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PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA:

ENSAIO CRÍTICO1

Angela Helena Rodrigues Leite2

No final do século XX, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, em um


contexto político e social de neoliberalismo extremo, a educação brasileira passa a receber
financiamento, apoio e investimento em políticas públicas e programas educacionais de
várias agências internacionais. Uma delas, o Banco Mundial, foi ator importante em
intervenções na política econômica interna e na própria legislação brasileira, o que trouxe
ao país graves problemas, como, por exemplo, o agravamento da miséria e da exclusão
social.

Um dos projetos financiados pelo Banco foi o Fundo de Desenvolvimento da


Escola (Fundescola), criado em 1998, que tinha como objetivo “promover a eficácia, a
eficiência e a qualidade no ensino fundamental público” (GUSMÃO, 2010), o qual, por
sua vez, elaborou e incorporou o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) nas ações
do Governo Federal da época. O PDE, um programa de avaliação e planejamento
estratégico, coordenado pela gestão das escolas e desenvolvimento com a participação da
comunidade, foi apresentado como um projeto de modernização da escola pública e de
fortalecimento da autonomia escolar. Por meio dele, a escola faz um diagnóstico interno,
elabora conjuntamente os valores e a missão, e recebe apoio financeiro e técnico para
elaboração deste planejamento, sendo, assim, controlado e monitorado pela gestão
central.

Em outras palavras, o PDE fundamenta-se na metodologia de planejamento


estratégico gerencial, centrado, desta forma, na racionalização, na eficácia e eficiência do

1
Ensaio entregue para a disciplina “Gestão de Planejamento Educacional”, do curso de Gestão
Educacional da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI, em julho de 2018.
2
Angela Helena Rodrigues Leite é pedagoga e mestre em Psicologia da Educação pela PUC/SP e atua
desde 2003 em diversas instituições educacionais e de pesquisas em educação, experimentando, desta
vez, o chão da escola pública e o ensino superior (angela.hrleite@gmail.com).
desempenho da gestão escolar, constituindo-se como uma modalidade de Planejamento
Estratégico.

A influência do modelo gerencial na educação pública já estava se fortalecendo,


e transformando o modo de organizá-la e chegando inclusive ao “chão da escola” e
incidindo sobre outros eixos da gestão escolar tais como o currículo, o planejamento, a
avaliação (SILVA, 2011), e o PDE, apesar de destacar em seu discurso a gestão
democrática, defendendo a autonomia, a participação e a descentralização, “há uma
apropriação inadequada dos termos” (CABRAL NETO, 2009), pois são esvaídos do
sentido histórico-crítico, passando a incorporar as diretrizes técnicas e políticas dos
organismos internacionais, ou seja, a lógica do mercado (SHIROMA; MORAES e
EVANGELISTA, 2004). Ora, se os objetivos do PDE são orientados racionalmente para
resultados, o alvo principal do programa é a racionalização de gastos e a eficiência
operacional, que se constituem como estratégias de gestão do tipo racionalizadoras.

Silva (2011), em sua pesquisa sobre o programa, destaca outras duas questões que
devem ser analisadas com olhos críticos: a direção da escola recebe forte apoio, é o ator
mais importante para que se atinjam os resultados, desconsiderando, assim, a importância
da construção coletiva, da gestão participativa e democrática. Além disso, “a escola é
percebida como a única responsável pela melhoria da qualidade de ensino, unidade
isolada de todo o contexto político e social que a envolve” (SILVA, 2011).

Outras críticas são alavancadas. Xavier e Amaral Sobrinho (1999), por exemplo,
afirmam que o PDE define o que é escola, o que ela precisa fazer, onde ela precisa chegar,
de quais maneiras e com quais recursos. Ou seja, o programa mina a possibilidade de uma
das maiores buscas e conquistas da educação pública: sua autonomia. O próprio repasse
financeiro para realização do planejamento acaba por impor instrumentos de controle,
normas, regras, prazos, avaliações.

No Governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PDE é incorporado ao Plano de


Desenvolvimento da Educação, institui que as escolas participantes seriam as que
apresentassem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) abaixo da média
nacional, e, diferente da gestão anterior, na qual abarcava somente as regiões como Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, ganha dimensão nacional. Logo, quando se esperava com esta
gestão o rompimento com princípios neoliberais e prescrições de organismos
internacionais, como o Banco Mundial, a primeira gestão de Lula apresentou certa
fragilidade administrativa ao dar continuidade a relações com agências internacionais que
apenas acentuavam o agravamento da miséria e da exclusão social.

Em 2006 é lançado o manual “Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da


Escola - aumentando o desempenho da escola por meio do planejamento eficaz” que,
além de responsabilizar unicamente a escola e a comunidade pelo seu processo de gestão,
eximindo o Estado de tal responsabilidade, adota

princípios do sistema Total Quality Control (TQC), que direciona a adoção de modelos
empresariais de produtividade e controle de qualidade no campo educacional, objetivando
o atendimento do cidadão-cliente, pois, ao adotar a concepção gerencialista, a escola é
avaliada pelos serviços que oferece e a qualidade educacional é associada a princípios
mercadológicos que introduzem mecanismos de controle social e responsabilização das
escolas com relação aos resultados alcançados em avaliações externas (SCHIMONEK,
2012, p. 153).
Neste documento, pode-se observar aspectos que demonstram o cunho gerencial
que ele (ainda) carrega. O PDE, segundo ele, apresenta uma visão estratégica e um plano
de suporte estratégico, além de 5 etapas para sua concretização, cada qual com sua ação,
seu responsável e seu prazo.

Diante do exposto torna-se essencial, como profissionais da educação pública,


assumir posições críticas e resistência a “fórmulas mágicas” da gestão educacional –
principalmente quando provém de políticas neoliberais e de agências internacionais.
Temos, em nossa trajetória, lutas pela democratização do ensino, pela qualidade no ensino
público e pela autonomia da escola pública que precisam ser consideradas, e precisamos
cada vez mais lutar contra o Estado-mínimo e garantir que a escola seja, de fato, de todos
os brasileiros.
Referências Bibliográficas

CABRAL NETO, Antônio. A política educacional do Nordeste: discursos, embates e


práticas. Natal: EDURN, 1997.

GUSMÃO, Joana Borges Buarque de. Qualidade da educação no Brasil: consenso e


diversidade de significados. Dissertação, Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (USP), São Paulo/SP: 2010.

SILVA, Kátia Valéria Ataíde e. Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) e


a gestão escolar: limites e possibilidades. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPR). João Pessoa/PR, 2011.

SCHIMONEK, Elisangela Maria Pereira. O PDE-Escola: instrumento de autonomia para


as unidades escolares? Dissertação. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Rio Claro,
2012.

SHIROMA, Eneida, MORAES, Maria C. M. de e EVANGELISTA, Olinda. Política


Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

XAVIER, Antônio C. R., AMARAL SOBRINHO, José. Como elaborar o Plano de


Desenvolvimento da escola. Brasília: MEC, 1999.

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