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Um Guia de Análise Matemática 1

Maria Isabel Gomes


José Maria Gonçalves Gomes
2

“Pour que la connaissance ait toute son efficacité, il faut main-


tenant que l’esprit se transforme. Il faut qu’il se transforme dans
ses racines pour pouvoir assimiler dans ses bourgeons.”
(Gaston Bachelard, La philosophie du non.)

“Para que o conhecimento seja plenamente eficaz, é agora ne-


cessário que o espı́rito se transforme. É preciso que ele transforme
as suas raı́zes para que possa assimilar nos seus rebentos.”
(Gaston Bachelard, La philosophie du non.)
Capı́tulo 1

Sucessões, Limites e
Continuidade

1.1 Algumas noções prévias


Começaremos por abordar algumas noções que nos serão úteis ao longo deste
curso.

1.1.1 O método de indução finita


O método de indução finita (ou princı́pio de indução finita) é utilizado para
demonstrar a veracidade de uma proposição cujo domı́nio de validade é o
conjunto dos números naturais N (ou uma sua parte ilimitada). A sua uti-
lização é comum em muitas áreas da matemática. Vejamos alguns exemplos
de proposições nestas condições.

Exemplo 1.1 P1 (n): “Para todo o número natural n, tem-se 2n > n .”

Exemplo 1.2 P2 (n): “Se n é um número natural maior ou igual a 4, tem-se


2n ≥ n2 .”

Exemplo 1.3 P3 (n): “ Para todo o número natural n, tem-se n = n + 1”

Exemplo 1.4 P4 (n): “Considere a sucessão de números definida pelas condições

J(1) = 2 J(n + 1) = 2J(n) (n ∈ N)

Então J(n) = 2n .”

3
4 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Demonstrar a veracidade de uma proposição P(n) consiste em garantir


que a afirmação é verdadeira sempre que atribuı́mos a n um valor natural
(observe que a proposição do Exemplo 1.3 é falsa uma vez que falha para
n = 1). O método de indução comporta duas etapas:

• A verificação da base de indução. Ou seja, que a propriedade é verda-


deira para n0 , o primeiro elemento do seu domı́nio de validade (no Exemplo
1.2, temos n0 = 4).

• A demonstração da tese de indução a partir da hipótese de indução.


Isto é, provamos a implicação
P(n) (hipótese de indução) ⇒ P(n + 1) (tese de indução)
Uma propriedade que verifica a implicação anterior diz-se indutiva.

Atenção: uma propriedade pode ser indutiva sem no entanto ser verda-
deira: é, por exemplo, o caso da propriedade P3 (n).

Podemos fazer uma analogia entre o método de indução finita e o fenómeno


da queda uma sequência de dominós. Provar que a hipótese de indução im-
plica a tese de indução equivale a garantir que cada dominó foi colocado a
uma distância tal do seu sucessor que a queda do primeiro implica a queda
do segundo. Verificar a base de indução equivale a garantir que o primeiro
dominó da sequência tombou. Deste modo garantimos a queda de todos os
dominós na sequência.
Nota 1.1 O método de indução conhece algumas versões que podem ser
mais adequadas à demonstração da veracidade de certa propriedade. Apre-
sentamos aqui duas variantes do método clássico.

• Podemos substituir a hipótese de indução P (n) pela hipótese mais res-


trita
P (1) ∧ P (2) ∧ ... ∧ P (n)
procurando deste modo demonstrar a tese P (n + 1) partindo do princı́pio
que toda a proposição P (i) é verdadeira para i ≤ n.

• Podemos demonstrar a veracidade de P (n) para todo o n começando


por demonstrar que ela é verdadeira para uma certa sucessão (P (nk )) (em
que (nk ) é uma subsucessão crescente dos números naturais) e verificando
que
P(n + 1) ⇒ P(n)
1.1. ALGUMAS NOÇÕES PRÉVIAS 5

(veja o exercı́cio 4 no final da secção.

Retomemos agora os exemplos anteriores. No caso do Exemplo 1.1 temos


que 21 > 1, pelo que a base de indução é verdadeira. Verifiquemos que

2n > n ⇒ 2n+1 > n + 1

Escrevendo 2n+1 = 2·2n e utilizando a hipótese de indução 2n > n, concluı́mos


que
2n+1 = 2 · 2n > 2n = n + n ≥ n + 1
(recorde que, como n ∈ N, necessariamente n ≥ 1). Podemos concluir que a
proposição é verdadeira para todo o n ∈ N.

Consideremos agora o Exemplo 1.2. Temos 24 = 42 logo verifica-se a base


de indução. Aplicando a hipótese de indução, temos

2n+1 = 2 · 2n ≥ 2n2

A tese ficará demonstrada se justificarmos que, para n ≥ 4,

2n2 ≥ (n + 1)2

Esta desigualdade é equivalente a

n2 − 2n − 1 ≥ 0

Ora, se n ≥ 4, temos

n2 − 2n − 1 = n(n − 2) − 1 ≥ 4 · 2 − 1 > 0

(alternativamente, poderı́amos estudar o sinal da expressão n2 −2n−1 calcu-


lando as raı́zes da parábola x y x2 − 2x − 1). Repare-se que P2 (n) torna-se
indutiva para n ≥ 3 mas apenas se torna verdadeira para n ≥ 4.

Finalmente, vejamos o caso do Exemplo 1.4. Temos J(1) = 2 pelo que


se verifica a base de indução. Demonstremos que a propriedade J(n) = 2n é
indutiva:

J(n) = 2n ⇒ 2J(n) = 2 · 2n ⇒ J(n + 1) = 2n+1

o que conclui a demonstração.


6 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Exercı́cios

1. Seja k > −1. Prove por indução que

(1 + k)n ≥ 1 + nk ∀n ∈ N

2. Prove por indução que

1 − an+1
1 + a + ... + an =
1−a
em que a ∈ R\{1}.

3. Considere a sucessão de números definida por


1 un+1 + un
u0 = 1 , u1 = , un+2 =
2 6
Mostre por indução que
1
un =
2n
Sugestão: verifique que a propriedade é verdadeira para n = 0 e n = 1 e,
tendo em conta a Nota 1.1, demonstre que

P (n) ∧ P (n + 1) ⇒ P (n + 2)

4. Pretendemos demonstrar que

x1 + · · · + xn n
 
x1 ...xn ≤ para x1 , ...., xn ≥ 0
n

(a) Verifique que a desigualdade é verdadeira para n = 2

(observe que (x1 + x2 )2 − 4x1 x2 = (x1 − x2 )2 ≥ 0).


(b) Mostre que P (2) e P (n) implicam P (2n)
(c) Fazendo xn = (x1 + · · · + xn−1 )/(n − 1) conclua que

P (n) ⇒ P (n − 1) (n > 1)

(d) Conclua que P (n) é verdadeira para todo o n ∈ N.

(adaptado do livro “Concrete Mathematics” de Graham, Knuth e Patashnik;


Addison Wesley, 1994)
1.1. ALGUMAS NOÇÕES PRÉVIAS 7

1.1.2 Noções topológicas básicas na recta real


Pretendemos nesta subsecção introduzir algumas noções básicas de topologia que
serão úteis no estudo das aplicações definidas na recta real.

Começamos por recordar que um conjunto X ⊂ R diz-se majorado ou limi-


tado superiormente se e só se
∃M ∈ R : x∈X ⇒ x≤M
O número M é designadado por um majorante de X. Se um conjunto X é ma-
jorado, designamos por supremo de X o menor dos majorantes. A sua existência
resulta da axiomática dos números reais e pode-se fácilmente provar a sua unici-
dade. Se S é supremo de X e S ∈ X, então S diz-se o máximo de X.

No caso de um conjunto X não admitir majorantes, diremos que o seu supremo


é +∞.

De forma análoga, um conjunto X diz-se minorado ou limitado inferior-


mente se e só se
∃m ∈ R : x ∈ X ⇒ x ≥ m
O número m é designado por um minorante de X. O maior dos minorantes de
um conjunto limitado inferiormente diz-se infı́mo de X. Se l é infı́mo de X e
l ∈ X dizemos que l é o mı́nimo de X.

No caso de um conjunto X não admitir minorantes, diremos que o seu infı́mo


é −∞.

Finalmente, dizemos que um conjunto é limitado se fôr majorado e minorado.

Definição. Dado a ∈ R e  > 0, designamos por vizinhança de a de raio  o


conjunto
V (a) :=]a − , a + [= {x ∈ R : |x − a| < }
(repare que a noção de vizinhança de um ponto a de raio  na recta real é
análoga à noção de cı́rculo de centro a e raio  no plano).

Definição. Dado um subconjunto B de R, e a ∈ R, diremos que a é um ponto


interior de B se e só se existir  > 0 tal que
V (a) ⊂ B

Exemplo 1.5 Consideremos B = [0, 1[. O ponto 43 é interior a B pois a vizi-


nhança de centro 34 e raio 41 está contida em B. No entanto, o ponto 0 não é
interior a B: qualquer vizinhança V (0) contem pontos negativos.
8 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Definição. Dado um subconjunto B de R, e b ∈ R, diremos que b é um ponto


fronteiro de B se e só se, para todo o  > 0,

V (a) ∩ B 6= ∅ e V (a) ∩ R\B 6= ∅

Dito de outro modo: os pontos fronteiros de um conjunto B são aqueles que toda
a vizinhança contem pontos de B e pontos que não pertencem a B. Recordamos
que designamos por R\B o complementar de B. Pelo que um podemos equivalen-
temente dizer que um ponto é fronteiro se e só se toda a vizinhança centrada no
ponto intersecta B e o seu complementar.

Repare que, enquanto que um ponto interior de B pertence necessariamente a


B, um ponto fronteiro pode ou não pertencer ao conjunto.

Finalmente, dizemos que um ponto c é exterior a um conjunto B se e só se fôr


interior ao conjunto complementar R\B.

O conjunto dos pontos interiores de um conjunto B é designado por interior de


B e denotado por int(B). De forma semelhante, o conjunto dos pontos fronteiros
de B é designado por fronteira de B (denotado por F r(B)) e o conjunto dos
pontos exteriores de B é designado por exterior de B (denotado por Ext(B)).
Designamos por aderência ou fecho de um conjunto B o conjunto

B = Int(B) ∪ F r(B)

Observe que, para todo o subconjunto A de R tem-se

int(A) ⊂ A ⊂ A

Exemplo 1.6 Consideremos de novo B = [0, 1[. Tanto o ponto 0 como o ponto
1 são pontos fronteiros de B donde

F r(B) = {0, 1} .

O conjunto dos pontos exteriores de B é

Ext(B) =] − ∞, 0[∪]1, +∞[

e o seu fecho (ou aderência) é B = [0, 1].

Introduzimos agora dois tipos de conjuntos fundamentais no estudo das funções


reais de variável real.

Definição. Um conjunto A ⊂ R diz-se aberto se e só se

int(A) = A
1.1. ALGUMAS NOÇÕES PRÉVIAS 9

Definição. Um conjunto B ⊂ R diz-se fechado se e só se

B=B

Definição. Um conjunto C diz-se compacto se fôr limitado e fechado.

Podemos verificar que um conjunto A é aberto se e só se o seu complementar


R\A é fechado.

Por exemplo, o conjunto ]0, 1[ é aberto e o conjunto [0, 1] é fechado. Cla-


ramente, existem conjuntos que não são abertos nem fechados (por exemplo, o
conjunto [0, 1[). Finalmente, alertamos o leitor para a existência de dois subcon-
juntos em R que são simultaneamente abertos e fechados: a saber, o próprio R e
o seu complementar, o conjunto vazio que denotamos por ∅.

Finalmente, concluı́mos esta secção introduzindo a noção de ponto de acu-


mulação e de derivado de um conjunto.

Definição. Dado um conjunto X ⊂ R dizemos que a é ponto de acumulação de


X se e só se
∀ > 0 , V (a) ∩ X\{a} =
6 ∅
Dito de outro modo: a é ponto de acumulação de X se e só se toda a vizinhança
de a contem elementos de X distintos de a (como a própria palavra o indica, o
conjunto X “acumula-se” em a). O conjunto dos pontos de acumulação de X é
denotado por X 0 e designado por derivado de X.

Exemplo 1.7 Dado o conjunto X =]0, 1] ∪ {2}, podemos verificar que 0, apesar
de não pertencer a X, é ponto de acumulação de X. No entanto, 2 não é ponto
de acumulação uma vez que, se tomarmos por exemplo  = 1/2, temos

V 1 (2) ∩ X\{2} = ∅
2

Deixamos ao leitor a verificação que o derivado X 0 coincide com [0, 1].

Exercı́cios

1. Determine o interior, a fonteira e o exterior do subconjunto de R


 
2 1
C = {x ∈ R : x − x < 0} ∩ , +∞
2

2. Dê um exemplo de um conjunto X1 tal que

int(X) = ∅ e X = [0, 1]
10 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

3. Dê um exemplo de um X2 , não vazio, tal que

X20 = X 2

4. Mostre que um subconjunto finito de R é fechado.

5. Mostre que se A1 , A2 , ...., An são abertos então

A1 ∩ A2 ∩ ... ∩ An

é aberto. (sugestão: pode utilizar o método de indução)

6. Considere o conjunto

1
M = {x ∈ R : x = n + ; m, n ∈ N}
m
Determine M 0 .

(adaptado do livro “Introdução à Análise Matemática” de J. Campos Fer-


reira, ed. Fund. Cal. Gulbenkian.)

1.2 Sucessões reais


Definição.
Designa-se por sucessão real (mais simplesmente: sucessão) uma aplicação
u do conjunto dos números naturais N para o conjunto dos números reais R. A
imagem de n por u é representada por u(n) ou un e podemos denotar a sucessão por
(un )n∈N ou mais simplesmente (un ). O contradomı́nio de uma sucessão é designado
por conjunto dos termos da sucessão. Representamo-lo por {un }n∈N ou mais
simplesmente {un }.

Exemplo 1.8 A sucessão u definida por u(n) = 2n − 1 tem como contradomı́nio


o subconjunto de R constituı́do pelos números ı́mpares.

Exemplo 1.9 O conjunto dos termos da sucessão v(n) = n1 é composto pelos


inversos de números naturais. Assim {vn } ⊂ Q ⊂ R. Observe que à medida que o
valor n aumenta, os valores v(n) aproximam-se de zero.

Uma sucessão diz-se limitada quando o seu contradomı́nio (o conjunto dos


seus termos) é um conjunto limitado de R. É fácil verificar que esta condição é
equivalente a
∃M ∈ R : ∀n ∈ N, |un | ≤ M . (1.1)
1.2. SUCESSÕES REAIS 11

A sucessão v do Exemplo 1.9 é limitada posto que



1
∀n ∈ N, ≤ 1 .
n
A sucessão u do mesmo exemplo não é limitada. Com efeito, qualquer que seja o
valor M considerado em (1.1), existem termos da sucessão tais que |u(n)| > M :
basta para tal tomar um natural n > (M + 1)/2 de modo que

un = 2n − 1 > M .

Uma sucessão diz-se crescente se e só se, para todo o n ∈ N,

un ≤ un+1 . (1.2)

Equivalentemente:
un+1 − un ≥ 0 .
De modo semelhante, define-se sucessão decrescente aquela que verifica

un ≥ un+1 , (1.3)

para n ∈ N. Uma sucessão crescente ou decrescente diz-se monótona. As su-


cessões u e v dos exemplos 1.8 e 1.9 são monótonas.
Importa reconhecer quando uma sucessão é monótona a partir de certa
ordem i.e quando verifica (1.2) ou (1.3) para n maior ou igual que um certo
p ∈ N. Veja-se o seguinte exemplo:
1
Exemplo 1.10 Considere a sucessão wn = . Temos
2n − 5
w1 > w2 e w2 < w3 ,

pelo que a sucessão wn não é monótona. No entanto


1 1 2
wn+1 − wn = − =− .
2(n + 1) − 5 2n − 5 (2n − 3)(2n − 5)
Observe que o último membro é negativo se admitirmos que n ≥ 3. Ou seja, a
sucessão w é monótona a partir da ordem 3.

Uma sucessão diz-se convergente quando verifica a seguinte propriedade:

∃L ∈ R : ∀ > 0 ∃p ∈ N : n > p ⇒ |un − L| <  , (1.4)


ou alternativamente, usando a noção de vizinhança de raio  de L,

∃L ∈ R : ∀ > 0 ∃p ∈ N : n > p ⇒ un ∈ V (L) .


12 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Dizemos nesse caso que u converge para L ou que L é limite de u. Notamos

un → L ou lim un = L .

A condição (1.4) traduz rigorosamente a noção intuitiva que os termos un da


sucessão tendem a aproximar-se de L quando n tende para infinito. De facto,
podemos interpretá-la do seguinte modo:

Um céptico quanto à convergência da sucessão un = 1/n estabelece uma vizi-


nhança ] − , [ do suposto limite zero. Observa então que são em número finito
os naturais n para os quais un não pertence à vizinhança. Desconfiado, repete o
processo com uma vizinhança de raio 0 ainda mais pequeno. E observa novamente
que são em número finito os objectos n para as quais a imagem 1/n fica fora da
nova vizinhança.

Dito de outro modo: qualquer que seja a vizinhança V em torno do limite de


uma sucessão convergente, é finito o conjunto dos ı́ndices n tais que un ∈
/ V . Em
linguagem simbólica:

∃L ∈ R : ∀ > 0 ∃p ∈ N : |un − L| ≥  ⇒ n ≤ p .

Repare que esta condição é equivalente a (1.4), i.e.

∃L ∈ R : ∀ > 0 ∃p ∈ N : n > p ⇒ |un − L| <  .

Obviamente, quanto menor for o raio da vizinhança, maior deverá ser o valor da
ordem p. Ou seja, o valor de p depende do valor  do raio da vizinhança. Por
exemplo, no caso da sucessão vn = n1 , temos que para um dado , um valor de p
para o qual é verificada a condição (1.4) com L = 0 é

p := b−1 c + 1 > −1 ,

em que bxc, ou “parte inteira de x”, designa o maior inteiro menor ou igual a x.
Nesse caso, todo o natural n tal que n > p verifica
1 1 1
|vn | = < < .
n p 

Uma sucessão convergente para zero é designada por infinitésimo. Dada uma
sucessão u e um real L, podemos considerar a sucessão (|un − L|) que para cada
n mede a distância do termo un a L. Afirmar que un converge para L equivale a
afirmar que (|un − L|) é um infinitésimo.

Os lemas seguintes registam propriedades simples das sucessões convergentes.

Lema 1.1 Uma sucessão convergente u possui um único limite.


1.2. SUCESSÕES REAIS 13

Dem. Vamos supor a existência de dois valores distintos L1 e L2 verificando (1.4).


Necessariamente, a distância d = |L1 − L2 | é positiva. As vizinhanças
   
d d d d
V1 = L1 − , L1 + e V2 = L2 − , L2 +
3 3 3 3

não se intersectam (pode fazer um esboço). Por hipótese de convergência, para


 = d3 , existem naturais p1 , p2 tais que

n > p1 ⇒ un ∈ V1 e n > p2 ⇒ un ∈ V2 .

Assim, para n > max{p1 , p2 }, temos un ∈ V1 e un ∈ V2 . Será isto possı́vel?

Lema 1.2 Uma sucessão convergente u é necessariamente limitada.

Dem. Seja u uma sucessão convergente para um limite L. De acordo com a


propriedade (1.4), se tomarmos  = 1, existe um natural p tal que

n>p ⇒ |un − L| < 1 ,

o que implica, para n > p, |un | < |L| + 1.


Por outro lado, para n ≤ p,

|un | ≤ max{|u1 |, ..., |up |} = Mp .

Assim, a propriedade (1.1) é verificada pela sucessão u se considerarmos M =


max{|L| + 1, Mp }.
Uma sucessão limitada pode não ser convergente. Considere por exemplo wn =
(−1)n . No lema seguintes estabelecemos um critério suficiente para a convergência
de uma sucessão.

Lema 1.3 Uma sucessão monótona e limitada u é necessariamente convergente.

Antes de justificarmos este lema, recordamos que uma sucessão u diz-se mo-
notóna quando a aplicação u(n) é crescente ou decrescente em N. Referimos a
seguinte propriedade do supremo e do infı́mo de um conjunto limitado que o
leitor poderá verificar. Seja A um conjunto limitado e sejam l, ¯l respectivamente
um minorante e um majorante de A, i.e. verifica-se

∀x ∈ A : l ≤ x ≤ ¯l .

Então ¯l e l são o supremo e o infı́mo de A respectivamente se e só se existirem


sucessões x̄n e xn de termos em A convergindo respectivamente para ¯l e l.
Dem. Vamos supor que u é crescente (o caso em que u é decrescente reduz-se
ao primeiro se considerarmos a sucessão auxiliar wn = −un ). Seja ¯l o supremo
14 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

do conjunto dos seus termos {un }. Vamos mostrar que ¯l é de facto o limite da
sucessão un . Para tal, consideramos uma vizinhança
V =]¯l − , ¯l + [
de raio arbitrário . Pela definição de supremo, existe um termo up ∈ V . Como u
é crescente, temos para n > p
up ≤ un ≤ ¯l .
Em particular
∀n > p : |un − ¯l| <  .
Verifica-se assim a definição de convergência formulada em (1.4).

Lema 1.4 Sejam u e v duas sucessões convergentes tais que, para um certo p0 ∈ N
vn ≤ un ∀ n > p0 . (1.5)
Então,
lim vn ≤ lim un .
Dem. Designando por L1 e L2 respectivamente os limites de v e u, pretendemos
verificar que
L1 ≤ L2 .
Como vista a uma contradição, supunhamos que L1 > L2 . Designando por d =
|L1 − L2 | a distância entre os limites, as hipóteses do lema garantem a existência
de naturais p1 , p2 tais que
d d
n > p1 ⇒ L1 − < vn < L1 + ,
2 2
d d
n > p2 ⇒ L2 − < un < L2 + .
2 2
Observe então que para n > max{p0 , p1 , p2 }, teremos
d d
un < L2 + = L1 − < vn ,
2 2
assim obtendo uma contradição com a condição (1.5).
Uma consequência deste lema é que se u é uma sucessão convergente, tal que,
a partir de certa ordem p se verifica
a ≤ un ≤ b
então
a ≤ lim u ≤ b
(pode comparar u com as sucessões constantes iguais a a e a b respectivamente).
Dito de outro modo, se o conjunto dos termos {un } de uma sucessão con-
vergente está contido num intervalo fechado [a, b], o seu limite também deverá
pertencer a [a, b]. No resultado seguinte exploramos um pouco mais a ideia de
enquadramento dos termos de uma sucessão.
1.2. SUCESSÕES REAIS 15

Lema 1.5 (Lema das sucessões enquadradas) . Sejam u, v, w sucessões para as


quais existe p0 ∈ N
n > p0 ⇒ vn ≤ un ≤ wn .
Se v e w forem convergentes para o mesmo limite l então u é uma sucessão con-
vergente para l.

Dem. A convergência da sucessão u ficará estabelecida se verificarmos que u goza


da propriedade (1.4) tomando nessa definição L = l. Dado  > 0, concluı́mos que
existem p1 e p2 tais que

|wn − l| <  para n > p1 (1.6)


|vn − l| <  para n > p2 . (1.7)

Assim, se considerarmos p > max{p0 , p1 , p2 }, as desiguladades anteriores serão


ambas verificadas para n > p. Observe então que, para n > p

l −  ≤ vn ≤ un ≤ wn ≤ l +  ,

ou seja |un − l| < .

Corolário 1.6 Seja vn uma sucessão limitada e un um infinitésimo. Então

lim un · vn = 0

Dem. Como vn é limitada, existe um real M > 0 tal que

|vn | ≤ M ∀M .

Assim
0 ≤ |un vn | ≤ M |un | .
Posto que a sucessão M |un | tende para zero, concluı́mos pelo lema das sucessões
enquadradas que
lim un vn = 0 .

Os lemas anteriores revelam a sua utilidade quando pretendemos estabelecer a


convergência de uma sucessão sem recorrer ao uso da definição.
Exemplos

(i) Considere a sucessão


1
u1 = 0, 9 u2 = 0, 99 u3 = 0, 999 ... un = 1 − .
10n
16 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Trata-se de uma sucessão crescente, limitada superiormente por 1. Concluı́mos


que u é uma sucessão convergente (qual é o seu limite?).

(ii) Considere a sucessão

u1 = 0, 1 u2 = 0, 12 u3 = 0, 123 u4 = 0, 1234 u5 = ....

(intuitivamente: a expansão decimal do termo de ordem n é o número formado


pela justaposição dos primeiros n naturais). Trata-se de uma sequência monótona
e limitada entre 0 e 1 e por isso convergente (o seu limite é um número irracional:
a sua expansão decimal não é finita nem periódica).

(iii) Considere a sucessão


sin(n2 )
vn = .
n2
Repare que, qualquer que seja o natural n
1 1
− ≤ vn ≤ 2 ,
n2 n
posto que −1 ≤ sin(n) ≤ 1. Como as sucessões wn = −1/n2 e hn = 1/n2 conver-
gem para o mesmo limite, concluı́mos que vn é convergente. Alternativamente a
esta resolução, podemos argumentar que a sucessão un = 1/n2 é um infinitésimo
e a sucessão vn = sin(n) é limitada, sendo por isso o respectivo produto um infi-
nitésimo.

(iv) Considere a sucessão √


n
X k
wn = .
n2
k=1
Concretizemos os seus primeiros termos:
√ √ √ √ √ √
1 1 2 1 2 3
w1 = 2 = 1 w2 = 2 + 2 w3 = + + .
1 2 2 32 32 32

n
Observe que cada wn é uma soma de n parcelas em que a maior parcela é n2
.
Podemos deste modo estimar
√ √ √
3 3 3
w3 ≤ 2 + 2 + 2
3 3 3
ou de um modo geral
n √ √
X n n 1
0 ≤ wn ≤ =n = √ → 0.
n2 n2 n
k=1

Assim, pelo lema das sucessões enquadradas, concluı́mos que wn é convergente


para zero.
1.2. SUCESSÕES REAIS 17

Exemplo 1.11 Um exemplo particularmente importante é o da sucessão


1 n
 
en = 1 + .
n
Trata-se de uma sucessão monótona e limitada (veja o exercı́cio 11 no final desta
secção). O seu limite é o Número de Neper e, que serve de base a uma função
exponencial notável. De um modo geral, para qualquer número real x, tem-se
 x n
lim 1 + = ex .
n
O valor de e pode ser aproximado pela sucessão
n
X 1
sn = .
k!
k=0

Enunciemos propriedades aritméticas das sucessões convergentes.

Lema 1.7 Sejam u e v sucessões convergentes para L1 e L2 , respectivamente.


Então:
(i) a sucessão u + v é convergente para L1 + L2 .
(ii) sendo k um número real, ku é convergente para kL1 .

Dem.

(i) Pretendemos justificar que, dado um certo  > 0, podemos fornecer uma
ordem p tal que
n > p ⇒ |un + vn − (L1 + L2 )| <  .
Da desigualdade triangular

|a + b| ≤ |a| + |b| ∀ a, b ∈ R ,

resulta

|un + vn − (L1 + L2 )| = |(un − L1) + (vn − L2 )| ≤ |un − L1 | + |vn − L2 | . (1.8)

A hipótese de convergência de (un ) para L1 , garante a existência de p1 ∈ N tal que

n > p1 ⇒ |un − L1 | < /2 .

Analogamente, existe p2 ∈ N tal que

n > p2 ⇒ |vn − L2 | < /2 .

Assim, tomando um natural p ≥ max{p1 , p2 }, teremos

n>p ⇒ |un − L1 | + |vn − L2 | < /2 + /2 =  .


18 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Podemos então concluir, por (1.8), que

n>p ⇒ |un + vn − (L1 + L2 )| <  ,

assim se justificando o resultado.

(ii) Daremos uma justificação resumida. No caso de k = 0, a afirmação é


trivial. No caso de k 6= 0, observe que

|kun − kL| <  ⇔ |k||un − L| <  ⇔ |un − L| < /|k| . (1.9)

Dado  > 0, existe p ∈ N tal que

n>p ⇒ |un − L| < /|k| .

Logo, por (1.9), para n > p,


|kun − kL| <  ,
assim se provando a condição de convergência de (kun ) para kL.

Lema 1.8 Sejam u e v sucessões convergentes para L1 e L2 respectivamente.


Então:
(i) a sucessão uv é convergente para L1 L2 .
u L1
(ii) se L2 6= 0 e vn 6= 0 para todo o n ∈ N então a sucessão converge para .
v L2

Dem.

(i) Observe que

|un vn − L1 L2 | = |(un − L1 )vn + L1 (vn − L2 )| ≤ |(un − L1 )| · |vn | + |L1 | · |(vn − L2 )| .

Posto que v é uma sucessão convergente, é em particular limitada. Pelo que existe
M > 0 tal que
|vn | < M ∀n ∈ N .
Podemos então escrever

|un vn − L1 L2 | ≤ M |un − L1 | + |L1 | · |vn − L2 | . (1.10)

Observe que pelas alı́neas (i)–(ii) do lema anterior, a sucessão

zn = M |(un − L1 )| + |L1 | · |(vn − L2 )|

é um infinitésimo. Pelo lema das sucessões enquadradas aplicado a (1.10),

|un vn − L1 L2 | → 0 ,
1.2. SUCESSÕES REAIS 19

o que conclui a justificação de (i).

(ii) Apenas sugeriremos a demonstração descrevendo os passos fundamentais.


Podemos justificar que existe m > 0 tal que

|vn | ≥ m ∀n ∈ N .

Escrevemos
un L1 1
vn − L2 = |vn L2 | |un L2 − vn L1 | .

Observe que a sucessão de termos positivos 1/|vn L2 | é limitada por 1/(|mL2|) e


que a sucessão |un L2 − vn L1 | é um infinitésimo. Logo o seu produto converge para
zero, ou seja
un L1
lim = .
vn L2

Finalmente importa caracterizar finalmente as sucessões que “percorrem” a


recta real em direcção a +∞ ou a −∞.

Definição. Dizemos que uma sucessão (un ) tende para +∞ se e só se, para todo
o M > 0, existe uma ordem p ∈ N (dependendo de M ) tal que,

n>p ⇒ un > M
Dizemos que (vn ) tende para −∞ se (−vn ) tender para +∞.

Podemos por comodidade dizer que o “limite de uma sucessão é +∞”. Porém
o leitor constatará que os “limites” +∞ e −∞ não são abrangidos pelas proprie-
dades algébricas dos limites finitos anteriormente estudadas. Por exemplo, nada
podemos afirmar de geral sobre o produto de um infinitésimo por uma sucessão
que tende para +∞ ou sobre a soma de uma sucessão que tende para +∞ com
uma sucessão que tende para −∞.

Dadas uma sucessão u e uma função f : R 7→ R, podemos gerar uma nova


sucessão f ◦ u através da operação de composição, a saber

f ◦ u (n) = f (u(n)) ∀n ∈ N .

As caracterı́sticas da composta f ◦ u são distintas das caracterı́sticas de u. Por


exemplo, u pode ser convergente sem que f ◦ u o seja (e vice-versa).
20 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Exemplo 1.12 Considere



 −1 , se x < 0
f (x) = .
1 , se x ≥ 0

(−1)n
Considere as sucessões un = 2 + (−1)n e vn = . Verifica-se facilmente que
n
f ◦ u é convergente e f ◦ v não é convergente.

Como podemos observar no exemplo da sucessão un = (−1)n , o facto de uma


sucessão ser limitada não garante que ela seja convergente. No entanto, esta su-
cessão limitada possui pelo menos uma subsucessão convergente. Por exemplo,
se considerar u2n (i.e. os termos de ordem par da sucessão) obtemos uma nova
sucessão convergente para 1. Vamos definir com mais rigor a noção de subsucessão:
Definição. Seja un uma sucessão e seja i : N 7→ N uma sucessão estritamente
crescente. Então a sucessão v(n) = u ◦ i(n) = u(i(n)) é designada por subsu-
cessão de u determinada por i.

Intuitivamente, uma subsucessão de u é uma nova sucessão, formada a partir


por uma escolha sequencial de termos de u. Temos o seguinte resultado geral para
as sucessões limitadas. Temos o seguinte lema cuja demonstração simples deixa-
mos ao cuidado do leitor:

Lema 1.9 Seja u uma sucessão convergente. Então toda a subsucessão de u é


convergente para o mesmo limite.

Consideramos agora o seguinte resultado fundamental:

Teorema 1.10 Toda a sucessão limitada possui uma subsucessão convergente.

Dem. Consideremos uma sucessão limitada u, i.e. existem m, M ∈ R tais que

m ≤ un ≤ M ∀n ∈ N .

Para cada n ∈ N definimos o valor real

cn = inf{uk : k ≥ n} .

Repare que pela hipótese de limitação de u, os cn estão bem definidos. Mais


precisamente,

m ≤ un ≤ M ∀ n ∈ N ⇒ m ≤ cn ≤ M ∀ n ∈ N .
1.2. SUCESSÕES REAIS 21

Por outro lado


c1 ≤ c2 ≤ c3 ≤ ...
Assim, a sucessão c é crescente e limitada. Logo, converge para um limite que
designaremos por lc . Pela caracterização dos termos cn , podemos construir uma
subsucessão (uin ) de u do seguinte modo recorrente. Tomamos i1 ∈ N tal que

ui1 ≤ c1 + 1 ,

e seguidamente, para n ≥ 2, escolhemos termos de ordem in tais que


1
in ≥ in−1 e cin−1 ≤ uin < cin−1 + . (1.11)
n−1
Posto que a sucessão (cin ) é subsucessão de (cn ), ela converge para o mesmo limite.
Logo,
1
lim cin = lim cin + = lc .
n
Pelo lema das sucessões enquadradas, resulta de (1.11) que

lim uin = lc .

Nota 1.2 É possı́vel uma demonstração alternativa do Teorema anterior utili-


zando o seguinte princı́pio (veja o Exercı́cio 10 no final desta secção):

Toda a sucessão real possui uma subsucessão monótona.

Associada a noção de subsucessão, surgem naturalmente os seguintes conceitos:

Definição. Dada uma sucessão (un ), diremos que l é sublimite de (un ) se existir
uma subsucessão (uni ) tal que uni → l. Definimos como limite superior de (un )
o valor
lim sup un := sup{l : l é sublimite de (un )}
Da mesma forma, definimos como limite inferior de (un ) o valor

lim inf un := inf{l : l é sublimite de (un )}

Um argumento simples permite-nos verificar que lim inf un e lim sup un são
também sublimites da sucessão (un ). Por outro lado, temos que

lim sup un = lim inf un = l ⇐⇒ lim un = l

Temos a seguinte generalização do Teorema das Sucessões Enquadradas:


22 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Lema 1.11 Sejam (un ), (vn ) e (wn ) sucessões tais que

vn ≤ un ≤ wn ∀n ∈ N

Então
lim inf vn ≤ lim inf un ≤ lim sup un ≤ lim sup wn

Dem. Consideraremos apenas a desigualdade lim sup un ≤ lim sup wn posto que
as restantes desigualdades podem demonstrar-se de modo semelhante. Denotemos
por l o valor de lim sup un e consideremos (uni ) uma subsucessão de (un ) tal que

lim uni = l
i→∞

Tomemos a sucessão de ı́ndices n(i). Posto que (wni ) é uma sucessão limitada,
possui uma subsucessão convergente que, para simplificar a notação, denotamos
por (wmi ). Como a subsucessão de uma sucessão convergente tende para o mesmo
limite, necessáriamente limi→∞ umi = l. Podemos então afirmar que

lim sup un = l ≤ lim wmi ≤ lim sup wn

o que conclui a demonstração.

Vejamos uma aplicação útil deste resultado.

Lema 1.12 Seja un uma sucessão convergente para l. Então a sucessão


u1 + · · · + un
wn :=
n
é convergente para l.

Dem. Consideremos o caso em que l é finito. Iremos começar por provar que,
para todo o  > 0, temos

l −  ≤ lim inf wn ≤ lim sup wn ≤ l + 

A arbitrariedade de  > 0 irá garantir-nos a igualdade lim inf wn = lim sup wn = l


e a consequente convergência de (wn ) para l. Fixemos pois  > 0, e tomemos p
tal que, para n > p, |un − l| < . Seja M um majorante do conjunto de termos
{|un |}n∈N . Podemos escrever

−M p + (n − p)(l − ) ≤ u1 + · · · + un ≤ M p + (n − p)(l + )

donde
−M p + (n − p)(l − ) M p + (n − p)(l + )
≤ wn ≤
n n
1.2. SUCESSÕES REAIS 23

Ora
−M p + (n − p)(l − )
lim =l−
n→∞ n
M p + (n − p)(l + )
lim =l+
n→∞ n
donde
l −  ≤ lim inf wn ≤ lim sup wn ≤ l + 
No caso em que l = +∞, a sucessão (un ) é necessáriamente limitada inferior-
mente por um certo valor m ∈ R. Dado L > 0, podemos garantir a existência de
p ∈ N tal que se n > p então un > L. Teremos então, argumentando tal como no
caso anterior,
mp + L(n − p)
wn ≥
n
Concluı́mos que
mp + L(n − p)
lim inf wn ≥ lim =L
n
Posto que podemos tomar valores L arbitráriamente grandes, concluı́mos que
lim wn = +∞.

O caso l = −∞ resulta de tomarmos a sucessão (−un ) que tende para +∞.

Nota 1.3 Note que a recı́proca deste lema não é verdadeira, isto é, a convergência
da média aritmética (wn ) não garante a convergência de un : considere por exem-
plo a sucessão divergente un = (−1)n . Temos |wn | ≤ n1 pelo que (wn ) é um
infinitésimo.

Terminaremos esta secção introduzindo a definição de convergência de Cauchy.


Trata-se de um conceito fundamental que nos permite estudar a convergência sem
referência explı́cita ao limite da sucessão.

Definição. Dizemos que uma sucessão é de Cauchy se e só se, para todo o  > 0,
existe uma ordem p (que depende de ) tal que

m, n > p ⇒ |un − um | <  (m, n ∈ N)

Esta formulação também é conhecida por “condição de Cauchy”. Repare que


a definição anterior é semelhante à definição clássica de convergência: o limite L é
aqui substituı́do por um termo arbitrário um com ı́ndice superior a p. A verificação
que toda a sucessão de Cauchy é limitada assemelha-se à demonstração que uma
sucessão convergente é limitada e deixamo-la ao cuidado do leitor. Mostremos
agora o seguinte resultado fundamental:
24 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Teorema 1.13 Uma sucessão real é convergente se e só se é sucessão de Cauchy

Dem. Verifiquemos a primeira implicação. Seja un uma sucessão convergente


para L. Fixado  > 0, tomamos p tal que n > p implica

|un − L| <
2
Teremos então, para todos os m, n maiores do que p a seguinte desigualdade:
 
|um − un | ≤ |un − L| + |L − um | < + =
2 2
logo verifica-se a condição de Cauchy.
Verifiquemos agora a implicação contrária. Seja (un ) uma sucessão de Cauchy.
Posto que (un ) é limitada, podemos considerar uma subsucessão (uin ) de un con-
vergente para um certo limite L. Mostremos que de facto L é o limite da sucessão
(un ). Fixemos  > 0. Como (un ) é de Cauchy, podemos tomar p ∈ N tal que, para
m, n > p, temos

|un − um | <
2
Na desigualdade anterior podemos admitir que um é um termo da subsucessão
(uin ) tal que

|um − L| <
2
(isto é, tal que m = i(m̄) e i(m̄) > p para um certo m̄ ∈ N). Deste modo, teremos,
para qualquer n > p,
 
|un − L| ≤ |un − um | + |um − L| < + =
2 2
o que conclui a demonstração.

Vejamos uma aplicação do critério de convergência de Cauchy.

Lema 1.14 Seja un uma sucessão tal que, para um certo α ∈]0, 1[, verifica-se

|un+2 − un+1 | ≤ α|un+1 − un | ∀n ∈ N

Então (un ) é convergente.

Dem. Um simples raciocı́nio por recorrência permite-nos concluir

|un+2 − un+1 | ≤ α|un+1 − un | ≤ α2 |un − un−1 | ≤ · · · ≤ αn |u2 − u1 |

Dados n, m ∈ N tais que n ≤ m, consideremos a soma


m
X m
X
sn,m := αk |u2 − u1 | = |u2 − u1 | · αk
k=n k=n
1.2. SUCESSÕES REAIS 25

Trata-se da soma dos termos de uma progressão geométrica pelo que

1 − αm−n+1 αn
sn,m = |u2 − u1 | · αn · ≤ |u2 − u1 | · (1.12)
1−α 1−α
Posto que 0 < α < 1, temos
αn
lim =0
n→∞ 1 − α

Utilizando esta propriedade, verifiquemos que un é uma sucessão de Cauchy. Dado


 > 0, podemos tomar p tal
αp
|u2 − u1 | · <
1−α
Se m ≥ n > p, obtemos, pela desigualdade triangular,

|um − un | ≤ |um − um−1 | + |um−1 − um−2 | + · · · + |un+1 − un | = sm,n

Donde, por (1.12), recordando que α ∈]0, 1[,


αn αp
|um − un | ≤ < <
1−α 1−α
Concluı́mos então que (un ) é sucessão de Cauchy, logo é convergente.

Exemplo 1.13 Consideremos a sucessão definida por recorrência


1
u1 = 1 , un+1 = 1 + .
un
Podemos verificar por um argumento de indução que 1 ≤ un ≤ 2 para todo o
n ∈ N (em particular, posto que un > 0, a sucessão encontra-se bem definida).

Afirmamos que para todo o n ∈ N

un+1 · un ≥ 2

Com efeito, u1 · u2 = 2 e, posto que 1 ≤ un ≤ 2 para todo o n,


   
1 1 3 3 9
un+2 · un+1 = 1 + · 1+ ≥ · = >2
un+1 un 2 2 4
o que justifica a nossa afirmação.

Verifiquemos agora que, para todo o n ∈ N,


1
|un+2 − un+1 | ≤ |un+1 − un |
2
26 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Com efeito,

1 1 un − un+1 |un+1 − un |
|un+2 − un+1 | = 1 + −1− = ≤
un+1 un un · un+1 2

posto que un+1 · un ≥ 2.

Podemos então concluir pelo Lema 1.14 que a sucessão (un ) é convergente. O
seu limite l terá que verificar necessariamente as condições

1
l ∈ [1, 2] e l =1+
l
A resolução da equação anterior (que pode ser convertida numa equação de segunda
ordem) fornece as soluções
√ √
1− 5 1+ 5
e
2 2

pelo que l = 1+2 5 . A tı́tulo de curiosidade, referimos que o valor deste limite é
celebrado desde a antiguidade como a “Divina Proporção”. 1

Exercı́cios

1. Calcule os termos de ordem 1, 10 e 100 da sucessão

1
un = .
n2
Indique um valor M tal que, qualquer que seja n ∈ N

|un | ≤ M .

2. Considere a sucessão vn = √1 e a vizinhança de zero


n
 
1 1
V = − , .
10 10

Verifique que v81 ∈


/ V . Indique um valor para p tal que

n>p ⇒ vn ∈ V

1 1+ 5
O número 2 , denotado por Φ, também conhecido por Número de Fı́dias ou Número
de Ouro, é utilizado como proporção nos traçados de arquitectura, na pintura e na litera-
tura. Surpreendentemente (ou talvez não) a natureza parece ter uma preferência especial
por este número (veja “Le Nombre D’or”, Mathila Ghyka, éditions NRF)
1.2. SUCESSÕES REAIS 27

3. Mostre que se (un ) é uma sucessão tal que un 6= 0 para todo o n e lim |un | = +∞
então
1
lim =0
un
Mostre que se (vn ) é uma sucessão tal que vn > 0 para todo o n e lim vn = 0
então
1
lim = +∞
vn
n+1
4. Considere a sucessão un = 2n−1 . Justifique que

1 3
un = + .
2 4n − 2
Conclua sobre a convergência de un . Justifique que
1
1+ n
un = 1 .
2− n

Conclua sobre a convergência de un recorrendo ao Lema 1.8, alı́nea (ii).

5. Dê um exemplo de uma sucessão w tal que


(
1
wn > 10 se n ı́mpar ,
wn < 0 se n par .

De um modo geral, uma sucessão que verifique estas condições poderá ser
convergente?

6. Considere
n + cos(n)
un = , n ∈ N.
2n − sin(n)
Determine sucessões w e v convergentes para um mesmo limite tais que

wn ≤ un ≤ vn

e conclua sobre a convergência de u.

7. Considere a sucessão definida por recorrência


(
u1 = 1

un+1 = 2un

(a) Mostre por indução que

un ∈ [1, 3] ∀n ∈ N
28 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

(b) Mostre que √


2
|un+1 − un | ≤ |un − un−1 |
2
(c) Conclua que (un ) é convergente e justifique que o seu limite l verifica

l = 2l

Determine l.

8. Considere a seguinte sucessão definida por recorrência


(
u1 = π2
un+1 = sin(un ) .

Prove por indução que


π
0 ≤ un ≤ ∀n ∈ N
2
Justifique que (un ) é monótona. Finalmente, conclua que (un ) é um infi-
nitésimo.

9. Considere a sucessão
1 n
 
en := 1 + (n ∈ N)
n
Pretende-se demonstrar que (en ) é uma sucessão convergente.

(a) Começe por verificar que, para todo o n ∈ N e k = 0, 1, ..., n, tem-se


1 1
Ckn · k

n k!
n!
(recorde: Ckn = k!(n−k)! )

(b) Mostre por indução que


n
X 1 1
≤ 3−
k! n
k=0

(c) Utilizando a fórmula do binómio de Newton, deduza en ≤ 3 para todo o


n ∈ N.

(d) Mostre que


en+1
>1
en
1.3. A NOÇÃO DE LIMITE NUM PONTO 29

e conclua que a sucessão (en ) é convergente.

(sugestão: recorde a desigualdade (1 + k)n ≥ 1 + nk para k > −1 e n ∈ N).

10. Pretende-se mostrar que toda a sucessão (un ) possui uma subsucessão monótona.
Seja
K = {p ∈ N : n > p ⇒ un > up }
(a) Mostre que se K fôr infinito então (un ) tem uma subsucessão estrita-
mente crescente.

(b) Mostre que se K fôr finito, então (un ) possui uma sucessão decrescente.

1.3 A noção de limite num ponto


Nesta secção iniciamos o estudo das funções f com valores reais, de variável real.
Consideramos um ponto a ∈ R e vamos supor que a função f está definida num
conjunto
W (a) =]a − , a + [\{a}
podendo ou não estar definida em a.

Definição. Diremos que f tem limite em a se e só se existe um número real L


tal que, qualquer que seja a sucessão u convergente para a em que {un } ⊂ W (a),
verifica-se
f (un ) → L .
Nesse caso escrevemos
lim f (x) = L .
x→a

Tenha em conta que na definição de limite de uma função num ponto assumimos
que:

• f está definida numa vizinhança de a.

• as sucessão (xn ) consideradas na definição convergem para a por valores


diferentes de a.

• o valor limite L é universal, isto é, não depende da sucessão (xn ) considerada.
30 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Exemplo 1.14 A função f


(
0 se x<0
f (x) :=
1 se x≥0
não tem limite em a = 0 uma vez que as sucessões (un ) e (wn ) definidas respecti-
vamente por
1 1
un = e wn = −
n n
convergem para zero mas as sucessões (f (un )) e (f (wn )) convergem para 1 e 0
respectivamente.

Exemplo 1.15 Considere a função g(x) = x−1 definida em R\{0}. Averiguemos


1
a existência de limite em zero. Considerando un = observamos que
n
 −1
1
f (un ) = = n.
n

A sucessão f (un ) não é convergente para um número real. Este contra-exemplo


basta-nos para concluir que g não tem limite em zero.

Exemplo 1.16 Estudemos o comportamento da função identidade I(x) = x em


zero (supomos I definida em R). Se considerarmos uma qualquer sucessão un tal
que
lim un = 0
decorre imediatamente que

lim I(un ) = lim un = 0 .

Logo I verifica a definição de limite em zero com L = 0. Mais geralmente, temos

lim I(un ) = lim un = a ,

qualquer que seja a sucessão u convergente para um ponto a ∈ R. Donde se conclui:

lim I(x) = a ∀a ∈ R .
x→a

Exemplo 1.17 Consideremos agora a função g(x) = x2 definida em R e averi-


guemos a existência de limite em zero. Começamos por observar a equivalência

lim un = 0 ⇔ lim |un | = 0 .

Supondo então uma sucessão u convergente para zero, temos, a partir de certo
ordem p,
|un | ≤ 1 .
1.3. A NOÇÃO DE LIMITE NUM PONTO 31

Podemos então escrever, para n ≥ p

0 ≤ u2n ≤ |un | .

Posto que |un | → 0, concluı́mos, pelo lema das sucessões enquadradas (com uma
pequena adaptação - qual?), que

lim u2n = 0 .

Como u era uma qualquer sucessão convergente para zero, concluı́mos

lim x2 = 0 .
x→0

Podemos definir a noção de limite lateral de uma função num ponto:

Definição. Diremos que uma função f definida em ]a, a + [ tem limite lateral à
direita de a se existir L+ tal que, para qualquer sucessão com termos em ]a, a + [
convergente para a verifica-se:

f (un ) → L+ .

Nesse caso escrevemos


lim f (x) = L+ .
x→a+

De modo semelhante, considerando agora uma função f definida em ]a − , a[,


podemos definir a noção de limite lateral à esquerda do ponto a escrevendo

lim f (x) = L−
x→a−

no caso de existência deste limite.

Repare que a existência de limite L para uma função f num ponto a equivale
a verificação das seguintes condições:

1) Existem os limites laterais L+ e L− .


2) L+ = L− .
Por exemplo, a função f do Exemplo 1.14 tem limites laterais pelo que verifica
1) mas estes limites são diferentes e por isso não verifica 2).

Os lemas seguintes decorrem dos lemas que vimos na secção anterior e podem
ser adaptados às noções de limite lateral esquerdo e de limite lateral direito.
32 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Lema 1.15 Sejam f e g funções com limite respectivos L1 e L2 em a. Então


f + g tem limite L em a, em que L = L1 + L2 em a. Sendo k um número real, a
função kf tem limite L0 em a, sendo L0 = kL1 .

Lema 1.16 Sejam f e g funções com limite respectivos L1 e L2 em a. Então f g


f
tem limite L1 L2 em a. Se L2 6= 0, a função está definida numa vizinhança de
g
L1
a e tem limite nesse ponto.
L2

Lema 1.17 Sejam f , g e h funções definidas num conjunto V =]a − , a + [\{a}


tais que
g(x) ≤ f (x) ≤ h(x) ∀x ∈ V .
Se
lim g(x) = lim h(x) = l
x→a x→a

então limx→a f (x) = l.

Aplicaremos agora estes lemas ao estudo de limites concretos.

Exemplo 1.18 Dada um monómio m(x) = xn (com n natural) podemos, par-


tindo do Exemplo 1.16, aplicando sucessivamento o Lema 1.16 para n = 2, 3, ...
concluir que
lim xn = an ∀n ∈ N .
x→a
Da mesma forma, combinando os Lemas 1.15 e 1.16, justificamos que, dado um
polinómio de grau n

p(x) = kn xn + kn−1 xn−1 + ... + k1 x + k0

então,
lim p(x) = kn an + kn−1 an−1 + ... + k1 a + k0 = p(a) .
x→a
Neste caso observe que o limite coincide com o valor obtido pela substituição de
a na expressão algébrica que define o polinómio. No entanto, o limite pode existir
sem que possamos efectuar essa substituição na expressão algébrica. Observe o
exemplo seguinte.

Exemplo 1.19 Consideramos a função f (x) = x sin x1 definida em R\{0}. Trata-




se do produto das funções g(x) = x e h(x) = sin(x−1 ) em que g(x) tem limite zero
em x = 0 e a função h(x) = sin x1 é limitada:

|h(x)| ≤ 1 , ∀x ∈ R\{0} .

Podemos concluir

∀ x 6= 0 , |f (x)| = |x · h(x)| = |x||h(x)| ≤ |x| .


1.3. A NOÇÃO DE LIMITE NUM PONTO 33

ou seja
−|x| ≤ f (x) ≤ |x| .
Pelo Lema 1.17, concluı́mos que limx→0 f (x) = 0.

Exemplo 1.20 Considere a função f (x) = sin(x)


x definida em R\{0}. Considere-
mos x > 0. Recordamos que sin(x) representa a projecção no eixo das ordenadas
do arco de comprimento x do cı́rculo trigonométrico podemos escrever
sin(x)
< 1. (1.13)
x
Considerando agora o sector circular no primeiro quadrante definido pelo arco
x ∈]0, π2 [, observamos que a sua área é dada por a(x) = x/2. Observe que o sector
angular está contido no triângulo rectângulo OP Q em que O = (0, 0), P = (1, 0)
e Q = (1, tan(x)). Temos então a seguinte relação:
x 1 sin(x)
a(x) = < tan(x) = .
2 2 2 cos(x)
Deduzimos desta desigualdade que
sin(x)
cos(x) < . (1.14)
x
Concluı́mos de (1.13) e (1.14) que
sin(x) i πh
cos(x) < < 1 ∀x ∈ 0, .
x 2
Obseve que a mesma desigualdade é válida se x ∈]− π2 , 0[ uma vez que as funções
sin(x)/x e cos(x) são pares. Assim, por aplicação do Lema 1.17, concluı́mos
sin(x)
lim = 1.
x→0 x
Finalizamos esta secção considerando as seguintes extensões da noção de limite:

Definição. Dado L ∈ R diremos que a função f definida num intervalo de tipo


]a, +∞[ tem limite L em +∞ e escrevemos

lim f (x) = L
x→+∞

se e só se, para toda a sucessão (un ) com termos em ]a, +∞[ convergindo para +∞
tem-se
lim f (un ) = L
n→+∞

Diremos que f tende para +∞ quando x tende para x− +


0 (resp. x0 ) se e só se
f (xn ) tende para +∞ para toda a sucessão (xn ) convergindo para x0 por valores
34 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

inferiores a x0 (resp. por valores superiores a x0 ).

De modo análogo se define a noção de limite de uma função em −∞ (admitindo


que se encontra definida em ] − ∞, b[ para algum b ∈ R) e a noção de que f tende

para −∞ em x+ 0 ou x0 .

Exemplo 1.21 Considere-se a função


sin(x)
f (x) = 2 + x > 0.
x
A função f tem limite 2 em +∞. Com efeito, seja xn uma sucessão tendendo para
+∞. Podemos admitir que xn > 0 para todo o n. Tem-se então
1
lim =0
xn
Posto que | sin(un )| ≤ 1,
1 1
2− ≤ f (un ) ≤ 2 +
xn xn
e o resultado sai do Lema das Sucessões Enquadradas.

Exercı́cios

1. Considere a função (
x se x > 0
g(x) =
0 se x ≤ 0 .
Verifique que g tem limite em x = 0.

3. Considere a função g do exercı́cio anterior. Considere também a função


(
−1 se x < 0
f (x) =
1 se x ≥ 0

Estude a existência de limite em x = 0 para a função h = f ◦ g(x).

4. Observe que
tan(x) sin(x) 1
= · .
x x cos(x)
Sabendo que lim cos(x) = 1, justifique que
x→0

tan(x)
lim = 1.
x→0 x
1.3. A NOÇÃO DE LIMITE NUM PONTO 35

x2 −1
5. Mostre que a função f (x) = x2 +1
definida em R tem limite 1 em +∞.

6. Estude a existência de limite em +∞ para as funções definidas em R+ por


 
1 sin(x)
g(x) = x sin e h(x) =
x x
36 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

1.4 Continuidade
Começamos por introduzir uma noção de continuidade baseada na noção de limite:

Definição. Seja f uma função real definida numa vizinhança V do ponto a


( > 0), i.e. num intervalo de tipo V (a) =]a − , a + [. Diremos que f é contı́nua
em a se e só se
(i) ∃ lim f (x) e (ii) lim f (x) = f (a) . (1.15)
x→a x→a

Alternativamente, podemos dizer que f é contı́nua em a se e só se existem os


limites laterais em a e

(i) lim f (x) = lim f (x) = l e (ii) f (a) = l .


x→a+ x→a−

Quando uma função verifica apenas a propriedade (i), ela diz-se prolongável por
continuidade em a. Nesse caso, podemos definir a função

 f (x) , se x 6= a
¯
f (x) = .
l , se x = a

A função f¯, contı́nua em a, é designada por “prolongamento por continui-


dade” de f em a.

Exemplo 1.22 Sabemos da secção anterior que a função f (x) = sin(x)/x definida
em R\{0} verifica
lim f (x) = 1 .
x→0

Assim podemos definir em R o seguinte prolongamento por continuidade da função


f: 
 sin(x)
¯ se x 6= 0
f (x) = x
1 se x = 0 .

Observe que a definição de continuidade (1.15) traduz-se pela seguinte condição


sobre as sucessões convergentes para a:

Qualquer que seja a sucessão (xn ) com termos em ]a − , a + [\{a} tal que
xn → a, a respectiva sucessão das imagens (f (xn )) converge para f (a).

Na caracterização anterior podemos, sem perda de generalidade, considerar


que as sucessões (xn ) consideradas convergem para a numa vizinhança ]a − , a + [
(dispensando deste modo a hipótese adicional dos termos xn serem distintos de
a). A noção de continuidade num ponto a definida pela igualdade lim f (xn ) = l
1.4. CONTINUIDADE 37

quando xn é uma qualquer sucessão convergente para a é designada por noção de


continuidade segundo Heine. No que segue faremos por vezes uso da notação
lim f (xn )
xn →a

para designar o limite da sucessão (f (xn )) quando (xn ) é uma sucessão convergente
para a.
Exemplo 1.23 Do que vimos na secção anterior (Exemplo 1.18), se p é um po-
linómio (que suporemos com domı́nio R) verifica-se que, para qualquer a ∈ R,
lim p(x) = p(a) .
x→a

Assim, os polinómios são funções contı́nuas em qualquer número real a.


Exemplo 1.24 Considere a função f (x) = |x|. Verifiquemos que f é contı́nua em
todo o a ∈ R. Com efeito, seja xn uma sucessão convergente para a. Aplicando a
desigualdade triangular, obtemos as estimativas
|xn | = |xn − a + a| ≤ |a| + |xn − a| , (1.16)
e
|a| = |a − xn + xn | ≤ |xn − a| + |xn | .
Esta última desigualdade é equivalente a
|a| − |xn − a| ≤ |xn | . (1.17)
Concluı́mos de (1.16)–(1.17)
|a| − |xn − a| ≤ |xn | ≤ |a| + |xn − a| .
Pela definição de sucessão convergente, temos |xn − a| → 0. Pelo Lema das Su-
cessões Enquadradas (Lema 1.5), concluı́mos que
lim f (xn ) = lim |xn | = |a| = f (a) .
xn →a xn →a

Iremos agora introduzir uma caracterização equivalente de continuidade num


ponto sem recorrer à noção de limite, isto é, à noção de sucessão. É a chamada
definição de continuidade segundo Cauchy.

Definição. Seja f : I → R uma função definida no intervalo I e seja a um ponto


interior de I. Diremos que f é contı́nua em a segundo Cauchy se e só se
∀ > 0 ∃δ > 0 : |x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| <  . (1.18)
Esta caracterização inspira-se na ideia de que a continuidade de uma função equi-
vale a nossa capacidade de exercer um controlo do erro cometido por f (x) em
relação ao valor f (a) a partir da distância |x − a|.
Claramente, em (1.18), o valor da distância δ depende do erro  pretendido.
Mostremos a equivalência das duas noções.
38 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Teorema 1.18 Seja f : I → R uma função definida no intervalo I e seja a um


ponto interior de I. Então f verifica (1.18) se e só se, para toda a sucessão (xn )
com termos em I convergente para a, tem-se

lim f (xn ) = f (a)

Dem. Começemos por provar a primeira implicação. Supomos que f verificia


(1.18). Verifiquemos que se (xn ) é uma sucessão convergente para a então f (xn )
converge para f (a). Para tal, fixemos  > 0 e mostremos que existe p ∈ N tal que

n>p ⇒ |f (xn ) − f (a)| <  .

Para o valor de  fixado, existe δ > 0 tal que

|x − a| < δ ⇒ |f (xn ) − f (a)| <  .

Por hipótese, existe p ∈ N tal que, se n > p, então |xn − a| < δ. Para esse valor p
podemos pois garantir

n>p ⇒ |f (xn ) − f (a)| < 

o que demonstra a primeira implicação.

De modo a provarmos a equivalência, mostremos que, se f não verifica (1.18),


então existe uma sucessão (x̃n ) convergente para a tal que (f (x̃n )) não converge
para f (a). Negar a condição (1.18) equivale a afirmar que

∃˜
 ∀δ > 0 ∃ x̃ ∈]a − δ, a + δ[ : |f (a) − f (x̃)| ≥ ˜

Tomemos então uma sucessão δn convergente para zero e uma correspondente


sucessão x(δn ) tal que x(δn ) ∈]a − δn , a + δn [ e

|f (a) − f (x̃(δn ))| ≥ ˜

Temos então que (x(δn )) converge para a mas a sucessão de imagens (f (x(δn )))
não converge para f (a).
A formulação de duas caracterizações equivalentes para o conceito de continui-
dade é justifida pela utilidade de ambas: de um ponto de vista prático, elas são
complementares. Vejamos os seguintes exemplos:

Exemplo 1.25 Seja f uma função contı́nua em a tal que f (a) 6= 0 (supomos que
a pertence ao interior do domı́nio de f ). Afirmamos que existe δ > 0 tal que

x ∈]a − δ, a + δ[ ⇒ f (x) 6= 0 .
1.4. CONTINUIDADE 39

Sem perda de generalidade, podemos supor f (a) > 0. Considerando a caracte-


rização (1.18), se tomarmos  = f (a)/2, sabemos que existe δ tal que
 
f (a) f (a)
x ∈]a − δ, a + δ[ ⇒ f (x) ∈ f (a) − , f (a) + .
2 2

Em particular
f (a)
f (x) > >0 ∀ x ∈]a − δ, a + δ[
2

Exemplo 1.26 Seja f : R 7→ R a funcão definida por


(
sin x1 , se x 6= 0

f (x) =
0 , se x = 0

Mostremos que f não é contı́nua em x = 0. Consideremos a sucessão conver-


gente para zero definida
1
xn = .
π/2 + 2πn
Temos para todo o n, f (xn ) = 1. Como a sucessão f (xn ) não converge para
f (0) concluı́mos que f não é contı́nua em zero. Podemos mesmo garantir que a
função f não é prolongável por continuidade ao ponto x = 0 uma vez que podemos
tomar sucessões convergentes para zero cuja sucessão das imagens nem sequer é
convergente.

Os dois lemas seguintes são de justificação simples se atendermos aos resultados


análogos sobre limites.

Lema 1.19 Sejam f e g duas funções contı́nuas em a. Então f + g é contı́nua


em a e sendo k um número real, kf é contı́nua em a.

Lema 1.20 Sejam f e g duas funções contı́nuas em a. Então f g é contı́nua em


a. No caso de g(a) 6= 0, a função fg é contı́nua em a.

No lema seguinte estabelecemos uma propriedade fundamental das funções


contı́nuas. Na sua demonstração faremos uso das duas caracterizações da conti-
nuidade num ponto introduzidas nesta secção.

Lema 1.21 (Composição de funções contı́nuas)

Seja f uma função definida em ]a − δ, a + δ[, contı́nua em a e seja g definida


numa vizinhança ]f (a) − , f (a) + [, contı́nua em f (a). Então g ◦ f encontra-se
definida numa vizinhança de a e é contı́nua em a.
40 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Dem. Começemos por verificar que g ◦ f está definida numa vizinhança de a.


Com efeito, a hipótese de continuidade de f em a garante, por (1.18), a existência
de d tal que
|x − a| < d ⇒ |f (x) − f (a)| <  .

ou equivalentemente

x ∈]a − d, a + d[⇒ f (x) ∈ ]f (a) − 2 , f (a) + 2 [ .

Assim, tomando δ 0 = min{δ, d}, restrição de f a ]a − δ 0 , a + δ 0 [ garante que a


expressão g(f (x)) tem sentido.

Consideremos agora xn uma qualquer sucessão convergente para a (com termos


em ]a − δ 0 , a + δ 0 [). Pela continuidade de f em a, f (xn ) converge para f (a). Pela
continuidade de g em f (a) a sucessão g(f (xn )) converge para g(f (a)).

Podemos definir a noção de continuidade lateral num ponto a. Diremos que


uma função f definida no intervalo [a, a + [ (]a − , a]) é contı́nua à direita (à
esquerda) de a se o limite lateral direito (esquerdo) coincide com o valor f (a),
i.e.
lim f (x) = f (a) = lim f (x) .
x→a− x→a+

Obviamente, podemos verificar que f é contı́nua em a verificando que f é contı́nua


à direita e à esquerda de a.
Dado um intervalo aberto I =]a, b[ ou I = R, diremos que f é contı́nua em
I se for contı́nua em todos os pontos de I. Dado um intervalo fechado I = [a, b],
diremos que f é contı́nua em I se for contı́nua em todo o x ∈]a, b[, se for contı́nua
à direita de a e se for contı́nua à esquerda de b. Definições análogas valem para
intervalos de tipo [a, b[ ou ]a, b].

Consideremos agora dois teoremas que estabelecem propriedades importantes


das funções contı́nuas.

Teorema 1.22 (Teorema de Bolzano)

Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b] em que f (a) 6= f (b). Seja k um
valor compreendido entre f (a) e f (b), i.e.

min{f (a), f (b)} < k < max{f (a), f (b)} . (1.19)

Então existe c ∈]a, b[ tal que f (c) = k.


1.4. CONTINUIDADE 41

Dem. Para fixar ideias, podemos supor f (a) < k e f (b) > k. Consideramos o
subconjunto de [a, b]:
I k = {x ∈ [a, b] : f (x) < k} .
Trata-se de um conjunto limitado e não vazio (posto que a ∈ I k ). Definimos

c = sup{x ∈ I k } .

Afirmamos que f (c) = k. Observe que c pode ser aproximado (inferiormente) por
uma sucessão (xn ) com termos em I k . Temos então

xn → c e f (xn ) ≤ k .

A continuidade de f em c obriga a que

lim f (xn ) = f (c) ≤ k .

Em particular, c < b. Vamos supor, com vista a um absurdo, que f (c) < k. Nesse
caso podemos afirmar a existência de uma vizinhança ]c − δ, c + δ[ tal que

f (x) < k ∀x ∈]c − δ, c + δ[ .

Em particular, o supremo de I k seria maior ou igual a c+δ contrariando a definição


de c.

Nota 1.4 O leitor facilmente verificará que o Teorema de Bolzano implica o se-
guinte resultado:

Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b] e seja k um valor tal que

min{f (a), f (b)} ≤ k ≤ max{f (a), f (b)} . (1.20)

Então existe c ∈ [a, b] tal que f (c) = k.

O Teorema de Bolzano também é referido por Teorema do Valor Inter-


mediário e a propriedade (1.19) descrita no teorema é conhecida por Proprie-
dade do valor intermediário. No entanto, esta propriedade não é exclusiva das
funções contı́nuas: considere por exemplo, a função real definida por
(
sin x1

se x 6= 0
f (x) =
0 se x = 0

No estudo da existência de raı́zes para uma equação utiliza-se frequentemente


o seguinte corolário de justificação imediata:
42 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Corolário 1.23 Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b] tal que

f (a) · f (b) < 0 .

Então existe c ∈]a, b[ tal que f (c) = 0.

Exemplo 1.27 Considere p : [0, 1] → R tal que

p(x) = x3 − 4x2 + x + 1 .

A função polinomial p é contı́nua em [0, 1] e temos

p(0) = 1 e p(1) = −1 .

Assim, pelo Teorema de Bolzano (ou pelo seu corolário) podemos concluir que
existe c ∈]0, 1[ tal que p(c) = 0.

Exemplo 1.28 Estudemos a existência de uma solução em ]0, π2 [ para a equação

tan(x) = ex . (1.21)

Para tal assumimos a continuidade das funções tan(x) e ex no intervalo [0, π2 [.


Considere a função contı́nua
h πh
h : 0, → R, x y tan(x) − ex .
2
A existência de solução para a equação (1.21) em 0, π2 , equivale, nesse intervalo,
 

à existência de raı́zes para a função h:

ex0 = tan(x0 ) ⇔ h(x0 ) = tan(x0 ) − ex0 = 0 .

Note que, pela monotonia da função ex em R, temos, que se x < π/2, então
ex < eπ/2 . Para além disso

lim tan(x) = +∞,


x→ π2 −

π
Logo, fixado M > e 2 , existe δ tal que
iπ πh
x∈ − δ, ⇒ tan(x) > M
2 2
Tomemos pois x1 ∈] π2 − δ, π2 [. Posto que h(0) = −1, estamos em condições de
aplicar o Teorema de Bolzano no intervalo [0, x1 ] e concluir a existência de x0 tal
que
π
0 < x0 < x1 < e h(x0 ) = tan(x0 ) − ex0 = 0 .
2
Note que a existência de uma solução para (1.21) não poderia ser obtida por uma
resolução algébrica.
1.4. CONTINUIDADE 43

No resultado seguinte estabelecemos outra propriedade importante das funções


contı́nuas definidas em intervalos limitados e fechados (também designados por
intervalos compactos).

Teorema 1.24 (Teorema de Weierstrass)


Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b]. Então f tem um máximo e um
mı́nimo em [a, b], i.e.

∃xm , xM ∈ [a, b] : ∀x ∈ [a, b] , f (xm ) ≤ f (x) ≤ f (xM ) .

Dem. Demonstremos a existência de máximo:

∃xM ∈ [a, b] : ∀x ∈ [a, b] , f (x) ≤ f (xM ) .

(a demonstração da existência de mı́nimo resulta te considerarmos o máximo da


função g = −f ). Seja
c̄ = sup{f (x) : x ∈ [a, b]} ,
se o contradomı́nio de f fôr limitado superiormente, ou c̄ = +∞ caso contrário.
Tomamos uma sucessão xn com termos em [a, b] tal que

f (xn ) → c̄ .

Observe que xn é uma sucessão limitada pelo que possui uma subsucessão conver-
gente xin . Designemos por xM o seu limite, i.e.

x in → x M .

Necessariamente, xM ∈ [a, b]. Por outro lado, pela continuidade de f em [a, b],
temos
c̄ = lim f (xin ) = f (xM ) .
Em particular, c̄ é finito. Por definição, para todo o x ∈ [a, b],

f (x) ≤ lim xn = c̄ = f (xM ) .

Nota 1.5 No resultado anterior, é decisiva a hipótese do domı́nio ser um intervalo


limitado e fechado. Por exemplo, a função f (x) = 1/x é contı́nua no intervalo ]0, 1[
sem que possua máximo ou mı́nimo nesse intervalo.

Como consequência dos dois teoremas anteriores, podemos caracterizar o con-


tradomı́nio de uma função contı́nua num intervalo compacto.
44 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Corolário 1.25 Seja f : [a, b] 7→ R uma função contı́nua. Então o seu contra-
domı́nio é um intervalo compacto. Mais precisamente:

f ([a, b]) = [m, M ] ,

em que m e M são respectivamente o mı́nimo e o máximo da função f .

Exercı́cios

1. Considere a função h definida em R\{−1, 1} por


x−1
h(x) = .
x2 − 1
Verifique que podemos prolongar a função h por continuidade em x = 1.
(sugestão: a2 − b2 = (a − b)(a + b))
Poderemos prolongar h por continuidade em x = −1?

2. Sejam f e g funções contı́nuas em ]a, b[. Suponha a existência de x0 ∈]a, b[ tal


que f (x0 ) > g(x0 ). Justifique que existe uma vizinhança V =]x0 − , x0 + [
tal que
f (x) > g(x) ∀x ∈ V .

3. Considere a função (
1

sin x se x 6= 0
h(x) = .
0 se x = 0
Considere as sucessões
1 1
un = e vn = .
π/2 + 2πn −π/2 + 2πn
Verifique que
lim h(un ) 6= lim h(vn ) .
Conclua sobre a possibilidade de h ser prolongada por continuidade no ponto
x = 0.

4. Considere a função de variável real


(
x se x = n1 (n ∈ N)
h(x) =
0 caso contrário.

Justifique que h não é contı́nua nos pontos pertencentes ao conjunto


1
{x ∈ R : x = n ∈ N} .
n
Será h contı́nua em zero?
1.4. CONTINUIDADE 45

5. Dado um número real k considere a função


(
x − 1 se x < 0
g(x) =
x + k se x ≥ 0

Considere agora a função quadrática f (x) = x2 . Suponha k = 2. Será f ◦ g


contı́nua em zero?
Quais valores de k para os quais f ◦ g é contı́nua em zero?

6. Utilizando o Teorema de Bolzano, assumindo a continuidade da função cos(x)


em R, justifique a existência de x0 ∈]0, π3 [ tal que

x0 = cos(x0 ) .

7. Seja p(x) um polinómio de grau ı́mpar de tipo

p(x) = x2n+1 + a2n x2n + (...) + a1 x + a0 (n ∈ N).

Justifique a existência de M > 0 tal que p(M ) > 0 > p(−M ). Conclua sobre
a existência de pelo menos uma raı́z para o polinómio p.

8. Considere a função h do Exercı́cio 3. Verifique que h goza da propriedade do


valor intermediário. Ou seja: dados a, b ∈ R, a < b,

∀k ∈] min{f (a), f (b)} , max{f (a), f (b)}[ , ∃c ∈]a, b[ : h(c) = k .

9. Seja f : R 7→ R uma função contı́nua tal que, para um certo x0 ∈ R, tem-se


f (x0 ) > 0 (resp. f (x0 ) < 0) e

lim f (x) = lim f (x) = 0


x→−∞ x→+∞

Mostre que a função f tem máximo (resp. mı́nimo).


2
10. Considere a função definida em R por f (x) = sin(x)e−x . Mostre que f (R) é
um intervalo compacto.

11. (a) Seja f : [a, b] 7→ [a, b] uma função contı́nua. Mostre que existe x ∈ [a, b]
tal que
f (x) = x
(dizemos que x é um ponto fixo de [a, b]).
(b) Justifique que se f verificar a propriedade adicional que, para um certo
α ∈]0, 1[,
|f (x) − f (y)| ≤ α|x − y| ∀x, y ∈ [a, b]
então o ponto fixo é único.
46 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

(c) Sabendo que

| cos(x) − cos(y)| ≤ sin(1)|x − y| ∀x, y ∈ [0, 1]

mostre que a equação


x = cos(x)
possui uma e uma só solução.

1.5 Inversa de uma função contı́nua

Consideremos f : I 7→ R uma função contı́nua e injectiva, isto é,

f (x) = f (y) ⇒ x = y ∀x, y ∈ I, .

Para fixar ideias, assumimos que I = [a, b], isto é que I é um intervalo compacto (a
extensão dos resultados que seguem a outro tipo de intervalos não traz dificuldades
acrescidas). Um argumento simples utilizando a propriedade do valor intermédio
permite-nos concluir que f é uma função estritamente monótona (veja o exercı́cio
1 no final da secção). Temos além disso que

f ([a, b]) = [c , d]

em que
c = min{f (a), f (b)} e d = max{f (a), f (b)} .
Podemos pois definir a função f −1 : [c, d] 7→ [a, b]

f −1 (y) = x se e só se f (x) = y .

A função f −1 é designada por função inversa de f . No entanto é importante


distinguir esta notação de f1 , a inversa multiplicativa de f . De facto, f −1 é inversa,
não para o produto aritmético, mas para o produto de composição de funções. Ou
seja,
f −1 ◦ f (x) = x ∀x ∈ [a , b]
e
f ◦ f −1 (y) = y ∀y ∈ [c , d]
Estudemos agora a continuidade e a monotonia da função inversa. Temos o
seguinte resultado:
1.5. INVERSA DE UMA FUNÇÃO CONTÍNUA 47

Teorema 1.26 Considere uma função f definida num intervalo fechado [a, b].
Suponha que f é contı́nua, estritamente monótona e f ([a, b]) = [c, d]. Então
f −1 : [c, d] 7→ [a, b]
é contı́nua em [c, d] e tem o mesmo tipo de monotonia estrita que f .
Dem.
Começemos por verificar que a função f −1 é estritamente monótona, com o
mesmo tipo de monotonia que f . Para fixar ideias, admitimos que f é estritamente
crescente (o caso em que f é decrescente resulta deste se tomarmos g = −f ). Sejam
x1 = f −1 (y1 ) e x2 = f −1 (y2 ). Então
y1 < y2 ⇔ f (x1 ) < f (x2 ) ⇔ x1 < x2 ⇔ f −1 (y1 ) < f −1 (y2 ) ,
assim se estabelecendo o crescimento estrito de f −1 .

Estudemos agora a continuidade de f −1 . Consideremos y0 ∈ [c, d] e yn uma


sucessão convergente para y0 . Pretendemos verificar que
lim f −1 (yn ) = f −1 (y0 ) .
Podemos, tomando se necessário uma subsucessão, admitir que (yn ) é monótona.
Esta hipótese adicional simplifica o argumento e não restringe a generalidade do
resultado. Consideramos
xn = f −1 (yn ) e x0 = f −1 (y0 ) , (1.22)
com xn , x0 ∈ [a, b]. Observe que a sucessão (xn ) é limitada e monótona. Logo é
uma sucessão convergente, i.e.
xn → x̄0 ,
para um certo x̄0 ∈ [a, b]. Escrevemos
lim f −1 (yn ) = x̄0 . (1.23)
Pela continuidade de f em x̄0 ,
f (x̄0 ) = lim f (f −1 (yn )) = lim yn = y0 .
Assim, por (1.22),
f (x̄0 ) = f (x0 ) .
Pela injectividade de f , concluı́mos
x̄0 = x0 ,
ou, por (1.23),
lim f −1 (yn ) = f −1 (y0 ) ,
o que demonstra a continuidade de f −1 .
48 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

Nota 1.6 O gráfico da função inversa no referencial cartesiano pode ser obtido
por rotação de noventa graus do gráfico de f (que transforma em eixo horizontal
o eixo das imagens de f ), seguido de uma reflexão segundo o novo eixo vertical
(que devolve ao eixo horizontal o sentido crescente usual, isto é da esquerda para
a direita). Esta composição de duas isometrias resume-se simplesmente a uma
reflexão pela primeira bisectriz. Ou seja, o gráfico da f −1 é simétrico em relação
à recta y = x de f .

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 1.29 A função f : [0, 2] → 7 [0, 4] tal que f (x) = x2 é uma função
contı́nua e bijectiva. A sua inversa é a função

f −1 : [0, 4] 7→ [0, 2] , tal que f −1 (x) = x

Exemplo 1.30 A função E : R 7→ R+ tal que E(x) = ex é uma função contı́nua e


bijectiva cuja inversa E −1 : R+ 7→ R é conhecida pela função logaritmo neperiano
e denotada ln(x). As propriedades clássicas da função logaritmo são consequência
de propriedades conhecidas da função exponencial. Por exemplo, supondo a, b > 0
temos
ln(ab) = ln(a) + ln(b)
Com efeito, aplicando a função exponencial a x1 = ln(ab) e a x2 = ln(a) + ln(b),
temos
ex2 = eln(a)+ln(b) = eln(a) · eln(b) = a · b = eln(ab) = ex1
Pela injectividade da função exponencial em R, concluı́mos

x1 = x2 ou ln(ab) = ln(a) + ln(b)

1
Exemplo 1.31 Considere a função f : R+ 7→ R+ tal que f (x) = x. Podemos
verificar que f é bijectiva no seu domı́nio. Além disso temos
1 1
y= ⇔ x=
x y

pelo que
f −1 (x) = f (x)
isto é, f é coincidente com a sua inversa. Este facto traduz-se na simetria do seu
gráfico (uma hipérbole) em relação à recta y = x.
1.5. INVERSA DE UMA FUNÇÃO CONTÍNUA 49

Exemplo 1.32 A função trigonométrica tan :] − π2 , π2 [7→ R é bijectiva. A sua


inversa é designada por função arco-tangente e denotada por
i π πh
arctan : R 7→ − ,
2 2
A função arco-tangente é estritamente crescente no seu domı́nio, admite a recta y =
− π2 como assı́mptota horizontal em −∞ e admite a recta y = π2 como assı́mptota
horizontal em +∞.

Exemplo 1.33 A função trigonométrica sin : [− π2 , π2 ] 7→ [−1, 1] é bijectiva e a sua


inversa, designada por função arco-seno, é denotada por
h π πi
arcsin : [−1, 1] 7→ − ,
2 2
De modo semelhante, a função cos : [0, π] 7→ [−1, 1] admite função inversa, desig-
nada por arco-coseno, e denotada

arccos : [−1, 1] 7→ [0, π]

Exercı́cios

1. Seja f : I 7→ R uma função contı́nua. Admita que existem reais a < b < c
pertencentes a I tais que

f (a) < f (b) e f (b) > f (c)

Justifique que, para todo o k pertencente ao intervalo ] max{f (a), f (c)}, f (b)[,
a equação
f (x) = k
tem pelo menos duas soluções distintas. Utilize este facto para mostrar que
f é injectiva se e só se f é estritamente monótona.

2. Esboce no referencial cartesiano os gráficos das funções e respectivas inversas


dos Exemplos 1.29 a 1.33.

3. Utilize um argumento semelhante ao do Exemplo 1.30 para mostrar que, para


todo o k ∈ R,
ln(ak ) = k ln(a) (a > 0)
50 CAPÍTULO 1. SUCESSÕES, LIMITES E CONTINUIDADE

4. Utilizando a função x y x2 e um argumento semelhante ao do Exemplo 1.30,


mostre que √ √ √
ab = a · b , ∀a, b ≥ 0

5. Poderemos afirmar que a função g : R+ 7→ R− definida por g(x) = − x1 é igual


à sua inversa?

6. Considere a função h : [1, +∞[7→ R definida por



h(x) = ln( x − 1 + 1)

Determine o contradomı́nio I de h e justifique que h admite uma função


inversa. Caracterize h−1 explicitando a sua fórmula.

7. Mostre que para todo o x ∈ [−1, 1]


p
sin(arccos(x)) = 1 − x2 = cos(arcsin(x))

8. Mostre que para todo o x ∈ R


x+y
tan(arctan(x) + arctan(y)) =
1 − xy
tan(α)+tan(β)
(sugestão: utilize a fórmula trigonométrica tan(α + β) = 1−tan(α) tan(β) )

9. Seja f : I 7→ J uma função invertı́vel. Mostre que

f (x) = x ⇒ f −1 (x) = f (x)

Será a implicação inversa verdadeira?


Capı́tulo 2

A derivada e suas aplicações

2.1 Noção de derivada de uma função num


ponto
Nesta secção iremos aprofundar o estudo das funções reais de variável real definidas
em intervalos, eventualmente ilimitados, introduzindo para tal os conceitos de
diferenciabilidade de uma função num ponto e de derivada de uma função.
Começemos por rever algumas noções topológicas. Dado um intervalo I ⊂ R,
dizemos que a ∈ I é ponto interior de I se existir uma vizinhança V (a) =]a−, a+[
tal que
V (a) ⊂ I .

Denotaremos por I o conjunto dos pontos interiores de I. No caso do intervalo ter
infı́mo a e supremo b, é fácil concluir que

I =]a, b[ .

Definição. Seja f : I 7→ R uma função real de variável real e a um ponto interior


de I. Diremos que f é diferenciável em a se existir D ∈ R
f (x) − f (a)
D = lim . (2.1)
x→a x−a
A existência deste limite finito significa, do ponto de vista geométrico, a existência
de uma função afim cuja recta que a representa gráficamente é tangente ao gráfico
de f no ponto (a, f (a)). O declive dessa recta é D. D é designado por derivada
de f no ponto a e denotado por f 0 (a).

Em alternativa a (2.1) podemos escrever


f (a + h) − f (a)
f 0 (a) := lim . (2.2)
h→0 h

51
52 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

A fórmula (2.2) resulta de (2.1) se considerarmos a mudança de variável h = x − a.


Assim
x=a+h e x → a equivale a h → 0 .

Definição. Dada uma função f , diferenciável em a e com derivada D = f 0 (a),


designamos por recta tangente ao gráfico de f no ponto (a, f (a)) a recta de
equação
y = f 0 (a)(x − a) + f (a) .

Repare que a equação, escrita nesta forma, torna claro que se trata de uma
recta com declive f 0 (a) e que no ponto x = a assume o valor f (a).

A existência do limite (2.1) permite-nos escrever


f (x) − f (a)
− D = z(x − a) ,
x−a
em que z é uma função real definida em ] − , [ tal que
lim z(x − a) = 0 .
x→a

Podemos pois, em alternativa a (2.1) ou (2.2) definir a diferenciabilidade de f em


a do seguinte modo:

Uma função f é diferenciável em a se e só se existe D ∈ R e uma função z


definida em ] − , [ tais que
f (x) = f (a) + D · (x − a) + (x − a) · z(x − a) , (2.3)
e
lim z(x − a) = 0 .
x→a
A constante D é única e coincide com o limite (2.1) (ou (2.2)).

Nota 2.1 As definições (2.1)–(2.2) descrevem o processo de determinação do de-


clive da tangente ao gráfico de uma função f num ponto através da passagem
ao limite, quando x tende para a, dos declives de rectas secantes ao gráfico em
(a, f (a)) e (x, f (x)). Por sua vez, a definição (2.3) evidencia a existência de uma
função afim
f¯(x) = f (a) + D · (x − a)
da função f que se distingue pela seguinte caracterı́stica na aproximação de f :
para todo o  > 0, existe uma vizinhança Vδ (a) na qual o erro |f (x) − f¯(x)| admite
a majoração
|f (x) − f¯(x)| = |(x − a) · z(x − a)| <  · |x − a| ∀x ∈ Vδ (a)
2.1. NOÇÃO DE DERIVADA DE UMA FUNÇÃO NUM PONTO 53

No caso de uma função f definida num intervalo [a, a + [ ( > 0), diremos que
f tem derivada lateral direita em a se e só se existe um real D+ tal que
f (x) − f (a)
lim = D+ .
x→a+ x−a
Alternativamente, representamos f 0 (a+ ) := D+ . De forma análoga se define a
derivada lateral esquerda em a como sendo
f (x) − f (a)
f 0 (a− ) := lim
x→a− x−a
(supondo f definida num intervalo ]a − , a]). Claramente, uma função é dife-
renciável em a se e só se os limites laterais f 0 (a+ ) e f 0 (a− ) existirem e verificar-se

f 0 (a− ) = f 0 (a+ ) .

Exemplo 2.1 Considere a função f (x) = x2 e o ponto a = 1. Temos

f (x) − f (1) x2 − 12 (x − 1)(x + 1)


= = ,
x−1 x−1 (x − 1)
pelo que
f (x) − f (1) (x − 1)(x + 1)
lim = lim = lim (x + 1) = 2 .
x→1 x−1 x→1 (x − 1) x→1

Poderı́amos alternativamente calcular o limite anterior utilizando a fórmula (2.2):

f (1 + h) − f (1) (1 + h)2 − 1
lim = lim =
h→0 h h→0 h
1 + 2h + h2 − 1
lim = lim 2 + h = 2 .
h→0 h h→0

Finalmente, o valor de D pode ainda ser obtido pela caracterização (2.3). Com
efeito, escrevendo

x2 = (x − 1 + 1)2 = 1 + 2(x − 1) + (x − 1)2 = f (1) + 2(x − 1) + (x − 1) · z(x − 1) ,

em que z(x − 1) = x − 1, observamos que é cumprida a condição (2.3) tomando


D = 2.
Podemos concluir que a recta tangente à parábola y = x2 no ponto de abcissa
a = 1 tem por equação
y = 2(x − 1) + 1 .
54 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 2.2 Considere a função f (x) = sin(2x) e o ponto a = 0. Temos


f (x) − f (0) sin(2x)
lim = lim =
x→0 x x→0 x
sin 2x
2 lim =2
x→0 2x

sin(y)
(na última igualdade utilizámos o limite notável lim = 1 mudando a variável
y→0y
para y = 2x). Concluı́mos que no ponto (0, 0) pertencente ao gráfico da função f ,
a tangente tem por equação
y = 2x .

Consideremos agora a noção fundamental de derivada de uma função:

Definição. Seja f uma função definida num intervalo aberto I tal que f é dife-
renciável em todo o x ∈ I. Designamos por função derivada de f a aplicação

f 0 : I 7→ R
f (x + h) − f (x)
x y lim
h→0 h

df
Observação: É também usual a notação mais “fı́sica” para indicar a derivada
dx
de f . Repare que esta notação é fortemente inspirada pela definição da derivada:
trata-se de uma razão da diferença de imagens (representada por df ) pela diferença
de objectos (representada por dx).

Podemos dizer que a função derivada f 0 associa a cada x ∈ I o declive f 0 (x)


da recta tangente ao gráfico no ponto (x, f (x)).

Exemplo 2.3 Considere f (x) = x. Qualquer que seja o ponto do gráfico de f , a


recta tangente coincide com o gráfico de f , ou seja, com a recta y = x. Esta recta
tem declive 1. Assim a função derivada de f é a função constante

f 0 (x) = 1 (x ∈ R) .

Exercı́cio Verifique a afirmação anterior utilizando a definição (2.2).


Exemplo 2.4 Considere f (x) = x2 . Fixemos x ∈ R e calculemos

f (x + h) − f (x) (x + h)2 − x2 (x2 + 2xh + h2 ) − x2


= = = 2x + h .
h h h
2.1. NOÇÃO DE DERIVADA DE UMA FUNÇÃO NUM PONTO 55

Assim
f (x + h) − f (x)
f 0 (x) = lim = lim 2x + h = 2x .
h→0 h h→0
Concluı́mos que no ponto de abcissa x, o gráfico de f tem uma tangente com
declive 2x.
No teorema seguinte estabelecemos um resultado que generaliza os dois exemplos
anteriores.

Teorema 2.1 Considere a função f (x) = xn com n ∈ N e x ∈ R. Então


f 0 (x) = nxn−1

Dem. Recordemos o desenvolvimento da expressão (x + h)n pelo binómio de


Newton
(x + h)n = C0n xn + C1n xn−1 h + C2n xn−2 h2 + ... + Cnn hn .
Temos C0n = 1 e C1n = n. Podemos reescrever a equação anterior na forma
(x + h)n − xn = nxn−1 h + h2 (C2n xn−2 + C3n xn−3 h + ... + Cnn hn−2 ) .
Obtemos então
f (x + h) − f (x) (x + h)n − xn
= =
h h
nxn−1 h + h2 (C2n xn−2 + C3n xn−3 h + ... + Cnn hn−2 )
=
h
= nxn−1 + h(C2n xn−2 + C3n xn−3 h + ... + Cnn hn−2 ).
Observe que
lim h(C2n xn−2 + C3n xn−3 h + ... + Cnn hn−2 ) = 0
t→0
pelo que
f (x + h) − f (x)
lim = nxn−1 .
h→0 h

Exercı́cios

1. Considere a função f (x) = x2 + 2x, (x ∈ R). Determine a equação da recta


tangente ao gráfico de f no ponto (−1, −1).
2. Considere a função
1 1
E3 (x) = 1 + x + x2 + x3 x ∈ R.
2 6
Determine a equação da recta tangente ao gráfico de E3 no ponto de abcissa
zero. Averigúe a existência de rectas tangentes ao gráfico de E3 com declive
nulo.
56 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

3. Mesmo exercı́cio para a função

1 3 1
S5 (x) = x − x + x5 x ∈ R.
3! 5!

4. Considere a função f (x) = x|x|α em que α > 0. Verifique que f é diferenciável


em x = 0 e determine o valor da derivada.

5. Verifique que
sin2 (x)
cos(x) − 1 = − .
cos(x) + 1
Utilize este facto para provar que a função cos(x) tem derivada nula em zero.

2.2 Propriedades da derivada


O próximo teorema é uma consequência simples do Lema 1.15 sobre limites.

Teorema 2.2 Sejam f e g duas funções diferenciáveis em a. Então f + g é


diferenciável em a e, sendo k um número real, kf é diferenciável em a. Temos

(f + g)0 (a) = f 0 (a) + g 0 (a) e (kf )0 (a) = kf 0 (a) .

Tomemos, por exemplo, a função

f (x) = x2 + 2x .

Trata-se de uma função diferenciável pois é a soma de duas funções diferenciáveis.


Temos
f 0 (x) = (x2 )0 + (2x)0 = 2x + 2 .
(ver exemplos 2.3, 2.4 ou exercı́cio 3 da secção anterior).

De um modo geral, combinando o Teorema 2.1 e o Lema 2.2 obtemos a seguinte


regra de derivação para polinómios em R.

Corolário 2.3 Seja

p(x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x + a0

um polinómio de grau n definido em R. Então p é diferenciável em R e a sua


função derivada é o polinómio de grau (n − 1):

p0 (x) = nan xn−1 + (n − 1)an−1 xn−2 + .... + a2 x + a1 .


2.2. PROPRIEDADES DA DERIVADA 57

Observação: Observe que duas funções distintas f e g, diferenciáveis em I, podem


possuir a mesma derivada. Tome o caso

f (x) = g(x) + k

em que k é uma constante não nula. Temos, para todo o x ∈ I

f (x) 6= g(x) e f 0 (x) = g 0 (x) .

De facto, veremos adiante que, dadas duas funções f e g, diferenciáveis em I, a


condição f 0 (x) = g 0 (x) para x ∈ I equivale à condição f (x) = g(x) + k em I para
uma certa constante k ∈ R.

Clarifiquemos a relação entre a noção de diferenciabilidade e a noção de conti-


nuidade definida no capı́tulo anterior. Começemos com um exemplo:

Exemplo 2.5 Seja f (x) = |x|. A função f é contı́nua em 0 (Exemplo 1.24).


Contudo, não é diferenciável em 0. Com efeito:

f (x) − f (0) |x|


lim = lim = 1, (2.4)
x→0+ x x→0 + x
e
f (x) − f (0) |x|
lim = lim = −1 . (2.5)
x→0− x x→0− x

Concluı́mos que (f (x)−f (0))/x não tem limite em 0. A falha de diferenciabilidade


causada pela diferença dos limites (2.4) e (2.5) traduz-se, neste caso, pela existência
de um “ponto anguloso” do gráfico de f em (0, 0).

No entanto, podemos afirmar

Teorema 2.4 Se uma função f é diferenciável num ponto a então ela é contı́nua
em a.

Dem. Utilizando a definição de diferenciabilidade em a dada por (2.3), escrevemos

f (x) = f (a) + f 0 (a) · (x − a) + (x − a)z(x − a) . (2.6)

em que limx→a z(x − a) = 0. Posto que

lim f 0 (a)(x − a) = 0 e lim (x − a)z(x − a) = 0 (2.7)


x→a x→a

podemos concluir de (2.6) e (2.7)

lim f (x) = f (a) ,


x→a

ou seja que f é contı́nua em a.


58 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Concluı́mos do resultado anterior que a diferenciabilidade de uma função f


num ponto a requer à partida a continuidade de f em a. Diz-se neste caso que a
diferenciabilidade é uma noção mais “forte” do que a continuidade, no sentido em
que a primeira implica a segunda.

Iremos agora deduzir a fórmula para a derivação do produto e da razão de duas


funções. Alertamos desde já para o facto que, geralmente
 0
0 0 0 f f0
(f g) 6= f g e 6= 0 .
g g

(compare (x2 )0 com (x0 ) · (x0 ) e (x2 /x)0 com (x2 )0 /x0 ).

Teorema 2.5 Sejam f e g duas funções diferenciáveis em a. Então:

(i) f g é diferenciável em a e

(f g)0 (a) = f 0 (a)g(a) + f (a)g 0 (a) .


1
(ii) Se f (a) 6= 0 então f é diferenciável em a e
 0
1 f 0 (a)
(a) = − 2 .
f f (a)
f
(iii) Se g(a) 6= 0 então g é diferenciável em a e
 0
f f 0 (a)g(a) − f (a)g 0 (a)
(a) = .
g g 2 (a)

Dem. (i) Pretendemos estudar a existência do limite

f (a + h)g(a + h) − f (a)g(a)
lim .
h→0 h
Somando e subtraindo a quantidade f (a)g(a + h) ao numerador, obtemos:

f (a + h)g(a + h) − f (a)g(a)
=
h
f (a + h)g(a + h) − f (a)g(a + h) + f (a)g(a + h) − f (a)g(a)
=
h
f (a + h) − f (a) g(a + h) − g(a)
g(a + h) + f (a) . (2.8)
h h
Justifiquemos que a expressão (2.8) tem limite em zero. Posto que a diferenciabi-
lidade de g em a implica a sua continuidade em a, temos

lim g(a + h) = g(a) .


h→0
2.2. PROPRIEDADES DA DERIVADA 59

Além disso, por hipótese de diferenciabilidade,

f (a + h) − f (a) g(a + h) − g(a)


lim = f 0 (a) e lim = g 0 (a) .
h→0 h h→0 h
Assim, existe o limite definido em (2.2) e temos

f (a + h)g(a + h) − f (a)g(a)
lim = f 0 (a)g(a) + f (a)g 0 (a) .
h→0 h

(ii) Como f (a) 6= 0 e f é contı́nua em a, podemos supor que f está definida


numa vizinhança V =]a − δ, a + δ[ de a tal que f (x) =6 0 para todo o x ∈ V .
Supondo h ∈] − δ, δ[ podemos escrever
1 1
f (a+h) − f (a) 1 1
= (f (a) − f (a + h)) .
h h f (a + h)f (a)

Observe que
1 1 1
lim (f (a) − f (a + h)) = −f 0 (a) e lim = 2 .
h→0 h h→0 f (a + h)f (a) f (a)

Podemos então concluir a existência do limite (2.1) e


 0
1 f 0 (a)
(a) = − 2 .
f f (a)

(iii) Aplicando as duas regras anteriores e reduzindo as expressões fraccionárias


ao mesmo denominador, temos

1 0
 0
f 0 (a)g(a) − f (a)g 0 (a)
  
0 1 g (a)
f· (a) = f (a) + f (a) − 2 = .
g g(a) g (a) g 2 (a)

Exemplos

(i) A função polinomial de domı́nio R f (x) = (1 + x + 12 x2 + 61 x3 )(1 − x) tem


como derivada a função
1 1 1 5
f 0 (x) = (1 + x + x2 )(1 − x) − (1 + x + x2 + x3 ) = −x − x2 − x3 .
2 2 3 6
(ii) A função f (x) = x1 tem como derivada a função f 0 (x) = − x12 . O domı́nio
de ambas as funções é R/{0}.
60 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

x
(iii) A função f (x) = 1+x2
tem derivada

(1 + x2 ) − x(2x) 1 − x2
f 0 (x) = = .
(1 + x2 )2 (1 + x2 )2
(indique os domı́nios de f e f 0 ).

O resultado que segue generaliza a regra de derivação a potências negativas:

Corolário 2.6 Considere a função f (x) = xp com p ∈ Z− e x ∈ R\{0}. Então f


é diferenciável em x e
f 0 (x) = pxp−1 .

Dem. Posto que p ∈ Z− , escrevemos p = −n em que n ∈ N. Assim


1
f (x) = xp = x−n = .
xn
Aplicando a alı́nea (ii) do teorema anterior, temos
nxn−1 nxn−1
f 0 (x) = − = − = (−n)xn−1−2n = (−n)x(−n)−1 ,
(xn )2 x2n
ou seja
f 0 (x) = pxp−1 .

Observação: Repare que o caso p = 0 não é tratado no teorema anterior. De


facto, x0 é a função constante igual a 1 pelo que a sua derivada é nula.

Nota 2.2 (Diferenciabilidade de funções definidas por ramos)

Seja f uma função diferenciável no intervalo ]a, b[. Dado x0 ∈]a, b[, considere
uma função g e uma vizinhança V =]x0 − , x0 + [⊂]a, b[ de x0 tal que
g(x) = f (x) ∀x ∈ V .
Então g é diferenciável em x0 e temos
g 0 (x0 ) = f 0 (x0 ) .
Este facto tem uma justificação simples. Com efeito, para uma sucessão xn con-
vergente para x0 , teremos, para certa ordem p
xn ∈ V , ∀n > p .
Assim:
g(xn ) − g(x0 ) f (xn ) − f (x0 )
g 0 (x0 ) = lim = lim = f 0 (x0 ) .
xn →x0 xn − x0 xn →x0 xn − x0
2.2. PROPRIEDADES DA DERIVADA 61

Uma consequência desta observação é a dedução da fórmula para a derivada


de funções definidas por ramos. Por exemplo, considere
(
h(x) se x < a,
f (x) =
w(x) se x ≥ a .

em que h é diferenciável em ] − ∞, a[ e w é diferenciável em ]a, +∞[. Então f é


diferenciável em ] − ∞, a[∪]a, +∞[ e
(
h0 (x) se x < a,
f 0 (x) = 0
w (x) se x > a .

No ponto x = a nada podemos, a priori, garantir quanto à continuidade ou diferen-


ciabilidade de f . Veremos adiante, como consequência de um teorema importante
(Teorema de Lagrange), que a continuidade de f e a existência de limites laterais
coincidentes de f 0 no ponto a são suficientes para garantir a diferenciabilidade de
f em a.

Exercı́cios

1. Calcule a derivada em x = 1 de

p(x) = 1 + x + x2 + x3 + (...) + x10 .

2. Considere a função
(
1

x sin x se x 6= 0
f (x) = .
0 se x = 0

Justifique que f não é diferenciável em x = 0.


 0
f
3. Considere as funções f (x) = x2 + 1 e g(x) = x2 − 1. Determine (f g)0 e g
(indicando os domı́nios em que são válidas as derivadas).

4. Considere as funções f e g do exercı́cio anterior. Defina


(
g(x) se x < 0 ,
h(x) = .
f (x)g(x) se x ≥ 0

Determine a função derivada de h (estude a diferenciabilidade em x = 0).

5. Suponha que f , definida em V =]a − , a + [ ( > 0), não é contı́nua em a.


Justifique que existe uma sucessão xn convergente para a em V tal que

f (xn ) − f (a)
lim = +∞ .
xn →a x − xn
62 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

2.3 Derivadas de funções trigonométricas


e da exponencial
Nesta secção iremos estabelecer a derivada de funções já introduzidas no ensino
secundário.
Comecemos pelas funções trigonométricas. É razoável que a derivada de uma
função periódica seja, também ela, uma função periódica: se o gráfico deuma
função f (x) repete o seu padrão em intervalos de comprimento fixo, também o
deverão fazer os declives f 0 (x) das rectas tangentes ao seu gráfico.

Teorema 2.7 (Derivação de funções trigonométricas)

(i) A função sin(x) é diferenciável em R e a sua derivada é

(sin)0 (x) = cos(x) .

(ii) A função cos(x) é diferenciável em R e a sua derivada é

(cos)0 (x) = − sin(x) .

(iii) A função tan(x) é diferenciável em R\{ π2 + kπ : k ∈ Z} e a sua derivada é


1
(tan)0 (x) = sec2 (x) = .
cos2 (x)
Dem.

(i) Começamos por recordar a fórmula trigonométrica


   
a−b a+b
sin(a) − sin(b) = 2 sin cos .
2 2
Assim    
1 2 h x+x+h
(sin(x + h) − sin(x)) = sin cos .
h h 2 2
Observe que  
x+x+h
lim cos = cos(x) ,
h→0 2
e que, pelo limite notável visto no Exemplo 1.20,
sin h2
  
2 h
lim sin = lim h
= 1.
h→0 h 2 h→0
2

Logo
sin(x + h) − sin(x)
(sin)0 (x) = lim = cos(x) .
h→0 h
2.3. DERIVADAS DE FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICASE DA EXPONENCIAL63

(ii) Recordamos a fórmula trigonomérica


π 
cos(a) = sin −a .
2
Assim,
cos(x + h) − cos(x) sin( π2 − x − h) − sin( π2 − x)
lim = lim .
h→0 h h→0 h
Mudando para as variáveis y = π
2 − x e h0 = −h podemos re-escrever o limite
anterior
sin(y + h0 ) − sin(y) sin(y + h0 ) − sin(y)
lim = lim − = − cos(y) = − sin(x) .
h→0 −h0 h→0 h0

(iii) Recordamos que


sin(x)
tan(x) =
cos(x)
Assim
(sin)0 (x) cos(x) − sin(x)(cos)0 (x) cos2 (x) + sin2 (x) 1
(tan(x))0 = = = .
cos2 (x) cos2 (x) cos2 (x)

Nota 2.3 Dividindo a fórmula fundamental da trigonometria

cos2 (x) + sin2 (x) = 1

por cos2 (x) obtemos


1
= 1 + tan2 (x) , (2.9)
cos2 (x)
Podemos pois escrever
(tan)0 (x) = 1 + tan2 (x) .
Observe que a função tangente satisfaz a seguinte equação

f 0 (x) = 1 + f 2 (x) . (2.10)

A equação anterior é designada por equação diferencial porque exprime uma relação
entre uma função f e a sua derivada. Pode verificar que as funções de tipo
tan(x + c), em que c é uma constante, são soluções de (2.10).

Com vista è dedução da função derivada da função exponencial começamos


por recordar o limite
eh − 1
lim = 1. (2.11)
h→0 h
64 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Teorema 2.8 (Derivação da função exponencial)


Considere a função f (x) = ex , definida em R. Então f é diferenciável e a sua
derivada é
f 0 (x) = ex .

Dem. Por regras conhecidas das potências,

ex+h − ex eh − 1
= ex .
h h
Assim
ex+h − ex eh − 1
f 0 (x) = lim = ex lim = ex = f 0 (x) .
h→0 h h→0 h

Nota 2.4 A função exponencial coincide com a sua função derivada. Ela é uma
solução da equação diferencial

y 0 (x) = y(x) . (2.12)

As funções que verificam (2.12) verificam a seguinte propriedade: a ordenada


de um ponto P no gráfico de f indica o declive da recta tangente. Existem outras
funções que satisfazem (2.12). Por exemplo a função constante igual a zero. De
facto pode-se demonstrar que todas as soluções são da forma:

y(x) = cex ,

em que c é uma constante real (os exemplos mencionados correspondem a c = 1 e


a c = 0). Assim, o problema de determinarmos uma função que verifique

y 0 (x) = y(x) , y(0) = c ,

tem uma única solução para cada valor de c fixado.

Nota 2.5 O estudo da função exponencial remonta ao século XVII. Na sequência


da publicação do seu Discurso do Método, Descartes foi questionado por um leitor
sobre a existência de uma função f tal que a tangente num qualquer ponto P do seu
gráfico com coordenadas (x, y) intersectasse o eixo das abcissas no ponto (x − 1, 0).
O leitor interessado poderá verificar que esta condição equivale a determinar uma
função que é igual à sua derivada. A solução deste problema é uma função de tipo
f (x) = ax , em que a é o limite da sucessão

1 n
 
en = 1 +
n
2.3. DERIVADAS DE FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICASE DA EXPONENCIAL65

designado por número de Neper e valendo aproximadamente 2, 718.

Coube ao português José Anastácio da Cunha a descoberta, em 1790, de que


a função ex pode ser considerada um “polinómio infinito”:
1 2 1 1 n
ex = 1 + x + x + x3 + ... + x + ... .
2! 3! n!
De facto, esta caracterização fundamental da função exponencial estabelece o limite
notável
eh − 1
lim = 1,
h→0 h
utilizado na dedução da derivada de ex . No entanto, o estudo desta questão sai do
âmbito do nosso curso (o aluno interessado poderá consultar o livro Introdução à
Análise Matemática de J. Campos Ferreira).

Sugerimos que, com recurso a uma máquina de calcular gráfica ou a um pro-


grama de computador de matemática, compare, no intervalo [−1, 1], os gráficos de
f (x) = ex e dos polinómios
1 1 1 1 1 1 5
p3 (x) = 1 + x + x2 + x3 e p5 (x) = 1 + x + x2 + x3 + x4 + x .
2 6 2 6 24 120
Deste modo poderá constatar a pertinência do que acima foi dito. Terminamos
com um pequeno desafio: admitindo que pode derivar a expressão
1 1 1 n
E(x) = x + x2! + x3 + ... + x + ... ,
2 3! n!
como se fosse um polinómio, verifique que

E 0 (x) = E(x) .

Como consequência dos resultados desta secção, podemos deduzir o seguinte


corolário.

Corolário 2.9 (Continuidade de funções trigonométricas e exponencial)


As funções sin(x), cos(x) e ex são contı́nuas em R. A função tan(x) é contı́nua
em R\{ π2 + kπ : k ∈ Z}.

Observação: Poderá parecer estranho a justificação da continuidade das funções


trigonométricas e exponenciais a partir da propriedade de diferenciabilidade. De
facto, a justificação da continuidade poderia fazer-se de modo independente. No
entanto, importa referir que a diferenciabilidade é, do ponto de vista histórico, uma
66 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

noção anterior à continuidade. Matemáticos do século XVII e XVIII admitiam


implicitamente a existência de rectas tangentes aos gráficos de funções com que
trabalhavam. No século XIX, o matemático alemão Karl Weierstrass formalizou a
noção de continuidade e exibiu uma função que sendo contı́nua em todos os pontos
de um intervalo, não era diferenciável em nenhum deles. O seu gráfico descreve uma
linha em que o mesmo padrão estrelado (a lembrar o das fortificações abaluartadas
de estilo Vauban) se repete a diversas escalas. Este tipo de curvas são designadas
por fractais.

Exercı́cios

1. Determine o domı́nio e a expressão da derivada das seguintes funções:

tan(x)
f1 (x) = x sin(x) ; f2 (x) = sin(2x) ; f3 (x) =
ex
(recorde que sin(2x) = 2 sin(x) cos(x)).

2. Verifique que
2h − 1
lim = ln(2) .
h→0 h
Sugestão: escreva 2 = eln(2) . Utilize limite notável.

3. Determine a função derivada de f (x) = 2x .

4. Identifique os pontos em que a função h(x) = | sin(x)| não é diferenciável.

5. Compare, no intervalo 0, π2 , os gráficos de f (x) = sin(x) com o da função


 

polinomial
x3 x5
p(x) = x − + .
3! 5!
Indique um polinómio de grau menor ou igual a quatro que aproxime a
função cos(x) no mesmo intervalo.

2.4 Derivada da função composta


Começamos por enunciar o teorema fundamental desta secção.

Teorema 2.10 (Derivação da Função Composta)


Seja g uma função diferenciável em a e f uma função diferenciável em g(a).
Então f ◦g é diferenciável em a e a sua derivada pode ser obtida através da fórmula

(f ◦ g)0 (a) = f 0 [g(a)] · g 0 (a) . (2.13)


2.4. DERIVADA DA FUNÇÃO COMPOSTA 67

Dem.
Começamos por observar que existe uma vizinhança V =]a − , a + [ de a tal
que f ◦ g : V 7→ R está definida em V (veja, por exemplo, a demonstração do Lema
1.21). Pela hipótese da diferenciabilidade de g e f em a e g(a), respectivamente,
podemos escrever, utilizando a caracterização de diferenciabilidade (2.3),

g(a + h) = g(a) + g 0 (a)h + hr1 (h) ,

f [g(a) + k] = f [g(a)] + f 0 [g(a)]k + kr2 (k) (2.14)


em que ri (s) (i = 1, 2) verifica

lim ri (s) = 0 .
s→0

Façamos k = g 0 (a)h + hr1 (h), de modo a que

g(a + h) = g(a) + k .

Substituindo em (2.14) (não se assuste com a expressão seguinte), obtemos:

f [g(a + h)] = f g(a) + g 0 (a)h + hr1 (h) =


 

= f [g(a)] + f 0 [g(a)](g 0 (a)h + hr1 (h)) + (g 0 (a)h + hr1 (h))r2 (g 0 (a)h + hr1 (h)) =
= f [g(a)] + f 0 [g(a)]g 0 (a)h + ρ(h)h (2.15)

em que
ρ(h) = f 0 [g(a)]r1 (h) + (g 0 (a) + r1 (h))r2 (g 0 (a)h + hr1 (h)) .
Observe que ρ(h) é tal que lim ρ(h) = 0. Concluı́mos então que f ◦ g verifica
h→0
a definição (2.3) com L = f 0 (g(a)) o que justifica a diferenciabilidade de função
composta e a fórmula (2.13).

No caso de colocarmos a hipótese adicional da função g ser injectiva, podemos


estabelecer a derivada da composta com um argumento mais imediato. Escrevemos
f (g(a + h)) − f (g(a)) f (g(a + h)) − f (g(a)) g(a + h) − g(a)
= · . (2.16)
h g(a + h) − g(a) h
(a hipótese técnica da injectividade visa garantir que o denominador
g(a + h) − g(a) é diferente de zero.) Como g é diferenciável em a, temos
g(a + h) − g(a)
lim = g 0 (a) .
h→0 h
Por outro lado, como g(a + h) → g(a) quando h tende para zero (recorde que a
diferenciabilidade implica a continuidade) temos
f (g(a + h)) − f (g(a)) f (y) − f (g(a))
lim = lim = f 0 [g(a)] .
h→0 g(a + h) − g(a) y→g(a) y − g(a)
68 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

(operámos a substituição y = g(a + h)). Assim, resulta de (2.16) e dos limites


anteriores que
f (g(a + h)) − f (g(a))
lim = f 0 [g(a)]g 0 (a) ,
h→0 h
o que conclui a demonstração neste caso particular.

Exemplo Considere a função polinomial p(x) = (x2 + 1)100 . Podemos exprimir


p(x) como a composta de duas funções diferenciáveis em R, i.e.

p(x) = f (g(x)) em que g(x) = x2 + 1 e f (y) = y 100 .

Temos
f 0 (y) = 100y 99 e g 0 (x) = 2x .
Assim
p0 (x) = f 0 (g(x))g 0 (x) = 100(x2 + 1)99 2x .
Exemplo Considere a função f (x) = 2x . Escrevemos
 x
f (x) = eln(2) = eln(2)x .

Podemos derivar f utilizando a regra da função composta.

f 0 (x) = eln(2)x ln(2) = ln(2) 2x .

Exercı́cios

1. Determine a derivada da função f (x) = sin(x2 ).


2. Determine a fórmula da derivada da função f (x) = ax em que a é uma constante
positiva.
3. Determine a derivada da função f 3 (x) + ef (x) tomando sucessivamente como f
as funções utilizadas nos exercı́cios anteriores.

2.5 Derivada da função inversa


Nesta secção abordaremos a questão da diferenciabilidade da função inversa (para
a composição de funções). Recordamos que quando uma função f : A 7→ B é
bijectiva a função inversa f −1 : B 7→ A é definida pela relação

f −1 (y) = x se e só se y = f (x) .

As funções estritamente monótonas são um caso particular de funções injectivas.


Porém, no caso de funções contı́nuas num intervalo, resulta do Teorema do Valor
Intermediário que a injectividade equivale à monotonia estrita.
2.5. DERIVADA DA FUNÇÃO INVERSA 69

Teorema 2.11 (Derivação da Função Inversa)


Suponha f estritamente monótona e contı́nua em I = [a, b]. Seja x0 um ponto
interior de I tal que f é diferenciável em x0 e f 0 (x0 ) 6= 0. Então a função inversa

f −1 : [c, d] 7→ [a, b] (c = min{f (a), f (b)} , d = max{f (a), f (b)})

é diferenciável em y0 = f (x0 ). Nesse ponto, a derivada pode ser obtida através da


fórmula
0 1
f −1 (f (x0 )) = 0 . (2.17)
f (x0 )

Dem.
Posto que x0 ∈]a, b[, necessariamente y0 = f (x0 ) ∈]c, d[. Podemos então estu-
dar o limite
f −1 (y) − f −1 (f (x0 ))
lim .
y→f (x0 ) y − f (x0 )
Tomando uma sucessão yn → f (x0 ) com {yn } ⊂ [c, d], podemos escrever, pela
continuidade da função inversa

yn = f (xn ) , em que xn = f −1 (yn ) e xn → f −1 (f (x0 )) = x0 .

Assim

f −1 (yn ) − f −1 (f (x0 )) f −1 (f (xn )) − f −1 (f (x0 ))


lim = lim =
yn →f (x0 ) yn − f (x0 ) xn →x0 f (xn ) − f (x0 )
xn − x0 1
= lim = 0 . (2.18)
xn →x0 f (xn ) − f (x0 ) f (x0 )

Nota 2.6 Este resultado pode ser interpretado geometricamente. Recorde que o
gráfico de f e de f −1 são simétricos em relação à bissectriz dos quadrantes ı́mpares.
No ponto (x0 , f (x0 )), o gráfico de f admite uma recta tangente r com declive
f 0 (x0 ). Por simetria, o gráfico de f −1 admite uma recta tangente r∗ no ponto
(f (x0 ), x0 ). Observe que r e r∗ são simétricas em relação à primeira bissectriz.
Assim, os seus coeficientes directores são inversos (justifique). Concluı́mos que o
1
declive de r∗ é 0 ou
f (x0 )
0 1
f −1 (f (x0 )) = .
f 0 (x 0)

Nota 2.7 A fórmula (2.17) é extensı́vel ao caso de funções f com domı́nios ou


contradomı́nios não compactos.
70 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 2.6 (Derivada da função raı́z quadrada)


A função raı́z quadrada, que denotaremos aqui por r(x), é definida como a inversa
da função
f : [0, +∞[7→ [0, +∞[ x y x2 .
Observe que para todo o x0 > 0, a função f encontra-se nas condições do Teorema
anterior. Podemos então calcular
1
(f −1 )0 (f (x0 )) = ,
f 0 (x 0)

ou
1
r0 x20 =

.
2x0
De modo a exprimir a derivada da raı́z numa variável livre, operamos a mudança
y = x20 o que implica

x0 = y .
Podemos então escrever
1 d √ 1
r0 (y) = √ ou alternativamente ( x) = √ .
2 y dx 2 x

Exemplo 2.7 (Derivada da função raı́z de ordem n)


Dado n ∈ N, considere a função
√ 1
g(y) = n
y = yn , y ≥ 0.

A função g é a inversa da função

f (x) = xn x ≥ 0.

Observe que, para x > 0, f está nas condições do Teorema 2.11. Podemos então
calcular a derivada g 0 no conjunto dos reais positivos. Escrevemos, para y = xn ,
1 1
g 0 (y) = = .
f 0 (x) nxn−1

Mudando, no último membro, a variável para y = xn (ou equivalentemente x =


1
y n ), temos:
1 1 1 1 −1
g 0 (y) =  n−1 = 1 = yn .
1
ny 1− n n
n y n

Alternativamente, escrevemos

d  1  1 1 −1  1
0 1 1 −1
xn = xn ou xn = xn .
dx n n
2.5. DERIVADA DA FUNÇÃO INVERSA 71

Exemplo 2.8 (Derivada da função potência xα )


Como consequência desta regra, podemos estabelecer que, para qualquer raci-
onal r 6= 0 e para qualquer x > 0,

(xr )0 = rxr−1 .
p
Supondo r = , escrevemos
q
1
xr = (xp ) q .
Aplicando a regra de derivação da função composta e o Exemplo 2.7, obtemos
1 0 1 1 p p −1
 
r 0 p q −1
(x ) = (x ) = (xp ) q pxp−1 = x q .
q q
A regra permanece válida para xα com x > 0 e α ∈ R\{0}. (A justificação do
resultado geral sai do âmbito deste curso.)

Exemplo 2.9 (Derivada da função logaritmo)


A função ln(y) é a inversa da função exponencial ex . Aplicando o Teorema
2.11 obtemos, para x ∈ R,
1
(ln)0 (ex ) = x .
e
Mudando para a variável y = ex , podemos concluir
1
(ln)0 (y) = .
y
Exemplo 2.10 (Derivada das funções trigonométricas inversas)
Consideremos a função

y y arcsin(y) , y ∈ [−1, 1] ,

a inversa da função seno restrita ao intervalo [− π2 , π2 ]. Sabemos que para x ∈


] − π2 , π2 [, temos (sin)0 (x) = cos(x) 6= 0. Podemos aplicar o Teorema 2.11 e concluir,
para y = sin(x),
d 1 1
(arcsin)(y) = = .
dy (sin)0 (x) cos(x)
Observando que, pela fórmula p fundamental da trigonometria (e pela hipótese x ∈
] − π2 , π2 [), temos cos(x) = 1 − y 2 , podemos concluir
1
(arcsin)0 (y) = p y ∈] − 1, 1[ .
1 − y2
Com um raciocı́nio semelhante se demonstra
1
(arccos)0 (y) = − p y ∈] − 1, 1[ .
1 − y2
Convidamo-lo a verificar este resultado.
72 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Exercı́cio Verifique que, para a função y y arctan(y) com y ∈ R, se tem


1
(arctan)0 (y) = .
1 + y2

Sugestão: Utilize a relação 1/ cos2 (x) = 1 + tan2 (x).

Observação: A aprendizagem da matemática deve mais à compreensão do que


ao simples decorar de factos, regras ou fórmulas. A compreensão suscita uma
memória viva, disponı́vel quando dela necessitamos.
No entanto, existem algumas excepções a este salutar princı́pio. Por exemplo,
a aprendizagem da tabuada no ensino preparatório: a tabuada “bem sabida de
trás para a frente” permite efectuar a multiplicação e divisão de números grandes.
Algo de comparável se passa com as regras de derivação. O aluno que auto-
matiza o seu uso está mais apto a resolver problemas que envolvem o estudo de
funções, livre de tropeções técnicos nos cálculos.
Importante: o conhecimento “instintivo” das regras de derivação permite efec-
tuar a primitivação de funções, assunto ao qual nos dedicaremos no próximo
capı́tulo.

Exercı́cios

1. Verifique que f (x) = 2x + 1, definida em R, admite como inversa f −1 (y) =


1 1 −1 0 (0) de dois modos: por
2 y − 2 , também definida em R. Determine f
derivação directa e por aplicação do Teorema 2.11.

2. Considere a função g(x) = x3 + 2. Determine a função inversa g −1 e indique os


pontos em que g −1 não é diferenciável. Verifique que o ponto (3, 1) pertence
dg
ao gráfico de g −1 . Calcule (3) de dois modos distintos: derivando g −1 em
dy
y = 3 e usando o Teorema 2.11.

3. Considere a função definida no intervalo [−1, 1] por

f (x) = cos(arcsin(x)) .

Verifique que para x ∈] − 1, 1[


x
f 0 (x) = − √ .
1 − x2
Obtenha esta fórmula de dois modos:√ a) pela regra da derivada da função
composta; b) mostrando que f (x) = 1 − x2 e derivando.

4. Memorize as derivadas das funções exponencial, logaritmo, trigonométricas e


trigonométricas inversas.
2.6. APLICAÇÕES DA DERIVADA 73

2.6 Aplicações da derivada


Começemos por recordar a noção fundamental de máximo relativo.

Definição. Seja f : I 7→ R em que I é um intervalo de R. Dado x0 ∈ I, diremos


que f tem um máximo relativo em x0 (ou que f (x0 ) é um máximo relativo de
f ) se e só se existir uma vizinhança V =]x0 − , x0 + [ tal que

∀x ∈ V ∩ I , f (x) ≤ f (x0 ) . (2.19)

No caso da propriedade anterior ser verdadeira para todo o x ∈ I, diremos que f


tem um máximo absoluto em x0 . Se a desigualdade em (2.19) for estrita, i.e.

∀x ∈ (V ∩ I)\{x0 } , f (x) < f (x0 ) (2.20)

diremos que f tem um máximo relativo estrito em x0 (ou absoluto).

Diremos que f tem um mı́nimo relativo (estrito, absoluto) em x0 se −f tiver


um máximo relativo (estrito, absoluto) em x0 .
De um modo geral, diremos que f tem em x0 um extremo relativo quando
atinge nesse ponto um máximo ou um mı́nimo relativo (eventualmente estrito,
eventualmente absoluto).

No caso das funções diferenciáveis, a ocorrência de um máximo (ou de um


mı́nimo) num certo x0 interior de um intervalo implica que a recta tangente ao
gráfico no ponto de abcissa x0 é horizontal. Este facto está na origem da descoberta
da função derivada. A tentativa de explicar a lei da refracção de um raio de luz
ligando dois pontos em dos meios distintos –onde teria duas velocidades distintas–
levou a que o matemático-advogado (sim, é verdade...) do século XVII, Pierre
de Fermat, determinasse o tempo de trajecto T do raio em função do ângulo de
incidência θ na fronteira plana dos dois meios. O fenómeno de refracção observada
corresponderia deste modo à abcissa do mı́nimo da função T (θ), ou seja, ao único
ponto em que ocorreria um declive nulo da tangente ao gráfico de T .

Teorema 2.12 Seja f uma função diferenciável em ]a, b[ e suponha que f atinge
um máximo (ou mı́nimo) relativo em c ∈]a, b[. Então f 0 (c) = 0.

Dem. Pela definição de máximo relativo, existe uma vizinhança V =]c − , c + [


tal que
∀x ∈ V , f (x) ≤ f (c) .
Consideremos (xn ) uma sucessão convergente para c com termos em V tal que
xn > c para todo o n ∈ N. Posto que

f (xn ) − f (c) ≤ 0 e xn − c > 0 ,


74 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

podemos concluir que

f (xn ) − f (c)
f 0 (c) = lim ≤ 0.
xn →c+ xn − c

Por um raciocı́nio semelhante, se considerarmos em V uma sucessão zn → c tal


que zn < c concluı́mos que

f (zn ) − f (c)
f 0 (c) = lim ≥ 0.
zn →c− zn − c

Resulta das desiguladades anteriores que f 0 (c) = 0.


No caso de f possuir um mı́nimo relativo em c, aplique a conclusão anterior à
função g(x) = −f (x).

Nota 2.8 O anulamento da derivada num ponto não garante que este ponto seja
extremo da função. Observe que no caso da função definida em R por f (x) = x3 ,
a função derivada f 0 (x) = 3x2 anula-se em zero. Porém, f não tem máximo nem
mı́nimo nesse ponto: a função cúbica é estritamente crescente no seu domı́nio.

Os pontos em que ocorre anulamento da derivada são designados pontos esta-


cionários. Assim, no caso de função f (x) = x3 , zero é ponto estacionário mas
não é extremo relativo.

Nota 2.9 Pode ocorrer que uma função não seja diferenciável num extremo rela-
tivo. Por exemplo, considere a função f (x) = |x2 − 1|. O gráfico de f pode ser
obtido a partir da parábola y = x2 − 1 rebatendo o arco situado abaixo do eixo
dos x para o semi–plano superior y ≥ 0. Nos pontos −1 e 1, a função f tem dois
mı́nimos absolutos, não sendo, no entanto, diferenciável nesses pontos.

Recordemos os seguintes conceitos fundamentais para o estudo dos extremos


de uma função:

Definição. Uma função f definida num intervalo I diz-se crescente se e só se

∀x1 , x2 ∈ I x1 < x2 ⇒ f (x1 ) ≤ f (x2 ) . (2.21)

A função f diz-se decrescente se e só se

∀x1 , x2 ∈ I x1 < x2 ⇒ f (x1 ) ≥ f (x2 ) . (2.22)

Observe que uma função constante é simultaneamente crescente e decrescente.


Distinguiremos os casos

∀x1 , x2 ∈ I x1 < x2 ⇒ f (x1 ) < f (x2 ) . (2.23)


2.6. APLICAÇÕES DA DERIVADA 75

e
∀x1 , x2 ∈ I x1 < x2 ⇒ f (x1 ) > f (x2 ) . (2.24)
referindo que f é estritamente crescente ou que f é estritamente decres-
cente.

O estudo do sinal da função f 0 , derivada da função f , é da maior importância


para a determinação dos intervalos em que f é monótona (crescente ou decres-
cente) assim como dos pontos em que f atinge máximos ou mı́nimos. Com efeito,
observamos, que num intervalo I em que a função f é crescente, as rectas tan-
gentes ao gráfico têm declives positivos (ou nulos) devendo por isso a derivada ser
não-negativa em I. Uma conclusão análoga deve ser extraı́da para os intervalos em
que f decresce. Esta observação empı́rica será justificada com rigor mais adiante.
Por ora, enunciaremos sem demonstração o seguinte:

Teorema 2.13 Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b] e diferenciável em


]a, b[.

(i) Se f 0 (x) ≥ 0 (f 0 (x) > 0) para todo o x ∈]a, b[, então f é crescente (estri-
tamente) em [a, b].

(ii) Se f 0 (x) ≤ 0 (f 0 (x) < 0) para todo o x ∈]a, b[, então f é decrescente (es-
tritamente) em [a, b].

(iii) Se f 0 (x) = 0 para todo o x ∈]a, b[, então f é constante em [a, b].

Nota 2.10 As conclusões formuladas no Teorema anterior de crescimento (de-


crescimento) estrito permanecem verdadeiras se admitirmos que f 0 (x) > 0 excepto
num número finito de pontos do intervalo. Obviamente, o anulamento da função
derivada num conjunto de pontos “maciço” impede a monotonia estrita da função:
veja, por exemplo, (
0 se x < 0,
f (x) = 2
x se x ≥ 0.

Nota 2.11 Observe que no teorema anterior não é formulada qualquer hipótese
sobre a existência de derivada nos extremos do intervalo. Por exemplo, podemos

justificar que a função f (x) = x é crescente em [0, +∞[ porque é contı́nua neste
1
intervalo e porque a sua derivada f 0 (x) = √ é estritamente positiva nos pontos
2 x
interiores do intervalo.

Exemplo 2.11 Estudo da monotonia da função f (x) = |x2 − 1|.


76 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Observe que a função f é contı́nua (trata-se da composta de duas funções


contı́nuas). Podemos definir f por ramos:
(
x2 − 1 se x2 − 1 ≥ 0,
f (x) =
1 − x2 se x2 − 1 < 0.

Assim 
2
x − 1
 se x ≤ −1,
f (x) = 1 − x2 se −1 < x ≤ 1,

 2
x −1 se x ≥ 1.

A função f é diferenciável em R\{−1, 1} (ver Nota 2.2). Calculamos



2x
 se x < −1,
0
f (x) = −2x se −1 < x < 1,

2x se x > 1.

Posto que f é contı́nua em ] − ∞, −1] e f 0 é estritamente negativa no interior


deste intervalo podemos concluir que f é estritamente decrescente em ] − ∞, 1].
Por um raciocı́nio semelhante, podemos afirmar que f é estritamente crescente no
intervalo [1, +∞[. Finalmente, f 0 (0) = 0 e

f 0 (x) > 0 se x ∈] − 1, 0[ e f 0 (x) < 0 se x ∈]0, 1[ .

Podemos então concluir que f é crescente em [−1, 0], decrescente em [0, 1]. Nos
pontos a = −1 e b = 1 f tem dois mı́nimos absolutos. Em x = 0, f tem um ponto
estacionário que é máximo relativo.

Exercı́cios

1. Considere a função quadrática definida em R por f (x) = ax2 − bx. Determine


a abcissa do vértice da parábola que representa f gráficamente usando a
derivada f 0 .

2. Estude os intervalos de monotonia de f (x) = x3 − 2x2 + x.

3. Considere f (x) = x3 −ax+x. Determine os valores de a que tornam f crescente.

4. Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua em [a, b] e diferenciável em ]a, b[.


Considere g(x) = ef (x) . Verifique que f e g atingem os respectivos máximos
e mı́nimos nos mesmos pontos de [a, b].
2.7. APLICAÇÕES DA SEGUNDA DERIVADA 77

2.7 Aplicações da segunda derivada


Nesta secção consideramos funções f definidas num intervalo I que possuem se-
gunda derivada nos pontos interiores desse intervalo. Isto é, funções f para as
quais f 0 é ela própria diferenciável. Nesse caso, denotamos
0
f 00 := f 0

e designamos f 00 por “segunda derivada” de f . O resultado seguinte é apenas


uma adaptação do Teorema 2.13.

Teorema 2.14 Seja f uma função duas vezes diferenciável em ]a, b[.

(i) Se f 00 (x) ≥ 0 (f 00 (x) > 0) para todo o x ∈]a, b[, então f 0 é crescente (es-
tritamente) em ]a, b[.

(ii) Se f 00 (x) ≤ 0 (f 00 (x) < 0) para todo o x ∈]a, b[, então f 0 é decrescente (estri-
tamente) em ]a, b[.

(iii) Se f 00 (x) = 0 para todo o x ∈]a, b[, então f 0 é constante.

Nota 2.12 (Convexidade de uma função)

O crescimento da função f 0 num intervalo aberto I implica a convexidade da


função f em I. Dizemos que uma função é convexa se e só se

∀x, y ∈ I, ∀λ ∈]0, 1[ f (λx + (1 − λ)y) ≤ λf (x) + (1 − λ)f (y)

A desigualdade anterior significa, do ponto de vista geométrico, que dados dois


pontos no gráfico de f , P = (x, f (x)) e Q = (y, f (y)) (admitindo x < y), o gráfico
de f , restrita a [x, y], permanece “por baixo” do segmento P Q. No caso da desi-
gualdade ser estrita, a função diz-se estritamente convexa.

Dizemos que uma função f é côncava quando −f é convexa. Repare que, no


caso de uma função afim f num intervalo, temos que f 0 é constante pelo que f é
simultanemante côncava e convexa.

No caso de uma função duas vezes diferenciável num intervalo I,

a convexidade é equivalente à não negatividade de f 00 em I.


78 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Note que uma função pode ser convexa num intervalo podendo não ser dife-
renciável em alguns pontos do intervalo: repare no caso da função módulo, que é
convexa em R embora não seja diferenciável na origem. Porém, no caso em que
f é diferenciável, podemos caracterizar de modo equivalente a convexidade pela
propriedade
f (x) ≥ f 0 (x0 )(x − x0 ) + f (x0 ) ∀x ∈ I
Do ponto de vista geométrico, esta propriedade significa que o gráfico de f está
“por cima” de qualquer recta que lhe seja tangente.

Uma propriedade interessante das funções estritamente convexas num intervalo


I é a unicidade do ponto em que a função atinge o mı́nimo– se este existir. A
justificação deste facto é simples: se admitirmos a existência de dois pontos x1 , x2
tais que
f (x1 ) = f (x2) = min f
obtemos o absurdo
 
x1 + x2 1 1
f < f (x1 ) + f (x2 ) < min f
2 2 2

Um exemplo de uma função convexa que não tem mı́nimo é a função exponen-
cial quando definida em R.

Em certos casos, podemos fazer uso da segunda derivada num ponto esta-
cionário para determinar a sua natureza.

Teorema 2.15 (Teste da segunda derivada)


Seja f uma função duas vezes diferenciável numa vizinhança V =]x0 −, x0 +[.
Suponha que f 0 (x0 ) = 0 e que f 00 é contı́nua em V .

(i) Se f 00 (x0 ) > 0 então f tem em x0 um mı́nimo relativo estrito.

(ii) Se f 00 (x0 ) < 0 então f tem em x0 um máximo relativo estrito.

Dem. Faremos apenas a demonstração no caso (i) (o outro caso pode ser justifi-
cado de forma semelhante). Como f 00 (x0 ) > 0 e f 00 é contı́nua, podemos considerar
uma vizinhança V0 =]x0 − 0 , x0 + 0 [⊂ V tal que f 00 (x) > 0 para todo o x ∈ V0 .
Concluı́mos que f 0 é estritamente crescente em V0 . Em particular

f 0 (x) < 0 ∀x ∈]x0 − 0 , x0 [ e f 0 (x) > 0 ∀x ∈]x0 , x0 + 0 [.

Assim f é estritamente decrescente em [x0 − , x0 ] e estritamente crescente em


[x0 , x0 + ]. Em particular, possui um mı́nimo relativo estrito em x0 .
2.7. APLICAÇÕES DA SEGUNDA DERIVADA 79

Nota 2.13 Repare que o teste da segunda derivada não determina a natureza do
ponto estacionário no caso de segunda derivade ser nula nesse ponto. Considere
os exemplos
f1 (x) = x4 , f2 (x) = −x4 , f3 (x) = x3 .
Em todos eles verifica-se a condição fi0 (0) = fi00 (0) = 0 (i = 1, 2, 3). No entanto,
f (0) = 0 é um mı́nimo relativo de f1 , um máximo relativo de f2 e não é mı́nimo
nem máximo relativo de f3 .

Introduzimos a noção de ponto de inflexão de uma função.

Definição. Seja f uma função duas vezes diferenciável num intervalo I e seja x0
um ponto interior de I. Diremos que x0 é ponto de inflexão de f se x0 for um
extremo relativo estrito de f 0 .

Nota 2.14 Geralmente, detectamos um ponto de inflexão x0 usando o seguinte


critério: f 00 (x0 ) = 0 e f 00 troca de sinal em x0 , isto é, para um certo  > 0, tem-
se que f 00 (x) < 0 (respectivamente f 00 (x) > 0) para x ∈]x0 − , x0 [ e f 00 (x) > 0
(respectivamente f 00 (x) < 0) para x ∈]x0 , x0 + [. Por exemplo, o ponto zero é
ponto de inflexão de f (x) = x3 + x mas não é ponto de inflexão de g(x) = x4 .
Geometricamente, num ponto de inflexão ocorre a alteração das concavidades do
gráfico de f . Por exemplo, na trajectória de um ciclista, o ponto de inflexão
corresponde, entre curva e contra curva, ao instante em que este passa pela posição
de prumo.

Exercı́cios

1. Mostre que −1 e 1 são pontos de inflexão da função definida em R por

f (x) = ln(1 + x2 ) .

2. Determine os pontos de inflexão da função definida em R por f (x) = x2 ex .

3. Mostre que qualquer polinómio de grau 3 possui um e um só ponto de inflexão.


Para tal, considere um qualquer elemento da famı́lia dos polinómios de grau
3 representado pela expressão

p(x) = a3 x3 + a2 x2 + a1 x + a0 em que a3 6= 0 .

4. Considere uma função f contı́nua em [a, b], duas vezes diferenciável em ]a, b[
tal que
f 00 (x) ≤ 0 , ∀x ∈]a, b[ .
80 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

(a) Suponha que em certo ponto x0 ∈]a, b[ tem-se f 0 (x0 ) = 0. Justifique que
f 0 (x) ≤ 0 , ∀x ∈ [x0 , b[ .
O que pode concluir sobre a monotonia de f em [x0 , b]? E em [a, x0 ]?

(b) Mostre que f não pode atingir um mı́nimo num ponto interior de ]a, b[,
a não ser que f seja constante.
6. Seja f uma função diferenciável num intervalo aberto I. Supomos que f é
convexa, isto é:

∀x, y ∈ I, ∀λ ∈ [0, 1] f (λx + (1 − λ)y) ≤ λf (x) + (1 − λ)f (y)

(a) Mostre que a desigualdade anterior implica, no caso em que y > x e


λ ∈]0, 1[, a desigualdade
f (x + λ(y − x)) − f (x) f (y) − f (x)

λ(y − x) y−x

(b) Justifique que, se y > x,


f (y) − f (x)
f 0 (x) ≤
y−x

(c) Adaptando o raciocı́nio da alı́nea (a), obtenha, para x < y, a desigual-


dade
f (y) − f (x)
f 0 (x) ≤ ≤ f 0 (y)
y−x
O que pode concluir sobre a monotonia de f 0 ?
(d) Conclua que, para x0 ∈ I fixado, tem-se
f (x) ≥ f 0 (x0 )(x − x0 ) + f (x0 ) ∀x ∈ I

7. Seja f uma função diferenciável em I =]a, b[ tal que f 0 é crescente. Considere


x0 ∈ [a, b[ fixado. Considere as funções
g(y) = f (x0 + λ(y − x0 )) e h(y) = f (x0 ) + λ(f (y) − f (x0 )) y ∈ [x0 , b]

(a) Verifique que g(x0 ) = f (x0 ) e que


g 0 (y) ≤ h0 (y)

(b) Conclua que


g(y) ≤ h(y) ∀x < y <≤ b ,
em particular, que f é uma função convexa.
2.8. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA DERIVADA 81

2.8 Aplicações práticas da derivada


2.8.1 A função logı́stica
Trataremos nesta secção de aplicar os conhecimentos adquiridos ao estudo de
fenómenos que podem ser descritos por uma função real de variável real. Comece-
mos pelo problema da descrição do crescimento de uma população. Consideremos
para tal a função p(t) que indica o número de indivı́duos como função do tempo.
Se admitirmos um modelo em que p é diferenciável (claro está, com reserva quanto
ao significado de termos uma população de 10, 3 indivı́duos num certo momento)
é razoável formular a seguinte lei evolutiva
p0 (t) = kp(t) , (2.25)
em que k é uma constante real. De facto, a taxa de crescimento de uma população
(isto é, a diferença entre o número de nascimentos e o número de óbitos por unidade
de tempo) é proporcional ao número de indı́viduos que constituem essa população.
Uma equação como (2.25) é designada por equação diferencial. A sua incógnita
é uma função real de variável real diferenciável. No caso da equação (2.25), as
soluções são funções de tipo
p(t) = P0 ekt ,
em que P0 é a população no instante t = 0. Todavia, este modelo pode ser
aperfeiçoado. De facto, uma população biológica não tende para infinito: progres-
sivamente, a escassez de recursos limita a sua taxa de crescimento. Podemos então
corrigir o modelo e formular a seguinte lei evolutiva:
k
p0 (t) = p(t)(L − p(t)) . (2.26)
L
A constante L deve aqui ser interpretada como o limite superior para o número de
indivı́duos que o ecossistema consegue suportar. A equação anterior é designada
por equação logı́stica ou de Verhulst. Para valores de p(t) perto de zero, temos
k
p(t)(L − p(t)) ≈ kp(t) .
L
Neste caso a equação (2.26) assemelha-se fortemente à equação (2.25). Ou seja,
quando a população é reduzida o crescimento é pouco condicionado pela existência
de alimento: a lei de crescimento é de tipo exponencial. Porém, quando a po-
pulação se aproxima do limite superior L, o segundo membro de (2.26) aproxima-
se de zero. O crescimento populacional desacelera, tornando-se quase nulo. As
soluções da equação (2.26) são funções de tipo
L
p(t) = .
1 + Ae−kt
No caso de um modelo populacional, a constante A é positiva e determinada
pelo valor de p no instante inicial t0 . Estas funções são designadas por funções
82 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

logı́sticas.

Verifiquemos que de facto p é solução da equação diferencial. Derivando p,


obtemos
LAke−kt
p0 (t) = . (2.27)
(1 + Ae−kt )2
Por outro lado, calculamos
 
k k L L
p(t)(L − p(t)) = L− =
L L 1 + Ae−kt 1 + Ae−kt
(2.28)
LAe−kt LAke−kt
 
k
= .
1 + Ae−kt 1 + Ae−kt (1 + Ae−kt )2

De (2.27) e (2.28) podemos concluir que as funções p(t) são soluções de (2.26).
Pode-se demonstar que não existem outro tipo de soluções de (2.26) para além das
funções deste tipo mas a justificação sai do âmbito deste curso.

Observe que, sob as hipóteses L > 0, k > 0 e A > 0, tem-se

p0 (t) > 0 ∀t ∈ R ,

pelo que, neste caso, as funções logı́sticas são estritamente crescentes em R. Estu-
demos agora as concavidades do seu gráfico. Utilizando a relação (2.26), calculamos
 0
00 k k 
p(t)(L − p(t)) = · p0 (t)(L − p(t)) − p(t)p0 (t) ,

p (t) =
L L
ou
k 0
p00 (t) =
p (t)(L − 2p(t)) .
L
Podemos então concluir, pelo crescimento estrito de p(t), que

L
p00 (t) > 0 se p(t) < (concavidade para cima) ,
2
e
L
p00 (t) < 0 se p(t) > (concavidade para baixo) .
2
Assim, existe um ponto de inflexão do gráfico de p(t) no ponto t0 tal que p(t0 ) =
L/2. Equivalentemente: a taxa de natalidade p0 (t) é máxima no instante t0 em
que a população atinge metade da capacidade L do meio ambiente. Resolvendo

L L
−kt
= ,
1 + Ae 2
obtemos t0 = ln(A)/k.
2.8. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA DERIVADA 83

2.8.2 Problemas de optimização


1) Optimização de um depósito cilı́ndrico.

Pretende-se construir um depósito de forma cilı́ndrica com um volume interno


de um metro cúbico. O custo do depósito é determinado pela quantidade de ma-
terial necessário à sua construção. Por sua vez, este depende da área exterior
do depósito. A base circular e a superfı́cie lateral (rectangular), sujeitas a maior
pressão, são formadas por uma parede com um triplo da espessura da tampa cir-
cular. Quais as dimensões que minimizam o custo do depósito?

Com vista à resolução analı́tica deste problema, começamos por traduzir os


dados em linguagem matemática. A condição sobre a forma e volume do depósito
escreve-se
πr2 h = 1 , (2.29)
em que r é o raio da base e h é a altura do depósito. O custo C do depósito é
proporcional à quantidade de material empregue e portanto ao valor da seguinte
“área ponderada”:
C = 3(πr2 + 2πrh) + πr2 .
Observe que a expressão entre parêntesis representa a área da base e da superfı́cie
lateral. A multiplicação por três advem da condição da espessura da parede ser
aı́ o triplo da espessura do tampo. A quantidade C é geralmente uma função nas
variáveis r e h que poderı́amos escrever na forma C(r, h). Todavia, a condição
(2.29) impõe uma dependência das variáveis, a saber
1
h = h(r) = .
πr2
O custo C pode então ser calculado apenas como função de r, o raio da base,
através da fórmula
 
2 1 6
C(r) = 4πr + 6πr = 4πr2 + .
πr2 r

Embora a função C(r) esteja definida em R\{0}, convem restringir o seu domı́nio
a R+ , onde a variável r representa a medida positiva de um raio. Derivando, temos
6 2
C 0 (r) = 8πr − 2
= 2 (4πr3 − 3) .
r r
O sinal de C 0 é determinado pelo sinal de (4πr3 − 3). Temos
1
C 0 (r0 ) = 0 ⇔ 4πr03 − 3 = 0 ⇔ r0 = (4π/3)− 3 .

Posto que (4πr3 − 1) é estritamente crescente na variável r, temos

4πr3 − 1 < 0 para r < r0 e 4πr3 − 1 > 0 para r > r0 .


84 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

1
Assim, a funcão C decresce em ]0, r0 ], cresce em [r0 , +∞[ tendo em r0 = (4π/3)− 3
o seu mı́nimo absoluto. As dimensões do depósito deverão ser
1 2
r0 = (4π/3)− 3 ≈ 0, 62 m e h0 = π −1 (4π/3) 3 ≈ 0, 82 m .

Nota 2.15 (Derivação Logarı́tmica)


Introduzimos um método de cálculo de derivadas que será útil no exemplo
seguinte. Este método é designado por derivação logarı́tmica.1 Dada uma
função positiva h(t) temos, pela derivação da composta de duas funções,
h0 (t)
(ln(h(t)))0 = .
h(t)
Equivalentemente, podemos escrever
h0 (t) = h(t)(ln(h(t)))0 . (2.30)
Como supusemos h(t) positiva, o sinal da derivada h0 (logo, a monotonia de h) é
determinado pelo sinal da expressão
(ln(h(t)))0 .
Apliquemos esta técnica à função h(t) definida em R por
2e−t
h(t) = .
(1 + 2e−t )2
Temos
0
h0 (t) 2e−t
 
0
= (ln(h(t)))0 = ln = ln(2) − t − 2 ln(1 + 2e−t ) =
h(t) (1 + 2e−t )2
4e−t 2e−t − 1
−1 + =
1 + 2e−t 1 + 2e−t
(2.31)
Assim
2e−t − 1
h0 (t) = h(t) .
1 + e−t
Posto que h é positivo, o sinal de h0 (t) é determinado pelo sinal de
2e−t − 1
,
1 + e−t
ou, mais simplesmente, pelo sinal do denominador (2e−t − 1) (porquê?).
1
Trata-se de um método útil na derivação de expressões que envolvem produtos, razões
e potências. Recordamos as boas propriedades da função logaritmo: a função logaritmo
converte produtos de números positivos em somas, divisões em subtracções, potências em
multiplicação por escalar. Ora as regras de derivação para a soma, diferença ou multi-
plicação por escalar são bem mais simples do que as suas congéneres para o produto, razão
ou potenciação.
2.8. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA DERIVADA 85

2) Optimização da área de um triângulo.

Pretende-se construir o triângulo isósceles de menor área contendo o cı́rculo


trigonométrico. Utilizaremos a hipótese das arestas do triângulo serem tangentes
ao cı́rculo.

Seja P := (cos(θ), sin(θ)) um ponto do primeiro quadrante do cı́rculo trigo-


nométrico C. Consideremos a recta r tangente a C no ponto P . A recta r inter-
secta o eixo das abcissas num ponto que denotaremos por P1 . Também intersecta a
recta x = −1 num ponto que denotaremos por P2 (sugerimos que faça um esboço).
Seja P20 o simétrico de P2 em relação ao eixo das abcissas. O triângulo P1 P2 P20
é isósceles, contem o cı́rculo trigonométrico no seu interior, sendo as suas arestas
tangentes a C.

O nosso objectivo é encontrar o valor de θ ∈]0 π


2[ para o qual a área de P1 P2 P20
atinge um mı́nimo.

Por forma a calcular a área do triângulo como função de θ, determinemos as


coordenadas de P1 , P2 e P20 como função de θ. A recta r, tangente ao cı́rculo
trigonométrico no ponto P , tem como por equação cartesiana

(x − cos(θ)) cos(θ) + (y − sin(θ)) sin(θ) = 0


−−→
(recorde que a recta r tem como vector normal OP = (cos(θ), sin(θ)) e passa em
P ). Simplificando:
cos(θ)x + sin(θ)y = 1 .
A abcissa x1 de P1 é solução da equação
1
cos(θ)x1 = 1 ou x1 = = sec(θ) ,
cos(θ)
donde P1 = (sec(θ), 0). A ordenada y2 de P2 é solução da equação

(−1) cos(θ) + sin(θ)y2 = 1 ,

ou  
1 + cos(θ) 1 + cos(θ)
y2 = donde P2 = −1, .
sin(θ) sin(θ)
A área do triângulo pode pois ser calculada através da fórmula

(1 + cos(θ))2
 
1 0 1 + cos(θ) 1
A(θ) = |P2 P2 ||P1 Q| = +1 = (2.32)
2 sin(θ) cos(θ) cos(θ) sin(θ)

em que θ ∈ 0, π2 . O cálcula da derivada de A é simplificado pelo uso da derivação


 

logaritmı́tica. Temos

ln (A(θ)) = 2 ln(1 + cos(θ)) − ln(cos(θ)) − ln(sin(θ))


86 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

(confirme que todos os termos da expressão estão bem definidos). Temos então,
pela fórmula (2.30),
 
0 −2 sin(θ) sin(θ) cos(θ)
A (θ) = A(θ) + − . (2.33)
1 + cos(θ) cos(θ) sin(θ)
Posto que A(θ) > 0, o sinal da derivada é determinado pelo sinal da expressão
entre parêntesis. Somando as fracções e reagrupando termos, obtemos

−2 sin(θ) sin(θ) cos(θ)


+ − =
1 + cos(θ) cos(θ) sin(θ)
−2 sin2 (θ) cos(θ) + sin2 (θ) + sin2 (θ) cos(θ) − cos2 (θ) − cos3 (θ)
= =
(1 + cos(θ)) sin(θ) cos(θ)
− sin2 (θ) cos(θ) − cos2 (θ) − cos3 (θ) + sin2 (θ)
= =
(1 + cos(θ)) sin(θ) cos(θ)
−(sin2 (θ) + cos2 (θ)) cos(θ) + sin2 (θ) − cos2 (θ)
= =
(1 + cos(θ)) sin(θ) cos(θ)
− cos(θ) + sin2 (θ) − cos2 (θ)
= . (2.34)
(1 + cos(θ)) sin(θ) cos(θ)
Posto que o denominador de (2.34) é positivo (recorde que θ ∈]0 , π/2[) estudamos
o sinal do nominador

f (θ) = − cos(θ) + sin2 (θ) − cos2 (θ) ,

que, através da fórmula fundamental da trigonometria, se converte em

f (θ) = −2 cos2 (θ) − cos(θ) + 1 .

Observe que f é a composição da função coseno (restrita a ]0, π2 [) com a função


quadrática g(x) = −2x2 − x + 1. A função g tem concavidade voltada para baixo
e anula-se em
√ √
1+ 9 1− 9 1
x0 = − = −1 e x1 = − = .
4 4 2
Assim, g é positiva em ]x0 , x1 [ e negativa em R\{[x0 , x1 ]}. Fazendo x = cos(θ),
podemos pois afirmar
1 iπ π h
f (θ) = g(cos(θ)) > 0 para 0 < cos(θ) < , ou θ ∈ , ,
2 3 2
e
1 i πh
f (θ) < 0 para < cos(θ) < 1 , ou θ ∈ 0, .
2 3
A função A(θ) é decrescente em ]0, π3 [, crescente em ] π3 , π2 [, atingindo o seu mı́nimo
absoluto em θ = π3 .
Convidamo-lo a verificar que o triângulo correspondente a θ = π3 é equilátero.
2.8. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA DERIVADA 87

2.8.3 Caminhos em R2
Um caminho em R2 é uma aplicação f , de um intervalo I de R para o plano R2 ,
i.e.
γ : I 7→ R2 t y (γ1 (t), γ2 (t)) .
As funções γ1 , γ2 : I →
7 R são designadas por funções componentes de γ.
Diremos um caminho γ contı́nuo em I se ambas as funções γ1 e γ2 forem contı́nuas
em I.

Exemplo O gráfico de uma função g : I 7→ R real é a imagem do caminho

γ : I 7→ R2 t y (t, g(t)) .

Designamos por trajecto a imagem de um caminho, isto é o subconjunto do


plano
γ(I) := {(x, y) ∈ R2 : ∃t ∈ I tal que x = t e y = g(t)} .
Caminhos distintos podem possuir o mesmo trajecto. Por exemplo, os caminhos

h(t) = (t3 , t6 ) e w(t) = (t, t2 ) para t ∈ [0, 1]

efectuam o mesmo trajecto, neste caso, seguindo a parábola y = x2 , embora para


t ∈]0, 1[ tenhamos h(t) 6= w(t). Se t designar uma variável temporal, um caminho
descreve o movimento seguido por uma partı́cula. Assim, o comentário anterior
traduz a ideia que duas partı́culas distintas podem efectuar o mesmo trajecto com
“velocidades diferentes”.
Quando as funções componentes de um caminho são k-vezes diferenciáveis com
a k-ésima derivada contı́nua, o caminho γ diz-se de classe C k .

Definição. Seja
γ : I 7→ R2 t y (γ1 (t), γ2 (t))
um caminho de classe C 1 e t0 um ponto interior a I. Designamos por velocidade
de γ no ponto t0 o vector

γ 0 (t0 ) = (γ10 (t0 ), γ20 (t0 )) .

Observe que γ 0 é também uma aplicação de I em R2 . O facto de a designarmos


por vector está relacionado com a interpretação fı́sica desta aplicação. Se colocar-
mos a origem do vector livre ~v = (γ10 (t0 ), γ20 (t0 )) no ponto γ(t0 ) = (γ1 (t0 ), γ2 (t0 ))
observamos que ~v é tangente ao trajecto nesse ponto e conserva o sentido do movi-
mento. Note-se que na linguagem quotidiana, a palavra “velocidade” não designa
o vector ~v mas sim o seu módulo k~v k.
88 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 2.12 (movimento circular uniforme)


Considere uma partı́cula P cujo movimento é descrito pelo caminho

P (t) = (cos(t), sin(t)) t ∈ R.

A partı́cula move-se ao longo do cı́rculo trigonométrico. Por exemplo, no instante


t = π3 , ela encontra-se no ponto
π  √ !
1 3
P = , .
3 2 2

Calculemos o vector velocidade nesse instante:


π  √ !
3 1
~v = P 0 (t)|t= π3 = (− sin(t), cos(t))|t= π3 = − , .
3 2 2

O vector ~v é perpendicular ao vector OP ~ sendo por isso tangente à trajectória


circular quando colocamos a origem de ~v em P . Observe que, qualquer que seja o
instante considerado, resulta da fórmula fundamental da trigonometria
p
k~v (t)k = k(− sin(t), cos(t))k = (− sin(t))2 + (cos(t))2 = 1 ,

ou seja, a norma do vector velocidade permanece constante. Trata-se do mo-


vimento circular uniforme, tal como pode ser experimentado num carrossel. A
segunda derivada
~a(t) = P 00 (t) = −(cos(t), sin(t)) ,
que é colinear ao vector posição no instante t, mas de sentido oposto, determina a
aceleração na partı́cula exercida nesse instante. Tentemos tornar sensı́vel o vector
aceleração. Um indı́viduo sentado num automóvel que acelera ao longo de uma
linha recta experimenta a reacção das costas do assento: trata-se de uma força
aparente com mesma direcção e intensidade que a aceleração a que está sujeito,
mas de sentido contrário. Do mesmo modo, um indı́viduo em movimento circular
uniforme experimenta uma força aparente que o comprime contra o apoio fornecido
pelo carrossel, com a mesma intensidade k~a(t)k, mas de sentido contrário. Este
princı́pio é utilizado na preparação dos astronautas para a tremenda aceleração da
descolagem de um foguetão: em fase de treino, os astronautas são, literalmente,
centrifugados em carrosséis construı́dos para esse efeito.

2.9 Teoremas de Rolle e Lagrange


Nesta secção aprofundamos o estudo teórico da noção de derivada. Dele decorrerá
uma justificação mais cuidada da relação entre o sinal de f 0 e a monotonia de f .
Aplicaremos alguns dos resultados na obtenção de desigualdades e na resolução de
limites indeterminados. Comecemos com o seguinte teorema fundamental:
2.9. TEOREMAS DE ROLLE E LAGRANGE 89

Teorema 2.16 (Teorema de Rolle)


Seja f uma função contı́nua em [a, b], diferenciável em ]a, b[, tal que f (a) = f (b).
Então existe c ∈]a, b[ tal que f 0 (c) = 0.

Dem. Como f é contı́nua em [a, b] podemos concluir, pelo Teorema 1.24, que f
atinge um mı́nimo m e um máximo M em [a, b]. Caso M = m então a função f é
constante. Em particular, f 0 anula-se em qualquer ponto de ]a, b[.
Supondo agora que
M > f (a) ≥ m ,

(o caso m < f (a) ≤ M é semelhante) concluı́mos que o máximo é atingido num


ponto interior c. Pelo Teorema 2.12, temos f 0 (c) = 0 o que conclui a demonstração.

Nota 2.16 Podemos retirar as mesmas conclusões do Teorema de Rolle a partir


de uma hipótese diferente da condição f (a) = f (b). Por exemplo, se admitirmos
que f é diferenciável à direita de a e à esquerda de b, f 0 (a) < 0 < f 0 (b) (ou
f 0 (a) > 0 > f 0 (b)) poderemos também concluir a existência de c ∈]a, b[ tal que
f 0 (c) = 0. Supunhamos o caso f 0 (a) < 0 < f 0 (b) (o caso simétrico demonstra-se de
forma semelhante). Posto que f 0 (a) < 0, resulta da definição de diferenciabilidade
que, para certo  > 0,

f (a + h) − f (a)
< 0, ∀h ∈]0, [
h

Podemos pois tomar h1 > 0 tal que a < a + h1 < b e f (a + h1 ) < f (a). Por
um raciocı́nio semelhante, podemos garantir a existência de h2 > 0 tal que a <
b − h2 < b e f (b − h2 ) < f (b). Deste modo, podemos concluir que f (a) e f (b) não
são máximos da função f no intervalo [a, b]. A função f atinge o seu mı́nimo num
ponto c pertencente ao interior de ]a, b[ onde teremos f 0 (c) = 0. Esta observação
sugere que a função derivada goza de propriedade do valor intermediário, algo que
iremos de facto estabelecer adiante.

O Teorema de Rolle pode ser estendido ao caso em que não se impõem condições
aos valores de f nos extremos do intervalo [a, b].

Teorema 2.17 (Teorema de Lagrange)


Seja f uma função contı́nua em [a, b], diferenciável em ]a, b[. Então existe
c ∈]a, b[ tal que
f (b) − f (a)
f 0 (c) = . (2.35)
b−a
90 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Dem. Considere a função auxiliar

f (b) − f (a)
h(x) = f (x) − (x − a) − f (a) .
b−a

A função h é contı́nua em [a, b] e diferenciável em ]a, b[. 2 Observe que

h(a) = h(b) = 0 ,

pelo que h se encontra nas condições de Teorema de Rolle. Logo existe c ∈]a, b[
tal que h0 (c) = 0 ou
f (b) − f (a)
f 0 (c) − = 0.
b−a

Podemos agora demonstrar a alı́nea (i) do Teorema 2.13 cujo enunciado recor-
damos:

Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b] e diferenciável em ]a, b[.

(i) Se f 0 (x) ≥ 0 (f 0 (x) > 0) para todo o x ∈]a, b[, então f é crescente (estri-
tamente) em [a, b].

(ii) Se f 0 (x) ≤ 0 (f 0 (x) < 0) para todo o x ∈]a, b[, então f é decrescente (es-
tritamente) em [a, b].

(iii) Se f 0 (x) = 0 para todo o x ∈]a, b[, então f é constante em [a, b].

Dem.

(i) Sejam x1 , x2 ∈ [a, b] tais que x1 < x2 . Pretendemos verificar que f (x2 ) >
f (x1 ). A função f verifica as condições do Teorema de Lagrange no intervalo
[x1 , x2 ]. Podemos concluir a existência de c ∈]x1 , x2 [ tal que

f (x2 ) − f (x1 )
f 0 (c) = ,
x2 − x1
ou
f (x2 ) − f (x1 ) = f 0 (c)(x2 − x1 ) .
Posto que f 0 (c) ≥ 0 (f 0 (c) > 0) e (x2 − x1 ) > 0 podemos concluir

f (x2 ) − f (x1 ) ≥ 0 (> 0) ou f (x2 ) ≥ f (x1 ) (f (x2 ) > f (x1 )) .

2
De facto, h é obtido subtraindo a f a função linear cujo gráfico passa em (a, f (a)) e
(b, f (b)).
2.9. TEOREMAS DE ROLLE E LAGRANGE 91

(ii) Resulta da alı́nea anterior aplicada à função g = −f .

(iii) Seja x1 ∈]a, b]. Aplicando o teorema de Lagrange em [a, x1 ] obtemos, para
um c ∈]a, x1 [

f (x1 ) − f (a) = f 0 (c)(x1 − a) = 0 ou f (x1 ) = f (a) ∀x1 ∈]a, b] .

Nota 2.17 Dadas duas funções f e g contı́nuas em [a, b], diferenciáveis em ]a, b[,
tais que f 0 = g 0 em ]a, b[, então, para uma certa constante c,

f (x) = g(x) + c ∀x ∈ [a, b].

Para justificar esta afirmação, considere-se a função auxiliar

h(x) = f (x) − g(x).

Posto que h0 (x) = 0 para todo o x ∈]a, b[, temos por (iii) do resultado anterior,

h(x) = c para um certo c ∈ R ,

o que conclui a justificação. Um argumento semelhante permite-nos justificar que


se f e g forem contı́nuas em [a, b], diferenciáveis em ]a, b[, tais que

f (a) ≥ g(a) e f 0 (x) > g 0 (x) ∀x ∈]a, b[

então f (x) > g(x) para todo o x ∈]a, b].

Exemplo 2.13 Vamos justificar a seguinte desigualdade (que foi utilizada no


Exemplo 1.20): i πh
∀x ∈ 0, , tan(x) > x . (2.36)
2
Para tal, consideramos a função auxiliar

h(x) = tan(x) − x ,

contı́nua em [0, π/2[ e diferenciável em ]0, π/2[ com derivada


1
h0 (x) = − 1.
cos2 (x)

Para x ∈]0, π/2[, temos


1
0 < cos2 (x) < 1 ou > 1,
cos2 (x)
92 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

pelo que h0 (x) > 0. Fixemos x1 ∈]0, π2 [. Pelo Teorema 2.13, h é estritamente
crescente no intervalo [0, x1 ]. Em particular

h(x1 ) = tan(x1 ) − x1 > h(0) = 0 ou tan(x1 ) > x1 .

Como a escolha de x1 é arbitrária, a desigualdade (2.36) é válida em todo o ponto


do intervalo ]0, π2 [.

Exemplo 2.14 (Estudo da convexidade)

Seja f uma função duas vezes diferenciável num intervalo aberto I tal que

f 00 (x) ≥ 0

para todo o x ∈ I. Demonstremos a propriedade de convexidade já enunciada na


Secção 2.7: para qualquer x0 no interior de I, temos

f (x) ≥ f 0 (x0 )(x − x0 ) + f (x0 ) ∀x ∈ I .

Recordamos que geometricamente esta propriedade traduz-se no facto do gráfico de


f permanecer acima das rectas que lhe são tangentes. Para simplificar, suporemos
I =]a, b[ com a, b ∈ R. Considere-se a função auxiliar

h(x) = f (x) − f (x0 ) − f 0 (x0 )(x − x0 ) .

Derivando, obtemos
h0 (x) = f 0 (x) − f 0 (x0 ) .
Posto que f 00 ≥ 0, concluı́mos que f 0 é crescente em I. Assim, para x ∈ I

h0 (x) ≤ 0 se x ≤ x0 e h0 (x) ≥ 0 se x ≥ x0 .

Concluı́mos que h é decrescente em ]a, x0 ] e crescente em [x0 , b[, tendo por isso um
mı́nimo absoluto em x0 . Isto é

h(x) ≥ h(x0 ) = 0 ,

ou, equivalentemente,

f (x) ≥ f 0 (x0 )(x − x0 ) + f (x0 ) ∀x ∈ I .

O seguinte Corolário do Teorema de Lagrange pode ser útil no estudo da dife-


renciabilidade de funções definidas por ramos.

Corolário 2.18 Seja f uma função contı́nua em x0 e diferenciável em


]x0 − , x0 + [\{x0 }. Se existir

lim f 0 (x) := L ,
x→x0

então f é diferenciável em x0 e f 0 (x0 ) = L.


2.9. TEOREMAS DE ROLLE E LAGRANGE 93

Dem. Pretendemos verificar a existência do limite


f (x) − f (x0 )
lim .
x→x0 x − x0
Começamos por provar a existência de derivada lateral à direita de x0 . Supondo
x ∈]x0 , x0 + [, observamos que f verifica as condições do teorema de Lagrange no
intervalo [x0 , x] pelo que existe cx ∈]x0 , x[ tal que
f (x) − f (x0 )
= f 0 (cx ) .
x − x0
Dada uma sucessão xn → x+ 0 , existe uma sucessão (cn ) enquadrada entre x0 e xn
tal que
f (xn ) − f (x0 )
= f 0 (cn ) .
xn − x0
A sucessão cn é convergente para x0 , pelo que, pelas condições do enunciado
f (xn ) − f (x0 )
L = lim f 0 (cn ) = lim .
cn →0 xn →x+
0
xn − x0
Provámos assim a diferenciabilidade à direita de f em x0 . Da mesma forma se
demonstra
f (xn ) − f (x0 )
lim = L.
xn →x0− xn − x0

Exemplo 2.15 Considere a função


(
sin(x) se x ≤ 0
f (x) =
ln(1 + x) se x > 0 .
A função f é contı́nua em 0 posto que
lim sin(x) = lim ln(1 + x) = 0 = f (0) .
x→0− x→0+

Temos também, para x 6= 0,



 cos(x) se x < 0
f 0 (x) = 1
 se x > 0 .
1+x
Observe que
1
lim f 0 (x) = lim = 1,
x→0+ x→0+ 1+x
e que
lim f 0 (x) = lim cos(x) = 1 .
x→0− x→0−
Estamos pois nas condições do Corolário 2.18. Concluı́mos que f é diferenciável
em 0 e f 0 (0) = 1.
94 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 2.16 O corolário anterior fornece uma condição suficiente para a di-
ferenciabilidade em x0 . Porém, não se trata de uma condição necessária. Uma
função f pode ser diferenciável num ponto x0 sem que a função f 0 seja contı́nua
em x0 . Considere o seguinte exemplo.
 
x2 sin 1

se x 6= 0
f (x) = x
0 se x = 0 .

Verifiquemos que f é diferenciável em zero. Com efeito, pelo Exemplo 1.19,


 
f (x) − f (0) 1
lim = lim x sin = 0.
x→0 x−0 x→0 x

No entanto, calculando a derivada em x 6= 0, obtemos


       
0 1 2 1 1 1 1
f (x) = 2x sin − x 2 cos = 2x sin − cos .
x x x x x

Observe que f 0 (x) não tem limite em zero. Considere para esse efeito a sucessão
xn = 1/(nπ) convergente para zero e verifique que f (xn ) tem uma subsucessão
convergente para 1 e uma subsucessão convergente para −1.

Todavia, apesar de f 0 não pertencer necessáriamente a classe das funções


contı́nuas em I, ela possui todavia uma propriedade importante que é verificada
(mas não é exclusiva) das funções contı́nuas: a saber, a propriedade do valor in-
termédio. Este resultado delicado é conhecido por Teorema de Darboux:

Teorema 2.19 Seja I um intervalo aberto, seja f : I 7→ R uma função dife-


renciável e sejam a, b ∈ I tais que a < b e f 0 (a) 6= f 0 (b). Então, para todo o
valor k ∈] min{f (a), f (b)} , max{f 0 (a), f 0 (b)}[ existe pelo menos um valor c ∈]a, b[
0 0

tal que
f 0 (c) = k

Dem. Consideremos a função h : [a, b] 7→ R tal que h(x) = kx − f (x). Sem perda
de generalidade, podemos assumir f 0 (a) < f 0 (b). Temos que h é diferenciável em
[a, b] e que
h0 (a) > 0 e h0 (b) < 0
Pela Nota 2.16, a função h atinge o seu máximo num ponto interior de c ∈]a, b[.
Podemos concluir que h0 (c) = k − f 0 (c) = 0 ou seja f 0 (c) = k.

Nota 2.18 (Funções contı́nuamente diferenciáveis.)

A necessidade de continuidade da derivada de uma função leva-nos por vezes


a considerar uma sub-classe das funções diferenciáveis.
2.9. TEOREMAS DE ROLLE E LAGRANGE 95

Dada uma função diferenciável f em ]a, b[, contı́nua em [a, b], diremos que f
é de classe C 1 em ]a, b[ (e denotamos f ∈ C 1 (]a, b[) se a função f 0 é contı́nua em
]a, b[. Diremos que f é de classe C 1 em [a, b] (e denotamos f ∈ C 1 ([a, b])) se f fôr
a restrição de uma função de classe C 1 num intervalo aberto contendo [a, b].
De um modo geral, supondo que uma função f admite derivada até à ordem
k ∈ N em todos os pontos de I, designamos por f (j) a função derivada de ordem
j para todo o 0 ≤ j ≤ k (assumindo que f (0) ≡ f ). Diremos que f é de classe
C k em ]a, b[ (ou que “f é k-vezes continuamente diferenciável em ]a, b[”) se f (k)
for contı́nua em ]a, b[. Denotamos por C k ∈ (]a, b[) a famı́lia de funções k-vezes
continuamente diferenciáveis. Diremos que f é de classe C k em [a, b] (e denotamos
f ∈ C k ([a, b])) se f fôr a restrição de uma função de classe C k num intervalo
aberto contendo [a, b].

Exercı́cios

1. Justifique, utilizando o Teorema de Rolle, a existência de dois pontos esta-


cionários para a função seno no intervalo [0, 2π].

2. Considere uma função f diferenciável em R, periódica com perı́odo T . Justifi-


que a existência de pelo menos dois pontos estacionários no intervalo ]0, T ].

3. Considere a função

f : [0, 1] → R x y x3 − x2 + x .

Verifique que f está nas condições do Teorema de Lagrange e determine o


valor intermediário c nele referido.

4. Considere a seguinte função definida por ramos


(
arctan 2x se x < 0 ,
f (x) = π
tan(2x) se 0 ≤ x < 4 .

Estude a diferenciabilidade de f em zero.

5. Suponha f diferenciável num intervalo aberto I. Considere [a, b] ⊂ I tal que

f 0 (a) > 0 > f 0 (b) .

Justifique a existência de c1 ∈]a, b[ tal que f (c1 ) > a e a existência de


c2 ∈]a, b[ tal que f (c2 ) > f (b). Conclua sobre a existência de um máximo
de f atingido num ponto interior de [a, b].
96 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

6. Seja f definida num intervalo [a, x], com derivada f 0 contı́nua em [a, x]. Admita
que f 0 é diferenciável em ]a, x[. Pretendemos demonstrar a existência de
c ∈]a, x[ tal que

f 00 (c)
f (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + (x − a)2
2

(a) Para x fixado, determine Mx ∈ R tal que

f (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + Mx (x − a)2

(b) Seja g : [a, x] → R definida por

g(t) := f (t) − f (a) − f 0 (a)(t − a) − Mx (t − a)2

Justifique que existe c1 ∈]a, x[ tal que g 0 (c1 ) = 0

(c) Conclua que existe c2 ∈]a, c1 [ tal que g 00 (c2 ) = 0 e deduza o valor de Mx .

2.10 A regra de L’Hospital–Cauchy


Nesta secção veremos como a noção de diferenciabilidade pode contribuir para o
levantamento de indeterminações em limites. Comecemos por apresentar a seguinte
generalização do Teorema de Lagrange.

Teorema 2.20 (Teorema de Cauchy) Sejam f, g funções contı́nuas em [a, b] e


diferenciáveis em ]a, b[ tais que

g 0 (x) 6= 0 ∀x ∈]a, b[ .

Então existe c ∈]a, b[ tal que

f (b) − f (a) f 0 (c)


= 0 . (2.37)
g(b) − g(a) g (c)

Dem. Repare que a hipótese g 0 (x) 6= 0 para todo o x ∈]a, b[ garante, em virtude
do teorema de Rolle, que g(a) 6= g(b). A expressão (2.37) encontra-se pois bem
definida.
Considere a função auxiliar3

h(x) = f (x)(g(b) − g(a)) − g(x)(f (b) − f (a)) .


3
Repare que a função h é da forma h(x) = αf (x) − βg(x) tendo as constantes α e β
sido escolhidas de modo a que α 6= 0 e que h estivesse nas condições do Teorema de Rolle.
Confirme que outras escolhas de α e β teriam conduzido ao mesmo resultado.
2.10. A REGRA DE L’HOSPITAL–CAUCHY 97

A função h é contı́nua em [a, b], diferenciável em ]a, b[ e verifica

h(a) = h(b) = f (a)g(b) − f (b)g(a) .

Pelo Teorema de Rolle, existe c ∈]a, b[ tal que

h0 (c) = f 0 (c)(g(b) − g(a)) − g 0 (c)(f (b) − f (a)) = 0 .

Posto que g 0 (c) 6= 0, concluı́mos

f (b) − f (a) f 0 (c)


= 0 .
g(b) − g(a) g (c)

Uma consequência do Teorema de Cauchy é o seguinte

Corolário 2.21 Suponha f e g contı́nuas em V := [a, a + [, diferenciáveis em


]a, a + [ com g 0 (x) 6= 0 em ]a, a + [. Suponha que

f 0 (x)
f (a) = g(a) = 0 e lim = L. (2.38)
x→a+ g 0 (x)

Então existe o limite lim f (x)/g(x) tendo-se


x→a+

f (x)
lim = L.
x→a+ g(x)

Dem. Considere uma qualquer sucessão (xn ) convergente para a+ por valores
diferentes de a. Aplicando o Teorema de Cauchy em [a, xn ], escrevemos,

f (xn ) f (xn ) − f (a) f 0 (cn )


= = 0
g(xn ) g(xn ) − g(a) g (cn )

em que cn ∈]a, xn [ (na última igualdade utilizámos (2.37)). Posto que a sucessão
(cn ) converge para a, concluı́mos por (2.38),

f (xn ) f 0 (cn )
lim = lim 0 = L.
x→a+ g(xn ) x→a+ g (cn )

Obviamente, o corolário anterior permanece válido se considerarmos os limites


à esquerda do ponto a. Ele constitui uma versão particular de uma técnica de
resolução de indeterminações que enunciamos sem demonstração:
98 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES

Teorema 2.22 (Regra de L’Hospital–Cauchy)


Sejam a ∈ R ∪ {−∞} e  > 0 . Sejam f e g funções contı́nuas à direita de a e
diferenciáveis em ]a, a+[ (se a ∈ R) ou diferenciáveis em ]−∞, −[ (se a = −∞).
Suponha que (
0
lim f (x) = lim g(x) = .
x→a + x→a +
+∞
Se existir
f 0 (x)
lim =L em que L ∈ R ∪ {−∞, +∞} ,
x→a+ g 0 (x)
então
f (x)
lim = L.
x→a+ g(x)
O mesmo resultado vale para limites à esquerda de a ou em a = +∞.

Exemplos

(a) Considere o limite notável


sin(x)
lim .
x→0 x
Trata-se de uma indeterminação nas condições do teorema 2.22. Temos
(sin(x))0 cos(x)
= →1 quando x → 0 ,
(x)0 1
pelo que reobtemos, pela regra de L’Hospital–Cauchy, um resultado já conhecido.

(b) Considere
ex
lim.
x→+∞ x
Temos
(ex )0 ex
= → +∞ quando x → +∞ ,
(x)0 1
pelo que concluı́mos
ex
lim = +∞ .
x→+∞ x

(c) A regra pode ser aplicada repetidas vezes até levantar a indeterminação.
Considere o limite
sin(x) − x
lim .
x→0 x3
Aplicando a regra sucessivamente,
sin(x) − x cos(x) − 1 sin(x) 1
lim 3
= lim 2
= lim − =− .
x→0 x x→0 3x x→0 6x 6
2.10. A REGRA DE L’HOSPITAL–CAUCHY 99

(d) Por vezes é conveniente aplicar a regra apenas a uma parcela da expressão
cujo limite estamos a calcular. Por exemplo, no caso do limite

arctan(x)ex
lim ,
x→0 ln(1 + x)(x2 + 2)

é conveniente observar que

lim ex = 1 e que lim (x2 + 2) = 2 .


x→0 x→0

Aplicamos por isso a regra apenas à expressão

arctan(x)
,
ln(1 + x)

obtendo
1
arctan(x) 1+x2
lim = lim 1 = 1.
x→0 ln(1 + x) x→0
1+x

Assim
arctan(x)ex ex
  
arctan(x) 1
lim = lim 2 lim = .
x→0 ln(1 + x)(x2 + 2) x→0 x + 2 x→0 ln(1 + x) 2

Evita-se deste modo que as expressões obtidas por derivação do nominador e do


denominador se tornem demasiado complexas.

Nota 2.19 A regra de L’Hospital–Cauchy requer uma verificação cuidadosa da si-


tuação de indeterminação num limite. Aplicada sem critério produz provavelmente
resultados errados. Considere por exemplo o limite

cos(x)
lim .
x→0 x
Observe que neste caso não há indeterminação. De facto

cos(x)
lim = ±∞ .
x→0± x
Porém
(cos(x))0 sin(x)
lim = lim = 0.
x→0 (x)0 x→0 1

Nota 2.20 Nem sempre a regra de L’Hospital–Cauchy consegue esclarecer si-


tuações de indeterminação. Considere o seguinte exemplo.

x + sin(x2 )
lim .
x→+∞ x2
100 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES


Trata-se de uma indeterminação de tipo ∞. Derivando nominador e denominador
da expressão obtemos

1 + 2x cos(x2 ) 1
= + cos(x2 ) ,
2x 2x
que não tem limite em +∞. Contudo, pode observar que

x + sin(x2 ) 1 sin(x2 )
lim = lim + = 0.
x→+∞ x2 x→+∞ x x2
Importa pois realçar que a não existência de limite após aplicação da regra nada
permite concluir sobre o limite da expressão original.

Nota 2.21 Pode por vezes a regra de L’Hospital–Cauchy constitui uma armadilha
para o utilizador distraı́do. Considere, por exemplo, o limite

x−1
lim .
x→+∞ x−2

Sucessivas derivações do nominador e denominador produzem as expressões

x−2 x−3
, , ......
2x−3 3x−4
permanecendo a indeterminação em +∞ em todos eles. Todavia, se observarmos
que
x−1
= x ∀ x > 0,
x−2
não há lugar a qualquer indeterminação.

Exercı́cios

1. Determine o limite
ex − 1
lim .
x→0 sin(x)

2. Determine
lim x ln(x) .
x→0

(note que x ln(x) = ln(x)/x−1 )

3. Calcule
cos(x) ln(1 + x)
lim
x→0 sin(x)ex
tendo em conta o exemplo (d) dado no final da secção.
2.10. A REGRA DE L’HOSPITAL–CAUCHY 101

4. Utilize a regra de L’Hospital–Cauchy e o princı́pio de indução para justificar


que
p(x)
lim =0
x→+∞ eαx

em que p é um polinómio de grau n ∈ N e α > 0.

5. Utilize a regra de L’Hospital–Cauchy para provar que o prolongamento por


continuidade da função f : R\{0} 7→ R, definida por f (x) = sin(x)
x , é dife-
renciável em x = 0.
102 CAPÍTULO 2. A DERIVADA E SUAS APLICAÇÕES
Capı́tulo 3

O Integral e suas aplicações

3.1 Introdução
A emancipação do pensamento cientı́fico ocorrida no Renascimento é coroada pela
descrição por Johannes Kepler da trajectória elı́ptica de Marte em torno do ponto
focal ocupado pelo sol (Astronomia Nova, 1609). Nos Principia Mathematica
(1687), Isaac Newton demonstra que as leis de Kepler que regem os movimentos
planetários derivam de um mesmo princı́pio universal (que também se aplica às
maçãs que caem das árvores sobre as cabeças de pensadores absortos):

Num certo instante, a segunda derivada da lei de movimento de uma partı́cula


(ou a “aceleração”) é proporcional à força exercida sobre a partı́cula.

A constante de proporcionalidade envolvida é a massa m da partı́cula. O princı́pio


enunciado por Newton também é conhecido por Lei Fundamental da Fı́sica. A
força de atracção exercida pelo sol sobre Marte é inversamente proporcional ao
quadrado da distância que os separa.

Em movimentos rectilı́neos, podemos traduzir a Lei Fundamental numa equação


diferencial de tipo
mx00 (t) = F (t, x) .
No caso em que consideramos uma massa pontual próxima da superfı́cie da terra,
a função F (t, x) é uma função constante igual a −9, 8. No caso de uma massa pon-
tual suspensa a uma mola a função temos F (t, x) = −kx em que k é a constante
de Hooke da mola.

Para determinarmos a lei de movimento x(t) devemos primeiro calcular a velo-


cidade da partı́cula x0 (t) a partir de x00 (t). Este processo é designado por primi-
tivação. Do mesmo modo, a primitivação de x0 (t) leva-nos a x(t). Como veremos
adiante, importa o conhecimento da posição e da velocidade num determinado

103
104 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

instante t0 para a determinação exacta de x(t).

A primitivação requer o uso de uma tabela de derivação “ao contrário”. Isto


é, partindo de uma função f , procuramos calcular uma função F tal que F 0 = f .
As técnicas de primitivação são a base do Cálculo Integral.
Como veremos, o Cálculo Integral contribuiu decisivamente para o problema
do cálculo de áreas e volumes, que desde Arquimedes não conhecera avanços sig-
nificativos. Esta abordagem deve ser atribuı́da essencialmente a Leibniz. Tanto
Newton como Leibniz, por razões diferentes e utilizando caminhos diferentes, ace-
deram a esta descoberta. A discussão que se seguiu sobre quem era de facto o
inventor do cálculo integral dividiu a comunidade cientı́fica da altura e revelou-se
estéril. Talvez por isso se designe o principal resultado deste capı́tulo por “Teorema
Fundamental do Cálculo” sem referência a qualquer autor.

3.2 Noções de primitiva e integral indefinida


Definição. Seja f uma função real de variável real definida num intervalo aberto
I. Se existir uma função F , diferenciável em I, tal que

F 0 (x) = f (x) ∀x ∈ I ,

então f diz-se primitivável. A função F diz-se uma primitiva de f .

Uma função f pode possuir muitas primitivas. Veja o seguinte

Exemplo 3.1 Seja f (x) = sin(x) definida em R. Então FC (x) = C − cos(x) é


uma primitiva de f para todo o C ∈ R.

Geralmente, se a uma primitiva adicionarmos uma constante obtemos uma


outra primitiva. Sejamos mais precisos:

Lema 3.1 Sejam F1 e F2 duas primitivas de f num intervalo I. Então

F1 (x) = F2 (x) + C para algum C ∈ R.

Dem. Considere a função auxiliar

H(x) = F1 (x) − F2 (x) .

Temos que H é diferenciável e

H 0 (x) = F10 (x) − F20 (x) = 0 ∀x ∈ I .

Resulta do Teorema 2.13-(iii) que H(x) = C para algum C ∈ R, o que conclui a


demonstração.
3.2. NOÇÕES DE PRIMITIVA E INTEGRAL INDEFINIDA 105

Definição. Dado um intervalo I e uma função f primitivável em I, a famı́lia de


todas as primitivas de f em I integral indefinida de f e é representada por
Z
f (x) dx. (x ∈ I) .

Geralmente, no cálculo de primitivas, omite-se a referência ao intervalo I.

Resulta do lema anterior que, dada uma função f primitivável em I, e uma


sua primitiva F , Z
f (x) dx = {F (x) + C : C ∈ R} .

Simplificadamente, escrevemos
Z
f (x) dx = F (x) + C .

A tabela de primitivação que segue é uma simples adaptação de uma tabela de


derivação.
Formulário de integrais indefinidas

Z
1
xn dx = xn+1 + C
n+1
Z
sin(x) dx = − cos(x) + C
Z
cos(x) dx = sin(x) + C
Z Z
1
dx = 1 + tan2 (x) dx = tan(x) + C
cos2 (x)
Z
1
2 dx = − cot(x) + C
sin (x)
Z
ex dx = ex + C
Z
1
dx = ln(|x|) + C
x
Z
1
dx = arctan(x) + C
1 + x2
Z
1
√ dx = arcsin(x) + C
1 − x 2
Z
1
−√ dx = arccos(x) + C
1 − x2

O resultado seguinte é de justificação imediata se atendermos ao Lema 3.1 e


às regras usuais de derivação.
106 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Teorema 3.2 Sejam f e g funções primitiváveis num intervalo aberto I com pri-
mitivas respectivas F e G. Então as funções f ± g e kf (com k ∈ R) são primi-
tiváveis e verifica-se
Z
f ± g(x) dx = F (x) ± G(x) + C ,

Z
kf dx = kF (x) + C .

Exemplo 3.2 Dado um polinómio de grau n

p(x) = an xn + (...)a1 x + a0

temos Z
an n+1 a1
p(x) dx = x + (...) + x2 + a0 x + C .
n+1 2

Exercı́cios

1. Determine a integral indefinida da função

f (x) = 1 + x + x2 .

2. Determine a primitiva F da função

f (x) = sin(x) − cos(x)

verificando a condição F (π/2) = 1.

3. Verifique que  
|x|
Z
1 1
− dx = ln K ,
x x+1 |x + 1|
em que K é uma constante positiva.

4. Determine uma função H(x) tal que

H 00 (x) = 1 − cos(x) .

5. Determine uma função H1 (x) tal que

H 00 (x) = 1 − cos(x) , H1 (0) = 0 = H1 (2π) .


3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 107

3.3 Métodos de primitivação


3.3.1 A primitiva “imediata”
Perante uma expressão a primitivar, utilizamos a designação de “primitiva imedi-
ata” quando nela reconhecemos a derivada de uma função composta (embora nem
sempre esse reconhecimento seja trivial). Geralmente, se a expressão a primitivar
é de tipo
f 0 (u(x))u0 (x) ,
então, revertendo a regra da derivação composta, temos
Z
f 0 (u(x))u0 (x) dx = f (u(x)) + C (3.1)

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 3.3 Considere o problema de determinar a integral indefinida


Z
(x2 + 1)3 2x dx.

Observe que a expressão a integrar é de tipo f 0 (u(x))u0 (x) em que

u(x) = x2 + 1 , f 0 (u) = u3 e u0 (x) = 2x .

Assim,
Z Z
1 1
2 3
(x + 1) 2x dx = (u(x))3 u0 (x) dx = u(x)4 + C = (x2 + 1)4 + C .
4 4

Exemplo 3.4 Pretendemos agora determinar


Z
1 2x
+ 1 + x2 + .
x 1 + x2
Observe que

x3
Z Z
1
dx = ln(|x|) + C1 e (1 + x2 ) dx = x + + C2 .
x 3
Por outro lado,
u0 (x)
Z Z
2x
= dx
1 + x2 u(x)
em que u(x) = 1 + x2 . Resulta pois
Z
2x
= ln(|1 + x2 |) + C3 = ln(1 + x2 ) + C3 .
1 + x2
108 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Pelo Teorema 3.2 e por regras usuais dos logaritmos, podemos concluir
Z
1 2x
+ 1 + x2 + = ln(|x|) + x + x3 + ln(1 + x2 ) + C
x 1 + x2
= ln(|x + x3 |) + x + x3 + C .

Certas primitivas podem tornar-se imediatas quando multiplicadas por uma


constante adequada:

Exemplo 3.5 Considere a integral indefinida


Z
x(x2 + 1)3 dx . (3.2)

Observe que multiplicando a expressão por 2 obtemos a primitiva do Exemplo 3.3:


Z Z
1
2 x(x + 1) dx = 2x(x2 + 1)3 dx = (x2 + 1)4 + C .
2 3
4
Podemos então concluir, resolvendo a equação anterior em ordem à integral inde-
finida1 Z  
2 3 1 1 1
x(x + 1) dx = (u(x)) + C = (x2 + 1)4 + C .
4
2 4 8
Alternativamente, podemos multiplicar e dividir a expressão (3.2) pela constante
adequada e resolver a integral numa única linha de cálculos:
Z Z
1 1
x(x2 + 1)3 dx = 2x(x2 + 1)3 dx = (x2 + 1)4 + C .
2 8

Exemplo 3.6 Pretendemos calcular


Z Z
sin(x)
tan(x) dx = dx.
cos(x)
Observe que a expressão no segundo membro é de tipo
u0 (x)
Z
− dx em que u(x) = cos(x) .
u(x)
Assim
Z 0
− sin(x)
Z Z
u (x)
tan(x) dx = − dx = − dx
cos(x) u(x)
= − ln(|u(x)|) + C = − ln(| cos(x)|) + C = ln(| sec(x)|) + C .

1
Por comodidade, na expressão seguinte manteremos a representação C para assinalar
quantidades constantes que podem, no entanto, variar de igualdade para igualdade. Assim,
o facto de no último membro surgir C em vez de C/2 não constitui uma gralha.
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 109

Exercı́cios

1. Calcule a integral indefinida das seguintes funções multiplicando e divindo por


constantes adequadas:

x2 1
f1 (x) = cos(2x) , f2 (x) = e3x , f3 (x) = , f4 (x) = .
x3 + 1 1 + (2x)2

2. Calcule a integral indefinida das seguintes funções:

3 +1 1
g1 (x) = x cos(x2 ) + x , g2 (x) = x2 ex + ,
x
sin(x) 1 1 1
g3 (x) = − , g4 (x) = −√ .
cos(x) + 1 cos2 (x) 1 + 2x2 1 − x2

3.3.2 Por substituição


Recordamos que se f : I → R é primitivável com primitiva F e se supusermos que

x:J →I, t y x(t)

uma função diferenciável (aqui J e I designam intervalos abertos), então pela regra
da derivação composta,
F 0 (x(t)) = f (x(t))x0 (t) .
Em certos casos importa observar que a expressão f (x(t))x0 (t) é mais facilmente
primitivável na variável t do que f (x) na variável x. Veja o seguinte

Exemplo 3.7 Considere a função

ex
f (x) = .
1 + e2x

Tomando x(t) = ln(t) a expressão

f (x(t))x0 (t)

torna-se
eln(t) t 1 1
· (ln)0 (t) = 2) = .
1+e 2 ln(t) 1+e ln(t t 1 + t2
A última expressão tem como primitiva a função arcotangente.
110 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

O método de primitivação por substituição consiste em alterar a expressão


f (x) numa outra expressão fácil de primitivar. Para tal, utiliza-se “mudança de
variável” x(t) adequada. Sejamos mais precisos:

Definição. Sendo I e J intervalos abertos, por mudança de variável entende-


mos uma aplicação bijectiva

x:J →I, t y x(t)

tal que x(t) e a sua inversa t(x) são ambas diferenciáveis nos respectivos domı́nios.

No exemplo 3.7 temos

x :]0, +∞[→ R , t y x(t) = ln(t) .

Por vezes os domı́nios I e J são omitidos por não desempenharem papel relevante
no cálculo da primitiva. Voltando ao exemplo anterior:

Exemplo 3.8 Depois de termos considerado a mudança de variável x = ln(t)


obtivemos
1
f (x(t))x0 (t) = .
1 + t2
Primitivando ambos os lados da equação obtemos

F (x(t)) = arctan(t) + C .

Resta agora determinar F (x). Para tal, calculamos a inversa t(x). Ora

x(t) = ln(t) ⇔ t = ex .

Assim
F (x) = arctan(t(x)) + C = arctan(ex ) + C .

Nota 3.1 Pode ser útil considerarmos a seguinte mnemónica no método de inte-
gração por substituição:
Z Z
dx
f (x) dx = f (x(t)) dt
dt
Aplicando ao exemplo anterior, terı́amos

ex ex(t) dx
Z Z Z Z
t 1 1
dx = dt = · dt = dt
1 + e2x 1 + e2x(t) dt 2
1+t t 1 + t2
donde
ex
Z
dx = arctan(t(x)) + c = arctan(ex ) + c
1 + e2x
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 111

No exemplo anterior também poderı́amos ter reconhecido na função f a deri-


vada de uma composta sem recorrer à mudança de variável:

ex u0 (x)
Z Z
dx = dx = arctan(ex ) + C .
1 + e2x 1 + u2 (x)

Assim a inspiração do momento pode determinar que, o que para uns é uma
primitiva por substituição, para outros será uma primitiva imediata. No próximo
exemplo utilizaremos o sı́mbolo u para a nova variável em vez de t como no exemplo
(3.7)–(3.8).

Exemplo 3.9 Considere a integral indefinida



Z
x x − 1 dx. (3.3)


O seu cálculo é dificultado pela expressão com radical x − 1. Presumimos que a
integral seria mais fácil se nos pudéssemos “livrar” da raı́z. Introduzimos por isso
uma nova variável

u= x−1 ou equivalentemente x = u2 + 1 .

Neste caso
dx
x0 (u) = 2u ou, usando outra notação, = 2u .
du
Para que a primitiva seja convertida para a nova variável de integração u, escre-
vemos Z Z
dx
(u2 + 1)u dx = (u2 + 1)u du .
du
Calculamos
Z Z Z
dx 2 2
(u2 + 1)u du = (u2 + 1)u · 2u du = 2u4 + 2u2 du = u5 + u3 + C .
du 5 3
Finalmente, restituı́mos à solução obtida a variável original:
√ 2 √ 2 √
Z
2 5 2 3
x x − 1 dx = ( x − 1)5 + ( x − 1)3 + C = (x − 1) 2 + (x − 1) 2 + C .
5 3 5 3

Exemplo 3.10 Considere a integral indefinida



e x
Z
√ dx .
x

Operemos a substituição

u= x ⇔ x = u2 .
112 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Nesse caso
dx
= 2u .
du
Escrevemos então

e x eu dx eu
Z Z Z Z
√ dx = du = 2u du = 2 eu du = 2eu + C.
x u du u
Concluı́mos então que

e x √
Z
√ dx = 2eu(x) + C = 2e x + C .
x

Exercı́cios

1. Complete os cálculos intermédios:


Z Z Z
1 1 dx 1
dx = u u
du = ... = du = ... = ln(| ln(x)|) + C .
x ln(x) e ln(e ) du u
2. Considere a integral indefinida
Z
ex cos(ex ) .

Calcule-a usando para tal a mudança de variável ex = u. Indique o domı́nio


da variável u. Confirme que poderı́amos resolver esta primitiva através de
uma primitivação imediata.
3. Calcule a integral indefinida Z
x
dx √
x+1

mudando para a variável t = x + 1.
4. Calcule a integral indefinida

Z
x 5 x − 1 dx.

5. Partindo da igualdade
1 1
cos2 (x) = + cos(2x) ,
2 2
calcule Z
cos2 (x) dx .

6. Calcule Z p
1 − x2 dx
usando a mudança de variável
i π πh
x(t) = sin(t) , t∈ − , .
2 2
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 113

3.3.3 Por partes


Começamos por recordar que, contrariamente à soma de funções, a derivada do
produto não é o produto das derivadas. Ela obedece à regra

(uv)0 = u0 v + uv 0 .

Assim, a primitiva do produto não é o produto das primitivas. No entanto, pode-


mos escrever a igualdade anterior

u0 v = (uv)0 − uv 0 ,

o que implica, do ponto de vista da primitivação,


Z Z Z
u v dx = (uv) dx − uv 0 dx ,
0 0

ou Z Z
0
u v dx = uv − uv 0 dx .

O método de integração por partes justifica-se quando perante uma expressão de


tipo Z
u0 v dx

em que u0 é facilmente primitivável, a integral


Z
uv 0 dx

é mais simples de calcular. Vejamos um exemplo.

Exemplo 3.11 Considere Z


xex dx.

Podemos considerar que a expressão integranda é da forma u(x)v 0 (x) em que


u(x) = x e v 0 (x) = ex . Nesse caso,

u0 (x) = 1 e tomamos v(x) = ex .

Assim,
Z Z Z Z
xex dx = u(x)v 0 (x) dx = u(x)v(x) − u0 (x)v(x) dx = xex − 1.ex .

Concluı́mos então que Z


xex dx = xex − ex + C .
114 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Importa referir que a atribuição dos “papeis” de u e v 0 determina muitas vezes


o sucesso do método. Se no exemplo anterior tivéssemos optado por u = ex e
v 0 = x, serı́amos conduzidos a
Z Z
x 1 2 x 1 2 x
xe dx = x e − x e ,
2 2

não sendo a integral do segundo membro de trato mais fácil que a do primeiro.

Exemplo 3.12 Considere Z


ln(x) dx .

A expressão integranda pode ser considerada o produto da função constante igual


a 1 pela função logaritmo, isto é
Z
1 · ln(x) dx .

Considerando v 0 = 1 e u = ln(x), em que v = x e u0 = x1 , escrevemos


Z Z Z Z
1
1 · ln(x) dx = x ln(x) − x(ln(x))0 dx = x ln(x) − x dx = x ln(x) − 1 dx .
x

Assim Z
1 · ln(x) dx = x ln(x) − x + C .

Exemplo 3.13 Considere Z


arctan(x) dx .

Utilizando a ideia do exemplo anterior, escrevemos


Z Z
1 arctan(x) dx = x arctan(x) − x(arctan(x))0 dx =
Z Z
1 1 2x
x arctan(x) − x 2
dx = x arctan(x) − dx.
1+x 2 1 + x2

A primitiva do segundo membro é imediata (recorde o Exemplo 3.4). Concluı́mos


Z
1
1 arctan(x) dx = x arctan(x) − ln(1 + x2 ) + C .
2

Por vezes, é necessário uma aplicação repetida do método de integração por


partes. É o caso do seguinte
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 115

Exemplo 3.14 Pretende-se calcular


Z
ex cos(x) dx .

Escolhendo u = cos(x) e v 0 = ex na integração por partes, obtemos


Z Z Z
e cos(x) dx = e cos(x) − e (− sin(x)) dx = e cos(x) + ex sin(x)
x x x x
(3.4)

Vamos agora reaplicar o método no cálculo da integral ex sin(x). A escolha de u


R

e v 0 já não é livre. Devemos tomar u = sin(x) e v 0 = ex sob pena de regressarmos


ao ponto de partida, isto é, ao primeiro membro de (3.4). Obtemos então
Z
ex cos(x) dx =
 Z 
x x x
e cos(x) + e sin(x) − e cos(x) dx =
Z
ex cos(x) + ex sin(x) − ex cos(x) dx . (3.5)

ou, escrevendo numa única igualdade,


Z Z
e cos(x) dx = e cos(x) + e sin(x) − ex cos(x) dx .
x x x

Repare que se passarmos os termos com integral para o primeiro membro, obtemos
Z
2 ex cos(x) dx = ex cos(x) + ex sin(x) ,

ou2 Z
1
ex cos(x) dx = (ex cos(x) + ex sin(x)) + C .
2

A primitivação por partes permite-nos estabelecer fórmulas de primitivação


por recorrência. Veja o seguinte

Exemplo 3.15 Pretendemos calcular


Z
sinn (x) dx

2
Para o sucesso surprendente desta dupla primitivação por partes contribuem as boas
propriedades diferenciais das funções u1 (x) = ex e u2 (x) = cos(x). Nomeadamente,

u01 (x) = u1 (x) , −u002 (x) = u2 (x) .


116 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

em que n ∈ N. O caso n = 1 é trivial. Consideremos n > 1 e primitivemos por


partes:

Z Z
n
sin (x) dx = sin(x) · sinn−1 (x) dx =
Z
n−1
= − cos(x) sin (x) − (− cos(x)) · (n − 1) sinn−2 (x) cos(x) dx
Z
= − cos(x) sinn−1 (x) + (n − 1) cos2 (x) sinn−2 (x) dx

Repare que pela fórmula fundamental da trigonometria e pela linearidade da pri-


mitivação, podemos escrever
Z Z Z Z
2 n−2 2 n−2 n−2
cos (x) sin (x) dx = (1−sin (x)) sin (x) dx = sin (x) dx− sinn (x) dx

pelo que, podemos concluir que


Z Z Z 
n n−1 n−2 n
sin (x) dx = − cos(x) sin (x) + (n − 1) sin (x) dx − sin (x) dx

Distribuindo e rearrumando a expressão, obtemos


Z Z
n sinn (x) dx = − cos(x) sinn−1 (x) + (n − 1) sinn−2 (x) dx

ou
n−1
Z Z
1
sinn (x) dx = − cos(x) sinn−1 (x) + sinn−2 (x) dx
n n
Trata-se de uma fórmula de primitivação por recorrência. Por exemplo, fazendo
n = 2, obtemos
Z Z
1 1 1 x
sin2 (x) dx = − cos(x) sin(x) + sin0 (x) dx = − cos(x) sin(x) + + c
2 2 2 2
Sugerimos como exercı́cio o cálculo da primitiva nos casos n = 3 e n = 4.

Exercı́cios

1. Complete os passos perdidos (2):


x2
Z 2
x2
Z Z
x 1
x ln(x) dx = ln(x) − 2 dx = ln(x) − 2 dx = 2 + C .
2 2 2 2

2. Calcule Z Z
xe2x dx , x cos(πx) dx .
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 117

3. Verifique, integrando por partes, que


Z p
arcsin(x) dx = x arcsin(x) + 1 − x2 + C .

4. Calcule Z
1
√ ln(x) dx .
x

5. Calcule Z
sin(ln(x)) dx .

(Duas integrações por partes. Reveja Exemplo 3.14.)

3.3.4 Integração de funções racionais por integração de


fracções parciais
Nesta sub-secção exemplificaremos a primitivação de funções de tipo

p(x)
q(x)

em que p e q são polinómios de coeficientes reais. Observe que se o grau do


nominador p for superior ou igual ao grau do denominador q, podemos sempre
escrever, utilizando o algoritmo de divisão de polinómios

p(x) = c(x)q(x) + r(x)

em que c(x) e r(x) são polinómios e o grau de r é inferior ao grau de q. Assim,


Z Z Z
p(x) r(x)
dx = c(x) dx + .
q(x) q(x)
R
Posto que c(x) é imediato assumiremos, sem perda de generalidade, que

grau p(x) < grau q(x) .

Iremos desenvolver exemplos em que o denominador é de grau menor ou igual a


três. Começemos com

Denominadores quadráticos com raı́zes reais distintas

Comecemos com o seguinte


118 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 3.16 Observe que


1 1
1 2 2
= + (3.6)
1 − x2 1+x 1−x
Assim  
|1 + x|
Z Z
1 1 1 1 1
2
dx = + dx = ln +C
1−x 2 1+x 1−x 2 |1 − x|

Observe que no exemplo anterior a chave para a primitivação está na decomposição


(3.6). De um modo geral, se q(x) é um polinómio de grau dois com duas raı́zes
distintas, i.e. se

q(x) = k(x − a)(x − b) a, b, k ∈ R , a 6= b ,

então, para certos A, B ∈ R,


 
p(x) cx + d 1 A B
= = + .
q(x) k(x − a)(x − b) k x−a x−b
A primitiva do segundo membro é imediata. A determinação de A e B faz-se
através da resolução de um sistema, como veremos no exemplo seguinte.

Exemplo 3.17 Considere Z


x+5
dx
2x2 + 2x − 4
Utilizando a fórmula resolvente, escrevemos
x+5 1 x+5
= · .
2x2 + 2x − 4 2 (x − 1)(x + 2)
Pretendemos decompor a fracção integranda na forma
 
1 x+5 1 A B
· = + . (3.7)
2 (x − 1)(x + 2) 2 x−1 x+2
Somando as fracções do segundo membro obtemos
A B A(x + 2) + B(x + 1) (A + B)x + (2A − B)
+ = = .
x−1 x+2 (x − 1)(x + 2) (x − 1)(x + 2)

(observe que no último membro rearrumámos o polinómio nominador na sua forma


canónica). A igualdade (3.7) estará garantida se

(A + B)x + (2A − B) = x + 5

ou (
A+B =1
.
2A − B = 5
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 119

Resolvendo o sistema, obtemos A = 2 e B = −1 pelo que

|x − 1|2
Z Z  
x+5 1 2 1 1
2
= − dx = ln +C.
2x + 2x − 4 2 x−1 x+2 2 |x + 2|

Alternativamente, uma forma rápida para determinar A e B consiste em mul-


tiplicar (3.7) pela expressão 2(x − 1)(x − 2). Obtemos deste modo a igualdade
(x + 5) = A(x + 2) + B(x − 1)
Tomando x = 1, de modo a anular a expressão (x − 1) na igualdade anterior,
obtemos
6 = 3A
pelo que A = 2. De modo analógo, escolhendo x = −2, concluı́mos
3 = −3B
ou seja, concluı́mos que B = −1.

Denominadores quadráticos sem raı́zes reais

Começamos por recordar que todo o polinómio quadrático q sem raı́zes reais
pode ser escrito na forma
q(x) = k[(x − a)2 + b2 ] .
Para tal utiliza-se o método da completação do quadrado que passamos a exem-
plificar
Exemplo 3.18 (Completação do quadrado num polinómio de grau 2)
Considere o polinómio sem raı́zes reais
q(x) = x2 − 4x + 8 .
Escrevemos
x2 − 4x + 8 = (x2 − 2 · 2x + 22 ) + 8 − 22 ,
de modo a que nos parêntesis do segundo membro reconheçemos o caso notável
a2 − 2ab + b2 = (a − b)2 .
Assim,
x2 − 4x + 4 = (x − 2)2 + 22 .
(No caso do coeficiente principal k do polinómio ser diferente de 1, sugerimos que
começe por factorizar a expressão quadrática por k.)
120 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 3.19 Calculemos


Z
1
dx .
x2 − 4x + 8
Pelo exemplo anterior, escrevemos
Z Z Z
1 1 1 1
dx = dx = dx .
x2 − 4x + 8 (x − 2)2 + 4 4 ( x−2
2 )2+1

Observe que o último membro integral é uma primitiva imediata, a menos de uma
multiplicação por constante. Com efeito
1  
x−2
Z Z
1 1 1 2 1
dx = dx = arctan +C.
4 ( x−2 2
2 ) +1
2 ( x−2 2
2 ) +1
2 2

Consideremos agora a resolução geral do caso anterior. Calculamos


c(x − a) + d + ca
Z Z
cx + d 1
2 2
dx = dx =
k[(x − a) + b ] k [(x − a)2 + b2 ]
2(x − a)
Z Z
c d + ca 1
2 2
dx + dx
2k [(x − a) + b ] k [(x − a)2 + b2 ]
Observe
R que o primeiro integral do último membro é uma primitiva imediata na
0
forma uu . Assim

2(x − a)
Z
2 2

dx = ln (x − a) + b . (3.8)
[(x − a)2 + b2 ]
Por outro lado:
Z Z Z 1
1 1 1 1 b
dx = 2 dx = dx .
2 2
[(x − a) + b ] b x−a 2 b x−a 2
 
b +1 b +1
Repare que o último membro é uma primitiva imediata, a saber:
1  
x−a
Z
1 b 1
2 dx = arctan +C. (3.9)
b x−a b b

b +1
Por (3.8)–(3.9), conclui-se
Z
cx + d
dx =
k[(x − a)2 + b2 ]
 
c 2 2
 d + ca x−a
ln (x − a) + b + arctan +C (3.10)
2k kb b
3.3. MÉTODOS DE PRIMITIVAÇÃO 121

Denominadores quadráticos com uma raı́z real dupla

Exemplo 3.20 Calculemos Z


x
dx .
(x − 2)2
Escrevemos
(x − 2) + 2
Z Z Z Z
x 1 2
dx = dx = dx + dx .
(x − 2)2 (x − 2)2 x−2 (x − 2)2

Concluı́mos Z
x 2
dx = ln(|x − 2|) − +C.
(x − 2)2 x−2

Tratemos agora o caso geral p(x)


R
q(x) dx em que p(x) é um polinómio de grau
menor ou igual a 1 e q(x) é um polinómio quadrático com raı́z dupla. Neste caso,
podemos escrever
q(x) = k(x − a)2 .
Assim
(x − a)
Z Z Z Z
p(x) cx + d c d + ca 1
dx = dx = dx + dx .
q(x) k(x − a)2 k (x − a)2 k (x − a)2

Neste caso, ambos as primitivas são imediatas pelo que podemos concluir
Z
cx + d c d + ca
2
dx = ln(|x − a|) − +C. (3.11)
k(x − a) k k(x − a)

Alternativamente, pode-se proceder através da decomposição

p(x) A B
2
dx = + ,
k(x − a) x − a (x − a)2

determinando A, B através de um sistema tal como no caso de denominadores


quadráticos com raı́zes distintas (Exemplo 3.17).

Denominadores cúbicos

Iremos aqui explicitar a decomposição de uma função racional p(x)


q(x) em que o
denominador é um polinómio de grau 3. Podemos assumir que, a menos de uma
divisão de polinómios, o nominador p(x) é um polinómio de grau 2. Supomos
também, sem perda de generalidade do método, que q(x) tem primeiro coeficiente
igual a 1. Explicitamos a decomposição em quatro casos exaustivos.
122 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

(i) Três raı́zes reais distintas (ou “simples”):


p(x) A B C
= + + (3.12)
(x − a)(x − b)(x − c) x−a x−b x−c

(ii) Uma raı́z dupla:


p(x) A B C
2
= + 2
+ (3.13)
(x − a) (x − c) x − a (x − a) x−c

(iii) Uma raı́z tripla:


p(x) A B C
3
= + 2
+ (3.14)
(x − a) x − a (x − a) (x − a)3

(iv) Uma raı́z simples:


p(x) Ax + B C
= + (3.15)
((x − a)2 + b2 ) (x − c) (x − a)2 + b2 (x − c)

Observe que os segundos membros em (i)–(iv) são expressões primitiváveis


segundo os métodos explanados nesta sub-secção. Os denominadores q(x) em (i)–
(iv), constituem, a menos de uma multiplicação por constante, todos os casos
possı́veis de polinómios de grau 3. Tal como no Exemplo 3.17, a determinação das
constantes A, B, C deverá efectuar-se somando os segundos membros e resolvendo
um sistema apropriado.

Exemplo 3.21 Calculemos


Z
2x + 4
dx .
x2 (x
− 2)
Utilizando (ii), escrevemos
2x + 4 A B C
= + 2+ .
x2 (x
− 2) x x x−2
Somando e rearrumando o segundo membro, obtemos:
2x + 4 (A + C)x2 + (B − 2A)x − 2B
= ,
x2 (x − 2) x2 (x − 2)
pelo que deduzimos 
A + C = 0 ,

B − 2A = 2 ,

−2B = 4 .

Deixamos agora ao cuidado do leitor interessado a conclusão do sistema e a re-


solução da primitiva.
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 123

Exercı́cios

1. Calcule as seguintes integrais indefenidas:


Z Z
1 1
dx , dx .
(x + 2)(x + 1) x2 −x

2. Complete a seguinte expressão

x2 + 6x + 10 = (x + 3)2 + 2 .

Calcule Z
1
dx .
x2 + 6x + 10

3. Verifique que
 
x−2
Z
x p 
2 + 4 + arctan
dx = ln (x − 2) +C.
x2 − 4x + 8 2

4. Verifique que Z
x 1
2
dx = ln(|x − 1|) − +C.
(x − 1) x−1

5. Calcule Z
1
dx .
x3 − x2

3.4 O Integral de Riemann


Nesta secção vamos introduzir a noção de integral de Riemann. A noção de integral
permite-nos tratar com rigor as noções de área e volume de uma região limitada
do plano ou do espaço, delimitada por gráficos de funções contı́nuas, ou “quase”
contı́nuas. Para tal, utilizaremos uma ideia que remonta a Arquimedes: para calcu-
lar a área do cı́rculo, Arquimedes observou que a circunferência de raio r podia ser
“aproximada” por duas famı́lias de polı́gonos regulares: uma famı́lia de polı́gonos
inscritos no cı́rculo e por isso contida na região; outra contendo a região, formada
por polı́gonos regulares que circunscrevem o cı́rculo. Aumentando o números de
lados dos polı́gonos regulares, Arquimedes demonstrou a convergência das duas
sucessões de áreas, dos polı́gonos exteriores e interiores, para um mesmo valor:
πr2 .
A teoria aqui apresentada foi estabelecida por Riemann no século XIX e pode
ser considerada “a ponta do icebergue” do estudo matemático da noção de área
multi-dimensional, designado por Teoria da Medida.
124 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Comecemos por rever a notação sobre somatórios. Sejam (gn ) e (fn ) duas
sucessões de números reais. A expressão
m
X
gi
i=1

denota a soma finita


g1 + g2 + g3 + ... + gm−1 + gm .
Por exemplo, se considerarmos a sucessão gn = n2 , temos
5
X
gi = 12 + 22 + 32 + 42 + 52 = 55 .
i=1

As seguintes propriedades dos somatórios resultam da comutatividade da soma e


da propriedade distributiva. Para todo o m ∈ N,
m
X m
X m
X
(gi + fi ) = gi + fi . (3.16)
i=1 i=1 i=1

Para qualquer constante k ∈ R


m
X m
X
kgi = k gi . (3.17)
i=1 i=1

3.4.1 Definição e propriedades


Introduzimos agora a noção de partição de um intervalo. Seja [a, b] um intervalo
fechado. Designamos por partição P um conjunto finito de pontos

P := {xi } i = 0, ..., n ,

tais que
a = x0 < x1 < x2 < ... < xn−1 < xn = b .
Designa-se por diâmetro da partição o valor

δP = max{|xi+1 − xi | : i = 0, ..., n − 1} .

Dadas duas partições P1 , P2 tais que

P1 ⊂ P2 ,

diremos que P2 é mais fina do que P1 . Assim, se considerarmos as seguintes


partições do intervalo [0, 1]
   
3 1 1 3
P1 = 0, , 1 e P2 = 0, , , , 1 ,
4 4 2 4
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 125

temos que P2 é mais fina do que P1 e


3 1
δP1 = , δP2 = .
4 4
Se considerarmos uma função f definida em [a, b], limitada, e uma partição P
definimos por soma superior de Darboux de f associada a P o somatório
n−1
X
S(f, P ) := sup f · (xi+1 − xi ) . (3.18)
i=0 [xi ,xi+1 ]

De forma semelhante se define soma inferior de Darboux de f associada a P


n−1
X
S(f, P ) := inf f · (xi+1 − xi ) . (3.19)
[xi ,xi+1 ]
i=0

A hipótese de f ser limitada garante que

inf f e sup f ,
[xi ,xi+1 ] [xi ,xi+1 ]

são números reais. Quando f é não-negativa, as somas superior e inferior de


Darboux aproximam respectivamente por excesso e por defeito a área do gráfico
de uma função f utilizando a área de gráficos de barras. Designamaremos por
P([a, b]) a famı́lia de todas as partições de [a, b].
Vamos estabelecer algumas propriedades simples das somas de Darboux.

Proposição 3.3 Sejam P1 , P2 duas quaisquer partições de [a, b] e f uma função


limitada. Temos
S(f, P1 ) ≤ S(f, P2 ) . (3.20)
No caso particular de P2 ser mais fina que P1 , i.e. P1 ⊂ P2 , podemos afirmar

S(f, P2 ) ≤ S(f, P1 ) ≤ S(f, P2 ) ≤ S(f, P1 ) . (3.21)

Dem.
Começaremos por justificar a desigualdade (3.21). Vamos supor o caso simples
P2 = P1 ∪ {m} em que m ∈ [a, b]. Obviamente, se m ∈ P1 então P1 = P2 e o
resultado é imediato. Consideremos então o caso m ∈/ P1 . Necessariamente

m ∈]xk , xk+1 [ para algum xk ∈ P1 .

Mostremos a desigualdade

S(f, P2 ) ≤ S(f, P1 ) .

Necessariamente

sup f ≤ sup f e sup f ≤ sup f.


[xk ,m] [xk ,xk+1 ] [m,xk+1 ] [xk ,xk+1 ]
126 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Assim, podemos concluir

S(f, P2 ) =
X
sup f · (xi+1 − xi ) + sup f · (m − xk ) + sup f · (xk+1 − m) ≤
i6=k [xi ,xi+1 ] [xk ,m] [m,xk+1 ]
X
sup f · (xi+1 − xi ) + sup f · (m − xk ) + sup f · (xk+1 − m) =
i6=k [xi ,xi+1 ] [xk ,xk+1 ] [xk ,xk+1 ]
X
sup f · (xi+1 − xi ) + sup f · (xk+1 − xk ) = S(f, P1 ) . (3.22)
i6=k [xi ,xi+1 ] [xk ,xk+1 ]

De um modo geral, supondo

P2 = P1 ∪ {z1 , z2 , ..., zn }

aplicando sucessivamente o resultado anterior, temos

S(f, P1 ) ≥ S(f, P1 ∪ {z1 }) ≥ S(f, P1 ∪ {z1 , z2 }) ≥ ... ≥ S(f, P2 ) .

De modo semelhante se demonstra

S(f, P1 ) ≤ S(f, P2 ) ,

o que justifica a desigualdade (3.21). Para justificar (3.20) basta considerar uma
partição auxiliar P3 = P1 ∪ P2 , simultaneamente mais fina que P1 e P2 . Aplicando
(3.21), temos então

S(f, P1 ) ≤ S(f, P3 ) ≤ S(f, P3 ) ≤ S(f, P2 ) .

Definição. Designamos por integral superior de uma função f definida em [a, b],
limitada, o número real
Z b
f (x) dx := inf{S(P, f ) : P ∈ P([a, b])} .
a

Do mesmo modo, definimos por integral inferior o número real


Z b
f (x) dx := sup{S(P, f ) : P ∈ P([a, b])} .
a

Resulta da Proposição 3.3 que

sup{S(P, f ) : P ∈ P([a, b])} ≤ inf{S(P, f ) : P ∈ P([a, b])} ,


3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 127

ou
Z b Z b
f (x) dx ≤ f (x) dx . (3.23)
a a

Uma função diz-se integrável à Riemann (ou, mais simplesmente, “integrável”)


quando
Z b Z b
f (x) dx = f (x) dx .
a a

Esta igualdade corresponde à ideia intuitiva de que a área dos gráficos de barras
“superiores” a f aproxima-se da área dos gráficos de barras “inferiores” a f quando
as barras se tornam muito estreitas. Nesse caso, designamos por integral de
Riemann de f em [a, b] (ou simplesmente “integral de f ”) o número
Z b Z b Z b
f (x) dx := f (x) dx = f (x) dx . (3.24)
a a a

A integrabilidade de uma função limitada f : [a, b] → R é pois equivalente à


existência de duas famı́lias de partições Pn1 e Pn2 (n ∈ N) tais que

lim S(Pn2 , f ) − S(Pn1 , f ) = 0

Observe que, se em vez das sucessões de partições Pn1 e Pn2 considerarmos


Pn = Pn1 ∪ Pn2 , concluı́mos, por (3.20) e (3.21), que

0 ≤ S(Pn , f ) − S(Pn , f ) ≤ S(Pn2 , f ) − S(Pn1 , f ) → 0 .

Daqui resulta o seguinte

Teorema 3.4 Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Então f é integrável se e


só se existe uma sucessão de partições Pn tais que

lim S(Pn , f ) − S(Pn , f ) = 0 . (3.25)

Exemplo 3.22 (Exemplo de uma função integrável)


Vamos considerar a função

f : [0, 1] 7→ R , f (x) = x .

Para mostrar que f é integrável basta, pelo Teorema anterior, exibir uma famı́lia
de partições Pn que verifica o limite (3.25). Consideremos então
 
1 2 n−1
Pn = 0, , , ..., ,1 .
n n n
128 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Temos
n−1   n−1 n−1
X k+1 k+1 k X k+1 1 1 Xk+1
S(f, Pn ) = − = · = .
n n n n n n n
k=0 k=0 k=0

Do mesmo modo
n−1
1Xk
S(f, Pn ) = .
n n
k=0

Assim

S(f, Pn ) − S(f, Pn ) =
n−1 n−1 n−1   n−1
X 1k+1 1 X k 1X k+1 k 1X1 1
− = − = = ,
n n n n n n n n n n
k=0 k=0 k=0 k=0

o que, por (3.25), garante a integrabilidade de f .

Exemplo 3.23 (Exemplo de uma função limitada não integrável)


Considere a função de Dirichlet definida no intervalo [0, 1] por
(
0 se x é racional
d(x) = .
1 se x é irracional

A função d não é integrável porque


Z 1 Z 1
d(x) dx < d(x) dx .
0 0

Por forma a justificarmos esta desigualdade começaremos por recordar que qual-
quer intervalo com interior não vazio de R contem números racionais e números
irracionais. Assim, dada uma partição P = {0, x1 , ..., xn−1 , 1} pertencente a
P([0, 1])] temos
n−1
X
S(d, P ) = inf d · (xk+1 − xk ) = 0
[xk ,xk+1 ]
k=0
uma vez que
inf d=0 ∀ k = 0, ..., n − 1
[xk ,xk+1 ]

(qualquer intervalo [xk , xk+1 ] contem pelo menos um racional r0 pelo que 0 =
d(r0 ) = inf [xk ,xk+1 ] d = 0). Assim, como P pode ser qualquer partição,
Z 1
d(x) dx := sup{S(P, d) : P ∈ P([0, 1])} = 0 . (3.26)
0
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 129

De modo semelhante, temos


n−1
X n−1
X
S(d, P ) = sup d · (xk+1 − xk ) = 1 · (xk+1 − xk ) = 1 ,
k=0 [xk ,xk+1 ] k=0
uma vez que
sup d = 1,
[xk ,xk+1 ]

qualquer que seja o subintervalo [xk , xk+1 ]. Assim


Z 1
d(x) dx := inf{S(P, d) : P ∈ P([0, 1])} = 1 . (3.27)
0

Podemos então concluir de (3.26) e (3.27) que a função de Dirichlet d(x) não é
integrável em [0, 1].

Exercı́cios

1. Calcule
3
X 1
(k/4)2 .
4
k=0

2. Reconheça no somatório do exercı́cio anterior uma soma inferior de Darboux


S(f, P ) ,
para uma certa função f : [0, 1] → R. Indique f e a partição P . Calcule a
respectiva soma superior de Darboux.
3. Considere a função g : [a, b] → R constante, g ≡ K. Verifique que qualquer que
seja a partição P
S(g, P ) = S(g, P ) = K(b − a) .
O que podemos concluir quanto à integrabilidade de g?
4. Considere no intervalo [0, 2] a função
(
0 se 0 ≤ x < 1
f (x) = .
1 se 1 ≤ x ≤ 2
Dada uma partição P de diâmetro inferior a δ, justifique que
S(f, P ) ≥ 1 − δ ,
e que
S(f, P ) ≤ 1 + δ .
(sugere-se que analise o gráfico de f .) O que podemos concluir quanto a
integrabilidade de f ?
130 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

5. Considere a função f : [0, 1] → R, f (x) = x2 . Considere as seguntes partições


 
k
Pn = : k = 0, 1, ..., n .
n

Verifique que
n−1
1 X 2
S(f, Pn ) = k .
n3
k=0

Estabeleça a fórmula análoga para S(f, Pn ).

6. Nas condições do exercı́cio anterior, verifique que


2n + 1
S(f, Pn ) − S(f, Pn ) ≤ .
n3
O que podemos concluir?

3.4.2 Uma definição equivalente de Integrabilidade


Integrabilidade das funções contı́nuas
No que segue será útil uma definição alternativa de integral de Riemann formulada
a partir da noção de soma de Riemann. Ao aluno mais apressado recomendamos
que numa primeira leitura registe os resultados desta secção e que posteriormente
proceda ao estudo das demonstrações.

Definição. Dada uma partição

P ≡ {x0 := a , x1 , ..., xn−1 , xn := b}

designamos por soma de Riemann o seguinte somatório:


n−1
X
S ∗ (f, P, x∗1 , ..., x∗n−1 ) = f (x∗k )(xk+1 − xk ) , (3.28)
k=0

em que x∗k ∈ [xk , xk+1 ] (k = 0, ..., n − 1). Sem prejuı́zo, poderemos utilizar a
notação abreviada

S ∗ (f, P, (x∗k )) := S ∗ (f, P, x∗1 , ..., x∗n−1 ) .

Nota 3.2 Dada uma partição P e uma soma de Riemann a ela associada, temos
a seguinte relação com as somas inferior e superior de Darboux:
n−1
X
S(f, P ) ≤ f (x∗k )(xk+1 − xk ) ≤ S(f, P ) .
k=0
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 131

No caso de f ser não-negativa, uma soma de Riemann calcula a área de um


gráfico de barras cuja altura, em cada sub-intervalo [xk , xk+1 ], é um valor in-
termédio entre o infı́mo e o supremo de f nesse sub-intervalo.

Diremos que as somas de Riemann de f : [a, b] 7→ R convergem para L quando,


para todo o erro  > 0, existe um distância δ > 0 tal que, para toda a partição P
com diâmetro δP < δ , se verifica

|S ∗ (f, P, (x∗k )) − L| < 

quaisquer que sejam os x∗k ∈ [xk , xk+1 ] em que k = 0, ..., n − 1.


Formalmente:

∀ > 0 ∃δ : δP < δ ⇒ |S ∗ (f, P, (x∗k )) − L| <  (3.29)

em que P = {xk }nk=0 é uma partição de [a, b] e (x∗k ) é tal que x∗k ∈ [xk , xk+1 ] para
k = 0, ..., n − 1.
Resumiremos a propriedade (3.29) na fórmula

lim S ∗ (f, P ) = L .
δP →0

Temos a seguinte caracterização alternativa das funções integráveis à Riemann.

Teorema 3.5 Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Então f é integrável à


Riemann se e só se é verificada a propriedade (3.29). Nesse caso, temos
Z b
f (x) dx = L = lim S ∗ (f, P ) . (3.30)
a δP →0

Dem. Comecemos por justificar que se f verifica (3.29) então f é integrável à


Riemann. Para tal, pretendemos garantir que qualquer que seja o valor de  > 0
existe uma partição P tal que

S(f, P ) − S(f, P ) <  .

Por (3.29) podemos considerar δ tal que se δP < δ então



|S ∗ (f, P, (x∗k )) − L| < (3.31)
4
ou
n−1
X 
| f (x∗k )(xk+1 − xk ) − L| < .
4
k=0

Sendo P1 e P2 duas quaisquer partições de diâmetro inferior a δ, teremos necessa-


riamente

|S ∗ (f, P1 , x∗1 , ..., x∗n−1 )) − S ∗ (f, P2 , (y1∗ , ..., ym−1

))| < . (3.32)
2
132 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Fixemos então uma partição P de raio δP < δ de modo a que se verifique a


estimativa (3.31). Podemos escolher pontos intermediários x∗k de modo a que, em
cada sub-intervalo [xk , xk+1 ], tenhamos

sup f − f (x∗k ) < .
[xk ,xk+1 ] 4(b − a)

Assim

S(f, P ) − S ∗ (f, P, x∗1 , ..., x∗n−1 ) = (3.33)


n−1
!
X

sup f − f (xk ) (xk+1 − xk ) < (3.34)
k=0 [xk ,xk+1 ]
n−1
X  
(xk+1 − xk ) = (3.35)
4(b − a) 4
k=0

De forma análoga, podemos escolher pontos intermediários yk de modo a que



f (yk∗ ) − inf f< .
[xk ,xk+1 ] 4(b − a)

Por cálculos semelhantes a (3.33)–(3.35) obtemos



S ∗ (f, P, y1∗ , ..., yn−1

) − S(f, P ) < . (3.36)
4
Assim, por (3.32), (3.35) e (3.36),

S(f, P ) − S(f, P ) ≤ S(f, P ) − S ∗ (f, P, (x∗k )) +


  
+ |S ∗ (f, P, (x∗k )) − S ∗ (f, P, (yk∗ ))| + |S ∗ (f, P, (yk∗ )) − S(f, P )| < + + = .
4 2 4
Concluı́mos pois que se f verifica (3.29) então f é integrável à Riemann.

Consideremos agora o caso reverso. Isto é, supondo que f é integrável à Ri-
emann, iremos concluir que f verifca a propriedade (3.29). Para tal, começamos
por demonstrar que, dado uma partição P0 (fixa), para qualquer  > 0, existe δ
tal que, se P é uma partição de diâmetro δP ,

δP < δ ⇒ S(f, P0 ) −  < S ∗ (f, P, (x∗k )) < S(f, P0 ) +  . (3.37)

Supomos
P0 ≡ {z0 := a , z1 , ... , zn0 := b} .
Tomamos M tal que
|f (x)| ≤ M , ∀x ∈ [a, b] .
Observe que dada uma partição P = {xi }m i=1 de diâmetro δ, os pontos inter-
mediários zk da partição P0 estão enquadrados por pontos consecutivos xj e xj+1
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 133

da partição P que distam menos do que δP (pode fazer um esboço). Tomemos a


partição refinada
P1 = P0 ∪ P .
Reordenando os termos das duas sucessões, podemos denotar

P1 ≡ {y0 := a , ... , yn0 +m := b} .

Necessariamente, por (3.21),

S(f, P1 ) ≤ S(f, P0 ) . (3.38)

Comparemos agora S(f, P1 ) e S(f, P, (x∗i )). Em cada subintervalo [xj , xj+1 ] tal
que zk ∈ [xj , xj+1 ] temos a seguinte estimativa

f (x∗j )(xj+1 − xj ) ≤ sup f · (zk − xj ) + sup f · (xj+1 − zk ) + 2δM. (3.39)


[xj ,zk ] [zk ,xj+1 ]

Nos demais intervalos teremos

f (x∗j )(xj+1 − xj ) ≤ sup f · (xj+1 − xj ) . (3.40)


[xj ,xj+1 ]

Adicionando agora sucessivamente os membros das inequações (3.39)–(3.40), (re-


cordando que os termos yi ora são pontos xj de P , ora são pontos zk de P0 )
obtemos
m
X nX
0 +m

f (x∗j )(xi+j − xj ) ≤ sup f · (yi+1 − yi ) + 2M δn0 ,


j=0 i=0 [yi ,yi+1 ]

ou
S(f, P, (x∗k )) ≤ S(f, P1 ) + 2M δn0 . (3.41)
Assim, de (3.38) e (3.41), podemos concluir

S ∗ (f, P, (x∗k )) ≤ S(f, P0 ) + 2M δn0 .

Um argumento semelhante justifica que

S(f, P0 ) − 2M δn0 ≤ S ∗ (f, P, (x∗k )) .

Escolhendo agora δ tal que



2M δn0 <  ou δ <
2M n0

obtemos a condição (3.37).


134 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Repare que a condição (3.37) implica a propriedade (3.29). Com efeito, dado
 > 0, podemos sempre tomar P0 tal que
Z b Z b
f (x)dx −  < S(f, P0 ) ≤ S(f, P0 ) < f (x)dx +  . (justifique) (3.42)
a a

Tomando δ nas condições de (3.37), concluı́mos, por (3.42), que se P é partição


de diâmetro δP < δ , então
Z b Z b
f (x)dx − 2 < S ∗ (f, P, (x∗k )) < f (x)dx + 2 .
a a

Resumindo: para qualquer 0 := 2 existe um δ0 := δ tal que


Z b
δP < δ0 ⇒ S ∗ (f, P, (x∗k )) − f (x) dx < 0 ,

a

o que conclui a demonstração.

No caso das funções contı́nuas num intervalo [a, b], as somas superior e inferior
de Darboux associadas a uma partição P podem ser consideradas casos particu-
lares de somas de Riemann. Basta para tal tomarmos, numa soma de Riemann
associada a P , e em acordo com o Teorema de Weierstrass (Teorema 1.24), pontos
intermediários x∗k correspondendo em cada sub-intervalo [xk , xk+1 ] a máximos e
mı́nimos de f respectivamente. Estudemos agora a relação entre continuidade e
integrabilidade.

Teorema 3.6 Seja f uma função contı́nua em [a, b]. Então f é integrável em
[a, b].

Antes porém de justificarmos este resultado, demonstramos uma propriedade


importante das funções contı́nuas num intervalo compacto designada por conti-
nuidade uniforme.

Lema 3.7 Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua. Então qualquer que seja
 > 0, existe uma distância δ > 0 tal que

∀x, y ∈ [a, b] , |x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| <  (3.43)

Dem. Vamos supôr, com vista a uma absurdo, que uma certa função f , contı́nua
em [a, b], não goza da propriedade (3.43). Tal implica que existem 0 > 0, uma
sucessão δn → 0 e sucessões de pontos (xn ) e (yn ) tais que

|xn − yn | < δn e (3.44)


|f (xn ) − f (yn )| ≥ 0 . (3.45)
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 135

Posto que (xn ) é limitada, podemos extrair uma subsucessão convergente –que
denotaremos por (xin ). Necessariamente, por (3.44), a subsucessão (yin ) é também
convergente para o mesmo limite. Teremos então, para algum x0 ∈ [a, b],

lim xin = x0 = lim yin .

Posto que f é contı́nua em x0 ,

lim f (xin ) = f (x0 ) = lim f (yin ) ,

ou
lim |f (xin ) − f (yin )| = 0 .
Esta igualdade está em contradição com (3.45).

Nota 3.3 Este lema afirma que no caso de uma função contı́nua num intervalo
compacto, é possı́vel controlar o erro  = |f (x) − f (y)| mediante uma estimativa
da distância δ = |x − y| que não depende dos pontos x, y considerados. Repare na
importância do intervalo ser compacto. Para tal, observe que a função g(x) = 1/x
definida em ]0, 1] não goza da propriedade (3.43): pontos de tipo xn = 1/n e
yn = 1/(n + 1) podem ser tomados arbitrariamente próximos; contudo teremos
invariavelmente
|f (xn ) − f (yn )| = 1 .

Demonstração do Teorema 3.6.

Justificaremos que, dado  > 0, existe uma partição P tal que

S(f, P ) − S(f, P ) <  .

Para tal, consideremos, para cada n ∈ N, a partição Pn0 = {xk }nk=0 tal que

k(b − a)
xk = a + .
n
Repare que pontos consecutivos da partição P0 se encontram a igual distância
δPn = (b − a)/n. Pelo lema anterior, existe δ tal que, para x, y ∈ [a, b]

|x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < .
b−a
Tomemos então n tal que
δPn = (b − a)/n < δ.
Em cada subintervalo [xk , xk+1 ] da partição temos

sup f− inf f = f (x∗k ) − f (yk∗ ) < ,
[xk ,xk+1 ] [xk ,xk+1 ] b−a
136 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

em que f (x∗k ) = max[xk ,xk+1 ] f e f (yk∗ ) = min[xk ,xk+1 ] f . Assim

n−1
!
X
S(f, P ) − S(f, P ) = sup f− inf f (xk+1 − xk ) <
[xk ,xk+1 ] [xk ,xk+1 ]
k=0
n−1
X 
(xk+1 − xk ) = ,
b−a
k=0

o que conclui a demonstração.

Nota 3.4 O teorema anterior estabelece que a continuidade de uma função num
intervalo compacto é condição suficiente para a sua integrabilidade à Riemann.
Não é contudo uma condição necessária, como se pode depreender do exercı́cio 4
da secção anterior. O leitor compreenderá por certo, generalizando argumentos
utilizados neste exercı́cio, que uma função f definida e limitada em [a, b], contı́nua
nesse intervalo –excepto num número finito de pontos– é integrável à Riemann.
Por outro lado, no exemplo fornecido de uma função não integrável d (Exem-
plo 3.23) observamos que d não é contı́nua em nenhum ponto do intervalo [a, b].
Assim, a natureza do conjunto dos pontos em que f é discontı́nua desempenha
um papel importante na sua integrabilidade. Ao aluno interessado numa caracte-
rização completa das funções integráveis à Riemann recomendamos o manual de
Análise de Elon Lages de Lima, volume 1.

3.4.3 Propriedades elementares do integral de Riemann


Iremos estabelecer algumas propriedades elementares do integral de Riemann.
Começamos com o seguinte

Teorema 3.8 Seja f e g funções integráveis em [a, b] e k ∈ R. Então f + g e kf


são integráveis verificando-se
Z b Z b Z b
(i) f (x) + g(x) dx = f (x) dx + g(x) dx . (3.46)
a a a
Z b Z b
(ii) kf (x) dx = k f (x) dx . (3.47)
a a

Dem. Começemos por justificar (3.46). Utilizando a caracterização (3.29) das


funções integráveis, iremos justificar que, para todo o  > 0, existe δ > 0 tal que,
para toda a partição P com diâmetro δP < δ ,
Z b Z b 

S (f + g, P, (x∗ )) −

k f (x) dx + g(x) dx <  . (3.48)
a a
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 137

Deste modo garantimos que


Z b Z b Z b
f (x) + g(x) dx := lim S ∗ (f + g, P, (x∗k )) = f (x) dx + g(x) dx
a δP →0 a a

Dada uma soma de Riemann associada a uma partição P , a seguinte desigual-


dade resulta de propriedades elementares dos somatórios e do módulo:
Z b Z b 

S (f + g, P, (x∗ )) −

k f (x) dx + g(x) dx ≤
a a
Z b Z b Z b

S (f, P, (x∗ )) − ∗ ∗

k f (x) dx +
S (g, P, (xk )) − g(x) dx . (3.49)
a a a

Pela integrabilidade de f , existe δ1 tal que, se δP < δ1 temos


Z b
∗ ∗

S (f, P, (x )) − f (x) dx < .
k

a 2
Analogamente, existe δ2 tal que, para δP < δ2 , se tem
Z b
∗ 
S (g, P, (y ∗ )) − g(x) dx < .
k 2
a

Assim, tomando δ = min{δ1 , δ2 }, se P é tal que δP < δ, concluı́mos, por (3.49),


Z b Z b 
∗ ∗
 
S (f + g, P, (x )) − f (x) dx + g(x) dx < + =  ,
k

a a 2 2
assim se provando (3.48) e a justificação de (i). A justificação de (ii) faz-se com
argumentos semelhantes que deixaremos ao cuidado do leitor.

Supomos agora f e g funções integráveis em [a, b] tais que

g(x) ≤ f (x) ∀x ∈ [a, b] .

Necessariamente, para qualquer partição P ,

S(g, P ) ≤ S(f, P ) .

Assim
Z b Z b
 
g(x) dx = inf S(g, P ) , P ∈ P([a, b]) ≤ inf S(f, P ) , P ∈ P([a, b]) = f (x) dx .
a a

Atendendo a que para uma função constante h(x) = C tem-se trivialmente que
Z b
h(x) dx = C(b − a)
a

podemos pois afirmar o seguinte resultado:


138 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Teorema 3.9 Sejam f e g funções integráveis em [a, b] tais que g(x) ≤ f (x) para
qualquer x ∈ [a, b]. Então
Z b Z b
g(x) dx ≤ f (x) dx .
a a

Em particular, se m ≤ f (x) ≤ M para todo o x ∈ [a, b],


Z b
m(b − a) ≤ f (x) dx ≤ M (b − a)
a

Dada uma função f : [a, b] → R, consideramos as funções

f + (x) = max{f (x), 0} e f − (x) = max{0, −f (x)} .

Trivialmente, para todo o x ∈ [a, b]

f + (x) ≥ 0 , f − (x) ≥ 0 e f (x) = f + (x) − f − (x) .

Temos o seguinte resultado:

Lema 3.10 Seja f : [a, b] → R uma função integrável. Então f + , f − e |f | =


f + + f − são integráveis.

Dem. Faremos a demonstração do caso f + . Os restantes casos são de sim-


ples dedução a partir deste (repare que f − = (−f )+ – utilize o Teorema 3.8).
Começemos por observar que, dado um subintervalo I de [a, b], tem-se

sup f + − inf f + ≤ sup f − inf f . (3.50)


I I I I

Esta desigualdade é trivial no caso em que f = f + ou f = f − . No caso comple-


mentar, temos
sup f = sup f + e inf f = − sup f − < 0 .
I I I
Assim

sup f + − inf f + ≤ sup f + ≤ sup f + + sup f − = sup f − inf f ,


I I I I I I I

o que justifica (3.50). Repare que, dada uma partição P = {xk }, temos, por (3.50),
n−1
!
X
+ + + +
S(f , P ) − S(f , P ) = sup f − inf f (xk+1 − xk ) ≤
[xk ,xk+1 ] [xk ,xk+1 ]
k=0
n−1
!
X
sup f− inf f (xk+1 − xk ) = S(f, P ) − S(f, P ) . (3.51)
[xk ,xk+1 ] [xk ,xk+1 ]
k=0
3.4. O INTEGRAL DE RIEMANN 139

Posto que f é integrável, tomemos uma sucessão de partições Pn tais que

S(f, Pn ) − S(f, Pn ) → 0 .

Resulta então de (3.51) que

0 ≤ S(f + , Pn ) − S(f + , Pn ) ≤ S(f, Pn ) − S(f, Pn ) → 0 .

Concluı́mos que f + é integrável assim terminando a demonstração.

Nota 3.5 Seja f : [a, b] → R uma função integrável. Designamos por área da
região delimitada pelo gráfico de uma função f e pelo eixo das abcissas o valor
Z b
|f (x)| dx.
a

No caso uma região delimitada por gráficos de funções f e g integráveis em [a, b],
definimos a sua área como sendo
Z b
|f (x) − g(x)| dx .
a

Teorema 3.11 Seja f integrável em [a, b]. Então |f | é integrável em [a, b] e


Z b Z b

f (x) dx ≤ |f (x)| dx (3.52)

a a

Dem. Temos
−|f (x)| ≤ f (x) ≤ |f (x)| ∀x ∈ [a, b] .

Resulta então do Lema 3.10 e do Teorema 3.9 que


Z b Z b Z b
− |f (x)| dx ≤ f (x) dx ≤ |f (x)| dx ,
a a a

o que equivale a
Z b Z b


f (x) dx ≤ |f (x)| dx .
a a

Lema 3.12 Seja f é uma função integrável em [a, b]. Então f é integrável em
qualquer subintervalo [c, d] ⊂ [a, b]
140 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Dem. Faremos uma demonstração resumida deste resultado deixando ao leitor


interessado a tarefa de completar as justificações. Tomemos uma sucessão de
partições Pn de [a, b] tais que

lim S(f, Pn ) − S(f, Pn ) = 0 .

Sem perda de generalidade, podemos supôr que c, d ∈ Pn para todo o n ∈ N.


Consideremos agora as partições do intervalo [c, d] definidas por

Qn := Pn ∩ [c, d] .

Verifica-se que

0 ≤ S(f, Qn ) − S(f, Qn ) ≤ S(f, Pn ) − S(f, Pn ) .

Concluı́mos que
S(f, Qn ) − S(f, Qn ) → 0 .

Pelo Teorema 3.4, f é integrável em [c, d].

Exercı́cios

1. Sejam f, g funções integráveis em [0, 1] tais que


Z 1 Z 1
f (x) dx = 1 e g(x) dx = −1 .
0 0

Verifique que
Z 1
3f (x) − 2g(x) dx = 5 .
0

Resolva a seguinte equação na incógnita k:


Z 1 Z 1
2
kf (x) dx − k g(x) dx = 0 .
0 0

2. Justifique que
Z 1√ Z 1
x dx ≥ x2 dx .
0 0

3. Dada uma função f definida em [a, b], justifique que

f + (x) · f − (x) = 0 ∀x ∈ [a, b] .


3.5. O TEOREMA FUNDAMENTAL DO CÁLCULO 141

4. Considere a função definida no intervalo [−1, 1] por


(
1 se x ∈ [−1, 0] ,
−1 se x ∈ ]0, 1] .

Compare
1 1
Z Z


f (x) dx e |f (x)| dx .
−1 −1

5. Suponha f, g integráveis em [a, b] tais que f (x) ≥ g(x) para todo o x ∈ [a, b].
Suponha ainda que,num certo subintervalo [c, d] ⊂ [a, b] verifica-se desigual-
dade
f (x) ≥ g(x) +  ∀x ∈ [c, d] ( > 0) .
Prove que
Z d
f (x) − g(x) dx ≥ (d − c) dx, .
c
Conclua que
Z b Z b
f (x) dx ≥ g(x) dx + (d − c) .
a a
Justifique que no exercı́cio 2 a desigualdade integral é estrita.

3.5 O Teorema Fundamental do Cálculo


Nesta secção estabeleceremos o resultado central deste capı́tulo. Como aplicação
imediata obteremos um método eficiente para o cálculo de áreas de regiões delimi-
tadas por gráficos de funções primitiváveis. Começamos com a seguinte

Definição. Seja f uma função integrável em [a, b] e c ∈ [a, b]. Definimos


Z a Z b
f (x) dx = − f (x) dx , (3.53)
b a
Z c
f (x) dx = 0 , (3.54)
c

Como veremos adiante, esta generalização do integral irá conferir ao integral boas
propriedades aritméticas que permitirão relacionar o cálculo de áreas com o cálculo
de primitivas. O resultado seguinte é de fácil justificação se atendermos a definição
de integral e a (3.53).

Lema 3.13 Seja I um intervalo e f uma função integrável em todo o intervalo


compacto contido em I. Dados a, b, c ∈ I, tem-se
Z b Z c Z b
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx . (3.55)
a a c
142 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

No caso dos pontos verificarem a relação a < c < b e de f ser positiva, a igualdade
anterior exprime o facto de que a área sob o gráfico de f no intervalo [a, b] é a
soma das respectivas áreas no intervalo [a, c] no intervalo [c, b]. Os restantes casos
podem ser reduzidos a esta situação tendo em conta (3.53).
Lema 3.14 Seja f : [a, b] → R uma função integrável e c ∈ [a, b]. Então
Z c+h
lim f (x) dx = 0 .
h→0 c

Observação: No caso c = a (resp. c = b) deve-se entender o limite anterior como


sendo em 0+ (resp. 0− ).

Dem. Repare que pelo Lema 3.12 as expressões integrais estão bem definidas para
valores de h pequenos em módulo. Consideramos o caso c ∈]a, b[ posto que o caso
c = a ou c = b utiliza argumentos semelhantes. Posto que f é limitada em [a, b],
temos, para algum M > 0
|f (x)| ≤ M ∀ x ∈ [a, b] .
Supondo h tal que 0 < |h| < min{|c − a|, |b − c|}, temos, pelo Teorema 3.11,
Z c+h Z max{c,c+h}

f (x) dx ≤ |f (x)| dx ≤ M |h|

c min{c,c+h}

Concluı́mos que
Z c+h
lim f (x) dx = 0 .
h→0 c

Definição. Seja f integrável em [a, b] e c ∈ [a, b]. Definimos a integral indefinida


de F com extremo inferior c a função
Z x
Fc (x) = f (t) dt , (3.56)
c
Repare que pelo Lema 3.12 a função Fc está bem definida.
Teorema 3.15 A função Fc (x) definida em (3.56) é contı́nua em [a, b] e verifica
Fc (c) = 0.
Dem. O anulamento de Fc em x = c resulta directamente de (3.54). Repare que,
dado x ∈ [a, b], podemos escrever, para valores de h tais que x + h ∈ [a, b],
Z x+h Z x Z x+h Z x+h
Fc (x + h) = f (t) dt = f (t) dt + f (t) dt = Fc (x) + f (t) dt .
c c x x
Concluı́mos, pelo Lema 3.14, que
Z x+h
lim Fc (x + h) = Fc (x) + lim f (t) dt = Fc (x) .
h→0 h→0 x

(o limite anterior deve ser tomado em 0+ (0− ) se x = a (x = b).


3.5. O TEOREMA FUNDAMENTAL DO CÁLCULO 143

De facto, no caso da função f ser contı́nua em [a, b], a função Fc goza de uma
propriedade mais forte que passamos a enunciar.

Teorema 3.16 (Teorema Fundamental do Cálculo) Seja f uma função contı́nua


em [a, b] e seja c ∈ [a, b]. Então a função
Z x
Fc (x) = f (t) dt . (3.57)
c

pertence a C 1 ([a, b]) e verifica

Fc (c) = 0 , Fc0 (x) = f (x) ∀x ∈ [a, b] . (3.58)

Ou seja, Fc é a primitiva de f que se anula em c.

Nota 3.6 Podemos resumir o enunciado do Teorema Fundamental do Cálculo na


forma Z x 
d
f (t) dt (x0 ) = f (x0 ) .
dx a

Dem. Observe que, pelo Lema 3.15, sabemos à partida que Fc é contı́nua e que
Fc (c) = 0. Estudemos a sua diferenciabilidade. Consideremos para tal um ponto
x0 ∈]a, b[ e verifiquemos que
1
lim (Fc (x0 + h) − Fc (x0 )) = f (x0 ) . (3.59)
h→0 h

Utilizando o Lema 3.55 podemos escrever


Z x0 +h Z x0
Fc (x0 + h) − Fc (x0 ) = f (t) dt − f (t) dt =
c c
Z x0 Z x0 +h Z x0 Z x0 +h
f (t) dt + f (t) dt − f (t) dt = f (t) dt .
c x0 c x0

Temos então que a existência do limite (3.59) equivale a


R x0 +h

x0 f (t) dt
lim − f (x0 ) = 0 . (3.60)

h→0 h

Para fixar ideias, vamos supor h > 0. Escrevendo

1 x0 +h
Z
f (x0 ) = f (x0 ) dt
h x0
resulta da desigualdade triangular que
R x0 +h Z
f (t) dt 1 x0 +h 1 x0 +h
Z
x0
− f (x0 ) = f (t) − f (x0 ) dt ≤ |f (t) − f (x0 )| dt

h h x0 h x0


144 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Como f é contı́nua em x0 , dado  > 0, existe δ > 0 tal que

|t − x0 | < δ ⇒ |f (t) − f (x0 )| < 

Se admitirmos 0 < h < δ teremos então


1 x0 +h 1 x0 +h
Z Z
|f (t) − f (x0 )| dt ≤  dt = 
h x0 h x0
o que demonstra (3.60).

O argumento anterior pode serR adaptado ao caso em que x0 é um extremo


x
do intervalo provando que Fc (x) = c f (t) dt tem derivada lateral direita f (a) no
ponto a e derivada lateral esquerda f (b) no ponto b.

Nota 3.7 De um modo geral, sendo f uma função integrável em [a, b] e x ∈ [a, b],
a continuidade à direita (respectivamente à esquerda) de f no ponto x implicará
a existência de derivada lateral à direita (respectivamente à esquerda) de Fc nesse
ponto com Fc0 (x+ ) = f (x) (respectivamente Fc0 (x− ) = f (x)). Em particular, se f
fôr contı́nua em x então Fc será diferenciável em x.

Resulta do Teorema Fundamental do Cálculo o seguinte:

Corolário 3.17 (Regra de Barrow)


Seja f : [a, b] 7→ R uma função contı́nua e seja F : [a, b] 7→ R uma primitiva
de f . Então:
Z b
f (t) dt = F (b) − F (a) . (3.61)
a
Rx
Dem. Considere e função I(x) = F (x) − F (a) e a função H(x) = a f (t) dt.
Ambas as funções são contı́nuas em [a, b], diferenciáveis em ]a, b[. Pelo Teorema
Fundamental do Cálculo e pelas hipóteses sobre F , temos

H 0 (x) − F 0 (x) = f (x) − f (x) = 0 .

Resulta então do Teorema 2.13 que

H(x) − F (x) = C ∀x ∈ [a, b] ,

para algum C ∈ R. Posto que

H(a) = F (a) = 0

podemos concluir que C = 0 (ou H ≡ F ), i.e.


Z x
f (t) dt = F (x) − F (a) ∀x ∈ [a, b] .
a

Tomando em particular x = b na igualdade anterior, concluı́mos (3.61).


3.5. O TEOREMA FUNDAMENTAL DO CÁLCULO 145

Observação: A diferença F (b) − F (a) em (3.61) é representada por [F (x)]ba .

Exemplo 3.24 Considere a função f : [0, 2π] → R,

f (x) = sin(x) .

Trata-se de uma função contı́nua e por isso integrável. Pretendemos determinar a


área A delimitada pelo gráfico de f e pelo eixo das abcissas. Calculamos pois
Z 2π
A= | sin(x)| dx .
0

Tendo em conta a decomposição da função módulo por ramos, escrevemos


Z π Z 2π
A= sin(x) dx + (− sin(x)) dx.
0 π

Observe que esta decomposição permite o aplicação da Regra de Barrow a cada


um dos integrais posto que as funções integrandas são primitivas imediatas. Temos
então: Z π
sin(x) dx = [− cos(x)]π0 = −(−1) + 1 = 2 .
0

Análogamente
Z 2π
(− sin(x)) dx = 2 .
π

Concluı́mos que A = 4.

Exemplo 3.25 Pretende-se calcular a área A do domı́nio plano delimitado pela


condição
x2 ≤ y ≤ x + 6 .
Começemos por observar que a região em causa tem como fronteira superior uma
secção da recta y = x + 6 e como fronteira inferior o arco da parábola y = x2 .
Importa pois determinar os pontos em que ocorre a intersecçaõ dos dois gráficos.
Para tal resolvemos a equação

x + 6 = x2 ou x2 − x − 6 = 0 .

A fórmula resolvente permite determinar as duas soluções x = −2 e x = 3 cor-


respondentes às abcissas dos dois pontos de intersecção. A área A pode pois ser
calculada integrando a diferença h(x) = x + 6 − x2 no intervalo [−2, 3] ou seja
Z 3  3
1 2 2 1
A= x + 6 − x dx = x + 6x − x3 .
−2 2 3 −2
146 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Exemplo 3.26 Considere o quadrado unitário em R2 com vértices (0, 0), (1, 0),

(1, 1) e (0, 1). As curvas y = x e y = x2 dividem o quadrado em três regiões
distintas. Verifiquemos que a área de cada região é de 13 .
Designando por A1 a área delimitada por y = x2 e pelo eixo das abcissas,
temos
1 3 1 1 3 1 3 1
Z 1  
A1 = x2 dx = x = 1 − 0 = .
0 3 0 3 3 3
√ √
Recordando que, para x ∈ [0, 1] se tem x ≥ x2 , a área A2 delimitada por y = x
e y = x2 é dada por
2 3 1 2 1 2 1
Z 1 Z 1
√ √
 
2 2 1
A2 = | x − x | dx = x − x dx = x2 − x = − = .
0 0 3 2 0 3 3 3
Finalmente,calculamos a área A3 delimitada pela função constante igual a 1 (a

aresta superior do quadrado) e por y = x:
2 3 1
Z 1

 
2 1
A3 = |1 − x| dx = x − x 2 =1− = .
0 3 0 3 3
Observe que poderı́amos ter deduzido estas três áreas apenas com o cálculo de

A1 . Com efeito, posto que y = x é uma curva simétrica a y = x2 em relação
à primeira bissectriz (tratam-se de gráficos de funções inversas), é forçoso que
A1 = A2 = 31 . Por outro lado, posto que
1 = A1 + A2 + A3
concluı́mos A3 = 1 − 32 .
Exemplo 3.27 Supondo f contı́nua em [0, +∞[, consideremos a função
Z x2
H(x) = f (t) dt .
0

A função H é diferenciável posto que


Z y
2
H = F (x ) em que F (y) = f (t) dt .
0
Assim
H 0 (x) = F 0 (x2 )2x = f (x2 )2x .
De um modo geral, seja I um intervalo e f : I → R uma função contı́nua em I.
Seja g diferenciável num ponto x tal que g(]x − , x + [) ⊂ I para algum  > 0.
Então, para qualquer c ∈ I a função
Z g(x)
H(x) = f (t) dt,
c

é diferenciável em x e
H 0 (x) = f (g(x))g 0 (x) .
3.5. O TEOREMA FUNDAMENTAL DO CÁLCULO 147

Observe que o domı́nio de uma expressão integral de tipo


Z g(x)
f (t) dt
a

é composto pelos x ∈ R tais que

• x pertence ao domı́nio de g

• A função f é integrável no intervalo [min{a, g(x)}, max{a, g(x)}]

Consideremos o seguinte exemplo

Exemplo 3.28 Determinemos o domı́nio D da função definida por


Z ln(x)
1
H(x) = dt .
0 t−1

Naturalmente, temos que admitir que x > 0. Todavia, observe que se ln(x) ≥ 1,
isto é, se x ≥ e, o integral não se encontra definido. O domı́nio da função H é pois
D =]0, e[.

Exercı́cios

1. Verifique, sem recorrer ao Teorema Fundamental do Cálculo, que no caso de


uma função constante f ≡ K se tem
Z x 
d
K dt (x0 ) = K .
dx a

2. Utilizando o Teorema Fundamental do Cálculo, justifique que


Z a
2
x2 dx = a3 .
−a 3

3. Calcule a área da região delimitada pela função f : [−2, 2] → R definida por

f (x) = 1 − x2

e o eixo das abcissas (tenha em conta que f troca de sinal).


148 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

4. Calcule Z 1 p
1 − x2 dx
−1

de dois modos. Observando que se trata da área de um semi-cı́rculo. Usando


a regra de Barrow (recorde os exercı́cios 5 e 6 da secção 3.3.2).

5. Calcule
Z 1
2 p
1 − x2 dx .
−1

6. Considere Z sin(x2 )
F (x) = arcsin(t) dt.
0

Verifique que
F 0 (x) = 2x3 cos(x2 ) .

7. Considere a função
Z x3
1
H(x) = dt .
x2 1 + t2
Mostre que
Z x3 Z x2
1 1
H(x) = dt − dt .
0 1 + t2 0 1 + t2
Utilizando esta igualdade e o Teorema Fundamental do Cálculo, calcule
H 0 (x).

8. Calcule explı́citamente a função H do exercı́cio anterior.

3.6 Outros Teoremas do Cálculo Integral


Nesta secção consideraremos outros resultados relevantes no quadro do integral de
Riemann.

Teorema 3.18 (Teorema do Valor Médio do Cálculo Integral)


Seja f uma função contı́nua em [a, b]. Então existe c ∈]a, b[ tal que
Z b
f (c)(b − a) = f (x) dx. (3.62)
a

Dem. Considere a função auxiliar


Z b
H(x) = f (x)(b − a) − f (s) ds .
a
3.6. OUTROS TEOREMAS DO CÁLCULO INTEGRAL 149

Trata-se de uma função contı́nua em [a, b]. No caso de f ser constante, temos
H ≡ 0. Em particular concluı́mos (3.62). Supondo agora que f não é constante,
temos, para números reais m < M e xm , xM ∈ [a, b]

m ≤ f (x) ≤ M , f (xm ) = m e f (xM ) = M .

Pelo Teorema 3.9 (utilizando as funções constantes m e M ) temos a seguinte


estimativa:
Z b Z b Z b
m(b − a) = m dx < f (x) dx < M dx = M (b − a)
a a a

(o facto das desigualdades acima serem estritas resulta de f ser contı́nua e não
constante). Assim
H(xm ) < 0 e H(xM ) > 0 .
Resulta então do Teorema do Valor Intermediário a existência de c compreendido
entre xm e xM tal que H(c) = 0, i.e.
Z b
f (c)(b − a) − f (x) dx = 0 ,
a

o que equivale a (3.62).

O Teorema 3.62 também pode ser demonstrado recorrendo ao Teorema Rx do Va-


lor Médio de Lagrange, bastando para tal aplicá-lo à função F (x) = a f (s)ds no
intervalo [a, b] e utilizando o Teorema Fundamental do Cálculo no cálculo de F 0 .
Deixamos esta demonstração simples ao cuidado do leitor.

Teorema 3.19 (Teorema da Mudança de Variável no Integral.)


Seja
x(t) : [a, b] 7→ [c, d]
uma função diferenciável em [a, b] com x0 (t) contı́nua em [a, b]. Seja f uma função
contı́nua em [c, d]. Então
Z x(b) Z b
f (x) dx = f (x(t))x0 (t) dt . (3.63)
x(a) a

Dem. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo (Teorema 3.16), podemos considerar


uma primitiva F de f . Temos então que F (x(t)) é uma função diferenciável em
]a, b[ e
(F (x(t)))0 = f (x(t))x0 (t) .
Pela regra de Barrow (Corolário 3.17), podemos simultaneamente escrever
Z x(b)
F (x(a)) − F (x(b)) = f (u) du ,
x(a)
150 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES
Z b Z b
F (x(a)) − F (x(b)) = (F (x(t))0 dt = f (x(t))x0 (t) dt .
a a
O teorema resulta das igualdades anteriores.

Vejamos uma aplicação deste resultado.

Exemplo 3.29 Cálculo da área de uma elipse

Recordamos que uma elipse pode ser caracterizada (a menos de uma translação
e de uma rotação no plano) como o conjunto de pontos verificando a relação

x2 y 2
+ 2 = 1, (a ≥ b > 0). (3.64)
a2 b
Os valores a e b constituem os comprimentos dos semi-eixos maior e menor res-
pectivamente. No caso em que a = b a elipse é uma circunferência de raio a. Se
considerarmos a secção da elipse situada no semi-plano superior y ≥ 0 podemos
re-escrever a condição (3.64)

bp 2
y= a − x2 .
a
Assim, a área A0 da semi-elipse superior pode ser calculada pela fórmula
Z a p
b ap 2
Z
b
A0 = a2 − x2 dx = a − x2 dx .
−a a a −a

Observe agora que, por mudança de variável, escrevendo x = a sin(t),


π
Z a Z
b p b 2 p
a2 − x2 dx = a2 − a2 sin(t)a cos(t) dt ,
a −a a − π2

ou Z π
2
A0 = ab cos2 (t) dt .
− π2

Recordando a relação cos2 (t) = 21 (1 + cos(2t)) e integrando, obtem-se


π
A0 = ab ,
2
Concluı́mos então que a área A da elipse definida por (3.64) é

A = 2A0 = πab .

Finalmente, enunciamos o
3.6. OUTROS TEOREMAS DO CÁLCULO INTEGRAL 151

Teorema 3.20 (Teorema de Integração por Partes)


Sejam f e g duas funções diferenciáveis com derivada contı́nua em [a, b]. Então
Z b Z b
0
f (x)g(x) dx = [f (x)g(x)]a −b
f (x)g 0 (x) dx. (3.65)
a a

Dem. O Teorema resulta directamente da fórmula


Z b Z b
0 0
f (x)g(x) + f (x)g (x) dx = (f · g)0 (x) dx = [f (x)g(x)]ba
a a

e das propriedades de linearidade do integral.

Exemplo 3.30 Retomamos o caso do Exemplo 3.12. Pretende-se calcular


Z e
ln(x) dx .
1

Escrevemos
Z e Z e Z e
1
ln(x) dx = [x ln(x)]e1 − x· = (e ln(e) − ln 1) − 1 dx = e − (e − 1) = 1 .
1 1 x 1

Exemplo 3.31 Pretende-se estudar o limite de sucessão


Z π
2
lim ex cos(nx) dx
n→+∞ 0

Fixemos n ∈ N. Efectuando uma integração por partes obtemos


sin(nx) π
Z π   Z π
x2 sin(nx) 2
e cos(nx) = − · 2xex dx
0 n 0 0 n
Observe que  π
sin(nx)
=0
n 0
e que, pelo Teorema do Valor médio do integral, existe cn ∈]0, π[ tal que
Z π
sin(nx) 2 1 2
− · 2xex dx = − · 2π · sin(ncn )2cn ecn
0 n n
1
Trata-se do produto da sucessão infinitésimal an = n pela sucessão limitada
2
bn = −2π · sin(ncn )2cn ecn (recorde que cn ∈ [0, π]) ,
pelo que podemos concluir que
Z π
2
lim ex cos(nx) dx = 0
n→+∞ 0

(Para uma generalização deste resultado, veja o exercı́cio 5 no final da secção.)


152 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Exercı́cios

1. Justifique que existe c ∈]0, 1[ tal que


Z 1p p
1 + x2 dx = 1 + c2 .
0
R1√
Deduza um enquadramento para o valor de 0 1 + x2 dx.

Efectuando a mudança de variável x = sinh(t) e a relação

1 + sinh2 (t)(t) = cosh2 (t) ,

calcule o valor exacto deste integral.

2. Sejam f, g : [a, b] 7→ R funções tais que f é contı́nua e g é integrável e não muda


de sinal. Mostre que existe c ∈ [a, b] tal que
Z b Z b
f (x)p(x) dx = f (c) p(x) dx
a a

3. (a) Seja f : R 7→ R uma função contı́nua e par. Utilizando uma mudança de


variável, mostre que, para todo o a > 0,
Z 0 Z a
f (x) dx = f (x) dx
−a 0

(b) Seja f : R 7→ R uma função contı́nua e ı́mpar. Utilizando uma mudança


de variável, mostre que, para todo o a > 0,
Z 0 Z a
f (x) dx = − f (x) dx
−a 0
Ra
e conclua que −a f (x) dx = 0.

(c) Seja f : R 7→ R uma função contı́nua e periódica de perı́odo T . Utilizando


uma mudança de variável, mostre que, para todo o a ∈ R,
Z T Z a+T
f (x) dx = f (x) dx
0 a
Z π
4. Calcule cos2 (nx) dx (n ∈ N) efectuando uma integração por partes e utili-
0
zando a fórmula fundamental da trigonometria.
3.7. APLICAÇÕES DO CÁLCULO INTEGRAL 153

5. Seja f : [0, π] 7→ R uma função de classe C 1 . Utilizando uma integração por


partes, mostre que

π π
f (0) (−1)n f (π) 1
Z Z
sin(nx)f (x) dx = − + f 0 (x) cos(nx) dx
0 n n n 0

Utilizando a igualdade anterior e uma majoração adequada do módulo de


cada parcela do segundo membro, mostre que
Z π
lim sin(nx)f (x) dx = 0
n→∞ 0

3.7 Aplicações do Cálculo integral


3.7.1 Volume de sólidos de revolução
Nesta secção iremos determinar fórmulas que permitem o cálculo do volume de
um sólido gerado pela rotação de uma região limitada em torno de um eixo. Ge-
ralmente suporemos uma região D limitada no referencial cartesiano pelo gráfico
de uma função contı́nua f e por rectas y = 0, x = a e x = b. I.e.

D = {(x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b , 0 ≤ y ≤ f (x)} .

Iremos efectuar a rotação da região D em torno do eixo dos x ou dos y obtendo


deste modo dois sólidos distintos em R3 . Por exemplo: se considerarmos o gráfico
da função constante igual a 3 no intervalo [1, 2], obtemos, por rotação em torno do
eixo das abcissas, um cilindro, com base circular de raio 3 (perpendicular ao eixo
dos x) e altura 1. Se considerarmos agora a rotação do mesmo gráfico em torno
do eixo dos y, o sólido obtido é uma anel circular de espessura 1 e altura 3.
As fórmulas obtidas nesta secção podem ser extrapoladas para outros sólidos
de revolução com as necessárias adaptações (ver exercı́cios).

Volume do sólido gerado por rotação em torno do eixo dos x

A rotação da região D em torno do eixo dos x produz um sólido Rx em R3


cuja secção transversal por um plano x = c (c ∈ [a, b]) é um cı́rculo de raio f (c).
Se considerarmos uma partição P = {x0 = a, x1 , ..., xn−1 , xn = b} podemos
aproximar o volume do sólido Rx somando os volumes dos cilindros Ck gerados
por rotação do segmento

y = f (xk ) , xk ≤ x ≤ xk+1

em torno do eixo dos x. O volume de cada cilindro Ck é dado por

V (Ck ) = Área da base × Altura = πf 2 (xk ) · (xk+1 − xk ) .


154 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Assim o volume aproximante é dado por


n−1
X
πf 2 (xk ) · (xk+1 − xk ) .
k=0

Observe que esta expressão é uma soma de Riemann associada à partição P (veja
Nota 3.28). Sendo f uma função contı́nua, também o é a função πf 2 . Em parti-
cular, πf 2 integrável. Assim, fazendo o diâmetro das partições tender para zero
concluı́mos que o volume V (Rx ) é calculável através da fórmula
Z b
V (Rx ) = πf 2 (x) dx . (3.66)
a

Volume do sólido gerado por rotação em torno do eixo dos y

Consideramos agora o gráfico de uma função contı́nua não negativa definida


num intervalo de tipo [a, b] em que a ≥ 0. A rotação da região D em torno do
eixo dos y produz um sólido Ry em R3 cujo volume pode ser aproximado por anéis
cilı́ndricos.
Se considerarmos uma partição P = {x0 = a, x1 , ..., xn−1 , xn = b} podemos
aproximar o volume do sólido Ry somando os volumes dos aneı́s cilı́ndricos Ak
gerados por rotação de segmentos de tipo
y = f (x∗k ) , xk ≤ x ≤ xk+1
em torno do eixo dos y, em que x∗k é um certo ponto de [xk , xk+1 ]. A escolha de
x∗k será relevante, como veremos abaixo.
O volume de cada anel cilı́ndrico Ak é dado por
V (Ak ) = Base×Alt. = π(x2k+1 −x2k )f (x∗k ) = π(xk+1 +xk )f (x∗k )(xk+1 −xk ) . (3.67)
(na última igualdade utilizámos um caso notável). Precisemos agora o valor de x∗k .
Observe que função
h: x 7→ 2xf (x) − (xk + xk+1 )f (x)
é contı́nua em [xk , xk+1 ]. Temos h(xk ) < 0 < h(xk+1 ) (verifique estas desi-
gualdades recordenado que f ≥ 0). Pelo Teorema do Valor Intermediário existe
ck ∈ [xk , xk+1 ] tal que h(ck ) = 0, ou
2ck f (ck ) = (xk + xk+1 )f (ck ) .
Escolhendo então x∗k = ck em cada subintervalo [xk , xk+1 ], podemos escrever, de
acordo com (3.67),
n−1
X n−1
X
V (Ak ) = 2πx∗k f (x∗k )(xk+1 − xk ) .
k=0 k=0
3.7. APLICAÇÕES DO CÁLCULO INTEGRAL 155

Observe que a fórmula anterior é de facto uma soma de Riemann associada à


função 2πxf (x) e à partição P . Fazendo o diâmetro da partição tender para zero,
teremos então Z b
V (Ry ) = 2πxf (x) dx . (3.68)
a

Exemplo 3.32 (Cálculo do volume de uma esfera de raio R)


A esfera de raio R pode ser obtida por rotação em torno da recta y = 0 da
região p
D = {(x, y) ∈ R2 : −R ≤ x ≤ R , 0 ≤ y ≤ R2 − x2 } .
Aplicando a fórmula (3.66), temos
Z R p Z R
2 4
V = π 2
R −x 2 dx = π (R2 − x2 ) dx = πR3 .
−R −R 3

Exemplo 3.33 (Comparação de volumes)


Pretendemos comparar o volume dos sólido R e R0 obtidos respectivamente
por rotação em torno do eixo dos y das regiões

D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ b , 0 ≤ y ≤ x2 } ,

D0 = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ b , x2 ≤ y ≤ b2 } .
No primeiro caso, utilizamos a fórmula (3.68) e obtemos
Z b
π
V (R) = 2πx · x2 dx = b4 . (3.69)
0 2
No segundo caso obtemos um paraboloide de revolução. Iremos calcular o seu
volume utilizando a fórmula (3.66) adaptando-a obviamente ao facto do eixo em
torno do qual rodamos a região ser o eixo dos y. Para tal, efectuamos a necessária
mudança de variável e descrevemos

D0 = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ b2 , 0 ≤ x ≤ y} .

Aplicando então (3.66), obtemos


b2  b2

Z
0 1 π 4
V (R ) = π( y) dy = π y 2
2
= b .
0 2 0 2
Concluı́mos então que, para todo o b > 0,
π 4
V (R) = V (R0 ) = b .
2
Assim, os dois sólidos têm o mesmo volume. Alternativamente ao cálculo di-
recto de V (R0 ), podemos comparar os volumes utilizando a “complementaridade”
156 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

dos dois sólidos. Observe que R ∪ R0 constitui um cilindro cuja base circular tem
raio b e a altura mede b2 . Além disso,

V (R ∩ R0 ) = 0

pelo que

V (R ∪ R0 ) = V (R) + V (R0 ) − V (R ∩ R0 ) = V (R) + V (R0 ) .

Assim, por (3.69),


π 4
πb4 = b + V (R0 ) ,
2
ou
π 4
V (R0 ) = V (R) = b .
2

Exemplo 3.34 Um toro (mais conhecido por “donut”) é um sólido de revolução


obtido por rotação do cı́rculo

(x − R)2 + y 2 ≤ r2 (r < R)

em torno do eixo das ordenadas. O volume do toro – dobro do volume de rotação


da metade superior do cı́rculo– é-nos pois dado por
Z R+r p
V =2 2πx r2 − (x − R)2 dx
R−r

que, após a mudança de variável x − R = t, pode ser escrito


Z r p
V =2 2π(t + R) r2 − t2 dt
−r

O cálculo de V é simplificado se utilizarmos a linearidade do integral e reconhe-


cermos em Z rp
2 r2 − t2 dt
−r
a área de um cı́rculo de raio r. Conclua este exemplo.

3.7.2 Comprimentos de curvas no plano e no espaço


Começaremos por supor nesta sub-secção que a curva é o gráfico de uma função.
Dada uma função f : [a, b] 7→ R e uma partição P = {x0 = a , x1 , ..., xn = b} de
[a, b], podemos considerar a quantidade
n−1
Xq
CP (f ) = (xk+1 − xk )2 + (f (xk+1 ) − f (xk ))2 (3.70)
k=0
3.7. APLICAÇÕES DO CÁLCULO INTEGRAL 157

como uma aproximação do comprimento do gráfico de f . Trata-se de facto do


comprimento de uma linha poligonal cujos vértices pertencem ao gráfico de f .
De um modo geral, fará sentido falar do comprimento C(f ) do gráfico de f
quando for finito o limite:

C(f ) := lim CP (f ) . (3.71)


δP →0

Este limite pode ser infinito se não colocarmos hipóteses de regularidade sobre
f . Podemos encontrar exemplos de funções contı́nuas num intervalo limitado e
fechado cujos gráficos têm comprimentos infinito.
No entanto, se considerarmos que f é diferenciável e que a sua derivada é
uma função contı́nua em [a, b] então o limite (3.71) é finito. Justifiquemos esta
afirmação.
Dados dois pontos consecutivos de uma partição P , xk e xk+1 , podemos escre-
ver, pelo Teorema do Valor Médio de Lagrange,

f (xk+1 ) − f (xk ) = f 0 (ck )(xk+1 − xk ) .

Substituindo esta expressão em na fórmula (3.70), obtemos


n−1
Xq
CP (f ) = (xk+1 − xk )2 + (f 0 (ck )(xk+1 − xk ))2 =
k=0
n−1
Xq
= 1 + f 0 (ck )2 (xk+1 − xk ) . (3.72)
k=0
q
Observe que (3.72) corresponde a uma soma de Riemann da função h(x) = 1 + f 0 (x)2
associada à partição P . A hipótese que f 0 é contı́nua em [a, b] garante que h é
contı́nua e portanto integrável. Podemos concluir:
Z bq
C(f ) = lim CP (f ) = 1 + f 0 (x)2 dx . (3.73)
δP →0 a

O conjunto das funções com derivada contı́nuam em [a, b] é denotado por C 1 ([a, b])
e f diz-se de classe C 1 em [a, b].
A fórmula anterior pode ser extendida ao caso mais geral do comprimento de
uma curva L parametrizada por funções de classe C 1 ([a, b]), isto é,

L = {(x, y) ∈ R2 : (x, y) = (x(t), y(t)) em que x(t), y(t) ∈ C 1 ([a, b])}.

Nesse caso, teremos que o comprimento C(L) é dado por


Z bq
C(L) = x0 2 (t) + y 0 2 (t) dt (3.74)
a
158 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Se (x(t), y(t)) (t ∈ [a, b]) constituir a lei de movimento de uma partı́cula, então
a fórmula anterior estabelece que o comprimento do seu trajecto é o integral da
norma do vector velocidade (x0 (t), y 0 (t)) como função do tempo.

No caso de uma curva no espaço R3 , a fórmula equivalente é


Z bq
C(L) = x0 2 (t) + y 0 2 (t) + z 0 2 (t) dt (3.75)
a

(com óbvias hipóteses de regularidade sobre as funções componentes x(t), y(t) e


z(t).)

Exemplo 3.35 Considere o gráfico da função

f (x) = x3/2 , x ∈ [0, 1] .

Temos
s 2 r
Z 1q Z 1  Z 1
02
3 1/2 9
C(f ) = 1 + f (x) , dx = 1+ x dx = 1 + x dx.
0 0 2 0 4

A primitiva anterior é imediata posto que podemos escrever, para u(x) = 1 + 49 x


Z 1
8
(3/2) u0 (x)
p
C(f ) = u(x) dx .
27 0

Exemplo 3.36 Considere agora o gráfico da função


1
f (x) = x2 , x ∈ [0, 1] .
2
Temos
Z 1q Z 1q Z 1p
C(f ) = 1+ f 0 2 (x) dx = 1+ f 0 2 (x) dx = 1 + x2 dx .
0 0 0

Observe que este integral não é de cálculo fácil. Este exemplo é em parte justi-
ficativo do aperfeiçoamento das técnicas de integração que iremos abordar numa
próxima secção.

3.7.3 Área de uma superfı́cie de revolução


Nesta sub-secção iremos estabelecer uma fórmula para o cálculo da área de uma
superfı́cie gerada por revolução de um gráfico de uma função f em torno do eixo das
abcissas. Tal como para a noção de comprimento de um gráfico, iremos considerar
3.7. APLICAÇÕES DO CÁLCULO INTEGRAL 159

apenas funções f ∈ C 1 ([a, b]), i.e. funções diferenciáveis com derivada contı́nua
em [a, b].
Começaremos por recordar alguns factos de geometria euclideana. Considere-
mos as secções de um cone de uma folha por dois planos transversais, pararelos
entre si, P1 e P2 . Obtemos duas secções cónicas C1 e C2 em que os cı́rculo da base
têm raio r1 e r2 . Supomos, sem perda de generalidade que r1 < r2 . Naturalmente,
C1 ⊂ C2 . A área das duas superfı́cies são

Ai = πri Li (i = 1, 2) ,

em que Li é o comprimento de um segmento que liga o vértice a um ponto do


cı́rculo da base.
Consideremos o anel cónico C2 \C1 . A área da sua superfı́cie é, utilizando as
regras de semelhança de triângulos,

r2 L1
πL2 r2 − πL1 r1 = πr2 L1 = π (r22 − r12 )
r1 r1
L1
=π (r2 − r1 )(r2 + r1 ) = π(L2 − L1 )(r2 + r1 ) . (3.76)
r1

Consideraremos agora uma função positiva f ∈ C 1 ([a, b]) e uma partição P =


{x0 = a, x1 , ..., xn = b}. Podemos aproximar a área da superfı́cie obtida por
rotação do gráfico de f
y = f (x) , a ≤ x ≤ b,
em torno do eixo dos x. Para tal, somamos as áreas dos anéis cónicos gerados pela
rotação dos segmentos [Pk Pk+1 ] em que Pk = (xk , f (xk )). Escrevemos
n−1
X p
Sp (f ) = π(f (xk ) + f (xk+1 )) (xk+1 − xk )2 + (f (xk+1 ) − f (xk ))2 .
k=0

Utilizando o Teorema do valor médio de Lagrange, teremos, para certos pontos


ck ∈]xk , xk+1 [
n−1
X q
Sp (f ) = π(f (xk ) + f (xk+1 )) (xk+1 − xk )2 + (f 0 2 (ck )(xk+1 − xk )2 ,
k=0

ou
n−1
X q
Sp (f ) = π(f (xk ) + f (xk+1 )) 1 + f 0 2 (ck )(xk+1 − xk ) .
k=0

Embora a soma anterior não seja uma soma de Riemann (dada a ocorrência do
termo (f (xk ) + f (xk+1 ))) o facto de

(f (xk ) + f (xk+1 )) ≈ 2f (ck )


160 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

sugere que a área Sf da superfı́cie de revolução gerada pelo gráfico de f


Z b q
S(f ) := lim Sp (f ) = 2πf (x) 1 + f 0 2 (x) dx. (3.77)
δP →0 a

Iremos justificar esta afirmação (o leitor mais apressado poderá, por ora, saltar
esta parte do texto). Somando e subtraindo a mesma quantidade, temos
n−1
X q
Sp (f ) = 2πf (ck ) 1 + f 0 2 (ck )(xk+1 − xk )
k=0
n−1
X q
+ π(f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )) 1 + f 0 2 (ck )(xk+1 − xk ) (3.78)
k=0

O primeiro somatório é de facto uma soma de Riemann pelo que


n−1
X q Z b q
2
lim 0
2πf (ck ) 1 + f (ck )(xk+1 − xk ) = 2πf (x) 1 + f 0 2 (x) dx .
δP →0 a
k=0

Resta-nos pois demonstrar, tendo em vista (3.77), que o segundo somatório verifica
a propriedade
n−1
X q
lim π(f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )) 1 + f 0 2 (ck )(xk+1 − xk ) = 0 . (3.79)
δP →0
k=0

Utilizando o Teorema de Lagrange, começamos por escrever:


|f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )| ≤ |f (ck ) − f (xk )| + |f (xk+1 ) − f (ck )| =
|f 0 (αk )|(ck − xk ) + |f 0 (βk )|(xk+1 − ck ) . (3.80)
Recorde que, por hipótese, f 0 é contı́nua em [a, b] sendo em particular limitada.
Denotemos
L = max |f 0 (x)| .
x∈[a,b]

Deduzimos de (3.80) a estimativa


|f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )| ≤ L|xk+1 − xk | ≤ LδP (3.81)
Obtemos então

n−1 q
X
π(f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )) 1 + f 0 2 (ck )(xk+1 − xk ) ≤



k=0
n−1
X
q
π(f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )) 1 + f 0 2 (ck ) (xk+1 − xk ) ≤


k=0
n−1
X p p
πLδP 1 + L2 (xk+1 − xk ) = πL 1 + L2 (b − a)δP . (3.82)
k=0
3.7. APLICAÇÕES DO CÁLCULO INTEGRAL 161

(na primeira desigualdade utilizámos propriedades clássicas do módulo; na se-


gunda desiguladade utilizámos (3.81); a igualdade final resulta de uma simples
factorização no somatório). Em particular, concluı́mos
n−1 q
X
2
lim π(f (xk ) + f (xk+1 ) − 2f (ck )) 1 + f 0 (ck )(xk+1 − xk ) = 0 .

δP →0
k=0

O que justifica (3.79) e portanto a fórmula (3.77) para as áreas de superfı́cies de


revolução.

Exemplo 3.37 Comecemos por re-obter a fórmula da área da superfı́cie de uma


secção cónica de altura H. Consideremos o segmento no plano cartesiano
0≤x≤H, y = kx .
A área do cone gerado pela rotação deste segmento em torno do eixo dos x é,
segundo (3.77),
Z H p p Z H p
S= 2
2πkx 1 + k dx = 2πk 1 + k 2 x dx = πk 1 + k 2 H 2 .
0 0
Observe que esta quantidade pode ser escrita
S = πlr

em que l = 1 + k 2 H é o comprimento do segmento da geratriz e r = kH é o raio
da base.
Exemplo 3.38 (Superfı́cie da esfera de raio r) A superfı́cie esféria de raio r pode
ser gerada por rotação em torno do eixo dos x do arco
p
y = r 2 − x2 −r ≤ x ≤ r.
Aplicando a fórmula (3.77) obtemos então
s 2 Z r p r
Z r p
r2

2 2
−x 2 2
S= 2π r − x 1 + √ = 2π r − x =
−r r 2 − x2 −r r 2 − x2
Z r
= 2πr 1 dx = 4πr2 . (3.83)
−r

Exemplo 3.39 Considera-se a superfı́cie gerada pela rotação da curva


1
y = x2 , 0 ≤ x ≤ 1.
2
A aplicação da fórmula (3.77) estabelece que a sua área é dada por
Z 1 p
S= πx2 1 + x2 .
0
No entanto, o integral acima não é de cálculo imediato necessitando a mudança de
variável x(t) = sinh(t). Deixamos como exercı́cio a conclusão deste exemplo.
162 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

3.8 Complementos de técnicas de primitivação


Nesta secção complementar apresentamos técnicas de primitivação que se aplicam
a potências de funções trigonométricas.

3.8.1 Primitivas de potências do seno e do coseno


Iremos nesta sub-secção estabelecer exemplos que permitem o cálculo de expressões
de tipo
Z Z Z Z
cosm (x) dx , sinn (x) dx , sinn (x) cosm (x) dx e sin(nx) cos(mx) dx

com m, n ∈ N. Comecemos por recordar as fórmulas de duplicação

cos(2x) = 2 cos2 (x) − 1 = 1 − 2 sin2 (x) .

Podemos pois escrever


1 1 1 1
cos2 (x) = + cos(2x) e sin2 (x) = − cos(2x) ,
2 2 2 2
e concluı́mos
Z
x 1
cos2 (x) dx =
+ sin(2x) + C , (3.84)
2 4
Z
x 1
sin2 (x) dx = − sin(2x) + C . (3.85)
2 4
Um caso simples é o cálculo de
Z
sinn (x) cosm (x) ,

quando m ou n são ı́mpares. Veja-se o seguinte exemplo


Z
sin4 (x) cos5 (x) dx .

Neste caso, decompõe-se a parcela de potência ı́mpar na forma

cos5 (x) = cos4 (x) cos(x)

de modo que
Z Z Z
2
sin (x) cos (x) dx = sin (x) cos (x) cos(x) dx = u4 (1 − u2 )2 u0 (x) dx
4 5 4 2

em que u(x) = sin(x). Note que utilizámos a relação fundamental

cos2 (x) = 1 − sin2 (x) .


3.8. COMPLEMENTOS DE TÉCNICAS DE PRIMITIVAÇÃO 163

Esta primitiva é imediata tendo em conta

u4 (1 − u2 )2 u0 = (u4 − 2u6 + u8 ) u0 .

Obtemos deste modo


Z
1 2 1
sin4 (x) cos5 (x) dx = sin5 (x) − sin7 (x) + sin9 (x) + C .
5 7 9

Consideremos agora o seguinte exemplo (com m e n pares):


Z
I = sin2 (x) cos4 (x) dx .

Utilizando a relação fundamental da trigonometria, escrevemos


Z Z Z
I = (1 − cos (x)) cos (x) dx = cos (x) dx − cos6 (x) dx .
2 4 4

Calculemos agora separadamente as duas integrais indefenidas obtidas.


Z Z Z  2
4 2 2 1 1
cos (x) dx = (cos (x)) dx = + cos(2x) dx
2 2
Z
1 1 1
= + cos(2x) + cos2 (2x) dx.
4 2 4
Por (3.84) podemos escrever:
Z  
4 1 1 1 1 1
cos (x) dx = x + sin(2x) + · · x + sin(4x) + C (3.86)
4 4 4 2 4
Temos
Z Z Z  3
6 2 3 1 1
cos (x) dx = (cos (x)) dx = + cos(2x) dx =
2 2
Z
1
1 + 3 cos(2x) + 3 cos2 (2x) + cos3 (2x) dx
8
Observando que
Z Z
1 1
cos (2x) dx = (1 − sin2 (2x)) cos(2x) dx = sin(2x) − sin3 (2x) + C
3
2 6
concluı́mos
Z
cos6 (x) dx =
   
x 3 3 1 1 1 1 3
+ sin(2x) + x + sin(4x) + sin(2x) − sin (2x) + C (3.87)
8 16 16 4 8 2 6
164 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

Podemos pois concluir de (3.86)–(3.87) que

1 1 1
I= x− sin(4x) + sin3 (2x) + C .
16 64 48
De um modo geral, a primitivação de produtos de potências de senos e cosenos
utiliza os procedimentos dos dois exemplos anteriores. Como deve ter observado,
os cálculos não são difı́cieis embora sejam por por vezes longos. Actualmente
existem programas informáticos como o Mathematica que efectuam o cálculo de
primitivas. Assim, julgamos importante que o estudante de análise tenha uma
noção dos métodos sem insistirmos demasiado no virtuosismo técnico de certas
primitivas.

Concluı́mos esta secção com primitivas de tipo


Z Z Z
sin(ax) cos(bx) dx , cos(ax) cos(bx) dx , sin(ax) sin(bx) dx a, b ∈ R .

As primitivas são facilmente resolúveis se considerarmos as transformações:


1
sin(α) cos(β) = (sin(α − β) + sin(α + β)) , (3.88)
2
1
sin(α) sin(β) = (cos(α − β) − cos(α + β)) , (3.89)
2
1
cos(α) cos(β) = (cos(α − β) + cos(α + β)) . (3.90)
2
Veja-se o seguinte exemplo.
Z
I = sin(7x) cos(3x) dx .

Utilizando (3.88), escrevemos


Z
1 1 1
I= (sin(4x) + sin(10x)) dx = − cos(4x) − cos(10x) + C .
2 8 20

3.8.2 Primitivas de potências da tangente e da secante


Começemos por recordar

sin(x) 1
tan(x) = e sec(x) = .
cos(x) cos(x)

Primitivemos as expressões
Z Z
tan(x) dx e sec(x) dx .
3.8. COMPLEMENTOS DE TÉCNICAS DE PRIMITIVAÇÃO 165

Temos, denotando cos(x) = u(x),


Z Z Z 0
sin(x) u (x)
tan(x) dx = dx = − dx
cos(x) u(x)
donde concluı́mos
Z
tan(x) dx = − ln(| cos(x)|) + C = ln(| sec(x)|) + C (3.91)

De modo a primitivar a secante, começemos por estabelecer a primitiva auxiliar


 
|1 + x|
Z Z
1 1 1 1 1
dx = + dx = ln +C (3.92)
1 − x2 2 1+x 1−x 2 |1 − x|
Escrevemos então
Z Z Z
cos(x) cos(x)
sec(x) dx = dx = dx .
cos2 (x) 1 − sin2 (x)
Observe que o último integrando é da forma
u0
1 − u2
pelo que, por (3.92),
Z  
1 1 + sin(x)
sec(x) dx = ln + C = ln | sec(x) + tan(x)| + C .
2 1 − sin(x)
(Justifique as igualdades).

No caso de potências de ordem 2 temos as primitivas imediatas


Z Z
2 1
sec (x) dx = dx = tan(x) + C
cos2 (x)
e Z Z
2 1
tan (x) dx = − 1 dx = tan(x) − x + C .
cos2 (x)
Para potências de ordem superior, o cálculo da primitiva faz-se através de fórmulas
de recorrência. Isto é, exprimendo a primitiva da potência de ordem n da secante
ou da tangente como função de primitivas de potências de ordem inferior.

Consideremos o caso
Z
tann (x) dx (n ∈ N, n ≥ 2) .

Pela fórmula fundamental da trigonometria (2.9), escrevemos


  Z
n n−2 1 n−2 0
tan (x) = tan (x) − 1 = tan (x)(tan(x)) − tann−2 (x)
cos2 (x)
166 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES

e concluı́mos
Z Z
1
tann (x) dx = tann−1 (x) − tann−2 (x) dx . (3.93)
n−1

No caso de primitivas da potências da secante, temos a fórmula, para n ∈ N, n ≥ 2

n−2
Z Z
n 1 n−2
sec (x) dx = sec (x) tan(x) + secn−2 (x) dx (3.94)
n−1 n−1

Convidamos o leitor a verificar esta fórmula. Escreva

secn (x) = secn−2 (x)(tan(x))0 ,

integre por partes e deduza


Z Z Z
secn (x) dx = secn−2 (x) tan(x) − (n − 2) secn (x) dx + (n − 2) secn−2 (x) dx.

Uma simples manipulação algébrica deve conduzi-lo a (3.94).

Terminamos esta secção com exemplos de cálculos de primitivas de produtos


de potências da secante e da tangente. Comecemos por recordar, para além da
fórmula (2.9) (1 + tan2 (x) = sec2 (x)), as derivadas

(tan(x))0 = sec2 (x) e (sec(x))0 = sec(x) tan(x) .

Exemplo 3.40 (produto de potências pares) Pretendemos calcular


Z
I= tan2 (x) sec4 (x) dx

Escrevemos Z
I= tan2 (x)(1 + tan2 (x)) sec2 (x) dx .

Observe que a integral indefinida é da forma


Z
u2 (x)(1 + u2 (x))u0 (x) dx ,

em que u(x) = tan(x). Assim


Z
1 1
tan2 (x) sec4 (x) dx = tan5 (x) + tan3 (x) + C .
5 3
3.8. COMPLEMENTOS DE TÉCNICAS DE PRIMITIVAÇÃO 167

Exemplo 3.41 (produto de potências ı́mpares) Pretendemos calcular


Z
I = tan3 (x) sec3 (x) dx

Escrevemos Z
I= tan2 (x) sec2 (x)(tan(x) sec(x)) dx .

Observando que tan2 (x) = sec2 (x) − 1, temos


Z Z
tan (x) sec (x) dx = (u2 (x) − 1)u2 (x)u0 (x) dx ,
3 3

em que u(x) = sec(x). Concluı́mos que a primitiva pretendida é da forma


1 1
sec5 (x) − sec3 (x) + C .
5 3

Exemplo 3.42 (produto misto de potências) Calculemos


Z
I = tan2 (x) sec(x) dx .

Escrevendo tan2 (x) = sec2 (x) − 1, obtemos


Z Z Z
2 3
tan (x) sec(x) dx = sec (x) dx − sec(x) dx .

Calculemos os integrais do segundo membro utilizando os resultados desta secção.


Temos Z Z
3 1 2 1
sec (x) dx = sec (x) tan(x) + sec(x) dx .
2 2
Pelo que
Z
1 2 1
I = sec (x) tan(x) − sec(x) dx =
2 2
1 1
sec2 (x) tan(x) − ln(sec(x) + tan(x)) + C .
2 2
168 CAPÍTULO 3. O INTEGRAL E SUAS APLICAÇÕES
Capı́tulo 4

Complementos de Derivação e
Integração

4.1 A fórmula de Taylor


4.1.1 O polinómio de Taylor
Nesta secção abordaremos a questão da aproximação local de funções “suaves” por
polinómios. Tal deve ser encarado como uma extensão da fórmula
r1 (x − a)
f (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + r1 (x − a) , em que lim = 0,
x→a x−a
válida quando a função f está definida numa vizinhança de a e é diferenciável
nesse ponto. Neste caso, a função

p1 (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a)

constitui “a melhor” aproximação linear perto de a, dadas as propriedades infinite-


simais do erro |r1 (x − a)|. No caso em que a função f admite sucessivas derivadas
até à ordem n numa vizinhança de a temos o seguinte resultado.

Teorema 4.1 (Fórmula de Taylor de ordem n)


Seja f uma função definida num intervalo aberto I e seja a ∈ I. Suponha que
f é (n − 1) vezes contı́nuamente diferenciável em I e que f n−1 é diferenciável em
a. Então
f 00 (a) f (n) (a)
f (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + (x − a)2 + ... + (x − a)n + rn (x − a) (4.1)
2! n!
e o resto rn verifica a propriedade
rn (x − a)
lim = 0. (4.2)
x→a (x − a)n

169
170CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Dem. Escrevemos

rn (x − a) = f (x) − pn (x) , (4.3)


em que

f 00 (a) f (n)
pn (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + (x − a)2 + ... + ! (a)(x − a)n .
2! n
Observe que o polinómio pn goza da seguinte propriedade

pn (a) = f (a) , p0n (a) = f 0 (a) , p00n (a) = f 00 (a), (...) , pn(n) = f (n) (a) . (4.4)

Ou seja, o valor de pn e as suas sucessivas derivadas no ponto a até à ordem n


coincidem, respectivamente, com o valor de f e as derivadas homólogas de f no
mesmo ponto. Para calcular
rn (x − a)
lim
x→a (x − a)n

utilizemos a regra de Cauchy (verifique que estamos nas condições de aplicabilidade


da regra). Derivando sucessivamente nominador e denominador, obtemos, a partir
de (4.3),

rn (x − a) f (x) − pn (x)
n
= ,
(x − a) (x − an )
f 0 (x) − p0a (x)
,
n(x − a)n−1
f 00 (x) − p00a (x)
,
n(n − 1)(x − a)n−2

(...)

f (n−1) (x) − [f (n−1) (a) + f n (a)(x − a)]


. (4.5)
n!(x − a)

Repare que, da hipótese de diferenciabilidade de f (n−1) em a, resulta que

f (n−1) (x) − [f (n−1) (a) + f (n) (a)(x − a)]


lim = 0.
x→a (x − a)

Concluı́mos então, pela regra de Cauchy,

rn (x − a) f (n−1) (x) − [f (n−1) (a) + f (n) (a)(x − a)]


lim = (...) = lim = 0.
x→a (x − a)n x→a n!(x − a)
4.1. A FÓRMULA DE TAYLOR 171

Nota 4.1 (Unicidade do polinómio de Taylor)


A condição sobre o resto
f (x) − pn (x)
lim = 0,
x→a (x − a)n

define o polinómio pn (x). Quer isto dizer que se p(x) é um polinómio de grau n
tal que
f (x) − p(x)
lim = 0,
x→a (x − a)n

é forçoso que
p(x) = pn (x) .
Justifiquemos a afirmação. Necessariamente

p(x) − pn (x) p(x) − f (x) f (x) − pn (x)


lim n
= lim n
+ lim = 0. (4.6)
x→a (x − a) x→a (x − a) x→a (x − a)n

Escrevendo

p(x) = b0 + b1 (x − a) + b2 (x − a)2 + ... + bn (x − a)n ,

tem-se
!
p(x) − pn (x) b0 − f (a) b1 − f 0 (a) f (n) (a)
n
= n
+ + ... + bn − .
(x − a) (x − a) (x − a)n−1 n!

Assim, o limite (4.6) impõe

f (n) (a)
b0 − f (a) = 0 , ... , bn − =0
n!
como querı́amos justificar.

Este facto extende a propriedade de unicidade da recta tangente num ponto


do gráfico de uma função diferenciável a uma classe de polinómios aproximantes.
O polinómio pn (x) é designado por polinómio de Taylor de ordem n e
constitui-se como o único polinómio de grau menor ou igual a n verificando
a propriedade (4.2). Observe que, se para n ≥ 1 tivermos f (n) (a) = 0 e f (n−1) (a) 6=
0, então o polinónimo de Taylor de ordem n será de facto um polinómio de grau
n − 1. No caso em que a = 0 também designamos o polinómio de Taylor por
polinómio de MacLaurin.

Exemplo 4.1 (polinómio de MacLaurin da função exponencial)


Posto que as sucessivas derivadas da função f (x) = ex verificam, para todo o
n ∈ N a relação
f (n) (x) = ex ,
172CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

tem-se
f (n) (0) = 1 ∀n ∈ N .

Assim
x2 xn
pn (x) = 1 + x + + .... + .
2! n!
Alternativamente, escrevemos

x2 xn
ex ≈ 1 + x + + .... + .
2! n!

O leitor poderá verificar a correção dos seguintes polinómios de MacLaurin:

1 3 1 (−1)n+1 2n−1
sin(x) ≈ x − x + x5 − .... + x (n ∈ N), (4.7)
3! 5! (2n − 1)!

1 2 1 (−1)n 2n
cos(x) ≈ 1 − x + x4 − .... + x (n ∈ N ∪ {0}) . (4.8)
2! 4! (2n)!

x2 x3 xn
ln(1 + x) ≈ x − + − .... + (−1)n+1 (n ∈ N). (4.9)
2 3 n

Dada um polinómio p denotamos Pn (p(x)) o polinómio que se obtem de p por


eliminação dos monómios de grau estritamente maior que n. Por exemplo

P3 (1 + x + x2 + x3 + x4 ) = 1 + x + x2 + x3 .

O lema seguinte é um precioso auxiliar no cálculo do polinómio de Taylor de


diverso tipo de funções.

Lema 4.2

(a) Sejam f e g funções nas condições do Teorema 4.1 e sejam pn e qn os


respectivos polinómios de Taylor em a. Então pn + qn e Pn (pn · qn ) são respectiva-
mente os polinómios de Taylor de ordem n de (f + g) e (f · g) no ponto a.

(b) Seja f uma função (n − 1) vezes contı́nuamente diferenciável num inter-


valo aberto I e seja a ∈ I. Analogamente, suponha g (n − 1) vezes contı́nuamente
diferenciável num intervalo aberto J tal que f (a) ∈ J. Também supomos que f n−1
g n−1 são ambas diferenciáveis em a e f (a) respectivamente. Sejam pn e qn os
respectivos polinómios de Taylor em a e f (a). Então o polinómio Pn (pn ◦ qn ) é o
polinómio de Taylor de ordem n de f ◦ g no ponto a.
4.1. A FÓRMULA DE TAYLOR 173

(c) Nas condições do do Teorema 4.1, o polinómio qn−1 (x) = p0n (x) é o po-
linómio de Taylor de ordem (n − 1) de f 0 e
Z x
qn+1 (x) = c + pn (t) dt
a

é o polinómio de Taylor de ordem n + 1 da primitiva F de f que verifica F (a) = c.

Dem. A justificação deste lema consiste na verificação das seguintes igualdades

(pn + qn )(j) (a) = (f + g)(j) (a) ,

(pn · qn )(j) (a) = (f · g)(j) (a) ,


(pn ◦ qn )(j) (a) = (f ◦ g)(j) (a) ∀j = 0, 1, ...n .
(i) (j)
qn−1 = (f 0 )(i) qn+1 (a) = F (j) (a) i = 0, ..., n − 1; j = 0, 1, ..., n + 1
que deixaremos ao cuidado do leitor.

Exemplo 4.2 Pretendemos calcular o polinómio de MacLaurin de ordem 3 da


função
h(x) = 2 sin(x) cos(x) .
Escrevemos
x3 x2 x4
sin(x) ≈ x − , cos(x) ≈ 1 − + .
6 2 4!
Assim
x3 x2 x3 x3 3x5
     
h(x) ≈ P3 2 x − 1− = 2P3 x − − + .
6 2 2 6 12
Assim, o polinómio de MacLaurin de ordem 3 de h(x) é
4
p3 (x) = 2x − x3 .
3
3
Observe no entanto que o polinómio x − x6 utilizado no desenvolvimento do seno
também constitui o polinómio de Taylor de ordem 4 da função seno, uma vez que,
neste caso, o coeficiente de x4 é dado por sin(0)/4! = 0. Assim, o polinómio p3 (x)
calculado para a função h também fornece o polinómio de Taylor de ordem 4, i.e.
4
p4 (x) = p3 (x) = 2x − x3 .
3
Exemplo 4.3 Pretendemos agora recalcular o polinómio de Taylor do exemplo
anterior escrevendo
h(x) = sin(2x) .
Temos, por aplicação da lei de composição
(2x)3 4
sin(2x) ≈ (2x) − = 2x − x3 .
6 3
174CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Exemplo 4.4 (Levantamento de indeterminações em limites)

Pretendemos estudar o limite


sin(x)(ex − 1)
lim .
x→0 cos(x) − 1

Escrevemos
1 1
sin(x)(ex − 1) = (x − x3 + r3 (x))(1 + x + x2 + r2 (x) − 1) = x2 + r(x) .
6 2
em que, no último membro, a expressão r(x) é da forma
 
1 2 1 3
r(x) = x x + r2 (x) − x + r3 (x) .
2 6
Em particular
r(x)
lim
= 0.
x2x→0
Análogamente, escrevemos o denominador
x2 x2
cos(x) − 1 = 1 − + r2 (x) − 1 = − + r2 (x) .
2 2
(Abusivamente, utilizámos a expressão r2 (x) para designar restos distintos que
contudo, verificam lim r2 (x)/x2 = 0). Assim
x→0

sin(x)(ex − 1) x2 + r(x) 1 + r(x)/x2


lim = lim = lim = −2 .
x→0 cos(x) − 1 x→0 −x2 /2 + r2 (x) x→0 −1/2 + r2 (x)/x2

Exercı́cios

1. Verifique que
tan(x) = x + r(x) .
em que lim r(x)/x = 0. Calculando a segunda derivada da tangente no
x→0
ponto 0, confirme que, de facto, se tem

lim r(x)/x2 = 0 .
x→0

2. Verifique que
1
arctan(x) = x − x3 + r4 (x)
3
em que lim r4 (x)/x4 = 0.
x→0
4.1. A FÓRMULA DE TAYLOR 175

3. Calcule os polinómios de Maclaurin de ordem 6 das seguintes funções

cos(2x) ; sin(x2 ) .

(utilize a lei de composição).

4. Calcule o polinómio de MacLaurin de ordem 2 de e2x (ou (ex )2 ) de dois modos


distintos: substituindo (2x) num polinómio p(x) conveniente; desenvolvendo
(p(x))2 .

5. Calcule o polinómio de Maclaurin de ordem 5 da função


Z x
2
H(x) = e−t dt
0

6. Verique que
ln(1 + x) sin(2x)
lim = 2.
x→0 sin(x2 )

4.1.2 Representação do resto e estimativas de erro


Procuraremos agora obter estimativas sobre o resto rn (x−a) da fórmula de Taylor.
Dito de outro modo: pretendemos controlar o erro cometido quando se utiliza o
valor aproximado pn (x) em vez do valor exacto fa (x). Para tal, introduzimos a
noção de condição de Lispschitz.

Definição. Seja I um intervalo. Diremos que f : I → R verifica a condição de


Lipschitz se existir uma constante K > 0 tal que

∀ x, y ∈ I |f (x) − f (y)| ≤ K|x − y| . (4.10)

K é designada por constante de Lipschitz para a função f no intervalo I. Repare


que, caso se verifique a condição (4.10) para uma certa constante K, qualquer
constante K1 tal que K1 ≥ K também é constante de Lipschitz para f no intervalo
I. As funções que verificam (4.10) são designadas por funções “lispzchitzianas em
I”.

Exemplo 4.5 Suponha f contı́nua em [a, b], diferenciável em ]a, b[ tal que

|f 0 (x)| ≤ L , ∀x ∈]a, b[.

Então f verifica a condição de Lipschitz com constante L. Com efeito, pelo teorema
do valor médio de Lagrange:

f (x) − f (y)
= |f 0 (c)| para algum c ∈]x, y[⊂]a, b[
x−y
176CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

(supusemos x < y). Assim

|f (x) − f (y)| = |f 0 (c)||x − y| ≤ L|x − y| ∀ x, y ∈ [a, b] .

Neste caso, determinar uma constante de Lipschitz consite em determinar um valor


L tal que
L ≥ sup |f 0 (x)| .
[a,b]

Exemplo 4.6 Considere a função f (x) definida no intervalo [0, 1]. Posto que

|f 0 (x)| = |2x| < 2 , ∀x ∈]0, 1[

temos que L = 2 é uma constante de Lipschitz para f em [0, 1].

Exemplo 4.7 Recordamos a seguinte propriedade dos módulos

| |x| − |y| | ≤ |x − y| , ∀ x, y ∈ R .

Concluı́mos que a função f (x) = |x| é lipschitiziana em R com constante de Lips-


chitz K = 1.

Temos então o seguinte resultado que permite quantificar o erro cometido


quando utilizamos o polinómio de Taylor para obter um valor aproximado de uma
função f .

Teorema 4.3 Seja f uma função definida num intervalo aberto I e seja a ∈ I.
Suponha que f é n vezes contı́nuamente diferenciável em I e que f (n) verifica a
condição de Lipschitz em I com constante L. Então
L
|f (x) − pn (x)| ≤ |x − a|n+1 , (4.11)
(n + 1)!
em que pn é o polinómio de Taylor de grau n.

Dem. Iremos justificar os casos n = 1 e n = 2. Os casos seguintes constituem


uma adaptação simples dos argumentos que iremos utilizar. Comecemos com o
caso n = 1. Escrevemos

f 0 (t) = f 0 (a) + (f 0 (t) − f 0 (a)).

Integrando ambos os membros da equação entre a e x ∈ I fixado, obtemos


Z x Z x Z x
0 0
f (t) dt = f (a) dt + (f 0 (t) − f 0 (a)) dt . (4.12)
a a a

Assim, pelo Teorema Fundamental do Cálculo,


Z x
0
f (x) − f (a) = f (a)(x − a) + (f 0 (t) − f 0 (a)) dt .
a
4.1. A FÓRMULA DE TAYLOR 177

ou Z x
0
f (x) = f (a) + f (a)(x − a) + (f 0 (t) − f 0 (a)) dt .
a
Assim se evidencia que a aproximação de f pela aplicação linear f (a)+f 0 (a)(x−a)
produz um erro de Z x
|r1 (x)| = (f 0 (t) − f 0 (a)) dt .

a
Procuremos quantificar este erro. Supondo x > a, temos, por (3.11) e pela condição
de Lipschitz em L
Z x Z x
(f 0 (t) − f 0 (a)) dt ≤ |f 0 (t) − f 0 (a)| dt ≤


a a
Z x
L
L|t − a| dt = (x − a)2 . (4.13)
a 2
A mesma estimativa vale se tomarmos x < a (atente às necessárias trocas de sinal).

Repare que no caso n = 2, procedendo de modo análogo a partir da igualdade

f 00 (s) = f 00 (a) + (f 00 (s) − f 00 (a)),

obterı́amos, por integração entre a e t


Z t Z t
f 00 (s) ds = f 00 (a) + (f 00 (s) − f 00 (a)) ds ,
a a
ou
f 0 (t) = f 0 (a) + f 00 (a)(t − a) + h1 (t) . (4.14)
em que Z t
h1 (t) = f 00 (s) − f 00 (a) ds
a
é uma função contı́nua –logo integrável– verificando, à semelhança de (4.13),
Z t
L
|h1 (t)| = L|s − a| ds ≤ (t − a)2 .

(4.15)
a 2
Assim, uma integração da igualdade (4.14) permite-nos escrever
f 00 (a)
Z x
0 2
f (x) = f (a) + f (a)x + (x − a) + h1 (t) dt ,
2 a

em que, por (4.15),


Z x Z x
L L
|x − a|3 = |x − a|3 ,

h1 (t) dt ≤ |h1 (t)| dt ≤

a a 3·2 6!
o que prova a estimativa (4.11) no caso n = 2. A repetição deste argumento para
valores de n superiores a 2 conduz-nos à maior generalidade da fórmula (4.11).
178CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Exemplo 4.8 Considere a aproximação do valor de e0,1 fornecida pelo polinómio


de Taylor de ordem 2, i.e.
1
e1 ≈ 1 + 0, 1 + (0, 1)2 .
2
Posto qualquer derivada da função f (x) = ex é ela própria, temos que f 00 é lips-
chitziana. No intervalo [0 ; 0, 1] temos

|f 00 (x1 ) − f 00 (x2 )| ≤ |f 000 (c)| · |x2 − x1 | ,

para algum valor intermediário c. Posto que

max |f 000 (c)| = e0,1


c∈[0,0,1]

podemos tomar como constante de Lipschitz K = e0,1 . Assim, pelo teorema


anterior, o erro cometido pelo polinómio de Taylor de grau 2 no ponto 0, 1 verifica
1 e0,1
|e0,1 − 1 + 0, 1 + (0, 1)2 | < 0, 13 .
2 3!
Exemplo 4.9 Pretendemos obter uma aproximação de sin(0, 1). Temos, utili-
zando o polinómio de Maclaurin de grau 3
x3
sin(x) ≈ x − .
3!
Observe agora que, posto que

sin(4) (x) = sin(x) ,

a terceira derivada sin(3) (x) é Lipschitziana no intervalo [0, 1]. Assim, podemos
tomar a constante de Lipschitz K = sin(0, 1) (porquê?). Deduzimos a estimativa
3 5


sin(0, 1) − 0, 1 − (0, 1) ≤ sin(0, 1) (0, 1)4 ≤ (0, 1) .
3! 4! 4!
(recorde que sin(0, 1) < 0, 1). De facto, o valor da aproximação está bem mais
próximo do valor exacto do que o erro previsto na desigualdade anterior. Com
efeito, repare que no caso da função sin(x), o polinómio de Taylor de terceiro grau
e o polinómio de Taylor de quarto grau são concidentes, i.e. p3 (x) = p4 (x). Tal se
deve ao facto de
sin(4) (0) = sin(0) = 0 .
Assim, tomando K = 1 pra constante de Lipschitz para a quarta derivada, pode-
mos afirmar que
3 5

sin(0, 1) − 0, 1 − (0, 1) = |sin(0, 1) − p4 (0, 1)| ≤ (0, 1) .

3! 5!
4.1. A FÓRMULA DE TAYLOR 179

Quando dispomos de mais informação sobre a n-ésima derivada de uma função


f , em particular se soubermos que que f (n) possui derivada f (n+1) contı́nua num
intervalo [a, b], podemos obter uma estimativa mais precisa para o resto. Retome-
mos a fórmula (4.12)

f (x) − f (a) = f 0 (a)(x − a) + r1 (x)

Observe que podemos escrever


Z x
r1 (x) = f (x) − f (a) − f 0 (a)(x − a) = (f 0 (t) − f 0 (a)) dt (4.16)
a
Se soubermos que f 0 é diferenciável com segunda derivada contı́nua, podemos
efectuar uma integração por partes de (4.16) e obtemos
Z x Z x Z x
x
(f 0 (t)−f 0 (a)) dt = (t − x)(f 0 (t) − f 0 (a)) a − (t−x)f 00 (t) dt = (x−t)f 00 (t) dt

r1 (x) =
a a a

Trata-se da forma integral do resto da Fórmula de Taylor.


No entanto, podemos, em alternativa, escrever
f 00 (c)
Z x
r1 (x) = (x − t)f 00 (t) dt = (x − a)2
a 2
em que c ∈]0, x[. Trata-se forma de Lagrange do resto da Fórmula de Tay-
lor. Justifiquemos esta afirmação supondo que x > a (trata-se de um caso parti-
cular do exercı́cio 2 da secção 3.6). Com efeito, supondo m e M respectivamente
o mı́nimo e o máximo de f 00 no intervalo [a, x], temos

m(x − t) ≤ (x − t)f 00 (s) ≤ M (x − t) ,

logo, integrando ambos os membros da equação, temos


Z x
m M
2
(x − a) ≤ (x − t)f 00 (t) dt ≤ (x − a)2 . (4.17)
2 a 2
Considero agora a função
f 00 (y)
h(y) = (x − a)2 .
2
A função h é contı́nua no intervalo [a, x] e temos

(x − a)2 (x − a)2
min h = m , max h = M .
[a,x] 2 [0,x] 2

Por (4.17) e pelo Teorema do Valor Intermediário podemos garantir a existência


de c ∈ [a, x] tal que
(x − a)2
h(c) := f 00 (c) := r1 (x) .
2
180CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

De facto, podemos mesmo garantir que c ∈]a, x[, distinguindo os casos m = M


e m < M . O caso x < a demonstra-se adaptando estes argumentos. Estas duas
fórmulas permitem majorações eficientes do erro cometido pelo polinómio de Taylor
de ordem 2 mas podem ser estendidas ao caso geral:

Teorema 4.4 (Restos integral e de Lagrange para a Fórmula do Taylor de ordem


n)
Seja f uma função definida num intervalo aberto I e seja a ∈ I. Suponha
que f é n + 1 vezes contı́nuamente diferenciável em I (i.e. f ∈ C n+1 (I)). Então
podemos escrever o resto na fórmula integral
Z x
(x − t)n (n+1)
rn (x) = f (x) − pn (x) = f (t) dt , (4.18)
a n!
ou através da fórmula de Lagrange

f (n+1) (c)
rn (x) = f (x) − pn (x) = (x − a)n+1 , (4.19)
(n + 1)!

em que pn é o polinómio de Taylor de grau n e c ∈]a, x[.

Dem. A justificação deste resultado faz-se por indução em n. O caso n = 1 foi


considerado anteriormente. Admitindo que a fórmula do resto integral permanece
verdadeira para n − 1 com n ≥ 2, verifiquemos a sua validade para n. Para tal
supomos que f é de classe C n+1 (I) e escrevemos, por hipótese de indução,
Z x
(x − t)n−1 (n)
f (x) − pn−1 (x) = rn−1 (x) = f (t) dt
a (n − 1)!
Integrando por partes a expressão integral de rn−1 , obtemos
x Z x
(x − t)n (n) (x − t)n (n+1)

rn−1 (x) = − f (t) + f (t) dt
n! a a n!

ou seja Z x
(x − a)n (x − t)n (n+1)
f (x) − pn−1 (x) = + f (t) dt
n! a n!
ou Z x
(x − t)n (n+1)
f (x) − pn (x) = f (t) dt
a n!
como se pretendia demonstrar. A obtenção da fórmula do resto de Lagrange a
partir da fórmula do resto integral é deixada como exercı́cio ao leitor.

Nota 4.2 A abordagem seguida no exercı́cio 6 da secção 2.9 permite justificar que
a fórmula do resto de Lagrange permanece válida se admitirmos apenas que f (n)
é diferenciável em ]a, x[ e contı́nua em [a, x].
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 181

Nota 4.3 Optámos nesta secção por divergir um pouco do método usual de ensino
da fórmula de Taylor, nomeadamente na justificação da expressão do resto de
Lagrange. Tal se deve a uma opção –obviamente criticável– de obter esta fórmula
a partir da fórmula do resto integral.

Exercı́cios

1. Determine uma constante de Lipschitz para as seguinte funções no intervalo


[0, 1].
x5 ; arctan(x) ; ex ; tan(2x) .

2. Complete e simplifique
x x Z x
(x − t)2 (x − t)3
Z 
sin(t) dt = − sin(t) + ···
0 2! 3! 0 0

3. Reconhecendo em
1
1 − x2
2
o polinómio de MacLaurin de grau 3 da função cos, verifique que

1 1
| cos(0, 1) − 1 + (0, 1)2 | ≤ (0, 1)4 .
2 24

4. Justifique que
1
cos(0, 1) − 1 + (0, 1)2 > 0
2
(utilize o resto de Lagrange).

4.2 Integrais impróprios .

Começemos por um exemplo. Vamos supor f uma função contı́nua em [a, +∞[ tal
que existe o limite
Z T
lim f (x) dx = L
T →+∞ a

Poderı́amos denotar este facto por


Z +∞
f (x) dx = L
a
182CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

No entanto, esta notação não se enquadra na teoria do integral de Riemann uma


vez que o dominı́o de integração não é um intervalo limitado.

De um modo geral, consideremos uma função f , definida num intervalo I,


integrável em todo o intervalo compacto (limitado e fehado) de I, tal que f é ili-
mitada ou tal que I é ilimitado.
R
Diremos que o integral impróprio f (x) dx é convergente se existir L tal que
I
Z
L = lim f (x) dx
n→∞ I
n

em que In é uma qualquer sucessão de subintervalos compactos estritamente con-


tidos em I tais que

[
In ⊂ In+1 e In = I
n=1
Uma sucessão de intervalos compactos nestas condições diz-se crescente para I
e denotamos este facto por
In ↑ I
R
O termo “impróprio” justifica-se em relação à expressão I f (x) dx porque a
definição do integral de Riemann, tal como foi referido, apenas contempla funções
limitadas definidas em intervalos limitados. Vejamos alguns exemplos de integrais
impróprios.

Exemplo 4.10 Em teoria das probabilidades utiliza-se a função densidade de


probabilidade
f (x) = λe−λx , x ≥ 0,
em que λ é um parâmetro positivo, para modelar tempos de espera. O parâmetro
λ depende do problema estudado e verifica λ = τ1 onde τ é o tempo médio de
espera associado ao fenómeno. Por exemplo: um determinado computador tem
um tempo médio de espera por uma avaria de quatro anos. A função densidade
de probabilidada associada é
1 1
f (x) = e− 4 x , x ≥ 0,.
4
Se quisermos determinar a probabilidade de uma avaria ocorrer nos primeiros k
anos de funcionamento devemos calcular
Z k
1 −1x
e 4 dx .
0 4

Observe que neste caso,


Z +∞ Z T
1 −1x 1 −1x 1 1
e 4 dx = lim e 4 dx = lim [−e− 4 x ]T0 = 1 − e− 4 T = 1 .
0 4 T →+∞ 0 4 T →+∞
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 183

Neste caso o integral impróprio mede a probabilidade do espaço total de aconteci-


mentos devendo por isso ser igual a 1.

Vejamos outros exemplos de integrais impróprios:

Exemplo 4.11 Pretendemos calcular a área delimitada pelo gráfico da função


1
f (x) = √
x

quando esta se encontra restrita a um intervalo de tipo [, 1] em que 0 <  < 1.
Obtemos Z 1
1  √ 1 √
√ dx = 2 x  = 2 − 2  .
 x
Observamos que Z 1 √
1
lim √ dx = lim 2 − 2  = 2 .
→0  x →0

Deste modo, a área da região delimitada pelo gráfico da função f , o eixo dos x e
as rectas x = 0 e x = 1 é finita (repare que x = 0 é uma assı́mptota vertical de
Z 1
1
f ). O integral impróprio √ dx é convergente. O termo impróprio justifica-se
0 x
neste caso pelo facto da função integranda ser ilimitada em ]0, 1].

Exemplo 4.12 Consideremos agora a função


1
f (x) =
x
restrita a um intervalo de tipo [, 1] com 0 <  < 1. Calculamos
Z 1  
1 1
lim dx = lim ln = +∞ .
→0  x →0 
R1 1
Neste caso, dizemos que o integral impróprio 0 x dx é divergente.

Exemplo 4.13 Consideremos agora o integral impróprio


Z +∞
1
5/4
dx .
1 x
Temos
Z M 5
h 1
iM 1
lim x− 4 dx = lim −4x− 4 = lim 4 − 4M − 4 = 4 .
M →+∞ 1 M →+∞ 1 M →+∞

Concluı́mos que o integral impróprio é convergente para 4.


184CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Os exemplos anteriores são casos particulares do seguinte resultado cuja justi-


ficação é deixada ao cuidado do leitor.

Teorema 4.5 Sejam α e b > 0 reais positivos. Então:

Z b
1 1 1−α .
(i) Se 0 < α < 1 o integral impróprio dx converge para 1−α b Se
0 xα
Z b
1
α ≥ 1 o integral impróprio α
dx é divergente.
0 x

Z +∞
1
(ii) Se α ≤ 1 o integral impróprio dx diverge. Se α > 1 o integral
b xα
Z +∞
1 1 1−α .
dx converge para α−1 b
b xα

O estudo da convergência de integrais impróprios faz-se geralmente através


de critérios de comparação uma vez que o cálculo explicı́to do integral pode ser
difı́cil. No caso em que f : [a, +∞[7→ R é uma função não-negativa (e é o caso dos
exemplos considerados anteriormente) o estudo da convergência integral impróprio
é equivalente à limitação superior da função
Z T
I : T 7→ f (x) dx T ∈ [a, +∞[
a

Com efeito, admitindo que a função I é majorada superiormente, a existência de


limite em +∞ resulta trivialmente do seu crescimento. O mesmo princı́pio vale
obviamente se considerarmos integrais impróprios em que, para uma certa função
não negativa f , contı́nua mas ilimitada em ]a, b]: a limitação superior da função
Z b
I() = f (x) dx
a+

garante a existência de limite quando  tende para zero.

O lema seguinte é uma consequência deste princı́pio de majoração.

Lema 4.6 Sejam f e g funções integráveis em todo o sub-intervalo compacto de


I tais que Supomos
f (x) ≥ g(x) ≥ 0 ∀x ∈ I .
Então:
R
(i)
R Se o integral impróprio I f (x) dx fôr convergente, também será convergente
I g(x) dx.
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 185

Esta afirmação é equivalente a:


R
R(ii) Se o integral impróprio I g(x) dx fôr divergente, também será divergente
I f (x) dx.

Dem. Seja (IRn ) uma sucessão crescente de subintervalo compactos tal que In ↑ I.
Supomos que I f (x) dx é convergente. Posto que f (x) ≥ g(x), tem-se de
Z Z Z
g(x) dx ≤ f (x) dx ≤ f (x) dx
In In I

Deste modo, a sucessão definida por


Z
an = g(x) dx
In

é monótona e limitada, logo convergente para um certo valor L. Este valor não
depende da sucessão In considerada. Com efeito, tomando uma outra sucessão Jn
de intervalos tais que Jn ↑ I, teremos para qualquer valor m ∈ N, um valor p ∈ N
tal que se n > p tem-se
Jm ⊂ In
deste modo, concluı́mos que, para n > p,
Z
bm := g(x) dx ≤ an ≤ L
In

Passando m ao limite, temos


lim bm ≤ L
Recı́procamente, invertendo os papéis de (an ) e (bn ) no raciocı́nio anterior, temos

L = lim an ≤ lim bn

pelo que lim bn = lim an = L.

Os dois exemplos seguintes são uma aplicação directa do lema anterior:

Exemplo 4.14 Pretendemos estudar a convergência do integral impróprio


Z +∞
1
I := .
0 2 + sin(x) + x2
Temos a seguinte desigualdade:
1 1
0≤ ≤
2 + sin(x) + x2 1 + x2
186CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Assim, para todo o M > 0, teremos


Z M Z +∞
1 1
0≤ dx ≤ dx
0 2 + sin(x) + x2 0 1 + x2

Ora Z +∞ Z n
1 1 π
dx = lim dx = lim arctan(n) =
0 1 + x2 n→∞ 0 1 + x2 2
Pelo lema 4.6, o integral impróprio I é convergente.

Exemplo 4.15 Estudemos agora o caso do integral impróprio


1
1 − sin(x)
Z
H= dx .
0 x

Observe que se intervalo x ∈]0, 1] temos sin(x) ≤ sin(1). Logo, para x ∈]0, 1],

1 − sin(1) 1 − sin(x)
0≤ ≤
x x

Assim, para todo o  ∈]0, 1[, verifica-se

1 1
1 − sin(x)
Z Z
1
dx ≥ (1 − sin(1)) dx .
 x  x

Posto que o segundo membro tende para +∞ quando  tende para zero, concluı́mos
que o integral impróprio H é divergente.

Consideremos agora o caso geral do estudo da convergência de um integral


impróprio em que a função integranda que pode mudar de sinal.
R
Definição. Diremos que I f (x) dx é absolutamente convergente se e só se
Z
|f (x)| dx < +∞
I
R R
Se I f (x) dx fôr convergente mas I |f (x)| dx for divergente, diremos que o
integral impróprio é simplesmente convergente.

Temos o seguinte resultado:


4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 187

Teorema 4.7 Seja f : RI 7→ R uma função integrável em todo o subintervalo


compacto de I e tal que I f (x) dx é impróprio. Se
Z
|f (x)| dx < ∞
I

então Z
f (x) dx é convergente
I
e tem-se Z Z

f (x) dx ≤ |f (x)| dx

I I

Dem. Consideraremos apenas caso em I = [a, +∞[, os outros casos podendo ser
tratados com um raciocı́nio análogo. Pretendemos demonstrar a existência de L
tal que, se (Tn ) uma sucessão convergindo para +∞ (com Tn ≥ A para todo o n),
então Z Tn
lim f (x) dx = L
n→+∞ a

Começemos por considerar uma particular (Ln ) nestas condições. Mostremos que
Z Ln
sn = f (x) dx
a
R +∞
é uma sucessão de Cauchy. Posto que a |f (x)| dx é convergente, temos que,
dado  > 0, podemos tomar M tais que b > a > M implicam
Z b
|f (x)| dx < 
a

Considerando então p tal que, se n > p então Ln > M , poderemos garantir que,
se m > n > p, então
Z Lm Z Lm

|sm − sn | =
f (x) dx ≤ |f (x)| dx < 
Ln Ln

Concluı́mos que (sn ) é uma sucessão de Cauchy logo é convergente. Denotemos


por L o seu limite.

Mostremos agora que se (Tn ) é uma outra sucessão tendendo para +∞, então
Z Tn
wn = lim f (x) dx = L
n→+∞ a

Para tal bastará observar que

lim |wn − sn | = 0
188CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Este facto resulta naturalmente da majoração


Z bn
|wn − sn | ≤ |f (x)| dx
an

em que an = min(Tn , Ln ) e bn = max(Tn , Ln ). Como lim an = +∞, concluı́mos


que |wn − sn | é um infinitésimo pelo que limite de (wn ) coincide com o limite de
(sn ). A desigualdade
Z +∞ Z +∞


f (x) dx ≤ |f (x)| dx
a a

resulta da passagem ao limite da desigualdade integral clássica em intervalos com-


pactos.

Exemplo 4.16 Pretendemos estudar a convergência do integral impróprio


Z +∞
sin(x)
dx
1 x2
Verifiquemos que se trata de um integral impróprio absolutamente convergente.
Para tal, basta observar que
sin(x) 1
x2 ≤ x2

pelo que
+∞ Z +∞
Z
sin(x) dx ≤ 1

x2 dx
1 1 x2
Como o integral do segundo membro é convergente, concluı́mos qu o integral es-
tudado é absolutamente convergente, logo convergente.

Exemplo 4.17 O integral impróprio


Z +∞
sin(x)
dx
0 x
é simplesmente convergente. A verificação deste facto é objecto do exercı́cio 9 no
final da secção.

O estudo dos integrais impróprios é útil no estudo de sucessões formadas por


somas parciais e que são designadas por séries.
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 189

Exemplo 4.18 Pretendemos estudar a sucessão


N
X 1
sN = (N ≥ 2)
n2
n=2

Observe que o valor sN corresponde a área sob o gráfico da função definida para
x ∈ [1, N [ por
1
gN (x) = se x ∈ [n − 1, n[ (n = 1 , · · ·N ) .
n2
Podemos verificar que, para x ≥ 1, verifica-se
1
hN (x) ≤
x2
1
(o gráfico da função y = encontra-se sobre o gráfico de barras de hN ) pelo que
x2
Z N Z N
1 1
sN = hN (x) dx ≤ 2
=1− 2
0 1 x N
Deste modo, podemos concluir que
Z +∞
1
sN ≤ dx = 1
1 x2
Posto que (sN ) é uma sucessão monótona e limitada trata-se de uma sucessão
convergente.

Considere agora sucessão


N
X 1
vN =
n
n=1
Observe que o valor vN corresponde a área sob o gráfico da função definida para
x ∈ [0, N ] por
1
hN (x) = se x ∈ [n − 1, n[ (n = 1 , · · ·N ) .
n
Podemos verificar que, para x ≥ 0, verifica-se
1
≤ hN (x)
x+1
1
(o gráfico da hipérbole y = x+1 encontra-se sob o gráfico de barras de hN ) pelo
que Z N Z N
1
vN = hN (x) dx ≥ = ln(N + 1)
0 0 x + 1
Deste modo, podemos concluir que
lim vN ≥ lim ln(N + 1) = +∞
N →∞ N →∞
190CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

O teorema seguinte é útil no estudo da convergência de integrais impróprios


de funções positivas em I pois substitui o estudo de uma desigualdade por um
estudo de limite (que, em geral, é mais fácil de realizar). Iremos neste caso con-
siderar integrais impróprios em intervalos de tipo [a, +∞[ embora o critério possa
facilmente ser adaptado aos demais tipos de integrais impróprios.
Teorema 4.8 Sejam f e g funções definidas em I = [a, +∞[, integráveis em todo
o subintervalo compacto de I, tais que f (x) ≥ 0 e g(x) > 0 para todo o x ∈ [a, +∞[.
Supomos que existe
f (x)
L = lim . (4.20)
x→+∞ g(x)

Temos então:
R +∞ R +∞
(i) Se L > 0, os integrais impróprios a f (x) dx e a g(x) dx têm a mesma
natureza. I.e. são ambos convergentes ou ambos divergentes.
R +∞ R +∞
(ii) Se L = 0, a convergência de a g(x) dx implica a convergência de a f (x) dx.
R +∞ R +∞
(iii) Se L = +∞ a divergência de a g(x) dx implica a divergência de a f (x) dx.

L
Dem. (i) Observe que a existência do limite (4.20) implica que tomando  = 2,
existe M > 0 tal que
f (x)
L− < < L+
g(x)
ou seja
L f (x) 3L
< < . (4.21)
2 g(x) 2
De modo equivalente, podemos escrever
L 3L
g(x) < f (x) < g(x) . (4.22)
2 2
Teremos então:
Z +∞
3L +∞
Z +∞
2 +∞
Z Z
f (x) dx ≤ g(x) dx e g(x) dx ≤ f (x) dx .
M 2 M M L M
R +∞ R +∞
Repare que se o integral impróprio a g(x) dx é convergente, também o é M g(x) dx.
R +∞
A primeira desigualdade implica que M f (x) dx é convergente também o sendo
Z +∞ Z M Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx .
a a M
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 191
R +∞
Reciprocamente, caso a f (x) dx seja convergente, a segunda desigualdade im-
R +∞
plica a convergência de a g(x) dx .

(ii) Observe que se


f (x)
lim = 0,
x→0 g(x)
teremos, para certo valor M ,

f (x) ≤ g(x) para x ≥ M.

Assim Z +∞ Z +∞
f (x) dx ≤ g(x) dx ,
M M
o que implica o resultado. A demonstração de (iii) faz-se de modo semelhante.

Nota 4.4 Observe Rque o resultado anterior permanece válido no caso de integrais
a Rb
impróprios de tipo −∞ f (x) dx ou a f (x) dx em que x = a (ou x = b) é uma
assı́mptota vertical do gráfico de f . Nestes casos, o limite L considerado deve ser
calculado em −∞ ou x = a (ou x = b).

Exemplo 4.19 Considere-se o integral impróprio


Z +∞  
1
I= ln 1 + α
1 x
1
em que α > 0. Tomemos como função de comparação g(x) = xα . Temos

ln 1 + x1α

ln(1 + y)
lim 1 = lim = 1.
x→+∞

y→0 y

Pelo teorema anterior, o integral impróprio considerado é convergente se α > 1 e


divergente se 0 < α < 1.

Nota 4.5 Existem certos integrais que podemos designar por duplamente impróprios.
Consistem em integrais de tipo
Z b
f (x) dx
a

em que f é contı́nua e não negativa em ]a, b[ sendo a = −∞ ou x = a uma


assı́mptota vertical da função f e b = +∞ ou x = b um a assı́mptota vertical de
f . Como exemplo, podemos tomar
Z +∞ Z +∞ −x
2 e
e−x dx , dx .
−∞ 0 x
192CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Nestes casos, diremos que o integral impróprio é convergente quando fixado um


valor c ∈]a, b[, os integrais
Z c Z b
f (x) dx e f (x) dx são ambos convergentes .
a c
Rb
Para que integral impróprio a f (x) dx seja divergente bastará que um dos dois
integrais acima seja divergente. Repare que a convergência/divergência dos dois
integrais acima não depende do valor c fixado.
Z +∞
2
Exemplo 4.20 No caso e−x dx o integral impróprio é convergente. Com
−∞
efeito, tomando c = 0 temos
Z +∞ Z +∞
−x2
e dx ≤ e1−x dx < ∞
0 0
Z 0
2
e por simetria, e−x dx também converge.
−∞

e−x
R +∞
Exemplo 4.21 No caso de 0 x dx, tomando c = 1, temos
1
e−x 1
e−1
Z Z
dx ≥ dx .
0 x 0 x
Como
Z 1 o −x
segundo integral impróprio
Z +∞ é −x
divergente, podemos concluir a divergência
e e
de dx. Em particular, dx é divergente.
0 x 0 x

Finalizemos esta secção com um exemplo.

Exemplo 4.22 (Como as borboletas são atraı́das por uma vela.) As borboletas
navegam mantendo constante o ângulo entre a sua direcção e o sol. Como os raios
de sol incidentes na terra são aproximadamente paralelos, o percurso da borboleta
tende a ser rectilı́neo. No entanto, se durante um passeio nocturno, a borboleta
confundir a luz de uma vela com o sol, a trajectória torna-se espiralada. Com efeito,
a propriedade de conservação do ângulo de navegação, determina uma curva de
tipo
γ(t) = e−kt (cos(t), sin(t)) , t ∈ [0, +∞[ , k > 0.
Fixando k = 1 procuremos estimar o comprimento do percurso da borboleta.
Calculemos o vector velocidade

γ 0 (t) = −e−t (cos(t), sin(t)) + e−t (− sin(t), cos(t)) .

O seu comprimento é √
kγ 0 (t)k = 2e−t .
4.2. INTEGRAIS IMPRÓPRIOS . 193

(Observe que γ 0 (t) é a soma de dois vectores perpendiculares com comprimento


igual a e−t ). O comprimento total do percurso entre os instantes 0 e T é-nos dado
pelo integral Z T
kγ 0 (t)k dt .
0
Neste caso Z T
0
Z T √ √
kγ (t)k dt = 2e−t dt = 2(1 − e−T ) .
0 0
Podemos então estabelecer o comprimento total do percurso C passando T ao
limite +∞ na expressão anterior. Ou seja
Z T √ √
C = lim kγ 0 (t)k dt = lim 2(1 − e−T ) = 2 .
T →∞ 0 T →∞

Repare que o comprimento do percurso é finito pelo que uma borboleta viajando
a velocidade constante acabará consumida pela chama –a não ser que uma ampola
colocada sobre a vela impeça o trágico desfecho.

Exercı́cios

1. Verifique que Z +∞
2 1
xe−x = .
0 2
e−x e−x
R +∞ R +∞
2. Verifique que 1 x2
é convergente mas que 0 x2
é divergente.

3. Mostre que Z +∞
1
= π.
−∞ 1 + x2

4. Estude a convergência de
Z +∞ 2 Z +∞ √
x + x sin(x) + 1 x
dx e .
0 x3 + x2 + 1 0 x2 +2
1 1
(pode comparar as funções integrandas com x e x3/2
respectivamente.)

5. Justifique que
arctan(y)
lim = 1.
y→0 y
Utilizando este facto, estude a convergência dos integrais impróprios
Z +∞   Z +∞  
1 1
arctan dx arctan dx .
1 x 1 x2
194CAPÍTULO 4. COMPLEMENTOS DE DERIVAÇÃO E INTEGRAÇÃO

6. Estude a convergência dos integrais impróprios


Z +∞ Z +∞
1 1
dx , 2
dx .
e x ln(x) e x(ln(x))
7. Baseie-se no Exemplo 4.18 para mostrar que a sucessão
N
X 1
sN =

n=1
é convergente se α > 1 e é divergente se α ≤ 1.
8. Determine o comprimento da espiral de Arquimedes
1
γ(t) = (cos(t), sin(t)) , t ∈ [1, +∞[
t
Z +∞
sin(x)
9. Pretende-se estudar o integral impróprio I = dx.
0 x

Recordamos que a função integranda é contı́nua em x = 0.

(a) Mostre que, para todo o n ∈ N

(n+1)π Z π
| sin(x)|
Z
1
≥ | sin(x)| dx
nπ x (n + 1)π 0
e conclua que o integral impróprio não é absolutamente convergente.

(b) Utilizando uma integração por partes e uma majoração adequada, mostre
que, para 0 < L < M
Z M Z M
sin(x) ≤ 2 +
1
dx 2
dx

L x L L x

(c) Conclua que a sucessão


Z n
sin(x)
an = dx ∀n ∈ N
0 x
é de Cauchy.

(d) Denotando por A o limite da sucessão (an ) definida na alı́nea anterior,


mostre que, se Ln tende para +∞,
Z Ln
sin(x)
lim dx = A
0 x
e conclua que o integral I é simplesmente convergente.

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