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RAÍZES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Origem formal

O nascimento do direito administrativo é um tema velho pela enunciação e


renascente pelas condições em que o proporá, para a compreensão atual da evolução
do direito administrativo.

A lei do 28 pluviose do ano VIII (1800), muito corrente entre autores franceses,
como ato de nascimento do direito administrativo, a qual “pela primeira vez deu à
Administração francesa uma organização juridicamente garantida e exteriormente
obrigatória”.

Debbasch titula–a de “constituição administrativa napoleônica”, esta lei de


17.02.1800 contém, em síntese, preceitos sobre organização administrativa e sobre
solução de litígio contra a Administração

Esse tipo de administração perdurou, no entanto, em essência, até há pouco


na França e nos Estados que o adotaram. Evidente que o direito administrativo não se
formaria de imediato pela só edição da lei de 1800. A partir daí, começaram a surgir
manuais e obras, criou-se cátedra de direito público e administrativo em Paris (1819) e
a disciplina tomou impulso.

Ruptura com o passado ou continuidade?

Na abordagem da questão, há entendimentos no sentido de ruptura total com o


passado, tal como expressa Prosper Weil ao afirmar que “o direito administrativo
emerge lentamente do nada”, Jean Rivero, com certa atenuação, refere-se “à obra
destrutiva da Revolução Francesa, pela qual a quase totalidade da administração do
Antigo Regime desaparece. No entanto outros autores mencionam que só após a
Revolução Francesa havia condições para formação do direito administrativo.

Jean-Louis Mestre, na França, procura demonstrar, mediante transcrição de


textos medievais e do Antigo Regime que “o direito administrativo é produto de uma
longa história, paralela à do direito privado, do qual sempre afirmou sua autonomia de
princípio”.

Martinez Lopes Muniz, na doutrina espanhola, nega que o direito administrativo


tenha criado ex novo seus institutos. Na mesma linha, Alejandro Nieto: “O direito
administrativo do século XIX não rompe com o do Antigo Regime, pois nem na história
nem no direito cabem bruscas soluções de continuidade.

O Estado liberal, sobre tudo no que diz respeito à Administração, não derruba
os princípios do Estado absoluto, mas os desenvolve adapta, segunda o italiano Mario
Niegro. Berti, de maneira semelhante, observa que a “Administração recolheu resíduo
do absolutismo estatal e tornou-se meio de perpetuação”. Allegretti, ao discorrer sobre
a Administração, que adjetiva como autoritária, do Estado liberal, afirma a
continuidade entre este e Estado absolutista no tocante à estrutura organizacional, à
natureza dos atos e cogita da potencialização dos esquemas do Estado absoluto pelo
Estado liberal.
O entendimento em favor da continuidade provavelmente encontra justificativa
em figuras ou preceitos vigentes no Antigo Regime. O enunciado, mesmo sumário,
desses esquemas possibilitará o confronto com o núcleo do direito administrativo
elaborado no século XIX e primórdios do XX

Pode-se dizer que nos séculos XVII e XVIII uma parte da Europa teve o
chamado Estado de polícia, no último período do Estado absoluto. Estado de polícia é
a expressão que hoje vem associada a sentido negativo e mesmo pejorativo, com o
termo polícia equivalente a “policialesco”, que usa a força indevidamente.

Sobre o Estado de polícia, Emílio Bussi, em estudo aprofundado indica dois


pontos fundamentais que caracterizam: “grande aumento da atividade administrativa e
intromissão profunda e opressiva na vida dos particulares”, observa também que o
segundo aspecto exerceu influência na memória dos povos ocidentais, mas observa
que se o Estado de polícia, historicamente visto, impôs limitações graves ao agir dos
súditos, não se disse que tais limitações têm a mesma natureza daquelas criadas por
muitos Estados policialescos modernos.

O termo polícia, tal como usado nesse período histórico, tem o sentido de
ordenação da coisa pública ou administração interior do Estado. Sob o ângulo político,
essa fase corresponde ao reforço progressivo do poder estatal na figura do príncipe ou
monarca.

Em decorrência, surgem necessidades quanto ao reforço militar, por


conseguinte, novas bases fiscais estrutura administrativa adequada portanto, mais
complexa para consolidar essa unicidade de poder no âmbito interno e externo.

Nasce a noção de dominium eminens do monarca, o direito de dispor das


coisas dos súditos para atender ao bem público, paralelamente à noção de potesta
eminens, referente ao poder do príncipe sobre pessoas e suas liberdades, formando o
jus eminens como poder administrativo em sua totalidade. A expressão jus politiae
também é encontrada para significar a instrumentalização do dever que incumbe ao
príncipe de atender a ordem pública e ao bem estar geral.

No decorrer de certo tempo, as prerrogativas do príncipe encontravam limite no


jura quaestia, equivalentes aos direito adquiridos, fundados em título especial, massa
força do poder do príncipe aboliu qualquer limite.

De acordo com Gianfranco Poggi, começa a se formar “um conjunto de


preceitos tendo como objetivo específico as atuações do sistema administrativo. Trata-
se do actum principis, sem forma jurídica específica, com denominação diversa,
mediante os quais o monarca, de modo minucioso, transmitia determinações sobre a
realização dos serviços e atividades e sobre a conduta de órgão administrativo, mas
não podiam ser invocados pelos súditos para eventual garantia de direitos ou
exigência de cumprimento. O príncipe não se vinculava atais atos, nem a qualquer
outro, sendo assim, legibus solutus.

Incontroversa semelhança se nota entre esquemas do Estado de polícia e


noções integrantes do direito administrativo posteriormente elaborado.
Ficando difícil, dessa forma, sustentar entendimento de ruptura total, de origem
a partir do nada.

A posição aqui assumida não significa neutralidade ou comodismo científico


por dificuldades na defesa, sem incoerência, se uma das orientações. Pode –se dizer
que a convivência do vínculo ao passado e da novidade, existem no seu surgimento,
tornou-se polarização típica do direito administrativo.

O novo, que se sucedeu à Revolução Francesa, pode ser sintetizado nos


seguintes pontos: a) formação de conjunto sistemático de preceitos obrigatórios para
autoridades administrativas de todos os níveis; b) reconhecimento de direitos de
particulares ante a Administração, com previsões de remédios jurisdicionais; c) quanto
a ciência, elaboração doutrinaria abrangente de todos legais da atividade
administrativa; d) elaboração jurisprudencial para a Administração e norteadora da
construção de novos institutos jurídicos.

O Estado de Direito como fator propício

Giannini ao buscar explicação para as origens desse ramo jurídico, questionou


o vínculo, para negá-lo. Ao sustentar sua posição, o jurista italiano oferece alguns
argumentos, como: a) se considera a noção de que o Estado de Direito teria como
característica a disciplina jurídica da relações entre indivíduo e Estado; b) partindo da
concepção de que no Estado de Direito a relação poder-sujeição vem substituída pela
relação deveres-direitos; c) se por Estado de Direito se entende aquele em que a
atividade administrativa observa a lei ou não pode se expressa diversamente da lei; d)
alguns autores caracterizam o Estado de Direito pela existência do direito
administrativo , o que para Giannini configura tautologia.

A separação de poderes como pressuposto

Aparece também associado à formação do direito administrativo a separação


de poderes. Dessa forma, Otto Mayer menciona como ponto de partida do direito
administrativo a existência de dois poderes que atuam, o legislativo e o executivo.

Segundo Sandulli, para que “exista direito administrativo é preciso que haja
vários poderes estatais, um dos quais caracterizado como poder administrativo e que
exista certa divisão de atribuições entre tais poderes”.

Giannini, ao estudar o tema separação dos poderes afirma que a atribuição de


atividade executiva “a um grupo determinado de órgão constitui um dos pressupostos
fundamentais da existência de um direito da Administração, dotado de fisionomia
própria e individualmente, se a administração não estivesse separada dos outros
poderes do Estado, não poderia existir um direito que lhe é próprio.

O papel da doutrina

Giannini ressalta, o papel da doutrina no seguinte texto: “o direito administrativo


nasceu da confluência das experiências constituídas do tipo estrutural ad actum
principia e do direito de polícia com os princípios constitucionais introduzidos pela
Revolução Francesa e com o espírito de racionalidade dos legistas franceses, italianos
e alemães que tiveram, naquele período fortemente criativo, posições dominantes”.
LINHAS FUNDAMENTAIS DA SISTEMATIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Primeiro período

A primazia da obra específica sobre direito administrativo, pertence a


Romagnosi, italiano, editada em 1814, e o pioneirismo na criação de cátedra da
matéria, em Milão, denominada Alta legislação em referência à Administração
Pública. Segundo Giannini, “parece que, para demonstrar o caráter puramente
científico do próprio magistério nessa cátedra, Romagnosi redigiu em pouquíssimo
tempo o seus Principi fondamentali del diritto amministrativo, com deliberada
linguagem obscura, difícil, para não ser compreendida pela censurada linguagem
obscura, difícil, para não ser compreendida pela censura”.

Com a queda do Reino itálico, a Áustria aboliu, em 1817, a cátedra regida por
Romagnosi, por considera-la foco de liberalismo.

Macarel, em 1818, publicou obra tida como primeira pedra do direito


administrativo, Les élements de jurisprudence administrative, “na qual agrupou, por
assuntos, as decisões do novo Conselho de Estado, mostrando como dessa
jurisprudência seria possível extrair sólidos princípios científicos”.

Mesmo que a Administração ocupasse posição central nas obras, o direito da


administração era disciplina prática, um conjunto de preceitos de natureza pública e
privada que informavam sua atividade, essa disciplina integrava o direito do estado, o
Staatsrecht.

A partir de 1883 que o direito administrativo separou-se do direito do Estado,


com a publicação de obras especificas, consolidam-se depois, Otto Mayer.

Segundo período

Após alguns anos, pode-se assinalar outra fase de sistematização do direito


administrativo na França, Itália e Alemanha, marcada, no aspecto político, pela
crescente afirmação dos postulados liberais e por outro ponto comum, que a
precedeu: o aparecimento de jurisdições administrativas independentes.

A “escola pandectista” exerceu grande influência nos civilistas e no direito


administrativo que então se formava. Começou a surgir, então, em alguns
administrativistas a típica divisão civilista em pessoas, coisas e obrigações.

Do ponto de vista da ciência jurídica pública, passou a predominar a influência


alemã, sobretudo do pandectismo, embora mesclada à escola francesa.

Numerosos trabalhos saíram a luz, sobretudo nos temas do ato de justiça


administrativa. Com Olrlando e demais autores da época, como Cammeo, Ranelletti,
Codacci-Pisanelli, o direito administrativo italiano consolidou-se.

A separação das autoridades administrativas e judiciárias; centralidade do tema


jurisdição administrativa; busca de equilíbrio entre prerrogativas da Administração
direitos particulares; noção de interesse geral; regime executório dos atos
administrativos; desigualdade entre Administração e particulares; Administração
submetida à lei, são resultados da elaboração doutrinária e jurisprudencial.
Otto Mayer sintetiza os aspectos essenciais em: vinculação do direito
administrativo ao Estado de Direito; luta para retirar o direito administrativo, tornando-o
autônomo, do âmbito maior do direito do Estado; empenho de afastar o direito
administrativo dos esquemas do direito civil; afirmação da necessidade de estabelecer
formas constantes da atuação administrativas, por representarem momentos de
garantia a favor dos cidadãos em termos de previsibilidade e correção dessa atividade;
também considerou de grande relevo os institutos jurídicos; desenvolveu a noção de
relação de supremacia especial.

Sob influência francesa, Otto Mayer manifesta sobretudo na afirmação do


primado do legislador e na pregação de um direito administrativo.

Essência dogmática

Conforme encontro da elaborações francesas, alemã e italiana e de influências


entre as duas primeiras e dessas sobre o direito italiano, formou-se o núcleo essencial
do direito administrativo. Núcleo composto dos seguintes temas ou concepções:
autoridade do Estado; personalidade jurídica do Estado; capacidade do direito público;
propriedade pública; ato administrativo unilateral e executório; direito subjetivos
públicos; interesse legítimo; poder discricionário; jurisdição administrativa; interesse
público; serviço público; poder de política; pessoa jurídica pública; fontes do direito
administrativo; contratos administrativos.

Expansão na Europa Ocidental

Espanha

Segundo Alejandro Nieto, “se consolida com surpreendente rapidez e de


maneira clara na década dos quarentas (do século XIX), pelas mãos de esplêndida
geração de administrativistas experimentados e pela jurisprudência do Conselho Real
que então se estabelece”; ainda menciona sobre a base cientifica de origem francesa
e duas ideias matrizes: o reconhecimento da personalidade jurídica do Estado e a
existência dos direitos públicos subjetivos.

Portugal

Também sobre predominante influência francesa. A constituição de 1822 previu


a separação entre administração, legislação e justiça, atribuindo-as a órgãos diversos;
em 1832 é elaborado por Mouzinho da Silveira, conjunto de texto de reforma da
Administração portuguesa, tentando implantar centralização de tipo napoleônico.

Bélgica

Na Bélgica, o direito administrativo desenvolveu-se dissociados da existência


de Conselho do Rei ou Conselho de Estado com jurisdição retida ou delegada.

O direito administrativo anglo-saxônio


Cap. 5

55. Contrato administrativo

A concepção de contrato regido pelo direito administrativo acabou por


firma-se, separando-se de preceitos tradicionais da teoria do contrato privado,
como a igualdade entre as partes e a intangibilidade da vontade inicial das
mesmas; formou-se a teoria de um contrato diferenciado do modelo privado, de
um contrato em que a Administração contratante dispõe de certas
prerrogativas para assegurar o atendimento do interesse geral, sem o sacrifício
dos interesses pecuniários do particular contratado. As cláusulas exorbitantes,
assim denominadas na concepção francesa porque se distanciavam dos
preceitos vigentes para os contratos privados, permitiam á administração a
modificação unilateral do contrato, desde que assegurada a equação financeira
do contrato; possibilitavam a rescisão unilateral; conferiam á Administração
amplo controle e acompanhamento da execução do contrato e o direito de
impor sanções ao particular contratado. Sobre dois ângulos se coloca a
renovada atenção sobre o tema.

Alguns elementos da elaboração clássica têm sido objeto de discussão.


Conceituados juristas pregam a simplificação de procedimentos de contratação
pública e a outorga de maior liberdade á Administração de escolha de
contatados.

Busca-se ver, na situação de contrato administrativo, a qualidade das partes


como parceiros em colaboração, ideia essa defendida há muito tempo por
Laubadere para quem o particular contratado apresentava-se como
colaborador de serviço público, figurando o contrato administrativo como
sistema de colaboração entre Administração e particular. Sob outro ângulo se
focaliza a atenção nos contratos celebrados pelo Poder Público. Já se
mencionou, como um dos fatores da atenuação do caráter unilateral e
impositivo da atividade administrativa. Tais práticas consistem em técnicas de
ação com base em soluções obtidas mediante concordância entre
Administração e interessados, evitando-se decisões unilateralmente impostas,
decisões tomadas solidariamente.

5.6 Serviço público

Com o surgimento, a partir de 1930, da gestão dos serviços públicos por


particulares e do serviço público realizado sob normas do direito privado,
emergiu a chamada crise do serviço público, nome dado á obra de Jean-Louis
Corail. Alguns autores pregaram o fim desta noção; Passou-se a admitir a
gestão privada e o uso do direito privado no regime jurídico do serviço público.
No ordenamento brasileiro a Constituição de 1988 diferencial serviço público
de atividade econômica, na combinação dos arts.175 e 173. As concepções da
União Europeia se colocam um sistema ordenado a objetivos de circulação de
mercadorias e serviços. Pode-se pensar de modo evolutivo no tocante ao
serviço público para inserir o dado econômico , a gestão privada, a
concorrência , em abolir a presença do Estado, o aspecto social, os direitos
sociais.

5.7 Concessão de serviço público

A concessão de serviço público existiu e foi utilizada desde o século XIX


sobretudo na Europa. Foi criada para serviços que exigiam grandes
investimentos e pessoal técnico especializado, encargos esses que o Poder
Público não podia assumir, daí a transferência de sua execução ao setor
privado, remunerado pela tarifa paga pelo usuário . Recebeu relevo , na
prática , a concessão precedida da execução de obra pública também
denominada concessão de obra pública, em especial quanto ás rodovias.
Por outro lado, na atual modelagem, a exclusividade não mais caracteriza a
concessão em geral, pois aí se inseriu a concorrência. Um aspecto relevante
no tratamento contemporâneo encontra-se no cuidado com os direitos dos
usuários .

CAPÍTULO 6: ADMINISTRAÇÃO-ADMINISTRADO

6.1 Consideração preliminares

Na atual reflexão científica, cultural e política sobre problemas da


Administração e Administrados. Trata-se de ângulo concernente, não a um
vínculo específico do individuo com a Administração, como no caso de um
contratado e no caso de pessoa que pleiteia reparação de danos causados por
agente público, e, sim, referente ao comportamento geral da Administração em
relação a indivíduos ou grupos da sociedade. O interesse no assunto se
justifica, entre outras causas, pela tradição de comportamento fechado e
refratário á mesma população a que se destina a atividade administrativa; e
pela visão do individuo como súdito, não como cidadão.

6.2 Processo administrativo

Fazzalari entende que processo é também empregado para o desempenho


das funções de legislação, administração e jurisdição voluntária, o processo é
uma estrutura na qual se desenvolvem numerosas atividades de direito público,
o direito público não se limita a disciplinar o ato final, pois também exige uma
série de atividades preparatórias quanto ao ato.

Por sua vez, Cândido Dinamarco divide os processos estatais em


jurisdicionais, incluindo entre estes o processo administrativo, que igualmente
constitui canal para o exercício do poder estatal.

Na concepção atual, o processo administrativo configura meio de


atendimento de requisitos de validade do ato administrativo. Além disso,
propicia o conhecimento do que ocorre antes que o ato faça repercutir, sobre
os indivíduos, os seus efeitos, permitindo verificar, por conseguinte, como se
realiza a tomada de decisões, e assim contribui para conferir-lhe maior grau de
objetividade. O conjunto dos aspectos mencionados induz á ideia de uma
‘’democracia pelo procedimento’’, ao lado da democracia representativa e da
democracia resultante de mecanismos descentralizadores, e permite vislumbrar
o processo como ferramenta jurídica idônea, na disciplina das relações entre
governantes e governados.

Se for considerado que o poder tradicionalmente tido como democrático, o


legislativo, e que o poder tradicionalmente identificado com a justiça, o
judiciário, atuam mediante processo, o esquema processual na função
administrativa reuniria democracia e justiça.

6.3 Participação

Algumas ideias mais amplas associam-se á de participação. O novo modo


de ser do Estado contemporâneo, em relação ao modelo do século XIX, reflete-
se no exercício da função administrativa. A participação se apresenta como
expressão e efeito da moderna ideia da relação Estado-sociedade, em que se
vislumbra não rigorosa separação, nem fusão, mas recíproca coordenação,
significando maior proximidade entre os dois.

Com a participação forma-se ponte entre um mundo administrativo muito


fechado e cidadãos muito esquecidos, ocorrendo, portanto, ruptura da imagem
clássica de uma dualidade radical entre administração e administrado e
decréscimo da oposição entre autoridade e liberdade.

A participação liga-se á identificação do interesse público de modo


compartilhado com a população; associa-se ao decréscimo da
discricionariedade; propicia atenuação da unilateralidade na formação dos atos
administrativos; liga-se também ás práticas contratuais baseadas no consenso,
na negociação, na conciliação de interesses.

Além do aspecto referente ao quadro mais amplo da ideia de participação,


seu estudo suscita a necessidade de premissa terminológica ante o uso
múltiplo do vocábulo. Em acepção larga, abrange também a atuação do povo
na escolha de integrantes do Legislativo e chefes do Executivo, pelo voto e a
militância em partidos políticos.

6.4 Transparência da Administração

O poder público, por ser público, deve agir com a maior transparência
possível, a fim de que os administrados tenham, á toda hora, conhecimento do
que os administradores estão fazendo. A publicidade como princípio de
administração pública, abrange toda atuação estatal, não só sob aspecto da
divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento
da conduta interna de seus agentes. Outros preceitos constitucionais reforçam
a concepção de transparência administrativa vigente hoje no ordenamento
pátrio; o art. 5º, item XXXIII, reconhece a todos o direito de receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular ou interesse coletivo ou geral,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível á segurança da sociedade e
do Estado.

No direito brasileiro, pode-se indicar como exemplo de transparência


preceitos da lei 8.666/93 – licitações e contratos: o art. 3.º, § 3.º, afirma serem
acessíveis ao público os atos do processo licitatório, salvo quanto ao conteúdo
das propostas até a abertura; o art. 4.º possibilita a qualquer cidadão
acompanhar o processo licitatório, desde que não o perturbe; o art. 63 permite
a qualquer interessado a obtenção de cópia dos termos de um contrato e do
respectivo processo licitatório.

CAPÍTULO 7: TÓPICOS INSERIDOS A PARTIR DE 1990

7.1 Considerações preliminares

A partir de 1990 passaram a ser estudados e incluídos nos manuais, teses,


dissertações, artigos. Alguns desses tens emergiram anteriormente, as se
expandiram no direito administrativo na referida época, citando-se como
exemplo o princípio da proporcionalidade e a privatização.

7.2 Novos princípios

A tradicional lista de princípios do direito administrativo extraída, em grande


parte, das decisões do Conselho de Estado francês juntaram-se outros. O tema
dos princípios em geral adquiriu grande força a partir de 1990, com reflexos no
direito administrativo; para este campo dirigem-se as observações de Torchia
sobre os princípios, ao tratar da ciência do direito administrativo italiano.
7.2.1 Princípio da eficiência

O vocábulo eficiência liga-se á ideia de ação que leve á ocorrência de


resultados de modo rápido e preciso; significa obter o máximo de resultado de
um programa a ser realizado, como expressão de produtividade no exercício de
atribuições. Eficiência opõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão.

7.2.2 Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade

No dizer de Massera, ante o princípio da proporcionalidade, inspirado na


jurisprudência constitucional e administrativa alemã, “ a autoridade não há de
impor obrigações ao cidadão em medida superior àquela estritamente
necessária, no interesse público, á realização do escopo que a própria
autoridade deve realizar, segundo critério de razoável adequação dos meios
aos fins. O princípio da razoabilidade atribui, em geral, o sentido de coerência
lógica nas decisões administrativas, o sentido de adequação de meios e fins.

7.3.3 Princípio da subsidiariedade

Em nível nível interno, o aspecto vertical diz respeito á repartição de


competências entre Estado, de um lado, regiões, províncias ou comunas, de
outro, nos países unitários; entre União e Estados-membros, nos Estados
federais. Não de modo unânime, o princípio da subsidiariedade horizontal é
aventado como critério nas relações entre a esfera de atuação estatal e a
iniciativa privada, para conferir primazia a esta e caráter residual aquela; seria,
pois, um critério para fixar a distribuição entre a atuação pública e a atuação
privada âmbito interno de um Estado.

7.2.4 Princípio da confiança legítima

A proteção da confiança diz respeito á continuidade das leis, á confiança


dos indivíduos na subsistência das normas. Isso não protege os cidadãos
genericamente de toda alteração legal, pois cada situação terá a peculiaridade
para detectar ou não a confiança suscitada. Apresenta-se mais ampla que a
preservação dos direitos adquiridos, porque abrange direitos que não são ainda
adquiridos, mas se encontram em vias de constituição ou suscetíveis de se
constituir; também se refere á realização de promessas ou compromissos da
Administração que geraram, no cidadão, esperanças fundadas.
7.3 Privatização

As noções de deliberação, desregulamentação, privatização e


desestatização não são precisas e, por vezes, são utilizadas de modo indistinto
ou inter-relacionado. Sem dúvida, mostram-se conectadas, no sentido de mais
suave presença do Poder Público, não somente na execução de atividades,
mas também na disciplina legal de atividades privadas. Encontra-se o termo
privatização no sentido de uso de fórmulas do direito privado para disciplinar
atuações da Administração Pública. Por isso, muitos afirmam que as
privatizações, em sentido amplo, mais que em termos de dualismo público-
privado, devem ser entendidas sob o ângulo de mosaicos de relações em
mudança. E diversos mecanismos englobados sob o nome de privatização ou
desestatização não acarretam diminuição do campo do direito administrativo;
ao contrário, o rol de suas matérias se ampliou.

7.5 Regulação

A regulação, no atual contexto, abrange: a edição de normas; a fiscalização,


do seu cumprimento; a atribuição de habilitações; a imposição de sanções; a
mediação de conflitos. Não se inclui necessariamente na atividade regulatória a
fixação de políticas para o setor, mas seria viável a contribuição das agências
para tanto, com a participação de representantes de todos os segmentos
envolvidos.

A literatura menciona também a auto-regulação dirigida: ocorre uma troca


entre o e grupos privados; estes aceitam limitar sua liberdade de ação sob
dupla condição: a) garantia de não haver imposição de regulação autoritária; b)
o Poder Público lhes conferir o poder de fixar normas para si próprios.
Exemplos: bancos na Suíça.

Mas pode haver auto-regulação sem atuação do ente regulador, e , nesse


caso, exclui-se da regulação. Exemplo: regulamentos de empresa; códigos de
conduta de empresas; auto-regulamentação na área da publicidades; selos de
qualidade; standards de qualidade.

7.6 Agências reguladoras

Vários fatores são indicados para explicar a “ agencificação ” , dentre os


quais os seguintes: a liberalização de mercados e a transferência da execução
de serviços públicos ao setor privado acarretam a necessidade de regulação
estatal nos respectivos setores; a percepção de que certas questões teriam
melhor solução se atribuídas a órgãos próximos do setor econômico e social
concernente, garantindo relações mais diretas entre Administração e sociedade
civil. Uma das características comuns das agências reguladoras encontra-se na
autonomia, que, embora se revestindo de moldes variados, conforme o país,
significa, em geral, maior liberdade de decidir em comparação aos demais
órgãos da Administração, quebrando-se, do ponto de vista jurídico, a
subordinação hierárquica ao poder central. Em geral, também exercem as
atividades de: fiscalizar o setor; aplicar sanções, dirimir conflitos (p. ex.:
prestadores de serviço e usuários/consumidores; agentes econômicos e
consumidores; prestadores de serviços entre si).

CAPÍTULO 8: CRISE OU METAMORFOSE? CRISE OU DIREITO


ADMINISTRATIVO INOVADO?

1. Procurou-se demonstrar que as mutações do quadro político-


institucional acarretam transformações nos conteúdos de matrizes
clássicas e fazem emergir novos tópicos na temática. Não se trata, no
entanto, de visualizar somente o ângulo das influências recebidas pelo
direito administrativo do cenário em que se insere; sua própria
construção e a força expansiva de suas técnicas representam dados
importantes do cenário e interferem na sua configuração.

2. O surgimento e sistematização do direito administrativo responderam a


concepções e necessidades práticas de um época e, ao mesmo tempo,
significaram todo um esforço de legitimação, em nível de preceitos
jurídicos, do exercício do poder estatal em determinado setor de
atuação, a Administração Pública.

3. Mas, ante as transformações da sociedade e do Estado, torna-se


necessário realizar uma espécie de controle de validade das
concepções tradicionais, o que, na verdade, corresponde á própria ideia
de ciência.

4. As pesquisas e a elaboração deste trabalho priorizam o ângulo


macroscópico de consideração e o caráter crítico-sintético, o que reflete
a evolução do pensamento da autora, no sentido de complementar a
perspectiva entrópica e de realizar constante questionamento a respeito
da coerência interna e externa do direito administrativo.

5. Ao longo do trabalho, muitos posicionamentos foram adotados e


integram o todo das orientações propostas. Sem o intuito de reiterar
cada um deles a título de conclusão, parece oportuno ressaltar alguns
pontos fundamentais.

6. A autora lançou, questionamentos sobre a procedência da crise e da


crítica e sobre a necessidade de se efetuar revisão nas categorias de
leitura do direito administrativo.
7. Esse momento revela mudanças que vêm se realizando no direito
administrativo no sentido de sua atualização e revitalizarão, para que
entre em sintonia com o cenário atual da sociedade e do Estado.

8. A crítica, por sua vez, vincula-se á transformação: além de expressar


inquietude pela sua celeridade na formulação doutrinária das mudanças,
questiona o conteúdo das matrizes clássicas em confronto com o
presente, como um desafio científico lançado aos estudiosos.

9. O administrativista contemporâneo tem consciência da diversificação e


capilaridade das funções do Estado atual, realizadas, em grande parte,
pela atuação da Administração Pública. O enfoque evolutivo do direito
administrativo significa, sobretudo, o intuito do seu aprimoramento como
técnica do justo e, por isso, da paz social.

10. A literatura supra-indicada revela a amplitude das inquietações


doutrinárias, oriundas de várias países, surgidas a partir de 1990,
projetando-se para o início do século XXI, ante alterações incidentes
sobre o edifício clássico do direito administrativo, e demonstra que
mudanças ocorreram e vêm ocorrendo.

11. Cassese ressalta duas características das transformações do direito


administrativo da última década: a velocidade, dado o tempo breve em
que aconteceram, em comparação ao ritmo lento do passado; e a
continuidade, pois as mudanças não param de se realizar.

12. Em muitos trabalhos, citam-se os catalisadores da transformação,


ocorridos antes e depois de 1990, já elencados ao longo deste livro.

13. O direito administrativo se enriqueceu, como deflui claro dos capítulos


sobre os novos temas e sobre os temas inseridos a partir de 1990. E se
enriqueceu sobremaneira por direcionar-se, metodologicamente, mais
aos direitos dos cidadãos do que á autoridade.

14. Ainda a respeito da absorção de valores e princípios do ordenamento


consagrados na Constituição, emergiram manifestações em linha
semelhante ao posicionamento da autora firmado no parágrafo 9 supra
em 1990, quanto ao papel do direito administrativo na efetivação de
direitos individuais, sócias, coletivos e difusos.

15. Novas tendências do direito administrativo podem ser detectadas nos


primórdios do século XXI, dentre as quais:

15.1 A internacionalização- Visto como ramo precipuamente nacional,


passa a ser influenciado por fatores internacionais, quer sob o prisma
da globalização em geral, quer sob o prisma da influência dos
organismos internacionais que fixam diretrizes e modelos.
15.2 Influência recíproca entre os direitos administrativos de vários países e
maior aproximação entre o sistema de matriz europeia e o sistema de
common law.

15.3 Predominância do direito legislativo- A tradicional característica de


direito jurisprudencial perde terreno, passando a preponderar a
legislação na modelagem das normas e institutos administrativos.

15.4 Mais forte papel dos princípios como cânones de legalidade da ação
administrativa, inclusive pelo acréscimo de novos princípios áqueles
classicamente detectados, afetando o espaço da discricionariedade.

15.5 Influência de elementos econômicos nas construções do direito


administrativo.

15.6 Mais espaço ao estudo e ás práticas do chamado poder normativo da


Administrativa, também invocado sob a rubrica da ampliação das
fontes regulamentares.

15.7 Intensificação dos estudos sobre as atividades reguladoras da


Administração, com o termo regulação preferido ao vocábulo
intervenção.

16. Na literatura arrolada no parágrafo 11 supra, que aponta as


transformação do direito administrativo, encontram-se várias afirmações em
total consonância á linha de tratamento científico adotada pela autora desde
1990.No sentido de permanente controle de atualidade das construções deste
ramo (inclusive mediante o estudo dos clássicos para melhor percepção do
atual) e de abertura a inovações.

17. E na França, berço do direito administrativo, dotado de construção


consolidada, surgiram vozes doutrinárias apontando as transformações deste
ramo; assim, Auby afirma que o direito administrativo teve de adaptar-se, teve
de renovar as formas jurídicas, teve de fornecer novas formas jurídicas, e
menciona a “necessidade de abertura do direito administrativo”.

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