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M I S T I C I S M O l C I Ê N C I A l A R T E l C U L T U R A

OUTONO 2018
Nº 304 – R$ 10,00

ISSN 2318-7107
n MENSAGEM

Prezados com frases da fala do capelão, a meu ver, foi bem


© AMORC

Fratres e Sorores, feito porque remete o leitor das emblemáticas pas-


sagens ao pensamento profundo do filósofo.
Saudações O artigo do Frater Zaneli Ramos é um dos úl-
Rosacruzes! timos escritos pelo pensador que nos brindou com
várias obras como “O Espírito do Espaço” e “Ser
Com alegria no Ser”. Este artigo é um esquema que deve ser
prefacio mais lido de forma sistemática, ou seja, deve-se ler uma
esta edição de parte, estabelecer associações com os ensinamentos
O Rosacruz. e então prosseguir como que montando um puzzle
Os artigos ou quebra-cabeças. Nem todos vão ver a mesma
desta edição “figura” no final porque a limitação está no que
trazem grande recebe, mas o exercício de “montar” o roteiro num
contribuição para todo inteligível proporciona crescimento mental.
os estudantes rosacruzes, a começar pelo exce- Com a mesma clareza da apresentação de
lente artigo do nosso Imperator, Frater Christian seus cursos e palestras, o Frater Luís Fábio
Bernard. Esclarecedor e inspirador com a clareza Miranda desenvolve de forma organizada e
costumeira, ele aprofunda o tema da iniciação didática o seu artigo “Alquimia emocional”.
mística como um processo que o buscador sincero Durante a leitura, faça uma autoanálise porque
deve passar em sua busca de mais Luz. servirá como autoconhecimento.
O artigo do Frater Serge Toussaint, Grande O artigo da Soror Ruth Olson é uma tradução
Mestre francófono, levanta questões que muitos do Rosicrucian Digest que remete à proposta de
de nós nos deparamos quando pensamos no papel conscientização que a Ordem tem feito através
relevante que a ciência tem prestado às nossas dos manifestos e que contribui para uma visão
vidas. Entretanto, ciência é método e consiste em ética e humanista dos estudantes rosacruzes.
uma forma de abordar o Real que pode nos levar A chave da Felicidade do Dr. H. Spencer Lewis
a acertos e erros, uma vez que uma de suas pre- é, podemos dizer, um clássico que nos provoca
missas de base é tentativa e erro. Existem outros a olhar de outro modo as incertezas da vida, na
modos de estabelecer a nossa visão de mundo sem medida em que propõe uma visão espiritualista do
necessariamente aprisionar o valor de verdade mundo e que nada escapa ao “olho que tudo vê”,
da nossa visão à paradigmas preestabelecidos ou também chamado de Mente Cósmica ou da Provi-
“enjaulados”. A visão mística do mundo ultrapas- dência, pelos Martinistas.
sa os modelos convencionados de verdade para Reitero meu convite para a XXV Convenção
uma integração transdisciplinar que expande a Nacional Rosacruz em paralelo com a II Conven-
cosmovisão do Ser Humano. Assemelha-se àquela ção da OGG.
“revolução” no progresso do saber que Thomas Será uma excelente oportunidade de rever Fra-
Khun chamou de quebra de paradigma e que pos- tres e Sorores e de reforçarmos os nossos vínculos
sibilita o salto epistemológico. de fraternidade sob a égide da Rosacruz.
O artigo do Frater Mário Sales, escrito de Assim seja!
forma leve e inteligente, provoca reflexões que de-
vemos pensar a respeito da trajetória da vida, que Sincera e Fraternalmente
o misticismo rosacruz responde com galhardia. A AMORC-GLP
analogia do Frater Mário é esclarecedora.
A personalidade escolhida nesta revista é o
pré-socrático Demócrito que se mostrou contro-
verso por um certo período na história do pen-
samento ocidental, mas que foi reabilitado pelos
historiadores e hermeneutas da filosofia como
uma mente brilhante que vale a pena conhecer. O Hélio de Moraes e Marques
paralelo escolhido pelo autor para articular o texto Grande Mestre

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


1
n SUMÁRIO

04 A iniciação mística
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC

10 Carta aberta dos Rosacruzes aos cientistas (para


04
uma reconciliação entre ciência e espiritualidade)
Por SERGE TOUSSAINT, FRC

18 Destino e antecipação
Por MÁRIO SALES, FRC

10
21 O Nascimento do Alvorecer
Por JACQUES VIESVIL, FRC

22 Demócrito o filósofo desprezado


Por SÉRGIO SILVA, FRC

32 Sinto, logo sou


Por ZANELI RAMOS, FRC

36 Liber
Por MARIO SERRANO, FRC

40 Alquimia emocional
Por LUÍS FÁBIO MIRANDA, FRC
36
46 Fórmula para um Mundo Melhor…
Amor, Serviço, Comunicação, Dedicação
Por RUTH OLSON, SRC

50 Sanctum Celestial
“A CHAVE DA FELICIDADE” por H. SPENCER LEWIS, FRC

56 Ecos do passado
UMA HOMENAGEM À HISTÓRIA DA AMORC NO MUNDO
46
2 O ROSACRUZ · OUTONO 2018
O
s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da
AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos
artigos representa a palavra e o pensa­mento dos próprios autores
Publicação trimestral da e são de sua inteira respon­sabilidade os aspectos legais e jurídicos que
Ordem Rosacruz, AMORC
possam estar interrelacionados com sua publicação.
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem
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Todos os direitos de publicação e repro­dução são reservados à Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de
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do mes­mo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicru­cian
Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux
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Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.
CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da expediente
Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC
Ordem Rosacruz n

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma orga- n Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
nização interna­cio­nal de caráter templário,
místico, cul­tural e fraternal, de homens e
n Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
mulheres dedicados ao estudo e aplicação

como colaborar
prática das leis naturais que regem o uni-
verso e a vida.
Seu objetivo é promover a evolução da
huma­nidade através do desenvolvimento
das potencia­lidades de cada indivíduo e
n Todas as colaborações devem estar acom­panhadas pela declaração do
propiciar ao seu estudante uma vida har- autor cedendo os direitos ou autori­zando a publicação.
moniosa que lhe permita alcançar saúde,
felicidade e paz.
n A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem
Neste mister, a Ordem Rosacruz ofe- nas normas estabelecidas ou que não esti­verem em concor­dância com a
rece um sistema eficaz e comprovado de pauta da revista.
instrução e orientação para um profundo
auto­c onheci­mento e compreensão dos n Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não
processos que conduzem à Iluminação. serão devolvidos.
Essa antiga e especial sabedoria foi cui-
dadosamente preservada desde o seu n No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar
desenvolvimento pelas Escolas de Misté- a autorização dos autores, necessária para publicação.
rios Esoté­ricos e possui, além do aspecto
filosófico e metafísico, um caráter prático. n Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas
A aplicação destes ensinamentos está ao rosacruzes, misti­cismo, arte, ciências e cultura geral.
alcance de toda pessoa sincera, disposta a
aprender, de mente aberta e motivação
positiva e construtiva. nossa capa
No dia 9 de maio p. p. a Grande Loja da
Jurisdição de Língua Portuguesa da AMORC
comemorou 62 anos de fundação. Nossa
capa presta uma justa homenagem aos três
Grandes Mestres responsáveis por edificar e
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri legar ao futuro a Luz Rosacruz: Soror Maria
82515-260 Curitiba, PR – Brasil
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www.amorc.org.br e Frater Hélio de Moraes e Marques.

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3
n IMPERATOR

Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC*

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E
stando cientes disso ou não, o prin- passagem de um grau ao outro nos estudos
cipal propósito das pessoas é evoluir da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis:
em direção à Perfeição e preparar
suas almas para receber o conhe- A iniciação leva, ao reino da razão, o
cimento dos mistérios. Como? Buscando o propósito; e ao reino da emoção, o espírito
caminho da iniciação, pois esse é o único da introdução do estudante aos mistérios.
caminho que leva ao “Conhecimento de si
mesmo”. Mas o que é a iniciação mística? Essa frase contém as palavras-chaves que
Onde ela começa? Onde ela termina? Qual nos possibilitam a profunda meditação so-
seu propósito? E qual a sua natureza? Primei- bre o significado a ser atribuído ao processo
ramente, devemos compreender claramente iniciatório acontecendo dentro de nós. De
que a iniciação não é algo exato, nem mesmo acordo com essa definição, o processo envolve
algum evento fixado no tempo. É um proces- tanto o reino da razão como o reino da emo-
so contínuo de encarnação para encarnação ção. Isso mostra claramente que a iniciação
que deve nos guiar à autorrealização, mas como um todo não se limita apenas a um as-
apenas no final de um desenvolvimento inte- pecto de nosso ser. Frequentemente, temos a
rior muito longo. Portanto, isso significa que tendência de pensar que o misticismo se apli-
todos os pensamentos, palavras e ações já são ca unicamente àquilo que é metafísico – em
uma iniciação por si mesmos, porque contri- outras palavras, aquilo que está além do físico.
buem para a Grande Obra que está aconte- Entretanto, é importante ter uma compreen-
cendo em nós desde o começo dos tempos. são clara que a evolução mística opera tanto
No momento em que acreditamos que a no mundo material quanto no espiritual.
alma existe e que ela evolui através do corpo Além disso, essa é a razão pela qual os seres
físico, somos obrigados a admitir que toda humanos não conseguem vivenciar a verda-
atividade física e mental que realizamos neste deira felicidade se guiarem suas vidas para um
plano terreno está incluída nessa evolução. desses mundos em detrimento do outro. Mas,
Como acabei de mencionar, a evolução antes de mais nada, o misticismo rosacruz nos
da consciência é por si mesma um proces- leva ao estado de felicidade, pois esse próprio
so iniciatório que continua vida após vida. estado nos concede a prova de que compre-
Consequentemente, nós nos iniciamos dia- endemos o profundo significado da vida.
riamente no propósito da existência através Quando a Antiga e Mística Ordem Rosae
de tudo que pensamos, dizemos ou fazemos. Crucis declara que o nosso propósito é nos
Todavia, é verdade que quando falamos de tornarmos conscientes de nossa espiritua-
iniciação geralmente nos referimos a algo lidade, gradualmente, através da iniciação,
diferente do estado de consciência pura- isso não significa deixarmos de lado a ma-
mente objetivo que vivenciamos durante terialidade. Se aceitamos o princípio de que
um período de tempo. Quando o termo um dos nossos objetivos é provar para nós
iniciação é usado nos ensinamentos rosa- mesmos que a mente exerce domínio sobre a
cruzes, ele é mais frequentemente associado matéria, é evidente que esse domínio deve ser
à experiência excepcional que todo místico aplicado ao mundo material. Uma vez que o
espera ter em algum momento ao longo Cósmico fez da encarnação terrena uma con-
do caminho do conhecimento. Cito abaixo dição indispensável para a evolução humana,
uma das definições mais belas dessa experi- parece lógico pensar que o aspecto físico e
ência mística que marca simbolicamente a objetivo de nossa existência é uma realida-

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n IMPERATOR

de necessária para a realização do Divino. estabelecermos para nós mesmos um objetivo


Claro que o mais importante é compreender que seja verdadeiramente possível manter com
claramente que o mundo terreno é apenas o nossas habilidades. É a forma mais efetiva de
meio, e não o fim, e que é apenas a partir do evoluir e evitar a armadilha da ilusão.
material finito que construímos o infinito. Muitos discípulos de denominações re-
No nosso atual nível de evolução espiritu- ligiosas, filosóficas ou pseudomísticas têm
al, não podemos funcionar efetivamente no a tendência de moldar seu comportamento
plano terreno sem sentirmos e satisfazermos pelas vidas dos grandes avatares do passa-
certos desejos que se baseiam nos aspectos do, como assim é entendido por eles. Entre
materiais da existência. Essa é a razão pela outras coisas, eles acreditam fielmente que
qual o asceticismo não é um caminho válido a crucificação física e mental é necessária
no reino do misticismo. Apenas os grandes no caminho à regeneração mística. Estou
adeptos atingiram um estado de consciên- convencido de que todos que pensam des-
cia que os permite transcender facilmente a sa forma e tentam fazer com que outros
dependência que todos temos desse mundo. também acreditem estão equivocados.
Quando os indivíduos estão se aproximando Apenas os Grandes Iniciados têm a força
do estado de Perfeição, sua atividade conscien- e o direito garantido para suportar a cruz
te se dirige de tal forma para os planos mais cósmica da humanidade em seus ombros.
elevados da Consciência Cósmica que eles, na No nosso nível atual de evolução, o peso
verdade, se sentem desprendidos de todos os de nossa própria cruz já é grande e é nosso
desejos terrenos. Contudo, devemos perceber dever aliviar o peso o máximo possível.
plenamente que ainda não alcançamos esse Uma interpretação equivocada de alguns
ponto e que tal desprendimento é o resulta- textos religiosos pode nos levar a crer que
do de uma evolução natural da alma. Assim é apenas a partir do sofrimento que a Luz
como para a maioria dos seres humanos é pode brilhar. Para mim, nada parece estar
impossível, de um dia para o outro, viverem tão distante da verdade, pois então o Deus
nesse plano material, enquanto negam as ne- do qual os adeptos falam nesses textos não
cessidades legítimas que devem ser satisfeitas. existiria. Sabemos que o Amor Universal é
Nesse momento, isso me leva à definição uma realidade que muitos místicos vivencia-
do objetivo que a iniciação nos permite al- ram através do processo iniciático. Portan-
cançar, e que é a experiência básica que torna to, estamos essencialmente certos quando
possível a realização definitiva de tal objetivo. declaramos que o sofrimento, mesmo se for
A Tradição Rosacruz sempre ensinou que esse verdade que ele possui um propósito inici-
objetivo é o de alcançar o estado de Perfeição ático, nunca foi e nunca será uma exigência
que os Cristos das maiores religiões têm alcan- cósmica para a evolução. De fato, acredito
çado na Terra e que os rosacruzes chamam de fielmente que chegará o dia em que os hu-
estado Rose-Croix. Embora seja um objetivo manos, libertados da ignorância, vivencia-
verdadeiro, ele leva um longo tempo, e como rão mais felicidade do que infelicidade.
mencionei, ainda estamos muito distantes Embora o sofrimento seja um meio para a
desse estado para termos esperança de obtê-lo evolução, ele não é obrigatório para o proces-
ainda nessa encarnação. Consequentemente, so da iniciação. É verdade que as experiências
não devemos fingir através de nosso compor- resultantes são iniciáticas por natureza, mas
tamento que estamos muito próximos desse a razão de serem assim é o aumento da cons-
estado. Além disso, vamos ser modestos e ciência criado em nós, e não pelo fato de que

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as estamos vivenciando como sofrimento. independentemente de nossas faculdades
Pensar o inverso seria o correspondente a objetivas. Portanto, acredito que a primeira
dizer que as pessoas devem necessariamente iniciação mística para a qual os rosacruzes
vivenciar a guerra para que aprendam que devem se preparar para receber é aquela que
são mais felizes quando vivem em paz. É fácil lhes permite ver e se sentir não mais como
entender que, se o Cósmico tivesse institu- um corpo animado por uma alma, mas sim
ído que devemos vivenciar todas as formas como uma alma animando um corpo.
possíveis de sofrimento para nos tornarmos O que é enfatizado em todos os ensina-
iniciados nas grandes verdades da existência, mentos rosacruzes é a importância de pra-
estaria decidido então que a autodestruição é ticar os exercícios voltados para o desenvol-
o princípio fundamental para a evolução. Tal vimento dos centros psíquicos. No entanto,
ideia é absurda, pois é contrária à natureza isso não é feito precisamente com o objetivo
basicamente construtiva das leis naturais e de adquirir certos poderes místicos, mesmo
universais. Portanto, vemos que aqueles que sendo verdade que eles contribuem muito
fazem da crucificação física e mental a base para isso. Primeiramente, tais exercícios nos
da iniciação estão em com- permitem vivenciar nossa
pleta contradição com o pla- própria dualidade conscien-
no geral da Criação. Seu erro te e provar a nós mesmos
reside no fato de que eles que definitivamente somos
tentam aplicar o estado mís- corpo e alma, matéria e anti-
tico (em um plano objetivo) matéria, substância e essên-
que pode ser vivenciado cia. Em relação a isso, a pro-
no plano espiritual apenas jeção psíquica, como apre-
por aqueles que atingiram sentada pela Antiga e Místi-
a Consciência Crística. ca Ordem Rosae Crucis, tem
Resta agora definir o como objetivo principal re-
estado de consciência que velar o estado de consciên-
devemos buscar vivenciar cia que vivenciamos quando
a partir deste momento o nosso corpo psíquico se
através da iniciação mística. Como afirma- separa do nosso corpo físico. Esse estado de
do anteriormente, o nosso objetivo não é consciência permite ao indivíduo vivenciá-
alcançar o estado Rose-Croix, porque ainda -la para contemplar os reinos da alma sem
estamos muito distantes dele na nossa encar- ter que enfrentar as limitações do corpo. Isso
nação atual. Ao invés disso, o estado desejado não significa que o ser psíquico e o ser espiri-
consiste em ter uma percepção consciente tual são exatamente os mesmos e que quando
de nossa alma; em outras palavras, da nossa vivenciamos um, necessariamente vivencia-
identidade espiritual. Todos sabemos que mos o outro. Isso significa que todo experi-
a essência da alma permeia todas as nos- mento de projeção nos inicia na existência da
sas células e faz de nós entidades viventes e alma, pois o corpo psíquico é uma emanação
conscientes. Ainda assim, o fato de simples- da essência de nossa alma, esteja ela dentro
mente sabermos disso não é o suficiente para ou fora do nosso corpo físico. Portanto, é
alcançarmos as alturas da realização místi- possível vivenciar conscientemente a separa-
ca. Devemos vivenciá-la e sermos capazes ção entre o ser físico e psíquico sem ser ini-
de viver conscientemente em sua essência, ciado na realidade cósmica do ser espiritual.

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n IMPERATOR

Os antigos egípcios compreenderam isso, passar vidas semeando para os outros as se-
e é por isso que as iniciações promovidas em mentes da Luz sem que um dia possamos co-
seus templos incluíam uma fase culminante lher a rosa de nossa própria iluminação. Esses
que é quando os candidatos vivenciavam a iniciados atingiram o estado Rose-Croix e
morte iniciática – ou seja, a projeção. Essa agora são parte integral do que é tradicional-
experiência levou esses candidatos a vivencia- mente chamado de Grande Loja Branca. Além
rem a separação consciente entre seus corpos do grande trabalho que estão fazendo ao
físicos e psíquicos, permitindo que eles ad- servirem à alma coletiva da humanidade, eles
quirissem a clareza intelectual e emocional de são também guardiões da Tradição Rosacruz.
que realmente eram uma entidade espiritual Essa missão cósmica não lhes foi imposta.
encarnada numa individualidade material. Eles a escolheram voluntariamente, pois, por
Tudo foi planejado para que essa morte inici- terem feito do ideal rosacruz a base da maio-
ática e a garantia do renascimento simbólico ria de suas encarnações terrenas, eles são os
permanecessem para sempre gravadas em mais qualificados para garantir que esse ideal
suas mentes e emoções. Vemos aqui a origem permaneça em toda a sua pureza prístina e
da iniciação mística, inspi- esteja acessível a todos os
rada pela definição rosacruz, buscadores de boa vontade.
como foi abordado no co- Conforme afirmei an-
meço deste artigo. Quando teriormente, a primeira
os iniciados retomavam a grande iniciação que os ro-
consciência de seus corpos sacruzes devem se preparar
mortais, marcados para para receber é aquela que
sempre pelo que tinham vis- lhes permitirá vivenciar suas
to no reino da imortalidade, almas, com uma consciência
eles se sentiam impulsiona- clara e compreensão plena
dos por um desejo de obje- dos fatos, no silêncio de seus
tivar ao máximo o estado de Sanctums ou qualquer outro
consciência que vivencia- lugar favorável à harmoniza-
ram. Daquele dia em diante, ção cósmica. Não obstante,
suas iniciações se tornaram a âncora de suas é obvio que essa experiência, independente-
vidas, e eles sabiam secretamente, nas profun- mente de sua significância, não constitui o
dezas de suas almas, que o misticismo lhes summum bonum do processo iniciatório que
traria a revelação do mistério dos mistérios. estamos seguindo sob os auspícios da nossa
A Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis Ordem. Mais tarde, devemos adquirir o do-
é um repositório dos mistérios egípcios e mínio sobre ele e sermos capazes de repeti-lo
do caminho iniciatório que devemos seguir com a frequência que desejarmos, porque
para termos acesso a eles. Esse caminho foi é impossível um dia alcançarmos o estado
estabelecido por todos os iniciados que, com Rose-Croix se não aprendermos a atuar na-
o passar dos séculos, têm legado à Ordem o turalmente tanto no plano espiritual quanto
fruto de todos os esforços que empregaram no material. Os iniciados perfeitos que acabei
para fazer da iniciação mística algo tangível e de descrever alcançaram esse domínio e,
transmissível. Esses iniciados não eram todos desde então, trabalham no nível das causas
perfeitos e não o fingiam ser, mas alguns entre cósmicas uma vez que, quando chegam a
eles se tornaram perfeitos, pois não podemos nós, agimos apenas sob os efeitos terrenos.

8 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Alguns irão dizer que esses seres não exis- conheceremos o êxtase daqueles que pen-
tem, que nunca os viram, que eles são apenas sam, falam e agem em nome de Deus e do
o produto de uma imaginação que extrai do bem-estar da humanidade como um todo.
irreal a força para suportar a demasiada dura O Templo, no qual um dia receberemos
realidade. Para essas pessoas, devo simples- essa Iniciação Suprema, não pertence a este
mente dizer: Não existe ninguém tão cego mundo. É nas profundezas de nossos seres
quanto aqueles que não querem ver e nem que ele se encontra, pois é dentro deste Tem-
tão surdo quanto os que não querem ouvir. plo da Humanidade que a Arca da Aliança,
Os rosacruzes estão convencidos da existên- que nunca deixou de unir a humanidade
cia desses Rose-Croix, pois eles nos legaram com seu Criador, permanece para sempre.
todo o conhecimento que adquiriram através Quanto àquele que fará de nós um Rose-
da iluminação. Do ponto de vista intelectu- -Croix, ele não é ninguém mais que nosso
al, nós redescobrimos nos ensinamentos da Mestre Interior, e os Oficiais Supremos que
Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis todo servirão a Ele irão vestir sobre seus corações
o conhecimento que eles acumularam sobre o símbolo de todas as virtudes que terão de-
como as leis cósmicas e naturais funcio- monstrado no mundo humano. No entanto,
nam em tudo na Criação. Do ponto de vista antes de receber essa maravilhosa iniciação,
emocional, eles nos legaram o esplendor de cada um de nós precisa compreender e se
nossos rituais de convocação e iniciação. Por dar conta de que os rosacruzes, durante to-
fim, eles nos conferiram o direito, o poder das as encarnações devotadas ao seu ideal
e o dever de nos harmonizarmos com os místico, são ao mesmo tempo o neófito, o
planos cósmicos aonde estão localizados. iniciador e o iniciado dentro do triângulo
As observações anteriores me levam agora de seu próprio nascimento, vida e morte.
a definir o que é a Suprema Iniciação, para Encerrarei este artigo com a tradução
a qual todo o rosacruz se direciona. Como de uma inscrição na tumba de Amenhotep,
adeptos da Rose-Croix, nós todos pertence- Sumo Sacerdote de Amon durante o reinado
mos a uma Ordem que, desde o dia em que de Tutmés III, um faraó que desempenhou
nossa Terra foi iniciada na Tradição Primor- um papel essencial na origem tradicional
dial, constitui uma das organizações visíveis de nossa Ordem. Espero com todo o meu
à qual os Mestres Invisíveis da Grande Loja coração e alma que chegará o dia em que
Branca prestam constantemente seu apoio cada um de vocês se redescobrirá à medi-
e inspiração. A Iniciação Suprema que po- da que leia essas palavras de sabedoria:
demos e devemos receber durante uma de
nossas encarnações irá nos elevar do status Fui chamado de segundo profeta e
de um Rosacruz para o de Mestre da Grande consegui contemplar a Santidade do
Loja Branca. Ao alcançarmos esse estado Mestre dos Deuses; com a minha ini-
de consciência, entenderemos que todos os ciação, eu conheci todos os mistérios
movimentos tradicionais são de fato apenas porque cada portal se abriu diante
diferentes cruzes sobre as quais a mesma de mim. Os guardiões guiaram meus
rosa deve desabrochar. Devemos nos tornar passos para permitir que eu pudesse
unos com a Harmonia Cósmica e, do plano ter um vislumbre de Deus, pois mi-
de consciência que deve ser nosso, receber- nha boca era sincera e meus dedos
mos o poder para expressá-lo na Terra. O habilidosos até chegar o momento
plano geral da Criação nos será revelado e de deitar em minha tumba. 4

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9
n ROSACRUCIANISMO

1° de dezembro de 2012 – Ano R+C 3365

(para uma reconciliação entre


a ciência e a espiritualidade)
Por SERGE TOUSSAINT, FRC

10 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


O mais nobre emprego que podemos fazer
do pensamento é o estudo das obras do Criador…
A mais bela e mais profunda emoção que
podemos vivenciar é a do sentimento místico.
– Albert Einstein (1879-1955)

H
oje em dia, a maioria dos astrofí- também em documentários realizados sobre
sicos está de acordo ao dizer que o tema, os quais são cada vez mais explíci-
o universo surgiu há cerca de 13,7 tos e atrativos. A esse respeito, rejubilamo-
bilhões de anos após uma gigan- -nos em constatar que o estudo do universo,
tesca explosão cósmica que a comunidade outrora “vulgarizado”, agora é acessível a
científica designa pelo nome de big bang. muitas pessoas, inclusive às crianças.
Em menos de três minutos, essa explosão Se a questão de saber como o universo
produziu a luz e, em seguida, os átomos de se formou é digna de mérito, aquela que
base (hidrogênio e hélio) que formam as nos leva a perguntar “por que” também
galáxias e as estrelas. Paralelamente, apa- o é. Ora, pouquíssimos cientistas se in-
receram as noções de tempo e de espaço teressam por ela, e isto por duas razões
tais como as conhecemos atualmente. fundamentais. Primeiramente, muitos de-
Hoje sabemos que o universo contém bi- les consideram que essa questão depende
lhões de bilhões de galáxias, estrelas, planetas mais da metafísica do que da física, o que
e astros diversos. Além disso, os cientistas é verdade. Em segundo lugar, a ciência em
são convictos de que ele continua a arrefecer geral é predominantemente materialista em
e se expandir, porém não têm certeza quanto seus procedimentos, de modo que exclui a
à questão de saber se ele é finito ou infinito. priori qualquer hipótese espiritualista. Na-
Se por um lado as pesquisas empreendidas turalmente, isto é seu direito, mas ao agir
há muitos anos permitem melhor compre- assim ela permanece encarcerada num ra-
ender a maneira pela qual ele foi formado e cionalismo excessivo que tende a limitar o
como evolui, por outro lado, diversos pontos campo de suas pesquisas e de seus estudos.
permanecem sem explicação. Evidentemente, Sabemos agora que o universo estava
ainda há muito a aprender sobre o universo reduzido originalmente a um centro de ener-
e é pouco provável que o homem chegue gia tão prodigioso quanto minúsculo, posto
um dia a resolver todos os seus enigmas. que era menor que um átomo. Ora, desse
Uma vez que essa carta aberta se endereça átomo primordial, como alguns o chama-
prioritariamente aos cientistas, parece-me ram, emanaram todas as galáxias, todos os
inútil relembrar as grandes fases que mar- sóis, todos os planetas e todos os astros que
caram a criação e a evolução do universo ele contém. Essa constatação representa tal
desde o big bang até seu estado atual. De fato, desafio à razão que podemos ser tentados a
eles as conhecem muito melhor do que eu ver nela um “milagre”, na falta de um termo
poderia descrever. Além disso, essa infor- mais apropriado. O que dizer também do
mação pode ser facilmente encontrada nos processo que culmina no nascimento do
livros que tratam do assunto, assim como ser humano? Nesse caso também a ciência

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


11
n rosacrucianismo

a milhões de outros no universo. Após um


longuíssimo período de arrefecimento e de
transformações em todos os gêneros, um de
seus planetas, no caso a Terra, tornou-se pal-
co de um fenômeno absolutamente extraor-
dinário, para não mais dizermos “milagroso”:
o surgimento da vida, inicialmente nos ocea-
nos, na forma de seres unicelulares, e depois
na própria Terra, com os primeiros anfíbios.
Desde então, ela não cessa de se desenvolver
e origina seres vivos cada vez mais diver-
sificados – desde os animais pré-históricos
até os mamíferos e o próprio homem. Aí
também a ciência é capaz de descrever a ma-
conhece as etapas que marcam o desenvol- neira como a vida evoluiu em nosso planeta,
vimento do embrião e depois do feto, mas é mas não pode explicar a vida como tal.
incapaz de explicar o “milagre” que permite Como vocês sabem, a maioria das reli-
a um ovo de mero milímetro de diâmetro giões atribui o surgimento da vida na Terra
(união de um espermatozóide e um óvulo) a Deus. Segundo elas, foi Ele também que
conter em potencial todas as células e todos criou o universo, em seis dias se se acredita
os órgãos de um corpo humano adulto. na Bíblia. E, segundo o Gênesis, o próprio
Que os cientistas que vocês talvez sejam homem teria surgido no sexto dia tal como
não me tomem equivocadamente quanto às ele é atualmente nos planos físico e men-
observações precedentes. Os rosacruzes não tal. Os rosacruzes só podem compreender
são adeptos da noção de “milagre”, no sentido o desacordo dos cientistas ante essa visão
religioso do termo. Se alguns fenômenos nos das coisas. Assim como eles, os rosacruzes
parecem “milagrosos” é unicamente por- não são criacionistas, mas evolucionistas.
que somos incapazes, num dado momento Em outras palavras, eles pensam que o ser
de nossos conhecimentos, de compreender humano não foi criado ex nihilo por algum
sua causa. Para os homens pré-históricos, criador desconhecido, mas sim que é o re-
o nascer e o pôr do Sol eram milagrosos. sultado de uma longuíssima evolução da
Hoje sabemos que eles se devem ao fato que vida através de seres progressivamente mais
a Terra gira ao mesmo tempo ao redor de si complexos e cada vez mais elaborados. Com
mesma e ao redor do próprio Sol. Na Idade efeito, subscrevemos a ideia segundo a qual
Média, a menor das curas era tida como um ele seria oriundo de uma ramificação pa-
milagre na mente das pessoas. Depois, a me- ralela aos grandes símios antropomorfos.
dicina progrediu bastante e passou a tratar a Uma vez que acabo de me referir a Deus,
maioria das enfermidades, para não falar da parece-me útil precisar igualmente que do
cirurgia. Contudo, a ciência jamais será capaz ponto de vista rosacruz não se trata em ne-
de explicar tudo, tamanha a vastidão daquilo nhuma hipótese de um super-homem situa-
que lhe resta a descobrir e compreender. do em alguma parte do céu, ocupado o tem-
Há cerca de 4,5 bilhões de anos, na peri- po todo em agir de tal modo que o universo
feria de uma galáxia “ordinária” se formou seja aquilo que tem sido desde suas origens
um sistema solar provavelmente semelhante e em vigiar aquilo que se passa na Terra a

12 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


ponto de intervir pessoalmente nas questões cantes, Demócrito (século V antes de nossa
humanas. Respeitamos esta concepção an- era) via Nele a Inteligência organizadora do
tropomórfica de Deus, mas não fazemos coro cosmos. Ora, foi ele o primeiro a emitir a
a ela. Efetivamente, pensamos antes que Ele ideia segundo a qual a matéria é constituída
se assemelha à Inteligência, à Consciência, de átomos, palavra grega que significa literal-
à Energia, à Força (pouco importa o termo) mente indivisível. Melhor ainda, ele postulou
que está na origem de toda a Criação e que que esses átomos eram compostos de par-
age através dela por meio de leis naturais e tículas às quais deu o nome de éons. Ainda
universais impessoais. Para nós, essas leis em nossos dias, ele é considerado como o
são de dois tipos – físicas e metafísicas –, o pai do atomismo. O que dizer também de
que nos reconduz à polarização aparente que Pitágoras (século VI antes de nossa era), que
existiria entre a ciência e a espiritualidade. foi o primeiro a comparar Deus ao Grande
Se remontarmos à mais alta Antiguidade, Arquiteto do Universo e a simbolizá-lo pela
notadamente à Grécia antiga, constatamos Tetraktys, soma dos quatro primeiros núme-
que não havia fronteira entre a ciência e a ros (1+2+3+4=10)? Pensemos também em
espiritualidade. Por isso a maioria dos filó- Empédocles (século V antes de nossa era),
sofos da época era espiritualista e admitia que propôs a primeira classificação das espé-
como evidência a existência da alma e de cies e vislumbrou uma continuidade da vida e
Deus. Para tomarmos alguns exemplos mar- da consciência através dos reinos da natureza.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


13
n rosacrucianismo

De fato, é o advento das religiões mono- além do nosso pudessem ser habitados. Nes-
teístas que criou a ruptura entre a espirituali- tas condições, pode-se compreender por que
dade e a ciência. Partindo do princípio que os os espíritos mais esclarecidos daquelas épo-
Livros sagrados (Bíblia e Alcorão) conteriam cas sombrias conduziram suas pesquisas no
a Verdade divina e todo o Conhecimento maior segredo e se distanciaram da religião.
acessível ao homem, elas combateram todos Pela intolerância manifestada contra si
aqueles que procuravam em outras fontes as pela religião, a ciência adotou, por reação,
respostas às perguntas que se faziam. Parale- um procedimento cada vez mais racionalista.
lamente, rotulavam de hereges todos aqueles Essa tendência se radicalizou com o tempo
que ousavam contradizer as Santas Escrituras e deu origem ao cientificismo, atitude igual-
neste ou naquele ponto. Foi assim que inú- mente prejudicial e baseada sobre a ideia
meros sábios e filósofos foram condenados de que apenas a ciência é capaz de explicar
pelas autoridades religiosas, na melhor das tudo. Fazendo da razão o fundamento ex-
hipóteses a se retratarem; na pior, a morrer clusivo de suas investigações, essa corrente
na fogueira. À guisa de exemplo, Copérnico de pensamento, que atingiu seu apogeu no
foi ameaçado pela Inquisição por ter dito que século XIX, seduziu muitos pensadores e se
a Terra é redonda e que gira ao redor do Sol. perpetuou vigorosamente até nossa época.
Giordano Bruno foi queimado vivo em 1600 Lamentavelmente, esse estado de espírito
por haver considerado que outros mundos sempre prevaleceu na ciência, de forma que

14 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


a maior parte dos cientistas atuais tende dos rosacruzes. Para eles, é evidente que o
a excluir de seu modo de raciocínio qual- universo se inscreve num Desígnio cósmico,
quer postulado ou argumento de conotação para não dizer num Plano divino, e que os
espiritualista. Numa palavra, a maioria seres humanos nele são ao mesmo tempo
deles continua resolutamente materialista, atores e espectadores. Atores porque nosso
o que nós lastimamos profundamente. comportamento e nossas escolhas influen-
Agora sabemos que o universo é o palco ciam a humanidade em seu conjunto e o
de uma intensa atividade: sóis e planetas porvir de nosso planeta. Espectadores porque
nascem e morrem a cada minuto, explosões podemos observar o universo e deixarmo-
cósmicas ocorrem permanentemente, aste- -nos maravilhar por tudo aquilo que faz
róides cruzam continuamente o espaço etc. sua grandeza, sua beleza e seu mistério.
Entretanto, apesar dessa incrível agitação, E o que há precisamente com o homem
é a ordem e não o caos que prevalece. Os atual? Do ponto de vista rosacruz, e como eu
sábios gregos já haviam compreendido isso, disse anteriormente, ele é o resultado de uma
uma vez que falavam do cosmos, termo que evolução que abarca milhões de anos, tan-
significa literalmente universo organizado. to no plano físico quanto no mental. Nesse
Assim sendo, seria de fato absurdo conceber particular, somamo-nos aos cientistas. Agora
a existência de uma Vontade, uma Direção, está provado que o Homo Sapiens Sapiens (o
uma Intenção operando no universo? A pro- homem que sabe que ele sabe), espécie à qual
pósito disso, Isaac Newton (1642-1727), que pertencemos, conta entre seus ancestrais di-
esteve em estreita relação com a Fraternidade retos ou indiretos o Homem de Cro-Magnon,
Rosacruz da época, declarou: Essa disposição conhecido por suas pinturas rupestres, o
tão extraordinária do Sol, dos planetas e dos Homem de Neandertal, ao qual se atribui o
cometas só pode ter sua fonte no desígnio de primeiro culto aos mortos, o Homo Erectus,
um Ser inteligente e poderoso que tudo go- o Homo Habilis, o Australopitecus e o Rama-
verna e que poderia ser designado pelo nome pitecus, surgido há cerca de 10 milhões de
de “Governador universal”. Quanto à Terra anos. Durante todo esse tempo, o corpo do
propriamente dita, cálculos de probabilidade homem não parou de se transformar e de se
demonstraram que havia uma possibilidade aprimorar para se tornar aquilo que é hoje.
em um milhão para que ela reunisse um dia Lembremos ainda que foram necessários
as condições indispensáveis para a vida, tal milhões de anos aos nossos ancestrais mais
como ela se exprime em nosso planeta. As- longínquos para que caminhassem de pé
sim sendo, seria racional invocar o acaso? (bipedismo) e fossem capazes de opor o po-
Em última análise, há duas maneiras de legar aos outros dedos (preensibilidade), dois
considerar a existência da Terra e das for- fatos determinantes na evolução do homem.
mas de vida que ela abriga, entre as quais Aquilo que é válido para o corpo físico do
o próprio homem. A primeira é considerar homem também o é para sua inteligência. Para
efetivamente que ela se deve ao acaso e que se convencer disso, basta pensar em todas as
não tem nenhum objetivo; esse é o ponto de descobertas e invenções que balizaram a his-
vista da maior parte dos cientistas. A segun- tória da humanidade e em todas as ciências e
da, ao contrário, considera que ela se integra técnicas que elas geraram ou que são a elas as-
num processo que foi posto em operação sociadas: astronomia, medicina, física, quími-
por uma Causa inteligente e intencional; é a ca, biologia, zoologia, antropologia, aritmética,
posição de todos os espiritualistas, sobretudo geometria, geologia, paleontologia, botânica,

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


15
n rosacrucianismo

geografia, meteorologia, ecologia etc. Da des- Todos conhecem o adágio ciência sem
coberta do fogo até a do bóson de Higgs (que consciência não é nada senão a ruína da
alguns qualificaram de partícula de Deus), alma, que é atribuído a François Rabelais,
que caminho foi esse percorrido pelo homem filósofo e médico do século XVI. É fato que
no uso de suas faculdades mentais! Graças a ciência, como qualquer outro domínio da
ao seu cérebro, do qual ainda se ignora muita atividade humana, pode ser posta a servi-
coisa quanto à sua estrutura e ao seu funcio- ço do bem ou do mal e fazer desse modo a
namento, ele originou a vida em sociedade e felicidade ou o infortúnio da humanidade.
a civilização. Todavia, paralelamente, os seres Infelizmente, como declarou Francis Bacon,
humanos não deixaram de se matar, massacra- eminente rosacruz do século XVII e pai da
ram milhões de animais, esgotaram inúmeros ciência experimental: Poucos são atraídos pelo
recursos naturais, poluíram gravemente o conhecimento para se servir do dom divino da
planeta etc. Isso traz todo o problema de uma razão no interesse da humanidade. É assim
faculdade que, em nossa opinião, transcende que as armas nucleares ou bacteriológicas,
nossas funções cere- os pesticidas de todos
brais: a consciência. os gêneros, as plantas
O que é a consci- transgênicas, a clona-
ência? A maioria dos gem reprodutiva, muitas
cientistas considera vacinas e medicamentos
que ela é produto do duvidosos etc., compro-
cérebro e a compa- metem direta ou indire-
ram ao pensamento, tamente os cientistas. Se
ao qual associam eles houvessem escutado
quatro tipos de ondas a voz de sua consciência
cerebrais: as ondas e pensado unicamente
delta, as ondas teta, no bem comum, teriam
as ondas alfa e as eles utilizado sua inte-
ondas beta, às quais ligência para criar tais
alguns acrescentam “coisas”? Não acredito
as ondas gama (entre 30 e 35 Hz). Os rosa- nisso, pois ciência na consciência é a luz da
cruzes, por sua vez, veem nela um atributo da alma, a qual é fundamentalmente benévola.
alma, que utiliza o cérebro para se exprimir Arriscando surpreender os cientistas
através do corpo e da mente durante sua en- que lerão esta carta aberta, os rosacruzes
carnação. Com efeito, ela é a energia espiritual foram frequentemente precursores, inclusi-
que faz de cada um de nós um ser não apenas ve nas competências desenvolvidas a priori
vivo, mas também consciente. É ela também na ciência. Assim, eles postulam desde pelo
que está na origem daquilo que há de melhor menos o final do século XIX que existe um
na natureza humana e é sob seu impulso que total de 144 átomos na natureza. Na tabela
evoluímos no plano interior. Nesse particular, estabelecida por Mendeleyev em 1869 figu-
aquilo que chamamos comumente de voz da ravam apenas 63. Hoje, temos registrados
nossa consciência não é uma função cerebral, 118, o que nos aproxima lenta, porém, de-
mas uma faculdade espiritual. Lamentavel- cididamente de 144. Na mesma ordem de
mente, pouquíssimas pessoas se dão conta dis- ideias, o ensinamento rosacruz estipula há
so, o que explica o estado caótico do mundo. mais tempo ainda que o ser humano tem

16 O ROSACRUZ · OUTONO 2018



… os rosacruzes não são de modo
algum opositores da ciência. Eles desejam
apenas que ela rompa com o materialismo
e se abra à espiritualidade…
um potencial genético que devia permitir-

correntemente pelo nome de “mistérios”.
-lhe viver até cerca de 140 anos. Ora, essa Mais do que nunca elas devem se unir e pôr
hipótese foi retomada recentemente por aquilo que têm de melhor a serviço de seu
sábios eminentes. Numa outra ordem de bem-estar material e espiritual. Isto pressupõe
ideias, para nós é evidente que outras huma- que os cientistas adotem um procedimento
nidades povoam o universo, sendo algumas espiritualista, para não dizer místico, e se ren-
mais evoluídas que a nossa e outras menos. dam à evidência: a vida na Terra e o próprio
O futuro provará que isso é verdade… homem não são fruto do acaso ou de uma
De tudo o que precede, vocês podem concorrência de circunstâncias e o universo
deduzir que os rosacruzes não são de modo não se limita a existir; do ponto de vista ro-
algum opositores da ciência. Eles desejam sacruz, ele serve de suporte para a Evolução
apenas que ela rompa com o materialismo cósmica, tal como ela opera desde o big bang.
e se abra à espiritualidade, o que alguns sá- Para sermos mais precisos, ele permite que a
bios, e não dos menores, já começaram a Alma universal evolua gradualmente para a
fazer. A Ordem Rosacruz, além disso, sempre tomada de consciência de sua perfeição laten-
teve célebres cientistas entre seus membros te. Ora, todo ser humano possui em si uma
e simpatizantes. Além de Isaac Newton e emanação desta Alma, de modo que somos
Francis Bacon, citamos Teofrasto Paracelso, todos não apenas filhos das estrelas, mas
Robert Fludd, Jean-Baptiste van Helmont, também almas vivas em busca do Absoluto.
Thomas Vaughan, William Crookes, Wilhelm Eis, portanto, as poucas reflexões que
Leibniz, William Harvey, Charles Littlefield, gostaria de partilhar por meio desta carta
Benjamin Franklin etc. Eu acrescentaria aberta. Não sendo um cientista de formação
que desde o início do século XX a AMORC nem de carreira, aqueles que o são talvez
apadrinha a Universidade Rose-Croix Inter- julguem algumas de minhas proposições
nacional, que comporta notadamente uma pouco profundas, ou mesmo simplistas.
seção de ciências físicas e outra de medicina. Mas se ao menos um deles encontrar nela
O resultado de seus trabalhos é publicado uma fonte de questionamento a ponto de
regularmente na revista Rosacruz, em livros sentir uma ressonância em sua consciência,
e através de conferências abertas ao público. ou em sua alma, ela terá então sido útil.
Para concluir, pensamos não apenas que Com meus melhores pensamentos.
a ciência e a espiritualidade são compatíveis
Sincera e respeitosamente.
como também que são complementares. De
Para a jurisdição francófona da AMORC,
fato, elas constituem os dois pilares sobre os
quais a humanidade deve se apoiar para se Serge Toussaint
elevar na compreensão daquilo que designa Grande Mestre. 4

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


17
n orientação

Por MÁRIO SALES, FRC

18 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


L
embro-me que a coisa que mais me dia. Ética, ao contrário do que supõem as
impressionou em Veneza foi a habi- pessoas, não é apenas um aspecto moral
lidade dos remadores de gôndola. Os da vida que todos devemos buscar. É um
canais, eu não supunha que fossem conjunto de atitudes e comportamentos
tão estreitos, e as pequenas pontes combina- que tornam a vida e a convivência em so-
das com sua estreiteza, além da altura das ciedade mais adequada e mais fácil, tanto
proas e popas das gôndolas, me garantiam quanto mais digna. Conhecido é o episó-
que era inevitável uma batida, ou pelo me- dio de Aristóteles que deixa para seu filho
nos uma roçada da estrutura de madeira em Nicômano, como herança, um longo texto
algum lugar. Nada disso, entretanto, aconte- sobre a vida em sociedade, detalhando os
ceu. Quase enfadado, o homem guiava com tipos de amores, os tipos de amizade, e
tranquilidade e eficiência seu barquinho todas as coisas que em seu gênio classifi-
por todas as ruas de água da cidade mais cador o sábio grego pôde pensar para que
romântica do mundo. Pensava eu, então, o filho tivesse (e nós também) em mãos
que sua segurança tinha um motivo único: um guia para a vida cotidiana, de forma
experiência, muita experiência, a qual lhe que fosse mais fácil para ele o viver.
dera esta tranquilidade e transformava algo No passado, este ensino ficou a cargo dos
que eu considerava uma habilidade fasci- educadores ou sofistas, pagos a peso de ouro
nante em apenas uma monótona profissão. para educar os filhos dos cidadãos da Polis
A vida também é assim. Algumas pesso- Grega. Depois vieram os preceptores, e mais
as tratam de sua existência como gondolei- à frente as Religiões assumiram este papel
ros despreparados e sem experiência e ten- que mantiveram até bem pouco tempo.
tam, sem a orientação de outros gondoleiros Agora vivemos um momento perigoso.
mais antigos, trafegar pelas ruas estreitas As religiões caíram em descrédito crítico.
da vida e do cotidiano, desviando-se dos Por vezes, as pessoas agarram-se a elas sem
obstáculos que, por serem desconhecidos, o devido equilíbrio e casos extremos, como
trazem, cada um, um susto novo e transfor- o das Guianas com Jim Jones e o suicídio
ma a existência inteira, ou todo o percurso na Califórnia, assustam pessoas de bom
do rio da vida, num assombro permanente. senso. Por outro lado, as pessoas ditas in-
Com o tempo, muitos acidentes de- telectuais afastaram-se da ideia de Deus,
pois, virá a perícia. Porém, esta poderia não porque sejam ateias, mas porque não
ter sido desenvolvida antes, com o preparo conseguem ver sentido na crença em uma
e a antecipação adequados e a conversa divindade invisível. Contra isso, levanta-
com outros que conhecessem melhor o -se um grupo reduzido de pessoas que, sem
caminho que nós, pobres iniciantes. achar que a religião seja obrigatoriamente
Não há, portanto, como negar que a úni- o único caminho para a Fé, professam um
ca razão que faz algumas pessoas suporem tipo de devoção esclarecida, baseada na
que a existência não tem sentido e que os sensação de que existe uma Ordem no Uni-
acontecimentos não estão encadeados numa verso e que a Criação pede um Criador, sem
sequência de causa e efeito, é porque não que isso exima o ser humano de refletir.
se prepararam adequadamente para viver. Há ordens esotéricas em todo o mun-
E esse preparo precisa ser tanto inte- do e entre elas a Ordem Rosacruz se situa
lectual e físico, quanto espiritual. Daí a neste grupo. A Ordem incentiva que seus
falta que escolas de ética fazem hoje em membros tenham algum tipo de crença

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


19
n ORIENTAÇÃO


Penso na Ordem como a depositária de
Nossa existência vários diários de bordo de todos os místicos
é esta aqui, agora, que já navegaram pelos canais da vida.
Este conjunto de “diários” são as mono-
e é com ela que grafias, as apostilas que a ordem distribui
para seus membros. Ali existem aulas de
devemos lidar, religiosidade e ética para o cotidiano. Ali
serão destacadas a importância da tolerân-
nela devemos cia, da tolerância e da tolerância, talvez a
mais importante das virtudes que o místico
nos concentrar e aprende a desenvolver.


Sim, serão ensinadas as técnicas para na-
aperfeiçoar. vegar melhor, também, que mostrarão que
vida é Ordem e Sistema para ser produtiva
minimamente. Que o inesperado sempre
ou fé que lhes for mais adequada. Supõe existirá, mas pode ser enormemente redu-
com isto que assim desenvolvam sensibi- zido pelo esforço de organização que é atri-
lidade e religiosidade, absolutamente fun- buição do intelecto e por escolhas baseadas
damentais para a compreensão de alguns tanto no bom senso como na sensibilidade,
dos mais importantes valores místicos. binômio que nos garantirá, sempre, boas
A atividade intelectual não pode menos- escolhas. Assim, entre um emprego que
prezar a sensibilidade espiritual e a ativida- nos dá mais dinheiro e mais preocupação
de espiritual não pode prescindir de bom e um que nos dê menos dinheiro, mas nos
senso. Assim, na Ordem Rosacruz, inde- garanta maior conforto psicológico, a razão
pendentemente da compreensão de cada um mandaria escolher o primeiro, mas o binô-
do que seja a fé e a religião ou a divindade, mio sensibilidade/racionalidade manda que
todos sentir-se-ão abrigados na fórmula da escolhamos o segundo porque qualidade
oração Rosacruz que diz: “Deus do meu mental é primordial para o bom desempe-
coração, Deus de minha compreensão…”. nho de qualquer profissão. Isso é rosacru-
Este é o primeiro passo. O segundo cianismo aplicado. Estamos, com escolhas
passo é mais fácil. Aplainadas as diferen- mais ponderadas, construindo as bases de
ças pela tolerância, pode-se dar início à uma vida mais sólida e equilibrada, material
preparação de uma educação ética para o e espiritualmente. Embora os rosacruzes se-
iniciando. Ele poderá ser preparado para jam geralmente defensores do reencarnacio-
ver na existência o convívio harmônico de nismo, jamais pregamos que devamos viver
diferenças. E aí estará recebendo uma for- em função de uma vida passada ou para
mação semelhante à preparação necessária uma vida futura. Nossa existência é esta
para ser um bom gondoleiro em Veneza. aqui, agora, e é com ela que devemos lidar,
Ora, viver é navegar em lugares desco- nela devemos nos concentrar e aperfeiçoar.
nhecidos, mas mesmo se muitos forem os Todos os diários de bordo que possamos
mares, alguém os terá navegado antes e terá ler nos serão úteis em antecipar possíveis
com certeza deixado diários de bordo sobre surpresas. E assim, como naquela tarde
essas viagens, que serão bem mais arriscadas em Veneza, navegaremos com tranqui-
que os pequenos canais da cidade italiana. lidade, sem sustos desnecessários. 4

20 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


n POESIA

Barqueiro,
Dos nossos passos a trilha reconhece,
Caminhos paralelos
no tempo seguimos,
Mil vezes sete vidas na terra de ancestrais
bastaram
para o espaço medir
entre as colunas.
Longa é de fato
a estrada.
Íngreme é a subida.
Mas é a nossa estrada.
Dos nossos passos o som entre palavras
é como do mar a rebentação
nos rochedos
em dia tempestuoso.
Do tempo um longo tropel,
a todo custo o portal buscando.
Mas eis que já
o vento enfraquece,
a noite termina,
a verdade um alvorecer
lampeja.
Barqueiro,
é hora de partir. 4

Por jacques viesvil, FRC*

* Frater Belga. Este poema recebeu o prêmio de poesia


Leopold Senghor em 2006, citado na carta anual do Imperator 2007.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


21
n PERSONALIDADE

Demócrito,
óleo sobre tela
de José de
Ribera, 1630

Por SERGIO SILVA, FRC*

22 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Encontro com Filósofos da
Demócrito antiguidade Grega
Ainda jovem, eu não havia pensado so- A maioria (65%) não quis ou não soube res-
bre a morte até estar no velório de um ponder, mas, entre as respostas não houve
parente. Sussurrando palavras de conso- surpresa. Sócrates, Platão e Aristóteles soma-
lo, alguém dizia foi a vontade de Deus…; ram 82%, seguidos de longe por Pitágoras;
outro murmurava Deus quis assim… Tales; Heráclito; Arquimedes e Sófocles. De-
Não parecia lógico que Deus se ocu- mócrito não foi lembrado. Isto motivou outra
passe da morte de alguém. A meu ver, pergunta, fechada, com três respostas possí-
vida e morte deveriam ser consequên- veis, para respondentes da primeira questão:
cias naturais, inerentes a cada indivíduo. Você já ouviu falar em Demócrito de Abdera?
Tanto discordei de que a transição fosse Um respondente declarou ter ouvido
um atributo da vontade divina, que foi muito sobre Demócrito; sete ouviram pou-
um alívio descobrir Demócrito de Ab- co, os restantes nunca ouviram nada sobre
dera durante uma pesquisa para traba- ele. Os nomes mais famosos da filosofia
lho acadêmico. Fiquei impressionado! grega foram confirmados pela memória
Há mais de dois mil anos ele via a mor- popular, mas Demócrito, esquecido. Efeito
te como vínculo da natureza e sustentava da discriminação e dos ataques que sofreu
que só havia átomos e vazio no universo depois de morto. Historiadores atribuem
infinito. Considerado o principal expoente a Demócrito 90 anos de vida, de 460 a 370
da Teoria Atomista, a sua espantosa origi- a.C., mas, de acordo com Cartledge2 (2001,
nalidade e coerência, sem apoio de qual- p. 15), “Demócrito parece ter vivido, para os
quer instrumento, revelam um Demócrito padrões antigos, uma vida longa, de cerca de
místico cujo insight terá sido recebido da 460 a 385 a.C.”, portanto, 15 anos menos.
Energia Cósmica em meditação profunda. Sócrates (c.470-399 a.C.) é lembrado
Não obstante, foi relegado ao esqueci- por seu método conhecido como maiêuti-
mento. Procurar entender o contexto em ca3 e por ter sido condenado a suicidar-se
que ele e sua obra foram inseridos reve- bebendo cicuta, sob acusação de propagar
lou que, além de excluir a divindade do ideias subversivas aos jovens de Atenas.
fenômeno morte, Demócrito englobou
matéria e alma na mesma teoria. Consi-
derado o último filósofo da natureza, mas
raramente comentado, imaginei até que
ponto as pessoas comuns, como eu, sabe-
riam algo sobre esse admirável pensador.
Essa dúvida motivou uma pesquisa
local1 com 95 pessoas de classe média,
escolaridade de 2º grau completo ou ní-
vel superior em andamento, com uma
questão aberta: Mencione filósofos da
Antiguidade Grega, no máximo quatro,
na sequência que forem lembrados.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


23
n PERSONALIDADE

Platão (c.427-347 a.C.), pupilo de Só- não ter criado uma escola formal como Pla-
crates, criou a dialética4 , celebrizou-se tão e Aristóteles. Apesar da história mencio-
por sua Alegoria da Caverna e como fun- nar seus estudos no Egito, Pérsia e Babilônia,
dador da Academia em 387 a.C., a pri- Demócrito viveu em Abdera, uma colônia na
meira universidade do Ocidente, a qual costa do mar Egeu distante do brilho de Ate-
permaneceu ativa cerca de 900 anos. nas, pólis que Platão ostentava como a “sede
Aristóteles de da Sabedoria”.
Estagira (c.384-322 Consta que De-
a.C.) ainda adoles- mócrito ria muito e
cente radicou-se Demócrito,
óleo sobre tela
recebera a alcunha
em Atenas onde de Henrick de “Filosofo Ri-
Jansz
foi aluno de Platão. sonho”, a qual, na
Quando Demócri- Renascença foi a
to morreu, dada provável inspiração
a incerteza dessa para a criação da
data, ele seria mui- tela Democritus6,
to jovem ou ainda com ar zombetei-
nascituro, o que ro, por Hendrick
não o impediu de Jansz ter Brugghen
tornar-se seu mor- (1588-1629). Essa
daz oponente. Em suposta caracte-
335 a.C. Aristóteles rística do filósofo
estabelece o Liceu. também pode ter
Famoso por sua te- contribuído para
oria do silogismo5, não ser levado
estudar lógica, sig- muito a sério,
nificou por séculos pois ele “na época
estudar a lógica de Demóstenes
de Aristóteles. (384-322 a.C.)
Sócrates, tinha adquirido
Platão e Aristóteles permanecem vivos uma reputação de estupidez e tolice” (CAR-
na memória popular, porém, este estu- TLEDGE, 2001, p. 15). Talvez por sua expressão
do revela que devemos a Demócrito um risonha e por não discutir suas ideias.
honroso lugar de destaque nesse pódio. Ignorado por Platão, que nunca o men-
cionou pelo nome, Demócrito sofreu con-
O nada não pode testação póstuma de Aristóteles, que pregava
ideias opostas. Motivos não faltaram para ser
dar origem a esquecido, apesar de estar certo ao dizer que
só existiam átomos e vazio no universo infini-
alguma coisa to, e Aristóteles estar errado ao discordar do
falecido colega. Porém, Aristóteles possuía
Admirado pelo mundo científico, Demócrito autoridade suficiente para lançar uma pá
caiu no esquecimento popular por fatores de cal na reputação de alguém que, além de
negativos que teve contra si, inclusive por ser menosprezado por Platão, já morrera. O

24 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


golpe de misericórdia pode ter sido sua teoria flui, permanente lhe parece. Mas é me-
laica, pela qual a morte ocorre por causas lhor dividir em partes a natureza que a
naturais. Se atualmente é raro quem não atri- traduzir em abstrações. Assim procedeu
bua a morte à vontade divina, imagine um a escola de Demócrito, que mais que as
sujeito risonho e zombeteiro afirmando há outras penetrou os segredos da natu-
2.000 anos que a morte não era castigo dos reza (Id. Ibid., Livro I, LI p. 26, grifo nosso).
deuses, contradizendo o politeísmo reinante.
O Renascimento transformava o mundo Quando a ciência entendeu que o uni-
quando Aristóteles e Platão foram criticados verso podia, mesmo, ser infinito e que a
por Francis Bacon7 (1561-1626) na obra “No- realidade do átomo era bem próxima à ex-
vum Organum” publicada em 1620. Um novo plicação de Demócrito, ele viria a ser con-
método substitui a ciência de origem aristo- siderado o pai da moderna física nuclear e,
télica, com censuras a Platão e Aristóteles: mais recentemente, o Profeta do Quark.
Sobre a real existência de Leucipo, supos-
A escola de Platão, de sua parte, in- to prócer dos atomistas, paira dúvida, pois,
troduziu a acatalepsia, a princípio “quem foi Leucipo, ou mesmo se ele existiu
como ardil e ironia, por desprezo não se sabe hoje e, aparentemente, não se sa-
para com os velhos sofistas, Protágo- bia na Antiguidade” (CARTLEDGE, 2001, p. 25).
ras, Hípias e os demais […] (BACON,
2002, Livro I, LXVII p. 40, grifo nosso).
Tudo era trevas
[…] a filosofia de Aristóteles, depois Cogitar sobre ideias que contrariem o pen-
de destruir outras filosofias (à ma- samento dominante sempre será uma tarefa
neira dos otomanos, com seus ir- que exige disposição. Cabe citar o desabafo
mãos) com suas pugnazes refutações, de Nicolau Copérnico (1473─1543) em sua
pronunciou-se acerca de cada uma das obra8 que reconheceu o Sol no centro do nos-
questões. Depois, inventou ele mes- so sistema planetário, na qual grafou: quando
mo, ao seu arbítrio, questões para as dediquei algum tempo à ideia, o meu receio de
quais a seguir apresentou soluções […] ser desprezado pela sua novidade e o aparente
(Id. Ibid. parêntesis originais, grifo nosso). contrassenso quase me fez largar a obra feita.
Atualmente ninguém será levado à fo-
[…] Aristóteles não deixa de desfigu- gueira pelo aparente contrassenso de suas
rar e corromper essa correta sentença, ideias, e o risco de ser desprezado não pode
porque, colocando-se como árbitro da prevalecer sobre o dever de discuti-las. Ade-
natureza, como era de seu feitio, indi- mais, ao contrário de Copérnico que tinha
ca, de modo autoritário, como causa a obra feita, temos apenas meras hipóteses
da geração a aproximação e como causa a considerar, muito embora possam preci-
da corrupção o distanciamento do sol pitar apaixonadas e dogmáticas ‘provas’ em
(Id. Ibid., Livro II, XXXV, p. 189, grifo nosso). contrário, antes mesmo de se verificar se
há lógica no argumento. Portanto, vamos
Sobre Demócrito, Bacon manifesta-se elogioso: assumir este risco sabendo que “… quem
quer que vá contra a corrente da opinião
O intelecto humano, por sua própria geral terá sua sanidade questionada em al-
natureza, tende ao abstrato, e aquilo que gum momento” (ANDREA, 2015, p. 53-54).

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25
n PERSONALIDADE

Inúmeras formas e Nunca houve


complexa natureza começo
Conforme Gaarder9 (1995, p. 58), “a teoria O postulado da eternidade dos eleatas está
[…] de Demócrito estava quase perfeita”, contido no atomismo:
por que “de fato, a natureza é composta de
diferentes átomos que se ligam a outros Demócrito concordava com seus ante-
para depois se separarem novamente”. cessores num ponto: as transformações
Segundo Gleiser10 (1997, p. 61-62), “sem que se podiam observar na natureza
dúvida, a ideia fundamental dos atomistas, não significavam que algo realmente “se
de que a matéria é composta de agregados transformava”. Ele presumiu, então, que
de átomos, é incrivelmente moderna” (grifo todas as coisas eram constituídas por
nosso). Ambos confirmam aspectos mate- uma infinidade de pedrinhas minúsculas,
riais do atomismo, sendo inegável o reco- invisíveis, cada uma delas sendo eterna
nhecimento que Demócrito também recebe e imutável. A estas unidades mínimas
de outros prestigiados cientistas: Demócrito deu o nome de átomos (GAAR-
DER, 1995, p. 315, aspas originais, grifo nosso).
Ele acreditava que todo fenômeno
material é o produto da colisão de Podemos supor, então, que um átomo
átomos. Nessa visão, intitulada ato- que já esteve no rio Jordão, possa estar na
mismo, todos os átomos movem-se no água que você irá beber agora ou, ainda,
espaço, e, se não forem perturbados, imaginar que um átomo do cérebro de De-
prosseguirão em sua trajetória inde- mócrito esteja numa flor do nosso jardim.
finidamente. Hoje em dia, essa ideia é Os átomos, segundo o atomismo, são
denominada lei da inércia (HAWKING eternos e indivisíveis, mas há quem diga
e MLODINOV, 2011, p. 17, grifo nosso). que o top quark e outras partículas subatô-
micas provaram que o átomo não é indi-
Observe-se que tais louvores estão limi- visível, insinuando que Demócrito errou.
tados à parte material das ideias de De- Porém, a indivisibilidade do átomo pode
mócrito. A parte imaterial da teoria pare- ser tida como conceitual, pois a unidade
ce ter sido abandonada, deixada de lado. básica da matéria continua sendo o átomo
Entretanto, se a autoridade outorgada que se agrupa com outros para produzir as
a Demócrito por sua teoria referente à moléculas que estão em tudo que se pode
matéria não garante que sejam verdadei- ver, tocar, medir, pesar, provar, cheirar, etc.
ros os aspectos imateriais asseverados Até aqui, pode-se entender que o aspecto
por ele, também não encontramos mani- material do atomismo está pacificado e
festações em contrário. aceito. Mas, ao referir-se à morte, Demócri-
Portanto, pelo respeito que sua au- to considera que as mesmas leis que regem
toridade impõe, tais aspectos merecem o material, regem também o imaterial:
reflexão, para que suas ideias voltem a ser
cogitadas sem confrontação dogmática e Demócrito acreditava que a alma era
com isenção de preconceitos, por mais composta por alguns átomos parti-
absurdas que possam parecer. cularmente arredondados e lisos, os

26 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


discutir tais variações, nem adotar qualquer
delas, porque “assim como é impossível pro-
var a existência de Deus ou da alma, não se
pode dar nenhuma prova objetiva da reen-
carnação” (TOUSSAINT12, 2017, p. 27). Portanto,
usaremos energia vital, ou simplesmente
energia, como sinônimo genérico livre, para
alma, espírito, mente, psiquê e termos corre-
latos, pretendendo que a eventual polêmica
em torno da tricotomia corpo, alma, espí-
rito, limite-se à dicotomia corpo, energia.
Assim, quando a teoria atomista mencio-
nar matéria, entenderemos que se trata do
corpo, e quando se referir aos átomos-alma,
convenciona-se que seja sobre a energia
vital, ou simplesmente energia. Para efeito
deste estudo é suficiente, já que “corpo” e
“energia” são conceitos óbvios que podem
ser aceitos sem as discutíveis interpretações
metafísicas, doutrinárias ou religiosas.

“átomos da alma”. Quando uma pessoa Então a luz brilhou


morre, os átomos de sua alma espalham- Esperamos dois mil anos para que o átomo-
-se para todas as direções e podem se -matéria de Demócrito tivesse uma expli-
agregar a outra alma, no momento cação científica. A luz da ciência brilhou
mesmo em que esta é formada (GAAR- intensamente sobre o átomo-matéria, mesmo
DER, op. cit. p. 59, aspas originais, grifo nosso). assim o seu estudo completo não terminará
em nosso tempo… Vinte séculos são menos
Parafraseando o hermetismo, ele estaria de que um relâmpago perante a história do
dizendo que assim como é o concreto, é o abs- Universo, portanto, diante disto, não po-
trato, sugerindo uma espécie de reencarnação deríamos esperar que neste pouco tempo
dos átomos da alma, que deixam o corpo sem o átomo-alma pudesse ter sido confirmado
vida e se agregam a outro, da mesma forma ou negado pela ciência. Cogitar é preciso,
que os átomos da matéria quando se sepa- para instigar a ciência a criar condições para
ram de uma molécula e agregam-se a outra. comprovar ou negar o que quer que seja. Não
Talvez seja oportuno recomendar que é diferente com relação ao átomo-alma. É
o leitor faça uma pausa, lave as mãos, beba dever do pensador provocar o cientista. Eis
um copo d’água e respire fundo para in- o objetivo! Provocar a reflexão. Não somente
vocar serenidade, antes de continuar. por respeitar Demócrito, mas também por
Devido à antiga e inconclusiva discussão considerar outros argumentos de autoridade:
que ainda persiste sobre o significado de alma
e suas propriedades, por vezes tidas como Nossa única conclusão tende a ser a
psiquê, mente, espírito11, não se pretende aqui de que a alma do homem, com sua

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27
n PERSONALIDADE

consciência ou Eu, ou personalidade, é


preexistente, imortal e eterna. Ela sem- A complexidade
pre existiu, mas passa pelo processo
universal da mudança, tal como o fa- da evolução
zem a matéria e a energia de qualquer Depois que o homem dominou o fogo, o
espécie (LEWIS13, 1991, p. 32, grifo nosso). desejo de decifrar e interagir com a na-
tureza jamais o abandonou. Impossível
O reconhecimento de que a matéria e apresentar aqui o relato cronológico das
a energia de qualquer espécie passam pelo descobertas que se sucederam, mas, uma
processo universal da mudança sugere a das mais admiráveis foi a demonstração de
possibilidade da teoria atomista vir a ser algo que Demócrito já sabia muito antes
integralmente confirmada no futuro, desa- de Antoine Lavoisier (1743─1794) com-
conselhando que uma parte dela seja descar- provar cientificamente: Na natureza nada
tada como um mero rascunho que se atira se cria, nada se perde, tudo se transforma.
ao lixo devido ao seu aparente contrassenso. Coerente em suas afirmações, Demó-
Se estiver integralmente correta, a posteri- crito considera que o corpo e a energia são
dade julgará nossa omissão. igualmente compostos por
A ciência avançou no en- átomos sujeitos às mesmas leis.
tendimento do átomo-matéria, Tanto os átomos da matéria,
mas o átomo-alma, ou melhor, quanto os átomos da alma,
a alma, continua explicada so- eternamente reutilizados pela
mente pelas crenças, doutrinas natureza. Teoria unificada, que
e pela metafísica, como se fosse dispensa exceções dogmáticas
verdade definitiva, mas sobre para justificar o resultado.
a qual não há demonstração Ao dizer que havia apenas
objetiva, o que a torna verdade Átomo modelo Rutherford átomos e vazio no Universo,
provisória. Se outras espécies (estilizado sem escala)
Demócrito não podia ter sido
de energia, como eletricidade, mais verdadeiro, porque o pró-
eletromagnetismo e muitas prio átomo é um enorme vazio,
outras, foram objeto de estudos científicos pois, “se inflássemos um núcleo atômico até
que puderam demonstrar objetivamente as que ele atingisse o tamanho de uma bola de
suas características, foi porque houve a de- tênis, os elétrons seriam encontrados (orbi-
terminação de encontrar as respostas e criar tando) a duzentos metros de distância” (GLEI-
os meios para consegui-las. Lembremo-nos, SER, 1997, p. 293, entre parêntesis inserção nossa).
porém, de que cientistas também podem Sabemos, também, que o corpo humano
pairar na zona de conforto das verdades pro- pode conter entre 10 e 100 trilhões de células,
visórias, movidos pela fé religiosa ou pela cada qual contendo uma espécie de assinatu-
preconcebida crença de que a teoria vigente ra genética, o DNA, que torna cada ser único
não carece de ser provada ou negada, ou e irrepetível. Para manter esses trilhões de cé-
ainda, pelo receio de ser desprezado pelo lulas, além de ar, precisamos de outros com-
aparente contrassenso de seu estudo. É pre- bustíveis, algo em torno de dois quilos diários
ciso retomar as tentativas que não lograram entre água e comida para o indivíduo adulto,
êxito. Afinal, os preceitos sagrados ainda não sendo que o peso corporal praticamente nem
confirmados pela ciência poderão vir a sê-lo. se altera devido eliminarmos aproximada-

28 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


mente o mesmo peso através das secreções são buscadores incansáveis quando assumem
naturais, juntamente com incontáveis células um quê de misticismo e o conhecimento
mortas, que o organismo deverá substituir. adquirido revela uma natureza incrivelmen-
te perfeita, intrincada e ao mesmo tempo
Nosso corpo está morrendo e simples, por paradoxal que isto possa pa-
renascendo todos os dias. recer. Tudo o que há no Universo são áto-
mos e vazio, interagindo eternamente…
Uma espécie de relógio biológico determi-
na quando uma célula deve morrer. Células Exceto a Alma!
estomacais têm poucos dias de vida, outras
duram meses ou anos. Tudo controlado Não é o que dizem? Considerada autôno-
pelo cérebro. Consta que todas as células do ma, individual, não formada por partículas
corpo serão substituídas em períodos de 7 capazes de interagir ou se renovar por sua
a 10 anos, exceto os mais de 80 bilhões de própria natureza como ocorre com tudo
neurônios que seriam permanentes. Seriam mais que existe no Universo, tudo que não
mesmo? Pesquisas recentes di- se cria nem se perde, apenas se
zem que os neurônios também transforma, a Alma fica pare-
podem ser repostos, logo, o cendo uma espécie de exceção
nosso corpo físico de hoje não à regra, que nos dá a impressão
é mais o mesmo de anos atrás, de contrariar o que aprende-
o que nos torna usuários das mos sobre o Cosmos quando
substâncias da natureza e não deixa de ser parte do atomismo
consumidores de coisa alguma. para ser explicada pela meta-
A rigor não somos, estamos. física em diversas concepções
O conhecimento desenvol- religiosas e doutrinárias.
vido pelo homem foi capaz de Átomo modelo Bohr A ciência continua dando
criar a ovelha Dolly, cujo anún- (estilizado sem escala) respostas objetivas para as leis
cio causou perplexidade. A que regem o Universo, mas não
ciência escandalizou a religião: mostra interesse na investiga-
Clone humano teria alma? Seria criação de ção da Alma, cujas explicações subjetivas e
Deus? Produzida com uma célula não germi- de ampla aceitação não admitem que seja
nativa, Dolly sugere que o todo está contido composta pelos átomos-alma de Demócrito.
em cada parte! O indivíduo potencial com- Entretanto, sem abordar os paradoxos
pleto está em cada partícula. Isto parece ser e aporias da “Teoria das Mônadas” de Got-
confirmado pelas células-tronco embrioná- tfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), cabe
rias, capazes de substituir quaisquer células, citar que ao responder a uma objeção, em Ve-
inclusive os neurônios, segundo as pesquisas. neza, em 1690, ele faz a seguinte declaração:

A ciência é surpreendente, Eu não digo que o corpo é composto de


não se detém! almas, nem que o corpo é constituído
por um agregado de almas, mas sim de
Descobrimos tudo isso construindo equipa- substâncias. A alma, além disso, falan-
mentos capazes de obter respostas para as do de maneira própria e acurada, não
perguntas que a ciência recebe. Cientistas é uma substância, mas sim uma forma

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


29
n PERSONALIDADE

substancial, ou a forma primitiva exis-


tente nas substâncias, o primeiro ato,
a primeira faculdade ativa. A força do
argumento consiste em que o corpo não
é uma substância, mas substâncias ou
um agregado de substâncias (In: LEIB-
NIZ, 2004, p. 1670. Tradução para o inglês: LEI-
BNIZ, 1989, p. 105 apud MARQUES14, 2010).

Mesmo havendo muita controvér-


sia, a tese da reencarnação é apoiada por
diversas correntes que sustentam com
fortíssimos argumentos essa esperança
de outra vida, que não deixa de ser uma
forma de sobreviver à própria morte.
É muito provável que no estágio atu-
al de desenvolvimento a humanidade
não consiga provar ou negar cientifica-
mente a reencarnação como é concebida
atualmente. Mas não importa quantos
milênios demore, é certo que o fará.
Aceitar a hipótese dos átomos da alma,
confirmando Demócrito e Lavoisier, implica
em mudar a noção atual de alma, para ima-
giná-la composta por partículas dotadas de alguma coisa. Logo, tem sua origem numa
uma espécie de assinatura mental equivalen- partícula da Energia Cósmica, ou Deus,
te ao DNA das células, cuja renovação seja pois, de acordo com Enguiça (2015, p. 28)
possível sem perder a personalidade poten- “somos uma minúscula centelha divina,
cial do ser a que pertence, como assim suge- habitando um relativamente enorme cor-
re, por analogia da matéria, a ovelha Dolly. po físico”, o que pode justificar o nosso
Por absurda que pareça, esta hipótese crescimento populacional e dar azo a con-
propõe que átomos da alma de Beetho- jecturas sobre o universo em expansão.
ven irradiados pelo universo poderiam Porém, esta reflexão levanta uma incoe-
capacitar talentos musicais precoces aqui rência, pois, admitir que a alma tenha que
mesmo ou em outras galáxias. Existem reencarnar para evoluir a fim de aproximar-
bilhões delas, com trilhões de estrelas -se da perfeição, pressupõe que aquela
como o nosso Sol, onde orbitam planetas, minúscula centelha divina que teria dado
talvez habitados por vida inteligente. origem à alma em primeira encarnação
Negar Demócrito e aceitar a teoria não seria perfeita, o que é uma contradição
metafísica da reencarnação, implica em dada a perfeição de Deus que a originou.
admitir, necessariamente, que cada alma É certo que não faltarão argumentos
teve sua primeira encarnação. Logica- metafísicos e dogmáticos para explicar este
mente essa alma não terá sido criada do impasse com muita competência, mas a ci-
nada, pois o nada não pode dar origem a ência deve buscar suas próprias respostas.

30 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Isento de motivação cientificista ou intole- A física nuclear revelou elétrons, pró-
rância religiosa, este ensaio destina-se since- tons, nêutrons, quarks, léptons, bósons,
ramente ao que se propõe. Provocar reflexão glúons, porque a teoria provocou a criação
como recomenda a AMORC: de aparelhos capazes dessas descobertas.
Mais lentamente, experimentos em neu-
… a Organização (Ordem Rosacruz) procura rociência têm revelado fatos intrigantes
fazer com que seus Membros se abstenham de sobre a mente, sugerindo que o estudo dos
aceitar qualquer coisa com base na fé ou ado- neurotransmissores poderá revelar sobre o
tar qualquer princípio antes que sua veracida- átomo-alma de Demócrito, detalhes tão sur-
de tenha sido demonstrada (LEWIS, 1990, p. 198). preendentes quanto a física nuclear revelou
sobre o átomo-matéria. Neurotransmisso-
Neste particular cabe lembrar outra reco- res lembram as substâncias de Leibniz…
mendação: Reconhecer que o espírito11 de cada áto-
mo interage em tudo o que há no Universo, é
Os ensinamentos da Ordem não são apre- entender que através dessa inesgotável ener-
sentados como doutrinas dogmáticas que gia somos parte inseparável do todo, e que
devam ser necessariamente aceitas pela fé, nada do que haja no Cosmos pode ser consi-
mas como princípios suscetíveis de apli- derado sobrenatural, mas apenas aquilo que
cação e análise, com demonstrações desti- ainda não foi objetivamente demonstrado.
nadas a proporcionar convicção e eliminar A filosofia cogita, a ciência investiga. A
a necessidade da fé (LEWIS op. cit., p. 207). nossa Egrégora torna místico este processo. 4

* Sergio Silva nasceu em São Paulo, 1942, e reside em Belém desde 1975 – e-mail: ss@baruch.net.br

Bibliografia: ANDREA, Raymund. Somos anormais? / O Rosacruz. n. 291. p. 53-54. Curitiba: Ordem Rosacruz AMORC, Verão 2015. (Extraído
da edição jun/1930 da revista Rosacrucian Digest); BACON, Francis. Novum Organum. Tradução e notas: José Aluysio Reis de Andrade.
Digitalização Membros do Grupo Acrópolis: Versão eBooksBrasil.org / Fonte O Dialético, 2002. (Publicação original em 1620); CARTLEDGE,
Paul. Demócrito e a política atomista. Tradução por Angelika E. Köhnke. São Paulo: Editora Unesp, 2001; ENGUIÇA, Cristóvão. O medo. /
O Rosacruz. n. 293. p. 28. Curitiba: Ordem Rosacruz AMORC, Inverno 2015; GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da
filosofia. / Jostein Gaarder; tradução João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos
mitos de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; HAWKING, Stephen; MLODINOV, Leonard. O grande projeto: novas
respostas para as questões definitivas da vida. / Stephen Hawking e Leonard Mlodinov; tradução Mônica Friaça. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2011; LEWIS, H. Spencer. Perguntas e respostas Rosacruzes: Biblioteca Rosacruz / Coord. Superv. Charles V. Parucker. 5. ed. Curitiba:
Ordem Rosacruz AMORC, 1990; ______. O retorno da alma. / Tit. orig. Soul’s Return / Coord. Superv. Charles V. Parucker. 4. ed. Curitiba: Or-
dem Rosacruz AMORC, 1991; MARQUES, Edgar. Leibniz acerca de almas, corpos, agregados e substâncias na discussão com Fardella (1690).
Kriterion, Jun 2010, vol.51, no.121, p.7-20. ISSN 0100-512X. (Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
-512X2010000100001>. Acesso em: 17/12/2017); TOUSSAINT, Serge. Qual é a finalidade da reencarnação? / O Rosacruz. n. 299. p. 26-27.
Curitiba: Ordem Rosacruz AMORC, Verão 2017.

Notas: 1. Pesquisa realizada em Belém-PA entre 25 e 28 de agosto de 2017, com universo de 95 participantes; 2. Paul Cartledge é professor
de História Grega na Universidade de Cambridge; 3. Maiêutica significa a arte de parturejar; método socrático que consiste numa sequência
de perguntas, induzindo o interlocutor à descoberta de suas próprias verdades; 4. Dialética – processo de diálogo. Debate entre interlocuto-
res comprometidos com a busca da verdade; 5. Silogismo – termo com o qual Aristóteles designou a lógica perfeita, constituída de duas pre-
missas que conduzem a uma conclusão; 6. Democritus, óleo sobre tela do holandês Hendrick Jansz ter Brugghen, em 1628, 85x70 cm doada
em 1916 para o Rijksmuseum Amsterdam, Holanda; 7. Sir Francis Bacon, ensaísta, estadista, filósofo, cientista inglês, considerado fundador
da ciência moderna, recebeu títulos de nobreza e exerceu muitas atividades. Foi Imperator da Ordem Rosacruz; 8. De revolutionibus orbium
coelestium - (“Das revoluções das esferas celestes”). Obra do polonês Nicolau Copérnico, publicada em 1543; 9. Jostein Gaarder nasceu na
Noruega em 1952. Ganhou projeção internacional com seu livro O mundo de Sofia, traduzido para mais de 40 idiomas; 10. Marcelo Gleiser
nasceu no Rio de Janeiro, 1959. Doutorado pelo King’s College na Inglaterra, fez carreira em várias instituições norte-americanas onde lecio-
na física e astronomia. Recebeu bolsas da NASA e o Presidential Faculty Fellows Award, 1994, de Bill Clinton, por pesquisas em cosmologia;
11. Espírito, em resumo, é a energia que exerce a força de atração, adesão, coesão e repulsão que dá forma e vida à matéria mediante a
constante vibração dos átomos que a compõe e mantém a sua eternidade. No século XIX Kardec desfigurou o termo, dando-lhe outro senti-
do que, popularizado, se mantém até hoje; 12. Serge Toussaint, FRC - Grande Mestre da Jurisdição de Língua Francesa da Ordem Rosacruz,
AMORC; 13. Harvey Spencer Lewis, FRC, PhD, escritor, jornalista, publicitário, filósofo, cientista, artista plástico e humanitário, Imperator da
Ordem Rosacruz AMORC de 1915 a 1939; 14. Edgar Marques – Professor do Departamento de Filosofia da UERJ (edgarm@terra.com.br).

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


31
n FILOSOFIA

Que somos
Que somos? – Seres humanos, pode ser a resposta. Mas isto diz como nos chamamos; não diz
o que somos.

Existimos e temos consciência disto. E temos consciência da existência de muitos outros


seres (e coisas), num universo aparentemente diversificado. Além disso, como temos
autoconsciência e consciência de outros seres, por comparação nos definimos como seres
vivos racionais – da espécie “homo sapiens”; dizemo-nos animais racionais.

Será que isto diz o que somos? Não. Apenas nos dá um nome específico, que nos distingue de
seres não vivos e não racionais. Na realidade, fomos bastante infelizes em nos termos apegado
tão enfaticamente (talvez orgulhosamente) à nossa racionalidade como a nossa grande ou
fundamental característica. Somos racionais, sim, e esta é a nossa diferença imaterial mais
evidente e proveitosa em relação aos demais seres vivos do reino animal deste mundo.

Mas a questão é:
– será esta a nossa característica mais importante?

ou – será esta a característica que encerra a nossa maior potencialidade (o nosso maior
potencial de ser), a verdade última e profunda do que somos?

Não temos consciência direta e comum dessa verdade última e profunda do que somos.
Fazemos deduções a este respeito, a partir da nossa consciência de como somos (usando a
nossa racionalidade). O “como somos” é o nosso “funcionamento”, que podemos conhecer
pela experiência direta de sermos humanos; é a “superfície” do nosso ser, mas pode nos dar
indicações sobre as “profundezas” do nosso ser.

32 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Por ZANELI RAMOS, FRC*

Como funcionamos
Vamos então pensar um pouco no
nosso “funcionamento”, para ver que conclusões podemos tirar quanto ao que somos.

Por observação direta do nosso “funcionamento” (auto-observação), percebemos que o nosso ser
manifesta a sua natureza (ou as potencialidades da sua natureza) em três funções básicas:

PERCEPÇÃO – PENSAMENTO – EMOÇÃO

Assim, somos seres

Perceptivos – Racionais – Emocionais

Mas,

QUE é que percebe, quando percebemos?


QUE é que pensa, quando pensamos?
QUE é que se emociona, quando sentimos emoção?

Estas perguntas são feitas, porque

NISSO que percebe, quando percebemos, é que SOMOS.


NISSO que pensa, quando pensamos, é que SOMOS.
NISSO que se emociona, quando sentimos emoção, é que SOMOS.

Portanto, se quisermos conhecer ISSO que somos, teremos de conseguir sentir a nós mesmos

NISSO que percebe quando percebemos,


pensa quando pensamos,
e se emociona quando sentimos emoção.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


33
n FILOSOFIA

Nossas funções básicas


Verifiquemos isto por consideração sucinta das nossas funções básicas.

A Função Percepção
Olhamos e vemos. Que vê, quando olhamos e vemos? Os olhos? O cérebro? Não.

ISSO que SOMOS é que vê, quando olhamos e vemos.

E assim para os nossos outros quatro sentidos ditos “físicos”. Aliás, serão mesmo físicos os nossos
sentidos? Na proposição que estou fazendo aqui, NÃO! São físicos os instrumentos – os olhos e
o cérebro; os sentidos, propriamente, não – estes são manifestações da função perceptiva própria
DISSO que SOMOS.

Uma percepção, portanto, através de qualquer dos sentidos ditos físicos, é uma SENSAÇÃO nossa
– e sensação é função de consciência.

A FUNÇÃO PERCEPÇÃO É SENSAÇÃO.

A Função Pensamento
Você já pensou no que é pensar? – Simplificando: pensar é associar (combinar) ideias.

Mas, que é uma ideia? Que acontece em nós quando nos ocorre uma ideia (simples ou complexa)?
– Uma sensação na nossa consciência.

Pensar, então, é combinar SENSAÇÕES de consciência. E que elementos ou fatores participam da


nossa função de pensar ou combinar ideias?

– Percepções imediatas;
– percepções evocadas da memória;
– a própria função associativa lógica.

A FUNÇÃO PENSAMENTO É SENSAÇÃO.

A Função Emoção
Mais evidentemente do que nos casos anteriores, emoção é SENSAÇÃO. Sensação de ser num certo
estado, ou, sensação de um estado de ser – caracterizado por sua natureza impulsiva, “automática”,
independente da racionalidade e da vontade.

A FUNÇÃO EMOÇÃO É SENSAÇÃO.

34 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


As funções de sentir
Portanto, “funcionamos” através de três funções básicas de sentir:

percepção, pensamento e emoção,

que se realizam por meio de SENSAÇÕES.

Simplificando:

percepção é sensação;
pensamento é sensação;
emoção e sensação.

Logo:

ISSO que SOMOS se manifesta na FUNÇÃO DE SENTIR.

Ou:

SOMOS algo (um ser?) que SENTE através de vários canais,


vários instrumentos, por diversos meios.

Penso, logo existo?

Não; mais – muito mais.

SINTO, LOGO SOU! 4

* Frater Zaneli Ramos é Membro da Ordem Rosacruz, AMORC desde 1963. Trabalhou na Grande Loja da Jurisdição de
Língua Portuguesa de 1978 a 1999, onde exerceu várias funções, entre elas a Coordenação do Sistema de Ensino, Chefe
da Divisão de Tradução e também Supervisor do Setor de Editoração.
Filósofo e Rosacruz exemplar, é autor de vários artigos publicados em nossas revistas e os livros “O Espírito do Espaço”
e “Ser no Ser”, ambos publicados pela AMORC-GLP. Frater Zaneli cativa seus leitores pelo seu estilo único de escrever.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


35
n CULTURA

Por MARIO SERRANO, FRC

“O que é admirável não é o tecido de imensidade das


estrelas, mas sim que o homem o tenha mensurado.”
– Anatole France

36 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


O
s livros são fascinantes em mui- Notamos, contudo, que foram encon-
tos aspectos. Imagine aquilo trados em Qumrân pergaminhos que se
que você sente quando tem apresentam na forma de longos rolos, como
um nas mãos, sobretudo se for aqueles da Torá que hoje se encontram
particularmente precioso, com uma magní- nas sinagogas. Quem pode dizer como
fica capa, talvez envelhecida, com páginas foi que se conseguiu empilhar as pági-
espessas, um odor típico, caracteres perfei- nas de papel umas depois das outras?
tamente impressos em papel e talvez belís- O livro só nos fala, portanto, se nós o
simas caligrafias com cores deslumbrantes. interrogarmos. Do contrário, por si mesmo,
O símbolo do livro também é maravilho- nada dirá. E isso porque não é consciente da-
so, pois ele contém informações que além quilo que contém! É um depósito inconscien-
de tudo o justificam, sendo que do contrário te que se ignora – que não se conhece. Com
não seria mais do que um caderno. Entre- efeito, poderia se dizer que o livro é uma
tanto, só podemos tomar conhecimento do criação que não sabe saber. Logo, é evidente
conteúdo do livro – daquilo de que ele é de- que não é tampouco animado pela vontade
positário – se o interrogarmos! E ainda assim de nos dizer coisas, a fim de que tomemos
ele só se “entregará” progressivamente, ou conhecimento delas. Pensar o contrário seria
seja, seguindo a inexorável trama do tempo, verdadeiramente uma forma de animismo.
proporcionalmente às páginas, frases, pala- O livro é, portanto, potencialmente ins-
vras e às próprias letras. O livro, enquanto trutivo, na condição expressa de que haja um
criação do homem, é dessa forma o desejo de nossa parte. Devemos fazer
reflexo de nossa capacidade de só essa parte do caminho, conduzi-
poder tomar consciência das dos pelo nosso desejo. E esta


coisas progressivamente, é uma expressão particu-
pois se pudéssemos ter O livro lar da lei do triângulo:
uma vista de conjunto uma das pontas é o
– uma visão global e só nos fala, depósito de saber que
total e, portanto, uni-
tária – não nos sen-
portanto, se nós se ignora (o livro),
que é passiva; outra
tiríamos “livrados”?
Então podemos
o interrogarmos. ponta é aquele que
deseja, que aspira
nos perguntar o que Do contrário, por a tomar conheci-
o homem teria in-
ventado no lugar do si mesmo, nada mento desse “cor-
pus” de saber que ele
livro para transmitir
seu saber. As maravilho-
sas catedrais do Ocidente
cristão não dão também teste-
dirá.
” consegue imaginar que
existe, mas do qual está
no momento desprovido, e
que é ativa; e a terceira ponta
munho de um fabuloso saber para é o conhecimento conscientizado
aquele que sabe decifrá-las? A Grande Pirâ- ou, se preferirmos, consciente de si mesmo.
mide do Egito também não é um livro ex- Ele sabe aquilo que sabe, e sabe que sabe.
traordinário para aquele que conhece a lin- A terceira ponta possui, por conseguinte,
guagem, outrora reservada aos iniciados, dos a qualidade das outras duas, porém exis-
números, da astronomia, da geografia etc? te num nível superior de manifestação.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


37
n CULTURA

Apenas o homem que deseja é suscetível de agir de modo que,


acolhendo-o voluntariamente em si, esse conhecimento possa ser conhe-
cido. Graças ao homem, a consciência se tornou então conhecedora e o
conhecimento consciente, o que é confirmado por Sócrates, quando ele diz
(exagerando um pouco) que nada sabe, mas que ao menos sabe disso. O poeta
e compositor francês Georges Brassens completará isso bem mais tarde, enun-
ciando que, para saber que se é um imbecil, é preciso um mínimo de inteligência.
As tradições místicas falam também do “Livro da Natureza” ou ainda do
“Livro do Homem”. Teriam estes as mesmas características que os outros abor-
dados anteriormente? As criações divinas, que são a natureza ou mesocosmo
– e o ser humano tomado em sua globalidade, ou microcosmo – poderiam nos
ensinar aquilo que desejaríamos saber, ainda que não sejam a priori animados
pela vontade de nos ensinar? Noutras palavras, podem eles, enquanto livros, nos
dizer alguma coisa involuntariamente? São suscetíveis de serem interrogados? Em
poucas palavras, podemos nos perguntar a respeito deles: O que isso quer dizer?
Para responder a essa questão, poderíamos dizer que tudo aquilo que existe – toda
criação – é virtualmente o depósito de um conhecimento, pois a manifestação de algo
é necessariamente o fruto das leis da Criação, que são revelações possíveis para um
homem animado pelo desejo de aprender e de compreender. Porém, ainda que essas
leis ajam na criatura e que a criatura dê testemunho implícito das leis da criação de seu
ser, ela não está só por isso – assim como acontece com o livro – consciente dessas leis.
O conjunto das leis da Criação é aquilo a que os rosacruzes chamam o “Cósmi-
co”. É o Cósmico que cria tudo aquilo que existe. É também aquilo a que chamamos
o “Verbo”. Mas a Criação não conhece o Verbo, embora esteja “cheia” dele. O termo
“cheia” é interessante, pois se associa também a “grávida”. Sócrates dizia, além disso,
que era preciso “dar à luz” as almas, que é o que se chamava de “maiêutica”. Destaca-se
ainda que em francês a palavra correspondente a “grávida” (enceinte) pode designar
uma estrutura que cerca, encerra ou contém alguma coisa. O Verbo, assim como a
Inteligência que em primeiro lugar pensou o Todo, é desconhecido desse Todo. O
homem em geral também não ignora de onde vem? E por que há algo ao invés de
nada? E parece que ele é a única criatura a poder se perguntar a respeito, o que de
acordo com alguns pensadores é o verdadeiro milagre da natureza: criar um ho-
mem que é capaz de se perguntar por que ele existe. E como? E por quê? Quanto
àqueles que querem continuar a crer que o homem foi criado por acaso, isso
redundaria em dizer que esse “acaso” criou um ser capaz de se questionar se ele
foi criado “por acaso”, o que parece implicar uma boa dose de má vontade...
No princípio do seu caminho de despertar, de sua regeneração e de sua ilu-
minação, o homem encarna essa natureza que ignora tudo o que ela contém
enquanto testemunho cego das leis criadoras, e que só se justifica, contudo,
de um ponto de vista místico por essa finalidade: ser o agente pelo qual
o conhecimento das leis que governam a Criação seja conscientizado,
ou seja, refletido na mente da criatura mais evoluída da natureza: o
homem! As coisas, porém, devem sobretudo nos maravilhar, serem
vistas pelo coração, pois seguir a linha que conduz para Deus é ad-

38 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


mirar as maravilhas da Criação para poder uma “tradição”. Notemos de passagem que
finalmente adorá-las e, através delas, o único “comunicar” é inicialmente disponibili-
Criador. O conhecimento do essencial não zar em comum – e, portanto, partilhar.
passa pelo coração? Como disse Georges O belo, o bom e o bem do mundo são os
Sand, a mente procura e o coração encontra. reveladores de uma base suscetível de vê-los,
O sentimento de maravilhamento, assim escutá-los e apreciá-los; base que existe em
como o de harmonia, testemunha o olhar nós e que dá testemunho da Vontade cósmi-
justo do coração que conduz também à ca de que sejamos as testemunhas da beleza
adoração do Criador que tudo ordenou con- do mundo e da Ideia que está em sua origem,
forme Suas leis imutáveis e perfeitas, signos ou seja, que somos feitos para admirar e
de Sua perfeição. É reconhecer progressiva- depois adorar. E na medida em que estiver-
mente, na medida de nossa regene- mos dispostos e organizados para
ração, a Sabedoria do Grande admirar, poderemos deduzir
Arquiteto do Universo. que tal é a nossa função
Voltemos, porém, natural. Se meditarmos
ao livro. Se por um naturalmente sobre o
lado ele não dispõe conteúdo dos livros,
da vontade de nos inclusive os da
ensinar – de nos Natureza e do Ho-
“falar” –, existe, mem, então pode-
no entanto, uma remos apreender,
vontade por trás, depois compre-
ou mais exata- ender e, por fim,
mente antes do criar por nossa
livro, que quer que vez, pois aprender
ele nos seja “dito” O é receber, compreen-
livro cria
por ele. Essa vontade é uma corrente der é transformar
evidentemente a do au- de transmissão de em substância
conhecimento do
tor. O livro dá testemunho autor para seus de consciência e
essencialmente dessa vontade, leitores criar é restituir.
que nos diz “indiretamente” aquilo Terminemos
que ela nos destina. Então, por que não nos nossa reflexão com
fala imediatamente, ou “diretamente”? Pelas uma citação extraída de
razões que levam um autor a se servir de um um livro de Serge Toussaint sobre o senti-
livro para comunicar: ele não está ao alcance do que devemos dar à nossa existência no
do conjunto de seus leitores, estes não fa- âmbito de nossa encarnação terrestre:
lam todos a sua língua ou seu pensamento
é complexo e necessita múltiplos desenvol- A Terra e a vida que ela abriga não são
vimentos etc. E graças ao livro é criada uma fruto do acaso ou de um concurso de
corrente de transmissão que permite de fato circunstâncias. Elas se inscrevem num
que um pensamento ou um saber conhecido Plano Divino e são regidas por leis físicas
apenas pelo autor seja transmitido a diver- e metafísicas que nada têm de arbitrárias
sos leitores, que com ele poderão partilhá- e que devemos aprender a conhecer e a
-lo. É isso o que poderia ser chamado de respeitar para o nosso bem maior. 4

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


39
n ESTUDO

Por LUÍS FÁBIO MIRANDA, FRC*

“Até cortar os próprios defeitos


pode ser perigoso – nunca se sabe
qual é o defeito que sustenta
nosso edifício inteiro.”
– Clarice Lispector1

40 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Q “
uando falamos sobre certos
“defeitos” e os seus presumidos a total ausência
opostos – as chamadas “virtu-
des” – é necessário que tomemos
de ‘defeitos’ e
alguns cuidados fundamentais para que não
cometamos grandes erros em relação a outras
o excesso de
pessoas e até mesmo a nosso próprio respeito. ‘virtudes’ podem
Um ser humano completamente sem
“defeitos” não sobreviveria muito entre nós. ser maravilhosos…
Na teoria.

Apenas como exemplo, imagine alguém que
não tenha ao menos um pouco de descon-
fiança, ou de ambição, ou mesmo de ciúme
nos dias atuais. Tal pessoa, excessivamente
crédula, por demais modesta, ou completa- Rosacruzes chamam de “harmonium”, ou
mente desapegada seria esmagada em pouco seja, o equilíbrio do qual depende direta-
tempo na sociedade em que vivemos. Assim mente a nossa qualidade de vida: a saúde
sendo, os chamados “defeitos” são realmente física e mental, os relacionamentos pes-
necessários à “sustentação do edifício”, como soais e até mesmo o sucesso profissional.
tão bem colocado pela nossa grande autora Como exemplo, vamos focar apenas al-
Clarice Lispector, citada no início deste arti- guns dos chamados “defeitos”, tentando ir
go. São, na verdade, não apenas necessários, um pouco mais fundo, ou seja, procurando
mas imprescindíveis. O problema surge identificar a sua causa verdadeira ou original:
quando tais defeitos ultrapassam certo nível,
tornando-se inoportunos e às vezes até doen- n Ansiedade: ocorre devido ao medo
tios. Por outro lado, uma pessoa por demais de acontecer ou de acontecer fora de
“virtuosa” também não sobreviveria no mun- hora ou mesmo de não acontecer;
do. Imagine alguém que tenha um excesso
de confiança, ou de modéstia, ou mesmo de n Culpa: origina-se do
desapego. Seria igualmente um desastre. medo de ter errado;
Assim, podemos concluir de imediato
o seguinte: a total ausência de “defeitos” e n Desconfiança: aparece devido
o excesso de “virtudes” podem ser mara- ao medo de ser enganado;
vilhosos... Na teoria. Porém, como tantas
outras coisas na nossa espécie, não são exe- n Inveja, ambição, cobiça: acontecem
quíveis na vida diária. devido ao medo de não ter ou não
A maestria da vida é obtida pelos que obter; ou mesmo de ter, porém inferior
conseguem um equilíbrio razoável entre o em quantidade e/ou qualidade;
mínimo não prejudicial dos considerados
“defeitos” e o máximo possível das chamadas n Ódio, agressão: ocorrem devido ao
“virtudes”. Para tanto, a origem das nossas medo de ser (ou ter sido) magoado,
mazelas emocionais deve ser procurada, depreciado, desrespeitado, mal-amado;
analisada e bem entendida. Através de tal
ação, será mais fácil trabalhar as nossas n Orgulho, soberba: surge
emoções e assim procurar atingir o que os devido ao medo de ser inferior.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


41
n ESTUDO

São duas glândulas no interior dos nossos


cérebros, uma para cada hemisfério, pareci-
das com amêndoas, daí a sua denominação
(não as confundir com as amígdalas que
temos na garganta). Tais órgãos provocam
reações diretas e imediatas, sem passar pela
área racional, causando o aumento instantâ-
neo da adrenalina no corpo, preparando-o
para fuga ou luta, bem como disparam mo-
vimentos súbitos e involuntários de certos
músculos. Sua atuação nos protege. Sem
elas, poucas espécies teriam sobrevivido.
Neste caso, o medo é irracional, pois a
Analisando os exemplos citados, nota- seleção natural eliminou a possibilidade
mos em todos eles a presença da palavra de os seres vivos ficarem “analisando” cer-
medo. Assim, podemos deduzir que o medo tos fatos e assim perderem tempo, quan-
é, na verdade, a causa original de tais do mesmo uma fração de segundo pode
“defeitos”. E, como sabemos muito bem, é representar a diferença entre a vida e a
inútil tratar um efeito se não eliminamos morte. Exemplo: desviar o rosto de algum
ou pelo menos reduzimos sua causa. objeto ameaçador que de repente venha
Vamos então estudar um pouco mais em nossa direção. É um comportamento
essa emoção chamada medo. Alguns di- instintivo e imediato: nós tomamos consci-
cionários a definem como “sentimento de ência do fato só depois que ele aconteceu.
grande inquietação ante a noção de um Uma doença raríssima (mal de Urbach-
perigo real ou imaginário”. Assim, quan- -Wiethe) é a calcificação das amígdalas
to à origem, temos duas possibilidades: cerebrais, levando o seu portador a não
ter mais medo algum, a não se assustar,
n 1. sentir medo de alguma coisa não ficar apreensivo, e sequer conseguir
que realmente existe; identificar expressões de pavor ou mesmo
de ameaça no rosto dos outros. Os porta-
n 2. experimentar a mesma reação dores desse mal precisam ser protegidos o
devido a algo que apenas supomos tempo todo, pois não tomam qualquer cui-
existir. Nossos cérebros têm dado. Acabam falecendo muito cedo, não
dificuldade em separar o real do diretamente devido a tal moléstia, mas em
imaginário; para demonstrar tal algum acidente ao qual se expuseram sem
fato, basta imaginar que estamos o mínimo temor ou qualquer precaução.
colocando na boca uma fatia de É necessário, porém, que façamos uma
limão bem azedo. Salivamos. distinção clara entre o medo pontual, oca-
Embora tal limão não seja real. sional, e aquele outro, constante, de fundo,
que atinge grande parte da população, na
Quimicamente, o medo é uma reação forma de uma sensação permanente de
disparada pelas amígdalas cerebrais, que desconforto, podendo levar o indivíduo a
fazem parte do sistema límbico (emocional/ agir igualmente de forma irracional. Infe-
social) dos répteis, pássaros e mamíferos. lizmente, ele é bastante difícil de identificar,

42 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


pois é sentido geralmente não como medo, mais frequentemente as emoções, já nos
mas como uma ansiedade às vezes leve, mas acostumamos a ouvir a expressão “lingua-
quase sempre presente, que até pode irrom- gem corporal”, onde mesmo quando escon-
per momentaneamente em ódio e raiva. demos ou disfarçamos aquilo que estamos
Como já vimos, a reação instantânea das sentindo, o corpo nos trai. Passar a “ouvir
amigdalas cerebrais é natural e nos protege. mais o próprio corpo”, observando suas rea-
Porém uma sensação constante que gere ções naturais e tentando compreendê-las,
emoções negativas de forma contínua cria faz parte do processo de autoconhecimento
o que chamamos de “pessoas más”. Deve- e leva a um gradativo amadurecimento,
mos entender, contudo, que as pessoas não evolução e desenvolvimento pessoal.
são “más”, porém imaturas. O não amadu- Mas voltando ao nosso assunto cen-
recimento dos seres humanos é a causa de tral, podemos estabelecer três níveis tanto
todo o mal que vemos na terra: a mentira, para as virtudes quanto para os defeitos:
a falsidade, o vício, o interesse material, o
roubo, o crime... pois a imaturidade é a base n 1. normal (autoproteção);
do medo de fundo, permanente, levando n 2. forte (problemático);
a comportamentos repetitivos e inadequa- n 3. excessivo (patológico).
dos, podendo ter até picos de agressividade,
mas que de toda forma destroem a vida do É altamente desejável que tanto as nossas
cidadão comum e daqueles que o cercam. virtudes quanto os nossos defeitos perma-
Este tipo de medo constante, mais sutil neçam no primeiro nível: o normal, de auto-
e quase sempre imaginário, foi usado, ao proteção. Quando aumentam para o segundo
longo de milhares de anos, para dominar e patamar, atingindo a condição de forte,
manter sob controle as populações, seja por problemático, precisamos atuar conscien-
governos, seja por religiões. Até hoje ele é temente, procurando reduzi-los ou mesmo
largamente utilizado na sociedade em que transmutá-los, tornando-nos assim verda-
vivemos, e temos um bom exemplo disso deiros alquimistas emocionais. Se, porém,
na área de Propaganda e Marketing. É o uma dessas características se encontra no
medo sutilmente instilado em nós que, terceiro nível, aquele em que ela é excessi-
certas vezes, faz com que optemos por va, patológica, devemos recorrer a um
este produto e não aquele; que nos profissional que possa nos auxiliar na
leva a comprar coisas desnecessárias tarefa de transformá-la ou reduzi-la.
ou até mesmo prejudiciais. Observe É importante notar que, sozi-
como o medo é disfarçadamente nhos, muitas vezes nem sequer
sugerido em alguns comerciais, conseguimos definir em que
e torne-se assim imune à sua patamar se encontra o nosso
influência, pois quando enten- defeito ou a nossa virtude.
demos o processo e enxergamos Deveríamos poder fazê-lo
o truque, ele deixa de ter efeito simplesmente pela correspon-
sobre nós; à luz do conheci- dente avaliação da dimensão
mento e da consciência, sim- do problema que estamos tendo.
plesmente não funciona mais. Mas o ser humano tem muitos
Embora seja em nossas faces mecanismos psicológicos de au-
que demonstramos ou ocultamos toengano e de auto sabotagem,

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


43
n ESTUDO

como tão bem exemplificado pela filha de proporcional ao fato?”. Em geral, esta reflexão
Freud, Anna, em sua obra “O ego e seus me- produz resultados imediatos e permanentes.
canismos de defesa”. Neste caso, a avaliação Se não conseguirmos nem a transmutação
de um psicólogo ou médico psiquiatra faz- nem a redução, mesmo no patamar 2, neces-
-se não apenas necessária, mas essencial. sitaremos de ajuda para nos auxiliar no pro-
Mas vamos então focar o nível 2, aquele em cesso. É o caso também da “virtude proble-
que talvez possamos tentar resolver o proble- mática”, quase sempre mais difícil de ser tra-
ma por nós mesmos. É aí que se aplica a Al- balhada pela própria pessoa, pois depende de
quimia Emocional, que pode ser feita através um aprofundamento na causa bastante com-
de uma transmutação ou de uma redução. plexo para se descobrir o porquê de o medo
A transmutação consiste em transfor- que a inibiria parcialmente não estar funcio-
mar uma emoção negativa em positiva. Por nando. De toda forma, nossas considerações
exemplo: podemos sentir uma grande e inex- neste artigo não têm qualquer intenção de
plicável antipatia por alguém logo em nosso substituir ou de constituir uma alternativa
primeiro contato, levando- aos serviços dos profissionais
-nos a ter problemas no de saúde física e mental.
trabalho ou na vida pes- Já se foi o tempo em
soal. Refletindo sobre que a ciência olhava com
este fato, é bem possível descrédito a importân-
que identifiquemos cia dos nossos esta-
uma outra pessoa, no dos emocionais. Nas
passado, que nos tenha últimas décadas, ela
ofendido ou magoado, nos surpreendeu com
e que possuía certas descobertas e pesquisas
características em co- importantes, que levaram
mum com o nosso atual ao conceito da “Inteligên-
desafeto. Quando isto cia Emocional”, termo
acontece, a antipatia utilizado por Michael
que sentimos se trans- Beldroch em um artigo
muta em compreensão de 1964. O assunto foi
e aceitação, uma vez que popularizado bem depois,
descobrimos a sua causa e percebemos que por Daniel Golemann, em seu famoso livro
não há relação efetiva entre as duas pessoas. de mesmo título, publicado em 1995. Basea-
Mas a Alquimia Emocional pode se do em observações, pesquisas e estatísticas
resumir apenas a uma redução de algum que certos membros da comunidade cien-
sentimento negativo forte que possamos ter, tífica ainda se recusam a aceitar, Golemann
levando-o ao nível normal. Isto não é difícil afirmou que um baixo Quoeficiente Emo-
de ser feito se identificarmos claramente qual cional pode arruinar a vida pessoal e profis-
é o medo que está gerando o excesso. Em se- sional de muitos que têm um excelente dote
guida, podemos então focar tal causa, através intelectual. Porém, devemos considerar a
de um autoquestionamento: “Por que tenho realidade histórica de que quase toda quebra
este medo?”; “Quando, onde e como comecei de paradigma é recebida de forma cautelosa
a me sentir assim?”; “Há algum motivo real e às vezes cética, seja pelo público em geral,
para que eu sinta isto?”; “Meu medo é des- seja até mesmo por estudiosos da área.

44 O ROSACRUZ · OUTONO 2018



Mas muito antes de Golemann, o próprio
Darwin escreveu sobre emoções, focando … toda quebra
aquelas instintivas e demonstradas clara-
mente. Já Sigmund Freud concentrou-se nas
de paradigma é
ocultas e mesmo reprimidas. De toda manei-
ra, são as emoções que nos ligam aos demais;
recebida de forma
na verdade, elas nos conectam inclusive a cautelosa e às


nós mesmos, constituindo um caminho ínti-
mo para os sete degraus do chamado “Opus vezes cética…
Magnum” da alquimia pessoal, que se inicia
com a sinceridade da busca sem peconceitos,
leva ao encontro da senda mística, propicia com que o bebê já nasce, são autoprovoca-
as Iniciações, os estudos, as reflexões e os ex- das. Até as doenças genéticas só são “dis-
perimentos para a obtenção do autoconheci- paradas” pela mente do próprio indivíduo.
mento, expande a compreensão de si próprio, Observando seus pacientes, o Dr. Marco
amadurece com a aceitação integral do “eu”, Aurélio concluiu também que mesmo os
para finalmente atingir o incondicional “amar acidentes são também “procurados” pela
a si mesmo”, sem o que não conseguiremos pessoa, de maneira não-consciente. Se isto
jamais “amar verdadeiramente o outro”. estiver correto, um leitor mais atento dedu-
Não sentir adequadamente as emoções ziria então que praticamente toda morte é
leva ao tédio – uma condição doentia, hoje na verdade um suicídio, explícito ou não.
conhecida como causadora de muitos pro- De qualquer forma, existem várias teorias
blemas, desde o envolvimento com drogas sobre quais seriam as emoções básicas do ser
até a prática dos chamados esportes radicais. humano. Se, porém, refletirmos adequada-
Isto também necessita tratamento profissio- mente, veremos que há apenas uma emoção
nal, pois mesmo os que não enveredam por fundamental e universal: o amor – a força
tais caminhos, em que se prejudica a saúde de atração, de coesão, eterna e sem limites,
ou se coloca em risco a própria vida, são criando e recriando o universo, despertando
estatisticamente duas vezes mais propen- em nós as “virtudes”. Quando tal emoção se
sos a sofrerem um enfarte ou a um AVC. ausenta, mesmo que parcialmente, temos o
Os antigos místicos já sabiam; a Medicina medo: a separação, a dispersão, correspon-
moderna está apenas redescobrindo o fato dente ao temporal, limitado, pontual. Gera
de que grande parte – se não a totalidade nossos “defeitos” e assim protege e equilibra
– das nossas doenças são causadas por nós a vida. Isto demonstra na prática o que os
mesmos, por aquilo que está no nosso sub- Rosacruzes sempre afirmaram: as trevas não
consciente. No Brasil, podemos destacar o existem como entidade; elas surgem simples-
trabalho do médico cardiologista Dr. Marco mente quando ocorre a escassez da Luz. 4
Aurélio Dias da Silva, consolidado no livro
“Quem ama não adoece”, onde demonstra *Luís Fábio Miranda é engenheiro formado pela USP, escritor
nos idiomas inglês e português, tendo se afiliado à Ordem
como as emoções influenciam no processo Rosacruz em 1964. Trabalha na divulgação da AMORC desde
da doença e da cura. Tendo iniciado a sua 1977, ministrando Palestras Públicas e Cursos no Brasil e no
exterior. Outras informações: www.luisfabiomiranda.com
carreira como um cético, após décadas de
prática médica, ele chegou à conclusão de Nota: 1. Carta de Clarice Lispector a Tania Kaufmann, em
06.01.1948. “CORRESPONDÊNCIAS” – Clarice Lispector.
que todas as doenças, com exceção daquelas Organização de Teresa Monteiro. Editora Rocco, 2002, p. 164.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


45
n REFLEXÃO

Por RUTH OLSON, SRC

46 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


E
m uma experiência Rosacruz in- em outras funções sociais e em nossas tarefas
teressante solicitou-se que pesso- diárias. Essa é uma especulação forçada –
as determinassem os fatores que mas ideias como regras éticas no comércio e
seriam instrumentos para criar e leis de proteção ao consumidor foram esta-
manter a ordem social caso começássemos belecidas. Por que não princípios de “amor”?
uma nova ordem mundial. Após uma série O Amor é a maior força do mundo
de discussões, o grupo obteve uma lista de e seus efeitos podem ser percebidos na
diretrizes profundas em sua simplicidade maioria das realizações importantes do
e potencial. Foram abreviadas em qua- ser humano. Livros, poemas e canções
tro palavras: amor, serviço, comunicação foram escritos sobre o amor: a humani-
e dedicação. Existe uma razão válida para dade tem se elevado às alturas da alegria,
começarmos a usar essas diretrizes já. da força e do êxtase por causa do amor.
Não existe nada semelhante na histó-
ria registrada da humanidade à situação
mundial atual. Nossos problemas são mais Amor altruísta
complexos do que nunca. Em 1931, Al- O amor a que nos referimos é, obviamen-
dous Huxley, ao escrever Admirável Mundo te, o amor altruísta, onde o bem da pessoa
Novo, fez previsões para uma a data futura amada é a primeira preocupação – seja do
de 7 a.F., em outras palavras, o sexto século amante, esposo, filho, parente, amigo, da
após “Ford”. Quando escreveu Admirável humanidade em geral ou do Divino Cria-
Mundo Novo Revisitado, muitas das ideias dor. Se aplicássemos as maravilhosas e
do seu livro anterior, que jamais haviam estimulantes forças do amor em nosso dia
sido ouvidas antes, já estavam ocorrendo. a dia, nos assuntos cotidianos, isso revo-
Algumas dessas eram os tranquilizantes, lucionaria o mundo eliminando a maio-
os barbitúricos, as pesquisas motivacionais ria dos males que assolam o ser humano
e behavioristas, a propaganda subliminar, – males que normalmente são o resultado
a lavagem cerebral, a pílula de controle da ganância, do egoísmo e da vaidade.
da natalidade e a inseminação artificial. Além disso, entre as outras diretrizes acor-
Então, em 1948 George Orwell escre- dadas pelo fórum, isto é, serviço, comunicação
veu 1984 onde, em contraste à visão de e dedicação, o amor seria o catalisador para
Huxley, da subjugação pela tranquilidade, a aplicação delas. Deixemos o amor permear
ele pintou um mundo da persuasão pelo nossos pensamentos e logo ele permeará tudo.
medo e pelo totalitarismo da polícia. Te- Serviço em nome do amor atenderia as
mos alguns aspectos de ambos os mundos necessárias realizações fazendo deste planeta
hoje, além de alguns desenvolvimentos um paraíso. Até mesmo hoje em dia, quando
que nenhum desses homens previu. rodeados de hostilidade e caos, a vida é su-
Num mundo como este, a reflexão sobre portável e até agradável. Então não é impos-
essas quatro palavras escolhidas como dire- sível que o futuro seja um paraíso utópico.
trizes do “novo mundo” leva a alguns con- Existe, em paralelo à explosão demográfica,
ceitos interessantes e provocativos e algumas uma explosão de ideias, um crescimento
aplicações possíveis. Suponhamos que exis- incrível de conhecimento. Realizamos tanto
tisse um “Departamento do Amor” cuja res- que certamente não é uma fantasia espe-
ponsabilidade fosse certificar a aplicação dos rarmos que sejamos capazes de solucionar
princípios do amor para que fossem aderidos os problemas mais desafiadores de hoje.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


47
n REFLEXÃO

Por exemplo, a explosão na população Um plano de construção para a cooperação


mundial nos fez mais cientes da defasagem entre os povos deve ser elaborado e esforços
dos recursos naturais. Estamos mais cons- contínuos devem ser feitos para encontrar
cientes do valor das terras cultiváveis e, soluções para os problemas que existem. As
através de novos desenvolvimentos na tec- soluções devem ter uma certa homogeneida-
nologia, podemos torná-las mais produtivas. de para funcionar para todos os envolvidos.
É claro que para as gerações futuras e para o A comunicação entre indivíduos é tão
ecossistema mundial devemos abordar essas importante quanto a comunicação entre
fontes de alimento com a sabedoria da eco- povos. Precisamos ouvir e entender uns aos
logia e conservação. Além da alimentação, outros para aprender as verdadeiras neces-
existem inúmeros serviços que precisam ser sidades e desejos do coração. Precisamos de
realizados. Ecologia, combustíveis, transpor- um ambiente de proteção, amor e segurança
te, moradia, relações humanas – todos estes pois sem essas coisas nossa vida interior fica
oferecem uma riqueza em áreas que podem desorientada. No presente temos uma forma
ser desenvolvidas. O serviço pode ser presta- aleatória de atender essas necessidades numa
do em mil áreas e formas diferentes – todos sociedade em transformação onde a taxa
ajudando a criar vida nova. Praticamente de divórcio aumenta mudando a estrutura
qualquer tarefa seria aceitável e não muito familiar tradicional. Devemos mudar esta
ignóbil se fosse realizada altruisticamente. tendência ou orientá-la de forma a fornecer
A compensação pelo serviço num mun- segurança e amor para as nossas crianças.
do altruísta não viria através do status e Apesar da estrutura moral da família
recompensas para o ego, e sim através da parecer estar no caos, isto tem seu lado po-
satisfação das nossas contribuições para o sitivo também; pois à medida que as pessoas
crescimento da fraternidade humana. Ao começarem a perceber que alguns dos ve-
invés de práticas do “bonzinho”, nossas rea- lhos padrões podem ter sido falsos, novos
lizações caritativas seriam feitas como com- padrões poderão ser encontrados, além de
promissos qualitativos e não como tentativas perceber que existe uma verdadeira riqueza
para parecermos grandiosos. O egoísmo nos valores e em alguns costumes antigos.
começaria a desaparecer da face da Terra. De forma similar, uma revolução também
prevalece nas teorias filosóficas e religiosas,
Comunicação mas, sem dúvida, podemos esperar que do
caos emergirá uma forma nova e melhor de
A comunicação, a necessidade seguinte do ver a vida e Deus. Enquanto por um lado
novo mundo é vital para o bem da huma- algumas das falsas frentes de puritanismo e
nidade. Abrange muitas áreas, assim como dogmatismo parecem ruir, por outro surge um
educação, entretenimento, educação in- renovado senso de identificação com valores
fantil, encontros, relações humanas, assim positivos duradouros. Os benefícios da medi-
por diante. As necessidades potenciais de tação e a verdadeira busca de filosofias místi-
comunicação entre os povos do futuro são cas estão se tornando conhecidos e apreciados.
difíceis de definir, no entanto, identificamos Na comunicação está uma das maiores
os direitos civis, a paz mundial e a conserva- fontes de crescimento do ser humano, oferece
ção como as mais notáveis. Porém, métodos a possibilidade de calor e amor nas relações
revolucionários não produzirão tanto bem humanas e na criação das crianças. Guerras e
quanto trabalho e planejamento cuidadoso. misérias são o resultado da sua falta. Com a

48 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


bondade e a consideração como nossos guias, mento: o mundo em que criamos nosso pró-
poderemos criar nossas crianças livres da prio céu e inferno. Podemos ter certeza cada
tirania, crueldade e da falta de compreensão. vez maior, como todos os elementos da vida
Através da comunicação aprendemos a assim o provam, de que podemos fazer algo
aceitar uns aos outros como indivíduos sem se acreditarmos que podemos. Cada vez mais
esperar que as pessoas se moldem aos nossos pessoas estão começando a acreditar que po-
ideais. Podemos transmitir o amor com ou demos tornar o mundo em um lugar melhor.
sem palavras. A ciência da linguagem corpo- Como todas as nossas energias direcionadas
ral, relativamente recente no mundo da psi- para a mesma meta, como poderíamos errar?
cologia, mas que sempre esteve implícita no A ideia de melhorar o nosso mundo não
mundo humano, mostrou que nossos movi- é nova, mas evoluiu juntamente com a au-
mentos mais simples revelam aceitação ou re- toconsciência. O faraó Akhenaton tentou
jeição. Não existe qualquer maneira de falar- implantar novos estilos de vida e assustou
mos de amor e tolerância sem que realmente o mundo; os gregos experimentaram ideias
sintamos isso porque o nosso corpo nos dela- novas e realizaram maravilhas; indivíduos
ta. Por isso, quando nos comunicamos deve- ao longo das eras mostraram o que realmen-
mos aprender a fazê-lo com todo o nosso ser. te poderia ser alcançado com esforço. Não
A dedicação, quarta diretriz para o ama- importa quais experiências estão reserva-
nhã, culminará os nossos esforços nos campos das para nós, a grandeza da consciência do
do serviço e da comunicação se for realizada ser humano, exemplificada em alguns dos
com amor e compreensão. Se estivermos maiores indivíduos do mundo, prevalecerá.
interessados num conceito, numa causa ou Podemos agora começar a criar um
ideia podemos tentar nos entregar a ela com mundo novo com nossos pensamentos,
completa dedicação. Isto significa que seremos palavras e ações. Podemos projetar pen-
fiéis a ela mesmo, quando a situação estiver samentos de amor, harmonia, bondade e
mais difícil. Dissolveremos nossos pensamen- saúde, a qualquer momento, em qualquer
tos negativos com pensamentos positivos, lugar, com total altruísmo. E toda vez que
substituiremos tristeza com pensamentos isso fizermos, haverá uma manifestação de
alegres, nos enlevaremos quando estivermos melhora. Uma palavra ríspida pode ser trans-
para baixo e trabalharemos em direção de formada em palavras doces, pensamentos
uma meta com zelo, coragem e perseverança. ruins desaparecerão, harmonia prevalecerá.
Estamos no umbral de uma nova era. Nos- Pratiquemos, sempre que pudermos e
so maior potencial para sobreviver é a consci- onde for possível, os princípios da aplica-
ência individual. Somos afortunados por ter- ção do amor e procuremos servir às causas
mos nossas tradições místicas, pois elas perpe- em que acreditamos. Podemos nos esfor-
tuaram o padrão para a sobrevivência, chaves çar para sentir e comunicar fraternidade
para abrir novos horizontes de crescimento. e trabalhar com dedicação em direção ao
Enquanto a história oferece muitos exem- nosso ideal. Podemos apoiar as pessoas e
plos da desumanidade do homem, também organizações que servem a esse propósito.
oferece muitos exemplos da grandeza do ser Se auxiliarmos a humanidade a alcançar
humano. Os grandes homens certamente são estados de consciência e realizações mais ele-
a maioria, assim como estão em ascendência. vados experimentaremos um retorno à nossa
A consciência de si nos trouxe do mundo verdadeira natureza. Podemos começar a criar
da mera existência para o mundo do pensa- um mundo novo e podemos começar agora. 4

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


49
A chave da
Felicidade
Por H. SPENCER LEWIS, FRC
ex-Imperator da AMORC

O
título deste artigo verdadeira relação para com de Deus, a chamada indi-
sugere que há uma Deus e toda a humanidade, vidualidade humana perde
certa chave, espe- para recebermos essa mara- todo o seu significado e nos
cífica, que, uma vez obtida, vilhosa chave. Deus criou o apercebemos de nós mes-
há de nos abrir a porta para homem e nele infundiu uma mos, ou nos reconhecemos,
a Felicidade. O fato de que parte de Si mesmo, a fim de tão-somente como humildes
essa chave existe não pode que o homem fosse feito à almas, intimamente ligadas a
ser posto em dúvida por Sua semelhança, ou à Sua todas as outras almas, como
aqueles que a receberam, de imagem. Criados à imagem partes necessárias a integrar
modo que somente aqueles de Deus! Perfeitos, puros, e compor a unidade do todo.
que a ignoram demonstram imutáveis, imortais! Dotados O homem, portanto,
ceticismo quanto à sua exis- de todas as qualidades de não está individualizado,
tência. Tendo-a conseguido, Deus, porque Deus não po- nem no corpo nem na alma,
possuímo-la para sempre; deria criar coisa alguma que pois, animicamente, é parte
não podemos perdê-la, ainda fosse menos perfeita do que de Deus, e, materialmen-
que a emprestemos a outrem Ele próprio. E quando nos te, é feito da substância da
ou tentemos jogá-la fora. tornamos plenamente côns- Terra, que, por sua vez, é
É necessário alcançarmos cios desta grande verdade também parte de Deus. A
a compreensão de nossa e sabemos que somos parte interdependência do homem

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existe porque é necessária uma outra estação, pode cias, porque está concentra-
para que o próprio homem enviar a mesma ou outra da em seu desejo de obter
exista. O homem não é hoje mensagem para essa outra aquela coisa que considera
e nunca foi inteiramente estação, e assim por diante, tão necessária à sua felici-
independente. Ele gosta até que, mediante a devida dade. Se essas pessoas se
de pensar que o é, porém, sintonização, consegue se detivessem por um instante
quando se aprofunda nesta comunicar com todas as de- e pensassem um pouco
questão, percebe seu erro mais estações de telegrafia. mais no assunto, logo per-
e toma consciência de que, Todas essas estações, em ceberiam que algumas das
sem os outros, ele próprio conjunto, podem ser asse- coisas que consideram tão
não poderia ser o que é nem melhadas à Mente Cósmica1; necessárias à sua felicidade
estar onde está. Podemos e quando o homem deseja são exatamente aquelas que
acaso admitir, por um ins- alguma coisa dessa Mente, lhes causariam muita infeli-
tante sequer, que algum tem de fazer exatamente o cidade, se as conseguissem.
indivíduo poderia subsistir mesmo que faz o telegrafista:
se não fossem outras pesso- harmonizar-se com a Mente
as que suprissem parte de Cósmica, emitindo sua men-
suas necessidades? Como sagem. Assim como aquele
poderia alguém expressar operador se põe na escuta
seus pensamentos, seus para receber resposta, o
ideais, dar expressão a seus homem deve aguardar
talentos, a sua cultura, e a a resposta da Mente
seu poder interior, que está Cósmica; e assim como
sempre buscando um canal uma resposta virá ao
de manifestação, se não operador se ele tiver de
houvesse outras pessoas para receber resposta, assim
apreciar todas estas coisas? também uma resposta virá
ao homem, do Cósmico, se
Interde- ele tiver de receber resposta!
No entanto, a maioria
pendência das pessoas inclusive dos
estudantes de misticismo,
A interdependência humana não se dá conta desta grande
pode ser comparada com verdade. Pensa que, como
uma imensa estação de tele- deseja alguma coisa, deve
grafia. O operador senta-se recebê-la; e, assim, faz todo
diante da chave do telégrafo, empenho em conseguir
sintoniza a estação com que aquilo que quer, a despeito
deseja se comunicar, e envia das consequências (aliás,
sua mensagem. Sintonizando nem pensa nas consequên-

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51
“ Em algum momento da
vida de todos nós dá-se a
compreensão superior de
que o homem não é tão
importante como ele próprio

Um bebê, por exemplo,


pensava que fosse…
que é bom e o que não é bom

atuação? Por que o homem
chora a mais não poder para nós. Concede-nos exa- resiste às leis e aos decretos
por algo que vê e quer. Sua tamente aquilo de que neces- de Deus e, assim fazendo,
mente não está suficiente- sitamos, quando o necessi- acarreta para si mesmo,
mente desenvolvida para tamos. E se aquilo que dese- desnecessariamente, muita
entender que uma chama jemos não for bom para nós infelicidade e preocupação?
queima; não, o bebê ainda – e Deus sabe disto – então, Simplesmente porque ainda
não é capaz de raciocinar, todas as nossas preces, toda não conhece o funciona-
como o fará mais tarde, e a nossa vontade de o obter, mento das leis Divinas e
por isto chora, chora e cho- toda a nossa concentração o maravilhoso plano de
ra. E se não receber aquilo nesse objetivo, de nada nos Deus para todas as coisas.
por que está chorando, valerão. Podemos acaso pen- O homem, em seu exa-
continuará a chorar – po- sar que, com nossa mente gerado egocentrismo, pensa
dem estar certos disto – até preconceituosa, limitada, que sua vontade é tudo o que
que sua atenção seja atraí- finita, podemos decidir o que se faz necessário considerar,
da para uma outra coisa. é melhor para nós e, assim, e que seus desejos (desde que
simplesmente querer possuir não sejam imorais) são, ou
A Divina alguma coisa para obtê-la?
Ao refletirmos sobre estas
deveriam ser, sempre satisfa-
tórios para Deus e consentâ-
Sabedoria coisas não podemos deixar
de perceber como é absurdo
neos com Sua vontade, Seus
desígnios. Como isto é egoís-
A mãe sabe que nem tudo pensarmos que nós podemos tico! Ora, se Deus não fosse
aquilo por que o bebê chora mudar as leis e os decretos de todo amor, compaixão, mi-
é bom para ele; e faz o possí- Deus, meramente por que- sericórdia, sempre disposto
vel para ensinar-lhe o que é rermos que algo seja feito. a perdoar e ensinar, eu seria
bom e o que não é bom para Quando o homem ces- quase tentado a afirmar que
ele, até que o próprio bebê sará de pensar que sua Ele estaria rindo do empenho
chegue ao ponto de saber e vontade é o único fator a ser do homem em se dar im-
decidir por si mesmo. considerado, e removerá a portância, por sua vaidade,
Analogamente, Deus, em resistência que está constan- sua autolatria e seu abomi-
Sua infinita Sabedoria, sabe o temente oferecendo à Divina nável e infundado orgulho!

52 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Em algum momento da de outro modo que não que são necessárias à evolu-
vida de todos nós dá-se a para o bem, quer mental- ção da minha alma”. Então,
compreensão superior de mente, quer fisicamente. tomemos cada aspecto da si-
que o homem não é tão im- Não podemos lutar tuação, examinemo-lo, ana-
portante como ele próprio contra a Natureza, e não lisemo-lo nos mínimos deta-
pensava que fosse; de que podemos lutar contra Deus. lhes, observemos como ele é
ele não é tão independente Exatamente as coisas que inofensivo, e seremos capa-
como acreditava que fosse; nos ocorrem e não conse- zes de rir de nossa conturba-
de que ele tem de atribuir guimos entender porque ção, pois, toda conturbação
a Deus tudo o que possui e o fazem são as que deve- se manifesta em nós, e não
tudo o que espera possuir, e ríamos acolher, analisar
de que, por si mesmo, ele é e tentar compreender. O
nada, mas, em Deus, é tudo. fogo não nos pode quei-
Toda a infelicidade deste mar, se devidamente usado.
mundo se deve à luta do Nada nos pode ferir, cau-
homem contra aquilo que sar preocupação ou trazer
lhe é dado justamente com a infelicidade, se com tudo
finalidade de levá-lo a adqui- lidamos devidamente, em
rir as experiências capazes consonância com as leis
de fazer evoluir a sua alma. e os princípios de Deus.
O homem tem de compre- Quando tudo dá com-
ender que é inútil combater pletamente errado; quando
essas coisas, porque nada tudo que tentamos fazer pa-
que ele seja capaz de fazer rece inútil; quando os amigos
poderá evitar sua ocorrência, se voltam contra nós e nossa
ainda que, lutando contra vida parece insuportável,
elas, consiga protelá-las por devemos parar e reconhecer
algum tempo. Mas, tendo isto: não é o mundo que está
sido proteladas, elas acu- errado, nem são as pessoas
mulam energia e, quando que estão erradas; somos
têm oportunidade de voltar nós! E estamos errados por-
a ocorrer, ou superar a bar- que estamos permitindo que
reira erguida pelo homem, todas essas coisas nos afe-
vêm como um relâmpago, tem, nos preocupem,
com redobrada energia. Se nos influenciem.
o homem tão-somente aco- Nessas ho-
lhesse essas coisas e as reco- ras, ergamos
nhecesse como necessárias a cabeça,
ao seu progresso, teria então abramos
condição para enfrentá-las e amplamen-
analisá-las, e perceber onde te os braços
e como poderia melhor e digamos:
cooperar com elas e assim, “Venham, eu as
impedir que o afetassem acolho, porque sei

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


53
ao nosso redor, como pode elas ocorram. Uma pessoa dar o primeiro passo para
parecer. Vejamos se pode- pode dizer “não vou brigar esse estágio detendo-nos
mos aplicar isto a alguns dos com você”, e então recuar, por um instante, sempre
problemas mais comuns, numa atitude de indiferença que nos sintamos impelidos
que acarretam infelicidade. para com a outra pessoa. a dar vazão ao desejo de
Todos os leitores procu- Mas o ódio não pode ser reagir com palavras iradas
ram a sua chave da felicida- aplacado por uma atitude de e exercitando-nos em con-
de, e ela lhes será dada. Para indiferença. Tem de ser con- siderar e analisar o ponto
isto, consideremos um de frontado com pensamentos, de vista do nosso opositor,
seus maiores problemas. palavras e atos bondosos, descobrindo assim a causa
Dos nossos problemas, o que demonstrem à outra de sua ira ou irracionalidade.
mais importante é o da feli- pessoa que nosso desejo é Aconteceu alguma coisa
cidade no lar; pois, a menos de eliminar a causa do ódio errada em casa, durante o
que a felicidade reine sobe- ou da briga; e só podemos dia. O bebê esteve inquieto
rana no lar, todos os demais consegui-lo nivelando-nos demais; o jantar não cozi-
aspectos da nossa vida serão com essa outra pessoa. nhou direito; apareceu algu-
infelizes. Uma vez que o lar Se nossos pensamentos ma visita que não foi nada
é edificado sobre um alicerce são inteiramente bondosos, simpática, com sua bisbilho-
de amor, primeiro analisa- de consideração e amor para tice; enfim, aconteceu algu-
remos o amor, para ver o com os outros, é impossível ma coisa que deixou nossa
que podemos descobrir. Não alguém se zangar conosco; e esposa zangada. Mais tarde,
tenciono entrar em teorias é igualmente impossível que chegamos em casa e começa-
ou declarações abstratas a alguma coisa ou circunstân- mos a ler o jornal. A esposa
respeito do amor. Antes, cia afete nosso equilíbrio, nos pede alguma coisa e
discutirei o amor de um nossa harmonia, nossa paz. nós, inconscientes das con-
ponto de vista prático e mos- Mas se ainda não atingimos trariedades que ela sofreu
trarei o meio e o objetivo da o estágio em que podemos durante o dia, respondemos
felicidade nesse relaciona- eliminar instantaneamente que faremos o que ela está
mento entre seres humanos o desejo de responder ódio pedindo logo que terminar-
que chamamos de amor. com ódio, golpe com golpe, mos de ler o jornal. Ela fica
Palavras iradas e brigas e tratar circunstâncias adver- impaciente e pede novamen-
ocorrem somente porque há sas com tolerância e assim te, e nós reagimos de modo
duas pessoas permitindo que por diante, então, podemos que provoca sua hostilidade.

“ Palavras iradas
e brigas ocorrem
somente porque há duas
pessoas permitindo
que elas ocorram.

54 O ROSACRUZ · OUTONO 2018

Tenhamos sempre a
máxima consideração para
com os outros, em todos
os nossos pensamentos,
atos e palavras.
Ela responde com irritação.

da. E se as coisas continuam de desfrutar desse direito
Replicamos no mesmo tom. assim, logo um lar perfei- é o seu próprio insensato
Vem então a briga e ambos tamente feliz desmorona. egoísmo. Por estarmos tão
vamos deitar profundamen- Devemos então consi- concentrados em nós mes-
te desgostosos com a vida, derar que, se compreendês- mos, deixamos de gozar a
de modo geral, e especial- semos a causa, o motivo de felicidade que deveríamos
mente com nós mesmos. todas essas condições, sabe- ter e sempre viver. Estamos
Pode também ter acon- ríamos então como enfrentá- tão orgulhosos de nossa
tecido que algo andou mal -las, de modo que nunca pretensa independência que
no escritório. Chegamos em provocassem um efeito de- construímos uma muralha
casa preocupados, descor- sarmônico em nós mesmos. ao nosso redor, que a bon-
çoados. O jantar não está Em primeiro lugar, não lhes dade, a alegria, a conside-
pronto, o bebê começa a teríamos oferecido resistên- ração e o amor não podem
chorar, ou o filhinho mais cia e, assim, não permitiría- penetrar; e somente quando
velho faz alguma pergunta mos que adquirissem maior destruirmos essa muralha
aparentemente tola. Damos energia. E, tendo-as compre- e nos conscientizarmos de
uma resposta zangada, chu- endido, sempre encontrarí- que somos parte de Deus,
tamos o cachorro e começa- amos as causas de todas as e não criaturas separadas,
mos a nos queixar de tudo. discórdias da vida, e sería- é que a verdadeira felici-
Talvez pensemos que nossa mos capazes de eliminá-las dade estará conosco e co-
esposa não compreenderia sem qualquer dificuldade. nosco permanecerá, agora
se explicássemos e preferi- Resumindo, a verdadeira e para todo o sempre.
mos engolir o nosso abor- chave da felicidade, apli- Pensem nisto! Vocês
recimento. Ela faz alguns cável a todos, é: Tenhamos tentaram ser felizes de ou-
comentários que interpreta- sempre a máxima conside- tro modo. Agora, tentem
mos erradamente e lhe di- ração para com os outros, ser felizes deste modo! 4
zemos algo descortês ou um em todos os nossos pensa-
tanto irônico. Por sua vez, mentos, atos e palavras.
desconhecendo as contra- Deus nunca pretendeu Nota do editor: Atualizando esta analo-
riedades por que passamos que o homem fosse infeliz. gia, podemos dizer que uma mensagem
enviada pela internet, passa por um
durante o dia, ela faz uma A felicidade é um direito servidor, depois por outro, rapidamen-
observação que nos leva a inato do homem, e o único te se espalhando por toda a rede. E
todos os servidores, em conjunto, se
revidar, e a briga está forma- fator que o está impedindo assemelhariam à Mente Cósmica.

OUTONO 2018 · O ROSACRUZ


55
Nesta seção sempre
homenagearemos a história
de nossa Ordem no mundo
e na língua portuguesa,
lembrando por meio de
imagens os pioneiros que
.com

labutaram pelo Ideal Rosacruz


© thinkstock

e plantaram as sementes cujos


frutos hoje desfrutamos. A
todos eles, a nossa reverência.

ERCI – Escola Rosacruz Integrada


Dentre as muitas iniciativas da Grande Loja de Língua Portuguesa nos seus 62 anos nesta Jurisdição, uma
delas foi a realização do projeto piloto de educação infantil com uma pedagogia voltada para a formação
integral da criança. A Escola Rosacruz Integrada – ERCI funcionou de 2000 a 2003 em edificação anexa à
Grande Loja em Curitiba. O estudo e projeto pedagógico foram desenvolvidos por voluntários Rosacruzes
profissionais em educação, sob a coordenação da Soror Rosa Bonini, e é conservado em nossos arquivos.

Legendas:

1. Soror Rosa Bonini e Soror Áurea


Rolo, coordenadoras da ERCI;

2. Soror Marcela Lobo junto a


alunos da ERCI em atividade
comemorativa de Páscoa;

3. Antiga sede da ERCI em


localização anexa à GLP.

56 O ROSACRUZ · OUTONO 2018


Tradicional Ordem M artinista
A Vida para além dos Sentidos
(Colóquio de um Mestre com seu Discípulo)
– Jacob Boehme

Como posso ter acesso à vida além dos sentidos, de modo que eu veja DEUS e O ouça falar?
Se podes por um instante penetrar esse lugar que nenhuma criatura habita, então ouves aquilo
que DEUS diz.

Esse lugar é perto ou longe?


Ele está em ti, e se podes por uma hora silenciar todo o teu querer e todo pensamento, então
compreenderás as palavras inexprimíveis de DEUS.

Como posso ouvir se me mantiver no repouso do pensamento e do querer?


Quando estás no repouso do pensar e do querer de tua própria existência, então a audição, a visão e
a palavra eternas se manifestam em ti, e DEUS ouve e vê por ti. Tua própria audição, teu próprio
querer, tua própria visão; eis aquilo que te impede de ouvir e de ver DEUS.

Por qual meio devo ouvir e ver DEUS se Ele está além da natureza e da criatura?
Quando te calas e repousas, então és aquilo que era DEUS antes da natureza e antes da criatura;
aquilo do que Ele fez tua natureza e tua criatura. Então tu O ouves e O vês por aquilo através do
que DEUS via e ouvia em ti antes que começassem teu próprio querer, tua própria visão e tua
própria audição.

O que então me impede de ter acesso a esse lugar?


Teu próprio querer, tua própria visão e tua própria audição, e que tu te esforces contra isso de
onde vieste. Por tua própria vontade te separas da vontade de DEUS. Por tua própria visão tu
só vês em tua própria vontade, e tua vontade obstrui tua audição pela sensualidade própria das
coisas terrestres e naturais. Essa vontade te põe no fundo e te recobre com a sombra daquilo que
queres, de modo que não podes ter acesso àquilo que está além da natureza e além dos sentidos. ”
Texto inspirado em O Pantáculo nº 24, 2016 – “A Vida para além dos Sentidos”.

S.I.
A
humanidade recebe de tempos em tempos personalidades-
© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

-alma que são “divisoras de águas”, ou seja, o mundo é um


antes delas e outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da
humanidade, esses seres receberam do Cósmico a missão de causar
uma forte influência na sociedade em que estavam inseridos,
recebendo postumamente o reconhecimento pela visão, liderança
e iluminação que abrangeram todo o nosso mundo. Vieram
para mudar, romper paradigmas e deixar os seus pensamentos,
palavras e ações como exemplos de seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a esses seres
de luz que, como Mestres, nos ensinaram o sentido da vida.

Helen Adams Keller – Escritora,


conferencista e ativista social americana, ela foi a primeira
pessoa surda e cega a conseguir uma formação de nível superior,
conquistando assim, o grau de bacharel. Estamos falando de
Helen Keller que, ao se formar em filosofia, dedicou sua vida a
trabalhar pelos direitos sociais, pelas mulheres e pelas pessoas com deficiência.
Helen Adams Keller nasceu no dia 27 de junho de 1880 em Tuscumbia, Noroeste do Alabama, Estados Unidos.
Quando estava com um ano e sete meses foi diagnosticada com febre cerebral, causa de suas enfermidades.
Mas aos seis anos de idade Helen Keller conheceu aquela que mudaria sua vida para sempre: a professora Anne
Sullivan que foi contratada pela família de Helen passando a se dedicar exclusivamente a atender a menina.
Anne entendia bem o que se passava com Helen, pois aos 5 anos também perdera parte da visão. Sua
mãe morreu quando a menina estava com 10 anos e na sequência seu pai a abandonou colocando-a em um
albergue. No ano de 1886 graduou-se na Perkins School for the Blind, uma escola para cegos.
Com muita dedicação, paciência e trabalho incansável de soletração por meio das mãos, Anne fez com
que Helen entendesse os significados das palavras. Em um único dia Helen conseguiu aprender trinta
palavras. Com o passar do tempo não foi muito difícil para Helen aprender os alfabetos Braille e o manual,
o que a ajudou muito para sua escrita e leitura.
Alguns anos mais tarde Helen pediu que Anne a ensinasse a falar. Inscrita no Institute Horace Mann
para surdos de Boston e na Escola Wright-Humason Oral School de Nova York, Helen recebeu aulas
de linguagem falada e leitura labial. Assim, aprendeu a ler, escrever e falar, podendo então estudar as
disciplinas do currículo regular da escola. Concluiu graduação em Filosofia pelo Radcliffe College no ano
de 1904. A partir daí, Helen começou a se dedicar e a trabalhar em favor das pessoas com deficiência,
se envolveu em campanhas pelo voto feminino e pelos direitos trabalhistas conquistando seu espaço no
mundo como pessoa honrada em sociedades científicas e organizações filantrópicas dos cinco continentes.
Em 1º de junho de 1968 Helen Keller faleceu em Easton, Connecticut, nos Estados Unidos. Ano em que
o filme O Milagre de Anne Sullivan, que narra a história de sua vida, foi lançado.

“Tenho o desejo de realizar uma tarefa importante na vida. Mas meu primeiro dever está em
realizar humildes coisas como se fossem grandes e nobres.”
– Helen Keller

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