partir de 1950, apareceram seus estudos sobre
patrística e teologia medieval, História e espírito, que reabilita
Orígenes e põe em destaque o que significou sua doutrina no
pensamento da Igreja. A partir de 1959, apareceram os quatro
grossos volumes de Exegese medieval.

Henri de Lubac foi membro da comissão internacional de teólogos


(1969), e advogou pelo diálogo com as religiões não cristãs e com os
não crentes.

Como todos os grandes teólogos da época, Henri de Lubac foi objeto,


durante algum tempo, de crítica e suspeita por seu livro O
sobrenatural. Neste livro denuncia a noção escolástica de ―natureza
pura‖ e desenvolve a idéia de uma continuidade da natureza e da
graça no ser.
Outra das grandes incursões de Lubac foi o pensamento moderno em
estudos sobre Proudhon, Blondel, o budismo japonês e temas
relacionados com o ateísmo. Mas sem dúvida o trabalho mais
importante é dar a conhecer e reabilitar a obra de Teilhard de
Chardin, e seu apoio e participação no Concílio Vaticano II. Seu
humanismo é concebido e expresso numa perspectiva cristã e
transcendente: ―o humanismo exclusivo é um humanismo inumano‖,
dirá. Seu comentário à constituição conciliar sobre a divina revelação
— Deus se lê na história (1974) — é um exemplo deste humanismo
transcendente.

Foi um grande renovador da teologia católica por sua imersão nos


Padres da Igreja. Em 1983 foi feito cardeal. Entre suas muitas obras,
cabe destacar O drama do humanismo ateu (1944), Meditação sobre
a Igreja (1953), Exegese medieval (1959-1964) e A revelação divina
(1983).

Henri de Lubac faleceu em 1991.

PENSAMENTOS DE HENRI DE LUBAC

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador,


mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras.
Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade,
identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo
de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-
nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê
e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós
o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele
nos faz felizes".

"Se vivemos na Igreja, temos de combater as lutas da Igreja de hoje.


Devemos dar a adesão do nosso entendimento à doutrina da Igreja
tal como hoje se encontra elaborada. Ainda supondo que fosse lícito,
seria uma grande ilusão acreditar que se poderia reter em seu exato
teor e em toda a sua fecundidade a fé de uma época anterior,
desprezando o que desde então se foi fazendo mais explícito. O
próprio erro e a rebelião, por perfeitamente que tenham sido
vencidos, impõem em certa medida um novo estilo e outra ênfase à
existência do homem fiel como à expressão da verdade".
"A fé da Igreja... a fé que o Senhor lhe concedeu, que vem a ser nela
uma força ardorosa que a fundamenta e que a sustenta... a fé que
nós não podemos professar se não nos associarmos a toda a Igreja e
da qual somente podemos participar numa medida muito pequena.
Era aquela fé perfeita e inalterável, aquela fé sempre plena, sempre
igual e sempre serena, aquela fé perseverante, inamovível como a
cruz de Cristo, que não é sacudida por nenhum escândalo, que nunca
duvida nem vacila, que nunca está sonolenta; aquela fé viva e
vivificante, que frutifica no mundo inteiro, na qual se acende e se
insere a fé de cada um dos indivíduos, que a nutre a reconforta, até o
ponto que quando alguém de nós diz: ―Eu creio em Deus‖, sempre
fala na Igreja e em dependência da Igreja.

"A confissão de fé no Símbolo (o Credo) se pronuncia sempre como


que em nome de toda a Igreja. Isto é o que faz com que ainda que
aquele que não tem senão uma fé informe e ainda que esteja
desprovido das disposições (ideais), possa, contudo, dizer com toda a
verdade que ele crê. Pode fazê-lo pelo fato de pertencer à Igreja, que
lhe permite falar in persona Ecclesiae (na pessoa da Igreja);
enquanto que, ao contrário, quem voluntariamente se separa da
Igreja, não tem uma fé válida".

De igual modo, nossa predestinação em Cristo é a predestinação na


Igreja. São Paulo nunca pensou em tal predestinação a não ser nesta
perspectiva total. Jesus Cristo nos ama a cada um; e a cada um nos
diz como a Moisés: ―Conheci-te pelo nome‖. Porém não nos ama
separadamente. Ele nos ama em sua Igreja, pela qual derramou seu
sangue. Por isso nosso destino pessoal não pode se realizar a não ser
na salvação comum da Igreja, desta Mãe da unidade".

"A Igreja não é Deus, mas ―a Igreja de Deus‖. Ela é sua Esposa
inseparável, que o serve na fé e na justiça... a Casa de Deus onde ele
nos recebe para perdoar os nossos pecados. Esta Igreja, que é a
coluna da verdade, é onde nós cremos retamente em Deus e onde o
glorificamos".

"Ela (a Igreja) é, com efeito, o Lugar escolhido pelo Senhor para que
nela seja invocado o seu nome. Ela é o Templo no qual se adora a
Trindade e o santuário imutável fora do qual, salvo a desculpa da
ignorância invencível, ninguém pode esperar a salvação... Ela é o
corpo das três Pessoas. Ela é também aquela Casa preparada no alto
dos montes, Casa anunciada pelos profetas, para onde haverão de
confluir um dia todas nações para viver unidas nela sob a Lei do único
Senhor. Ela é a câmara do tesouro, onde os Apóstolos depositaram a
Verdade, que é o Cristo. Ela é a única Sala onde o Pai de família
celebra os desposórios de seu Filho. Como também nela é que nós
recebemos o perdão e por ela temos acesso à Vida e a todos os dons
do Espírito. Não podemos crer nela como cremos no Autor da nossa
salvação, porém cremos que ela é a Mãe que nos traz a
regeneração".

"Com efeito, por uma parte, à série de erros e desvios que


apareceram ao longo dos séculos passados, que deram origem a
tantos cismas, que provocaram tantas discussões, conflitos e
desordens e que ainda continuam produzindo entre nós seus frutos,
vão juntando-se outros, mais sutis, que às vezes minam a
consciência católica mesmo naqueles que de modo algum sentem a
tentação do cisma ou da heresia formal".

"Em Jesus Cristo, que era a finalidade, a antiga Lei encontrou


precedentemente a sua unidade. Século após século, tudo nessa Lei
convergia para Ele. É Ele que, da totalidade das Escrituras, formava
já a única Palavra de Deus.

"Nele, os ―verba multa‖ (as muitas palavras) dos escritores bíblicos


tornam-se para sempre ―Verbum unum‖(Palavra única). Sem Ele, ao
invés, o laço se dissolve: de novo a palavra de Deus se reduz a
fragmentos de ―palavras humanas; palavras múltiplas, não somente
numerosas, mas múltiplas por essência e sem unidade possível,
porque, como constata Hugo de São Vítor, ―Muitas são as palavras do
homem, porque o coração do homem não é uno".

"Ei-lo agora, total, único, na sua unidade visível. Verbo abreviado,


Verbo ―concentrado‖, não somente neste primeiro sentido que Ele,
que é um si mesmo imenso e incompreensível, que é Aquele que é
infinito no seio do Pai, se comprime no seio da Virgem ou se reduz às
proporções de um menino na gruta de Belém, como São Bernardo e
seus filhos gostavam de falar, como repetia M. Olier num hino para o
Ofício da vida interior de Maria, e, ainda há pouco, o padre Teihard de
Chardin. Mas, [Verbo concentrado] também e ao mesmo tempo no
sentido que o conteúdo múltiplo das Escrituras, espalhado ao longo
dos séculos de expectativa vem todo inteiro comprimir-se para se
cumprir, isto é unificar-se, completar-se, iluminar-se e transcender-
se Nele".

"Deus pronuncia uma só palavra, não só em si mesmo, na sua


eternidade sem vicissitudes, no ato imóvel com o qual gera o Verbo,
como Santo agostinho recordava; mas também, como ensinava já
Santo Ambrósio, no tempo e entre os homens, no ato com o qual ele
envia o seu Verbo para habitar a nossa terra. ―Semel locutus est
Deus, quando locutus in Filio est‖ (Deus pronunciou uma só palavra,
quando falou no seu Filho): porque é Ele que dá o sentido a todas as
palavras que o anunciavam, tudo se explica Nele e somente Nele: ―Et
audita sunt etiam illa quae ante audita non erant ab iis quibus locutus
fuerat per prophetas‖ (E agora são compreendidas todas aquelas
palavras que não foram entendidas antes por aqueles aos quais ele
tinha falado por meio dos profetas)".

"A Igreja católica é aquele estandarte erguido em meio às nações,


como se exprime o Concílio Vaticano I, tomando as mesmas palavras
do profeta Isaías (cf. 49,22), para servir a todos de sinal de reunião,
a ela convidando todos os que ainda não têm fé, e assegurando a
seus próprios filhos que a fé que eles professam apóia-se sobre o
mais firme fundamento.

"A Igreja é aquela montanha que se faz visível desde longe a todos
os olhares, aquela cidade resplandecente, aquela luz colocada sobre o
candelabro para iluminar toda a casa. Ela é aquele edifício de cedro e
de cipreste incorruptível, cuja solidez majestosa desafia os séculos e
inspira confiança a nossas efêmeras individualidades. Ela é aquele
milagre continuado que não cessa de anunciar aos homens a vinda do
seu Salvador e mostrar-lhes com mil exemplos sua Força
libertadora..."

"Pela profundidade e pela coesão da doutrina que propõe, por seu


conhecimento experimental do homem, como pelos frutos que o
Espírito não cessa de fazer florescer nela, a Igreja exerce sobre as
almas retas uma atração que atesta, de idade em idade, tantas
conversões paradoxais".

"Receptáculo a guardiã das Escrituras, a Igreja distribui sua luz, que


é a única que da um sentido inteligível à nossa história. Deste modo,
ela nos leva a Cristo por mil caminhos convergentes. É nela onde
Deus se mostra aos olhos que vêem a sabedoria".

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador,


mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras.
Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade,
identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo
de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-
nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê
e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós
o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele
nos faz felizes".

"Não muda em nada a substância da fé. Nunca se lhe acrescenta


nada. Não se introduz nenhuma novidade O que faz é impedir, por
meio de uma série de esclarecimentos e exatidões sucessivas, que a
doutrina diminua ou pereça. Este progresso faz que, em virtude da
própria vida que mantém, impeça que a doutrina se esgote. Prevê ou
retifica seus desvios. Na verdade, contra os impulsos opostos entre si
que mais ou menos estão sempre em ação, ele (o progresso da
doutrina) consegue manter em sua plenitude, em sua integridade e
em sua autenticidade a verdade que foi confiada à Igreja uma vez
para sempre. Não se deve confundir, portanto, este progresso com
uma revelação progressiva. Porém tenha-se em conta que ninguém
pode opor-se ou ignorar sistematicamente este progresso sem
corromper precisamente aquilo mesmo que pretendia conservar".

"Desde algum tempo vem-se falando muito da Igreja; muito mais


que antes e, sobretudo, num sentido mais compreensível. Alguns
acreditam inclusive que se fala dela um tanto demasiado e com
demasiada desconsideração. E se perguntam se não seria melhor
esforçar-se simplesmente – como fizeram tantas gerações – esforçar-
se para viver nela. De tanto considerá-la a partir de fora para estudá-
la, não se habituaria alguém no mais profundo de si mesmo a
separar-se dela? Não se corre o perigo, se não de cortar, ao menos
de afrouxar os laços íntimos, sem os quais não se pode ser
verdadeiramente católico? Tantos venenos, tantos problemas sutis,
com toda a agitação intelectual que supõem, serão por acaso
compatíveis com aquela antiga simplicidade e com aquele espírito de
obediência que caracterizaram sempre os filhos fiéis da Igreja?"
"A Igreja não é uma realidade deste mundo que se pode medir e
analisar como se queira. Enquanto durar a presente condição, a
Igreja não pode ser conhecida com toda perfeição, mas permanece
oculta sob um véu. Pois a Igreja é um mistério de fé. Como os
demais mistérios, também ela ultrapassa a capacidade e as forças de
nossa inteligência. E mais ainda: pode-se afirmar que ela se torna
para nós como o lugar onde no qual confluem todos os mistérios,
Porém, o mistério exclui toda indagação curiosa. Deve-se crê-lo na
obscuridade. Deve-se meditá-lo em silêncio".

"O homem da Igreja ama a beleza da casa de Deus. A Igreja roubou


seu coração. É sua pátria espiritual. É sua mãe e seus irmãos. Nada
que lhe diga respeito deixa-lhe indiferente ou afastado. Ele se radica
em seu solo; forma-se à sua imagem, integra-se na sua experiência;
sente-se rico das suas riquezas. Tem consciência de participar por
meio dela, e apenas por meio dela da estabilidade de Deus. Dela
aprende como viver e como morrer. Não a julga, mas se deixa julgar
por ela. Aceita com júbilo todos os sacrifícios por sua unidade".

"O homem da Igreja ama o seu passado. Medita sobre sua história.
Venera e explora sua tradição... Aceita o ensinamento do magistério
como norma absoluta. Acredita simultaneamente que Deus nos
revelou tudo, de uma vez por todas, no Filho e que, todavia, o
pensamento divino adapta a cada época, na Igreja e mediante a
Igreja, o entendimento do mistério de Cristo... E compreende, enfim,
em qualquer circunstância, que não pode ser um membro ativo do
corpo se não for antes de mais nada um membro submetido,
dobrável e dócil à direção da cabeça".

"Seja, portanto, louvada essa grande Mãe, pelo mistério divino que
nos comunica, introduzindo-nos nele através da dupla porta,
constantemente aberta, da sua doutrina e da sua liturgia! Seja
louvada pelo perdão que nos assegura! Seja louvada pelos focos de
vida religiosa que suscita, que protege e cuja chama mantém viva!
Seja louvada pelo universo exterior que nos desvela e em cuja
exploração nos guia! Seja louvada pelo desejo e a esperança que
cultiva em nós! E louvada seja inclusive por tudo aquilo que ela
desmascara e dissipa nas nossas ilusões, para que a nossa adoração
seja pura! Louvada seja essa grande Mãe!"

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 07:22 Um comentário:


segunda-feira, 19 de maio de 2008
WOLFHART PANNENBERG (1928- )
Wolfhart Pannenberg é um dos maiores teólogos protestantes
contemporâneos. Nasceu no ano 1928 na cidade de Stettin,
Alemanha. Pannenberg foi batizado na Igreja Evangélica Luterana,
mas não teve praticamente nenhum contato com a Igreja nos seus
primeiros anos. Com cerca de dezasseis, no entanto, ele teve uma
intensa experiência religiosa a qual ele chamou mais tarde de sua
"experiência de iluminação". Buscando a compreender esta
experiência, ele começou a pesquisar através das obras de grandes
filósofos e pensadores religiosos. O seu professor de literatura da
Escola Secundária, que tinha sido uma parte da Igreja Confessante
durante a Segunda Guerra Mundial, encorajou-o a considerar
seriamente o cristianismo, o que resultou na "conversão intelectual"
de Pannenberg, na qual se concluiu que o Cristianismo era a melhor
opção religiosa disponível. E isto o implusionou em sua carreira como
teólogo. Pannenberg estudou Teología e Filosofía na universidade de
Göttingen, sob a direção de Nicolai Hartmann. Logo estudou na
universidade de Basel, sob K. Jaspers e Karl Barth. Estudou na
Universidade de Berlim e doutorou-se em Teologia na Universidade
de Heidelberg (1954), onde lecionou até 1958. Em seguida, ensinou
em Wuppertal (1958-61), Mainz (1961-68) e Munique (1968-1993).

Quem mais influenciou no pensamento de Pannenberg foram Günter


Bornkamm com seu "Nova busca pelo Jesus histórico". Seu outro
mentor foi Hans Von Campenhausen por meio de seu discurso reitoral
de 1947 intitulado: "Agostinho e a queda de Roma".

Wolfhart Pannenberg, que é professor de teologia sistemática na


Universidade de Munique, apresenta sua teologia de dentro da
categoria da história. A parte central da carreira teólogica de
Pannenberg foi sua defesa da teologia como uma rigorosa disciplina
acadêmica, uma capacidade de interação com a filosofia crítica, a
história e as ciências naturais.

Pannenberg é talvez mais conhecido pelo seu livro: Jesus - Deus e


Homem, no qual ele constrói uma Cristologia "por baixo", ou seja, a
sua dogmática decorre de uma análise crítica da vida de Jesus de
Nazaré. Ele correspondentemente rejeita as tradicionais calcedonicas
"duas naturezas", preferindo ver a pessoa de Cristo à luz da
ressurreição. Este foco sobre a ressurreição de Cristo como a chave
da identidade levou Pannenberg a defender a sua historicidade.
Outras obras: A redenção como acontecimento e história, 1959;
Revelação como história, 1962; Que é o homem? A antropologia atual
à luz da teologia, 1964; Teologia Sistemática (3 v.). Quando foi
publicado seu livro Jesus - Deus e Homem, em 1968, veio a ser uma
influência no mundo de fala inglesa.
A doutrina teológica de Pannenberg considera que a realidade
histórica tem prioridade sobre a fé e o raciocínio humanos. Wolfhart
Pannenberg, pode ser chamado o teólogo da história. Porque para ele
a história é o princípio de averiguar o futuro com a revelação da
Palavra.

Para Pannenberg, a Ressurreição de Jesus tem uma importância


capital na nova concepção de revelação. Ele afirma que ela é o
acontecimento central do Novo Testamento, porque faz acontecer
antecipadamente o final da história, e isto permite conhecê-la em sua
totalidade.
Para Pannenberg, toda história é a revelação de Deus. A história está
tão clara em suas funções revelatórias que sua interpretação pode
ser feita sem a ajuda da revelação sobrenatural. A verdade
revelatória está necessariamente inerente na totalidade da história e
bem clara para todos quantos observam. Deixar de captar a
revelação dentro da história é falha do indivíduo e da sua
investigação, e não da própria história.

Pannenberg propõe que Deus se revela indiretamente mediante a


proeza que ele realiza na história. Ele compreende a revelação como
a auto-revelação de Deus de forma indireta na história. Portanto, se a
revelação de Deus acontece por intermédio de fatos históricos, estes
são acessíveis ao juízo consciente de cada homem e, por
conseguinte, ela não é um conhecimento esotérico revelado a poucos.
Apesar desta abertura, Pannenberg também afirma que a revelação é
um ato divino e do qual o homem necessita, pois este conhecimento
não está em seu poder e ele não pode obtê-lo sozinho.

O pensamento de Wolfhart Pannenberg pode ser considerado aquele


que no contexto luterano aceitou de forma evidente o desafio do
Iluminismo. Desde os primórdios de sua reflexão, Pannenberg
pretendeu superar a marginalização da fé e da teologia em relação à
razão moderna.
Wolfhart Pannenberg ao lado de Jürgen Moltman detém a paternidade
da chamada Teologia da Esperança. Simplesmente, teologia liberal.
Pannenberg é bem situado entre os grandes teólogos protestantes
contemporâneos. De um lado ele é claramente um teólogo de
confissão Luterana, de outro lado do ponto de vista metodológico, ele
é um neoliberal. Seu esforço de conciliar a tradição Luterana com a
metodologia contemporânea é o que faz sua teologia interessante e
significativa. Wolfhart Pannenberg também teve muita influência na
teologia católica.

PENSAMENTOS DE WOLFHART PANNENBERG

"O clima público do secularismo mina a confiança dos cristãos na


verdade em que crêem (...) Em um ambiente secular, até o
conhecimento elementar da cristandade (...) definha. Não é mais
uma questão de rejeitar os ensinamentos cristãos; um grande
número de pessoas não tem a mínima idéia de quais são esses
ensinamentos (...). Quanto mais disseminada a ignorância do
cristianismo, maior o preconceito contra o mesmo (...) A dificuldade é
agravada pelo relativismo cultural da própria noção da verdade (...) à
vista de muitos, (...) as doutrinas cristãs são meramente opiniões
que podem ou não ser afirmadas de acordo com a preferência
individual, ou dependendo de se elas são voltadas para necessidades
pessoais (...) A ordem social cuidadosamente secularizada promove
um sentimento de falta de sentido"

"A teologia cristã tem somente a tarefa de mostrar que e como se


pode desenvolver uma interpretação coerente de Deus, do ser
humano e do mundo a partir do evento da revelação que o
cristianismo compreende como tal, interpretação esta que é capaz de
ser defendida, com razões, como verdadeira em relação ao
conhecimento de experiência da filosofia, e que por isso também
pode ser defendida como verdadeira em relação a interpretações
alternativas do mundo, tanto religiosas como não-religiosas. A
abordagem comparativa e a formação de juízo acerca das
reivindicações divergentes da verdade já devem pressupor tais
exposições das concepções a serem comparadas"

"Ora, a quem faz um trabalho, o salário não é considerado como


gratificação, mas como um débito; a quem, ao invés, não trabalha,
mas crê naquele que justifica o ímpio, é sua fé que é levada em conta
de justiça, como, aliás, também Davi proclama a bem-aventurança
do homem a quem Deus credita a justiça, independentemente das
obras".

"O Reino de Deus não será estabelecido pelo homem. Muito


enfaticamente, ele é o Reino de Deus (...) O homem não é exaltado,
mas degradado quando se torna vítima de ilusões acerca de seu
poder"

"Qualquer tentativa inteligente de falar sobre Deus um discurso


criticamente consciente de suas condições e limitações deve começar
e terminar com a confissão da majestade inconcebível de Deus, que
transcende todos nossos conceitos."

"O ser humano não possui uma alma como realidade independente,
em oposição ao próprio corpo; tampouco possui um corpo que se
movimenta de maneira totalmente mecânica ou inconsciente. Ambas
as idéias são abstrações. O que realmente existe é a unidade do ser
vivo, da pessoa humana que se movimenta e reage ao mundo"

"Jesus adquire significado ‗para nós‘ somente enquanto esta


significação está apoiada nele mesmo, na sua história e na pessoa
que a história manifestou. Somente enquanto esta poderá ser
demonstrada, podemos ter certeza que a nossa fé não será uma
mera projeção de problemas, desejos e pensamentos pessoais sobre
a pessoa de Jesus"

"Uma mensagem não convincente, como alternativa, não é capaz de


alcançar o poder de convencer simplesmente apelando ao Espírito
Santo... A argumentação e a operação do Espírito não são
mutuamente exclusivas. Ao confiar no Espírito, Paulo de forma
alguma dispensou-se de pensar e argumentar".

"Os eventos que revelam Deus e a mensagem que narra esse


acontecimento levam o homem a um conhecimento que ele por si
mesmo não possui. Mas esses acontecimentos têm realmente uma
força convincente. Lá onde eles são percebido, assim como são, no
contexto históricos ao qual por natureza pertencem, eles falam sua
própria língua, a língua dos fatos reais. E foi nessa língua dos fatos
que Deus mostrou sua divindade".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 15:06 3 comentários:


quarta-feira, 26 de março de 2008
RUDOLF BULTMANN (1884-1976)
Teólogo e escritor protestante alemão. Estudou teologia nas
Universidades de Tubinga, Berlim e Marburgo. Professor nesta última
universidade desde 1921 até a sua aposentadoria em 1951. Muito
discutido, tanto nos círculos protestantes quanto nos católicos, por
sua interpretação dos Evangelhos, da pessoa histórica de Jesus e de
sua mensagem, aplicou as normas da crítica histórica do século XX,
assim como o método das formas ao texto bíblico. Esteve em contato
com as correntes filosóficas modernas, valendo-se, principalmente,
da análise existencial de M. Heidegger. De imensa erudição e
capacidade, é uma figura importante e discutida do pensamento
cristão atual.

Seu pensamento está contido principalmente em A história da


tradição sinótica (1922), na qual analisa os evangelhos à luz das
diferentes formas. E no Novo Testamento e mitologia (1941), obra
várias vezes revisada e publicada em dois volumes sob o título de
Querigma e mito (1961-1962). Em 1927 surgiram uma série de
ensaios e escritos menores de Bultmann com o título de Existência e
fé nos quais projeta sua visão cristã através do existencialismo.

Uma análise da doutrina de Bultmann leva-nos às seguintes


conclusões:

1) Ceticismo quase absoluto sobre o valor histórico do Novo


Testamento (NT). Para Bultmann, os evangelhos estão menos
interessados na pessoa de Jesus e mais no período posterior à sua
morte. Os evangelhos são simples construções convencionais
posteriores.

2) O cristianismo atual enlaça com o primitivo somente pela aceitação


do querigma, que aparece em Rm 1,3-4; 6,3-4; At 2,21-24; 1Cor
11,23-26.

3) Somente desta forma nós podemos saber nada sobre a vida e a


personalidade do Jesus histórico. Assim como Barth, Bultmann reage
contra a figura perfeita do Jesus histórico reconstruído pela teologia
liberal do séc. XIX. É pouco o que sabemos e podemos reconstruir
sobre a figura histórica de Jesus. As afirmaçõees do NT sobre ele não
se referem à sua natureza, mas à sua significação.
4) O tema central do evangelho é a morte e ressurreição de Jesus. A
ressurreição não é um acontecimento objetivo, mas uma experiência
viva que nos introduz numa nova dimensão da existência e nos
liberta de nós mesmos, do pecado, para abrir-nos aos outros.
Doutrinas tão báicas do cristianismo como a encarnação, morte,
ressurreição e segunda vinda de Cristo dissipam-se numa
interpretação existencialista da vida. A interpretação mítica dissolve-
se num existencialismo que não deixa quase nada intacto no credo
dos apóstolos.

A conclusão final de Bultmann é que o mito ou forma de pensamento


em que aparece envolvido o Evangelho apresenta-nos uma versão
manipulada e desfigurada de Jesus, Filho de Deus, que morreu e
ressuscitou. Esse mito transmite-nos um querigma, uma palavra
divina dirigida ao homem, que este deve aceitar de maneira
desmitificada, isto é desprovida de sua proteção. O Cristo com que
nos encontramos hoje é o Cristo da evangelização, não o Jesus da
história. É o querigma desmitificado de formas do passado, todavia
existentes na fé e na pregação de Jesus, que nos obriga e nos
defronta a uma opção entre uma vida autêntica e outra inautêntica.

Da doutrina de Bultmann deduz-se que a fé cristã deve interessar-se


pelo Jesus histórico para centrar-se no Cristo transcendente do
querigma. A fé cristã, a fé no querigma da Igreja, pela qual se pode
dizer que Jesus Cristo ressuscitou, e não fé no Jesus histórico.

Todas as Igrejas, após reconhecer a boa vontade de Bultmann,


rejeitam a postura radical do grande mestre. Sua doutrina permitiu
reconstruir melhor o Jesus histórico e sua função dentro da teologia
atual. Os mesmos discípulos de Bultmann evoluíram para uma nova
hermenêutica e interpretação da forma linguística da existência.

PENSAMENTOS DE RUDOLF BULTMANN

"É precisamente pelo abandono radical e pela crítica consciente dessa


cosmovisão mitológica da Bíblia que podemos trazer à luz a pedra de
tropeço real, ou seja, o fato de que a palavra de Deus chama o ser
humano a renunciar a toda segurança de obra humana."

"A fé é a renúncia por parte do ser humano à sua própria segurança e


a disposição de encontrá-la unicamente no além invisível, em Deus.
Isso significa que a fé é uma segurança ali onde nenhuma segurança
pode ser vista; é como disse Lutero, a disposição de entrar
confiadamente nas trevas do futuro."

"Creio que Deus atua aqui e agora, mas Sua ação é oculta, porque
não é diretamente idêntica ao acontecimento visível. Ainda não sei o
que Deus está fazendo, e talvez nunca chegue a sabê-lo, mas creio
firmemente que é importante para minha existência pessoal, e devo
perguntar-me o que é que Deus está me dizendo. Talvez esteja me
dizendo apenas que devo aguentar em silêncio."

"A graça de Deus é a graça que perdoa pecados, isto é ela liberta o
ser humano de seu passado, que o mantém preso. Liberta-o daquela
postura do ser humano que quer se assegurar, lançando por isso mão
do que é disponível e apegando-se ao que é transitório e sempre já
passado".

"Portanto, o acontecimento ocorrido em Cristo é a revelação do amor


de Deus, que liberta o ser humano de si mesmo, libertando-o para
uma vida de entrega na fé e no amor. Fé como lberdade do ser
humano de si mesmo, como abertura para o futuro, só é possível
como fé no amor de Deus. Contudo, a fé no amor de Deus permanece
auto-suficiência enquanto o amor de Deus for uma imagem criada
pelo desejo, uma idéia, enquanto Deus não revelar seu amor. A fé
cristã é fé em Cristo pelo fato de ser fé no amor revelado de Deus. Só
quem já é amado pode amar".

"A palavra de Deus exorta o ser humano a renunciar a seu egoísmo e


à segurança ilusória que ele próprio construiu para si. Exorta-o a que
se volte para Deus, que está além do mundo e do pensamento
científico. Exorta-o, ao mesmo tempo, a que encontre seu verdadeiro
eu. Porque o eu do ser humano, sua vida interior, sua existência
pessoal também se encontra além do mundo visível e do pensamento
racional. A palavra de Deus interpela o ser humano em sua existência
pessoal e, assim, o liberta do mundo, da preocupação e da angústia
que o oprimem tão logo se esquece do além".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 02:51 2 comentários:


segunda-feira, 17 de março de 2008
EDWARD SCHILLEBEECKX (1914-)
Teólogo belga, nascido em Amberes em 1914 e entrou para os
dominicanos em 1934.
Estudou Filosofia e Teologia em Lovaina, no Studium Generale
dominicano de Saulchoir e na Sorbonne, onde foi aluno do célebre
historiador da teologia P. Dominique Chenu. Em 1951 doutourou-se
em teologia. Depois do doutoramento com a monumental tese De
Sacramentele Heilseconomie (A Economia Sacramental da Salvação),
publicada em 1952, ensinou Teologia no convento dos dominicanos
de Lovaina e na Universidade de Nimega (Holanda, de 1957 a 1983).
Conselheiro teológico do episcopado holandês, participou no concílio
Vaticano II, de forma muito ativa. É membro fundador da revista
internacional, Concilium, criada em 1964, da qual tem sido um dos
principais animadores. É autor de uma vasta e muito original
produção teológica, traduzida em muitas línguas, na qual se podem
detetar várias fases.

O estudo e a atividade de Schillebeeckx responde aos princípios da


―nova teologia‖ iniciada em Le Saulchoir. Plenamente empenhado na
renovação e ―aggiornamento‖ da Igreja. Seu trabalho consistiu ―em
repensar a fé tradicional em função da situação presente no mundo‖.
Foi o teólogo assessor do episcopado holandês no Concílio Vaticano
II. Depois foi consultor do episcopado holandês nos anos que
seguiram ao Concílio, em que a Igreja da Holanda submeteu-se a
uma profunda revisão. Em 1965 fundou, com outros teólogos, a
revista internacional de teologia ―Concilium‖, sendo também um dos
principais inspiradores do Novo Catecismo holandês (1966). Sua
numerosa obra escrita pode ser encontrada na revista ―Concilium‖ e
em outras revistas especializadas, e em obras de grande impacto e
difusão não só entre teólogos, mas também entre o público dos
diferentes idiomas cultos. Como a de Hans Küng, Karl Rahner, De
Lubac, Häring e outros, sua obra escrita transcendeu a cátedra e os
círculos especializados para passar aos diversos setores da sociedade.

Citamos algumas de suas obras: A economia sacramental da salvação


(1952); Maria, Mãe da redenção (1954); Cristo, sacramento do
encontro com Deus (1958); Deus, futuro do homem (1965); Mundo e
Igreja (1966); Compreensão da fé: interpretação e crítica (1972);
Jesus. Uma tentativa de cristologia (1974). Sou um teólogo feliz
(1994) e Os homenss, relato de Deus (1995). Dois tomos sobre A
Igreja de Cristo e o homem de hoje segundo o Vaticano II reúnem
sua contribuição para as revistas especializadas.

Desde 1968, Schillebeeckx é objeto de observação e de críticas por


parte da atual Congregação para a Doutrina da Fé. Em 1979 foi
chamado a Roma para depor diante dela. ―Os dogmas, segundo
Schillebeeckx, têm um sentido dentro de uma perspectiva histórica
determinada e utilizam noções tomadas de uma cultura particular.‖
Essa historicidade leva-o a reinterpretar os dogmas, levando em
conta as condições da existência dos homens. Por isso, a ortodoxia só
é plenamente possível sobre a base de uma ―ortopráxis‖: é na prática
efetiva da Igreja que se realiza uma nova compreensão da
mensagem da fé. A unidade de uma mesma fé e de uma mesma
confissão só é reconhecível na ―pluralidade de opiniões teológicas‖. E
o ―que é verdade para o teólogo, o é também para cada crente‖. Num
mundo secularizado, ―Deus manifesta-se normalmente sob a forma
de ausência‖. Ao abordar os problemas do ponto de vista histórico,
aplica-os também Schillebeeckx à figura de Jesus, cujo estudo tem
lhe valido duras críticas.

PENSAMENTOS DE EDWARD SCHILLEBEECKX

"A proximidade de Deus aos seres humanos e seu amor vivificante


podem tornar-se realidade na Igreja quando esta se realiza no
mundo".

"O passado demonstrou que, muito antes de a Igreja ter analisado os


problemas sociais, já houve pessoas que através de seu compromisso
pessoal e de um diálogo pré-analítico com o mundo chegaram à
decisão moral de que mudanças fundamentais eram necessárias‖.

"O mundo e a história dos homens, em que Deus quer realizar a


salvação, são a base de toda realidade salvífica: é aí que
primordialmente se realiza a salvação... ou se recusa e se realiza a
não-salvação. Neste sentido, vale 'extra mundum nulla salus', fora do
mundo dos homens não há salvação‖.

―Há mais verdade (religiosa) em todas as religiões no seu conjunto do


que numa única religião, o que também vale para o cristianismo".

―Maria é o braço que une a humanidade santa e salvadora de Cristo à


nossa humanidade‖.

"Enquanto se prossegue na doce e monótona cadência das ave-


marias, o pai ou mãe de família pensam nas preocupações familiares,
no menino que atendem, ou nos problemas provocados pelos filhos
mais velhos. Este emaranhado de aspectos da vida familiar sofre
então a iluminação dos mistérios salvíficos de Cristo, e é espontâneo
confiar tudo à Mãe do milagre de Caná e de toda a redenção".

"Jesus é Deus em linguagem humana".

"É preferível não reconhecer a Deus, não acreditar na vida eterna do


que acreditar num Deus que em nome da outra vida despreza,
oprime e humilha o ser humano nesta vida".

"Deus se revelou em Jesus, conforme a concepção cristã, valendo-se


do não-divino do seu ser homem... Jesus partilhou conosco na cruz
da fragilidade de nosso mundo. Mas este fato significa que em sua
absoluta liberdade e antes de todo tempo, Deus determina quem e
como quer ser no seu ser mais profundo, a saber, um Deus dos
homens, companheiro de aliança em nosso sofrer e em nossa
absurdidade, e companheiro de aliança também no que realizamos de
bem. Ele é, em seu próprio ser, um Deus por nós".

"Graças à mística, a dogmática entra em contato íntimo com seu


objeto; graças à dogmática crítica a mística não se funde em um
cristianismo apócrifo ou em um fanatismo irracional. Mística e
teologia tem necessidade uma da outra para sua própria
autenticidade".

"O Reino de Deus está essencialmente ligado à pessoa de Jesus de


Nazaré. O Novo Testamento mantém este fato numa de suas mais
antigas lembranças, dizendo que, com Jesus, o Reino de Deus, Deus
mesmo, vem para bem perto de nós. O Reino de Deus deve
conseqüentemente
ser compreendido e qualificado a partir da vida de Jesus‖.

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 07:33 3 comentários:


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
HANS KÜNG (1928-)
Hans Küng é um importante teologo católico crítico da infalibilidade
papal e da doutrina papal com relação ao celibato,ordenação de
mulheres e ecumenismo. Hans Küng nasceu em 19 de Março de 1928
em Sursee no cantão de Lucerna na Suiça, entrou para vida religiosa
estudando na Universidade Gregoriana em Roma e Paris, foi
ordenado padre católico-romano em 1954 e em 1957 concluiu seu
doutoramento em teologia com a tese Justification, em que trata da
questão da justificação da fé. Se tornou professor de teologia da
Universidade de Tübigen (1960 - 1996) na Alemanha, onde também
a partir de 1963 dirigiu o Instituto de Pesquisa Ecumênica. Teve
papel fundamental no Concílio Vaticano II sendo nomeado peritus
(consultor teológico) pelo Papa João XXIII e ajudou na redação das
conclusões do concílio que renovou áreas fundamentais do ensino e
das práticas católicas.

Desde os anos da década de 1960 Küng foi um dos críticos mais


severos da Infalibilidade Papal, publicou em 18 de janeiro de 1970,
centenário da declaração da infalibilidade papal no Concílio Vaticano
I, o livro Infallible? An Inquiry em que esmiuçou e rejeitou o caráter
infalível de qualquer decisão papal e da cúria. Em 1979 publicou nos
principais jornais do mundo seu artigo Um ano de João Paulo II que
demonstrou o reacionarismo do papa ao aceitar só nominalmente o
Concílio Vaticano II, quando na substancia fortaleceu a centralização
curial, impôs o culto a personalidade, endossou a exclusão das
mulheres do sacerdócio e a permanência do celibato; como
conseqüência desse artigo e sua críticas a infalibilidade, teve sua
licença para lecionar como teologo católica cassada pelo Papa João
Paulo II.

Depois da proibição foi nomeado professor de teologia ecumênica de


Tübigen onde pode desenvolver seus estudos sobre ecumenismo em
particular com relação ao Luteranismo; nesta tarefa Küng se sente
totalmente à vontade já que se dedica prioritariamente à união dos
povos, das raças, das religiões, enfatizando o que há de comum entre
eles, relativizando o que os separa. Em sua tese de doutorado ,
Justificação em 1957 já tinha chegado a conclusão da possibilidade
de um acordo teológico entre catolicismo e luteranismo que foi
efetivamente realizado em 1999.
Küng se aposentou como professor em 1996 e logo a seguir foi eleito
presidente da Fundação Ética Global de Tübigen.

Considerado como o teólogo mais polêmico e problemático de hoje,


seus 70 anos apresentam, em retrospectiva, um panorama
esplêndido de atividade acadêmica, científica e literária como muito
poucos podem oferecer. Seu pensamento destina-se a esclarecer o
genuinamente cristão e católico, desmascarando, sem medo, tudo o
que de espúrio e corrupto se introduziu no cristianismo ao longo de
sua história de séculos. O viver e o acontecer da Igreja é seu campo
de pesquisa e sua luta, que o levaram a enfrentamentos, acareações
e condenações da Igreja oficial.

Alguém disse que o seu trabalho científico e teológico reproduz na


Igreja de Roma o que século e meio realizara Newman na Igreja da
Inglaterra: procurar razões e fundamentos para a sua fé católica.
Desde a tese doutoral, Justificação. A doutrina de Karl Barth e uma
reflexão católica (1957), passando pelo trabalho como conselheiro no
Vaticano II, até a última obra Projeto de ética global (1990), toda a
sua produção é uma pesquisa do cristão em todos os seus planos e
dimensões. Assim devemos ler os seus livros: Existe Deus?; Ser
cristão; Infalível?. Todos eles suscitaram polêmica e o colocaram
contra a parede. Negaram-lhe o título de teólogo e até o de cristão.
Muitos se perguntaram: Küng é verdadeiramente católico? Por que
continua sendo católico? Ele mesmo se fez esta pergunta e lhe
responde da seguinte forma: ―A resposta, tanto para mim, quanto
para muitos outros, é que não quero deixar que me arrebatem algo
que faz parte de minha vida. Nasci no seio da Igreja Católica:
incorporado pelo Batismo à imensa comunidade de todos os que
acreditam em Jesus Cristo, vinculado por nascimento a uma família
católica que amo entranhadamente, a uma comunidade católica da
Suíça à qual volto com prazer em qualquer oportunidade; em uma
palavra, nasci num solar católico que não gostaria de perder nem
abandonar, e isto como teólogo...‖.

―Desde muito jovem conheço Roma e o papado mais a fundo do que


muitos teólogos católicos, e não guardo, apesar do que se tem dito
contra, nenhum afeto anti-romano. Quantas vezes ainda terei de falar
e de escrever que não estou contra o papado nem contra o papa
atual, mas que sempre tenho defendido, ante os de dentro e frente
aos de fora, um ministério de Pedro purificado de traços absolutistas,
de acordo com os dados bíblicos! Sempre me pronunciei a favor de
um autêntico primado pastoral no sentido da responsabilidade
espiritual, direção interna e solicitude ativa pelo bem da Igreja
universal... Um primado não de domínio, mas de serviço abnegado...

―Desde muito jovem vivi a universalidade da Igreja Católica e nela


pude aprender e receber muitas coisas de inumeráveis homens e
amigos de todo o mundo. Desde então resulta-me mais claro que a
Igreja Católica não se identifique mais com a hierarquia nem com a
burocracia romana...

―Por que, então, continuo sendo católico? Não apenas em razão de


minhas raízes católicas, mas também em razão dessa tarefa que para
mim é a grande oportunidade de minha vida e que somente posso
realizar plenamente, sendo teólogo católico no marco de minha
faculdade teológica. Mas isso nos leva a outra pergunta: Que significa
propriamente o católico, isso que me impulsiona a continuar sendo
teólogo católico?

―Segundo a etimologia do termo e da antiga tradição, é teólogo


católico quem, ao fazer teologia, sabe-se vinculado à Igreja Católica,
isto é, universal, total. E isto em duas dimensões: temporal e
espacial... Nesse duplo sentido, quero continuar teólogo católico e
expor a verdade da fé católica com uma profundidade e abertura
igualmente católicas. Neste sentido podem ser também católicos
certos teólogos que se chamam protestantes ou evangélicos, coisa
que acontece de fato e, particularmente, em Tubinga. Isso deveria
constituir um motivo de alegria para a Igreja oficial...

―Essa aceitação da catolicidade no tempo e no espaço, na


profundidade e na abertura, significa que é preciso aprovar tudo o
que as instâncias oficiais ensinaram, prescreveram e observaram ao
longo do século XX?... Não, não é possível que se refira a uma
concepção tão totalitária da verdade... De tudo se depreende que ser
católico não pode significar aceitar e suportar tudo submissamente
com uma falsa humildade em aras de uma pressuposta ‗plenitude‘,
‗totalidade‘ e ‗integridade‘. Isso constituiria uma má complexio
oppositorum, um trágico amálgama de contradições, de verdade e
erro...

―Em todo caso, a catolicidade deve ser entendida sempre com um


sentido crítico fundamentado no Evangelho... A catolicidade é dom e
tarefa, indicativo e imperativo, enraizamento e futuro. Nesta tensão
quero continuar fazendo teologia e continuar expondo a mensagem
de Jesus aos homens de hoje com a mesma resolução que até agora,
disposto a aprender e retificar sempre que se trate de um diálogo
amistoso e fraterno...‖.

Atualmente Hans Küng mantém boas relações com a igreja. Hans


Küng é uma das figuras mais dignas de nota da teologia
contemporânea. Dedica-se ao estudo das grandes religiões, sendo
autor de obras conceituadas em todo o mundo.

Obras de Hans Küng em português:

- Uma ética mundial e responsabilidades globais


- A Igreja Católica
- Por que ainda ser Cristão hoje?
- Religiões do mundo em busca dos pontos comuns
- Teologia a caminho
- Religiões do Mundo
- Projeto de ética mundial

PENSAMENTOS DE HANS KÜNG

"Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as


religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo
entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não
existirem padrões éticos globais. Nosso planeta não irá sobreviver, se
não houver um etos global, uma ética para o mundo inteiro".

"A religião pode fundamentar de maneira inequivocável porque a


moral, as normas e os valores éticos devem vincular
incondicionalmente (e não apenas quando é cômodo) e, portanto,
universalmente (para todas as linhagens, classes e raças). O humano
émantido exatamente porque é concebido como fundadono divino.
Tornou-se claro que somente o incondicionado pode obrigar de
maneira absoluta, somente o Absoluto pode vincular de maneira
absoluta"

"Não é o consumo de luxo que decide a longo prazo sobre a


qualidade de uma situação econômica, mas sim uma melhor infra-
estrutura, uma maior segurança, um mundo ambiente intacto, e (...)
os trabalhadores com melhor formação, nos quais é preciso investir".

"Devemos avançar de uma ciência eticamente livre, para outra


eticamente responsável; de uma tecnocracia que domina o homem,
para uma tecnologia que esteja a serviço do próprio homem;... de
uma democracia jurídico formal a uma democracia real, que concilie
liberdade e justiça".

―Se hoje uma exegese a-histórica já está totalmente superada,


também o está uma teologia
dogmática a-histórica. E se a Bíblia precisa ser interpretada de forma
mais histórico-crítica, então com muito mais razão também o dogma
pós-bíblico. Uma teologia que, em vez de questionar criticamente os
‗dados‘, permanece aberta ou veladamente autoritária, não poderá
responder às exigências científicas do futuro".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 19:06 4 comentários:

JÜRGEN MOLTMANN (1926-)


Jürgen Moltmann é um dos principais teólogos Luteranos
contemporâneos. Ele nasceu em 1926 em Hamburgo, Alemanha.
Moltmann lutou na II Guerra, foi feito prisioneiro pelos ingleses e foi
levado para um campo de concentração na Inglaterra. Moltmann de
1945-1948, esteve prisioneiro dos aliados na Bélgica e na Inglaterra.
Esses anos de prisão levaram-no a refletir sobre o sentido da vocação
cristã. Em 1948 voltou a Alemanha e foi estudar teologia. A partir de
1952, atuou como pastor da Igreja Luterana. Desde 1967, foi
professor de teologia sistemática na Universidade de Tubinga.
Moltmann é um escritor prolífico, centrado integralmente em ―olhar a
teologia sob um ponto de vista particular: a esperança. É uma
contribuição sistemática à teologia, na qual considera o contexto e a
correlação que os diferentes conceitos têm no campo da
teologia‖.Moltmann dedicou-se e ainda se dedica a lecionar teologia
em universidades. Moltmann é o criador da 'Teologia da Esperança',
em que desenvolve as idéias da realização do Reino, como promessa
fundamental de Deus. Ele também destaca muito a importância do
mistério da cruz. Moltmann é casado e tem quatro filhos.
Suas principais obras são:

- Teologia da Esperança;
- O Deus Crucificado;
- A Igreja na Força do Espírito;
- Conversão ao Futuro.

Suas obras:

Teologia da esperança (1964), que o torna conhecido como um dos


grandes teólogos de hoje na linha de Barth e de Bultmann. Nela
confirma a importância que a escatologia tem na doutrina do Novo
Testamento; a escatologia, não como crença em fatos concretos que
devem acontecer nos finais dos tempos, mas como fator que modela
toda a teologia cristã. Tal perspectiva escatológica do cristianismo é
interpretada como promessa, como plataforma para a futura
esperança. É base para uma transformação antecipada do mundo da
nova terra prometida. A meta da missão cristã não é simplesmente
uma salvação individual, pessoal, nem sequer espiritual; é a
realização da esperança da justiça, da socialização de toda a
humanidade e da paz do mundo. Esse outro aspecto de reconciliação
com Deus pela realização da justiça foi descuidado pela Igreja. A
Igreja deve trabalhar por essa realização, baseada na esperança
futura.

O Deus Crucificado (1972) expõe a doutrina de Deus a partir da


perspectiva da cruz. O Deus cristão é um Deus que sofre de amor.
Não é um sofrimento imposto de fora — pois Deus é imutável —, mas
um sofrimento de amor, ativo. É um sofrimento aceito, um
sofrimento de amor, livre, ligado ao Deus sofredor de Auschwitz e do
extermínio judeu. A esse livro deve-se acrescentar A Igreja no poder
do Espírito (1975). Neste estuda a atividade reconciliadora de Deus
no mundo, vista sob a perspectiva da Ressurreição, da Cruz e de
Pentecostes. ―A Igreja — diz Moltmann — deve estar aberta a Deus,
aos homens, e aberta ao futuro tanto de Deus quanto dos homens.
Isso pede da Igreja não uma simples adaptação às rápidas mudanças
sociais, mas uma renovação interior pelo Espírito de Cristo e a força
do mundo futuro.‖ Isso faz com que a Igreja tenha de ser Igreja de
Jesus Cristo e Igreja missionária. Deve ser também uma Igreja
ecumênica, que quebre as barreiras entre as Igrejas. E deve ser
também política: a dimensão política — agrade ou não — sempre
existiu nela. A Teologia da Libertação ensina a Igreja a tomar partido
pelos pobres e humilhados deste mundo.

Finalmente, em A Trindade e o Reino de Deus (1980) estuda o


mistério da Trindade de Deus fazendo ―uma história trinitária‖.
Examina a paixão de Cristo e vê, no abandono de Cristo na cruz por
Deus, o centro da fé cristã. ―Deus é abandonado por Deus.‖ Apóia a
sua doutrina social na ―Doutrina Trinitária do Reino‖, baseada nas
idéias de Joaquim de Fiore, elaborando assim uma ―Doutrina
Trinitária da Liberdade‖.
A obra de Moltmann pressupõe uma revitalização e um
aprofundamento da teologia cristã.

PENSAMENTOS DE JÜRGEN MOLTMANN

"Cristo veio e se sacrificou para reconciliar o mundo inteiro. Ninguém


fica excluído".

"Nós não somos só os intérpretes do futuro, mas já somos os


colaboradores do futuro, cuja força, na esperança como realização, é
Deus".

"Por 'Reino de Deus', nós entendemos o cumprimento escatológico do


senhorio histórico-libertador de Deus. Seria unilateral ver o senhorio
de Deus somente no seu reino perfeito, como também geraria muitos
equívocos uma equiparação entre Reino de Deus e o domínio que
Deus exerce atualmente. Em seu Reino, Deus reina de modo
incontrastado, universal e em toda a clareza".

"A mediação entre a tradição do cristianismo e a cultura do tempo


presente é a tarefa mais importante da teologia. Sem uma conexão
viva com as possibilidades e os problemas do homem de hoje, a
teologia cristã torna-se estéril e irrelevante. Mas, sem uma referência
à tradição cristã, a teologia torna-se oportunista e acrítica".

"Deus não está presente em algum lugar do além: Ele vem, e é tal
que está presente. Prometendo um mundo novo - o da vida, da
justiça e da verdade universais -, ele questiona constantemente este
mundo presente, através desta promessa: não que, para aquele que
tem esperança, este mundo presente não seja nada; mas ele ainda
não é aquilo que tem a perspectiva de ser. Assim questionados, o
mundo e a condição humana acorrentada a este mundo se tornam
históricos, pois são colocados em xeque e em crise por causa do
futuro prometido. Lá onde começa o novo, o antigo se torna
manifesto. Lá onde é prometido o novo, o antigo se torna passageiro
e superável. Lá onde se espera e se aguarda o novo, o antigo pode
ser abandonado. Assim a 'história' aparece, em função do seu fim,
naquilo que se opera graças à promessa, naquilo que esta promessa -
que caminha para frente e ilumina o caminho - permite perceber. A
escatologia não desaparece nas nuvens de areia da história, senão
que mantém a história viva na crítica e na esperança; aescatologia é
algo como as nuvens de areia da história vindas de longe".

"Se a revelação do Ressuscitado está aberta para o seu próprio futuro


e para a sua promessa, esta abertura para o futuro transcende toda a
história consecutiva da Igreja, tem sobre ela uma superioridade
absoluta. A recordação da promessa acontecida - recordação de um
advento, e não de um evento passado - afunda como uma lasca na
carne de cada (momento) presente e o abre para o futuro".

"... este evento, que se pode apreender através da Crucifixão e das


aparições pascais... remete retrospectivamente para as promessas de
Deus e direciona para frente em direção a um 'eschaton': a revelação
da sua divindade em todas as coisas. Ele deve, pois, ser entendido
como o advento escatológico da fidelidade de Deus, mas também
como a garantia escatológica da sua promessa e como o início da
consumação".

"A soberania do Cristo crucificado por motivo político só pode


estender-se através da libertação em relação às formas do poder que
mantém os homens em tutela e os tornam apáticos, e através da
evacuação das religiões políticas que lhes dão sustentação. A
consumação do Reino de liberdade de Jesus deve, segundo Paulo,
aniquilar todo poder, toda autoridade e toda potência, que ainda são
inevitáveis aqui na terra, e suprimir as apatias e as alienações que
lhes correspondem. Os cristãos procurarão, de acordo com as
possibilidade presentes, antecipar o futuro de Cristo, destruindo
todadominação e construindo a vida política de cada um".

"Jesus não viveu como uma pessoa privada... senão que, quanto
possamos saber pelas fontes, viveu como uma personalidade pública,
da proximidade do seu Deus e Pai para o seu Reino vindouro".

"Só compreendemos o caráter peculiar da sua morte se


compreendermos o seu abandono por parte do seu Deus e Pai, do
qual ele havia pregado a proximidade de uma forma única, benévola
e solene. O caráter único do abandono por Deus, no qual Jesus
morreu, guarda relação com o caráter únicoda sua comunhão com
Deus na sua vida e na sua pregação. Trata-se de algo mais do que -
e de algo diferente de - um 'desabamento' e de um 'fracasso'".

"Deve-se dizer, portanto: sua morte na cruz é o 'significado' da sua


ressurreição por nós... (Pois) o Reino vindouro, cuja certeza os
discípulos encontram nas aparições pascais de Cristo, assumiu a
partir de agora, através de Cristo, a forma da cruz em um mundo
alienado. A cruz é a forma do Reino redentor que vem, e o
Crucificado é a encarnação do Ressuscitado. No Crucificado, o 'fim da
história' está presente dentro da realidade da história. Nele se
encontram, portanto, a reconciliação no meio do conflito e a
esperança de superar o conflito".

"O Deus da liberdade, o verdadeiro Deus não se reconhece pelo seu


poder e sua glória no mundo e na história do mundo, mas pela sua
impotência e sua morte no patíbulo de infâmia da cruz de Jesus".

"O princípio material da doutrina trinitária é a cruz de Cristo. O


princípio formal do conhecimento da cruz é a doutrina trinitária".

"Pois Jesus aceita morrer abandonado, não sofre a morte como tal, já
que não se pode 'sofrer' a morte, pois o sofrimento supõe a vida. Mas
o Pai, que o abandona e o entrega, sofre pela morte do Filho na dor
infinita do amor".

"O que procede deste evento entre o Pai e o Filho é o Espírito que
justifica os ímpios, que enche de amor os abandonados, que até aos
mortos dará a vida - pois nem o fato da morte deles pode excluí-los
deste acontecimento da cruz, senão que a morte em Deus também os
inclui".

"O Crucificado não desaparece quando vem o cumprimento, senão


que antes se torna o fundamento da existência salva em Deus, e na
inabitação de Deus em todos".

―Deus, sendo amor, só pode ser testemunhado e experimentado em


uma congregação pequena o bastante para que os membros se
conheçam e se aceitem uns aos outros, assim como são aceitos por
Cristo. O evangelho do Cristo crucificado por nós põe termo à religião
como potência e abre apossibilidade de experimentar a Deus, no
âmbito da comunidade genuína, como o Deus de amor‖.

"O caminho para uma unidade que seja aceitável por todos está
dificultado tanto pelo centralismo papal e pelo uniformismo romano,
por um lado, como, por outro, pela dispersão protestante e, em
último lugar, pela auto-suficiência ortodoxa".

"Por meio de subverter e demolir todas as barreiras - sejam da


religião, da raça, da educação, ou da classe - a comunidade dos
cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade,
poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo,
por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual,
mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que
tinham sido inimigos... O caminho para este alvo de uma nova
comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é,
porém, um caminho revolucionário".

"Se a promessa é considerada como promessa de Deus, então não


pode ser verificada segundo os critérios humanos. A plenificação da
promessa pode conter o novo, mesmo dentro do esperado, e superar
na realidade o pensado em categorias humanas [...]. O ainda-não da
expectação ultrapassa todo cumprimento já sobrevindo. Por isso,
toda realidade de cumprimento, sobrevinda já agora, se transforma
na confirmação, interpretação e libertação de uma esperança maior
[...]. A razão da constante mais-valia da promessa e de seu
permanente superávit acima da história reside no caráter inexaurível
do Deus da promessa".

―O cristianismo é total e visceralmente escatológico, e não só a modo


de apêndice (...). O
escatológico não é algo que adere ao cristianismo, mas simplesmente
o meio em que se move a fé
cristã, aquilo que dá o tom a tudo que há nele. Como a fé cristã vive
da ressurreição do Cristo
crucificado, ela não pode ser simplesmente parte da doutrina cristã.
Ao contrário, toda a pregação cristã tem uma orientação
escatológica‖.

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 18:25 17 comentários:


KARL RAHNER (1904-1985)
Um dos maiores teólogos católicos do século XX, Karl Rahner nasceu
em Freiburg, na Alemanha, em 1904. Foi sacerdote jesuíta, ordenado
em 1932. O teólogo Karl Rahner, foi um dos mais importantes e
criativos teólogos da tradição católica no século XX, teve um papel
fundamental no incentivo à abertura da igreja católica-romana às
diversas tradições religiosas.

Foi um dos principais assessores teológicos do Concílio Vaticano II.


Em 1965 fundou a «Concilium», revista internacional de Teologia,
com a colaboração de Yves Congar e Edward Schillebeeckx. Foi um
pensador que influenciou muitos teólogos. Segundo muitos teólogos
"todos bebemos em Rahner". O pensamento teológico na atualidade
"é devedor, mas em profundidade, à reflexão deste alemão". O
projeto de auto-comunicação de Deus; a relação da Antropologia com
a Cristologia e a Igreja e o espírito são pontos essenciais da reflexão
de Karl Rahner. Rahner estudou na universidade de Freiburg e
acompanhou os cursos de Martin Heidegger, uma das influências
decisivas na sua formação (outras influências importantes seriam
Kant e o jesuita belga Joseph Maréchal).Karl Rahner passou a maior
parte da sua vida ensinando teologia sistemática em cidades como
Innsbruck e Munique. Deixou uma obra vastíssima, que inclui as
"Investigações Teológicas", em 14 volumes. Karl Rahner faleceu em
1985.

Karl Rahner foi profundamente ligado à renovação da teologia


católica e da Igreja. Desde 1948 foi professor de teologia dogmática
em Innsbruck. Posteriormente lecionou também teologia nas
Universidades de Munique e Münster. A partir de 1964, e durante três
anos, participou dos trabalhos da comissão teológica do Vaticano ll,
dando ao mesmo tempo cursos sobre a concepção cristã do mundo
na Faculdade de Filosofia de Münster, onde sucedeu Romano
Guardini. A aposentadoria de Rahner, em 1971, não interrompeu sua
atividade científica e pastoral, já que continua sendo membro ativo
do Sínodo Nacional da Alemanha.

Sua obra insere-se na corrente filosófica alemã de Heidegger, de


quem foi discípulo, e nutrese do pensamento teológico alemão tanto
católico quanto protestante. É uma teologia aberta e profundamente
tradicional, mas fortalecida com um novo alento de vida e cultura
moderna. Sua numerosa produção vai de 1941 a praticamente seus
últimos dias, em 1985. Cabe assinalar as seguintes obras: Ouvinte da
palavra (1941); Visões e profecias (1952); Liberdade de palavra na
Igreja (1953); Missão e graça (1959); Cristologia (1972); Mudança
estrutural da Igreja (1973); Curso fundamental da fé (1976). Muitos
de seus escritos foram coletados nos Escritos de Teologia (1954-
1975) e na coleção ―Quaestiones disputatae‖ (iniciada em 1958).
Dirigiu também as obras enciclopédicas Sacramentum mundi (1969)
e Manual de teologia pastoral (1971-1972).
Dessa abundante obra destacamos sua doutrina mais original, e que
divulgou o que se conhece como ―cristianismo anônimo‖. Para ele,
cristão é todo aquele que ―choca com o mistério‖. Quanto mais o
homem se coloca questões fundamentais e se aprofunda na
experiência da vida ou utiliza seus conhecimentos científicos, mais se
adentra no mistério: ―é o mistério que chamamos Deus‖.
Pois bem, ―o cristão anônimo‖, tal como o entendemos, é o pagão
que vive depois da vinda e pregação de Cristo, em estado de graça
através da fé, da esperança e da caridade, embora não tenha
conhcecimento explícito do fato de que sua vida é orientada pela
graça salvadora que leva a Cristo... "Deve haver uma explicação
cristã que dê conta do fato que todo indivíduo que não opera em
nenhum sentido contra a sua própria consciência e diz realmente em
seu coração ‗Abba‘ com fé, esperança e caridade, é na realidade aos
olhos de Deus um irmão para os cristãos‖ (Escritos de teologia).

Sua idéia, seguida hoje por muitos outros teólogos, de que existam
―cristãos anônimos‖ sem compromisso religioso algum, é altamente
sugestiva. ―Cristão anônimo é aquele que aceita a si mesmo numa
decisão moral‖, ainda quando tal decisão não se faz de uma forma
―religiosa‖ ou ―teísta‖. Justificaria o chamado ―cristianismo secular‖
ou ―cristianismo horizontal‖ tal como o formulou a Assembléia de
Upsala (1964) e tal como o formula a Teologia da Libertação. Pode-se
ser cristão sem referência a nenhum elemento religioso. E a Igreja
fica como comunidade missionária sem nenhuma pretensão ou
pressão social e política.

Segundo Karl Rahner, o homem é o ser "ouvinte da Palavra". Por sua


dimensão espiritual, o homem está receptivo a uma possível
revelação divina, que lhe explique e dê significado ao mistério da
Existência e do Ser.

O homem é o único ser, que pergunta-se pelo mistério e o sentido da


Existência e do Ser, e isso devido a sua dimensão espiritual: o
homem é espírito. Por ser espírito, o homem está receptivo e a
procura de uma explicação para o Mistério; o homem é um "ouvinte
da Palavra"; ele contém um a priori cognoscitivo, que é essa abertura
para uma possível revelação divina; o homem é o ser à espera da
manifestação de Deus.

A revelaçao é uma auto-manifestação de Deus, é uma auto-


revelação; e essa auto-comunicação de Deus responde e vem ao
encontro da "abertura" ou "receptividade" humana que está à procura
e à espera de uma resposta válida e coerente para suas perguntas
sobre o Ser e a Vida.

Assim como Kant estabeleceu os a prioris que permitem o homem


chegar ao conhecimento da ciência e do mundo; Rahner estabeleceu
os a prioris que permitem ao homem chegar ao conhecimento de
Deus e da teologia.

O a priori de Rahner, consiste nessa abertura e receptvividade do


homem para com o Mistério. O Mundo, o Ser e a Vida são mistérios e
interrogações que colocam-se diante do homem, e o homem está a
espera de uma Palavra, uma Revelação, que lhe dê sentido e
explicação sobre essas realidades misteriosas; por isso o homem é
um "ouvinte da Palavra". O homem está à escuta da Palavra que lhe
dê a resposta apaziguadora; essa Palavra é a auto-comunicação de
Deus. Cristo é justamente essa auto-revelação e auto-manifestação
de Deus. Em Cristo, Deus se auto-revela e se auto-comunica aos
homens, dando-lhes a resposta que eles procuram e buscam.

A teologia de Rahner é chamada de "transcendental", pois parte da


dimensão do mistério da Vida e do Ser. É diante do mistério da Vida e
do Ser, que o homem pergunta-se pelo sentido e significado das
coisas; é a partir desse mistério, que o homem está a espera de uma
revelação.

Como outros teólogos, Rahner recebeu vários ―monitum‖. Sua teoria


do cristianismo anônimo, aberto a todos e não monopolizado pela
Igreja — um cristianismo disperso e arraigado em todo o mundo, um
cristianismo sem fronteiras, fruto da graça de Deus oferecida acima
de todas as categorias humanas — foi posta em questão. ―A teologia
não é um assunto privado e, submetida ao Magistério da Igreja,
inclusive em sua tarefa de pesquisa, não pode esconder-se atrás de
uma liberdade acadêmica‖ (Paulo VI, 1975). Não obstante,
permanece o mais valioso de sua doutrina: o diálogo constante
mantido com o homem moderno, com a sociedade e suas condições.
A teologia terá de fazer o possível para não se desentender com eles.

PENSAMENTOS DE KARL RAHNER

"Maria é a concreta realização do perfeito cristão. Maria é como nós.


Jesus Cristo é outrossim um como nós. Mas ele também é Deus.
Maria é que é inteiramente uma entre nós. O que ela é nós devemos
ser. É por isto que Maria é-nos tão familiar. É por isso que nós a
amamos".

"Deus age através de Causas Segundas. É Ele a Causa Primeira que


dá origem e sustenta a cadeia de todas as causas segundas que
movem o mundo. Mas não é, Ele mesmo, um elemento do mundo,
como se fosse apenas uma causa segunda entre as outras. Deus, em
sí mesmo, não é uma engrenagem do mundo".

"A condição criada do mundo é relação absolutamente única, só


ocorre uma vez. Criação e condição de criatura não indicam apenas o
primeiro momento da existência de um ser temporal, mas significam,
em última análise, a constituição desse ser existente e do seu tempo,
constituição essa que não entra no tempo mas é o fundamento da
criatura, e do próprio tempo."

"O homem deve ser entendido como a possibilidade de ser assumido


por Deus, de tornar-se o material de possivel história de Deus. Deus
planeja o homem de modo criador, tirando-o do nada, e o coloca em
sua realidade de criatura, diferente de Deus, mas como a "gramática"
de possivel auto-expressão de Deus. A humanidade de Jesus Cristo
não é mera aparência de Deus. Também não é Ele um mero profeta,
mas o próprio Deus. Em consequência, manifesta-se como herética
qualquer idéia da encarnação que considere a humanidade de Jesus
como se fosse apenas uma "roupagem" revestida por Deus, de que
ele apenas se servisse para assinalar sua presença quando fala.
Quem aceita inteiramente o seu ser homem, acolheu o Filho do
Homem porque, neste, Deus acolheu o homem. Ao dizer a Escritura
que quem ama o próximo cumpriu a Lei, trata-se aí da verdade
última, uma vez que o próprio Deus tornou-se este próximo e, desta
sorte, em todo o próximo, sempre é acolhido e amado aquele que é
simultaneamente o mais próximo e mais longínquo: Deus. A
realidade humana de Deus em Jesus Cristo permanece para sempre,
eternamente..."

"A descoberta do Coração de Jesus na fé, na esperança e na


caridade, é um longo e aventureiro caminho, pleno de imprevistos;
uma viagem da qual não se vê o fim senão quando se acaba por
entrar no seu próprio coração, para aí descobrir que esse horrível
fosso está pleno do próprio Deus".

"A tarefa mais urgente de uma Cristologia de hoje consiste em


formular o dogma da Igreja - 'Deus é (tornou-se) homem, e este
Deus que se fez homem é o Jesus Cristo concreto' - de modo a tornar
compreensível o que estas proposições significam e em excluir toda a
aparência de uma mitologia que se tornou inaceitável hoje".

"O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão".

"Se a ressurreição de Jesus é a vigência permanente de sua pessoa e


sua causa, e se esta pessoa-causa não significa a sobrevivência de
um homem e de sua história, mas o triunfo de sua pretensão de ser o
mediador absoluto da salvação, então a fé na sua ressurreição
constitui um momento intrínseco dessa ressurreição e não a tomada
de consciência de um fato que por sua natureza poderia existir
exatamente o mesmo sem ser conhecido. Se a ressurreição de Jesus
há de ser a vitória escatológica da graça de Deus no mundo, não é
possível concebê-la sem uma fé efetiva (ainda que livre) nela, uma fé
na qual culmina a própria natureza da ressurreição".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 17:44 8 comentários:

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


KARL BARTH (1886-1969)
Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX.
Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth
foi um teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi
educado em meio a pastores conservadores. Suas influências
acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino,
Baur, Harnack e Hermann. Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth
vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de
Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a seguir sua posição. Em
1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e
aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen,
amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas.
Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo.
Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao
desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou
Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos,
em 1919, Barth publicou seu Comentário à Epístola aos Romanos.

Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo


pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar
teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de
Muenster; em 1930, na de Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-
nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-se em Basiléia, de cuja
universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na Alemanha,
deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em
1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada ―teologia dialética‖ ou ―da crise‖,


junto a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros.
Barth deu nome a um movimento: o barthismo, que propõe uma total
e coerente adesão à Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da
revelação bíblica e ao fato histórico da encarnação, contra o
imanentismo da cultura moderna geral e em particular do
―protestantismo liberal‖. Procurou renovar a teologia desvinculando-a
da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para recolocá-la
na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a
Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do
Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para
destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a
via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de
Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a
eternidade.

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre


Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si
mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o
intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos, e comentada
por Barth. A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da
crise, teologia dialética, teologia kerigmática,teologia da Palavra.
Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de
Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa
e valiosa obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche
Dogmatik (10 vols., 1955) e o Comentario à epístola aos Romanos
(1919); Humanismus (1950), e outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único


positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o
mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o
homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de
conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem


através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a
teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth
centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não


estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós
controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e
dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua
sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou
de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e


se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna
realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do
acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento
colocam Jesus Cristo como o ―Cordeiro de Deus‖, anunciado por João
Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como
pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que
João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da


Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a
Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se
transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos
através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus


Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de
Deus com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua
forma negativa, isto significa a exclusão da teologia natural.
Positivamente, tudo deve ser visto e interpretado a partir de Cristo
ou, empregando a expressão barthiana, a partir da ―concentração
cristológica‖. O pecado original não pode ser entendido
independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um
raciocínio nem está fundamentada em um sentimento subjetivo. ―Em
Jesus Cristo não há separação do homem de Deus, nem de Deus do
homem.‖

Barth prega que ―a mensagem da graça de Deus é mais urgente que


a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu
juízo‖. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma
influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e
verdadeira de Deus. Sua condição de ―crente‖ que não invoca
nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo para os cristãos
de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à


epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A
ressurreição dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia
(1925);- A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969);- A teologia
protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

―Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não


podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso
não-poder, e justamente assim dar glória a Deus‖

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se
entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza
do homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre
neste acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o
elegeu, eis em absoluto uma história que não pode, como tal, ser
interpretada por equívoco como uma causa imóvel que produz efeitos
quaisquer"
"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais


gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal


rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto:
eis aí - o que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o
mistério da 'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o


materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o
homem que se esquece que nada tem que não tivesse recebido e
precisasse receber novamente de Deus; o homem que quer safar-se
do paradoxo da fé; o homem que já não quer, ou que ainda não quer,
abrir mão de sua confiança na sabedoria, na ciência, nas coisas
certas e palpáveis do mundo, e do conforto que este oferece, para
depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa morrer em Cristo
o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar, que não
seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto


isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como
tal, fazer a vontade de Deus"

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em


pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o
sujeito de um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente
assim, e não de outra forma, que este ser e este agir são reais. É um
ser e um agir autêntica e verdadeiramente humanos... Sua
humanidade (de Jesus) não é senão o atributo da sua divindade, ou
antes, em termos concretos: ela não é senão o atributo, assumido no
decurso de um rebaixamento incompreensível, da Palavra que age
em nós e que é o Senhor".
"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só
existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de
Deus... Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um
atributo sem sujeito".

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 01:37 10 comentários:

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)


Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Sarcenat, Clermont-Ferrand, na
França, em 1881. Ingressou na Companhia de Jesus em 1899,
ordenou-se sacerdote em 1911 e lecionou geologia e paleontologia no
Instituto Católico de Paris de 1920 a 1923. Em seguida, permaneceu
no Oriente (China, Índia, Birmânia, Java) até 1946, com vários
períodos de estudo passados nos Estados Unidos e na Somália-
Etiópia. Em 1923, descobriu a civilização paleolítica do deserto de
Ordos, depois participou das escavações de Chou-k'ou-tien, que
levaram à descoberta do sinantropo (Sinantropos pekinensis).
Retornou à pátria em 1946 e esteve novamente nos Estados Unidos
em 1951 e em 1953, encarregado de organizar as pesquisas
antropológicas no sul da África.

Famoso como cientista, seu pensamento religioso e teológico, porém,


só teve sucesso e difusão mundial após sua morte, sobretudo devido
à publicação de numerosas obras ainda inéditas, que indicavam à
teologia contemporânea novos caminhos de investigação, mais
arrojados, baseados na antropologia e na interpretação evolucionista
da criação.

Toda sua vida e obra se resume nestas palavras: 'Sou um cidadão do


Céu e um cidadão da Terra'. Dedicou-se arduamente aos estudos
paleontológicos e biológicos, enquanto era um homem de profunda
espiritualidade e vida interior. Procurou fazer uma síntese entre
Cristianismo e Evolucionismo.

Dentre seus escritos mais famosos destacam-se: "O coração da


matéria" (1950), "O fenômeno humano" (1955), "O surgimento do
homem" (1956), "O lugar do homem na natureza" (1956), "O meio
divino" (1957), "O futuro do homem" (1959), "A energia humana"
(1962), "Ciência e Cristo" (1965).

O Santo Ofício chegou mesmo a divulgar um monitum, ou


advertência simples, para a aceitação das idéias do religioso, no
entanto, suas idéias marcaram e influenciaram profundamente o
Concílio Vaticano II. Teilhard de Chardin regressou à França em
1946, mas ante a impossibilidade de publicar seus textos - que
circularam em exemplares mimeografados e só foram editados após
sua morte - transferiu-se para os Estados Unidos. Ingressou então na
Fundação Wenner-Gren, de Nova York, que patrocinou, nos últimos
anos de sua vida, duas expedições científicas ao continente africano.

As teorias teilhardianas, que tendem a interpretar a inspiração


cosmológica e escatológica do cristianismo primitivo à luz da ciência
moderna, embora recebidas com suspeitas e entre violentas
polêmicas, contribuíram para a aproximação entre cristianismo e
mundo científico moderno. Em 1950, Teilhard foi nomeado membro
da Academia de Ciências de Paris.

Teilhard de Chardin morreu em Nova York, em 10 de abril de 1955,


no domingo de Páscoa. Ele teria dito algumas semanas antes numa
conversa com amigos: "Seria tão bom morrer na Páscoa!".

PENSAMENTOS DE TEILHARD DE CHARDIN

"Em virtude da criação, e mais ainda da Encarnação, nada é profano


neste mundo, para quem sabe ver".

"Ter consciência de que o trabalho humano aperfeiçoa o reino de


Deus, e que o esforço é uma participação na Cruz de Cristo, eis o
privilégio do homem cristão. É a Deus e a Deus somente que ele
forma através da realidade das criaturas".

"Eu amo-Vos Jesus pela multidão que se abriga dentro de vós, que
ouço, com todos os outros seres, falar, rezar, chorar, quando me
junto a Vós".

"Se não nos amarmos uns aos outros pereceremo, porque para ser
mais é preciso unir sempre mais"."Ser é unir-se a si mesmo, ou unir
os outros"

"É um dever sagrado para o cristão, em matéria de verdade humana,


pesquisar e comunicar o que ele encontra aos profissionais e em nível
profissional".
"Porque o Cristo é Ômega, o Universo está fisicamente impregnado,
até no seu âmago material, da influência de sua natureza sobre-
humana. A presença do Verbo encarnado penetra tudo como um
Elemento Universal".

"Jesus crucificado não é um rejeitado ou um vencido. Pelo contrário.


Ele é Aquele que carrega o peso e que sobreleva sempre, em direção
a Deus, os progressos da marcha universal".

"Se meus escritos são de Deus, passarão. Se não são de Deus, só


resta esquecê-los".

"O futuro é como as águas sobre as quais se aventurou o Apóstolo:


carrega-nos na proporção de nossa fé".

"O Cristianismo mais tradicional, o do Batismo, da Cruz e da


Eucaristia é susceptível de uma tradução onde passa o melhor das
aspirações contemporâneas".

"Se eu pudesse mostrar apenas, por um instante que fosse, aquilo


que eu vejo, acho que valeriam a pena todos os esforços de uma vida
inteira".

"A única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela
que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir
apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte".

"A coisa mais impossível de se deter no Mundo é a marcha de uma


idéia. Nada poderia jamais impedir o Homem de procurar tudo pensar
e tudo experimentar até fim".

"Tu que feres e curas, tu que resistes e és dócil, tu que arruínas e


que constróis, tu que acorrentas e que libertas - seiva de nossas
almas, Mão de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo!"

"Quando, pela primeira vez, num ser vivo, o instinto se percebeu no


espelho de si mesmo, foi o Mundo inteiro que deu um passo".

"Quanto mais o Homem se tornar Homem, menos aceitará se mover


senão em direção do interminavelmente e indestrutivelmente novo:
... o Absoluto".

"O homem não é apenas um ser que sabe, mas é também um ser
que sabe que sabe".

"A alma humana é feita para não estar sozinha".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha


felicidade interior".

"Todos os sofredores da Terra juntando seus sofrimentos para que a


dor do Mundo se torne um grande e único ato de consciência, de
sublimação e de união: ... uma das mais altas formas da obra da
Criação".

"O Universo, considerado em seu conjunto, tem um fim e não pode


errar de direção, nem parar no caminho".

"Todos os que querem afirmar uma verdade antes do tempo


arriscam-se a descobrirem-se heréticos".

"Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as


marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela
segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo."

"Nosso Cosmo, no fundo, não é senão o lento nascimento de uma


consciência universal".

"Amar a Deus não somente 'de todo o seu corpo e de toda a sua
alma' mas detodo o Universo em evolução".

"Eu creio que o Universo é uma Evolução. Eu creio que a Evolução vai
para o Espírito. Eu creio que o Espírito, no Homem, se conclui no
Pessoal. Eu creio que o Pessoal supremo é o Cristo-Universal".

"Quando o Cristo, prolongando o movimento da sua encarnação,


desce ao pão para substituí-lo, sua ação não se limita à parcela
material que sua Presença vem, por um momento, volatizar. Mas a
transubstanciação se aureola de uma real, ainda que atenuada,
divinização de todo o Universo. Do elemento cósmico em que se
inseriu, o Verbo age para subjugar e assimilar a Si todo o resto".
"Aquele que amou apaixonadamente a Jesus escondido nas forças
que fazem morrer a Terra, a Terra, desfalecendo, abraçá-lo-á
maternalmente em seus braços gigantes, e, com ela, ele despertará
no seio de Deus".

"O grande acontecimento de minha vida foi a gradual identificação de


dois sóis no céu de minha alma, sendo um o ápice cósmico postulado
por uma evolução generalizada do tipo convergente e outro
constituído pelo Jesus da fé cristã".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha


felicidade interior".

"Cada um de nós, quer queira quer não, liga-se, por todas as suas
fibras materiais, orgânicas e psíquicas, a tudo que o circunda".

"Cada indivíduo carrega em si algo de todo o interesse final do


Cosmo".

"Quando o sacerdote pronuncia as palavras: 'Isto é o meu corpo', as


palavras incidem diretamente sobre o pão e diretamente
transformam-no na realidade individual do Cristo. Mas a grande ação
sacramental não pára neste acontecimento local e momentâneo... Há
uma 'eucaristização' de toda a criação".

―Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França,
mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu
me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos
oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o
trabalho e o sofrimento do mundo‖.

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 01:25 Nenhum comentário:

ROMANO GUARDINI (1885-1968)


Teólogo católico ítalo-alemão. Nasceu em Verona, na Itália, em 1885.
Filho de um cônsul italiano, com um ano apenas, Romano Guardini se
transferiu para a Alemanha. Estudante de química e de economia em
Tubinga e em Berlim, cursou os estudos eclesiásticos e foi ordenado
sacerdote. Foi professor de dogmática em Bonn (1922), de filosofia
católica em Berlim (1923) e mestre na arte da linterpretação;
exerceu uma considerável influência na juventude católica alemã
depois da I Guerra Mundial. Sua cátedra foi suprimida em 1939 pelo
regime nacional-socialista. Em 1945 foi convidado a ensinar na
Universidade de Tubinga e, a partir de 1948, na de Munique, donde
expunha seu próprio pensamento sobre uma cosmovisão católica do
mundo. Para sustituir-lhe, depois de sua jubilação, se chamou a Karl
Rahner. Em 1952 obteve o premio da paz dos livreiros alemães.

Não pertencendo à linha tomista, nem por isso foi menos obediente à
tradição evangélica e patrística, procurou manter um contínuo
contato com a cultura e filosofia modernas. Soube dar à mensagem
cristã uma expressão moderna, tornando-a atual para um vasto
público do século XX. De inspiração agostiniana, sua teologia, que
explora amplos espaços da cultura, é mais uma evocação da vida de
fé que uma sistematização dogmática.

A vida e a atividade de Romano Guardini têm sido a de um


extraordinário e sábio professor. Sua numerosa obra persegue uma
interiorização psicológica e poética de fundamento teológico, ao
mesmo tempo que uma visão unitária e total da existência humana. A
concessão do prêmio Erasmo, em 1961, foi o reconhecimento a um
homem e à sua obra que contribuíram com a reconstrução da Europa
na pax christiana e na cultura clássica. Permanecem para sempre as
suas obras como O espírito da liturgia (1918), sem dúvida, o livro
que mais contribuiu para fomentar o movimento litúrgico anterior ao
Vaticano II.

Sua influência na teologia católico-romana do século XX foi grande.


Isto pode ser visto especialmente em dois campos: o diálogo entre
teologia e literatura (como fez, por exemplo, nos seus estudos sobre
Dante), e a liturgia.

A teologia de Guardini é a suma de uma experiência, de uma práxis


teológica espiritual e concreta. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma
pesquisa científica, sistemática, elaborada mediante método rigoroso
e orgânico e, ao mesmo tempo, de caráter vital. O centro de sua
teologia é a cristologia. Ao Cristo dedicou muitas obras e artigos.

Através de seus livros e conferências, Guardini fez da teologia e do


pensamento cristão uma forma original, cheia de sensibilidade e de
cultura, para aproximar-se do homem culto de hoje. Como P. Lippert,
Karl Adam e outros, Guardini permanecerá como o renovador culto
do pensamento cristão que prepara o caminho para o Concílio
Vaticano II.

Entre suas muitas obras, cabe recordar O espírito da liturgia (1917),


Cartas de autoformação (1922), O universo religioso de Dostoievski
(1933), A morte de Sócrates (1934), Pascal (1934), A essência do
cristianismo (1939), Liberdade, graça e destino (1948), A aceitação
de si mesmo (1950) e O Senhor (1954).

Romano Guardini faleceu em Munique, em 1968.

PENSAMENTOS DE ROMANO GUARDINI

―O Homem, em geral, não reza de bom grado e experimenta


facilmente tédio na oração, constrangimento, repugnância e até
animosidade. Qualquer ocupação lhe parece mais interessante e
importante e diz para si próprio: 'Não tenho agora tempo para rezar'
ou 'agora é mais urgente fazer aquilo'. E geralmente o tempo não
empregue na oração é desperdiçado nas coisas mais supérfluas.‖

―Salvação quer dizer que a pessoa e a vida aí reencontram o próprio


significado (...) em um sentido absoluto. Salvação quer dizer que o
ser daquele que faz a experiência é preenchido e ordenado segundo
uma linha de valores definitivos, justamente por meio do
relacionamento com a realidade numinosa [realidade original, da qual
decorre a realidade fenomênica] que se lhe manifesta; que, por meio
dela, as perguntas sobre a causa, o sentido e a meta de sua vida
recebem a verdadeira e última resposta‖.

―A natureza, designa a totalidade das coisas; tudo o que é. Mais


exatamente: tudo o que existe antes que o homem faça alguma
coisa. E então: as estrelas, a terra, suas plantas, seus animais, e
também o homem enquanto realidade orgânica e espiritual. Isso tudo
se oferece à experiência como algo de profundo, de potente, de
magnífico; como uma plenitude de vida à nossa disposição; mas logo
depois também como uma lição para o nosso conhecimento, para a
nossa conquista e para a nossa transformação‖.

―Ser pessoa significa que não posso ser habitado por nenhum outro, e
que, na relação comigo próprio, me encontro só comigo; que não
posso ser representado por nenhum outro, e que sou único".
"A terra está impregnada de um êxtase cósmico: existe nela uma
realidade e uma presença eterna que, normalmente, dorme sob o véu
do cotidiano. A realidade eterna deve ser revelada agora, como numa
epifania de Deus, através de tudo o que existe".

"O homem que envelhece vai tomando gradativamente consciência


de que não é eterno. Agita-se menos e, assim, os sons das vozes que
vêm do além se fazem ouvir".

―A realidade religiosa toca o ponto mais vivo do homem, o centro


mais sensível do seu ser pessoal. Desperta, porém, afetos muito
específicos, que se referem somente a ela: uma forma especial de
pudor, de reverência, de temor, de desejo, de amor, de zelo, de
beatitude, de confiança. Mas ela afeta também o centro normativo do
homem, sua ‗consciência moral‘ (...) O religioso toca essa
consciência; propõe para ela suas exigências, sem forçar, apenas
através do significado e do que é direito: o homem deve fazer ou
deixar de fazer determinadas coisas, orientar em certa direção sua
vida. Ele não pode contestar o direito desta exigência que lhe é
proposta, pois ela é evidente. Pode apenas rejeitá-la, desobedecer-
lhe, evitá-la (...) A experiência religiosa abre um ‗mundo‘, entendida
essa palavra no sentido objetivo e subjetivo: uma coordenação de
coisas e fatos, de relações entre os homens e as coisas, de ações e
de obras, de experiências e situações, toda uma outra ‗vida‘‖.

―Quanto melhor compreendermos a figura da mãe do Senhor a partir


do Novo Testamento, melhor compreenderemos e viveremos a nossa
vida cristã, tal como ela é realmente. Ela é aquela que trouxe o
Senhor no mais profundo de si mesma; através de toda a sua vida e
até na morte. Continuamente teve de experimentar como Ele,
vivendo do mistério de Deus, dela se afastava. Continuamente se
elevava Ele para mais alto, e assim foi ela sendo trespassada pela
«espada» (Lucas 2,35); mas, sempre também, ela se ergueu mercê
da fé até Ele, e O envolveu de novo. Até que, por fim, Ele não quis
mais ser seu filho. O outro, que estava ao pé dela, devia tomar o seu
lugar. Jesus estava só, ao alto, no cume mais agudo da criação,
perante a justiça de Deus. Mas ela, numa compaixão derradeira,
aceitou a separação — e, graças a isso, voltou de novo, na fé, para
junto dEle. Sim, a verdade, «feliz aquela que acreditou!»‖

Postado por Gilberto Ribeiro e Silva às 01:04 Nenhum comentário:


HANS URS VON BALTHASAR (1905-1988)
Teólogo jesuíta suíço, nascido em 1905, em Lucerna. Foi um dos mais
importantes do século XX (considerado o favorito do papa João Paulo
II, que o fez cardeal nos últimos dias de sua vida). Estudou
germanismo e filosofia em Viena, Berlim e Zurique (1923-1929) e
filosofia e teologia em Lyon e Pullach (1929-1938).

Depois de ser ordenado sacerdote, exerceu seu ministério em


Munique, Zurique e Basilea como capelão de estudantes. Sua obra
recolhe as incitações mais fecundas do pensamento alemão e francês
e da teologia cósmica dos padres gregos.

Ordenado padre em 1936, von Balthasar foi jesuíta até 1950. Nesse
ano deixou a Sociedade de Jesus, como consequência de, no
desempenho da sua missão, se ter tornado amigo e confessor de
Adrienne von Speyr, uma viúva convertida ao catolicismo. As suas
visões e escritos místicos, bem como a "Comunidade de S. João"
(para leigos, fundada pelos dois), não eram reconhecidos pela Igreja,
pelo que o teólogo se desvinculou dos jesuítas, como "aplicação da
obediência cristã a Deus".

O teólogo que defendia uma "teologia ajoelhada", isto é, o


pensamento teológico tem de estar ligado à oração e à adoração, em
vez de ser mera análise sistemática, foi o grande ausente do Concílio
do Vaticano II, embora ideias como a da Igreja santa mas "sempre
necessitada de purificação e de penitência" lhe sejam caras.

Von Balthasar deixou uma importante coleção de escritos — alguns


deles, tratados teológicos de grande profundidade. Balthasar também
deixou obras leves, como "A tríplice guirlanda", que é um comentário
sobre a Ave Maria.

Segundo outro grande teólogo, Henri de Lubac, ele era "o homem
mais culto do nosso tempo"; ele "tentou colocar o tema da beleza
como fundamento da reflexão teológica", explica o monge Enzo
Bianchi. Von Balthasar quis construir uma teologia que intui na beleza
da "figura" de Cristo o caminho fundamental para se chegar ao
cristianismo. Os outros dois pontos fundamentais, a verdade e a
bondade, não têm nenhuma possibilidade de atrair o homem, a não
ser que este se sinta atraído pela beleza de Cristo crucificado,
irradiada sobre todo o cosmos através da ressurreição. Segundo
Balthasar existem três maneiras de entrar em contato com a beleza
de Cristo: a Sagrada Escritura, definida como "espelho", "imagem
canônica"; a Eucaristia, "mistério de fé", ou representação da
plenitude da salvação cristã; e a Igreja, "forma imperfeita", que torna
perceptível a beleza de Cristo.

Diz-se que Hans Urs von Balthasar era o teólogo preferido de João
Paulo II. E, de fato, não pelas suas preferências, mas pelo contributo
dado à Teologia e à Igreja, o Papa Wojtyla nomeou-o cardeal. A
recepção do título, apenas honorífico, visto não poder participar em
um conclave, estava marcada para 28 de Junho de 1988. Hans Urs
von Balthasar entra para a glória do Senhor dois dias antes, quando
se preparava para celebrar Missa.

Seus títulos mais representativos são, entre outros, A essência da


verdade (1942), Teologia da história (1950), A oração contemplativa
(1955), O problema de Deus no homem atual (1956), Glória, uma
estética teológica (1961-1969), Pneuma e instituição (1974) e Se não
vos fazeis como esta criança (1985). Em 1988 foi promovido ao
cardinalato e criado cardeal a título póstumo.

Von Balthasar faleceu em 1988, em Basilea.

PENSAMENTOS DE HANS URS VON BALTHASAR

O texto seguinte se refere à cena do Evangelho em que Maria e José


perdem Jesus, até o encontrarem no Templo.

"'Por que você fez isso conosco — diz a Virgem? Eu e o seu pai te
procurávamos aflitos!' Ele (o Cristo) não pode poupá-los desse
sofrimento. Só nessa busca um cristão pode 'encontrar'; uma busca
tão séria que é como se tudo dependesse dessa coisa que se quer
encontrar. Não há outra recomendação para a vida cristã a não ser
esta: só podemos encontrar Jesus no lugar onde ele se entregou a
Deus. Todo cristão deve procurá-lo 'entre parentes e conhecidos',
para cima e para baixo da estrada; mas no final, sempre ouviremos
dele as palavras: 'Não sabíeis que eu devo tratar das coisas do meu
Pai?' Muito provavelmente, como Maria e José, a princípio não
entenderemos nada, e teremos de procurar ainda mais. Maria
Madalena o procura no sepulcro, mas depois que Ele se deixa
encontrar, ela tenta segurá-lo, e ele desaparece. Da mesma forma,
ele some da vista dos discípulos de Emaús no momento em que,
finalmente, eles conseguem identificá-lo. Nós só o encontramos
definitivamente 'no lugar do Pai', no céu, — isto é, quando 'encontrar'
já não significa delimitar Deus no nosso próprio espaço, mas significa
que nós fomos 'encontrados' por Deus, que nós entramos no espaço
Dele, que nós somos 'conhecidos por Deus', como diz são Paulo.
'Deus é infinito, de modo que continuaremos procurando por Ele
mesmo depois de tê-lo encontrado' (Santo Agostinho)".

"Esse total dom de si, para o qual o Filho e o Espírito Santo


respondem, repetirão, significa algo como uma "morte", uma
primeira e radical "kenose", se se quiser: uma "super morte", que se
encontra como aspecto de todo amor e que fundamentará no interior
da criatura tudo aquilo que nela poderá ser uma boa morte: do
esquecer-se de si mesma pela criatura amada até aquele supremo
amor que "dá a vida por seus amigos" .

"A Teologia é uma ciência 'de joelhos'".

"A infância e a morte estão uma ao lado da outra: o seu mistério


essencial chama-se simplesmente. entregar-se a si mesmo de forma
completa. A criança manifesta-se no mundo nua no corpo e nua do
espírito, enquanto inerme deve confiar-se ao mistério do Pai. Tudo
aquilo que se encontra entre onascimento e a morte constitui um
parêntese. A sua seriedade faz parte do jogo de Deus: todavia, no
início e no final revela-se sem qualquer obstáculo o modo de jogar: o
Filho do Pai, que procede eternamente dele, volta para Ele também
de forma eterna, e em cada instante de tempo. E nós, crianças,
somos convidados a participar precisamente neste jogo"

"Em todas as culturas não cristãs a criança tem uma importância


somente marginal, porque é simplesmente um estado que precede o
homem adulto. Necessita-se da encarnação de Cristo para que
possamos ver não somente a importância antropológica, mas
também aquela teológica e eterna do nascer, a bem-aventurança
definitiva do ser a partir de um sinal que gera e dá à luz"

"Tudo o que é humano é argila nas mãos do Criador e Redentor".

"Para os cristãos não existe qualquer motivo que os leve a restringir o


conceito de espiritualidade ao espaço cristão"

"Se agora passamos a ver as coisas através da espiritualidade da


ação (Aristóteles), tem de dizer-se então que ela (espiritualidade da
ação) é justamente importante para o Eros absoluto. Mais ainda: ela
desempenha na espiritualidade humana um papel indispensável e
decisivo, no sentido de que ajuda e facilita ao Eros a consecução da
sua tarefa, qual é a de permanecer ativamente no espaço mundano,
visto como lugar obrigatório do seu exercício, provação, educação e
purificação. Este campo de atividade é para o homem
necessariamente duplo: primeiro, porque é Eros entre o Eu e o Tu,
não só à dimensão sexual, como também à supra-sexual, ao nível da
amizade; depois, porque é também Eros como entrega à sociedade
(povo, estado, humanidade) e à comum empresa de humanidade
(cultura, técnica e progresso). Esta dualidade característica do Eros
assenta porém na própria essência do homem: ele é efetivamente
uma pessoa exclusiva, quando visto na sua relação ao corpo. Mas
simultaneamente ele é também espírito e como tal aberto e obrigado
a ser universal (…) Em todo o caso, é devido à estrutura do Eros,
olhado como desejo de realização do Espírito, que o homem se sente
obrigado a colaborar com os outros homens para a construção do
mundo, sem com isto dizer que o Eros deve terminar a sua atividade
no espaço humano ou mundano"

"A estrutura interior do Evangelho exige que, para imitar a Cristo, o


homem tenha de arriscar tudo numa só jogada, sem se importar com
mais nada. O deixar tudo é absoluto e exclui até o olhar para trás,
pela última vez, exclui qualquer conciliação entre seguir Jesus e o
adeus à casa paterna, entre Jesus e o dever de sepultar o próprio pai,
entre Jesus e qualquer outra coisa que pudesse condicionar o caráter
absoluto da entrega"

"Tudo depende – se quisermos ver autenticamente segundo o Espírito


Santo – da capacidade de redescobrir o Evangelho através duma
nova abertura interior. E quanto mais direta e profundamente a
abertura do olhar interior conduzir para o centro do Evangelho, tanto
mais verdadeira e eclesial será então a espiritualidade. Nenhum
enviado verdadeiro acreditou ou pretendeu fundar, através da missão
que lhe foi confiada, uma nova espiritualidade. Por isso mesmo se
tornam desde o princípio suspeitas, e com toda a probabilidade
estéreis, as tentativas dum indivíduo, dum grupo ou dum Estado,
para criar e configurar até ao último pormenor uma espiritualidade
nova e própria. Os grupos aos quais o Espírito não presenteou com
carismas especiais devem estar agradecidos com o fato de poderem
permanecer no anonimato da Ecclesia ancilla e nele poderem levar a
cabo uma existência dedicada ao serviço do amor"

"Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança,
o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado,
o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo
em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo,
que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das
coisas últimas."

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