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Universidade Estadual de

Campinas
Instituto de Artes – Departamento de Música

A PRATICA COLETIVA DO CHORO:


UM ENSAIO BASEADO NO
MODELO DE FRANCO FABBRI

Trabalho final da disciplina Musica Industrializada II: MU-231


Orientadora: Prof. Dra. Suzel Ana Reily
Orientando: Mauricio Reis Guil – RA:119930

Campinas, São Paulo

2017
Resumo
A roda de choro é o ambiente em que se reúnem os músicos
praticantes desse gênero que já conta com mais de 150 de história.
Durante esse período ocorreram muitas transformações que
moldaram as normas presentes na configuração de suas regras.
Através do método de FABBRI(1980) será feita uma análise de
alguns desses aspectos e suas mudanças no decorrer dos anos.

Introdução
O choro é um gênero musical nascido no Brasil na segunda
metade do século XIX, criado a partir da reinterpretação de ritmos
europeus executados em danças de salão nas cortes europeias.
Desde os seu primórdios o ambiente em que os músicos realizam
essa prática musical é “roda, que pode ser tanto ambientada em um
bar ou na casa de algum musico ou entusiasta do gênero. A roda é a
principio aberta a todos que quiserem tocar e compartilhar o choro,
mas existem algumas regras pré-estabelecidas como o
conhecimento do repertório e a aceitação da comunidade
(VALENTE, 2014, p.232). Apesar de suas transformações
constantes o ambiente da roda de choro permanece muito parecido
hoje com as rodas do início do século XX. Dentre os vários
elementos musicais presentes em uma roda de choro podemos
elencar a maneira informal de se tocar, a ausência do uso de
partituras e os improvisos. Existem também os elementos extra-
musicais como o encontro entre amigos, o festejo que
frequentemente envolve comidas e bebidas e também o
fortalecimento de uma determinada cena musical. Apesar de todos
essas características o objetivo que fundamenta a roda choro é a
música em si.

O ritual da Roda de Choro acontece porque existe a música; são


indissolúveis contexto e música. São fatores importantes as pessoas
presentes e as relações de troca que os músicos estabelecem entre si.
(LARA FILHO, SILVA, FREIRE, 2011, p.150)
Este ensaio tem, pois, como objetivo analisar as
transformações das regras presentes nesse ambiente em suas
diferentes cenas, e ressaltar a importância desse tipo de
performance no choro não só enquanto sua pratica musical, mas
também enquanto um espaço de socialização entre seus
integrantes.

1. A gênese das regras formais da roda choro


FABBRI (1980) estabelece que um gênero musical é definido
a partir de uma negociação social entre aqueles que participam de
sua comunidade. Esta negociação constante formula então certas
diretrizes que compõem o caráter de um gênero tanto em seus
aspectos musicais quanto em suas regras sociais. Partindo desse
principio iremos analisar o ambiente da roda de choro em seus dois
aspectos elementares e complementares: suas regras relacionadas
aos aspectos formais do gênero e as regras que compõem a roda de
choro como um evento social.
O nascimento do choro remete aos meados dos sec. XIX,
quando as danças de salão européias chegavam ao Brasil. Os
schottiches, as polcas e as mazurcas interpretadas pelos negros
então escravos lentamente foram ganhando outras intenções
rítmicas, características da música africana (FIORUSSI, 2011, p.31).
Essa adaptação representada na forma da síncopa foi aos poucos
se tornando uma regra dentro da execução dos ritmos, ao ponto em
que em determinado momento o conjunto de regras formais aceitas
pela comunidade passou a denominar como maxixe a nova maneira
de se interpretar a polca. Nesse período se estabeleceram os
instrumentos que fariam parte então do gênero e que estão
presentes até os dias de hoje: o violão, cavaco, flauta e percussão.
Com a popularização do maxixe e os tímidos sinais do fim da
escravidão, pode se observar o surgimento de novos espaços de
socialização dos negros no Rio de Janeiro. As casas de matriarcas
negras passaram a abrigar redutos em que se realizavam diversas
atividades de expressão afro-brasileira, sendo elas de cunho festivo
e religioso. O origem então da roda de choro então passa a agregar
nessa símbiose elementos de outras manifestações culturais, como
o samba de roda e a capoeira (LARA FILHO, 2009). Elementos
como o desafio nos improvisos o aumento do andamento passam a
integrar o conjunto de regras que formam a base do que hoje
conhecemos como a roda de choro.

1.1 As mudanças na instrumentação


Inicialmente uma roda de choro continha percussão, o violão
e o cavaco como instrumentos harmônicos e a flauta como
instrumento solista. Apesar de existirem variações nessa formação,
apenas com o surgimento da gravação e o início de um projeto de
industria cultural outros instrumentos puderam se consolidar na
formação. Durante o sec. XX três instrumentistas tiveram um papel
fundamental na transformação dessa formação. Pixinguinha ao
introduzir o saxofone e o pandeiro, Dino 7 cordas por popularizar o
violão de 7 cordas e Jacob do Bandolim que formatou uma nova
maneira de se tocar o Bandolim (VALENTE, 2014). Através desses 3
personagens chegamos ao formato que hoje vemos nas rodas de
choro, tanto no Brasil quanto em outros lugares que possam abrigar
uma roda. Uma roda de choro pode não conter algum desses
instrumentos, mas o seu repertório frequentemente exige a presença
de um violão de 6 cordas, um violão de 7 cordas um pandeiro, um
cavaco, um bandolim ou uma flauta.

1.2 O crescimento e a popularização das rodas de choro


O choro passou desde os primórdios da indústria fonográfica
por momentos de esquecimento e revitalização, num processo
constante de reformulação. Apesar da falta de constância da
presença do choro no mercado fonográfico as rodas sempre
estiveram presentes nas mais diversas regiões brasileiras. A partir
da década de 70, um processo de revitalização marcou a história do
gênero.
VALENTE (2014) explica como o surgimento de diversos
grupos de choro e da preocupação de jornalistas especializados com
a influência da música norte-americana no Brasil trouxe novamente
um interesse do mercado em relação o gênero. Como consequencia
desse processo, houve o surgimento de marcos que consolidaram a
volta do gênero, o surgimento das “casas de choro e os festivais de
choro compuserem um papel fundamental em dar novas caras ao
gênero nas décadas seguintes.

2. As regras atuais e a estrutura de uma roda de choro


O choro é um gênero musical praticado em toda a extensão
do território brasileiro e apesar de cada região e cada cena
apresentar as suas particularidades, existe uma semelhança muito
grande no comportamento e na forma de se tocar o choro entre as
diferentes rodas de choro.
Denomina-se popularmente um músico de choro como
“chorão e em uma roda de choro pode se encontrar um número
variado de participantes, sejam eles 4 ou mais de 20. Na roda
encontram-se instrumentistas de idades e condições sociais
distintas, o elemento que une essas pessoas numa mesma roda é o
fazer musical e os laços que essa experiência de socialização vem a
construir. O formato da roda, assim como citado anteriormente, é
uma herança de outras manifestações culturais afro-brasileiras e tem
como objetivo que todos os músicos ali presentes possam interagir
em um certo grau de igualdade. A roda também serve ao propósito
de separar, no ambiente em que está sendo executado o choro, os
músicos dos ouvintes, que geralmente ficam em pé ou sentados em
volta da roda (LARA FILHO, SILVA, FREIRE, 2011).
Segundo FABBRI (1980), as regras de cada gênero são
constantemente colocadas em cheque pelos membros de sua
comunidade em um caráter orgânico que molda e formata os
códigos a serem seguidos pelos seus músicos e entusiastas. Os
códigos dentro de uma roda de choro sugerem que para que um
musico possa participar da roda, deve obedecer certos critérios: o
conhecimento do repertório, um certo grau de habilidade no
instrumento e a aceitação dos outros chorões.
Há na roda de choro uma espécie de hierarquia entre os
chorões mais antigos na roda e os novos chorões. Quando um
membro desconhecido da comunidade se apresenta à roda, é
comum os outros músicos testarem a suas habilidades para saber
até onde ele pode ir (LARA FILHO, SILVA, FREIRE, 2011, p.157).
Esse tipo de desafio é também herança das rodas de capoeira e da
umbigada.

2.1 Modernidade x Tradição: a roda como união


Em entrevista ao extinto programa Sarau1, alguns nomes
jovens do choro e outros antigos discutiram questões relacionadas
as normas seguidas pelos praticantes do choro no ambiente da roda
em tempos anteriores e as posturas dos músicos atuais. O
pesquisador Henrique Cazes conta que o choro era como uma
espécie de maçonaria, apenas para iniciados. Muitos dos chorões
antigos ao observarem um jovem tentando aprender os acordes,
viravam para o lado, impedindo que este pudesse copiar o que fazia
o chorão mais velho. Cazes também relata que os chorões mais
velhos eram vistos como mentores não só na parte musical, mas
também iniciando os jovens a beberem, habito costumeiro dos
praticantes da roda. Já Hamilton de Holanda, músico de uma
geração mais nova, relata que os seus contemporâneos muitas
vezes são mais guiados por um sentimento de amizade e buscam
universalizar o seu aprendizado.
Este conflito entre as gerações dos praticantes do choro
representa muito bem a teoria de FABRRI(1980) a respeito da
deteriorização das regras de gênero. A medida em que os novos
músicos vem a tona, surgem novas expectativas que podem ser
conflitantes com as regras anteriores, modificando-as.

2.2 A cena do choro em Campinas


FIORUSSI (2012) salienta o aspecto educativo das rodas de
choro que foram realizadas na casa de Álvaro Tucunduva, conhecido
como Tucun. No sarau do Tucun, foram realizadas diversas rodas no
período entre 2007 e 2012. A roda era realizada mensalmente por

1 O cana Globonews exibia um programa chamado Sarau. Apresentado por Chico Pinheiro foi ao ar entre 2007 e
2016. Não há registros sobre a data de exibição do programa especificado portanto foi usado como referência um
vídeo do site YouTube que contém o conteúdo de parte do programa.
um número inicial fixo de músicos, todos membros do grupo
“Chorando na Sombra. Garantia-se então pelo menos a presença
de um cavaco, um violão de sete cordas, um pandeiro e uma flauta.
A roda do Tucun, era realizada em um espaço relativamente
pequeno com um palco e algumas cadeiras para a platéia, o que
difere do padrão das rodas de choro tradicionais. FIORUSSI (2012)
cita um exemplo de quando dois chorões muito respeitados no meio
compareceram a roda e a reação dos frequentadores mais assíduos.
Observa-se uma relação de respeito e também de desejo de
aprendizado da tradição pelos músicos mais jovens.
O bandolinista “Vitor fixa o olhar no Izaías. Ele não toca a primeira música
(Treme-Treme de Jacob do Bandolim) nem a segunda, que é uma valsa,
fica só observando o Isaías. Vitor observa o Izaías tocando o tempo todo.
(FIORUSSI, 2012, p.81)

O caráter didático de uma roda de choro, pode ser facilmente


observado. Por ser um gênero de tradição oral, constituiu-se uma
regra de se aprender na roda e estudar em casa. Muitas vezes os
participantes podem levar partituras, mas estes não são bem vistos
aos olhos da comunidades, pois faz parte da prática do choro o
desenvolvimento da habilidade de se tocar “de ouvido, muitas vezes
os chorões podem compor músicas com o objetivo de se testar essa
habilidade, através da elaboração de harmonias mais sofisticadas.

3. Conclusão
Através dos parâmetros estabelecidos por FABBRI (1980),
podemos analisar de maneira eficaz o funcionamento orgânico das
regras de um gênero, sua constituição e sua deteriorização. O choro,
por se tratar de um dos gêneros de musica popular mais antigos do
Brasil, possui um vasto campo de regras e de normas de conduta a
serem seguidas pelos membros de sua enorme comunidade, sendo
impossível trazer cada um desses elementos para ser discutido.
Todavia, um breve panorama do que vem a ser esses elementos
fundamentais se coloca de maneira muito mais clara quando
investigados através da luz do método de FABBRI (1980).
Bibliografia
FABBRI, Franco. A theory of musical genres: two applications.
Popular music perspectives, v. 1, p. 52-81, 1982.

FIORUSSI, Eduardo et al. Roda de choro: processos educativos na


convivência entre músicos. 2012.

LARA FILHO, Ivaldo Gadelha de; SILVA, Gabriela Tunes da;


FREIRE, Ricardo José Dourado. Análise do contexto da Roda de
Choro com base no conceito de ordem musical de John Blacking.
2011.

LARA FILHO, Ivaldo Gadelha de. O choro dos chorões de Brasília.


2009.

SOLFEJOS DE PRATA. Yamandu Costa, Hamilton de Holanda,


Henrique Cazes e Guinga - Sarau - Parte 1-2. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=HVCE4i0mARE>. Acesso em: 6
dez. 2017

VALENTE, Paula Veneziano. Transformações do choro no século


XXI: estruturas, performance e improvisação. Tese de Doutorado.
Universidade de São Paulo. 2014

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