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A posição social do músico:

profissionais da cidade e da corte;


amadores ou diletantes. A música na
sociedade.
Luciana Câmara
ufpe – 2015.1
De uma maneira geral:
• Músicos pertenciam a classes medianas a
baixas, sendo que o músico itinerante era
pouco mais que um mendigo.
• Havia preconceito contra a profissão.
Falamos aqui do músico prático, que era visto
como e se considerava artesão.
Dificuldades e limitantes
• Dependemos da documentação que chegou
até nós
• Dependemos de pesquisa específica
• Áreas mais extensamente pesquisadas:
Alemanha e Inglaterra
Possível escala quanto ao prestígio e posição
social
• Solista virtuoso
• Músico de orquestra de corte
• Músico municipal
• Músico militar
• Spielmann (músico popular itinerante)
Spielmann (músico popular itinerante)
• Estigma de não-respeitável, que vem da Idade
Média, permanece mesmo depois da
autorização (em 1548 e 1577) para
organizarem-se em corporações de ofício.
• Especialização como músicos contribui para
que não sejam igualados aos que faziam
pantomimas (atores, mímicos, bufões), desde
que aptos a entrar numa corporação
Spielmann (músico popular itinerante)
• Comuns em feiras, festas a céu aberto. Há relatos
de restrição da presença/circulação destes
músicos, bem como da associação de músicos
itinerantes com banditismo.
• Recebe por serviço, sem salário fixo; sem
garantias legais; comumente permanecia na
cidade enquanto aceitava tocar pelo que se
pagasse.
• Instrumentos: realejo, gaita de fole, rabeca ou
violino, flautas.
Gilles Mostaert, Feira de vila, 1590
Pieter Brueghel the Youger, Feira de vilarejo, ca. 1600
Músico municipal
• Diferente do Spielman (músico popular,
itinerante), de mais status; organizados em
corporações.
• Stadtmusikdirector, posto mais alto dentro da
municipalidade. Atuava como compositor,
instrumentista ou regente, professor de
música.
• Posto (músico municipal) persiste até XIX;
Músico municipal
• Mais capazes entravam para o serviço em
alguma corte. No entanto, corte era vista
como mais insegura do que a municipalidade.
• Para ocupar o posto: certidão de nascimento
legítimo, ser probo; há registros de
estrangeiros no posto na Alemanha.
• Reserva de mercado garantida pelo contrato
municipal (de inícios XVI a inícios XIX) para
casamentos, funerais e festividades.
Músico municipal
Outras vantagens, financeiras ou não
• Ex. Diretor de música, Rostock, 1623:
residência gratuita, isenção de taxas
municipais, não ser obrigado a montar guarda
na torre nem a limpar as valas da cidade,
tecido para roupas, uso dos fornos municipais
para assar pão/bolo.
• Direito/privilégio de carregar arma.
Músico municipal
• Problema: integração na classe média da
cidade onde serviam
Stadtpfeifer, Nurembergue, 1600
Stadtpfeifer, Bruxelas, 1615
Mulher trombonista, Alemanha, ca. 1662-68
Músicos de campo, 1720, Viena (?)
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Leigos, músicos de formação (não clérigos).
Muitos eram músicos municipais
(Ratsmusikanten).
• Organista como suporte/direção do canto
congregacional: a partir de fins XVII-início XVIII
• Antes: não havia canto congregacional; órgão
era usado alternatim, com o canto.
• Organista estava no mesmo nível de cantores.
O Kantor era o diretor de música da igreja.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Reforma: atitudes diferenciadas em relação ao
órgão, tendendo à eliminação do uso no
serviço. A alternância passa a se dar no canto
de corais com a congregação.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Organista e Kantor: duas funções distintas;
Kantor era responsável pela música vocal,
inclusive na formação vocal dos coristas;
professor de música como ciência
matemática; dispunha de privilégios na
hierarquia municipal: isenção de serviço
militar e de guarda, por ex. No norte da
Alemanha (diferentemente do centro): Kantor
não compunha, mas sim o organista.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Atividades paralelas eram norma, especialmente
ensino de música. Até fins XVII: organistas eram
também organeiros.
• Também: sacristãos e professores de escola,
administradores.
• Aluguel de assentos na galeria do órgão (!!!),
prática comum e aceita; aluguel de terras da
igreja às quais tinha direito pelo posto; consultor
legal e notário, funcionário da administração
municipal; comerciante de bebidas, taverneiro.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Século XVI: subordinados ao pastor.
• XVII-XIX: reação a essa subordinação, conflitos
por conta de repertório, duração da música,
andamento.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Organista = força progressista dentro da
estrutura musical da igreja/municipalidade.
• Tem papel fundamental no surgimento e
estabelecimento do concerto público como
instrumentistas e empreendedores.
• Ex.: Collegium Musicum de Hamburg, sob a
direção de Mathias Weckmann (1660-1674).
• Aproximação cada vez maior com a música
secular, contemporânea, ópera/teatro.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Primeira metade XVIII: superioridade do organista
sobre outros músicos municipais declina; maior
competitividade, em especial na instrução de
aprendizes de músicos.
• Posição social variava de cidade para cidade; em
alguns casos, organistas de renome tinham que
lutar por serem reconhecidos como cidadãos da
cidade em que viviam. Em outros, organistas
ocupavam posições acima da classe média.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Salários chegaram aos patamares mais altos
em meados XVII. Com a queda em
importância do organista (ca. 1670 em
diante), salários também baixaram. Ao longo
do séc. XVIII a situação se deteriora
rapidamente.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Organistas da corte: menos significativos na
história da música de órgão do norte da
Alemanha (mais relevantes no sul e na
Áustria); baixa posição social dentro da
hierarquia da corte (ao lado de cozinheiros,
artesãos, mestre de dança); salário bem mais
baixo do que do Kapellmeister.
Organista (Alemanha luterana, XVI-XIX)
• Fins XVIII-início XIX: declínio da música de
igreja, eliminação do canto polifônico, fim dos
Kantorats e do posto de Kantor, acelerada
perda de importância do organista.
Músico de orquestra - corte
• Normalmente músicos da região (exceto
diretor/concertmeister), especialmente em
cortes menores. Isso permitia baixar os custos,
com a vantagem de que o pagamento tendia a
ser regular. Quando havia estrangeiros,
normalmente eram da Itália, França e Boêmia.
Músico de orquestra - corte
• Origem social: classe média, ‘artesãos honrados’;
raramente de classes abaixo ou acima; quase
sempre de famílias de músicos.
• Há exemplos (segunda metade XVIII) de músicos
oriundos de classes baixas em Stuttgart, que
estudaram música numa escola gratuita (Hohe
Karlsschule).
• Muitas vezes postos que passam de pai para filho.
Normalmente o filho tocou na orquestra junto
com o pai sem ganhos, para experiência e para
gerar um vínculo.
Músico de orquestra - corte
• Formação: escola (basicamente em canto),
aulas particulares ou treinamento em escolas
de formação de Stadtpfeifer. Até ca. meados
XIX, formação em diversos instrumentos era a
norma.
• Normalmente concluíam apenas a formação
básica; solistas, aparentemente, recebiam
formação mais ampla, dependendo da origem
social.
Músico de orquestra - corte
• Instrução em composição/teoria dependia do
professor.
• Trompete e tímpano (caixa): apenas
trompetistas/percussionistas com ‘privilégio’
para tal podiam ensinar esses instrumentos.
Privilégio foi mantido até inícios XIX.
• Cortes buscavam instrumentistas que
dominavam seu instrumentos e tocavam com
bom gosto, o que não era fácil de encontrar.
Músico de orquestra - corte
• Anon., Philosophische Fragmente über die praktische
Musik, Viena, 1787: ‘Muitos músicos profissionais não
passam de máquinas. [...] Muito poucos estudam
música como uma ciência, com a ajuda de outras
disciplinas como matemática, álgebra, composição e
outras artes que, vê-se facilmente, são indispensáveis
se se quer atingir algum nível de expressão. [...] O
estilo de vida, os maus métodos de estudo de música,
a falta de desenvolvimento intelectual – esses são os
fatores que produzem um número tão reduzido de
instrumentistas realmente bons [...], um número que
segue diminuindo e diminuindo.’
Músico de orquestra - corte
Ganhos X padrão de vida (em geral, com variantes):
• Cortes grandes: trabalho como músico apenas;
até inícios XIX: músicos de orquestras de cortes
pequenas atuavam também como serviçais.
Instrutor de música, almoxarife, porteiro,
lacaio....
• Salário médio garantia padrão de vida de classe
média, em circunstâncias normais (sem dívidas
ou guerra) o que, em muitos períodos, era
exceção. Valores estavam na média do que se
pagava em cortes.
Músico de orquestra - corte
• Posto regular era obtido apenas depois de
período de penúria. Muitas vezes o músico
entrava no posto com débitos que podiam ficar
até depois de sua morte. Ocasionalmente,
músicos de orquestra fugiam devido a débitos.
• Até fins XVIII: pagamento em espécie e bens de
consumo (roupas, roupas de concerto, vinho);
material de trabalho provido pela corte
(instrumentos, acessórios, reposição).
• fins XVIII: criação de fundos de pensão para
viúvas/órfãos.
Músico de orquestra - corte
• Qualidade: não havia motivação/inclinação
para crescimento artístico por parte dos
músicos. Orquestras arregimentadas tendiam
a ser melhores tecnicamente do que as fixas
de corte.
• Movimento em direção à especialização,
devido a maior demanda técnica (terceiro
quarto XVIII). Aumento de prestígio social em
decorrência.
Músico de orquestra - corte
• Instrumentistas da corte X posição do cidadão
médio: por um lado, músico da corte era visto
como cidadão médio por suas origens; por
outro, emprego na corte fazia dele ‘superior’
e, por isso mesmo, rejeitado.
• Sociedade predominantemente de classe
média propicia reconhecimento social do
músico de orquestra.
Frederico, o Grande, da Prússia com a orquestra da corte
Músico na corte
• Posição social do Kapellmeister: geralmente
ocupava uma boa posição, abaixo, no entanto,
das prima-donas italianas e dos castrati.
• No entanto, há exemplos de Kapellmeister em
posições inferiores a do valete do duque ou da
serva pessoal da duquesa.
Músico na corte
• Insegurança financeira. Exemplo da corte de
Dresden: documentação farta de débitos de
anos, que familiares de músicos falecidos não
conseguiam receber.
• Ao longo do século XVIII há a percepção de
que a estrutura feudal das cortes estava
ruindo. Explica, em parte, a preferência por
postos na municipalidade.
Músico na corte
• Prática de que a composição pertencia ao
empregador/mecenas começa a ser
combatida
• Cresce a consciência do músico/compositor
como artista criador, dono de sua obra
• Ainda assim: contrato de Haydn com o
Príncipe Esterhazy (1761) previa a cessão de
direitos.

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