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LITERATURA INFANTOJUVENIL
UIA 1 | CONHECENDO E APRECIANDO A LITERATURA
INFANTOJUVENIL
Este material é destinado exclusivamente aos alunos e professores do Centro Universitário IESB,
contém informações e conteúdos protegidos e cuja divulgação é proibida por lei. O uso e/ou
reprodução total ou parcial não autorizado deste conteúdo é proibido e está sujeito às
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LITERATURA INFANTOJUVENIL | UIA 1 | 3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Caro(a) estudante,
Estamos iniciando as atividades da disciplina Literatura Infantojuvenil. Teremos a oportunidade de
discutir, de forma dinâmica e reflexiva, aspectos intrínsecos deste gênero textual e sua relação com o
trabalho desenvolvido em sala de aula. Nosso percurso parte de um breve panorama histórico da
literatura para crianças e jovens, prossegue tratando da abordagem literária da narrativa infantojuvenil,
considerando a leitura como processo de reconstrução do texto, e, por fim, discute esse tipo de literatura
como dispositivo pedagógico poderoso para a formação de leitores e escritores proficientes, bem como
para a formação da pessoa.
Nossa expectativa é a de que ao final das discussões e dos estudos propostos, você seja capaz de
compreender:
Esperamos, ainda, que os textos apresentados e os debates aqui promovidos sejam instigadores e
motivadores suficientemente capazes de
incentivá-lo(a) a buscar ampliar seus
conhecimentos acerca da literatura
infantojuvenil, bem como permitam que
você se encante pelas obras literárias
dedicadas às crianças e aos adolescentes
para que possamos vislumbrar uma prática
docente capaz de levar aos nossos alunos
uma experiência vivida com o livro, com a
leitura, com as palavras, com o texto... de tal
forma que cada um deles tenha o livro como Fonte: http://tinyurl.com/jk5q597
algo imprescindível em suas vidas.
Quem sabe consigamos levar nossos alunos e alunas a pensarem como a escritora Lygia Bojunga, que
compartilha, de um jeito bem-humorado e poetizado, a importância que ela dá ao livro:
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No caso dos estudantes, não temos claros quais são, realmente, os fatores que os afastam do hábito de
ler, mas não podemos deixar de refletir que alguns contextos no cotidiano das salas de aula podem
contribuir para mudar esta realidade, não é mesmo?
O fato de estarmos estudando, no curso de Pedagogia, uma disciplina cujo enfoque é exclusivamente a
literatura para crianças e jovens já é um começo, pois é desde a mais tenra idade que o gosto e o apetite
pela leitura podem ser aflorados e, sendo desta maneira, o professor pode ser, para os pequenos
estudantes, o seu maior influenciador!
Então, para que o trabalho do professor em sala de aula possa se manifestar como um trabalho mediador
da leitura, é fundamental que ele seja um professor leitor. Por isso, é importante que, em sua formação,
você tenha a oportunidade de conhecer um pouco acerca da literatura chamada de “infantojuvenil”.
Assim sendo, vamos começar do começo, discutindo aspectos que influenciaram no nascimento deste
tipo de literatura.
[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as crianças fossem
negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o
mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil,
essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem.
Essa consciência não existia.
(ARIÈS, 1981, p. 156)
Muitos textos literários produzidos até o século XVII, conhecidos hoje como obras para o público infantil,
não foram escritos com esta intenção, é o caso das fábulas de La Fontaine e dos contos de seu
contemporâneo Charles Perrault. Naquela época, a sociedade era constituída por uma estrutura com
divisão bastante delimitada em relação às classes sociais; não havia o entendimento de unidade familiar,
mas sim “uma estrutura de poder centrada na propriedade de terras e por um sistema de linhagens em
que a família nuclear não tinha muito sentido” (PEREIRA, 2013, p. 27). Somente com a constituição da
burguesia, na era medieval, e ao longo do tempo é que a sociedade vai ganhando novos contornos.
Veja o que as professoras Regina Zilberman e Lígia C. Magalhães nos esclarecem sobre esse período:
A partir disso, no início do século XVIII, há o surgimento de uma nova composição social, na qual os
sujeitos começam a valorizar os laços familiares, resultando, também, na valorização da infância. A
sociedade passa a enxergar que a criança possui características próprias e necessidades diferentes do
adulto, sinalizando a exigência de um tratamento específico e adequado e propiciando-lhe, a partir disso,
outra forma de educação, distinta daquela que ela vinha recebendo até então. Era a concepção de uma
educação que preparasse para a vida, pois a criança passou a ser
vista como um indivíduo frágil, inocente e sem experiências para
lidar com a realidade.
A educação das crianças ganha, então, nova roupagem e vem ao
lado da pedagogia para desempenhar a função de controlar o
desenvolvimento intelectual e emocional dos pequenos.
Tratava-se de uma educação voltada para as questões morais,
muitas vezes de maneira maniqueísta1, procurando levá-los a
escolher o lado do bem e refutar qualquer ação que
Fonte: http://tinyurl.com/hwjz7s2
caracterizasse o mal, por exemplo. Esta incumbência cabia
perfeitamente para a escola e para a literatura infantil, que começava a se delinear de fato, tendo como
função a de educar e informar as crianças e jovens.
1
Relativo a maniqueísmo: concepção que dispõe o mundo em dois lados opostos, o bem e o mal.
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estritamente pedagógica, educativa. O fato de serem inicialmente textos para adultos, questões como
adultério, incesto, demônio e canibalismo eram frequentes, o que justificava as adequações, uma vez que
tais elementos não eram apropriados para as crianças e jovens. Estas temáticas puramente do universo
adulto estão presentes nos contos de fadas escritos pelo francês Charles Perrault.
Iremos discutir sobre os contos de fadas e sobre toda a sua simbologia na Aula 8 da UIA 2.
Podemos dizer que Perrault é o precursor da literatura infantojuvenil, pois ele
registrou as narrativas folclóricas dos camponeses, transformando-as nos Contos da
Mamãe Gansa ou Contos de Fadas de Épocas Antigas que são uma compilação de 11
histórias, as quais estão na memória afetiva das pessoas até os dias de hoje. As Fonte:
http://tinyurl.com/h2
crianças acabam conhecendo essas histórias, mesmo antes de serem alfabetizadas: swwhr
Todos esses contos não têm uma autoria certa, foram captados da tradição folclórica europeia e contêm
elementos de profunda simbologia proveniente da mitologia grega, ou de liturgias religiosas, por exemplo.
Agora, que tal visitar a Biblioteca Digital Mundial na França e ver a obra
original de Perrault, Contes du temps passé (Contos de fadas de épocas
antigas), publicada em 1842?
http://tinyurl.com/hejxudm
Praticamente na mesma época em que Charles Perrault compilou os contos na França, dois irmãos,
Willhelm e Jacob Grimm, conhecidos mundialmente como Irmãos Grimm, recolheram da memória
popular mais de 200 narrativas, eram fábulas, contos e lendas. Essa coletânea foi publicada em 1812, sob
o título Contos da infância e do lar (Kinder- und Hausmärchen), com textos como:
Leia estes e muitos outros contos dos Grimm, acessando o link a seguir.
http://tinyurl.com/zqqn4tl
Os Contos da infância e do lar são apenas uma parcela de toda a extensa obra dos Grimm. Os chamados Contos
de Grimm são o maior legado da cultura popular alemã e já foram traduzidos para mais de 150 idiomas.
Diferentemente da obra de Perrault, nos textos dos Grimm sempre há a esperança, o otimismo, a crença
no fim das injustiças, o herói vencedor, etc.
Você quer conhecer mais a fundo a obra dos Irmãos Grimm? Leia o
artigo “Contos da Infância e do Lar: da Tradição Oral à Literatura para a
Infância”, de Carla Alexandra Guerreiro, publicado na Revista de La Red
de Universidades Lectoras - Alabe, em 2013:
http://tinyurl.com/h22964b
Há entre os três autores citados como os iniciadores da literatura escrita para a criança e para o jovem
algumas semelhanças que se evidenciam na temática, nos personagens e
nos fatos narrados, pois os três tinham suas inspirações baseadas em suas
origens, na tradição do povo europeu daquela época, e contavam com a
presença do sobrenatural, do misterioso, do maravilhoso em suas obras.
É bom sabermos que, em outras partes do mundo, pouco a pouco foram
surgindo obras de autores muito importantes para a história da literatura
infantojuvenil, como Charles Dickens, Lewis Carroll e Mark Twain.
Depois de termos conversado sobre como se deu o nascimento de uma
literatura feita exclusivamente para o público não adulto, resta-nos um
questionamento: existe mesmo uma literatura infantil? E é sobre esta
questão que vamos refletir no tópico 1.2.
Fonte: http://tinyurl.com/hg65lce
O gênero Literatura Infantil tem a meu ver existência duvidosa. Haverá música infantil?
Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de ser alimento para a
alma de uma criança ou um jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro
para crianças que não seja lido com interesse pelo homem feito? [...] observados alguns
cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança
um ser à parte? Ou será a Literatura Infantil algo de mutilado, de reduzido, de
desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da
infância é a própria infância?
(ANDRADE, 2011, p. 220)
Já o texto literário voltado para o público adulto, não, este, ao contrário, somente pode ser apreciado
pelo próprio adulto. Tem, portanto, alcance menor se comparado ao infantil!
Além disso, devemos ter em mente o seguinte: se é literatura, é arte, porque literatura é manifestação
artística e, como veremos logo a seguir nesta aula, arte não tem idade!
A grande questão está, porém, no sentido que se atribui à expressão literatura infantil ou infantojuvenil, e
no uso que se faz dela, pois a escola pode contribuir para que ela deixe mesmo de ser vista como
literatura, caso a escola anule a sua dimensão literária em função de uma perspectiva puramente didática
para ensinar alguma coisa e não para propiciar ao estudante o deleite2, a fruição3. E, sendo assim, a
resposta ao questionamento que fizemos neste tópico 1.2 pode ser “não”, não existe literatura infantil,
caso ela perca sua dimensão literária, se a escola tentar embutir na criança ou no adolescente o livro
como veículo de intenções puramente pedagógicas, escolarizando o texto literário.
Contudo, para Magda Soares (2011), há uma escolarização que pode ser considerada adequada e uma
escolarização inadequada da literatura:
2
Suave sensação de prazer.
3
Desfrutar de algo com prazer, com satisfação.
4
Homem muito pequeno.
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infantojuvenil seja um agente de formação e de enriquecimento e, acima de tudo, que ele seja o grande
impulsionador para o desejo de ler.
Neste caminho, é bom que possamos perceber o que, de fato, define a literatura infantil ou
infantojuvenil. É o que discutiremos no tópico 1.2.1.
5
Algo que apresenta uma variedade de significados.
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É justamente a particularidade do texto literário que o caracteriza como literatura. Veja como Adélia
Prado nos ajuda a entender isso: “De vez em quando Deus me tira a poesia. Eu olho pedra e vejo pedra
mesmo”. (PRADO, 1991, p.199). Em um texto literário, pedra poderia ser qualquer coisa, menos pedra
mesmo. Diferentemente do texto de Drummond. Veja como “pedra” aparece em seu texto:
Textos funcionais são aqueles que possuem uma linguagem específica para atender a objetivos
concretos e também específicos. São textos que não possuem caráter expressivo, mas de instrução,
recomendação, informação.
Sendo assim, para Faria,
Além disso, é possível dizer que a literariedade pode manifestar-se pelo uso de elementos estéticos no
texto: figuras de linguagem, instauração de uma feição ficcional, uso dos discursos tanto concretos
quanto implícitos.
O Brasil sofreu essas influências, e os textos voltados para o público infantil, que começaram a circular no
país, assumiram o papel de difusores de regras de comportamento, a exemplo dos textos produzidos na
Europa, como discutimos na aula 1.
Vamos compreender como se deu o processo de inserção da literatura infantil no Brasil, com a ajuda da
estudiosa Carvalho (1989), professora e autora de vasta publicação sobre a literatura infantil, e Saraiva et
al (2001), que apresenta esse período em quatro fases:
• Foi uma época de muita polêmica, • Manuel José Gondim da Fonseca publica
inclusive na educação, pois o Conto do País de Fadas, O Reino das
analfabetismo era muito alto no país. Maravilhas, João Miudinho.
Pensou-se, então, em uma reforma da
• Viriato Correia escreveu Varinha de
educação, por meio da implantação da
condão, Arca de Noé, No reino da
Escola Nova na tentativa de reverter esta
bicharada, Quando Jesus nasceu.
situação. Houve, também, uma
efervescência de muitas manifestações • Renato Sêneca Fleury publicou várias
artísticas, especialmente a Semana de obras, entre elas: O Príncipe e o Juiz, A
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• Começam a aparecer nas obras marcas da • Ligia Bojunga Nunes, Corda Bamba, A
oralidade, como gírias e falares regionais. Casa da Madrinha.
Como vimos no breve histórico descrito nos quadros, a literatura para crianças e jovens no Brasil viveu
um largo período de produções oriundas de adaptações e traduções de
textos estrangeiros, bem como apresentava um enfoque cívico-
pedagógico.
A partir da segunda década do século XX, porém, essa perspectiva foi
ganhando ares da tradição folclórica da nossa cultura popular, mas, até
então, a produção literária infantil no país ainda era restrita. Somente a partir
da 4ª fase, dos anos 1970 para cá, diante da reestruturação política e
econômica que o Brasil vivenciou, após o regime militar, o país se viu diante
de uma nova conjuntura, especialmente em meados dos anos 1980, e o
setor produtivo de obras literárias infantojuvenis se expandiu com sucessivas Fonte: http://tinyurl.com/jg2avdx
publicações e com o surgimento de muitas livrarias e ações voltadas para os
jovens leitores (LAJOLO; ZILBERMAN, 1999).
O novo contexto sociopolítico envolvia a defesa pela igualdade cultural e social e, nesta direção, os textos
reforçaram a presença de temáticas raciais, étnicas e culturais do povo brasileiro, com a presença do
negro, do índio, de comidas, lendas, cantigas, etc.
Atualmente, a literatura infantojuvenil caminha para o rompimento “com a pedagogia conservadora, a
qual por muito tempo aprisionou o gênero. Agora a tendência é continuar com a produção de textos que
estejam investidos de seu caráter de produto cultural. Esperamos que as gerações futuras de leitores
possam usufruir dessa conquista” (SOUZA, 2013, p. 97).
Hoje já é fácil provar que coube a Monteiro Lobato a fortuna de ser, na área da Literatura
Infantil e Juvenil, o divisor de águas que separa o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. Foi
ele, sem sombra de dúvida que, fazendo a herança do passado submergir no presente,
encontrou o novo caminho criador que a Literatura Infantil estava necessitando. Rompe,
pela raiz, com o nacionalismo tradicional e abre as portas para a criatividade que
precisava ser liberada.
(COELHO, 1981, p. 354)
mistura muito característica: a fantasia e o cotidiano real. Carvalho (1989) explica que a fusão desses dois
elementos – imaginário e realidade –aparece de forma fluida na estrutura do texto de O Sítio do Pica-Pau
Amarelo, que, por sua vez, “realiza-se numa unidade temática, de lugar e de personagens”
(CARVALHO,1989, p. 136).
Silva (2008, p. 104) entende que Monteiro Lobato “percebeu aquilo que os demais autores ainda não
tinham percebido: a criança é um ser inteligente e capaz de juízos críticos”. Este ponto de vista se repete
na concepção de muitos autores da atualidade, pois acreditam na inteligência dos pequenos e acham
muitíssimo importante aguçar seu raciocínio, seu espírito crítico, estimulando-os a pensar e a discutir
suas opiniões.
Título Ano
Monteiro Lobato mostrou um caminho para outros escritores de textos para crianças e jovens; sua obra
permanece viva na escola e na lembrança de muitos que tiveram e têm a oportunidade de conhecê-lo.
Ele se faz presente na linguagem coloquial de Lygia Bojunga, no olhar questionador dos
personagens de Ana Maria Machado, no humor de Ruth Rocha, só para citar três nomes
canônicos. Como o Sítio do Picapau Amarelo, são mundos “sem coleiras” que os bons
autores de hoje nos revelam suas histórias.
(SILVA, 2008, p. 107 - 108)
Diferentemente dos textos produzidos até aos de 1950, os quais se preocupavam em retratar o interior
brasileiro, os campos e as florestas, as obras literárias infantojuvenis atualmente nos trazem personagens
que lutam para resolver situações muito típicas do contexto urbano: preconceito, miséria, poluição,
desigualdade social, saúde, desemprego, violências diversas, bullying, divórcio, abandono, sexualidade,
uso de drogas, questões de gênero, etc. São temas que estão relacionados com a própria vida e com toda
sua diversidade e complexidade.
Hoje em dia, não há mais uma preocupação, por parte dos escritores, de trazer, ao final das narrativas,
soluções pautadas na honra ou na moral ou desfechos inspiradores de feitos heroicos de seus
protagonistas, como é comum nos contos de fadas tradicionais. Ao contrário disso, percebemos a
presença de personagens que apresentam as mais diversas fragilidades (emocionais, psicológicas, físicas,
sociais), mas que superam tudo no desenrolar da história, convidando os pequenos leitores a
vivenciarem a possibilidade de vencer também seus próprios desafios com autoconfiança, resiliência,
autoestima, e livres de preconceitos.
Pelo que podemos perceber nos tópicos anteriores desta Aula 2 e também na Aula 1, a literatura para
crianças e jovens sempre esteve, de alguma forma, ligada à escola, o caráter didático-pedagógico vem
desde meados do século XVII. Isso ainda aparece nos livros atuais, muitos têm a intenção clara de ensinar
matemática, geografia, ciências, etc. e têm um apelo muito forte para as questões da diversidade, para
que as crianças e adolescentes aprendam a conviver com as diferenças entre as pessoas e a respeitá-las,
como é caso do livro Ninguém é igual a ninguém, de Regina Otero e Regina Rennó.
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Relações entre dois ou mais textos; quando um texto faz algum tipo de referência a outro texto.
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Interação entre dois ou mais textos.
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Você sabia que há vários autores tipicamente enquadrados como escritores para adultos que também já
produziram obras incríveis para os pequenos leitores?
Veja alguns exemplos:
Autor(a) Título
Rick e a girafa
Carlos Drummond de Andrade Poesia faz pensar
Crônicas 1
Além de tudo isso, precisamos observar também a presença marcante de elementos mágicos e lúdicos nos
livros para o público infantil e adolescente, os quais se alinham às nossas manifestações culturais, como
brincadeiras, cantigas, ditados populares e festas típicas. É o que veremos em seguida, no tópico 2.4.
entanto, pensar que é na cultura de um povo que está sua força. Então, precisamos levar nossas crianças e
jovens a conhecerem e se encantarem com nossas tradições, e o livro pode ser um bom caminho para isso.
Há escritores que fazem questão de valorizar nossa cultura, a exemplo de Monteiro Lobato. Veja alguns deles:
Autor(a) Título
E muitos outros…
O texto literário é um instrumento estético, porque uma obra só se materializa como literária no ato da
leitura. A estética do texto, portanto, está intimamente relacionada às sensações/percepções do leitor.
Todavia, o entendimento, a interpretação do que foi lido dependerá do conhecimento de mundo de
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cada um, pois, nas palavras de Leonardo Boff, “Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de
onde os pés pisam”(BOFF, 1997, p. 9). Isso significa que aquele que lê é um sujeito único e a sensação que
lhe é provocada pela leitura também é única e irá depender de suas experiências sociais, culturais etc.
Veja como Real (2007, p. 3) nos ajuda a compreender esta questão de forma prática:
Vamos imaginar a seguinte situação: estamos todos prontos para viajar, embarcados no
mesmo avião, sentados no mesmo lado e todos ocupamos os assentos próximos às
janelas. Conseguem imaginar isso? [...] Agora vamos olhar pelas janelas e descrever, uns
para os outros o que “estamos vendo”. Será que descreveremos as mesmas coisas, do
mesmo modo, com as mesmas palavras? Com certeza algumas informações se
aproximarão, porque de certa forma nosso imaginário já está “contaminado” pelo nosso
conhecimento de mundo, que nos restringe a certas possibilidades. Mas, mesmo assim,
alguns de nós irão descrever algo que não percebemos.
(REAL, 2007, p. 3)
Isso acontece da mesma forma na leitura, o que enxergamos, ou melhor, o que sentimos pela leitura de
um texto depende de quem somos como sujeitos e dos conhecimentos que temos. Nesta perspectiva, a
leitura ocorre na relação íntima do texto com o leitor, e a estética da recepção nada mais é do que a
inteireza desta relação.
Para que você possa ter uma compreensão mais acurada sobre estética
da recepção, leia o artigo “A estética da recepção: o horizonte de
expectativas para a formação do aluno espectador”, de Robson Rosseto,
professor do Curso de Pedagogia da Faculdade Padre João Bagozzi e
pesquisador do Grupo de Pesquisa Arte, Educação e Formação
Continuada da Faculdade de Artes do Paraná:
http://tinyurl.com/j3p7ltb
Apesar desta constatação das autoras citadas, a possibilidade de humanização das pessoas pela literatura
não é um caminho fácil, pois são comuns os relatos de professores que afirmam que os alunos não
gostam de ler, especialmente textos do gênero literário, e terminam sua escolaridade reafirmando até
uma aversão pela leitura. Podemos pensar, então, que a escola tem contribuído para esta antipatia,
considerando que se lê pouco na escola ou se lê apenas com finalidades didáticas.
Percebe-se ainda que, ao tomar um texto literário apenas com objetivos didáticos, não se desenvolve a
perspectiva interativa e dialógica que o gênero envolve, uma vez que a leitura não é um processo
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Situações em que ocorre um conjunto de sensações; quando o indivíduo vivencia várias sensações ao mesmo tempo, por meio
dos sentidos (audição, olfato, visão, tato, paladar).
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unilateral e solitário, ela prevê uma relação comunicativa entre o que está escrito e quem está lendo. E é
sobre isso que vamos refletir no tópico a seguir.
A compreensão do que se lê, a atribuição de sentido ao texto, para que se estabeleça uma relação de
interação com o texto, ocorre, segundo ainda Solé (1996), quando o leitor:
Essas estratégias a que se refere a professora Isabel Solé são recursos que o leitor utiliza para dar sentido
a um texto enquanto lê. São procedimentos que vão sendo desenvolvidos com a prática da leitura e vão
sendo usados de forma inconsciente pelo leitor. Estratégia de leitura é uma tática para obter, avaliar e
utilizar uma informação. As estratégias são: seleção, antecipação, inferência e verificação (SOLIGO, 2000).
O quadro a seguir busca esclarecer o que significa cada uma dessas estratégias e como elas funcionam:
Estratégias de leitura
Estratégias de Permitem que o leitor se atenha apenas aos índices úteis, desprezando os
seleção irrelevantes. Ao ler, fazemos isso o tempo todo: nosso cérebro "sabe", por
exemplo, que não precisa se deter na letra que vem após o "q", pois,
certamente, será "u"; ou que nem sempre é o caso de se fixar nos artigos, pois
o gênero está definido pelo substantivo.
Estratégias de Tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em informações
antecipação explícitas e em suposições. Se a linguagem não for muito rebuscada e o conteúdo
não for muito novo, nem muito difícil, é possível eliminar letras em cada uma das
palavras escritas em um texto, e até mesmo uma palavra a cada cinco outras, sem
que a falta de informações prejudique a compreensão. Além de letras, sílabas e
palavras, antecipamos significados. O gênero, o autor, o título e muitos outros
índices nos informam o que é possível que encontremos em um texto. Assim, se
formos ler uma história de Monteiro Lobato chamada “Viagem ao céu”, é
previsível que encontraremos determinados personagens, certas palavras do
campo da astronomia e que, certamente, alguma travessura acontecerá.
Estratégias de Permitem captar o que não está dito no texto de forma explícita. A inferência é
inferência aquilo que "lemos", mas não está escrito. São adivinhações baseadas tanto em
pistas dadas pelo próprio texto como em conhecimentos que o leitor possui.
Às vezes, essas inferências se confirmam, e às vezes, não; de qualquer forma,
não são adivinhações aleatórias.
Além do significado, inferimos também palavras, sílabas ou letras. Boa parte
do conteúdo de um texto pode ser antecipada ou inferida em função do
contexto: portadores, circunstâncias de aparição ou propriedades do texto. O
contexto, na verdade, contribui decisivamente para a interpretação do texto e,
com frequência, até mesmo para inferir a intenção do autor.
No entanto, vale a pena saber mais sobre isso. Assista ao vídeo “O que
acontece quando lemos”, vídeo do Módulo I do Programa de Formação
de Professores Alfabetizadores (Profa), realizado pelo MEC em 2001:
http://tinyurl.com/h286acs
A seguir, veja também a entrevista que a professora Delia Lerner,
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LITERATURA INFANTOJUVENIL | UIA 1 | 30
As narrativas dos textos literários infantojuvenis levam o leitor para um espaço de fantasia, para o
fantástico, o maravilhoso e, desse modo, possibilita ao leitor “experimentar uma vivência simbólica”
(FARIA, 2006, p. 19), levando-o a um exercício cognitivo e emocional.
As palavras de Bier (2014) resumem o que o contato com a literatura infantojuvenil pode proporcionar
aos seus leitores:
n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n
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No decorrer dessas primeiras aulas, falamos um pouco sobre como surgiu a literatura para crianças e jovens,
discutimos os possíveis conceitos sobre literatura e o que concede ao texto um caráter literário; abordamos
também sobre a importante herança de Monteiro Lobato para os textos infantojuvenis de hoje e, por fim, refletimos
sobre a recepção da literatura e sobre a leitura como um procedimento interativo entre o texto e o leitor.
Todo este debate inicial serviu-nos para que possamos compreender a significativa dimensão do trabalho com a
literatura infantojuvenil. Por esta razão, iremos conhecer melhor as particularidades desse gênero textual.
Autor(a) Título
Ziraldo Flicts
Há também a expectativa de despertar o espírito crítico do leitor acerca da realidade, como é o caso de
Autor(a) Título
O humor é uma das características mais marcantes da obra literária infantojuvenil contemporânea:
Autor(a) Título
Além disso, são obras que demonstram uma preocupação com a diagramação do texto, com o uso das
imagens, bem como com a “exploração dos recursos metalinguísticos9, intertextuais10 e intersemióticos11,
o que aponta para uma influência acentuada da estética predominante na literatura moderna e pós-
moderna dedicada ao universo adulto” (KIRSHOF, 2013, p. 103).
9
Relativos à metalinguagem: linguagem cujo objetivo é falar ou para descrever ela própria ou outra linguagem.
10
Relativo a intertexto: textos que mantêm relações estilísticas e/ou semânticas com um ou outro texto.
11
Estudo semiótico em diferentes linguagens.
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LITERATURA INFANTOJUVENIL | UIA 1 | 33
Os livros para crianças e jovens costumam apresentar narrativas curtas, em geral, são contos ou romances e
novelas. Vejamos, no tópico 4.2, quais são as características estruturais básicas das narrativas infantojuvenis.
Narrador por se tratar de uma narrativa, há sempre aquele que narra a história, tanto em 1ª como
em 3ª pessoa. O narrador apresenta a história, portanto, sob dois pontos de vista: ele
pode narrar em 1ª pessoa, tendo uma visão total dos fatos e participando da história,
como narrador-personagem; pode posicionar-se fora dela, narrando em 3ª pessoa, como
um espectador que tudo vê, inclusive sentimentos, mistérios, emoções e segredos das
personagens e da situação narrada, é o narrador-onisciente; ou pode narrar, também em
3ª pessoa, de forma mais neutra e imparcial, sem apresentar um conhecimento profundo
dos fatos e das personagens, sendo, pois, um narrador-observador.
Tempo o tempo é outro elemento estrutural de muita importância na narrativa, uma vez que se
refere ao tempo histórico em que ocorre a história e ao período de duração dos fatos, e
tanto um quanto o outro podem estar claros ou implícitos no texto, nas personagens e
no espaço em que acontece a narrativa.
Espaço o espaço pode ser o cenário da história, apenas como um pano de fundo ou pode
representar uma circunstância especial na narrativa quando, por exemplo, é descrito
para caracterizar o mundo da personagem principal ou para representar uma barreira
que ela precisa transpor, como o mar, uma selva ou um deserto.
Você se lembra de algum texto que leu e que apresente algum tipo de
intertexto?
da tradição de histórias populares; muitas delas vieram de Portugal, como a “A velha a fiar” e a “A
formiguinha e a neve”.
Podemos também aprender com Wornicov (1986), que também estabelece uma comparação entre as
fases do pensamento da criança e do jovem com os seus possíveis interesses de leitura. Veja o quadro:
Apesar de toda essa classificação, a criança, o jovem ou qualquer pessoa escolhem ou gostam de um livro
por diferentes razões, não é sua idade que determinará sua opção. A questão da faixa etária, portanto,
não é um indicador inevitável.Como professores ou pais, precisamos apenas ter bom senso e levar a
literatura às crianças e jovens apenas com o objetivo de fruição e de deleite literário.
Ricardo Azevedo, escritor e ilustrador de muitas obras para crianças e jovens, faz uma série de
questionamentos sobre a questão de livros dirigidos a esta ou àquela faixa etária. Veja a inquietação do autor:
Leia o artigo de Ricardo Azevedo e reflita junto com ele sobre essas
interrogações no link a seguir.
http://tinyurl.com/hfrmg2g
Você terminou o estudo desta unidade. Chegou o momento de verificar sua aprendizagem.
Ficou com alguma dúvida? Retome a leitura.
Quando se sentir preparado, acesse a Verificação de Aprendizagem da unidade no menu
lateral das aulas ou na sala de aula da disciplina. Fique atento, essas questões valem nota!
Você terá uma única tentativa antes de receber o feedback das suas respostas, com
comentários das questões que você acertou e errou.
Vamos lá?!
REFERÊNCIAS
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ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1981.
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Disponível em <http://www.ricardoazevedo.com.br/wp/wp-content/uploads/Literatura-infantil.pdf>.
Acessado em: 30 de julho de 2016.
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Ziraldo. 01dez2014. 161f. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.
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WORNICOV, Ruth .et al. Criança, leitura, livro. São Paulo: Nobel, 1986.
GLOSSÁRIO
Maniqueísta: Relativo a maniqueísmo: concepção que dispõe o mundo em dois lados opostos, o bem e
o mal.
Metalinguísticos: Relativos à metalinguagem: linguagem cujo objetivo é falar ou para descrever ela
própria ou outra linguagem.
Polissemia: Algo que apresenta uma variedade de significados.
Semiótica: Estudo dos signos e das linguagens culturais.
Situações sinestésicas: Situações em que ocorre um conjunto de sensações; quando o indivíduo
vivencia várias sensações ao mesmo tempo, por meio dos sentidos (audição, olfato, visão, tato, paladar).