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Felipe Caldeira
Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUCRS
1. INTRODUÇÃO
1
BISCH, Isabel da Cunha. O amicus curiae, as tradições jurídicas e o controle de constitucionalidade: um estudo
comparado à luz das experiências americana, europeia e brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p.
17-18.
2
LOWMAN, Michael K. The litigating Amicus Curiae: When does the party begin after the friends leave?
American University Law Review, Summer, 1992. Vol. 41(4). p. 1243-1299.
3
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro: Um terceiro enigmático. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 112.
2
provocada) e o auxílio era prestado consoante seu próprio e livre convencimento
(imparcial). 4
Dessa forma, devido à característica do instituto no direito romano,
marcada pela intervenção provocada e pela neutralidade de sua atuação, é possível
identificar porque Giovani Criscuoli, citado por Cássio Scarpinella Bueno, defende
que a origem do instituto se deu no direito inglês: desde as suas remotas origens no
direito inglês, o amicus curiae pode comparecer de forma espontânea perante o
juízo e, além disso, eventualmente pode fornecer elementos úteis para a vitória de
um dos integrantes dos polos da relação processual.5
Michael K. Lowman, citado por Tatiana Machado Alves, aponta que na
Inglaterra medieval o amicus curiae era entendido como um terceiro desinteressado
que, mediante requerimento próprio ou do próprio órgão jurisdicional, fornecia
informações sobre questões de direito e/ou apontava questões de fato que poderiam
acarretar erros manifestos no julgamento da causa.6
Entretanto, essa concepção do amicus como uma figura desprovida de
interesse próprio cuja finalidade era auxiliar o juízo foi se modificando com o tempo.
A virada no Direito Inglês se deu no caso “Coxe vs. Phillips”, em que foi autorizada,
pela primeira vez, a intervenção de um terceiro no processo como amicus curiae
para proteger os seus próprios interesses, conforme narra Scarpinella Bueno:
4
CRISCUOLI, Giovani. Apud BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 111.
5
BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 113.
6
LOWMAN, Michael K. Apud ALVES, Tatiana Machado. Primeiras questões sobre o amicus curiae no novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo. v. 256. ano 41. São Paulo: RT, 2016. p. 96
7
BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 114-115.
3
entre as partes. Além disso, manteve-se no Direito Inglês por auxiliar os magistrados
a aprimorar seu convencimento, aperfeiçoando ou corrigindo o conjunto probatório
elaborado. 8
A partir dos referenciais do Direito Inglês, o amicus curiae passou a
integrar o direito norte-americano, sobretudo devido aos dois países possuírem a
mesma concepção geral de Direito com a adoção do modelo da Common Law,
baseado na aplicação do Direito por meio de precedentes e decisões judiciais
pretéritas. No entanto, em que pese em ambos os países haver a prevalência do
judge-made law, Isabel da Cunha Bisch destaca que determinadas práticas
processuais surgiram ou assumiram novos perfis. 9
No Brasil, antes do advento do CPC de 2015, não havia qualquer
referência legislativa expressa ao amicus curiae no direito processual brasileiro. O
único ato normativo que o denominava era o Regimento Interno da Turma Nacional
de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (Resolução nº
390, de 17 de setembro de 2004, CNJ), no seu art. 23, §1º, que permitia a eventuais
interessados, entidades de classe, associações, organizações não governamentais,
etc., no julgamento de recursos perante a Turma Recursal, apresentar memoriais e
fazer sustentação oral a critério do presidente, recaindo sobre este a decisão sobre
o tempo de sustentação que seria permitido. 10
Cassio Scarpinella Bueno comenta que não é coincidência que, na maior
parte dos casos, os autores descrevem a atuação do amicus curiae como
modalidade sui generis de intervenção de terceiros. 11
Logo, a partir de previsões em leis esparsas, mesmo que estas não
mencionassem expressamente a denominação amicus curiae, o instituto foi sendo
12
incorporado no ordenamento jurídico aos poucos. Tatiana Machado Alves aponta
que “um grande passo na evolu o do instituto no direito brasileiro foi dado a partir
do seu reconhecimento nos processos de constitucionalidade.” 13
8
SILVESTRI, Elisabetta. Apud BISCH, Isabel da Cunha. Op. cit. p. 29.
9
A autora destaca algumas delas: a) nos Estados Unidos, a regra do júri foi incorporada com muito maior
importância e destaque do que na Inglaterra atual; b) embora também tenha prevalecido o adversarial system,
nos Estado Unidos, as partes detêm mais controle do processo na fase anterior ao julgamento (pre-trial), do que
na Inglaterra. c) nos Estados Unidos foi introduzida e muito difundida nova modalidade de ação, a class action
(ação coletiva) (BISCH, Isabel da Cunha. Op. cit. p. 34.)
10
BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 144.
11
Idem, ibidem.
12
ALVES, Tatiana Machado. Op. cit. p. 103.
13
Idem, ibidem.
4
Desse modo, o amicus curiae é definido como um terceiro ao processo
que nele intervém para fornecer ao magistrado elementos relevantes que possam
auxiliar na formação do seu convencimento.14 O seu modo de intervenção se realiza
de forma espontânea, a pedido da parte ou por provocação do órgão jurisdicional.
A finalidade imediata de sua intervenção é permitir que o juiz tome
conhecimento de questões subjacentes à lide que não tenham sido informadas pelas
partes e que sejam úteis para a resolução da causa. 15
Pode-se identificar também uma finalidade mediata de sua intervenção:
preencher a lacuna da legitimidade democrática do Poder Judiciário, na medida em
que o amicus irá atuar, em última instância, como um porta-voz da pluralidade de
ideias, valores e anseios da sociedade, objetivando enriquecer o debate democrático
no processo. 16
Nesta senda, se o direito incide sobre os fatos, evidente que é de suma
importância que o juiz possua acesso a todo contexto fático pertinente que permeia
a discussão debatida na demanda, incluindo os impactos que a sua decisão poderá
ter sobre a coletividade, de modo que ele possa prolatar uma decisão mais justa e
correta, e que atenda aos fins do processo. 17
3. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
19
TALAMINI, Eduardo. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 441.
20
ALVES, Tatiana Machado. Op. cit. p. 107.
21
TALAMINI, Eduardo. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Op. cit. p. 441.
22
Idem, ibidem.
6
A especificidade do tema objeto da demanda está relacionada com a
complexidade da matéria da demanda. Essa especificidade tanto pode ser fática
quanto técnica (jurídica ou extrajurídica).23 Na análise deste requisito, deve-se ter
cuidado, visto que a especificidade do tema não pode ser considerada genérica nem
autônoma, sob pena de haver confusão entre a função do amicus curiae com a do
perito, por exemplo.
Então, analisados os pressupostos objetivos de intervenção, será
abordado o requisito subjetivo para admissão do amicus curiae, qual seja: a
representatividade adequada.
23
TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Op. cit. p. 441.
24
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 187-188.
25
Idem, ibidem.
7
esclarecimento das questões em debate.26
A título de exemplo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta
pelo MP/RS pretendendo a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal
3.700/15, de Gravataí (proíbe o transporte de passageiros por carros particulares
cadastrados em aplicativos), o Des. Rel. Alberto Delgado Neto, do TJ/RS, proferiu
decisão admitindo a UBER como amicus curiae, conforme trecho que segue:
26
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro; CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários ao
novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 251.
27
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70072816671.
Desembargador Relator Alberto Delgado Neto. Porto Alegre, 06/06/2017.
28
Idem, ibidem.
8
29
representatividade adequada do amicus curiae deve ser dimensionado.
Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, por sua vez, alerta que não se pode
confundir, apesar da igualdade na grafia, a representatividade adequada da ação
civil pública com a relacionada à participação do amicus curiae. O autor defende que
deve haver a formação de um novo conceito do “nosso amicus curiae”, agora
disciplinado no Código de Processo Civil de 2015, de modo a não defini-lo com base
na doutrina estrangeira ou com premissas que a doutrina brasileira estabeleceu no
passado, quando o instituto ainda não estava regulado no direito brasileiro. 30
Desta maneira, o CPC/15, ao disciplinar o amicus curiae, não exigiu que
este fosse um terceiro imparcial. Se assim o fosse, sua intervenção poderia ser
questionada e impugnada pela parte prejudicada.31 Contudo, em que pese o CPC
não exija que o amicus curiae seja um terceiro imparcial, Fredie Didier Jr. entende
de modo diverso, apontando que “o amicus curiae precisa ter algum vínculo com a
questão litigiosa, de modo a que possa contribuir para a sua solução”. 32
Verifica-se, portanto, que a análise da finalidade e do objetivo do amicus
curiae se torna fundamental, a medida que o amicus curiae, diferentemente das
outras formas de intervenção de terceiro, fornece subsídios para auxiliar o
magistrado na análise de determinada matéria/questão. Logo, mesmo que a
manifestação do amicus curiae favoreça alguma parte, isso decorrerá da
consequência da sua manifestação, e não da sua finalidade e objetivo de
intervenção.
“Na dúvida, deve-se perquirir: isso atende ou agride o que é apregoado pela
cooperação? Assim, e só assim, talvez fique no retrovisor da história, o
momento em que vivemos, ou se a, o de mera ‘tentativa’ do processo
33
idealizado pelo Estado Constitucional.”
34
MACIEL, Adhemar Ferreira. Amicus Curiae: Um Instituto Democrático . Revista de Processo. vol. 106/2002. p.
281-284.
35
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil
comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016. p. 143.
36
Ibidem. p. 144.
37
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. 3.
ed. São Paulo: RT, 2017. p. 44.
10
concretização da vertente democrática que alicerça nosso Estado Constitucional
(art. 1º, caput, da CF).” 38
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro corrobora com o ponto trazido neste
capítulo:
38
Ibidem, p. 105.
39
ALVES, Tatiana Machado. Op. cit. p. 115.
40
Idem, ibidem.
41
Idem, ibidem.
11
5. CONCLUSÃO
12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Tatiana Machado. Primeiras questões sobre o amicus curiae no novo Código de
Processo Civil. Revista de Processo. vol. 256. ano 41. São Paulo: RT, 2016.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.
LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: RT,
2014.
LOWMAN, Michael K. The litigating Amicus Curiae: When does the party begin after the
friends leave? American University Law Review, Summer, 1992. Vol. 41(4).
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de
Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2017.
TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves comentários ao
Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
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