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JUSTIÇA

CURSO

NA SALA DE AULA

FORMAÇÃO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

A Formação
Histórica
do Judiciário
Brasileiro
GRETHA LEITE MAIA

2
FASCÍCULO

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Copyright © 2018 by Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)


Presidência: João Dummar Neto
Direção Geral: Marcos Tardin

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)


Gerência pedagógica: Viviane Pereira
Coordenação geral: Ana Paula Costa Salmin

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA


Concepção e coordenação geral: Cliff Villar
Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia
Direção de marketing: Cliff Villar
Analista de marketing: Sarah Dummar
Estratégia e relacionamento: Adryana Joca e Alexandre Medina
Direção administrativa: Cecília Eurides
Gerência de produção: Gilvana Marques
Produção: Ana Luisa Duavy
Coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido
Edição de design e projeto gráfico: Amaurício Cortez
Editoração eletrônica: Marisa Marques de Melo
Ilustrações: Rafael Limaverde
Revisão de texto: Jonas Viana
Catalogação na fonte: Edvander Pires

Este fascículo é parte integrante do “Curso Justiça na Sala de Aula –


Ferramentas Pedagógicas para Difusão e Promoção de Temas e Conteúdos
Sobre o Papel da Justiça no Ambiente Escolar, composto por 12 fascículos
oferecido pela Universidade Aberta do Nordeste (UANE), em decorrência do
contrato celebrado entre Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE) e a
Fundação Demócrito Rocha (FDR), sob o nº 40/2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Fundação Demócrito Rocha
Ficha catalográfica elaborada por:
Francisco Edvander Pires Santos (CRB-3/1212)

C984

Curso Justiça na Sala de Aula: ferramentas pedagógicas para difusão e promoção de temas e
conteúdos sobre o papel da justiça no ambiente escolar / Gerência pedagógica: Viviane Pereira;
coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido; ilustrações: Rafael Limaverde. – Fortaleza: Fundação
Demócrito Rocha/Universidade Aberta do Nordeste, 2018.
192 p. : il. color.

Dividido em 12 fascículos.
ISBN 978-85-7529-868-8
ISBN 978-85-7529-871-8

Concepção, coordenação geral e direção de marketing: Cliff Villar.


Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros.
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro.
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia.

1. Direito. 2. Poder Judiciário. 3. Organização judiciária. 4. Tribunais. 5. Ministérios públicos.


6. Defensorias públicas. I. Pereira, Viviane. II. Brígido, Gustavo. III. Limaverde, Rafael. IV. Fundação
Demócrito Rocha. V. Universidade Aberta do Nordeste. VI. Título.

Todos os direitos desta edição reservados a:


CDD 340

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SUMÁRIO

1- Introdução............................................................................................................................................ 20
2- A Chegada dos Europeus com suas Cortes: O Brasil Colônia....................................21
3- Uma Jurisdição Brasileira no Império .................................................................................. 25
4- A República e o Supremo Tribunal Federal (STF) .......................................................... 28
Síntese do Fascículo ............................................................................................................................31
Referências ...............................................................................................................................................31
Perfil da Autora .......................................................................................................................................31

OBJETIVOS DO FASCÍCULO
Esse estudo se propõe a destacar os principais aspectos da formação histórica do
Judiciário brasileiro. São objetivos específicos:

• Afirmar a existência de um Poder Judiciário com peculiaridades nacionais e


apresentar a trajetória histórica que gerou essa organização;
• Resgatar a história da chegada das primeiras cortes judiciárias instaladas no
Brasil colônia em 1609 e destacar a formação de uma mentalidade;
• Apresentar a instalação de um Judiciário no Brasil independente de Portugal,
inscrito em nossa primeira Constituição, a de 1824;
• Destacar a criação do Supremo Tribunal Federal, o STF, como um marco do
advento de um Judiciário republicano em um estado federativo;
• Ressaltar a opção por uma Justiça especializada trabalhista e eleitoral no
contexto dos anos 30.

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1
INTRODUÇÃO
A proposta central deste fascí-
culo é apresentar a trajetória histó-
rica de formação do Judiciário bra-
sileiro até sua atual conformação.
Parte da pré-compreensão de que
um aparelho burocrático judiciário
é o resultado de um processo his-
tórico que se inicia com a univer-
salização da teoria da tripartição
de Poderes ou funções do Estado
(Legislativo, Executivo, Judiciário).
São os Tribunais que fazem a aperfeiçoar o trabalho do sistema
Apesar de ser um ponto de partida
gestão administrativa e orçamen- judiciário brasileiro, principalmente
comum aos Estados modernos, na-
tária dos órgãos jurisdicionais. Os no que diz respeito ao controle e à
cionais, cada poder judiciário vai ad-
Tribunais também possuem um transparência administrativa e pro-
quirindo uma forma própria, pecu-
órgão máximo, composto por to- cessual. Os Juizados Especiais Cíveis
liar, derivada das escolhas políticas
dos os membros reunidos (o Pleno e Criminais são parte do Judiciário
inerentes à história de cada povo.
do Tribunal). No Brasil, a opção pelo Estadual para conflitos de menor
Assim, cumpre-nos antes apresen-
federalismo determinou a estrutu- complexidade e potencial ofensivo.
tar, de forma sucinta, a composição
ração da Justiça Federal (da União) A Justiça Federal também estrutu-
atual do Judiciário brasileiro, para
e a Justiça Estadual (dos estados). ra Juizados Especiais Federais, prin-
perguntar à História o que nos trou-
Há um tribunal com jurisdição em cipalmente para pequenas ações
xe até aqui.
todo o território nacional para uni- contra o INSS.
Os órgãos do Poder Judiciário
formizar a aplicação da lei federal, o Após essas informações de ca-
brasileiro estão identificados no art.
STJ – Supremo Tribunal de Justiça. ráter técnico, iniciaremos nossa jor-
92 da Constituição Federal de 1988.
Também foram estruturadas três nada histórica a partir da chegada
A estrutura básica de um aparelho
Justiças especializadas: a trabalhis- dos europeus, e especificamente,
judiciário é constituída por um tri-
ta, a eleitoral e a militar. dos portugueses, no continente que
bunal e seus juízes. Todos os órgãos
Acima de todos os órgãos do viria a ser conhecido como Améri-
do poder judiciário processam e jul-
Judiciário está o STF – Supremo Tri- ca. A precocidade do reino de Por-
gam. Os juízes são os órgãos de 1º
bunal Federal. Sua principal função tugal e a peculiaridade de termos
grau de jurisdição, o que correspon-
é atuar como guardião da Constitui- sido colonizados por um Estado
de ao primeiro exame da questão.
ção. É o órgão que exerce o controle que iniciou um processo de buro-
Os Tribunais são os órgãos de 2ª grau
concentrado de constitucionalida- cratização antes dos demais reinos
de jurisdição, encarregados inicial-
de de leis ou atos normativos, por europeus fizeram com que tivés-
mente de receber os recursos das
meio de ações diretas declaratórias semos nossa primeira experiência
decisões dos juízes. Existem ações
de inconstitucionalidade (as ADINs). de Cortes de Julgamento no início
que se processam e julgam pelos
Mas o STF também funciona como do século XVII, com a instalação do
Tribunais, originariamente. Os Tribu-
tribunal recursal. O Conselho Na- Tribunal da Relação em 1609 na
nais são compostos por colegiados e
cional de Justiça também é órgão Bahia. É importante destacar a que
suas decisões, em regra, são acorda-
do Judiciário, embora não tenha a formação de uma mentalidade se
das por pelo menos três julgadores.
função jurisdicional; a ele compete dá em um processo histórico de lon-

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va a posse das grandes rotas marí-
timas e dos pontos estratégicos de
comércio, sendo mais importante
fundar feitorias do que colônias.
A CHEGADA DOS Mas colonizar era um empreendi-
mento muito caro, especialmente
EUROPEUS COM para Portugal que não dispunha de
um contingente populacional a ser
SUAS CORTES: O transplantado para além-mar.

BRASIL COLÔNIA Segundo Fausto (2013), a opção


pela feitoria praticamente tornava
desnecessária a colonização do ter-
Conforme ficou consolidado ritório. Portugal possuía feitorias na
na História escrita pelos europeus, Índia, na China e no Japão, o que
o Brasil ingressa no cenário mun- permitiu trocas comerciais durante
dial com as grandes navegações, todo o século XV. Foram as ilhas do
quando Portugal, protagonista de Atlântico que estimularam a experi-
ga duração e que somos o resulta- descobrimentos e rotas mercan- ência da ocupação, incluindo plan-
do de três séculos de colônia contra tis, declara ter “descoberto” novas tio em grande escala e emprego de
um século de Império e um século terras e tem seu direito de explo- trabalho escravo: por tratar-se de
de República, grosso modo. Desta ração da “descoberta” assegurado território em disputa com os espa-
forma, o fascículo se estrutura em pelo Tratado de Tordesilhas, selado nhóis, Portugal se instalou nas Ilhas
três partes. Na primeira, foram des- pela Igreja Católica. De acordo com da Madeira, nos Açores, em Cabo
tacados os aspectos de instalação Alencastro11, durante os sécs. XVI e Verde e em São Tomé, inicialmente
da burocracia portuguesa no Brasil XVII, o comércio internacional no plantando trigo e depois cana-de-
colônia, que envolveu, além dos ma- Atlântico Sul animava o mundo ca- -açúcar. Assim, entende-se porque
gistrados, também os militares e os pitalista mercantil no qual importa- as primeiras tentativas de explora-
padres, dois segmentos desta bu- ção do litoral brasileiro se basearam
rocracia que tiveram papel prepon- no sistema de feitorias.
1 Para ampliar essa discussão,
derante na política e na educação,
conferir ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O
e nunca deixaram de ter influência trato dos viventes: formação do Brasil no
em nossa sociedade. Por isso, a ênfa- Atlântico Sul. São Paulo: Com-
se será nesse período histórico. panhia das Letras, 2000.
Em seguida, foram identifica-
dos os impactos do processo de
independência e formação de um
aparelho estatal no Brasil sobera-
no. Por fim, no último item, foram
destacadas as principais reformas
que a República promoveu na es-
trutura judiciária, em especial des-
tacando a instalação do STF, em
1893, e, nos anos 1930, das Justiças
Especializadas por matéria: a Tra-
balhista e a Eleitoral.

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Os povos da costa litorânea do gueses tradicionais, mas moldado
Brasil, entretanto, tinham uma or- para acomodar e superar as pe-
ganização social muito diferente culiaridades de uma sociedade e
dos padrões europeus, indianos ou de uma economia em formação”
chineses. Portugal, concluindo pela (SCHWARTZ, 2011, p. 147).
escassa possibilidade de comércio, Com a instalação da burocracia
se interessou pela posse da terra, portuguesa e do Tribunal da Rela-
nos moldes das ilhas do Atlântico, ção, um fenômeno foi se desenhan-
desta vez em razão das ameaças de do: a organização da sociedade
ocupação dos franceses. Para Faus- colonial em segmentos, classes ou,
to (2013, p.40) “considerações polí- ainda, estamentos, conforme Ray-
ticas levaram a Coroa portuguesa à mundo Faoro22. Essa nova classe
convicção de que era necessário co- representava o poder de fiscalizar,
lonizar a nova terra”. julgar e punir. De início, estabele-
Eram, pois, colônias de explo- ceu-se que o comportamento dos dores livres, artesãos e até peque-
ração. O Estado português interes- magistrados portugueses deve- nos comerciantes, e uma interação
sava-se, sobretudo, por tributos. As ria ser moldado para atender aos restrita aos demais segmentos da
tarefas de explorar e comercializar interesses de Portugal. Para que burocracia, incluído os membros
seriam um empreendimento pri- pressões sociais e econômicas na do clero. As medidas chegavam ao
vado, permitido por meio de con- colônia não alcançassem essa ma- ponto de proibir o matrimônio dos
cessões do Estado, em troca de gistratura profissional, Portugal exi- juízes, sempre homens, com mulhe-
garantias de manutenção das ter- gia do magistrado “mãos limpas”, res brasileiras. Ocorre que o status
ras no domínio português. A pro- não devendo se deixar corromper que a magistratura e a burocracia
teção armada de nosso território por suborno e mantendo uma vida conferia aos seus membros tornava-
inicia-se então como tarefa priva- pessoal que projetasse sobriedade. -se um atrativo social pelo qual as
da. Para garantir todo esse projeto, Estes traços permanecem no ima- famílias coloniais estavam dispostas
permitindo uma extração para co- ginário social na definição do que é a lutar, especialmente pelo laço do
mércio, especialmente de madei- um “bom” juiz. parentesco. Os esforços reais para
ra, e assegurando a percepção de Para atingir este objetivo, Portu- elevar os desembargadores acima
tributos, o rei nomeou “uma série gal fez com que os desembargado- da sociedade e separá-los dela tive-
de funcionários para garantir que res fossem vistos como indivíduos ram efeito exatamente oposto: “a ri-
as rendas da Coroa fossem reco- acima da sociedade, oferecendo- queza, o poder, o status e a posição
lhidas” (FAUSTO, 2013, p.42). Desse -lhes riquezas, prestígios, influên- dos desembargadores tornavam o
modo, instituições e formas jurídi- cia social, altos salários, incluindo- contato com eles tanto mais dese-
cas foram nascendo de um amál- -se o hábito da Ordem de Cristo, jável para importantes grupos so-
gama no qual prevalecia a cultura bem como ocupação em lugares cioeconômicos ou grandes famílias”
europeia e lusitana, solidificando- de honra nos acontecimentos civis (SCHWARTZ, 2011, p.151).
-se ao longo da colonização. e religiosos. Com isso, buscava-se Os magistrados, que afinal vi-
O Judiciário brasileiro tem sua o seu isolamento com relação às viam na colônia, utilizavam seu
origem com instalação do Tribunal camadas populares, aos trabalha- prestígio para ampliar os privilégios
da Relação na Bahia. Para defen- pessoais no seu cotidiano. Eles de-
der os interesses da Coroa, Portu- senvolveram associações voluntá-
2 Raymundo Faoro foi importante
gal enviou ao Brasil seus servidores, jurista brasileiro, em cujo legado encon- rias, de amizade e de parceria com
dentre eles os “sóbrios magistrados tra-se o muito citado livro “Os Donos do os brasileiros. O casamento, que era
graduados na Universidade” que, ao Poder”, que busca explicar a consolida- proibido pela metrópole, era de in-
desembarcarem no cais de Salva- ção, no Brasil, de uma sociedade de esta- teresse estratégico para a colônia,
mentos, que teria projetado essa estrutu-
dor em julho de 1609 “penetraram pois era visto como uma troca de
ra dentro do nosso Judiciário, fazendo-o
num mundo colonial, um universo um corpo burocrático fechado, com in- recursos entre os juízes e as famí-
social baseado em modelos portu- teresses próprios. lias. Numa via de mão dupla, para

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endividaram-se ou faliram como
comerciantes ou fazendeiros, e
tiveram de tomar suas decisões
de acordo com as vontades dos
poderosos, especialmente da
elite canavieira que controla-
va as Câmaras Municipais no
então rico e poderoso Nordes-
te do Brasil, especialmente na
Bahia e em Pernambuco. Nestes
casos, alguns membros da ma-
gistratura ficavam numa situa-
ção difícil também perante a
Coroa portuguesa.
os magistrados tal aproximação Por isso, enquanto classe, a
garantia oportunidades econômi- magistratura também procurou
cas e para as famílias coloniais ter desde logo alguma independên-
relações com “alguém” do Tribunal cia. De acordo Schwartz (2011, p.
abria portas não só para as obten- 151), a Relação da Bahia, criada em
ções de vantagens, mas também 1609, não se tornou subordinada a forma que o tribunal tivesse uma
como forma de prestígio perante nenhum grupo da sociedade bra- composição mesclada de juízes ex-
a sociedade, consolidando o status sileira: muito embora a aristocracia perientes com juízes recém-chega-
dessa classe no Brasil. açucareira exercesse considerável dos: “os juízes eram mandados para
Outro elo que se formou entre pressão tanto na colônia como na o Brasil com a promessa de promo-
os magistrados e a sociedade colo- metrópole, o Tribunal Superior nun- ção depois de seis anos de serviço
nial foi o compadrio. Lentamente, os ca cedeu completamente sua in- satisfatório” (SCHWARTZ, 2011 p.
produtores na economia canavieira dependência e autoridade. O que 246). Em virtude dos laços com a
e os comerciantes atacadistas ex- se viu, na verdade, foram juízes que colônia, juízes chegavam a recusar
portadores formaram uma aliança não eram acorrentados aos interes- outras nomeações.
entre as elites coloniais, que seguiria ses da Coroa, mas faziam parte da Ora, a importância que a bu-
em rota de colisão com os interes- sociedade colonial e com ela divi- rocracia tinha na colônia fez nas-
ses da metrópole. Esta aliança fa- diam as críticas à Metrópole. cer na sociedade local o interes-
vorecia o descumprimento das leis Desse modo, para proteger- se na ocupação de tais lugares de
portuguesas, criando uma prática -se, a magistratura tornou-se, nas poder. A magistratura, a princípio,
jurisdicional própria aos Tribunais na palavras de Schwartz (2011, p. 245), era composta, no Brasil, apenas por
colônia, a sonegação de impostos e “autoperpetuadora”, pois, uma vez portugueses. Mas, entre os filhos
a impunidade para os membros das honrado com o título de desem- de potentados coloniais surgiu o
elites locais. Os juízes, afinal, não bargador, o titular adquiria uma questionamento sobre a sua possi-
eram “protetores desinteressados da designação, acima de tudo, social: bilidade de obter formação para o
lei, pairando acima da poeira local, “embora a magistratura tivesse se exercício das cobiçadas atividades
das rixas de facções e dos interesses desenvolvido com um corpo de bu- burocráticas na colônia. A forma-
pessoais, mas faziam parte da socie- rocratas profissionais, com funções ção dos magistrados lusos era feita
dade colonial e, por isso, estavam específicas dentro de uma estru- por um sistema altamente rigoro-
plenamente enredados nos laços tura política, ao longo dos anos os so, controlado e labiríntico: para se
de amizade, parentesco e interes- magistrados também procuraram chegar ao cargo de desembarga-
ses que integravam essa sociedade” transformar sua posição numa base dor, eram necessários avaliação de
(SCHWARTZ, 2011, p. 226). de status social”. A Coroa, na ten- registros universitários, exames de
Havia riscos; em alguns casos, os tativa de manutenção do controle admissão no serviço real, bem como
magistrados se tornaram reféns da da burocracia, tentava escalonar as assentamentos da chancelaria real.
própria sociedade em que viviam e substituições dos magistrados de Os participantes sempre vinham

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de famílias de burocratas e, às ve-
zes, de comerciantes, e as cidades
de origem eram as mais populosas,
com comércio tradicional e com
universidade, como a de Coimbra,
que passou a ser a cidade onde os
brasileiros, filhos da oligarquia colo-
nial ou de funcionários reais a servi-
ço no Brasil, foram estudar.
Desde o início, o processo de tradição, contribuindo para a forma-
seleção para a formação era exclu- ção de uma mentalidade de temor
dente, visando manter o controle da e reverência. Curiosamente, os filhos
casta: “durante os exames de admis- primogênitos não recebiam educa- frequente a passagem de cargos no
são, alguns homens deparavam com ção formal, pois herdavam a pro- serviço público de pai para filho. Nes-
sérias objeções a seus antecedentes priedade rural produtora ou o ne- se meio tempo, o crescente aumen-
familiares” (SCHWARTZ, 2011, p.233). gócio do pai. Eram os demais filhos to da população colonial fez surgir
O interessante é que acontecia, al- masculinos que eram encaminha- a necessidade de ordem e de juízes
gumas vezes, de outras categorias dos para a burocracia, às armas ou no interior na colônia, assim como o
sociais aparecem, e com alguma re- ao clero. Destaca-se que competia ciclo da mineração no século XVIII.
gularidade, na origem dos desem- às mulheres desta classe gerar mui- Dessa maneira, dentre os “homens
bargadores, como os filhos de ar- to filhos, de preferência homens, bons”, apesar de não serem muitas
tesão com passagem pelas guildas para ampliar as chances de prestí- vezes sequer letrados, eram escolhi-
comerciais. Estes não estavam sujei- gio da família. dos juízes para atuarem no interior,
tos à exclusão que os demais filhos Assim, mais uma vez, formava- presidindo as Câmaras Municipais,
de artesãos e comerciantes estavam -se uma cadeia de autoperpetua- controlando o processo eleitoral e
ao ingresso do serviço real. Convém ção, uma linhagem de funcionários influenciado a política local, deter-
lembrar que as oportunidades de públicos que, na origem, descen- minando o envolvimento dos ma-
carreiras ligadas ao Estado abran- diam das famílias de senhores de gistrados com tarefas de natureza
giam também as Armas e o Clero, engenho. Os seus filhos tornaram-se política e administrativa.
que dispunham de critérios menos funcionários públicos, advogados Assim, a partir de 1690, já é pos-
rigorosos e mais democráticos para e burocratas com formação uni- sível falar de um subsistema genui-
ingresso e ascensão. versitária, que constituíram as ori- namente brasileiro de magistratura
O letramento era considerado gens dos magistrados identificados profissional “quando cargos iniciais
como uma forma de ascensão so- como brasileiros. O título, a dignida- na colônia passaram a servir de pre-
cial pela ilustração. No Brasil, uma de e o reconhecimento concedido paração para o Tribunal Superior da
colônia sem escolas ou universida- a um magistrado real diminuíam Bahia” (SCHWARTZ, 2011, p. 254). Se
des, competia a Igreja Católica a a insegurança destes homens que até então a maioria dos magistrados
tarefa de instruir uma pequena par- não tinham origem notáveis, em- vindos de Portugal eram atraídos de
te da população. A Companhia de bora também não pertencessem às volta às terras lusas por promoções
Jesus se encarregou da educação classes populares. Formava-se uma oferecidas pela Coroa, fazendo com
escolarizada na colônia e, desta for- mentalidade de classe. que muitos juízes vissem no Brasil
ma, os primeiros representantes da Como consequência, “a cria- apenas uma etapa da sua carreira,
Colônia junto às cortes foram os fi- ção de uma classe de letrados fez no século XVIII os magistrados tor-
lhos dos senhores de engenho edu- da institucionalização do nepotis- naram-se parte da vida cotidiana
cados no sistema educacional jesu- mo um objetivo desejado dentro da colônia, no que Schwartz chama
ítico. Isso significava que o processo da magistratura” (SCHWARTZ, 2011 de “abrasileiramento da burocracia”.
de escolarização trazia o espírito da p. 248). Tornou-se uma prática asse- Também é o século de expulsão
contrarreforma para formar letrados gurar tratamento preferencial para dos jesuítas pela administração do
eruditos, apegados à autoridade e à os parentes dos magistrados, sendo Marquês de Pombal, em 1759. O ci-

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rio identificava-se, a partir de então,
mais como uma magistratura a ser-
viço de uma sociedade escravista. O
contrário se deu com o clero, espe- PARA
cialmente o clero secular da Igreja
católica, e mais tarde, com os milita-
REFLETIR
res. Durante o Primeiro Império e a • Quais os impactos
Regência, o protagonismo coube ao do sistema colonial
clero e aos movimentos populares. estabelecido por Portugal
No caso do clero, é possível afir- no território do Brasil?
clo do ouro contribuiu para ampliar mar com Ferreira (in MOTA, 2010,
a população urbana no interior da p.188) que os padres estavam “pre- • Quais são os aspectos
colônia e as ideias de independên- sentes em praticamente todos os que ainda permanecem
cia começam a circular. No final do movimentos de rebelião até 1842, como características
século, o declínio da economia au- algumas vezes ocupando posição de um de pensamento
rífera concorre para o declínio eco- de destaque [...]”. A figura mais em- dos brasileiros sobre si
nômico de Portugal e com isso os blemática é a de Diogo Feijó, padre mesmo?
movimentos de independência tor- secular que foi Ministro da Justiça
nam-se recorrentes. entre 1831-32, Regente do Brasil en- • De que forma ainda
tre 1836-37 e, por fim, líder da revolu- podemos ver no Judiciário

3
ção, em 1842, em São Paulo, contra brasileiro traços de sua
a aprovação das leis centralizadoras origem, conforme relatado
de 1841. Feijó foi o único Ministro por Schwartz e Carvalho?
da Justiça não formado em Direito,
mas, paradoxalmente, foi durante • Quais transformações
UMA JURISDIÇÃO sua atuação na administração das
revoltas no período regencial que se
podemos identificar no
Judiciário brasileiro hoje?
BRASILEIRA NO vislumbrou a possibilidade de um
governo sob a lei no Brasil. Feijó re-
IMPÉRIO presentava o grupo intermediário de
cidadãos livres na sociedade brasi-
leira, pois era um brasileiro comum,
O processo de independên- sem tradição de família em um país
cia não trouxe grande abalo social de dinastias familiares, sem dinheiro
e não correspondeu a alterações nem terras e sem títulos de nobreza.
profundas. Não teve caráter revo- Os padres seculares eram autodida-
lucionário e a posição das classes tas e se submetiam a exames civis e,
sociais permaneceu a mesma. A diferente dos magistrados, se colo-
desenvoltura com a qual o Judici- cavam quase sempre entre os parti-
ário se estabeleceu no jogo de po- cipantes de movimentos rebeldes e
der durante a colônia fez com que a entre a oposição liberal, combaten-
magistratura ficasse distante do pro- do o absolutismo, a centralização do
tagonismo de movimentos por mu- poder, e a unidade nacional.
danças. Pode-se afirmar que, com a No caso do Exército brasileiro,
independência e o fim das relações foi a guerra do Paraguai, entre 1865
colônia-metrópole, o Poder Judiciá- e 1870, que determinou sua conso-

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lidação. Até então, estava ausente De acordo com Carvalho (2003,
uma estrutura oficial de caráter na- p.174), a carreira de juiz iniciava com
cional. Cada tropa tinha suas pró- o ingresso no cargo de juiz muni-
prias regras, sua própria disciplina cipal e de órfãos, para o qual eram
e hierarquia. Havia uma forte distin- nomeados bacharéis com, no míni-
ção entre o recrutamento das tro- mo, um ano de prática forense, para
pas e a composição do quadro de período de quatro anos; após, po-
oficiais e ainda a concorrência com diam ser promovidos a juiz de direi-
a Guarda Nacional que fazia com to, quando adquiriam estabilidade
que o Exército ocupasse um lugar e só perdiam o cargo por processo
destituído de significação. Quando legal. Em seguida, vinha o cargo de
a classe média nascente passa a desembargador e, acima, os minis-
compor os quadros de oficiais do tros do Supremo Tribunal de Justiça
exército brasileiro, vindos, desde no Rio de Janeiro. De acordo com
1874, da Escola Militar, os militares Koerner (2010, p.35), mesmo no policiais e judiciárias. Mesmo ante
passaram a se engajar em movi- exercício das funções judiciais, os a tais modificações, os magistrados
mentos diversos por reformas, in- magistrados sequer aplicavam nor- ainda mantiveram influência na
clusive no movimento abolicionista. mas legais genericamente estatuí- vida política por pertencerem à pe-
O Poder Judiciário, em especial das, atuando mais como mediado- quena elite de homens ilustrados, o
no Segundo Reinado, era distinto res de conflitos para a “manutenção que lhes garantia à prerrogativa de
apenas funcionalmente do poder da estabilidade da sociedade escra- elaborar leis e ocupar outros cargos
imperial. Para Koerner (2010, p.34), a vagista”, em prejuízo dos aspectos públicos, uma vez que se conside-
magistratura imperial não pode ser técnicos e sistemáticos de aplica- rava, conforme defendeu Euzébio
considerada uma burocracia, uma ção da lei. de Queiroz, que “a educação e a
vez que “o ingresso, a promoção e A grande reforma judiciária do experiência de carreira dão aos ma-
as remoções não eram executadas Brasil Império se deu em 1871, com gistrados grande competência para
segundo normas estabelecidas em a separação definitiva das funções as funções legislativas” (Carvalho,
estatutos” e porque “eles desempe- 2003, 178).
nhavam simultaneamente funções A Reforma do judiciário de 1871
administrativas e judiciais e, além coincide com a publicação da Lei
disso, havia funções judiciais exe- do Ventre Livre. Koerner (2010) rea-
cutadas por leigos e pela polícia”. liza um estudo minucioso da rela-
Mudanças sensíveis no Judiciário ção entre as estratégias do processo
brasileiro ocorreram com a re- de transição da escravidão para
forma do Código de Processo o trabalho livre, especialmente
Criminal de 1841, que retirou pelas características da Lei do
das províncias atribuições Ventre Livre de 1871, identifi-
conquistadas durante a Re- cando a reforma judiciária do
gência. Como os magistra- mesmo ano como parte da
dos imperiais eram mais estratégia de abolição gradu-
do que juízes, pois con- al da escravidão. Qualifican-
centravam papéis políticos do as propostas de reformas
e sociais, foi significativa a como liberais ou conservado-
diminuição das suas compe- ras, aponta como principais
tências administrativas, com questões as que envolviam dis-
a criação, em cada província, tribuição de competências, o que
de uma chefia de polícia e de ficaria como jurisdição civil e o que
órgãos penitenciários. seria jurisdição criminal, divisão que
envolve o problema da profissionali-

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zação do juiz, e das garantias contra
prisões arbitrárias3. Nos anos seguin-
tes à reforma judiciária de 1871, hou-
ve uma maior estruturação interna
da carreira dos magistrados, aumen-
tando o número de lugares da ma- Por fim, é preciso indagar qual
gistratura, em parte por pressão do o papel dos magistrados no abo-
aumento do número de bacharéis, licionismo, movimento que pon-
com uma redistribuição regional de tuou todas as grandes questões do PARA
REFLETIR
juízes profissionais. II Império brasileiro. Koerner (2010)
ressalta que a atuação dos magis-
trados é entendida de forma dúbia
3 O poder Judiciário tem como um
nos diversos trabalhos acadêmicos
• Ao Poder Judiciário
dos princípios de organização a divisão compete posicionar-se
de competências. Competência é a par- de pesquisa que tem por objeto o
politicamente? É possível
cela de poder jurisdicional de cada órgão processo de abolição da mão-de-
perseguir o ideal de um
do Poder Judiciário. Assim é que um juiz -obra escrava no Brasil. Os historia-
criminal não pode processar e julgar um julgador imparcial e como
dores têm ressaltado o papel das
divórcio e um juiz de família não pode deve ser a sua formação?
– isto é – não é competente para julgar
ações de liberdade protagonizadas,
um homicídio. A divisão de competên- dentre outros por Luiz Gama, funda-
cia se orienta por alguns critérios, como mentadas na Lei de 1831, mas não
• O Poder Judiciário deve
ser absolutamente
a pessoa que figura como autor ou réu há ainda um levantamento históri-
do processo; assim, se você vai processar independente ou
co que permita destacar a atuação
a União, o órgão competente estará na é possível existirem
Justiça Federal e não na Justiça Estadu-
da magistratura. Esses momentos,
órgãos de controle de
al. Outro critério é a matéria. Ao longo do que envolvem episódios históricos
composição democrática
período colonial e imperial, o Brasil pos- determinantes na instituição de
suía apenas duas grandes divisões por sem comprometer a
uma nação, são fundamentais, pois
matéria: a jurisdição cível e a jurisdição autonomia das decisões?
se tornam lentes sob as quais apa-
criminal. Assim, se o legislador definisse
que não ter emprego era crime de va-
recem as relações complexas entre
diagem, quem julgaria era o juiz crimi- as classes dominantes, em conflito,
nal e aplicaria uma pena, que à época e a prática judicial. A importância
normalmente era de trabalhos forçados. de compreender a atuação dos ma-
Mas se o legislador regulamentasse a gistrados nas ações de liberdade é
matéria no campo da lei civil, o descum-
primento seria julgado por um juiz cível fundamental para a história do po-
e a sanção não poderia ser nem prisão der judiciário e da construção de
nem pena de trabalhos forçados. uma sociedade de direitos no Brasil.

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4
A REPÚBLICA E O como uma espécie de válvula regu- estados, nos quais
ladora do grau de autonomia dos não existiam garan-
SUPREMO TRIBUNAL estados em que se haviam converti- tias de vitaliciedade,

FEDERAL (STF) dos as antigas províncias imperiais”


(IGLÉZIAS, in MOTA, 2010, p.263). As-
inamovibilidade e irreduti-
bilidade dos vencimentos, e
sim, ficou estabelecido desde logo o poder jurisdicional podia ser
que o Judiciário deveria ser organi- atribuído a leigos ou temporários
É possível afirmar, da análise zado segundo o princípio da dupla sem formação.
dos debates constituintes de 1890, soberania, sob pena de descaracte- O destaque deste período é a
que a preocupação com a organiza- rização do princípio federativo. criação do Supremo Tribunal Fede-
ção do Poder Judiciário na Primeira Igualmente distante do movi- ral, em 1893, destinado originaria-
República centrava-se nos temas da mento que culminou com a pro- mente a julgar os conflitos entre a
unidade/dualidade da magistratu- clamação da República no Brasil, a União e os estados-membros: “os
ra4 e da unidade/dualidade da legis- magistratura, como classe, foi rees- Anais da Constituinte mostram com
lação ordinária5. Mais que a forma truturada sob o princípio federativo. nitidez que o STF não era percebido
republicana, o princípio federativo A autonomia dos estados-membros pelos congressistas como guardião
tornou-se objeto de atenções e o gerou a magistratura dos estados da Constituição, enquanto catálogo
Judiciário assume um “perfil de um e a criação da União fez nascerem de direitos individuais e políticos, e
poder concebido para funcionar os juízes seccionais, que deram ori- sim como uma espécie de garante
gem à Justiça Federal. Desta forma, do pacto federativo” (IGLÉZIAS, 2010,
ao contrário do que acontecia na p.267). Após o governo de Campos
4 A questão refere-se à existência
de duas estruturas judiciárias, uma or-
unidade do Império, na Primeira Sales, já no século XX, se inicia uma
ganizada e suportada pelo orçamento República observou-se um controle atividade jurisdicional no STF como
da União (a Justiça Federal) e uma orga- oligárquico do poder judiciário nos intérprete da Constituição. Os juí-
nizada e suportada pelo orçamento dos
estados-membros da Federação, anti-
gas províncias (a Justiça Estadual). Essa
estrutura dual substitui uma magistra-
tura nacional, una, que existiu durante
o período em que o Brasil foi um Estado
Unitário.

5 A questão refere-se à existência


do modelo no qual as leis civis e crimi-
nais são produzidas pelas assembleias
legislativas dos estados-membros (mod-
elo federativo americano), ou seja, pela
dualidade de competência legislativa
exercida pelos Estados-membros e pela
União; ou pela preferência de concent-
ração e unidade da legislação ordinária,
modelo adotado e mantido no Brasil,
que concentra a competência para leg-
islar sobre direito penal e civil, dentre out-
ras matérias, na competência exclusiva
da União (cf. Art. 22 da CF/88)

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zes seccionais eram nomeados pelo ditatoriais, negando vários pedidos aposentadoria compulsória de Mi-
Presidente da República a partir de de Habeas Corpus. nistros, privação de competência e
uma lista tríplice elaborada pelo STF Nos anos 50 ocorre uma am- redução do número de Ministros6.
e o processo de nomeação abria um pla modificação na composição Para finalizar esse percurso
campo de negociação entre as oli- da Corte, alterando seu perfil. Nos histórico, cabe destacar a criação
garquias estaduais, o Presidente da vários momentos de golpes que de duas estruturas judiciárias que
República e os próprios ministros do caracterizaram o fim do Estado caracterizam um contexto históri-
STF, conforme Koerner (2010, p.181). Novo até o golpe de 64, o STF foi co muito significativo para o Brasil:
Costa (2006) registra as inter- muitas vezes solicitado, quer por o estabelecimento de uma Justiça
venções sofridas pelo Poder Judiciá- Mandado de Segurança, quer por Trabalhista e de uma Justiça Eleito-
rio no Brasil durante os dois períodos Habeas Corpus, e em todos esses ral no Brasil. Os anos 1930 consoli-
ditatoriais. Ainda em 1931, foi institu- julgados, segundo Costa (2006, dam, no cenário histórico, os movi-
ído, por decreto do governo provisó- p.137), “o Supremo Tribunal reco- mentos de reivindicação da classe
rio pós-revolução de 30, um tribunal nhecera o poder dos militares de operária em um país fortemente
especial para processo e julgamento intervir no sistema político e esta- marcado pela economia agrária
dos crimes políticos e outros que se- belecera o princípio da legitimida- fundiária. Para o governo Vargas, era
riam discriminados na sua lei de cria- de revolucionária”. Por fim, durante importante assegurar as leis traba-
ção; outro decreto reduziu o núme- uma visita do presidente Castelo lhistas por um judiciário composto
ro de Ministros do Supremo Tribunal Branco, o Ministro Ribeiro da Cos- por juízes especializados, do que
Federal de 15 para 11 e estabeleceu ta saudou o presidente afirmando
regras para abreviar os julgamentos. que a sobrevivência da democra-
Vargas aposentou compulsoriamen- cia nos momentos de crise se havia 6 Conferir também CURI, Isadora
te seis membros do Supremo Tribu- de fazer com o sacrifício transitório Volpato. Juristas e o regime militar (1964-
1985): atuação de Victor Nunes Leal no
nal Federal. Na República, foi a pri- de alguns de seus princípios e ga- STF e de Raymundo Faoro na OAB. In:
meira remoção de Ministros por ato rantias constitucionais, acusando o MOTA, Carlos Guilherme. SALINAS, Na-
do Executivo. A partir daí, o Supremo governo deposto de ser o responsá- tasha SchimittCaccia (Coord). Os Ju-
se afastaria da doutrina liberal de- vel pela situação em que se encon- ristas na formação do Estado-Nação
brasileiro(1930-dias atuais). São Paulo:
fendida na primeira República por trava o país. Somente depois dos
Saraiva, 2010, p. 386-423 e SANTOS, Mar-
vários de seus membros e o golpe primeiros anos do golpe de 64, o celo Paiva dos. A história não contada do
de Estado em 1937 encontrou uma Judiciário compreendeu a gravida- Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre:
corte pronta para confirmar os atos de da situação: novamente houve Sérgio Antônio Fabris, 2009.

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dependia a garantia de cumpri-
PARA mento dessas leis exigidas pelo mo-
REFLETIR vimento operariado urbano. A Jus-
tiça do Trabalho, instalada em 1941,
• Qual o papel de uma era composta, na sua origem e até
Corte Constitucional a reforma do Judiciário de 1999, por
em tempos de crise juízes togados e por juízes classistas, Igualmente, o contexto da as-
institucional? representantes dos interesses dos censão de Vargas em 1930 é marca-
empregados e dos empregadores, do pelas críticas ao sistema eleitoral
• Você concorda com a e seu órgão julgador era uma junta. da primeira República, nas quais as
manutenção de uma Embora extinta a jurisdição classis- fraudes eleitorais eram constante-
justiça especializada ta, a Justiça do Trabalho compõe o mente denunciadas e causa de ins-
na matéria trabalhista Poder Judiciário brasileiro atual e é tabilidades. Vargas, visando assegu-
nos moldes do século competente para processar e julgar rar eleições mais seguras, estruturou
XX, considerando as causas trabalhistas, no termos do a Justiça Eleitoral, criada na CF/34,
transformações no Art. 114 da CF/88. Desde sua criação, com várias peculiaridades: é uma
mundo do trabalho? destacam-se como principais influ- justiça sazonal, isto é, juízes de di-
ências do movimento trabalhista reito assumem a jurisdição eleitoral
brasileiro a afirmação do ramo Di- quando há pleito, remanescendo
reito Social por jurista como Eva- sempre pelo menos um juiz com a
risto de Moraes e Cesarino Júnior, o jurisdição eleitoral nos intervalos; é
reconhecimento das primeiras Con- uma justiça composta por Cartórios
venções e Recomendações da OIT e e Juntas eleitorais e exerce também
a influência da Encíclica Papal Re- uma série de atividades administra-
rum Novarum. tivas e organizacionais.

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REFERÊNCIAS
SÍNTESE DO CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem; o teatro
das sombras. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2003.
FASCÍCULO
Coleção Constituições Brasileiras (Senado Federal)
Nesse fascículo foram aborda- COSTA. Emília Viottida.O Supremo Tribunal Federal e a
das questões sobre a formação his- construção da cidadania. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2006.
tórica do Poder Judiciário brasileiro. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2013.
No tópico I, foi resgatada a experiên-
cia de instalação do Tribunal da Re- KOERNER, Andrei. Judiciário e Cidadania na constituição
lação no Brasil colônia e como esta da República Brasileira (1841-1920). 2.ed.Curitiba: Juruá,
experiência é constitutiva do nosso 2010. Coleção Biblioteca de História do Direito.
Judiciário. No tópico II, foi constata-
da a permanência desse modelo e MOTA, Carlos Guilherme. FERREIRA, Gabriela Nunes
suas práticas mesmo com o adven- (coords). Os Juristas na formação do Estado-Nação
to da independência e a conquista brasileiro (1850-1930). São Paulo: Saraiva, 2010.
da soberania. No tópico III, foi estu-
dada a instalação de um Tribunal MOTA, Carlos Guilherme. SALINAS, Natasha
superior, o STF, em um estado agora SchimittCaccia (Coord). Os Juristas na formação do
federativo, e foram citadas as razões Estado-Nação brasileiro(1930-dias atuais). São Paulo:
históricas de termos, desde os anos Saraiva, 2010.
1930, duas justiças especializadas
por matéria, a Justiça Trabalhista e a SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no
Justiça Eleitoral. Foram sistematiza- Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus
dos os principais marcos históricos desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia
que determinaram uma estrutura das Letras, 2011.
judiciária que remanesce há mais
de quatro séculos, assim como uma
mentalidade sobre o juiz e seu lu-
gar na sociedade. Foram destaca-
dos aspectos históricos relevantes
PERFIL
relativos à nossa Corte Constitucio- DA AUTORA
nal e órgão de cúpula do Judiciário,
o Supremo Tribunal Federal – STF.
Foram expostos também os fatores Gretha Leite Maia
que, no contexto brasileiro, fizeram Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará
com que o Judiciário Brasileiro fos- (UFC), lotada no Departamento de Direito Processual.
se a projeção das escolhas de uma Doutora em Direito pela UFC. Mestre em Direito pela
sociedade política soberana. UFC. Graduada em Direito pela UFC.

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Fascículo é parte integrante do curso online gratuito
“Justiça na Sala de Aula”.
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