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Buenas Prácticas
en Agricultura Familiar
EXPERIÊNCIAS INOVADORAS
NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:
ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS
PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
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EXPERIÊNCIAS INOVADORAS
NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:
ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS
PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
© Universidad CLAEH, Programa Fidamercosur CLAEH
Edición editorial
Departamento de Publicaciones del CLAEH
Edición digital
CAPÍTULO 2
Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária familiar
da região centro sul do Rio Grande do Sul...................................................................... 19
Aspectos ambientais: o papel da pecuária familiar na conservação do Pampa.................. 20
Fluxos e conexões a partir do foco de trabalho em pecuária familiar................................ 20
A Associação, a Marca e o Remate.................................................................................. 21
Unidades de experimentação participativa (UEP).............................................................. 21
A Feira de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar e o Repasse de Carneiros.............. 22
Considerações sobre um trabalho em evolução............................................................... 23
CAPÍTULO 3
Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa Nacional de Alimentação
Escolar como dispositivo para a construção de novas formas de comercialização............. 24
Pecuária familiar no sul do Brasil..................................................................................... 25
O cordeiro Cacimbinhas.................................................................................................. 26
A construção de autonomia com a emergência de novas formas de mercado................. 28
4
CAPÍTULO 5
Caminhos da diversificação produtiva – o exemplo que vem da fumicultura
no sul do Brasil............................................................................................................... 34
Cadeia produtiva do tabaco............................................................................................ 35
Pressões externas: Convenção-Quadro e o papel das políticas públicas............................ 35
Experiência 1: Produção agroecológica e sementes crioulas............................................. 35
Experiência 2: Escolas agrícolas e juventude no campo.................................................... 36
Experiência 3: Mercados institucionais e autonomia produtiva......................................... 37
O que podemos aprender?............................................................................................. 37
CAPÍTULO 6
Substituindo a produção de tabaco por cultivos alimentares: a exitosa experiência de
uma cooperativa de agricultores familiares com os mercados institucionais no sul do Brasil.....38
As pesquisas sobre produção e consumo do tabaco........................................................ 39
A experiência em Porto Vera Cruz................................................................................... 39
A grande mudança: o acesso aos mercados institucionais............................................... 40
Os frutos colhidos pela COOPOVEC................................................................................ 40
CAPÍTULO 8
Sistemas agroflorestais como estratégia de reprodução da agricultura familiar................ 48
O bioma floresta atlântica e a legislação ambiental............................................................. 49
A produção de banana no litoral norte................................................................................ 49
Os sistemas agroflorestais (SAF)........................................................................................... 50
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CAPÍTULO 9
Projeto Sustentare: trabalhando para e com os agricultores do município de Sobral,
Ceará, em busca do desenvolvimento sustentável........................................................... 52
Projeto Sustentare: resultados da primeira fase................................................................ 53
Uma nova agenda para o projeto.................................................................................... 54
Promoção da autonomia: o caso do Chiquinho............................................................... 55
Comunicação e fortalecimento da autonomia como diferenciais..................................... 56
CAPÍTULO 10
A agroindustrialização familiar ecológica como estratégia de melhoria
da qualidade de vida e da renda nos espaços rurais......................................................... 57
A tradição repassada de mão em mão............................................................................ 58
Transformando alimentos, transformando vidas.............................................................. 59
O que estes dois casos de sucesso nos ensinam para o desenvolvimento rural?............... 60
CAPÍTULO 12
Estratégias de inovação na Cooperativa dos Produtores Ecologistas
de Garibaldi (COOPEG)................................................................................................... 66
O contexto institucional para agroindústrias familiares no Rio Grande do Sul................... 67
História de inovações, desafios e resultados.................................................................... 68
CAPÍTULO 13
Vales da Uva Goethe: do vinho comum ao território singular........................................... 71
O Brasil vitivinícola.......................................................................................................... 71
Políticas de reconversão produtiva................................................................................... 72
O que fazer com as uvas comuns?.................................................................................. 72
Os Vales da Uva Goethe.................................................................................................. 73
Qualidade e território...................................................................................................... 74
Indicação de procedência................................................................................................ 74
Desenvolvimento territorial............................................................................................. 75
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Parte V Reconectando produtores e consumidores........................................... 76
CAPÍTULO 14
Parcerias saudáveis entre agricultores e consumidores: o caso dos grupos
de consumo responsável................................................................................................. 77
Os grupos de consumo responsável no Brasil.................................................................. 78
MICC, Associação de Integração Campo-Cidade............................................................. 79
Grupo de Integração Agroecológica (GIA)....................................................................... 80
Benefícios gerados.......................................................................................................... 80
CAPÍTULO 15
Muito além de ingredientes: A contribuição da gastronomia para o fortalecimento
da agricultura familiar – o caso da relação entre chefs, agricultores e
consumidores do Instituto Maniva, no Rio de Janeiro...................................................... 81
A experiência: o caso do Instituto Maniva....................................................................... 82
Uma receita de sucesso: a parceria entre Instituto Maniva e os agricultores familiares...... 83
O olhar dos agricultores frente ao circuito gastronômico................................................. 84
A gastronomia como estratégia de valorização para a agricultura familiar....................... 84
CAPÍTULO 16
A emergência da diferenciação agroalimentar no Pampa Gaúcho:
reconectando agricultores e consumidores...................................................................... 86
De “chacareiros” a “hortaleiros”.................................................................................... 87
Dispositivos de construção de novos mercados................................................................ 88
A construção social de um sistema participativo de certificação de produtos................... 88
Ensinamentos e desafios................................................................................................. 89
Sobre os autores............................................................................................................. 90
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PREFÁCIO
É com grande prazer que o Programa Fidamer- Essa certeza se baseia em realidades tangíveis
cosul CLAEH participa, com a Universidade Fede- como as apresentadas neste livro, que são uma
ral do Rio Grande do Sul e o GEPAD, da produção amostra muito pequena de todas as que, diaria-
e edição do presente livro. mente, acontecem no Brasil e nos demais países
da região.
Nesta obra, reúne-se uma série de experiências
de sucesso realizadas por mulheres e homens do A agricultura familiar precisa de políticas públi-
meio rural, produtores familiares arraigados nos cas bem desenvolvidas, e ainda melhor executa-
lugares em que vivem, no Sul profundo do Brasil. das, para poder expressar todas as suas potencia-
lidades no plano produtivo, comercial, econômico
Com suas conquistas, eles ajudam a construir o e social. Mas não depende delas, porque essa
tecido social e econômico que constitui a agricultu- categoria socioeconômica de uma parte da popu-
ra familiar em sua dimensão socioeconômica, que lação rural tem capacidades construídas, investi-
dá coerência e consistência aos equilíbrios territo- mentos realizados e um apego cultural e histórico
riais de um país. Do ponto de vista antropológico, ao seu território.
a agricultura familiar reafirma a vocação da popu-
lação rural de viver em equilíbrio virtuoso com seu Oferece pontos fortes e padece pontos fracos.
entorno, com a natureza, ao mesmo tempo em Os pontos fortes permitem o desempenho nos
que contribui para a segurança alimentar e nutri- mercados de alimentos e nas estratégias de se-
cional dos países, e melhora as condições de vida e gurança alimentar e nutricional. Os pontos fracos
as oportunidades de emprego no meio rural. geram riscos e incertezas em relação ao acesso
a fatores de produção chaves, como a terra e a
Os sistemas produtivos familiares oferecem a água. No acesso a mercados como o financeiro, o
potencialidade de uma administração apropriada tecnológico, o de insumos etc., é onde as políti-
dos recursos naturais e de resistir e se adaptar aos cas públicas devem atuar, nivelando capacidades
efeitos derivados da mudança climática. e dando acesso a novas oportunidades.
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anonimato centenas ou milhares de agricultores que conseguem encontrar a maneira de aproveitar,
familiares que têm empreendimentos de sucesso, da melhor forma possível, oportunidades de mer-
como os que são apresentados nesta publicação. cado e políticas públicas para gerar renda, me-
lhorar diariamente sua qualidade de vida e ajudar
Reunimos e difundimos de forma sistemática, seus semelhantes no meio rural.
ao longo de cinco anos, mais de uma centena de
experiências como as que podem ser vistas neste Nossa expectativa é que a leitura deste material
livro. São uma amostra insignificante, em compa- e o conhecimento das experiências aqui mostra-
ração com os quase seis milhões de agricultores das despertem o interesse acadêmico e também
familiares registrados pela Reaf na sub-região do político. Interesse que leve ao aprofundamento
Mercosul ampliado. Mas indicam uma realidade em temas relacionados à agricultura familiar e
que pretende chamar a atenção de líderes políti- à sua contribuição para o desenvolvimento com
cos, sociais e econômicos nesses países e mostrar, equidade em territórios rurais, em particular, e na
com rigor, que há pessoas – mulheres e homens – economia dos países, em termos gerais.
Álvaro Ramos
Unidade de Coordenação Regional
Programa Fidamercosul CLAEH
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INTRODUÇÃO
Alessandra Matte
Paulo André Niederle
Sergio Schneider
Experiências de sucesso na agricultura familiar res e suas organizações sociais reagem a situações
estão sendo construídas e realizadas neste mo- adversas e encontram espaços para construir no-
mento em todo o território brasileiro. Malgrado vas estratégias de reprodução social, inovando no
seu enorme impacto positivo no local ou na re- uso de recursos materiais (tecnologias, paisagem,
gião em que transcorrem, tais experiências muitas sementes etc) e simbólicos (saber-fazer, tradições,
vezes ficam confinadas a essa escala, recebendo costumes etc). Ao mesmo tempo, essas experiên-
menos reconhecimento e valorização do que de- cias revelam a teia de relações sociais que susten-
veriam. Mas o mais grave e até lamentável é que tam os processos de inovação. Para além dos agri-
essa relativa invisibilidade acaba não permitindo cultores e suas organizações (grupos, associações,
que se possa aprender com esses casos e usar sua cooperativas), as novas estratégias se amparam
expertise e trajetória para entender como proces- no suporte de extensionistas rurais, pesquisado-
sos de desenvolvimento rural foram criados. res, gestores públicos, técnicos, e vários outros
mediadores e atores.
Este livro tem o propósito de dar visibilidade
e colocar em destaque essas experiências. Mas É crescente a demanda por identificar e com-
nem de longe temos a intenção de que elas sir- preender a participação desses diferentes atores
vam como modelos que possam ser replicáveis nas ações de desenvolvimento rural. Este interesse
e/ou usados como padrões a serem seguidos ou reflete o novo momento e a nova forma com que
simplesmente imitados. Estamos convencidos de diferentes organizações estão atuando, buscando
que essas experiências podem servir como lições valorizar o conhecimento dos agricultores e de-
e oferecer aprendizagens sobre as ações e o pro- mais agentes que trabalham e produzem saberes
tagonismo de atores sociais que lograram inovar cotidianamente. Trata-se de um exercício que tem
na busca por alternativas em meio ao contexto sido chamado de “encontro de saberes”, que faz
de confluências de crises globais de ordem eco- com que pesquisadores, formuladores de políti-
nômica, ambiental, energética e alimentar. Consi- cas, extensionistas e agricultores partilhem seus
deramos que a multiplicidade de vivências alcan- conhecimentos e busquem novos aprendizados a
çadas por meio da coesão entre diferentes atores, partir da troca de experiências. Muitos dos casos
imersos em processos e em práticas que visam ao descritos neste livro mostram como esse processo
desenvolvimento rural confluem em experiências ocorreu e quem foram os seus promotores.
singulares, refletindo trajetórias que promovem
transformações sobre a realidade e resultam na O objetivo central deste livro é, portanto, divul-
constituição de novos conhecimentos. gar experiências bem sucedidas de inovação para
o desenvolvimento rural. Apesar de uma miríade
Assim, As experiências aqui descritas evi- de casos e atores, o que há em comum entre os
denciam a capacidade dos atores sociais em cons- capítulos é o fato de que todos focalizam o uni-
truir respostas a condições nas quais os meios verso social da agricultura familiar. Não quer dizer
para a promoção do desenvolvimento rural são, que não haja interfaces das formas familiares de
por vezes, restritos ou inexistentes. A partir de trabalho e organização da produção com outras,
novos olhares da sociologia do desenvolvimento, tais como a forma assalariada, a empresarial ou
procuramos explorar o modo como os agriculto- a cooperativa. Mas o enfoque do livro recai so-
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bre as práticas dos agricultores familiares, pesca- Na primeira parte, intitulada Construção so-
dores, extrativistas, pecuaristas e pequenos em- cial dos mercados, são apresentados três capítu-
preendedores rurais que realizam suas atividades los que versam sobre experiências de construção
econômico-produtivas sob a égide do trabalho e de mercados na pecuária familiar. Assinado por
da gestão familiar. Alessandra Matte, o primeiro capítulo apresenta
a experiência da construção de mercado para a
Apesar de escrito por pesquisadores, este livro carne ovina no Território Alto Camaquã, no es-
não tem uma pretensão eminentemente acadê- tado do Rio Grande do Sul, Brasil. Essa carne de-
mica. A rigor, ele foi escrito para dialogar com o riva da produção de pecuaristas familiares, mas
público em geral, mas focalizando gestores pú- a viabilização da comercialização conta com a
blicos, extensionistas rurais e agentes de desen- ação coletiva entre produtores e instituições de
volvimento rural. Esperamos que esses leitores ensino e pesquisa. A experiência ilustra a impor-
possam identificar nessas experiências algumas tância da ação coletiva, da constituição de atri-
chaves para desencadear os processos e as prá- butos diferenciais de qualidade e da valorização
ticas que levam à melhoria das condições de vida da produção local.
dos inúmeros grupos sociais que habitam o meio
rural brasileiro e quiçá latinoamericano. O segundo capítulo, de autoria de Marcelo
Porto Nicola e Flávia Charão Marques, aborda a
A elaboração desse livro é fruto de uma par- constituição de uma rede de atores entre pecua-
ceria entre o Programa Fidamercosul CLAEH) e o ristas familiares, prefeituras municipais e exten-
Grupo de Estudos em Agricultura Familiar e De- sionistas rurais. A atuação conjunta desses atores
senvolvimento Rural (GEPAD), da Universidade possibilitou a criação da Associação Regional de
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Brasil. Ovinocultores, da Marca Coletiva, e do Remate
O GEPAD é um grupo que vem desenvolvendo Regional da Pecuária Familiar, no estado do Rio
pesquisas interdisciplinares sobre os processos de Grande do Sul. Entre os principais resultados al-
desenvolvimento rural em âmbito nacional e in- cançados estão a agregação de valor ao produto
ternacional. Essas pesquisas focalizam as dinâmi- e a criação de novos mercados.
cas sociais, econômicas, culturais e políticas das
formas familiares de produção, em especial da O terceiro capítulo, também de autoria de
agricultura familiar. Alessandra Matte, apresenta a experiência em
que um grupo de produtores familiares constitui
Em decorrência dessa parceria, nos dois úl- um núcleo e, por meio desse, obtém a conces-
timos anos foram produzidos relatos de expe- são e administração do frigorífico municipal. Essa
riências de sucesso entre formas familiares de organização inicial, aliada à criação do Programa
produção para difusão on line na Plataforma Fi- Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), oportu-
damercosul. Foi a partir da ampla repercussão e niza a comercialização de carne ovina e bovina
do propósito de reunir em um único documento para o abastecimento da alimentação escolar. O
o conjunto de experiências que este livro tomou caso sistematiza o percurso para a criação de um
forma. Portanto, Experiências inovadoras na mercado em que o controle de toda a cadeia é
agricultura familiar brasileira: atores, práticas e realizado pelos próprios pecuaristas familiares.
processos para o desenvolvimento rural é uma
obra que reúne relatos de experiências que ti- A segunda parte do livro reúne três capítulos
veram resultados positivos para os envolvidos e vinculados à temática da Diversificação produ-
que repercutiram no contexto em que estão in- tiva e agregação de valor. Assim, tomando por
seridas, sendo possível conhecer parte das práti- base a realidade do estado brasileiro do Espírito
cas e dos processos que envolveram cada caso. Santo, Celia Jaqueline Sanz Rodriguez e Carlos
Ao todo são apresentados dezesseis relatos de Alberto Sangali de Matos apresentam a expe-
experiências, distribuídos em cinco partes. riência de uma família de agricultores familiares
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que optou pela diversificação produtiva, adicio- tégia de reprodução social. A experiência mostra
nando o cultivo de orquídeas à produção de café como a produção ecológica de banana tornou-se
e uva. Os autores debatem a importância do en- estratégia de autonomia e melhoria na qualidade
volvimento de uma rede de instituições para a de vida dos agricultores familiares. O texto contri-
viabilidade dessa estratégia. bui com informações sobre os processos associati-
vos e organizativos para a viabilidade de um mer-
Para o quinto capítulo, Tanise Dias Freitas e cado para produtos agroecológicos.
Sergio Schneider nos trazem a experiência da
diversificação produtiva em meio à realidade de Adriana Brandão Nascimento Machado e Jor-
agricultores familiares que cultivam tabaco. Entre ge Luis de Sales Farias assinam o nono capítulo,
as estratégias ilustradas estão a inserção da pro- no qual apresentam a realidade da agricultura
dução ecológica e de sementes crioulas, ações em familiar do estado do Ceará. A experiência des-
escolas agrícolas com viés para a juventude rural, taca resultados do Projeto Sustentare, que bus-
assim como a entrada em mercados institucionais. ca promover o desenvolvimento sustentável em
O caso apresenta um panorama da realidade dos comunidades rurais. O projeto é desenvolvido
fumicultores e as estratégias de diversificação em pela Embrapa e contou com ações de capacita-
curso no estado do Rio Grande do Sul. ção sobre manejo dos recursos naturais e ações
de promoção de autonomia dos agricultores. En-
Encerrando a segunda parte, Vanderlei Franck tre as contribuições da experiência estão o uso de
Thies e Marcelo Antonio Conterato apresentam a ferramentas participativas como instrumento de
experiência de agricultores familiares que substi- promoção de autonomia.
tuem o cultivo de tabaco por cultivos alimentares.
O principal fator de mudança está relacionado Com enfoque na agroindustrialização fami-
à criação dos programas institucionais de com- liar ecológica, Marcio Gazolla e Carolina Brignoni
pra de alimentos, que conduziu a Cooperativa apresentam resultados de duas experiências de
dos Agricultores Porto Vera Cruz (COOPOVEC) agroindústrias familiares no sul do Brasil. Entre os
a orientar suas ações para esse novo mercado. potenciais desse processo para agricultores fami-
O relato apresenta importantes elementos sobre liares está o acesso a novos mercados, a agrega-
cooperação e mudanças produtivas. ção de valor e o consequente aumento de renda.
O capítulo contribui ao apresentar os benefícios
A terceira parte do livro compila quatro capí- diretos e indiretos que o processo de agroindu-
tulos imersos nos debates em torno da Agroeco- trialização pode alcançar na agricultura familiar.
logia e desenvolvimento rural sustentável. Dan-
do início a esse bloco, Ana Lúcia Oliveira da Silva A quarta parte desse livro, intitulada Multifun-
e Leonardo Xavier da Silva relatam a experiência cionalidade do espaço rural e desenvolvimento terri-
do mercado de produtos derivados de frutas na- torial, compreende a apresentação de três experiên-
tivas e a consequente criação do empreendimen- cias. Abrindo esse bloco, com o capítulo 11, Mayara
to Encontro de Sabores. Entre os benefícios des- Roberta Martins e Carlise Schneider Rudnicki tra-
sa atividade está a geração de renda conciliada zem a experiência de agroturismo no estado de
à conservação da biodiversidade. A iniciativa se Santa Catarina. O texto apresenta etapas estrutu-
consolida ao realizar a conexão entre os diferen- rantes para o sucesso desses empreendimentos,
tes agentes da cadeia. sobretudo no que se refere ao levantamento de
atrativos turísticos disponíveis no contexto de im-
O oitavo capítulo, redigido por Carolina Braz de plementação. A associação de práticas socioam-
Castilho e Silva e Daniela Garcez Wives, tem como bientais, de aspectos culturais e do saber-fazer da
cerne a implantação de sistemas agroflorestais para agricultura familiar estão entre as contribuições
agricultores familiares e sua ação enquanto estra- da experiência.
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No capítulo seguinte, Ana Paula Matei e Ana cem arranjos específicos para comercialização di-
Lúcia Oliveira da Silva oferecem informações so- reta de alimentos e de outros produtos. O caso
bre as estratégias de inovação em ação coope- contribui ao ilustrar um mecanismo em expan-
rativa de produtores familiares. Os desafios e as são no território brasileiro e que tem viabilizado
conquistas no processo de inclusão de inovações a aproximação entre consumidores e produtores
estão entre os elementos que ilustram o caminho enquanto nova oportunidade de mercado, de
percorrido pela Cooperativa dos Produtores Eco- qualificação da produção e de geração de renda.
logistas de Garibaldi (COOPEG). Políticas públicas
de incentivo à inovação, aliadas à promoção do Em seguida, Tainá Zaneti e Sérgio Schneider
envolvimento cooperativo, estão entre os resulta- apresentam uma estratégia em que a gastrono-
dos de sucesso dessa experiência. mia tem atuado no fortalecimento da agricultura
familiar, expondo o caso do Instituto Maniva, no
Fechando esse bloco, Paulo Niederle relata o Rio de Janeiro. Constata-se que há uma amplia-
processo de mudança nas interpretações de quali- ção dos espaços de comercialização resultante da
dade atribuídas à produção de uvas e a seu princi- relação entre chefs e agricultores familiares. A ex-
pal produto final, o vinho. A partir da ação coletiva periência mostra que essa relação tem resultado
de produtores, foi estabelecida a demarcação de na valorização de produtos tradicionais, artesa-
um território com atributos singulares na produção nais e locais, conferindo-lhes traços de singulari-
de vinhos, criando os Vales da Uva Goethe em San- zação e distintividade.
ta Catarina. Em particular, essa experiência apre-
senta resultados de um processo de valorização da Fechando o livro, o capítulo assinado por
produção local que tem representado um impor- Márcio Zamboni Neske e Cláudio Becker retrata
tante combustível ao desenvolvimento territorial. a emergência da produção e da comercialização
por horticultores familiares que vêm diversifican-
Por fim, o último bloco desse livro, Reconec- do a produção. Em busca de valorização, a apro-
tanto produtores e consumidores, compreende ximação desses produtores a outras entidades lo-
três experiências. No capítulo 14, de autoria de cais tem fomentado ações de construção de um
Potira Viegas Preiss e Flávia Charão Marques, é mecanismo coletivo para formalização de novos
apresentada a constituição e o funcionamento de circuitos de comercialização. O principal fruto dis-
grupos de consumo responsável no Brasil. Nessas so é a criação de um espaço de comercialização
PARTE I
iniciativas produtores e consumidores estabele- direta entre produtores e consumidores.
CONSTRUÇÃO SOCIAL
DE MERCADOS
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PARTE I
CONSTRUÇÃO SOCIAL
DE MERCADOS
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CAPÍTULO 1
A construção de mercados pela pecuária familiar
no sul do Brasil: o caso do território Alto Camaquã
Alessandra Matte
A questão dos mercados e do acesso aos ca- Esse texto apresenta a descrição de uma expe-
nais de comercialização tornou-se um tema de riência envolvendo a construção social de merca-
grande interesse dos agricultores familiares, de dos da pecuária familiar no território do Alto Ca-
suas organizações e dos formuladores de políticas maquã, localizado no extremo sul do estado do Rio
públicas. No Brasil, tem-se falado cada vez mais Grande do Sul, Brasil. Nesse território, a pecuária
em construção social de mercados, o que significa de corte, há mais de três séculos, desde o período
dizer que os mercados são espaços de interação e de colonização, é a atividade produtiva predomi-
troca entre produtores e consumidores e, portan- nante, sendo desenvolvida majoritariamente por
to, configuram uma relação social. pequenos produtores denominados como pe-
cuaristas familiares. Do ponto de vista produtivo,
Neste trabalho pretendemos descrever um a criação de animais (bovinos e ovinos, principal-
caso bem sucedido de construção de mercados mente) criados sobre pastagens naturais do bioma
que se refere a experiências dos pecuaristas fami- Pampa representa a principal atividade produtiva.
liares da região sul do Rio Grande do Sul. Nesse
estado encontram-se algo em torno de 60.000 Como forma de criar novos espaços e abor-
famílias de pecuaristas familiares, categoria que dagens de entendimento e representação da
apenas recentemente vem sendo estudada. Os pecuária familiar e do desenvolvimento para o
pecuaristas familiares podem ser definidos como Alto Camaquã, em 2008, a Embrapa (Empresa
pequenos criadores de bovinos de corte e de ou- Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolve
tros animais em sistemas de criação de menor es- um projeto denominado de Projeto Alto Cama-
cala (ovinos, suínos, aves) e de pequenos sistemas quã. Trata-se de um projeto concebido desde
de cultivos voltados basicamente para a subsis- uma abordagem territorial para pensar e promo-
tência (feijão, milho, batata-doce, mandioca etc.), ver estratégias de desenvolvimento na região.
tudo isso fazendo uso de mão de obra familiar O Projeto Alto Camaquã interliga uma rede de
associada com a troca de serviços. multiatores e são parceiros, além da Embrapa, a
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Emater (Empresa de Assistência Técnica e Exten- praticada em 100 % das propriedades familiares
são Rural), associações de pecuaristas familiares, que participam do Projeto Alto Camaquã, o que
representações sindicais (Fetag, Sindicatos dos amplia a possibilidade de inserção nos mercados
Trabalhadores Rurais), governo municipal e es- por boa parte dos pecuaristas. Cabe destacar que
tadual e algumas universidades. Os processos de a definição de cada produto, enquanto potencial
ação do Projeto têm criado estratégias de desen- para comercialização, envolve uma decisão parti-
volvimento que visam a vincular seus produtos e lhada entre pecuaristas das distintas associações
serviços à imagem e atributos (sociais, econômi- e demais atores de agências já mencionadas. En-
cos, culturais, ecológicos) locais. tre algumas das características definidas na esco-
lha dos produtos estão aspectos relacionados ao
saber-fazer, produtos ecológicos (sem uso de in-
Da criação de ovelhas sumos externos) e adaptados ao local, paisagem
para lã à produção de cordeiros e recursos naturais preservados. A carne de cor-
de alto padrão deiro vem sendo comercializada por um pequeno
frigorífico local, com sede no município de Encru-
As ações do Projeto Alto Camaquã ocorrem zilhada do Sul, o qual passou a ser responsável
em forma de rede, onde, em diferentes momen- pelo abate e comercialização dos cordeiros.
tos, sua ampliação tem visado o seu fortalecimen-
to. No ano de 2009, foi criada a Associação para
o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã A distinção social
(ADAC), a qual representa juridicamente o con-
junto das associações de pecuaristas familiares do O diferencial desse mercado é a coletividade de
território. Em 2011 é criada a Rede de Produtores seu funcionamento, em que os diferentes atores
do Alto Camaquã (REAC), que passou a congre- definiram estratégias de industrialização e comer-
gar o conjunto das associações filiadas à ADAC. cialização da carne de cordeiro com a marca co-
Atualmente, a REAC é constituída por 20 associa- letiva do território Alto Camaquã. Esse mercado
ções comunitárias de pecuaristas familiares, o que funciona da seguinte maneira: a cada semana uma
representa em torno de 420 famílias. associação é responsável pela comercialização dos
animais, os quais são reunidos, pesados e levados
As primeiras iniciativas para acessar mercados diretamente para o frigorífico. O transporte dos
com os produtos do Alto Camaquã iniciaram em animais até o frigorífico é realizado por caminhão
2011. Através de diferentes encontros da REAC, próprio da associação, e o preço praticado foi es-
foram sendo coletivamente definidos os produtos tipulado de maneira que o produtor possa receber
para iniciar a comercialização por meio do uso da um valor maior que o do mercado convencional.
marca territorial coletiva. Cabe destacar que a aquisição do caminhão pela
associação só foi possível mediante apoio de políti-
cas públicas que permitiram aos pecuaristas fami-
liares comprarem o caminhão em nome da associa-
ção. A imagem a seguir é de um pecuarista familiar
acompanhando carregamento de seus animais, em
que o transporte é realizado por caminhão adquiri-
do pela Rede de Produtores do Alto Camaquã, em
registro divulgado pelo Alto Camaquã.1
A carne de cordeiro foi o produto que obte- 1 O projeto e as ações dos pecuaristas familiares são divulgados
por meio das instituições envolvidas no projeto e em uma rede
ve um processo mais acelerado e fortalecido de social, a qual pode ser acessada no link a seguir:
comercialização, isso porque a produção ovina é ‹https://www.facebook.com/territorioaltocamaqua/timeline›.
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carnes de ovinos comercializadas no Brasil. A essa experiência ainda não foi viabilizada, sendo
qualidade da carne está relacionada às qualida- a conquista de novos canais de comercialização
des presentes em ativos culturais, sociais, eco- um desafio para esse mercado. Além disso, ou-
nômicos, produtivos, institucionais e ambientais tros produtos vêm sendo comercializados com o
presentes no local, os quais estão sendo mobi- uso da marca coletiva, entre eles estão produtos
lizados para a diferenciação dos produtos e dos artesanais confeccionados com lã e couro, doces
processos de comercialização. O campo nativo e pães, turismo rural, entre outros, conforme ima-
e o modo de criação dos animais (saber-fazer gens divulgadas pelo projeto.
dos pecuaristas) representam importantes ele-
mentos de qualidade da carne de cordeiro. Nes-
se sentido, os cordeiros produzidos sobre essas
áreas de campo nativo possuem diferenciais em
seu sabor se comparados a animais que têm em
seu sistema de criação uma alimentação pré-
-elaborada pela indústria.
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Lições e ensinamentos Além disso, desconstruir a noção de pobreza foi
e continua sendo uma premissa que tem orienta-
do a base das ações de desenvolvimento do Projeto
Os resultados observáveis dessa experiência
Alto Camaquã, o que evidencia que o desenvolvi-
envolvendo a construção social de mercados
mento rural não é uma mera aplicação de ações e
não dizem respeito apenas à possibilidade de
políticas modernizantes na tentativa de corrigir pro-
acessar novos mercados para a pecuária familiar.
blemas. Os desafios colocados ao Alto Camaquã
Essa, certamente, é uma questão importante a
estão em expandir e enriquecer essa experiência de
ser considerada, já que a venda de cordeiro tem
desenvolvimento, conservando o conjunto de ativos
redundado em uma melhor valorização e remu- locais para convertê-los em potencial para o dese-
neração aos pecuaristas familiares. No entanto, nho de alternativas à lógica homogeneizadora do
os resultados que estão colocados a partir dessa desenvolvimento. Nesse sentido, o caso do mercado
experiência para os atores envolvidos dizem res- de cordeiro evidencia a relocalização da produção e
peito a representatividade de uma categoria so- abastecimento de alimentos, demonstrando que a
cial que ocupa um território que por muito tem- construção social de mercados é uma estratégia im-
po foi estigmatizado por instituições de ensino portante de práticas enriquecidas de alteridade. Por
e desenvolvimento e pelo poder público como isso, o slogan de divulgação da carne de cordeiro do
pobre e atrasado. A principal vantagem estraté- Alto Camaquã é “Carnes únicas de lugares únicos”.
gica desse mercado é que o produto gerado está
associado a um conjunto de valores premiados Aos interessados em conhecer mais detalhes
pelo mercado, como tradição, natureza, modo sobre a experiência aqui relatada, informações po-
de produção artesanal e local. O sucesso dessa dem ser encontradas no artigo “Mercado de ca-
experiência permite afirmar que é possível sua deias curtas na pecuária familiar: um processo de
reprodução em outros espaços, desde que siga relocalização no território Alto Camaquã no Sul
os princípios da construção coletiva na presença do Rio Grande do Sul/Brasil”, redigido por Ales-
de distintos atores e instituições envolvidos com sandra Matte e colaboradores, publicado na Re-
o grupo social, podendo ser reelaborada para vista do Desenvolvimento Regional (REDES), fruto
outros produtos. da discussão inicial apresentada nesse relato.
18
CAPÍTULO 2
Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária
familiar da região centro sul do Rio Grande do Sul
Marcelo Porto Nicola
Flávia Charão Marques
O caso descrito aqui apresenta três atores cen- As atividades locais são reforçadas por políticas
trais que atuam em sinergia, embora estejam in- públicas estaduais e federais, que foram efetiva-
seridos em uma rede mais ampla: os pecuaristas mente operacionalizadas nos anos 2000. O que
familiares, as prefeituras e os extensionistas rurais chamamos de atividades locais são as interven-
da Emater do Rio Grande do Sul. ções planejadas para a pecuária familiar que in-
cidem em local definido, tal como o trabalho na
O pecuarista familiar é um tipo de agricultor região centro sul. Neste caso, a tomada de cons-
familiar que obtêm sua renda principal da pecuá- ciência a respeito da virtude do escopo regional
ria (i. e. criação de bovinos, ovinos, caprinos, bu- para as ações é um ponto de inflexão importante
balinos) em pequenas áreas de terra (i. e. até 300 no revigoramento do trabalho de viabilização so-
hectares), com uso predominante de mão de obra cioeconômica da pecuária familiar.
familiar, tendo como local de moradia a unidade
de produção ou a comunidade próxima. O vigor deste trabalho é resultado do dina-
mismo das associações comunitárias rurais e dos
O trabalho com os pecuaristas familiares, re- pecuaristas familiares, da inserção qualificada de
conhecidos como um segmento específico dentro agentes de desenvolvimento locais, e da sinergia
do contexto heterogêneo da agricultura familiar entre atores e políticas nas instâncias local, regio-
se deu a partir de diagnósticos da realidade da nal e nacional.
pecuária familiar na segunda metade dos anos
1990, e pela concepção de políticas públicas lo- Entre as iniciativas regionais vamos apresentar
cais nos municípios em que esse público era, a Associação Regional dos Ovinocultores, a Mar-
quantitativamente, mais expressivo. Essas ações ca Coletiva, e o Remate Regional da Pecuária Fa-
têm impactado fundamentalmente no melhora- miliar. No âmbito local, destacam-se também as
mento genético dos animais (ovinos e bovinos), Unidades de Experimentação Participativa, a Feira
e na criação de canais de comercialização mais de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar do
adaptados às especificidades da pecuária familiar. Cordeiro e do Vinho, e o Repasse de Carneiros,
19
bem como suas repercussões extralocais. Salien- ferentemente do que acontece nas regiões cuja
tamos que a priorização deste segmento, no que estratificação fundiária pende para as fazendas
tange às políticas públicas, tem, ainda, um des- de médio e grande porte.
dobramento importante na dimensão ambiental
de preservação das regiões campestres do Estado.
Hoje, se estima um contingente superior a 1.200 Fluxos e conexões a partir do foco
famílias de pecuaristas na região centro sul, das
de trabalho em pecuária familiar
quais 800 estão diretamente envolvidas na pre-
sente experiência.
A partir do foco do trabalho em pecuária fa-
miliar, preponderantemente, nos municípios de
As interações entre os múltiplos atores se in-
Butiá e São Jerônimo, emanam fluxos e conexões
tensificam em um espaço geográfico caracte-
para a região. Os resultados do conjunto de ações
rizado pelo adensamento de comunidades de
para têm impactado duas dimensões importantes
pecuária familiar, majoritariamente, situado nos
e interdependentes do desenvolvimento rural: a
municípios de Butiá e São Jerônimo, no estado do
agregação de valor aos produtos da pecuária, em
Rio Grande do Sul/Brasil. A partir deste espaço se
especial os ovinos, mas também bovinos, e a cria-
irradiam ações e experiências que repercutem e se
ção de canais de comercialização.
articulam com outras práticas estabelecidas nos
municípios da região.
20
A Associação, a Marca e o Remate para carne processada e embalada será um salto
importante no que se refere à agregação de valor.
21
dominada pelos maciços florestais exóticos, com nimo, vendedores de genética (os chamados ca-
muitos de seus lindeiros explorando com exclusi- banheiros) e compradores de vários municípios,
vidade está alternativa econômica. tem tido repercussão importante na qualidade do
rebanho, e serviu de modelo para uma nova feira
em Barão do Triunfo. Ela tem a denominação de
‘assistida’, porque é também realizado assessora-
mento técnico-social às famílias que estão inscri-
tas no evento.
Cabe realçar, contudo, que as potencialidades O Concurso de Cordeiros, hoje na 11ª edição,
das UEP ainda não foram completamente desen- envolve análise morfológica (animais vivos) e de
volvidas, uma vez que têm funcionado apenas carcaças. Foi criado com a intenção de estimular
como unidades de demonstração. Para ir além, o melhoramento genético e a introdução de prá-
será importante ampliar as formas de participa- ticas adequadas de manejo. Uma consequência
ção de grupos de pecuaristas no planejamento, desse concurso é o Jantar do Cordeiro, Uva e Vi-
implantação e no acompanhamento de ações de nho, também na 11º edição, que foi planejado,
experimentação propriamente ditas. inicialmente, como a festa de premiação dos ven-
cedores, transformando-se depois em uma das
tradicionais e prestigiadas festas de Butiá. Essa
ação, conforme a percepção dos atores locais,
A Feira de Ovinos, o Concurso de elevou a visibilidade e a cidadania de um segmen-
Cordeiros, o Jantar e o Repasse de to social até pouco tempo atrás, sem voz, invisí-
Carneiros vel, e pouco atendido, o pecuarista familiar.
22
dos Trabalhadores Rurais e surgiu em consequên- criação de novos mercados; na dimensão social,
cia do Concurso de Cordeiros. Com orçamento com o fortalecimento da capacidade de agên-
ao redor de R$ 15.000/ano, é avaliado como uma cia dos agricultores, através de ações de orga-
novidade promissora, com resultados em agrega- nização e participação popular em conselhos e
ção de valor pela melhoria genética dos rebanhos políticas públicas. Nessa dimensão, observa-se
e peso médio dos cordeiros, influenciando inicia- também ganhos em cidadania e reconhecimento
tivas em vários rincões, como Barão do Triunfo dessa categoria social e das famílias envolvidas.
e São Jerônimo, que estudam a implantação, e Na dimensão ambiental, o conjunto do traba-
Dom Feliciano, que já iniciou um programa si- lho constitui-se como uma barreira potencial ao
milar. Seu objetivo é repassar carneiros com alto avanço da degradação dos campos. Entretanto,
valor zootécnico para carne ou lã em condições os avanços são parciais e relativos diante de uma
de preço e formas de pagamento subsidiados aos dinâmica populacional decrescente dos pecuaris-
pecuaristas familiares. tas familiares nos espaços rurais e da degradação
ainda acelerada dos recursos campestres. Inicia-
tivas, como as aqui apresentadas, precisam de
Considerações sobre continuidade e intensificação para que os resul-
um trabalho em evolução tados se tornem mais abrangentes e consolidem
a reprodução social deste segmento, sua manei-
Os resultados apurados com esta experiência ra de produzir e de se relacionar com a natureza,
podem ser observados na dimensão técnico-eco- viabilizando, desse modo, o uso sustentável e a
nômica, com agregação de valor aos produtos e conservação do bioma Pampa.
23
CAPÍTULO 3
Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa
Nacional de Alimentação Escolar como dispositivo para
a construção de novas formas de comercialização
Alessandra Matte
24
criação especialmente de bovinos e ovinos sobre Pecuária familiar no sul do Brasil
as pastagens naturais do bioma Pampa e, ainda,
a presença de lógicas próprias para a comerciali- Os pecuaristas familiares têm, entre suas ca-
zação dos animais. racterísticas, um modo de vida específico, em que
suas estratégias de reprodução social estão inter-
Em razão da ressonância que a expressão “pe- ligadas a um repertório cultural próprio, no qual
cuária familiar” passou a adquirir e a ocupar na as relações com os mercados envolvem graus de
agenda institucional e política no estado do Rio autonomia. Embora ocupando posições de mar-
Grande do Sul, os esforços e resultados concretos ginalidade no desenvolvimento das relações ca-
dessas agendas passaram a dar atenção também pitalistas pastoris, longe de ser uma categoria
à temática dos mercados. Assim, muito recente- social residual, a pecuária familiar assume uma
mente, alguns debates e experiências envolvendo representação social e produtiva de destaque,
a criação de mercados na pecuária familiar têm sobretudo em municípios localizados na porção
emergido. A par do crescimento e do poder de sul do estado, que se encontram no território do
grandes empresas frigoríficas internacionais que bioma Pampa. Estima-se que existam aproxima-
têm expandido sua ocupação sobre o estado, mas damente 60.000 famílias de pecuaristas familiares
também em razão das transformações do mundo no Rio Grande do Sul, os quais são responsáveis
rural, que têm exposto os pecuaristas a situações pela produção de 40 % dos terneiros de corte (ou
de vulnerabilidade (êxodo rural, envelhecimento, também denominados de cria) do estado. Segun-
avanços dos cultivos agrícolas sobre os campos do informações da Emater (Empresa de Assistên-
naturais), esses mercados emergentes têm procu- cia Técnica e Extensão Rural), a pecuária familiar
rado atender às demandas dos pecuaristas familia- detém algo em torno de 3 milhões de bovinos de
res e de suas representações de maneira a valori- corte, o que representa 21,5 % do rebanho de
zar e fortalecer os múltiplos ativos dessas famílias bovinos do estado.
e dos espaços rurais nos quais estão inseridas.
No espaço que compreende o bioma Pampa,
A esse respeito, uma iniciativa tem ganhado vicejou no Rio Grande do Sul, desde o período de
destaque: a de um mercado de carne construído colonização até o início do século XX, um modo
e realizado única e exclusivamente por um grupo de produção capitalista centrado na economia
de pecuaristas familiares no município de Pinheiro pecuária. Assim, a trajetória do desenvolvimen-
Machado, no sul do estado do Rio Grande do Sul. to do capitalismo agrário no sul do estado criou
Tomando o caso dessa iniciativa, este texto procu- uma estrutura de mercados que gerou processos
ra apresentar a trajetória que possibilitou a cons- de exclusão e marginalização dos pecuaristas fa-
trução desse mercado, as nuanças de seu funcio- miliares, favorecendo principalmente os médios e
namento e, por fim, os desafios que se colocam grandes pecuaristas.
para a continuidade e consolidação desse projeto.
O fato de os pecuaristas familiares não atende-
rem às exigências mercadológicas estabelecidas
pelos frigoríficos ou mesmo pelas formas emer-
gentes de mercados (como o proporcionado pela
indicação de procedência2 que foi conferido à car-
ne do pampa), principalmente no que diz respeito
a fatores produtivos e tecnológicos, como a capa-
cidade de ofertar escala produtiva regular (o que
implica atender a outras exigências tecnológicas,
investir em pastagens cultivadas etc.), restringe
ou, em grande medida, exclui os pecuaristas des-
ses mercados. Ou seja, os pecuaristas familiares
2 Ver mais em: ‹www.apropampa.com.br›.
25
nem sempre conseguem se adequar aos regula- sam a garantir a sua autonomia. Nesse contexto,
mentos específicos para a comercialização da car- cabe analisar o caso de um grupo de pecuaristas
ne, o que ocorre em virtude de dificuldades em familiares do município de Pinheiro Machado que,
atender a exigências como quantidade mínima de em 2009, criou o Núcleo de Criadores de Ovinos
animais comercializados, animais com raças defi- e Caprinos de Pinheiro Machado com o objetivo
nidas, regularidade na oferta, medidas de tama- principal de se organizarem, unirem forças, me-
nho e peso, entre outros fatores. lhorarem a forma de produção e, especialmente,
comercializarem a carne e não somente os ani-
Por mais que possam estar circunscritos a situ- mais. Nas palavras de um dos membros quando
ações que exercem pressões e exigências merca- da criação do Núcleo, “estávamos motivados por
dológicas, historicamente os pecuaristas familia- uma questão de ter uma melhor remuneração,
res têm reagido a essas pressões e, em resposta a porque até pouco tempo a gente era escravo dos
elas, têm construído estratégias mercantis que vi- compradores, dos atravessadores”.
26
No ano de 2014, o Núcleo reivindicou e ob- No decorrer desse processo, em 2016, o Nú-
teve a concessão do abatedouro municipal por cleo obteve o registro como agroindústria familiar,
um período de dez anos, recebendo a autoriza- o que permite a participação em feiras e eventos
ção de controle sanitário do Serviço de Inspeção para além dos limites municipais. Diante dessas
Municipal (SIM). Essa iniciativa permitiu que esses mudanças, atualmente têm sido abatidos em mé-
produtores pudessem realizar o abate de ovinos, dia 80 ovinos e 30 bovinos por mês, e a carne
controlando todas as etapas desse mercado, des- é comercializada no comércio local para o PNAE,
de a produção até a comercialização da carne, em feiras e no ponto de venda mencionado.
incluindo o transporte. Somado a isso, iniciaram
o abate de bovinos, também com destino para os Em consonância com esse registro, o Núcleo
mesmos mercados que a carne ovina já ocupava. criou a marca “Cacimbinhas” denominação que
Assim, conforme um dos sócios, a lógica do Nú- faz alusão ao primeiro nome do município, origi-
cleo segue a premissa de fazer o “dever de casa”, nário da existência de uma fonte (uma cacimba)
uma vez que comercializam a carne para o comér- que, segundo conta a lenda, vertia água milagro-
cio local, com o principal propósito de remunerar sa. A escolha do nome e da marca, que contou
adequadamente o produtor rural, diferentemente com o apoio do programa “Juntos para compe-
de quando comercializavam para outros canais. tir” do Senar-RS (Serviço Nacional de Aprendiza-
Os abates iniciaram com um animal por semana, gem Rural do Rio Grande do Sul), é uma maneira
pois, tratando-se de um processo novo para esses de vincular a marca às origens do produto.
pecuaristas, era necessário conhecê-lo e compre-
ender como realizar a condução. Atualmente, a carne “Cacimbinhas” recebe
dois selos de procedência e qualidade. Um é o
Paralelamente ao mercado proporcionado pela selo Sabor Gaúcho, atribuído pelo estado do Rio
alimentação escolar, o Núcleo também comerciali- Grande do Sul para produtos provenientes de es-
za carne ovina em supermercados locais e possui, tabelecimentos de produção artesanal. O outro é
por meio de apoio da prefeitura municipal, um o do Cordeiro Gaúcho, concedido por um progra-
ponto de venda próximo à BR 290 no município. ma de desenvolvimento da ovinocultura realizado
Nesse estabelecimento, é possível encontrar car- pelo governo do estado e pela Associação Brasi-
ne e outros produtos da pecuária familiar, como leira de Criadores de Ovinos (ARCO).
doces, panificados, vinhos e artesanato. Nesse es-
paço há uma sala de cortes e embalagem, como Em essência, o Núcleo tem buscado aperfei-
também o escritório do Núcleo. De maneira geral, çoar a produção entre os sócios e comercializar
as escolhas e ações do Núcleo estão atreladas a em mercados locais e em feiras, procurando con-
justificativas que não envolvem apenas o preço tribuir principalmente no abastecimento do mer-
pago pelo animal e pela carne, mas sim ao pro- cado local. Além disso, todas as etapas são orga-
pósito de constituir um mercado seguro e livre de nizadas pelos pecuaristas familiares: a produção
sabotagens, ou seja, de situações de incerteza. dos animais, o transporte, a agenda de vendas,
27
o abate e a comercialização. Existem apenas dois Alto Camaquã,3 cabe destacar que ela diz respeito
funcionários que não são sócios: um que atua ao território e não a um produto específico.
junto ao abate e ao corte das carnes e uma fun-
cionária que trabalha no ponto de vendas.
A construção de autonomia
com a emergência de novas
formas de mercado
28
PARTE II
DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA
E AGREGAÇÃO DE VALOR
29
CAPÍTULO 4
Diversificação da produção e políticas públicas
Celia Jaqueline Sanz Rodriguez
Carlos Alberto Sangali de Matos
Conhecido como um dos maiores produto- de apoio aos agricultores, recorrendo ao órgão de
res de café conilon do Brasil, o estado do Espírito extensão rural do estado, Incaper (Instituto Capi-
Santo, região sudeste do país, é constituído por xaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão
67.403 estabelecimentos da agricultura familiar, o Rural), ao Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às
que representa 80 % dos estabelecimentos agro- Micro e Pequenas Empresas), às organizações da
pecuários (Censo Agropecuário, 2010). Nesse uni- sociedade civil, bem como às políticas públicas
verso de propriedades, que tem como carro chefe como o Programa Nacional de Fortalecimento da
o cultivo do café, a diversificação da produção se Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de
torna uma saída para as muitas contingências a Aquisição de Alimentos (PAA).
que estão suscetíveis os agricultores familiares.
É a partir da experiência dos Sperandio que re-
Foi procurando diversificar e garantir a própria fletiremos sobre a ação dos agricultores em busca
permanência no campo que a Família Sperandio, da diversificação produtiva, bem como sobre a im-
residente no município de Santa Teresa, resolveu portância e o papel das instituições e das políticas
iniciar a produção de orquídeas. Além desta plan- públicas. Ao narrar sobre a forma como acessam
ta ornamental, a família continua a produzir o os diferentes canais de comercialização em bus-
café e, mais recentemente, a uva. ca de maior espaço de manobra, demonstramos
como as estratégias de diversificação precisam es-
Para entrar em novas atividades, contudo, a fa- tar sustentadas por uma rede de instituições de
mília precisou contar com uma rede institucional apoio a agricultura familiar.
30
A Família Sperandio ficando estufa, comprando uma câmara de fluxo
e as estratégias de diversificação e investindo em qualificação profissional.
31
Segundo passo da diversificação:
apoio institucional no acesso
a canais de comercialização
32
Também não são singulares os casos bem sucedi- derante nos bons resultados, construindo e forta-
dos de agricultores que conseguiram diversificar lecendo, com a ação conjunta de várias famílias,
suas rendas e melhoraram sua qualidade de vida novos e importantes mercados.
ampliando seus portfólios produtivos.
O caso da uva também não é diferente. Aqui
No entanto, a diversificação produtiva pouco além dos elementos já acentuados, tem papel
viabiliza a agricultura familiar e o desenvolvimen- fundamental o PAA, uma ação Estatal que viabi-
to rural se não houver uma rede de instituições liza e constrói um canal de comercialização que
permeável, capilarizada e atuante na implemen- garante alimentos a quem precisa e mercado a
tação de processos e políticas públicas que forta- quem produz, fazendo com que a agricultura
leçam a agricultura familiar e viabilizem o desen- familiar seja reconhecida pela sua importância
volvimento rural, nas suas múltiplas dimensões. na segurança e soberania alimentar, ao mesmo
tempo em que garante a reprodução social deste
O caso aqui representado pelos Sperandio é importante segmento e promove o desenvolvi-
figurativo desta conclusão: das atividades que mento rural.
visam à diversificação, todas elas tiveram como
ponto em comum uma rede de instituições que Desta forma, a experiência dos Sperandio con-
possibilitou à família entrar e se manter nas ativi- tribuí com a discussão sobre a diversificação pro-
dades de forma viável. dutiva, com a sustentação de que a agricultura
familiar, por sua especificidade, demanda de uma
No caso das orquídeas, o apoio institucional rede de instituições – governamentais e não go-
partiu do Estado, por meio do Pronaf e também vernamentais – fortalecida, capilarizada e hetero-
pela manutenção de instituições voltados para o gênea que assimile suas necessidades, bem como
apoio técnico e social dos agricultores familiares, políticas públicas específicas que atuam no senti-
como o Incaper e o Sebrae. As instituições da So- do de fortalecer a agricultura familiar e viabilizar
ciedade Civil também tiveram um papel prepon- processos de desenvolvimento rural.
33
CAPÍTULO 5
Caminhos da diversificação produtiva – o exemplo
que vem da fumicultura no sul do Brasil
Tanise Dias Freitas
Sergio Schneider
Entre os caminhos apontados por especialistas 35 % a 50 % dos rendimentos das famílias rurais
para a viabilidade da agricultura familiar está a di- em todo o mundo não vem apenas da agricultu-
versificação das atividades produtivas bem como ra, mas das atividades rurais não agrícolas. O DFID
do portfólio de fontes de ingressos de rendas. Du- (Departamento de Desenvolvimento Internacional,
rante muito tempo houve resistência de técnicos UK) também sugeriu em documento recente que
e mesmo dos próprios agricultores para aceitar a os projetos de desenvolvimento rural devem apoiar
ideia de que a diversificação poderia gerar maio- a diversificação e a resiliência produtiva.
res oportunidades para a reprodução das famílias.
Acreditava-se que o caminho mais curto para o Neste artigo apresentamos o caso da fumicul-
sucesso seria a especialização, que tornaria as pro- tura no estado do Rio Grande do Sul (RS) e os es-
priedades competitivas, acompanhada do desejo forços que têm sido feitos pelos agricultores e pe-
de tornar o pequeno agricultor um empresário ru- las políticas públicas para buscar a diversificação
ral, principalmente com a modernização agrícola. produtiva. O caso da fumicultura é exemplar para
mostrar como pequenos produtores familiares
Contudo, não são poucos os casos em que essa podem sair da especialização e diversificar as ati-
ênfase na especialização resultou em fracassos, vidades e as fontes de renda. O tabaco é uma cul-
mostrando que esta pode causar mais danos do tura comercial (cash crop) não alimentar, intensiva
que benefícios. Atualmente, se reconhece que a em uso de mão de obra, inserida em um esquema
diversificação produtiva não é sinônimo de atraso de produção integrada com o setor industrial à ju-
tecnológico ou falta de competividade. Organiza- sante, o qual tem organizado e delimitado formas
ções internacionais como o Food Systems Transfor- de produzir tabaco e até mesmo outros produtos.
mation Goes Beyond the Farm (FIDA), segundo seu Por esta razão, o caminho para a diversificação
presidente Kanayo Nwanze, estimam que entre tem sido apontado como uma alternativa viável.
34
Cadeia produtiva do tabaco natário da Convenção-Quadro para Controle
do Tabaco (CQCT), um tratado internacional de
A fumicultura demonstra sua potencialida- saúde pública que estabelece regulações sobre o
de há décadas. A safra de 2014 resultou numa consumo e a produção de tabaco. Os artigos 17
produção de 751.030 toneladas, com 342.875 e 18 desta convenção são particularmente ex-
hectares plantados no país e aproximadamente plícitos como mecanismos que buscam reduzir
182.000 famílias participando da atividade, o que a oferta do tabaco e auxiliar os produtores a de-
dá ao Brasil o título de maior exportador mundial senvolverem alternativas economicamente viá-
de tabaco. No Rio Grande do Sul encontram-se veis alinhadas com a proteção do meio ambiente
quase 94.370 estabelecimentos fumicultores re- e a saúde das pessoas.
presentando 43 % do total do país. Isto mostra
o quanto a cultura do tabaco ganhou notorieda- A CQCT sugere a adoção de um modelo pro-
de em função da sua importância econômica e dutivo que se identifique com o desenvolvimento
cultural, principalmente na região do Vale do Rio rural sustentável. Os países signatários compro-
Pardo (centro do RS), onde a integração produtiva meteram-se na implantação de programas de
desenvolveu-se largamente. apoio à diversificação dos sistemas de produção
de fumo através do estímulo à policultura e plu-
A Cadeia Produtiva Integrada do Tabaco (CPT) riatividade. No caso brasileiro, o Ministério do
está organizada com a inserção das famílias em Desenvolvimento Agrário (MDA – extinto) tenta
um sistema de produção que é administrado executar o Programa Nacional de Diversificação
por empresas multinacionais e agentes institu- em Áreas Cultivadas com Tabaco através da Políti-
cionais, com objetivo de garantir qualidade e ca Nacional de Assistência Técnica e Extensão Ru-
controle da matéria-prima. Este é um processo ral (PNATER). Estas políticas têm levado algumas
vertical e altamente especializado, que leva ao famílias a procurarem alternativas de produção e
enriquecimento material e financeiro de alguns comercialização agrícola a fim de diminuir a de-
produtores, reconhecida como “atividade que pendência produtiva e social da fumicultura.
mais dá dinheiro por hectare”.
35
jovem pode repassar e ensinar aos pais e aos
demais familiares a importância da preservação
ambiental e a ideia de que uma lavoura, para ser
produtiva, não precisa ser “limpa”.
36
Atualmente a família comercializa seus produ- Neste caso, o apoio técnico dos extensionis-
tos via mercados institucionais e de forma inde- tas da Emater foi fundamental para a mudança
pendente em feiras e mercados locais. A produção na propriedade. As instruções repassadas pelo
de tabaco tem diminuído à medida que a agroin- veterinário e o incentivo para participar do mer-
dústria familiar cresce. O filho que antes não que- cado institucional fez com que a esposa e os fi-
ria seguir na fumicultura orgulha-se da transfor- lhos tivessem papel essencial para o crescimento
mação que vem ocorrendo na propriedade e da da criação de frangos. Isso tem permitido a gra-
participação da mãe nos negócios da família. dativa redução da lavoura do tabaco a partir da
ampliação dos aviários, da produção de ovos e
Ambos os casos demonstram que a inserção de da comercialização dos frangos, tanto pela po-
membros da família em escolas agrícolas que asso- lítica pública de aquisição de alimentos, quanto
ciam a educação tradicional com a realidade local pela associação de produtores que possui um
pode ser um importante caminho para o incentivo pavilhão para venda de produtos dos agriculto-
à diversificação na fumicultura e, consequente- res associados.
mente, menor dependência da cadeia do tabaco.
Ainda, ressalta-se a possibilidade dos jovens em
permanecerem no campo e o papel da mulher nos
novos mercados, como na agroindústria familiar. O que podemos aprender?
Essa aceitação das ideias dos filhos por parte As experiências apresentadas revelam a capa-
dos pais também representa uma quebra de para- cidade dos atores em transformar uma realida-
digmas, de gestão rural e familiar patriarcal, algo de especializada na monocultura do tabaco em
que é fortemente enraizado nestas localidades. diversificação produtiva com apoio de políticas
As transformações na gestão da propriedade, am- públicas para o desenvolvimento rural. Estes ca-
pliação do capital financeiro e das relações sociais sos mostramtambém a importância de jovens e
da família com as instituições foram beneficiadas mulheres exercendo atividades agrícolas nas suas
com a realização de um trabalho pedagógico im- propriedades, tornando possível associar a pro-
portante da EFASC, bem como com o apoio dos dução de tabaco com alimentos, com o uso de
técnicos de extensão rural (Emater) dos municí- conhecimentos da agroecologia e outras técnicas
pios para a execução das políticas públicas. alternativas. Certamente o trabalho desempenha-
do por instituições locais como Emater e EFASC,
através da assistência técnica e de uma educação
Experiência 3: Mercados institucionais voltada para o saber-fazer do campo foram, e
e autonomia produtiva ainda são, essenciais para apoiar as famílias que
buscam diversificar sua produção e diminuir a de-
A possibilidade de alternar produção de taba-
pendência da fumicultura.
co e alimentos é o que tem motivado uma família
do município de Vale do Sol. Através da criação
Mesmo que por muitos anos o caminho da
de frangos e venda dos ovos para o Programa Na-
especialização produtiva tenha sido ressaltado
cional de Alimentação Escolar (PNAE) essa família
como a única forma de desenvolvimento para
tem se reestruturado no trabalho e na gestão da
as regiões produtoras de tabaco e, mesmo que
propriedade, já que também participam de uma
a Cadeia produtiva ainda esteja fortemente esta-
importante Associação de Produtores locais.
belecida, estas experiências de diversificação na
agricultura familiar descortinam a ideia do tabaco
como a cultura agrícola geradora de riqueza no
meio rural. Por fim, estas experiências demons-
tram que a diversificação produtiva pode ser uma
interessante estratégia de desenvolvimento para
outros países, levando em consideração as parti-
Galinheiro em propriedade de Vale do Sol – RS. cularidades locais
37
CAPÍTULO 6
Substituindo a produção de tabaco por cultivos alimentares:
a exitosa experiência de uma cooperativa de agricultores
familiares com os mercados institucionais no sul do Brasil
Vanderlei Franck Thies
Marcelo Antonio Conterato
O cultivo de tabaco no Brasil envolve cerca de Por outro lado, apesar da importância eco-
180.000 famílias de produtores em cada safra. A nômica dessa atividade, o consumo e cultivo do
grande maioria delas são de agricultores familia- tabaco são associados a diversos males à saúde
res da região sul do país e possuem, em média, humana e ao ambiente. Em função disso, em
áreas de 15,6 hectares, dedicando 17,6 % dessa 1999, a Organização Mundial da Saúde propôs
superfície para o cultivo de tabaco. Além do grande um tratado internacional com vistas a restringir
número de agricultores envolvidos na produção, a sua produção e consumo. Trata-se da Conven-
importância dessa atividade é evidenciada pela po- ção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT)
sição que o país ocupa no comércio internacional. que foi aprovada, internacionalmente, em 2003,
Atualmente o Brasil é o segundo maior produtor tendo sido ratificada, no Brasil, em 2005. A con-
mundial e líder global em exportação de tabaco. venção prevê, entre outras medidas, o apoio pú-
blico para que os agricultores possam diversificar
seus sistemas produtivos, constituindo alterna-
tivas viáveis que possibilitem a substituição do
cultivo de tabaco.
38
volvendo diversas atividades com vistas a tornar os malefícios à saúde causados pelos cigarros,
viável a substituição da produção de tabaco por o que gera elevados gastos públicos no trata-
cultivos alimentares. mento das doenças diretamente associadas ao
seu consumo.
O que aparece nos resultados dos estudos de Nas terras íngremes do Bioma Mata Atlântica,
forma praticamente uníssona é a existência de um esses agricultores desenvolveram sistemas de cul-
pequeno número de grandes empresas multina- tivo e criação bastante diversificados, em peque-
cionais exercendo forte controle sob o conjunto nas propriedades. Nos dias de hoje as pequenas
dessa atividade. Essas empresas utilizam um sis- propriedades ainda predominam no município de
tema de coordenação da cadeia, também deno- Porto Vera Cruz, onde 88 % dos estabelecimen-
minado de integração, em que firmam contratos tos rurais são de agricultores familiares e 96 % de-
com os agricultores, disponibilizando suporte à les possuem menos do que 50 hectares.
busca por financiamento, assistência técnica, in-
sumos e toda a tecnologia utilizada. Além disso, Atraídos pelo discurso da elevada renda, no
os agricultores ficam comprometidos contratual- início dos anos 1990, parte dos agricultores do
mente a vender a produção para essas empresas, munício passa a produzir tabaco. Esse discurso
que também comandam o processo de comercia- teve significativa penetração no município em
lização, padronizando e controlando a classifica- função de que, nesse período, 42 % da popula-
ção do produto e a definição dos preços. ção do município era considerada extremamente
pobre. Além disso, o acesso à assistência técnica e
A literatura nacional e internacional também a garantia de venda do produto também atraíram
converge e oferece fartas evidências ao mostrar os agricultores para essa atividade.
39
No final dos anos 1990, após sucessivas colhei- diversos produtos da agricultura familiar e os distribui
tas, os efeitos da produção de tabaco começam a para famílias em situação de insegurança alimentar.
ser percebidos de forma mais clara pelos agricul- O programa garante a compra de alimentos, nego-
tores. Entre eles: conflitos na classificação e esta- ciando e acordando previamente os tipos, quantida-
belecimento do preço do produto, dependência, des, prazos e preços dos produtos adquiridos.
endividamento e empobrecimento, degradação
dos solos, problemas de saúde relacionados ao A garantia da venda e os preços previamente
uso de agrotóxicos e ao trabalho intenso, etc. acordados estimularam fortemente os agriculto-
res a investir na produção de frutas e hortaliças,
Frente a esse quadro, um grupo de 20 agri- que gradativamente passaram a substituir o cul-
cultores familiares, no ano de 2004, fundou a tivo do tabaco. No período de criação da coope-
Cooperativa dos Agricultores Porto Vera Cruz rativa cerca de 90 % dos associados cultivavam
(COOPOVEC). O objetivo de criação da coopera- tabaco e após a participação no PAA esse número
tiva era constituir uma ferramenta que lhes per- cai para cerca de 10 %.
mitisse implantar alternativas produtivas e de co-
mercialização que possibilitassem a substituição do
cultivo de tabaco por outras atividades produtivas. Os frutos colhidos pela COOPOVEC
Essa iniciativa dos agricultores foi estimulada É importante destacar diversas mudanças ob-
pela Associação Regional de Desenvolvimento servadas na dinâmica produtiva dessas famílias
(AREDE) e logo recebeu apoio do poder público, após o ingresso no PAA. Através de entrevistas
através da assistência técnica disponibilizada pela realizadas em pesquisa de campo observou-se
Associação Riograndense de Empreendimentos que, para 90 % dos agricultores, o ingresso nes-
de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) se programa gerou aumento da área cultivada
e da Secretaria Municipal de Agricultura. Apesar com frutas e hortaliças para venda (para 71 %
de articular essa rede local de apoio os primeiros deles, esse programa foi o maior responsável por
anos de trabalho da cooperativa foram marcados esse aumento).
por muitas dificuldades e pela procura das tão so-
nhadas alternativas ao tabaco. Além disso, para um terço dos entrevistados,
após o ingresso no PAA, ocorreu aumento na área
cultivada para consumo da família, sendo que
A grande mudança: o acesso 86 % desses consideraram esse programa como o
aos mercados institucionais maior responsável por esse aumento. Atualmente
65 % dos agricultores consultados utilizam irriga-
É no ano de 2006 que a situação começa a se ção e 54 % destes passaram a usar essa tecnolo-
modificar, com o início das experiências da COO- gia em função do PAA.
POVEC com o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA). Esse programa é impulsionado desde o Go- Paralelo ao crescimento dos valores totais
verno Federal brasileiro e realiza compras dos mais contratados e do número de associados par-
40
ticipantes nos projetos do PAA, a cooperativa Além disso, o trabalho impulsionado pela
buscou outras atividades e fontes de financia- cooperativa possibilitou uma nova dinâmica de
mento, conseguindo alavancar recursos para a relacionamento com as instituições e as políticas
instalação de uma microdestilaria, que está em públicas, consolidando canais de comercialização,
funcionamento, produzindo álcool combustível, como o PAA e abrindo espaços em feiras munici-
melado e cachaça. Além disso, está finalizando pais e regionais. O trabalho da cooperativa tam-
a construção de uma agroindústria para proces- bém impulsionou e deu suporte a mudanças nos
samento de frutas, que abre novas perspectivas sistemas produtivos das famílias, de acordo com as
de agregação de valor e geração de renda, valo- especificidades ecológicas locais, ampliando a pro-
rizando a produção local. dução e venda de alimentos mais saudáveis e o de-
senvolvimento de experiências com sistemas pro-
A COOPOVEC funcionou como elemento de dutivos mais sustentáveis, como as agroflorestas.
ligação entre os agricultores, criando um relacio-
namento mais compromissado coletivamente, o A experiência relatada evidencia a importân-
que representou mudanças substantivas nas di- cia da organização dos agricultores que, apoiados
nâmicas sociais dos agricultores, que eram forte- por políticas públicas específicas, constituíram no-
mente pautadas pelo individualismo. As ativida- vas trajetórias de desenvolvimento. O acesso aos
des de capacitação cumpriram papel fundamental mercados institucionais mostrou-se um elemento
no sentido de consolidar essas novas dinâmicas estruturador de novas dinâmicas de desenvolvi-
de cooperação. mento rural que, associado a organização dos
agricultores, possibilitou a ampliação do protago-
Isso permitiu o fortalecimento desses sujeitos nismo e da autonomia destes nos processos de
que se encontravam isolados e ampliou o processo produção e comercialização. Isso tudo foi funda-
de aprendizagem coletiva, intensificando sua capa- mental para permitir a substituição do cultivo de
cidade de agir e produzir mudanças que lhes fossem tabaco por alimentos.
favoráveis. Assim, a constituição da cooperativa per-
mitiu alterações no relacionamento dos agricultores Face às instabilidades políticas e institucionais
com os mercados e com a sociedade local, estrei- vividas no Brasil atualmente e as dúvidas decor-
tando os vínculos entre produtores e consumidores. rentes sobre a continuidade de diversas políticas
públicas, cabe destacar a importância da conti-
nuidade do PAA como instrumento catalizador do
desenvolvimento rural sustentável.
41
PARTE III
AGROECOLOGIA E
DESENVOLVIMENTO RURAL
SUSTENTÁVEL
42
CAPÍTULO 7
Frutas nativas do Rio Grande do Sul: possibilidade de geração
de renda conciliada à conservação da biodiversidade
Ana Lúcia Oliveira da Silva
Leonardo Xavier da Silva
43
Legenda
Campos de Cima da serra
Hortênsias
Litoral
Metropolitana Delta do Jacui
Norte
Nordeste
Producao
Vale do Rio dos Sinos
44
ONG desse início ao trabalho voltado para a im- bre a possibilidade de produzir uma variedade de
portância e ao potencial socioeconômico, levan- subprodutos a partir das polpas de frutas nativas
do à conservação das mesmas, estando estas em (amora, araçá, butiá, goiaba, guabiroba, jabutica-
seus ambientes naturais, ou sendo cultivadas em ba, uvaia, açaí-juçara) ou pinhão.
sistemas agroflorestais.
O nascimento do empreendimento
“Encontro de Sabores”
45
Papel das políticas públicas lamenta a atividade. A maioria dos participantes
entende que há urgência de formalização, porém
sem que isso descaracterize o trabalho. São ne-
cessárias dinâmicas organizativas, infraestruturas
e uma legislação adequada a essa realidade.
46
A prática e o aprendizado Pela perspectiva direcionada para o centro da
cadeia, constata-se que a ação do empreendi-
mento “Encontro de Sabores” é voltada, de um
lado, para a articulação com entidades governa-
mentais e não governamentais para fomentar e
organizar a cadeia produtiva, como, por exem-
plo, obter respaldo financeiro para implementar
infraestrutura e gerar demanda, prospectando
clientes potenciais, como os empreendimentos
que trabalham com modelo produtivo, segundo
premissas da economia solidária. Um dos resulta-
dos dessas ações foi a entrega feita pela Sesampe/
RS de um veículo para a realização de um circuito
para a distribuição e o recebimento de picoletei-
ras para a diversificação de produtos.
47
CAPÍTULO 8
Sistemas agroflorestais como estratégia
de reprodução da agricultura familiar
Carolina Braz de Castilho e Silva
Daniela Garcez Wives
A produção de banana a partir de sistemas de das restrições de uso do solo e servindo de mo-
produção de base ecológica tornou-se uma opção delo e inspiração para outras comunidades rurais.
viável para os agricultores do litoral do Rio Grande Este sucesso foi alcançado através da organização
do Sul, no sul do Brasil, mediante as crescentes social dos produtores em torno do Centro Ecoló-
restrições impostas para a produção agrícola atra- gico e da sua capacidade de transformação em
vés da legislação ambiental. Uma vez que o bio- face às adversidades.
ma Floresta Atlântica está sob ameaça ambiental,
as regras de utilização do solo se tornaram mais
restritas nas últimas duas décadas, situação que
motivou a busca por soluções alternativas de per-
manência na região e na atividade agrícola, pro-
movendo a conservação do solo.
48
O bioma floresta atlântica tivos estavam baseados na queimada, e geraram,
e a legislação ambiental em muitos casos, o abandono da atividade agrí-
cola e das propriedades rurais, comprometendo o
Dentre os biomas brasileiros, a Floresta Atlân- sustento das famílias.
tica, que abrange a costa sul, sudeste e leste do
país, está entre os mais ameaçados, sofrendo pres-
A produção de banana
são pela exploração de seus recursos biológicos e
usos agrícolas não apropriados. A biota presente no litoral norte
nesse bioma contribui para o ajuste climático, de
temperatura, de umidade e de chuvas, influen- Os moradores do litoral norte do Rio Grande do
ciando a fertilidade do solo, protegendo escarpas Sul tradicionalmente obtêm seu sustento da agri-
de serras e nascentes e contribuindo diretamente cultura, especialmente, cultivando banana. A ba-
para a manutenção e existência dos fluxos dos nanicultura, uma das produções de maior expres-
mananciais de água. No entanto, a cobertura ori- são comercial da porção sul da floresta atlântica, é
ginal da Floresta Atlântica encontra-se bastante produzida com técnicas de manejo convencionais
devastada, ameaçando a conservação da alta taxa e também, de forma antagônica, por manejo de
de biodiversidade ali existente (são aproximada- base ecológica, por cerca de 500 famílias.
mente 20.000 espécies vegetais e 1.650 espécies
animais, das quais, 8.000 endêmicas). Filhos de agricultores e originários da região,
os bananicultores, em geral, apresentam idades
Com o reconhecimento dessa ameaça, a utili- próximas aos 50 anos, grande experiência na pro-
zação dos recursos da Floresta Atlântica tem sido dução de banana e baixa escolarização formal
restringida pela legislação ambiental, por meio do (ensino fundamental incompleto). Entre os filhos
Código Florestal Brasileiro (Lei 1.428/2006), do Có- que residem nas propriedades, grande parte são
digo Florestal Estadual (Lei 9.519/1992) e do Có- estudantes em idade escolar. Entre os adultos jo-
digo Estadual do Meio Ambiente (11.520/2000). vens, a maior parte dedica-se à agricultura, garan-
tindo a sucessão da propriedade.
Ainda, a Floresta Atlântica foi reconhecida pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, De forma geral, os bananicultores apresentam
a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Reserva da propriedades pequenas, com cerca de cinco hec-
Biosfera e transformada em Patrimônio Nacional tares, e utilizam sistemas produtivos baseados na
pela Constituição Federal Brasileira de 1988, in- queimada e no uso de insumos de origem fóssil.
fluenciando políticas públicas para a manutenção Com a implantação da nova legislação, as comu-
da diversidade biológica dos seus fragmentos re- nidades se defrontaram com um novo desafio e
manescentes de vegetação nativa. buscaram formas de manter sua reprodução so-
cial, uma vez que os cultivos temporários ficaram
O Código Florestal, criado em 1992, aumen- mais restritos.
tou as restrições de atividades produtivas nas áre-
as de floresta, proibindo ações de corte, queima e Sendo a banana um cultivo permanente, as
a exploração da vegetação nativa, para preservar áreas já estabelecidas não sofreram impactos,
a fauna silvestre. Com isso, gerou-se um descom- exceto em casos onde era necessário ampliar
passo entre as ações de conservação e proteção as plantações. Em Mampituba, no litoral norte,
impostas pela legislação e as formas de reprodu- grande parte das áreas ocupadas com cultivos
ção social das populações locais. temporários foram comprometidas, bem como
foi restringida a produção dos derivados de cana-
Especificamente no Rio Grande do Sul, na mi- -de-açúcar. Assim, a bananicultura passou a ser
crorregião litoral norte, as novas leis de proteção uma opção, pois, essas áreas podem ser conside-
ambiental alteraram as dinâmicas locais das famí- radas permanentes, levando muitos agricultores a
lias produtoras de banana, cujos sistemas produ- ocupar suas roças com bananais.
49
É neste contexto de impasse entre preservação des deste espaço. O sistema de cultivo ecológico
ambiental e sustento familiar pela atividade SAF é utilizado nos sistemas ecológicos apresen-
tradicional que as comunidades encontraram novas tando um nível de tecnificação baixo em relação
formas de organização e interação com o ambiente. a equipamentos de tração, por exemplo. Há uso
A produção de base ecológica nos moldes dos de pulverizadores manuais, na maioria dos casos,
sistemas agroflorestais se apresenta como uma além de tração animal e motriz leve para recolher
solução para garantir a produção de banana na a colheita e auxiliar na adubação.
floresta atlântica, respeitando os limites de uso do
solo estabelecidos pela legislação ambiental, e ga- Sob a ótica do desenvolvimento rural sustentá-
rante a permanência das famílias nas comunidades. vel, tecnologias de manejo dos sistemas agroflores-
tais (SAF) aproveitam os princípios ecológicos de
É o cultivo de base ecológica que permite aos produção gerando sistemas mais produtivos e de
produtores preservarem o bioma, com a vantagem menor impacto ambiental. Eles associam diversos ti-
de que aumenta a renda das famílias, mesmo em pos de manejos tais como: rotação de cultivos, con-
pequenas áreas de terra, por isso, sua experiência trole biológico, cultivos associados, sistemas mistos
de resistência torna-se um caso de sucesso que deve agropecuários, insumos alternativos, entre outros.
ser compartilhado, inspirando outras comunidades
a produzir semeando a sustentabilidade. A singularidade dos sistemas agroflorestais
(SAF), utilizada pelos cerca de 500 agricultores,
se apresenta como uma resposta à situação en-
Os sistemas agroflorestais (SAF) frentada no litoral norte. Isto se dá, sobretudo,
pelo trabalho desenhado pelo Centro Ecológico
Com a introdução do Código Florestal Brasi- Ipê Serra – Litoral Norte – Assessoria e Formação
leiro, do Código Florestal Estadual e do Código em Agricultura Ecológica (CE), localizado, desde
Estadual do Meio Ambiente, os bananicultores 1991, no município de Dom Pedro de Alcântara.
que tinham suas áreas de encostas com elevada
declividade, cobertas com florestas, não puderam O Centro Ecológico (CE) promove avanços sus-
mais desmatá-las, como havia ocorrido a partir tentáveis na agricultura, através do uso de tecno-
dos anos de 1950, no início da bananicultura. logias voltadas para a preservação ambiental e a
justiça social. O CE promove capacitação para or-
A bananeira necessita de baixo aporte de mão ganizações de agricultores familiares para a pro-
de obra. Ela pode ser cultivada em terrenos mais dução de alimentos ecológicos. Especificamente
acidentados, em uma faixa altimétrica de no má- em Dom Pedro de Alcântara, o centro mantém
ximo 400 metros, seja pelo frio, geada e condi- seu foco no apoio holístico dos produtores, mais
ções para realizar o manejo das plantações, adap- do que na unidade produtiva.
tando-se bem às características das propriedades
rurais da região. Foi a partir da instalação do CE na região que
os produtores puderam realizar a transição de
Nessas unidades de paisagens, de alta, média modelo produtivo. A mudança do modelo con-
e baixa encosta, a bananeira tem as melhores vencional para SAF vem alterando a geografia
condições do estado para se desenvolver. Ela exi- da produção e proporcionando uma reorganiza-
ge calor, precipitações bem distribuídas ao lon- ção total do modelo produtivo e de organização
go do ano e elevada umidade para o seu bom dessas comunidades. Para os agricultores que se
desenvolvimento e produção, condições que são organizaram e se associaram, o SAF representou
propiciadas pelos microclimas nas escarpas dos uma alteração profunda no sistema social ao qual
vales e fundos de vales. estavam inseridos. O uso do sistema agroflores-
tal representou uma nova forma de relação dos
Nestas condições paisagísticas, o SAF se rela- agricultores com os recursos naturais, através de
ciona de forma harmoniosa com as potencialida- suas práticas, diversas formas de representações
50
socioambientais, das técnicas, da exploração dos e custo de produção diferenciado, os produtores
recursos, da organização e gestão dos territórios. se organizaram em associações, vendendo sua
produção em quatro feiras ecológicas diretamen-
A produção de banana orgânica no litoral nor- te para o consumidor. A capacidade de organiza-
te do Rio Grande do Sul, além de produzir ali- ção local e a pressão sobre instituições públicas e
mentos saudáveis, apresenta-se, portanto, como privadas geraram a criação e inserção em novos
uma possibilidade real de reprodução social das mercados, com espaços diferenciados de comer-
famílias, manutenção das propriedades rurais e cialização, mudando a matriz de inserção social
preservação ambiental, mantendo alto índice de dos agricultores.
cobertura do solo, uma vez que apenas é realiza-
da a roçada para controle da cobertura vegetal. Os alimentos locais, para além do produto or-
Nesse processo, os recursos e relações locais fo- gânico, garantem a reprodução social e a autono-
ram mobilizados para ajudar as comunidades a mia de agricultores e comunidades, e representam
lidar com os impactos da legislação ambiental, e uma alternativa produtiva através da biodiversida-
os sistemas SAF permitiram que os bananicultores de local manejada por sistema tecnológico sus-
mantivessem o uso da terra e aumentassem a sua tentável. Assim, a agricultura familiar favorece
renda, proporcionando uma nova forma de orga- o desenvolvimento sustentável e mostra que os
nização e interação com o ambiente. sistemas agroflorestais podem viabilizar a repro-
dução social das famílias, objetivo alcançado com
Buscando preços e comercialização diferencia- a organização social dos agricultores e a presença
dos, sem atravessadores, aumento da qualidade de instituições de apoio à agricultura familiar.
51
CAPÍTULO 9
Projeto Sustentare: trabalhando para e com
os agricultores do município de Sobral, Ceará,
em busca do desenvolvimento sustentável
Adriana Brandão Nascimento Machado
Jorge Luis de Sales Farias
O Município de Sobral, Ceará, foi selecionado breza no meio rural no país, reconheceu a neces-
para a realização de uma pesquisa em desenvolvi- sidade de ampliar as estratégias de inclusão social
mento rural sustentável com foco na convivência e produtiva dos agricultores e solicitou à Embrapa
com o Semiárido. Sobral está localizado na região um projeto de pesquisa que possibilitasse a cons-
noroeste do estado do Ceará, inserido no Semiá- trução de soluções para as famílias parceiras do
rido nordestino brasileiro, suscetível às frequentes PCNCD. Essa demanda resultou, em 2012, no pro-
perturbações climáticas, denominadas de secas. jeto Sustentare, apoiado pelo Macroprograma 6
O município caracteriza-se por um intenso pro- da Embrapa, que tem como objetivo administrar
cesso de urbanização (88,3 %) e a população ru- projetos multi-institucionais e interdisciplinares
ral apresenta elevado estágio de pobreza. Apro- voltados para o desenvolvimento sustentável da
ximadamente 80 % da população é considerada agricultura familiar e de comunidades tradicionais.
como pobre e 31,2 % extremamente pobre.
Foram selecionadas três comunidades rurais
Em 2011, o Projeto Cabra Nossa de Cada Dia para serem espaços de referências no proces-
(PCNCD), uma das referências de combate à po- so de desenvolvimento rural sustentável. Nesse
52
contexto empírico, foi delineado um modelo de ção nativa e o deslocamento da força de trabalho
inovação de natureza interativa, que se caracte- para o meio urbano, caracterizando um processo
rizou por sua orientação aos atores. Para tanto, de desativação das famílias com a agricultura.
foi desenvolvida e utilizada uma abordagem so-
ciotécnica de natureza construtivista que permitiu Assim, o contexto da ruralidade desse muni-
a interface entre conhecimento científico e táci- cípio enfrenta questões relacionadas com fatores
to, reconhecendo sua complementariedade na climáticos, ausência de políticas para o desenvol-
construção de conhecimentos, como uma prática vimento rural sustentável, direcionamento de po-
e processo de construção social. A metodologia líticas para o meio urbano com a dinamização de
consiste de seis etapas: gestão para autonomia, setores de serviço e indústria, o que resultou em
conhecer para atuar; planejar para fortalecer, marginalização das comunidades rurais com a di-
construir a sustentabilidade local, monitorar e minuição do peso da agricultura na manutenção
avaliar a sustentabilidade e comunicar para o de- das necessidades dessas famílias, ampliando a cri-
senvolvimento, conforme a figura a seguir. se de reprodução da agricultura de base familiar.
53
Uma nova agenda para o projeto gicos que possibilitem o fortalecimento de suas
redes e identidades, com a valorização de seus
A comunidade Pé de Serra Cedro tem um his- contextos locais.
tórico de resistência e luta pela terra, que levou a
uma organização social mais intensa, com a for- Outro resultado prático foi o estabelecimento
mação de dispositivos coletivos (associação comu- de um processo de mercantilização que possibili-
nitária e rede de guardiões de sementes crioulas) tou a autonomia dos agricultores em mercados.
e à formação de lideranças. Nesse local o traba- Para tanto, foi selecionada a estratégia de cons-
lho é direcionado para o fortalecimento da auto- trução social de mercados que tem possibilitado
nomia dos agricultores e de sua capacidade de a inclusão socioprodutiva dos agricultores, antes
ação. Nas outras duas comunidades, Sítio Areias dependentes dos atravessadores para comerciali-
e Sítio São Francisco, os moradores estavam em zar seus produtos. Foram realizadas quatro feiras
processo de imobilismo social, atomizados e sem nessa comunidade, e nesse espaço os agriculto-
uma identidade local. As ações do projeto têm res reafirmaram suas identidades social e cultural
possibilitado o resgate das capacidades dos agri- quando a denominaram de “Feira da Agricultura
cultores como agentes transformadores do seu Familiar Pé de Serra Cedro: Valorizando as Com-
desenvolvimento. No Sítio São Francisco, a lide- petências Locais”. De acordo com avaliação reali-
rança do agricultor Antônio Mateus se destaca e zada, os agricultores afirmaram que o experimen-
os agricultores viviam a mercê do líder para tomar to superou as próprias expectativas, tornando-se
as decisões. Hoje, encerrada a primeira fase do uma opção para a geração de renda e valorização
projeto, as pessoas começam a desenvolver sua das competências locais da comunidade, passan-
individualidade e autonomia. do a fazer parte da agenda de eventos da comu-
nidade, com a realização de duas feiras anuais.
Iniciou-se nessas comunidades um processo de
transição sociotécnica, com a adoção da agroe- No Sítio Areias foi implantado um quintal pro-
cologia como matriz científica com a emersão de dutivo, um sistema agroflorestal, uma casa de
diferentes inovações, relacionadas ao manejo da sementes e feito o reflorestamento de uma mata
biodiversidade e agrobiodiversidade, redesenho ciliar degradada. No Pé de Serra Cedro também
de agroecossistemas e construção social de mer- está sendo recuperada uma área degradada
cados. Foram prospectadas demandas de pesqui- onde foi montado um sistema dividido em três
sa junto aos agricultores familiares parceiros do faixas, fazendo uma comparação entre o cultivo
projeto Sustentare e verificou-se a necessidade de tradicional, a incorporação de matéria orgânica
construção coletiva de conhecimentos agroecoló- e de leguminosas.
54
Promoção da autonomia: pectadas demandas de pesquisa e inovação e os
o caso do Chiquinho agricultores foram sujeitos ativos desse processo.
Verificou-se que as principais demandas de pes-
No mês de fevereiro de 2016, o agricultor e quisa e inovação apresentam como característica
presidente da Associação de Moradores da comu- a convivência com o semiárido. Os principais te-
nidade Pé de Serra Cedro, que fica no município mas para ações futuras foram o manejo da agro-
de Sobral, no estado nordestino do Ceará (Brasil), biodiversidade, redesenho de agroecossistemas,
Francisco das Chagas de Souza, foi pela primeira agregação de valor de produtos de sua agrobio-
vez à capital do País. Chiquinho, como é conhe- diversidade, construção social de mercados e pro-
cido em sua comunidade, foi a Brasília (DF) para moção e fortalecimento da rede de agricultores
participar de uma reunião do projeto Bem Diverso, experimentadores.
fruto de uma parceria entre a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Progra- Na visão dos agricultores envolvidos, o maior
ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento legado da primeira fase do projeto Sustentare
(PNUD), com recursos do Fundo Global para o para as comunidades é o conhecimento. “O que
Meio Ambiente (GEF), cujo objetivo é a conser- o projeto deixou de mais importante foi conhe-
vação da biodiversidade brasileira e a geração de cimento, principalmente a não desmatar e quei-
renda para comunidades tradicionais e agriculto- mar, que era como a gente fazia antes. Mas mes-
res familiares. A missão do agricultor nesta reu- mo com a gente dizendo, tem gente que ainda
nião foi apresentar a metodologia e os primeiros faz porque acham que dá mais resultado. O co-
resultados do projeto Sustentare, que vem sendo nhecimento é o mais importante porque através
desenvolvido em sua comunidade desde o ano de dele é que a gente conseguiu as outras coisas,
2012 por pesquisadores da Embrapa. como a cisterna e o plantio de frutas e legumes”,
explica a agricultora Antônia Leuda Rodrigues de
Em sua viagem a Brasília, Chiquinho apresen- Souza, responsável pela casa de sementes, que
tou aos integrantes do projeto Bem Diverso os re- ela acredita que também tem trazido benefícios
sultados da primeira fase do projeto Sustentare, para a comunidade. “A experiência da casa de
que ocorreu de 2012 a 2015, e o que está sen- sementes tem sido muito importante, já temos
do planejados para a segunda etapa, iniciada em 14 sócios que utilizam as sementes e também
2016 com previsão de término em 2019. “Cada estamos produzindo mudas para preservar as es-
representante de território apresentou seu projeto pécies nativas”.
e todos eram com algum produto. Eu cheguei di-
zendo que nós não trabalhamos com um produ-
to apenas, nós trabalhamos com o SAF (Sistema
Agroflorestal) e, principalmente, com as pessoas.
Aí a equipe de lá falou que então nós temos o
principal”, explica o agricultor.
55
Comunicação e fortalecimento Esta também é a opinião da agricultora Fran-
da autonomia como diferenciais cisca Rodrigues de Souza, que destaca a forma
de trabalho dos técnicos envolvidos no projeto.
A forma de se comunicar com os agricultores “Ninguém nunca tinha vindo trabalhar com a
e a busca por fortalecer a sua autonomia repre- gente, chegavam aqui, diziam como tinha que fa-
sentam um diferencial importante na metodolo- zer, iam embora e depois queriam ver o resultado.
gia utilizada no projeto Sustentare. As ações de Os meninos, não. Eles vieram trabalhar junto com
comunicação não são voltadas apenas para a a gente. Como a gente fala, é um trabalho para e
divulgação de informações para os participantes com os agricultores. O que ficou de mais impor-
do projeto, busca-se uma interação, um intercâm- tante foi o conhecimento que a gente adquiriu. A
bio dos saberes entre todos os envolvidos para a gente nem sonhava com tudo o que aconteceu
construção de conhecimentos que possibilitem o na comunidade com o projeto”, conclui.
desenvolvimento das comunidades.
56
CAPÍTULO 10
A agroindustrialização familiar ecológica como estratégia de
melhoria da qualidade de vida e da renda nos espaços rurais
Marcio Gazolla
Carolina Brignoni
57
identificar a renda gerada a partir da agroindus- Além da área de mato nativo, a propriedade
trialização de produtos ecológicos e o quanto estes possui 13,5 hectares e conta com uma área de
alimentos agregam de valor com os processos de reflorestamento de cinco hectares. Estas áreas são
transformação agroindustrial em pequena escala. pensadas de forma a proteger as plantas de erva-
Além disso, os dois casos apresentam lições inte- -mate de possíveis contatos com agroquímicos
ressantes de sucesso para se pensar os processos oriundos das propriedades vizinhas.
de desenvolvimento rural em direção à melhoria
contínua da qualidade de vida das famílias rurais. Também tomam o cuidado nas operações de
sapeco, cancheamento e moagem da erva-mate,
que, em média, esse processo dura uma semana,
A tradição repassada de forma a garantir a artesanalidade e a manu-
tenção das propriedades aromáticas e de sabo-
de mão em mão...
res naturais da bebida. Na indústria de erva mate
O primeiro caso trata da família Gehen, do convencional, este mesmo processo produtivo
Município de Seberi/RS. É uma família composta pode levar apenas um ou dois dias, perdendo-se
por quatro pessoas (pai, mãe, filho e nora), cuja muito da naturalidade da bebida.
principal atividade é a produção de erva-mate
ecológica de barbaquá. Possui este nome por uti-
lizar uma estrutura antiga de processamento da
erva-mate – o barbaquá – que era muito utilizado
na fabricação artesanal da infusão. Essa família se
dedica à produção de erva-mate há cinco gera-
ções, sendo que os conhecimentos tácitos e con-
textuais em torno das atividades de cultivo, ma-
nejo da cultura, colheita, processamento e vendas
foram sendo repassados de geração em geração
no interior do núcleo familiar.
58
os recursos da erva mate a família conseguiu dar repolhos e passou a vendê-los nas feiras locais.
estudo aos filhos, mantê-los produtivamente na O sucesso nesta pequena atividade possibilitou a
propriedade, reformar parte da casa, comprar diversificação das culturas e com as “sobras” des-
uma caminhonete nova para trabalho e lazer e tes alimentos foi possível transformá-los em sua
melhorar sua alimentação. Além disso, a atividade própria propriedade rural.
garante a permanência da família no campo, o
que vem ocorrendo há várias gerações.
59
trabalhar na produção das lavouras e nas ativida- tante nos dois casos é o diferencial de qualidade
des de processamento da agroindústria. A renda dos produtos e alimentos fabricados. No segundo
gerada com a nova atividade também gerou me- caso, a agricultora conseguiu aprimorar seus conhe-
lhorias na própria alimentação da família, maior cimentos sobre o processamento e as receitas dos
acesso a bens de consumo, aumento no relacio- produtos, confeccionando-os de forma artesanal,
namento direto e solidário com os consumidores sendo os dois motivos do sucesso das suas vendas.
dos produtos e reconhecimento da sociedade lo- No caso da erva-mate, o potencial de comerciali-
cal e dos vizinhos de comunidade. zação é o diferencial ecológico, além de ser pro-
duzido com uma técnica antiga retro inovativa (o
barbaquá), fazendo que seja muito procurado nos
O que estes dois casos de mercados, por sua raridade, já que os mercados de
sucesso nos ensinam para erva mate no Rio Grande do Sul são quase exclusi-
vamente dominados pela erva mate industrial.
o desenvolvimento rural?
Estes dois casos, embora sigam trajetórias di- As duas experiências ainda nos ensinam mais
ferentes, possuem alguns ensinamentos que são duas coisas importantes para o desenvolvimento
comuns. O primeiro deles é que as atividades de rural que possuem por base a transformação de
agroindustrialização ligadas à agricultura familiar matérias-primas. Primeiro, o ativo papel da mu-
possuem potencial de gerar renda e valor agre- lher a frente das iniciativas de agroindustrializa-
gado as famílias. No caso da família Gehen, a ção de alimentos. Em outro sentido, não menos
agroindústria cumpre o papel de reproduzir a fa- importante, é sempre válido considerar os conhe-
mília por cinco gerações, mantendo-a no meio ru- cimentos tácitos e contextuais que os agriculto-
ral, inclusive os dois filhos do casal, que também res trazem do passado (através das gerações na
atuam na atividade. família) sobre técnicas e tecnologias de produção
e processamento de alimentos. No caso da erva-
No caso da família Lazaretti a agroindústria age -mate ecológica de barbaquá este conjunto de
como “porta de saída” da situação de precariedade conhecimentos familiares foi central na evolução
social em que se encontrava. Outro aspecto impor- e sucesso da iniciativa.
60
PARTE IV
MULTIFUNCIONALIDADE
DO ESPAÇO RURAL
E DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
61
CAPÍTULO 11
Agroturismo como estratégia de fortalecimento da agricultura
familiar: o caso do roteio agroturístico “Acolhida na Colônia”
em Santa Rosa de Lima, Santa Catarina
Mayara Roberta Martins
Carlise Schneider Rudnicki
Durante muito tempo, o rural, num imaginário como atrativas ao desenvolvimento da ação e da
coletivo, remeteu-nos a uma percepção de êxo- organização coletiva. No turismo, por exemplo,
do, dispersão populacional e atrasos tecnológi- encontramos estratégias dinâmicas, dialógicas e
co, social e cultural. Hoje em dia, cada vez mais, criativas de desenvolvimento rural, em especial, o
experiências de êxito revelam o contrário, que é desenvolvimento endógeno.
possível criar/encontrar oportunidades nestes es-
paços. Aproveitando-se das novas demandas pelo Portanto, consideramos este caso de sucesso
consumo consciente como: alimentação mais como uma resposta de enfrentamento e resistên-
saudável, práticas sustentáveis no uso dos recur- cia perante a um modelo de modernização em
sos naturais, valorização sociocultural e das trocas fase de superação para determinados grupos.
por meio de redes de conhecimento e informa- Para os jovens e suas famílias, novos formatos
ção, que em casos de turismo de base comuni- de vida no campo suscitam a possibilidade de vi-
tária (TBC), estas possibilidades se configuram ver o rural como um espaço de reconhecimento,
62
um lugar de empoderamento, que envolve uma resgate, no aperfeiçoamento e no melhoramento
comunicação que realmente constrói e disputa de técnicas de cultivo, o trabalho foi direcionado
sentidos. Um espaço que propicia a geração de para a produção de alimentos orgânicos.
rendas e, acima de tudo, um modo de vida valori-
zado pela sociedade. Com o passar dos anos, a associação se tornou
uma ampla rede de conhecimento sócio técnico
Eis que apresentaremos alguns apontamentos integrada aos agricultores familiares, mediadores
voltados ao agroturismo, a partir da organização (universidades e agências de extensão rural) e por
coletiva de agricultores agroecológicos do estado intermédio de políticas públicas municipais, esta-
de Santa Catarina, mais especificamente do mu- duais e federais. O município de Santa Rosa de
nicípio de Santa Rosa de Lima - com aproximada- Lima recebeu em 2007, através de um projeto de
mente 2.065 habitantes, de acordo com o Censo lei aprovado na Assembleia Legislativa Estadual, o
Populacional de 2010, e distante 120 km da capi- título de Capital Catarinense da Agroecologia.
tal Florianópolis, Santa Catarina.
As primeiras iniciativas:
a agricultura orgânica Na iniciativa, são mescladas práticas tradicio-
como principal atrativo turístico nais e inovadoras, desde técnicas de plantio e
cultivo sem agrotóxicos à instalação de agroin-
dústrias de pequeno porte, como o processa-
mento de frutas, hortaliças, grãos, dentre outros
produtos. A maioria destas unidades de produção
agrícola já foi certificada pela Ecocert-Brasil, outra
organização preocupada com as regras e normas
de certificação das práticas de produção orgânica,
também sediada no município. Os agricultores fa-
miliares, portanto, empenharam-se em pesquisar
e compreender as normas de uma nova forma de
cultivo e padronizaram seus modos de inspeção.
63
Os esforços iniciais para o O roteiro recebeu diversos prêmios nacionais
agroturismo: do passado ao futuro e internacionais, que o certificam como destino
referência de turismo rural do Ministério do Tu-
A necessidade de atender visitantes interessa- rismo (MTur) e recebeu apoio, também, do Mi-
dos nos modos de produção orgânica e nas iniciati- nistério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que
vas locais ampliou também os interesses locais pela desde 2000 apoiaram vários projetos de turismo
valorização de seus aspectos socioculturais. Vale em áreas rural.
destacar que a maioria destes agricultores familia-
res descendem de imigrantes alemães e italianos Com o sucesso da experiência do agroturismo
que ocuparam o território no final do século XIX. em Santa Rosa de Lima, outros agricultores fami-
liares que viviam pelo território das Encostas da
Surgiu, então, a necessidade da organização Serra Geral aderiram ao roteiro. Ao todo, no Esta-
coletiva destes agricultores, tanto no que se refe- do de Santa Catarina, 180 famílias de agricultores
re à construção da infraestrutura básica quanto à estão associadas à Acolhida na Colônia.
organização de condutores locais, infraestrutura
de acolhimento à visitação e divulgação do ro- Eis que os novos agricultores membros da as-
teiro, conforme as imagens abaixo. Em 1999 foi sociação, aos poucos, criaram no município pe-
criada, em Santa Rosa de Lima, a Associação de quenos negócios: espaços gastronômicos, pou-
Agroturismo “Acolhida na Colônia” e iniciou-se a sadas, além novas atividades no roteiro, como o
organização do roteiro agroturístico. cicloturismo. Estas iniciativas contribuíram ao de-
senvolvimento de uma economia criativa, basea-
Após duas gerações de agricultores familiares dos na interação entre comunidade, agricultura
o agroturismo tornou-se uma atividade potencial familiar e turismo.
por intermédio de propostas que visam um menor
impacto produtivo ao meio ambiente e a valoriza-
ção dos aspectos culturais. Aprendizados e perspectivas
para as futuras gerações
Organização local As experiências dos agricultores em organiza-
e as políticas públicas ções, como a AGRECO e a Acolhida na Colônia,
demonstraram que tais entidades são as prota-
Com a criação da “Acolhida na Colônia” fo- gonistas da ação para a consolidação do agrotu-
ram construídas regras e acordos locais. A par- rismo como estratégia de desenvolvimento rural.
tir das condições estabelecidas, a comunidade Os projetos e as práticas de sustentabilidade na
passou a regular as condições mínimas que cada atividade turística foram delineados de forma
agricultor associado deveria adequar em sua pro- endógena e contemplam uma ampla rede sócio-
priedade para obter uma infraestrutura mínima. -técnica em torno da produção de alimentos or-
gânicos. O agroturismo estimulou visibilidade e
Com o passar dos anos, ações como pales- um constante desafio de reavaliação da atividade
tras, cursos e capacitações, foram desenvolvi- por parte dos próprios agricultores.
das pela Associação (em parceria com iniciativas
públicas e privadas). O município foi incluído No que se refere às perspectivas futuras, os
no Programa Nacional de Municipalização do jovens rurais (neste caso, 14 jovens que estavam
Turismo (PNMT) do Governo Federal e passou a envolvidos mais diretamente no roteiro) manifes-
receber financiamentos para cursos de capacita- taram o desejo de permanecer nestas áreas rurais.
ção nos setores de hospedagem, alimentação e A vontade ficar foi predominante nos discursos
organização de eventos, a partir da prestação de dos entrevistados. Outro fator importante se re-
serviços de consultorias especializadas no desen- fere ao acesso à internet e os meios de comuni-
volvimento turístico. cação, os quais ampliaram, segundo eles, as con-
64
dições de permanência juvenil em Santa Rosa de de tarefas, na criação de infraestruturas mínimas
Lima, aliado à participação destes jovens, tanto na para o pernoite (quartos e pousadas), alimenta-
agricultura, como no turismo. ção e entretenimento local, logística, divulgação
e gestão do turismo. Os atores sociais encontram
A necessidade constante pela compreensão na organização coletiva o desafio constante da
do ato de acolher e de recepcionar os grupos de negociação no exercício da cooperação em prol
visitantes – aliados às atividades agrícolas, ao co- da comunidade.
nhecimento local e aos aspectos culturais – con-
tribuíram para o êxito do agroturismo, neste caso. Portanto, entendemos que o constante traba-
Logo, as iniciativas locais de organização possibi- lho de mobilização interna dos agricultores fami-
litaram a convivência de diferentes gerações de liares para se organizarem foi o principal elemento
agricultores e visitantes de outras realidades do para o êxito desta atividade. Entretanto, a organi-
país e do mundo. zação/mobilização social são processos permanen-
tes de reajustes e negociações coletivas. Apesar
A busca dos jovens pelo aperfeiçoamento téc- dos desafios, averiguamos que é possível associar
nico, profissional e educacional nas temáticas as práticas socioambientais, os aspectos culturais e
relacionadas ao turismo e da produção orgânica o saber-fazer da agricultura familiar para delinear
já é uma realidade. Alguns, entre 25 e 28 anos, uma ação coletiva própria para o turismo.
relataram que, após estudarem em outras cida-
des e viverem fora das áreas rurais, retornaram Se a ideia de desenvolvimento, até pouco tem-
ao município e se destacaram na organização das po, estava previamente justificada na produtivida-
atividades de turismo, agricultura e associações. de a qualquer custo e dispersa no que tange a
questões como reconhecimento social e qualidade
Ressaltamos aqui que não é uma tarefa sim- de vida, por exemplo, consideramos a experiência
ples inserir as atividades de turismo em áreas de relatada um formato importante para a constru-
agricultura familiar. Os esforços de implantação, ção de relações mais estreitas entre localidades,
de monitoramento e de planejamento futuro do sociedade e Estado, bem como uma resposta pos-
turismo dependem da disponibilidade dos agricul- sível de enfrentamento e resistência perante um
tores interessados na organização e distribuição modelo de modernização introspectado.
65
CAPÍTULO 12
Estratégias de inovação na Cooperativa
dos Produtores Ecologistas de Garibaldi (COOPEG)
Ana Paula Matei
Ana Lúcia Oliveira da Silva
66
associados às oportunidades de interagir com os portância que as famílias de agricultores desem-
parceiros institucionais e também pelo acesso aos penham para a economia e para o desenvolvi-
programas e políticas públicas importantes para mento local e regional. Em relação ao ambiente
o desenvolvimento das agroindústrias familiares. nacional, o Programa Nacional de Fortalecimento
Para esses agricultores cooperados, os processos da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de
de inovação representam uma forma de concreti- Aquisição e Alimentos (PAA) e o Programa Na-
zar, por meio do desenvolvimento de produtos e cional de Alimentação Escolar (PNAE) contribuem
serviços, o conhecimento sobre a produção, sobre para que as famílias se organizem em termos de
os costumes e saberes envolvidos nas atividades investimentos para infraestrutura e capital (má-
das agroindústrias familiares. quinas, equipamentos, instalações), e acessem os
mercados com maior garantia de comercialização
As inovações são contextualizadas e vinculam- (por meio dos mercados institucionais).
-se aos resultados de processos que demonstram
a capacidade de resposta em termos de competi- Um dos gargalos enfrentados pelas agroindús-
tividade na atividade agroindustrial. Desde a im- trias familiares refere-se ao acesso aos mercados,
plementação da atividade até o desenvolvimento não apenas em termos de canais de comercializa-
de produtos e serviços, os processos são gerados e ção, como também de atendimento às legislações
orientados a partir de uma lógica de inserção eco- e normas higiênico-sanitárias. Para tratar essas
nômica e social e de reprodução dessas famílias. A implicações, dentre outras inerentes às ativida-
artesanalidade e a originalidade intrínsecas nesses des econômicas das agroindústrias familiares, é
processos são destacadas, bem como a constante que foi criado no estado do Rio Grande do Sul
busca pela inovação e pela diferenciação. o “Programa Sabor Gaúcho”. Este evoluiu para
uma política pública em 2012, com a criação da
Lei nº 13.921/2012, a qual instituiu a Política Es-
tadual da Agroindústria Familiar do RS (PEAF-RS).
O contexto institucional para
agroindústrias familiares O objetivo dessa política pública é reconhe-
no Rio Grande do Sul cer a importância da agricultura familiar e das
dinâmicas de desenvolvimento rural local, visan-
Os programas e as políticas públicas para as do respeitar os valores de uma agricultura volta-
agroindústrias familiares vêm evidenciando a im- da à diversificação dos sistemas produtivos e do
67
meio ambiente, especialmente com seu foco na cialização do principal produto produzido por
agroecologia. Integra a estratégia de desenvolvi- eles, a uva. O principal apoio recebido foi da Ema-
mento governamental para apoiar a legalização ter, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Pre-
e a implantação de agroindústrias familiares no feitura Municipal e do Centro Ecológico de Ipê.
RS, além de promover a qualificação profissional,
assistência técnica e extensão rural, bem como a A cooperativa é formada por 48 agricultores
participação em feiras e eventos específicos para familiares, que produzem de forma orgânica sem
aumentar os pontos de comercialização. Atual- uso de agrotóxicos. Dessa organização, formou-se
mente, com as ações de disseminação do PEAF-RS a agroindústria, que, de modo artesanal, transfor-
e os apoios obtidos para a regularização das ati- ma a uva em sucos, vinhos, espumantes e doces
vidades, incluindo crédito para investimentos, há de frutas. Em 2008, diversificou suas atividades
2.420 agroindústrias cadastradas e 728 inclusas com a produção de hortaliças e frutas orgâni-
no programa. cas, com ampla variedade de produtos ofertados
(conservas, doces de frutas, molhos, orgânicos in
A implementação de programas e políticas pú- natura, temperos). Atualmente, são produzidos
blicas demanda que se consolide um ambiente 108.000 litros de sucos de uva, 9.000 litros de
propício para que haja a interação entre o públi- vinhos, 1.100 litros de espumantes, 1.100 quilos
co-alvo e os agentes dessas ações. As interações de doces de frutas e 420.000 quilos de verduras e
e a concretização de parcerias entre esses atores uva in natura por ano. Participa de diversas redes
tornam-se fundamentais e reforçam-se dentro de apoio, programas, e inclusive rotas turísticas.
das estratégias de inovação, agregando esforços As famílias recebem acompanhamento e certifi-
para canalizar as ações e obter os resultados. cação da produção orgânica por meio de outras
entidades participativas, como a Ecovida.
68
estrutura híbrida de governança, apoiada em re- referência do Programa Ecoforte de Cooperativas
lações contratuais entre os associados, entre as Agroecológicas do governo federal.
entidades de certificação orgânica e outros par-
ceiros, inclusive no compartilhamento da infraes- Nas inovações em produtos e processos, hou-
trutura de produção. Soma-se a este processo a ve maior diversificação na produção de matéria-
mudança nos métodos produtivos, em que novos -prima, consequentemente, maior diversidade de
procedimentos, tecnologias e técnicas são imple- produtos acabados. As principais inovações rea-
mentados para viabilizar a produção agroecológi- lizadas estão na produção orgânica de varieda-
ca das espécies e dos produtos finais. des de espécies, processos de fabricação e novos
produtos. Muitas das inovações foram implemen-
É crescente o envolvimento da cooperativa tadas nos processos de produção, envolvendo
com entidades, redes, universidades, sindicatos, desde mudança para a produção orgânica e agro-
governos local, regional, estadual e nacional. A ecológica, até as mudanças no processamento da
entidade mantém forte interação e atuação em matéria-prima, envolvendo novas práticas, técni-
redes de apoio, e nos programas e nas políticas cas e tecnologias associadas à melhoria do pro-
públicas como: Pronaf, PEAF-RS, PNAE e rotas cesso de agroindustrialização. Como resultados,
turísticas. apresentam aumento da produtividade, também
devido à ampliação de áreas para a transforma-
Recentemente, foi inserida na Plataforma de ção e processamento agroindustrial.
Boas Práticas para o Desenvolvimento Sustentável
da FAO, Food and Agriculture Organization of the Atualmente, estão realizando um projeto de
United Nations, sendo reconhecida como uma cooperação junto a uma universidade da região,
alternativa de produção agroecológica cooperati- cujo apoio financeiro é oriundo de duas agências
va. A Coopeg é uma das instituições parceiras do de fomento, estadual e nacional. O projeto con-
projeto, que tem o objetivo de difundir as boas siste na pesquisa de novos produtos que possam
práticas realizadas na Região Sul do Brasil, para reduzir o desperdício dos alimentos (o qual chega
que mais pessoas, governos e entidades possam a ser de até 30 %), além de formulações quanto à
conhecê-las e aplicá-las. Também é um centro de apresentação desses produtos.
69
No que se refere às estratégias de inovação A cooperativa atua em mais de 10 estados bra-
em mercados e marketing, a Cooperativa parti- sileiros, fornecendo produtos para grandes redes,
cipa ativamente em feiras especializadas e espe- distribuidores, lojas especializadas e para os mer-
cíficas da agricultura familiar, além de concursos cados institucionais para a alimentação escolar
e premiações relativos à qualidade dos produtos. (PNAE) no município de Garibaldi e região. Está
Usa selos identificadores como os da marca Sabor inserida na Cooperativa Estadual da Agricultura
Gaúcho e o da Agricultura Familiar, implementa- Familiar (Cooperagroart), e no roteiro de turismo
dos pelo apoio de programas e políticas públicas. rural (Estrada do Saber), atendendo a turistas do
Os principais canais de venda são diretamente ao Brasil e de outros países.
consumidor, seja no estabelecimento ou em feiras
promovidas por entidades parceiras, pelo progra- Segundo a presidente e alguns dos coopera-
ma PEAF-RS e outros promovidos pelo Ministério dos, a cooperativa está se desenvolvendo, sem-
de Desenvolvimento Agrário. pre buscando novas formas de melhorias, de
produtos, de processos, de organização, mas,
De acordo com a presidente da Coopeg, a principalmente, aumentando a oferta de produ-
participação nas feiras especializadas promovidas tos orgânicos acessíveis de qualidade. As políticas
para a agricultura familiar é um grande momento públicas ainda penalizam algumas ações, pois o
para ouvir os consumidores e conhecer os produ- marco legal precisaria de atualização e de dife-
tos concorrentes. Isso inspira a criação, a melhoria renciação em termos de escala e de rendimentos
e o desenvolvimento de novos produtos. As par- das cooperativas e das agroindústrias familiares.
ticipações nas feiras obedecem a determinados As parcerias também são fundamentais e contri-
critérios, pois as bancas são coletivas, e está se buem para que as inovações sejam disponibiliza-
propondo um regimento para organizá-las. das para a sociedade.
70
CAPÍTULO 13
Vales da Uva Goethe:
do vinho comum ao território singular
Paulo Andre Niederle
71
familiar que se estabeleceu nas regiões produtoras. esteve associado ao controle da qualidade da uva,
Não é em vão que o produto também seja conhe- mais simples quando a vinícola assume todas as
cido como “vinho colonial”, em alusão à forma de fases da produção.
agricultura desenvolvida pelos colonos imigrantes.
Assim, ao mesmo tempo em que o vinho
fino brasileiro conquistou algum reconhecimen-
to – adequando-se a padrões globalizados –, crises
sucessivas atingiram os produtores familiares. A
cada safra finalizada, uma nova negociação co-
meçava: governo e setor produtivo procurando
soluções para comercializar os estoques, garantir
preços e sustentar a renda.
72
busca conciliar a tradição herdada dos imigrantes
italianos com a revalorização de um produto tí-
pico, cuja produção quase foi colocada em risco
pela política de modernização dos vinhedos.
Situados no sul do Estado de Santa Catarina, Foi neste momento que alguns produtores co-
Brasil, os Vales da Uva Goethe abrigam uma expe- meçaram a estruturar novas estratégias. Uma das
riência singular de desenvolvimento territorial que principais novidades foi a criação de associações
73
de pequenas e médias vinícolas familiares, as colonial e italiana). O resultado é a produção de
quais, primeiramente, voltaram-se a mercados lo- um vinho de tipicidade inquestionável, profunda-
cais associados ao enoturismo e, em seguida, in- mente enraizado em suas origens.
vestiram na diferenciação dos produtos por meio
de Indicações de Procedência.
Uma estratégia similar foi perseguida nos Va- A experiência dos Vales da Uva Goethe tornou-
les da Uva Goethe, mas com uma particularidade: -se o centro das atenções setoriais porque trouxe
enquanto a Serra Gaúcha adotou a perspectiva à tona esta realidade incômoda, ratificando a im-
modernizante dos vinhos finos, os produtores ca- portância da vitivinicultura tradicional e, mais do
tarinenses resolveram nadar contra a corrente. que isso, colocando em questão a imagem mun-
dialmente construída dos vinhos finos como os
Motivados pelo objetivo de reencontrar o pres- únicos portadores de uma qualidade inerente.
tígio do vinho Goethe, os produtores constituíram,
em 2005, a Associação dos Produtores da Uva e Atualmente, cinco vinícolas seguem a norma-
do Vinho Goethe ‹www.progoethe.com.br›. Atual- tiva da indicação de procedência. Para utilizar o
mente, a PROGOETHE é formada por nove viníco- selo, os produtores submetem o vinho à avalia-
las familiares de pequeno porte, além de produ- ção de um Conselho Regulador. Conformado por
tores de uva e estabelecimentos de gastronomia representantes dos produtores de vinho e uva,
e hotelaria. técnicos e consumidores, este Conselho define
as normas e os padrões de produção e zela pelo
O projeto de qualificação do vinho Goethe cumprimento dos mesmos.
conta com a assessoria de técnicos da Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (EPAGRI) e pesquisadores das universida-
des federal e estadual de Santa Catariana (UFSC/
UDESC). Além de investimentos para melhorar os
atributos organolépticos e sensoriais do produto,
os esforços também se voltam à gestão da qua-
lidade imaterial, por meio do manejo de signos
culturais associados ao território.
74
Desenvolvimento territorial O incremento da notoriedade do produto tam-
bém tem ampliado a demanda de consumidores
Embora a iniciativa seja relativamente recente, interessados em conhecer os saberes e sabores
alguns efeitos já podem ser percebidos. O princi- impressos neste vinho tão singular. Há quem su-
pal deles é o modo como a busca por reconhe- gira que o próprio fato dele ter se tornado objeto
cimento estimulou a organização coletiva, não de discórdias entre os enólogos, tenha favorecido
apenas dos produtores, mas de todo o território. sua notoriedade.
Afinal, o que está em jogo é a reconstrução de
uma identidade que o vinho materializa, mas é Ademais, em face da readequação dos méto-
expressão da cultura de pessoas cujos antepassa- dos de produção, os próprios especialistas têm
dos ocuparam a região há mais de um século. alterado suas posições, e já não são poucas as re-
ferências ao vinho Goethe nas publicações espe-
Do ponto de vista econômico, destaca-se a cializadas da área (blogs, revistas, jornais).
construção de circuitos locais de comercializa-
ção, sobretudo por intermédio do enoturismo. Por sua vez, um dos principais desafios ainda
Hoje, juntamente com ações de revitalização do é o ingresso em mercados de alta gama. Marca-
patrimônio histórico local, discute-se um plano dos pelo estigma construído em torno dos vinhos
de desenvolvimento do turismo no espaço ru- comuns, o produto ainda encontra barreiras para
ral. O processo de construção da indicação de alcançar lojas e restaurantes especializados fora
procedência teve um forte efeito de agregação da região. No entanto, a crescente repercussão
destas estratégias. que os movimentos de gastronomia regional têm
alcançado no Brasil pode abrir estas portas, assim
como já vem ocorrendo no caso dos queijos arte-
sanais, os quais já foram igualmente estigmatiza-
dos pela ciência moderna.
75
PARTE V
RECONECTANDO PRODUTORES
E CONSUMIDORES
76
CAPÍTULO 14
Parcerias saudáveis entre agricultores e consumidores:
o caso dos grupos de consumo responsável
Potira Viegas Preiss
Flávia Charão Marques
Vivemos em uma época em que a alimentação nhecem a origem de seus alimentos, como ig-
tem sido considerada uma fonte recorrente de noram seu processo de produção, dificultando a
problemas de saúde. Hipertensão, diabetes, aler- escolha por produtos mais saudáveis. Os mais in-
gias, problemas cardíacos, câncer e, até mesmo, formados tendem a buscar produtos sem veneno
doenças mentais têm sido associadas aos altos ín- e pouco processados, um mercado em expansão
dices de aditivos químicos usados na produção de no país, mas que segue um tanto quanto elitiza-
alimentos, seja em forma de agrotóxicos nos pro- do, em especial, se considerarmos aquilo que é
dutos in natura ou de conservantes nos alimentos ofertado nos supermercados e lojas especializa-
processados. No Brasil, o Instituto Nacional do das. Por outro lado, as grandes redes varejistas
Câncer (Inca) divulgou, em 2015, uma pesqui- são de difícil acesso para pequenos agricultores,
sa que coloca o país como o maior consumidor que enfrentam dificuldades para atingir escala
mundial de agrotóxicos, com um consumo médio de produção e, geralmente, dependem de uma
anual de 5,2 litros por habitante. Neste sentido, cadeia de intermediários para que seus produtos
medidas e ações para uma melhoria na qualidade cheguem ao ponto de comércio. Essa cadeia afeta
da alimentação tornam-se urgentes. No entanto, drasticamente o valor recebido pelo produto, tor-
criar novos hábitos alimentares nem sempre é fá- nando esta venda pouco rentável aos agricultores.
cil, tampouco, acessível a todos.
Aqui, pretendemos apresentar a experiência
Parte do problema está relacionada a um dis- dos grupos de consumo responsável, iniciativas
tanciamento entre agricultores e consumidores, que têm crescido no Brasil, criando situações ga-
de tal forma que muitos citadinos não só desco- nha-ganha em que agricultores e consumidores
77
constroem parcerias em torno de alimentos sau- Os grupos de consumo
dáveis comercializados a preços justos. responsável no Brasil
Rede Tapiri/AM
Consumidores Responsáveis de Fortaleza/CE
Grupo de Consumidores
do Benfica/CE
ADAO/CE
Rede Xiquexique/RN
TECHNE/RN
SISCOS/MT
Grupo de Consumo
Mercado Sul/DF Rede Moinho/BA
Recore/SP
Bancopire/MG
CSA Campinas/SP
Guandu/SP CSA São Trocas Verdes/SP APOMM/MG
Carlos/SP Rede Terra Viva/MG
Direto da Roça/SP Consumoso/SP
Raízes da Mata/MG
CSA - Escola Waldorf Vives/SP
CSA APANFE/MG
Grupo de Compras Colectivas/MS C.C.R.U./SP
Rede Ecológica/RJ
Rede Solidária de Comedores Orgânicos/RJ
Grupo de Consumo Consciente/SP
Rede Agroecologica Caiçara/SP
CSA Demetria/SP
MICC/SP Clube de Orgânico/SP
GCCAE-UFFSPR/PR ComerAtivaMente/SP
CSA Micael/SP
GOG/SC Consumo Consciênte Giramiundo/SP
Consumo Consciente ABS
C.C.R.U./SP
GAS/RS Grupo de Compras Colectivas Agroecológicas de Matinhos/PR
Compras Colectivas Ecossolidárias/RS
Ecotorres/RS
Copet/RS
GIA/RS
Cooperativa de Consumo Ateneu Libertário/RS
CSA/Porto Alegre/RS
78
Em agosto de 2011, o Instituto Kairós orga- pacotes com hortaliças que, até hoje, são entre-
nizou um encontro sobre consumo responsável, gues semanalmente. Os kits são compostos por
em Parelheiros (SP), que resultou na fundação da oito a doze produtos da estação, “sem veneno”,
Rede Brasileira de Grupos de Consumo Respon- dos quais três tendem a ser folhas e cinco outras
sável, possibilitando assim uma maior articulação hortaliças conforme a disponibilidade de colheita.
dos grupos e a possibilidade de realização de ações
conjuntas seja para comercialização, ou consumo
de produtos entre os membros da rede. Os forne-
cedores são, geralmente, agricultores familiares
que, muitas vezes, também participam de merca-
dos institucionais pelo acesso a políticas públicas
como o Programa de Aquisição de Alimentos e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Os gru-
pos apresentam, ainda, uma variedade de elemen-
tos ideológicos e políticos: solidariedade, agroeco-
logia, ecologia, consumo responsável, integração
campo e cidade são alguns dos valores expressos
As entregas sempre acontecem nas quartas-
pela pluralidade de agendas envolvidas nas iniciati-
-feiras, atendendo metade dos pontos de distri-
vas brasileiras. Com vista a exemplificar como se dá
buição a cada semana. Ao todo, são 23 pontos
a dinâmica de funcionamento destas iniciativas e a
de distribuição que incluem residências, unidades
diversidade dos arranjos envolvidos, apresentamos
básicas de saúde, creches, academias de ginás-
o caso de dois grupos – o MICC e o GIA.
tica, sedes de pastorais, centros espíritas, igrejas
católicas e messiânicas. O processo todo acon-
tece através de uma grande rede de voluntários
MICC, Associação de Integração que se articulam para fazer a negociação com os
Campo-Cidade agricultores e a logística de distribuição para os
consumidores. O valor de cada kit é de R$ 14,00 e
O MICC atua desde meados dos anos 1980 na equivale a aproximadamente um terço do que os
cidade de São Paulo, e além de ser o grupo mais consumidores pagariam pela mesma quantidade
antigo ativo no país, é também o maior, já que for- de produtos convencionais nas feiras da região.
nece alimento para aproximadamente 800 famílias É o que conta Mariana, mãe de dois meninos,
de consumidores de residentes na zona leste da que trabalha como agente de saúde comunitá-
cidade. A formação inicial partiu de um grupo de ria. Além de ser consumidora, ela também é res-
pessoas envolvidas com a Igreja Católica e vincu- ponsável pelo ponto de distribuição da Unidade
lado ao movimento da teologia da libertação. Elas Básica de Saúde Sinhá: “Eu realmente gostei da
buscavam concretizar os ensinamentos católicos qualidade, sabe? Aqui no bairro não temos ne-
de solidariedade através do apoio a movimentos nhum lugar para comprar essas coisas, é tudo
sociais, à reforma agrária e à luta por direitos tra- com veneno e a verdura é cara mesmo! No mer-
balhistas promovida pelos metalúrgicos da cidade. cado a alface agora é R$ 2,00, chega a R$5,00, às
Por um bom tempo, as compras eram ocasionais vezes! Na feira, você pode encontrar mais bara-
e para produtos específicos, o objetivo era ajudar to, mas não é a mesma coisa! Não tem a mesma
a escoar a produção de agricultores sem acesso a durabilidade, estraga logo, porque não é de boa
mercados, em especial, famílias dos assentamentos qualidade.” Poder aliar qualidade a valores aces-
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra síveis é a maior motivação entre os consumidores
(MST), comunidades indígenas e quilombolas. do MICC, que se destaca por atender famílias de
baixa a média renda salarial.
Foi somente em 1993, que uma ação da Cam-
panha da Fraternidade da região possibilitou a Os alimentos são fornecidos pela Associação
compra de um veículo para a entrega dos “kits”, dos Pequenos Produtores de Ibiúna, município lo-
79
calizado cerca de 100 km da capital. Além de criar de extensão universitária que resultou no desen-
um mercado estável, a ausência de intermediários volvimento de um site e um software para a rea-
no processo garante um melhor retorno econômi- lização dos pedidos, gerando grande melhoria na
co do que conseguiriam em mercados convencio- logística de funcionamento do grupo e no proces-
nais. Além disso, os valores pagos aos agricultores so de divulgação.
são renegociados a cada quatro meses, de forma
a garantir um pagamento justo aos produtores e As encomendas seguem sendo semanais e
manter os preços acessíveis aos consumidores. acontecem conforme uma lista com mais de 50
produtos sazonais entre hortaliças, verduras, tem-
peros, frutas, cereais, ovos, queijo, pães e massas.
Grupo de Integração A produção é totalmente agroecológica e realiza-
Agroecológica (GIA) da por famílias do Assentamento Filhos de Sepé,
localizado no distrito de Águas Claras, município
O GIA nasce em 2012 a partir da amizade de Viamão, Região Metropolitana de Porto Ale-
entre uma consumidora e um agricultor que gre. A participação no GIA auxiliou a ampliação
decidiram fazer uma experiência buscando en- a novos mercados. A família Bendente, na época
tre seus conhecidos possíveis interessados em de formação do GIA, tinha como espaços de co-
participar de um processo de comercialização di- mercialização: uma feira na universidade, um res-
reta entre consumidores e produtores. Com um taurante e vendas ocasionais para o Programa de
bom retorno, o grupo começou a tomar forma Aquisição de Alimentos. Através de contatos que
e teve suas primeiras entregas com vinte e três foi fazendo com a participação no Grupo, atual-
famílias consumidoras e cinco famílias produto- mente participa de outras três feiras e fornece
ras. Os primeiros meses foram caracterizados por para dois restaurantes. O envolvimento também
um intenso processo de “aprender fazendo”, de auxiliou a ampliação de seus conhecimentos de in-
forma que a dinâmica do grupo foi sendo cons- formática, visto que parte do software de pedidos
truída a partir da prática. O processo permitiu é administrada diretamente pelos agricultores. O
que os consumidores passassem a ter maior co- grupo tem como prática, ainda, a realização de
nhecimento sobre os produtos e as dificuldades atividades como jantares e visitas a propriedades
enfrentadas pelos agricultores, tanto para pro- dos agricultores, que, além de contribuírem para
dução como para o comércio e processamento a socialização dos participantes, também acabam
dos alimentos. O impacto da chuva nas folhas, sendo espaços de troca e aprendizagem.
a escassez do mel, o contato com alimentos até
então desconhecidos como o agrião pimenta,
foram pequenos aprendizados que se materiali- Benefícios gerados
zam na encomenda de cada semana.
Em função da participação nos grupos, os agri-
Após seis meses de funcionamento semanal de cultores são muito claros quando afirmam que
modo bastante informal, inclusive, com as entre- passam a vislumbrar novas oportunidades de mer-
gas realizadas no apartamento da consumidora, cado, de qualificação da produção e de geração
o crescimento do grupo exigiu um novo espaço. de renda de modo mais estável. Os consumido-
Uma parceria com o Programa de Pós-Graduação res, por sua vez, passam a acessar produtos orgâ-
em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universida- nicos da agricultura familiar a valores acessíveis,
de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) possi- podendo, assim, ter uma alimentação de melhor
bilitou um novo espaço para a realização da par- qualidade, além de ampliarem seu conhecimento
tilha e entrega dos produtos. A parceria também sobre o contexto agrícola e contribuírem direta-
permitiu que o processo de gestão, que até então mente para economias locais. É assim que a re-
acontecia de forma bastante centralizada, fos- lação entre quem produz e quem consomem cria
se partilhado de forma colaborativa entre todos novos arranjos institucionais e logísticos que dão
consumidores que passam a fazer um rodízio para margem para práticas inovadoras, mas também a
realizar as entregas. Incluiu, ainda, um programa consolidação de redes de apoio e solidariedade.
80
CAPÍTULO 15
Muito além de ingredientes: A contribuição da gastronomia
para o fortalecimento da agricultura familiar – o caso da
relação entre chefs, agricultores e consumidores
do Instituto Maniva, no Rio de Janeiro
Tainá Zaneti
Sérgio Schneider
81
a utilização de alimentos bons, limpos e justos; o res rurais. A fim de observar esse cenário no con-
papel do chef como co-produtor; e a valorização texto brasileiro, este texto irá mostrar o caso do
de produtos locais e artesanais. Instituto Maniva, na cidade do Rio de Janeiro, que
mostra como a gastronomia pode ser uma ferra-
O aspecto comum a todas estas iniciativas re- menta de valorização da relação entre produtores
side no fato de que os gastrônomos passaram a e consumidores e de fortalecimento e criação de
valorizar o produto e o modo de produzir os ali- novos mercados para agricultura familiar.
mentos, percebendo que ambos estão umbilical-
mente conectados à cultura e ao modo de vida
dos agricultores. Há uma percepção comparti-
lhada entre os chefs de que na produção de ali- A experiência:
mentos há uma simbiose entre o produto, o local/ o caso do Instituto Maniva
território e as pessoas que produzem, o que torna
a comida o resultado da interação entre humanos O Instituto Maniva foi criado pela chef Teresa
e a natureza, entre sociedade e meio ambiente. Corção em 2007 e tem como missão “agregar
valor aos agricultores familiares brasileiros favo-
Por ser um movimento emergente, há várias recendo a manutenção da biodiversidade gastro-
questões a serem aprofundadas e melhor compre- nômica e a melhoria da qualidade alimentar das
endidas, tais como, o papel das políticas públicas sociedades rural e urbana”. A chef Teresa Cor-
no estímulo e apoio a estas iniciativas, particular- ção é formada em design, porém é cozinheira
mente o papel da assistência técnica aos produto- e chef autodidata no restaurante O Navegador,
82
que fica no centro da cidade do Rio de Janeiro. um mapeamento dos restaurantes localizados no
O restaurante existe há mais de 20 anos e servia entorno das feiras e busca incentivá-los a fazer
pratos de cozinha internacional. No ano 2000, a parcerias com os agricultores.
chef conheceu o movimento italiano Slow Food,
e, a partir deste contato, passou a repensar sua
gastronomia e a direcionar seu trabalho para a
Uma receita de sucesso:
pesquisa e uso da mandioca (cassava). A chef
conta que iniciou esse processo visitando e en- a parceria entre Instituto Maniva
trevistando os atores das casas de farinha no e os agricultores familiares
nordeste brasileiro, o que a permitiu identificar
inúmeros usos, subprodutos e tipos de farinha A partir de entrevistas com a chef Teresa Cor-
de mandioca, assim como colecionar histórias ção, com alguns produtores e com o gestor do
de pessoas envolvidas na produção da cultura Circuito Carioca de Feiras Orgânicas e diretor pre-
da mandioca. sidente da instituição Essência Vital, Marcos Melo,
foi possível perceber a importância dessas ações
Destas iniciativas resultou a criação do Instituto para a promoção das feiras e seus agricultores,
Maniva, com o objetivo de ampliar as parcerias bem como para ressiginificação de seus produtos
com órgãos públicos e empresas privadas afim de tidos como comuns, para diferenciados. O gestor
aumentar a abrangência de agricultores envol- do circuito de feiras, bem como os agricultores
vidos e beneficiados com as ações do instituto. avaliam que a presença da “Barraca do Maniva”
Uma das primeiras ações do Instituto foi a criação traz maior movimento para as feiras, aumenta as
de um projeto de educação do gosto, que ensina vendas e propicia um espaço de troca e sociabili-
crianças da rede escolar pública do RJ a história da zação entre os produtores, consumidores e chefs.
mandioca, da culinária brasileira e a fazer tapioca,
já instruiu mais de 800 crianças. Apesar de considerarem a relevância dessas re-
lações, há um consenso de que estas são recentes
Atualmente, o instituto é composto por dezes- e que ainda não está bem estruturada. Ainda sim,
seis Ecochefs, cozinheiros com responsabilidade é possível notar, na fala do gestor do Circuito de
socioambiental que realizam ações de comuni- Feiras do Rio de Janeiro, que tanto pelo esforço
cação e conexão entre produtores, cozinheiros e de instituições como o Instituto Maniva, quanto
consumidores, que atuam nas propostas e fren- por iniciativas individuais de chefs, essas relações
tes do Instituto Maniva. As ações do Instituto são tem se estabelecido não apenas como ação de
organizadas em três principais frentes: cultura, compra e venda, como também uma relação pes-
educação e agricultura. Estas frentes contemplam soal e de amizade. Vale ressaltar também que o
atividades como: produção de documentários, fortalecimento de espaços como as feiras, permi-
programas de valorização de produtos locais jun- tem que os encontros entre os atores aconteçam
to ao Governo e oficinas de cozinha sustentável e que essas relações diretas e de proximidade se
com cozinheiras escolares e crianças. A principal estabeleçam, demonstrando-se como uma estra-
atividade do Instituto é sua participação semanal tégia eficiente para o incremento da renda e da
com a “Barraca de Tapioca do Maniva” em cinco autonomia dos produtores.
das 14 feiras do Circuito Carioca de Feiras Orgâ-
nicas, gerido pela instituição Essência Vital e com Em associação aos restaurantes, outros espa-
o apoio da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. ços de comercialização tem sido criados seguindo
princípios de fair trade, como as lojas online e/
Esta atividade é fruto do projeto “Parceiro do ou físicas nos restaurantes com os produtos de
Agricultor”, que visa auxiliar os agricultores fami- origem que os abastecem. Este trabalho desen-
liares orgânicos na comercialização de seus pro- volvido no Instituto Maniva reverberou, também,
dutos com os restaurantes do Rio de Janeiro, ten- nas práticas do restaurante da chef. Assim, a chef
do o chef como elo entre produtores, donos de passou a remodelar a proposta de seu restaurante
restaurantes e consumidores. Este projeto realiza utilizando e valorizando os produtos brasileiros e
83
informando a seus comensais da onde e por quem recebam um valor justo e possam ter mais tempo
os ingredientes utilizados nos pratos foram pro- para investir em suas atividades.
duzidos, como pode ser visto no cardápio abaixo:
Quando perguntados acerca dos significado
Além disso, a chef criou uma mercearia em seu de vender para os chefs, os agricultores mencio-
restaurante, chamada de “Nave”, na qual vende nam que é um orgulho vender para os chefs e
os produtos que utiliza no restaurante, baseados que se sentem felizes por isso, como conta o agri-
nos princípios do fair trade, para oportunizar, por cultor e feirante Onésio: “Pra mim é bom. Quan-
um lado, mais um mercado para os agricultores do a gente estava sozinho, a gente encontrava
e, por outro, criar oportunidades e acesso para um pouco de dificuldade. A gente só vendia pras
os comensais de seu restaurante afim de estimu- feiras. Então, hoje já vendendo pros ecochefs. Me
lar o consumo desse tipo de produto. Diante de sinto feliz porque eu vendo pra eles e eles estão
sua forma de organização e atuação, o Maniva se colocando saúde nas mesas dos consumidores”.
mostra como um ponto convergente entre vários
setores e atores, em que é capaz de estabelecer A chef Teresa confirma a fala dos produtores
uma rede de relações entre eles. contando que eles costumam dizer que “a coisa
mais valorizada possível quando eles veem o pro-
duto deles feito por um chef num prato” e que
O olhar dos agricultores frente eles dizem que ficam com “um orgulho muito
grande”, pois sabem da dificuldade para produzir
ao circuito gastronômico
o ingrediente e “de repente eles veem aquilo ves-
Todos os agricultores entrevistados expressaram tido de festa”.
que os chefs são divulgadores de seus produtos,
que dão notoriedade a eles e os aproximam de no- Além disso, os agricultores afirmam que esta-
vos consumidores, fazendo com que suas vendas belecem uma relação de amizade com os chefs.
aumentem consideravelmente. Os agricultores co- Seu Luis conta que encontra os chefs regularmen-
mentam que os chefs trazem jornalistas e imprensa te, que construíram uma relação de confiança e
para conversar com eles; fazem documentários e re- que até já participou da festa de aniversário da
portagens para mostrar o dia a dia dos agricultores chef Teresa Corção, demonstrando que a relação
e o “caminho do alimento”; e, também, promovem entre eles vai muito além de ingredientes e se sus-
visitas de consumidores até os sítios dos agricultores. tenta sobre valores simbólicos, morais e relações
sociais enraizadas.
A relação com os chefs também propicia novos
recursos, que antes eram desperdiçados e, atual-
mente, são comercializados. Há relatos de de-
senvolvimento e\ou melhoramento de produtos
A gastronomia como estratégia
para comercialização, como o vinagre de caqui de valorização para a agricultura
e o pesto com ramo de cenoura. Os agricultores familiar
elencam, como principais vantagens da relação
com os chefs a “venda certa”, no sentido de te- O caso do Instituto Maniva demonstra uma
rem a venda garantida para os restaurantes, maior metodologia bem-sucedida de utilização da gas-
quantidade do que para consumidores comuns, tronomia como ferramenta para novas formas de
pagamento direto e entrega direta no restaurante. interação e comercialização entre chefs, produto-
res e consumidores. Deste caso, é possível apreen-
Assim, da parte dos produtores, parece que der vários ensinamentos. Primeiramente, pode-se
a constituição desse mercado oferece vantagens notar o papel central do chef como um novo
em relação a outros tipos de mercado e constituí- ator e agente que vem se aliando aos agriculto-
da de maneira satisfatória para os produtores, de res familiares. Há uma miríade de iniciativas nes-
modo que eles tenham menores custos, cansaço, te sentido, sendo as mais evidentes os inúmeros
84
programas televisivos e outras mídias que se ocu- preço salgado, com ticket médio de R$ 120,00, o
pam da comida. Disso, evidencia-se um processo acesso a ela acaba restringindo-se a uma peque-
de ressignificação e (re)valorização de produtos na parcela da população brasileira. Em segundo,
tradicionais, artesanais e locais, conferindo-lhes está o desafio de melhorar a infraestrutura mate-
traços de singularização e distintividade. Assiste- rial de apoio a este tipo de relação entre produ-
-se, também, a reação dos consumidores e a sua tores rurais, chefs e consumidores, uma vez que,
adesão crescente ao consumo destes produtos em muitas situações, há precariedade de estra-
diferenciados, valorizando a origem, o produto e das e as comunicações são falhas. A difusão e
a sua forma de produzir, tanto no circuito gastro- a ampliação do uso da internet para estimular a
nômico, como em feiras. conexão entre os diferentes agentes poderia ser
uma alternativa a este desafio; por fim, é preciso
Apesar desta experiência se mostrar positiva, criar uma institucionalidade para que estas ini-
há desafios a serem superados. Primeiro, é pre- ciativas não representem mais uma nova forma
ciso ampliar o acesso dos agricultores familiares de apropriação dos conhecimentos e do modo
a este tipo de mercado, de tal forma que pos- de produzir e preparar alimentos dos produtores
sam ampliar o portfólio de produtos e a escala de e das populações tradicionais, mas que a gas-
produção. Da mesma forma, é preciso, também, tronomia seja agregada como instrumento para
criar espaços que oportunizem a participação de compor a cesta de atividades de políticas públi-
um maior e diverso número de consumidores. cas voltadas para valorização e fortalecimento da
Uma vez que este tipo de gastronomia tem um agricultura familiar.
85
CAPÍTULO 16
A emergência da diferenciação agroalimentar
no Pampa Gaúcho: reconectando agricultores e consumidores
Márcio Zamboni Neske
Cláudio Becker
86
mulação voraz das terras, dominada, mormente que estimulam e fortalecem a (re)conexão da pro-
por grandes latifúndios. É corriqueiro verificar dução e consumo de alimentos agroecológicos em
na historiografia no Rio Grande do Sul análi- circuitos curtos, em que os agricultores familiares
ses que associam a região da Campanha como são os principais protagonistas desse processo.
aquela em que à ocupação da terra e formação
da propriedade privada ocorreu unicamente
por grandes propriedades, ignorado a presença
de núcleos familiares na formação social, eco-
nômica e produtiva. Esse é um mito que tem
sido constantemente recriado. No entanto,
uma análise mais apurada evidencia que, desde
meados de 1800, em Santana do Livramento e
região, sempre se encontravam produtores fa-
miliares que se dedicavam a pequena produção,
embora ocupando uma posição marginal na es-
trutura agrária local.
87
Dispositivos de construção grama Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A
de novos mercados experiência tem sido bem sucedida e vem desper-
tando o interesse de outros produtores da ASPH,
Surgiram há cerca de duas décadas no mu- sobretudo pela possibilidade de acesso a novos
nicípio algumas iniciativas mais disseminadas de espaços de comercialização. Entretanto, por não
diversificação produtiva empreendidas pelos hor- existir nenhuma forma efetiva de certificação, os
ticultores familiares. Fundamentalmente, a produ- alimentos comercializados junto ao PNAE acabam
ção de frutas e hortaliças passou a ganhar escopo sendo classificados como gêneros convencionais.
na produção local, incentivada pelo Programa de
Fruticultura da Metade Sul (PFMS). Essa iniciativa
A construção social de um sistema
foi criada em 1998, tendo como propósito ser-
vir de dispositivo para a reestruturação produti- participativo de certificação de
va da região da Campanha. Diversos pequenos e produtos
médios agricultores aderiram ao programa como
uma medida de diversificação produtiva, mas por Visando criar mecanismos para reconhecer e
sua característica top down, em seguida, a inicia- legitimar a produção agroecológica, uma parce-
tiva não teve o êxito esperado, fazendo com que ria entre Empresa de Assistência Técnica e Exten-
diversos produtores desistissem do PFMS. são Rural (Emater), Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (UERGS) e Secretaria Municipal de
Como parte do processo de difusão do pro- Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SMAPA),
grama, foi criada a Associação Santanense de juntamente com os produtores da ASPH, passa-
Produtores de Hortifrutigranjeiros (ASPH), que ram a atuar no sentido de construir um mecanis-
objetivava, à época, servir como uma instância de mo coletivo para a legalização dessa produção (de
legitimação para a execução das ações do PFMS. certificação participativa) no município.
Apesar do término do programa, a ASPH perma-
neceu ativa, atualmente congregando agriculto- Neste sentido, a legislação brasileira de pro-
res familiares que produzem e comercializam seus dutos orgânicos (Lei 10.831/2003) é particular-
gêneros em mercados locais e em circuitos de mente inovadora ao possibilitar que o processo
cadeias curtas “face a face”, por meio de feiras de legalização seja realizado pelo controle social,
livres e/ou entregas em domicílio. ou seja, que os próprios envolvidos na produção
agroecológica consigam organizar-se coletiva-
mente de tal forma que a sociedade e o Minis-
tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) confiram legitimidade aos grupos cons-
tituídos para a venda direta aos consumidores.
Dessa forma, no Brasil admitem-se três formas de
certificação, quais sejam: Contratação de Certifi-
cadoras (empresas); Organismos Participativos de
Avaliação de Conformidade (OPAC); e Organis-
mo de Controle Social (OCS).
88
OCS envolveu a elaboração de procedimentos Ensinamentos e desafios
para seu funcionamento, sistematizados na for-
ma de Regras de Convivência. Para a conclusão No caso da feira livre, é possível constatar a
dessa etapa, foram realizadas reuniões durante o existência de uma política do consumo, na qual
primeiro semestre de 2015, contando com o em- questões como a qualidade dos produtos, os pre-
prego de métodos participativos de trabalho. ços praticados e a confiança no agricultor são al-
gumas das atribuições que definem a existência de
consumidores politizados. A criação do OCS é um
mecanismo importante para ampliar esse perfil de
consumidores, pois, segundo eles próprios, a cer-
tificação é uma maneira eficaz de diferenciação e
garantia da qualidade e origem dos produtos.
89
SOBRE OS AUTORES
90
Jorge Luis de Sales Farias Mayara Roberta Martins.
Médico veterinário (UECE). Mestre em Zootec- Bacharel em Turismo (UFSCar). Mestre em De-
nia (PPGZ/UVA). Pesquisador na área de Desenvol- senvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Doutoranda
vimento Rural e Agricultura Familiar na Embrapa em Ambiente e Sociedade (NEPAM/UNICAMP).
Caprinos e Ovinos em Sobral/CE. may_martins10@hotmail.com
jorge.sales@embrapa.br
Paulo André Niederle.
Leonardo Xavier da Silva Engenheiro Agrônomo (UFPEL). Mestre em
Graduado em Ciências Econômicas – PUCRS. Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Doutor
Mestre em Economia Rural – PPGER/UFRGS. Dou- em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ). Professor dos
tor em Economia – PPGE/UFRGS. Professor do Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em
Departamento de Economia e Relações Interna- Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do
cionais da Universidade Federal do Rio Grande do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Sul. pauloniederle@gmail.com
leonardo.xavier@ufrgs.br
Potira Viegas Preiss
Marcelo Antônio Conterato. Graduada em Ciências Biológicas (Unisinos).
Graduado em Geografia (UFSM). Mestre e Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento Rural
Doutor em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). (PGDR/UFRGS).
Professor do Departamento de Economia e Rela- potipreiss@gmail.com
ções Internacionais (DERI), coordenador do Ba-
charelado em Desenvolvimento Rural (PLAGEDER) Sergio Schneider
modalidade a distância, ambos na Universidade Graduado em Ciências Sociais (UFRGS). Mestre
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). em Sociologia (IFCH/Unicamp). Doutor em Socio-
marcelo.conterato@ufrgs.br logia (UFRGS/Université de Paris X). Professor Titu-
lar da UFRGS. Professor Permanente nos Programa
Marcelo Porto Nicola de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural e
Graduado em Engenharia Agrônomica (UFPEL). Sociologia (PGDR/PPGS/UFRGS).
Mestre em Extensão Rural (PPGExR/UFSM). Doutor schneide@ufrgs.br
em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Geren-
te Técnico da Estação Experimental Agronômica Tainá Zaneti
(EEA/FAGRO/UFRGS). Gastrônoma (IESB). Mestre em Agronegócios
mrprnicola@gmail.com (PROPAGA/UnB). Doutora em Desenvolvimento
Rural (PGDR/UFRGS). Docente no CET-UnB.
Márcio Zamboni Neske tainazaneti@hotmail.com
Biólogo (URCAMP). Mestrado e Doutorado em
Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Professor Tanise Dias Freitas
Adjunto em Desenvolvimento Rural da Universi- Bacharel em Ciências Sociais (UFSM). Mestre
dade Estadual do Rio Grande do Sul, Campus de em Ciências Sociais (PPGCS/UFSM). Doutora em
Santana do Livramento. Sociologia (PPGS/UFRGS). Pós-Doutoranda em
marcio-neske@uergs.edu.br Economia e Desenvolvimento (PPGE&D/UFSM).
tanise1208@yahoo.com.br
Marcio Gazolla
Graduando em Agronomia (UFSM). Mestre e Vanderlei Franck Thies.
Doutor em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Engenheiro Agrônomo (UFPel). Mestre e Dou-
Professor da Universidade Tecnológica Federal do torando em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS).
Paraná (UTFPR) Campus Pato Branco/PR, e no Pro- vftc3@yahoo.com.br
grama de Pós Graduação em Desenvolvimento Re-
gional (PPGDR).
marciogazolla@utfpr.edu.br
91
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