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Qualis B2 (2016 - Administração, Contabilidade e Turismo)


Revista Contextus (Fortaleza) - FEAAC / UFC

PESQUISA SOBRE ESTRATÉGIA NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO:


AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO PERÍODO 2007 – 2011

RESEARCH ABOUT STRATEGY IN THE BRAZILIAN PUBLIC SECTOR:


SCIENTIFIC PRODUCTION EVALUATION IN THE PERIOD OF 2007 – 2011

LA PESQUISA ACERCA DE ESTRATEGIA EN EL SECTOR PÚBLICO


BRASILEÑO: UNA EVALUACIÓN DE LA PRODUCCIÓN CIENTÍFICA
EN EL PERIODO 2007 – 2011
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Vicente da Rocha Soares Ferreira Contextus


ISSNe 2178-9258
Mestre em Administração pela Universidade
Organização: Comitê Científico Interinstitucional
de São Paulo (FEARP); Professor Assistente do Editor Científico: Marcelle Colares Oliveira
Curso de Administração da Universidade Avaliação : Double Blind Review pelo SEER/OJS
Federal de Goiás (UFG) Revisão: Gramatical, normativa e de formatação
vicenterocha@ufg.br Recebido em 05/12/2013
Aceito em 20/09/2014
2ª versão aceita em 09/10/2014
Estela Najberg
3ª versão aceita em 30/01/2015
Doutora em Administração pela Fundação
Getúlio Vargas; Professora Adjunta do Curso
de Administração da UFG
estelanajberg@gmail.com

Rafael Barreiros Porto


Doutor em Ciências do Comportamento pela
Universidade de Brasília (UnB); Professor e
Pesquisador do Programa de Pós-Graduação
em Administração da UnB
rafaelporto@unb.br Nelson Bezerra Barbosa
Doutor em Saúde Pública pela Universidade
Marcos de Moraes Sousa de São Paulo; Professor do Mestrado Profissional
Mestre em Agronegócio pela UFG; Professor em Desenvolvimento Regional do Centro
do Instituto Federal Goiano Universitário de Anápolis
marcosdemoraessousa@gmail.com nelsonbbarbosa@gmail.com

RESUMO
A estratégia empresarial tem sido bastante investigada no setor privado, mas, no setor público,
não tem tido atenção semelhante; apesar de sua importância para a gestão de ambos os
setores. Como as investigações existentes podem estar esparsas e abarcar outras áreas da
Administração, este trabalho teve o objetivo de descrever a evolução dos estudos sobre
Estratégia no Setor Público. Para tanto, fez-se uma sistematização e uma breve avaliação da
produção científica sobre Estratégia no Setor Público brasileiro. Trata-se de uma pesquisa
bibliométrica com dados da base Scielo Brasil no período de 2007 a 2011. Os artigos
escolhidos foram publicados em periódicos A1, A2, B1, B2 e B3 da área de Administração, o
que resultou no estudo de 35 trabalhos. A análise aponta para dois resultados: que se pesquisa
pouco o tema Estratégia no Setor Público; e que esse setor ainda não utiliza os instrumentos
fornecidos pela área de Estratégia.
Palavras-chave: Gestão. Estratégia. Setor público. Avaliação. Estudo bibliométrico.

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PESQUISA SOBRE ESTRATÉGIA NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO PERÍODO 2007 – 2011
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ABSTRACT
The corporate strategy has been widely investigated in the private sector but in the public
sector has not received similar attention, despite its importance for the management of both
sectors. Existing investigations can be sparse and may include other areas of administration.
The objective of this paper is to describe the evolution of Strategy Research in the Public
Sector. A systematization and a brief review of scientific literature on strategy were done in
the public sector in Brazil. This is a bibliometric research with data from the database
SCIELO Brazil, in the period of 2007-2011. The selected items were published in journals
A1, A2, B1, B2 and B3 of the Administration field, which resulted in the study of 35 papers.
The analysis points to: there is little research in Strategy in the Public Sector and, this sector
has not yet used the instrumental provided by Strategy field.
Keywords: Management. Strategy. Public sector. Evaluation. Bibliometric study.

RESUMEN
La estrategia empresarial ha sido ampliamente investigado en el sector privado, pero en el
sector público no ha conseguido la misma atención, pese a su importancia para la gestión de
ambos sectores. Las investigaciones existentes pueden ser escasas y abarcar otras áreas de la
administración. El objetivo de este trabajo es describir la evolución de los estudios sobre
Estrategia en el Sector Público. Así, se hizo una sistematización y una breve evaluación de la
literatura científica con respecto a la estrategia en el sector público en Brasil. Es una
investigación bibliométrica con datos conseguidos en la base SciELO Brasil, de 2007 a 2011.
Los artículos seleccionados fueron publicados en revistas A1, A2, B1, B2 y B3 del área de
administración, lo que resultó en lo estudio de 35 trabajos. El análisis apunta para dos
resultados: que poco se estudia la estrategia en el sector público; y, que el sector público aún
no se utiliza del instrumento proporcionado por el área de estrategia.
Palabras clave: Gestión. Estrategia. Sector público. Evaluación. Estudio bibliométrico.

1 INTRODUÇÃO quando passou a integrar a formulação e a


implementação da estratégia e a eliminar a
Bertero, Vasconcelos e Binder
clássica separação entre aqueles que
(2003), ao analisarem a produção
pensam e planejam daqueles que somente
acadêmica brasileira na área de Estratégia
executam as ações nas organizações,
empresarial, reconhecem que essa área se
reafirmando que a responsabilidade pela
desenvolve de forma tímida nesse país,
gestão é de todos. Isso implica colocar a
sendo, apenas em meados do século XX,
estratégia no centro do management
que as primeiras disciplinas foram
(BERTERO; VASCONCELOS; BINDER,
ministradas na escola de Administração da
2003).
Fundação Getúlio Vargas. Após realizarem
Sabe-se que a área de Estratégia se
uma leitura do desenvolvimento dessa área
consolida nos EUA nos anos 1960, mas
a partir dos anos 1960 e 1970, afirmam
com um discurso de legitimação das
que, somente nos anos 90, ela se
grandes empresas e com desprezo pela
consolidou como área da Administração,
dimensão pública e pelo Estado (FARIA;
ficando conhecida como gestão estratégica,
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SAUERBRONN, 2008). Esses autores visão burocrático-normativa, ela ainda não


argumentam também que a visão crítica poderia ser considerada como área de
sobre estratégia defende que ela precisa ser Estratégia. O segundo período quando, nos
levada a sério porque é uma prática social anos 1960, a pesquisa marcou o
que tem efeitos significativos sobre as afastamento de uma abordagem única e
sociedades. Assim, é necessário que os determinística para uma perspectiva
pesquisadores possam investigar como se contingencial, em que as organizações
dá a formação da estratégia nas precisaram se adaptar ao ambiente externo.
organizações públicas, tendo-se em vista E o terceiro período, a partir de 1970, que
que estratégia não é um tema aplicável se caracterizou pela transição orientada a
somente à área privada (LLEWELLYN; uma pesquisa voltada ao desenvolvimento
TAPPIN, 2003; STEWART, 2004; de uma dicotomia entre dois conjuntos de
ANDREWS et al., 2007; ROSE; CRAY, pesquisa: a escola do “processo” (estudos
2010); logo é importante demais para ser descritivos) versus a “escola” da indústria
desprezada pela dimensão pública organizacional (estudos baseados em
(FARIA; SAUERBRONN, 2008). modelos abstratos) (FARIA;
Com relação à formação da SAUERBRONN, 2008).
estratégia, Furrer, Thomas e Goussevskaia Para estudar o processo de
(2008) identificaram uma evolução em Estratégia no Setor Público, é necessário
direção a uma integração dos níveis que se compreendam os objetivos das
corporativo e competitivo da estratégia que organizações públicas, que não são
deve superar a noção da hierarquia de competitivas por natureza, pois o uso de
estratégias. Por essas razões, futuras estratégias competitivas, como o modelo
questões de pesquisa devem estar de Porter (1991), parece se encaixar apenas
relacionadas à questão da integração de parcialmente na gestão pública, já que essa
estratégias corporativas e competitivas e às Teoria da Vantagem Competitiva é
suas implicações para o desempenho e resultante de uma escolha entre três opções
postura competitivos da empresa. Esses mutuamente excludentes: vender mais
autores também apontam que existem três barato (liderança em custo), vender algo
períodos do desenvolvimento histórico da diferenciado (diferenciação) ou manter um
Gestão Estratégica: o primeiro período em foco/alvo estratégico (em custo ou
que, segundo os precursores dos estudos da diferenciação). Isso não é propriamente a
organização, sob o viés econômico e uma preocupação central do setor público, pelo

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menos para a Administração Direta e isso é importante tanto no setor público


brasileira. quanto no setor privado. Sendo assim, as
O modelo da Teoria Baseada em questões relevantes são: que propostas, que
Recursos também parece responder apenas direção e de quem são os objetivos?
parcialmente a análises no setor público, (JOHANSON, 2009)
pois, nessa teoria, a vantagem competitiva Logo, para o setor público, o
resulta de recursos específicos, raros, processo de estratégia sofre pelo conflito
inimitáveis e superiores em uso apenas por que existe entre política e gestão
determinadas empresas que estão no (STEWART, 2004). Nesse caso, a ideia de
mercado (BARNEY, 1991; PETERAF, estratégia se vincula a relações de poder,
1993; WERNERFELT, 1984); porque, parecendo mais lógico imaginar Estratégia
muitas vezes, o setor público é no Setor Público à luz da análise de
monopolista, e parece não estar Mintzberg e Lampel (1999), que
preocupado com competição e market estruturam o pensamento estratégico em
share (JOHANSON, 2009). Além disso, dez escolas, sendo uma delas a escola do
no contexto do serviço público, a medida poder, que leva em consideração as
de desempenho não tem orientação ao questões de conflito e as negociações no
lucro (CASEBEER; REAY; DEWALD; processo de gestão.
PABLO, 2010), e a discussão, tão cara Em pesquisa anterior sobre a
nessas teorias de vantagem competitiva, produção científica em Estratégia
também não seria adequadamente aplicada Empresarial no período 1991-2002,
(KANUNGO; JAIN, 2011). Bertero, Vasconcelos e Binder (2003),
Existe uma grande gama de encontraram apenas seis trabalhos
modelos de estratégias competitivas publicados no período sobre Estratégia no
(CAMPBELL-HUNT, 2000), mas parece Setor Público, representando apenas 2% de
que quase todos são pensados para o setor todo o levantamento da área. Alguns
privado, pois a ideia de competição é mais autores afirmam que a Estratégia é um
adequadamente aplicada a esse setor, o que assunto muito pesquisado nas organizações
nem sempre é útil ao setor público porque privadas, porém ainda é pouco nas
market share e crescimento por meio de empresas públicas (LLEWELLYN;
competição não são elementos presentes TAPPIN, 2003; STEWART, 2004; ROSE;
nessa área, pelo menos em uma parte dela CRAY, 2010; GOHR; SANTOS 2011).
(BROWN, 2010). No entanto, estratégia é Assim, o presente trabalho pretende avaliar
propósito, é direção, bem como objetivos, como têm evoluído as pesquisas nesse

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campo, e se houve alguma mudança quanto consequências sobre o desempenho da


ao tratamento do tema Estratégia no Setor organização.
Público brasileiro. Para tanto, foram feitos A literatura em Administração
um levantamento e uma sistematização das Pública enfatiza dois principais tipos de
publicações na área nos últimos cinco estratégias. O primeiro é o planejamento
anos. Não foi feita uma análise da autoria racional, caracterizado por estratégias que
da produção, pois o foco foi a análise do são desenvolvidas de forma analítica,
conteúdo dos trabalhos encontrados que formal e lógica. Nele, as características do
mostram como o tema Estratégia ambiente externo e interno são mapeadas e
apresentava-se e como evoluiu no setor as circunstâncias futuras previstas. Uma
público, reforçando o objetivo deste variedade de opções políticas diferentes do
trabalho. status quo é identificada e analisada.
Além desta Introdução, o artigo Objetivos precisos da organização são
contempla um Referencial Teórico com as definidos para o desempenho futuro, e a
principais referências para a discussão da melhor opção política é selecionada.
Estratégia no Setor Público, uma seção que Assim, o desempenho é regular e
apresenta a abordagem metodológica rigorosamente monitorado. Nesse caso, a
utilizada, seguida da apresentação, análise ênfase é sobre os dados, sobre as análises e
e discussão dos resultados. Por fim, são o foco é nos objetivos organizacionais.
apresentadas algumas considerações finais No segundo modelo, em vez de ser
sobre a pesquisa realizada e os resultados formulada explicitamente, a estratégia
alcançados. emerge das barganhas políticas entre os
grupos internos e entre a organização e
2 REFERENCIAL TEÓRICO
seus stakeholders. Nesse cenário, a política
A estratégia de uma organização pública que tem o maior suporte político se
pode ser compreendida como a forma pela torna a estratégia efetiva. Em tal caso, as
qual a organização procura manter ou análises formais têm papel menor, e os
aperfeiçoar seu desempenho (ANDREWS objetivos organizacionais permanecem
et al., 2007). No caso das organizações vagos no sentido de maximizar a
públicas, aspectos internos, como a estabilidade política (ANDREWS et al.,
estrutura organizacional, podem ter um 2007).
papel estratégico importante, com Considerando os aspectos políticos
em relação ao processo de decisão

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estratégica no setor público, Matus (2006) recursos superiores são mais ‘eficientes’ no
discute planejamento para o setor público sentido de permitirem uma empresa
por meio de um método desenvolvido por produzir de maneira mais econômica que
ele próprio para substituir o tradicional as demais, ao mesmo tempo que
planejamento nos governos. Segundo o satisfazem as necessidades dos
autor, que trabalha com a ideia de jogo consumidores. Apesar de ser uma teoria
social, “não basta dispor de um bom com visão específica na questão dos
delineamento normativo e prescritivo do recursos organizacionais, ela pode explicar
plano. É preciso, além disso, de uma boa parte das estratégias no setor público,
estratégia para lidar com os outros tendo-se em vista que muitos dos recursos
jogadores e com as circunstâncias que da administração pública são específicos e
cercam o jogo social” (MATUS, 2006, exclusivos.
p.132). A Teoria Baseada em Recursos é
Existem também aquelas teorias, encontrada em estudos empíricos aplicados
como a Teoria Baseada em Recursos no serviço público para compreender mais
(Barney, 1991; Peteraf, 1993; Wernerfelt, profundamente como e quais recursos
1984), que têm enfoque interno nos produtivos impactam o desempenho
recursos raros e inimitáveis existentes nas organizacional. Estudos dessa natureza são
empresas, por meio dos quais, o encontrados no Poder Executivo
desempenho é classificado pela integração (BRYSON, ACKERMANN; Eden, 2007;
de uma visão econômica (economic rents) CASEBEER et al., 2010;
com uma visão mercadológica (o valor FRĄCZKIEWICZ-WRONKA;
superior percebido). Os autores destacam SZYMANIEC, 2012; HARUN, 2012;
que essa teoria é um excelente exemplo de KANUNGO; JAIN, 2011; LEE;
como se podem integrar essas duas WHITFORD, 2013; MASSUKADO;
perspectivas, mas não se manifestam sobre TEIXEIRA, 2008; ROMLI; MAT, 2012) e
aspectos políticos. Nessa teoria, a no Poder Judiciário (GUIMARÃES;
vantagem competitiva resulta de recursos ODELIUS; MEDEIROS; SANTANA,
específicos, raros, inimitáveis e superiores 2011; SPRIGGS, 1996).
em uso apenas por determinadas empresas. Como já registrado anteriormente,
Diferenças de desempenho são explicadas muito já foi escrito sobre estratégia e
por diferenças de rentabilidade das planejamento estratégico no setor privado,
empresas, pois esses recursos inimitáveis mas isso não tem ocorrido no setor público
possuem diferentes níveis de eficiência; (LLEWELLYN; TAPPIN, 2003;

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STEWART, 2004; ROSE; CRAY, 2010). medidas de desempenho, que devem ser
É relativamente recente o aparecimento da válidas e utilizáveis, bem como a
estratégia no setor público, porém a calibragem dos incentivos dispensados aos
necessidade de boa gestão e mais gerentes.
transparência levam o setor público a A incorporação de conceitos, como
incorporar princípios de estratégia eficiência e efetividade, que conduzem a
(LLEWELLYN; TAPPIN, 2003) uma perspectiva de gestão por resultados
aplicados ao setor privado, o que parece para além de aspectos pragmáticos, implica
não ser diferente no caso do Brasil, onde só novas formas de gestão que envolvem a
recentemente o Estado passou por uma disputa política que a implementação
reforma que incorporou conceitos de dessas medidas suscita. Nesse sentido, a
gestão do setor empresarial, tais como os noção de estratégia não abrange apenas um
de controle administrativo e accountability. melhor uso de recursos materiais, mas uma
Em relação ao controle, o mais comum é a capacidade para construir viabilidade ao
prática e a pesquisa se preocuparem com o projeto; sugere, portanto, a superação de
controle político e social e não com o obstáculos criados pelas resistências de
controle administrativo, cuja maior atores contrários a essas mudanças nos
preocupação é o desempenho paradigmas da Administração Pública
organizacional, mas que poderia também (MATUS, 2006).
apoiar as práticas de accountability. Quando se fala de Estratégia no
Grande parte da aplicação de Setor Público, parece que se trata de um
ferramentas e princípios de estratégias “não assunto” (NUNES, 2007), de tão
originadas no setor privado emerge dentro escassa que é a pesquisa nessa área no
do contexto de reformas do Estado. Para Brasil. Estratégia seria assunto restrito ao
Brown (2010), os movimentos setor privado? O campo dos estudos em
"reinventando o governo" e a "nova gestão Estratégia não teria nada a acrescentar ao
pública", que potencializaram as reformas da Administração Pública no Brasil? Isso
no setor público, resultaram em uma não parece ser verdade quando se observa
proliferação e difusão de sistemas de essa área em outros países, que vem
gestão do setor privado para dentro do aumentando sua participação nas pesquisas
setor público. Contudo, o autor adverte que no setor público (LLEWELLYN; TAPPIN,
é necessário avançar nas prescrições desses 2003; STEWART, 2004; ROSE; CRAY,
movimentos, por exemplo, melhorando as 2010).

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Por exemplo, Brown (2010) afirma política, estratégia organizacional e


que os gerentes de hoje operam em um estratégia gerencial.
ambiente no qual existem maiores Estratégia política é a que o
oportunidades para o uso efetivo da governo quer mudar, sua agenda, e as
informação a fim de desenvolver e formas pelas quais a agência irá se mover
executar as estratégias organizacionais. O para ajudá-lo a alcançar essa agenda.
autor afirma também que a prática de Estratégia organizacional é mais
Estratégia no Setor Público e o contexto semelhante à Estratégia no Setor Privado, é
imediato no qual a estratégia se desenvolve a que a organização faz para atender às
têm evoluído, potencializando o processo necessidades e expectativas de suas partes
de tomada de decisão e o planejamento. interessadas, o que faz para sustentar o seu
Stewart (2004), depois de fazer futuro em um mundo em que as pressões
uma revisão sobre a Estratégia no Setor competitivas não estão distantes, nem
Público australiano, sugere que é possível mesmo do setor público. E estratégia
renovar a ideia de uso desse tema, tanto na gerencial são as atividades técnicas de
parte administrativa, nível organizacional, elaboração do orçamento e relatório, toda a
quanto nas políticas relacionadas à gestão vasta gama de tomada de decisões
pública, nível macro-organizacional. O operacionais e o emprego de recursos para
autor avisa, no entanto, que não é tarefa alcançar os objetivos acordados, atividades
fácil porque, apesar da ideia de estratégia que geralmente são tidas como
poder produtivamente politizar a gestão e inequivocadamente “gerenciais” no sentido
“gerencializar” a política, ela vai ao centro de que elas parecem ser removidas dos
da questão mais antiga e conflituosa em domínios estratégicos (STEWART, 2004).
Administração Pública: a relação entre a Stewart (2004) organiza esses três
política e a gestão (WILSON, 1887). tipos de estratégias em um triângulo que
Stewart (2004) sugere que as estratégias no demonstra como estão relacionadas no
setor público são de três tipos: estratégia âmbito da organização pública.

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Figura 1 – Gestão Estratégica – reconfigurando a relação agência-ministro

Fonte: adaptado de Stewart (2004, p.20).

O autor explica que a política as ideias, os trade-offs, os recursos e os


estratégica é o espaço de diálogo entre os riscos de qualquer organização.
ministros da área e os agentes (executivos Pelo que se observa, a política
dos órgãos de governo) no estratégica tem papel preponderante nessa
desenvolvimento da política pública, e as relação, pois é por meio dela que se podem
evidências empíricas apontam que esse alcançar os resultados de uma organização
relacionamento é realizado pelos pública; contudo, não se esquecendo dos
conselheiros (staff) no curto prazo. Já a demais níveis da estratégia que são
estratégia organizacional é derivada da importantes para esse equilíbrio. Por
estratégia política, porque é legítimo que último, observa-se que, na Austrália, o
os ministros tenham interesses na saúde sistema político é o Parlamentarismo, o
corporativa das organizações que que certamente influenciou a forma de
representam. Na estratégia gerencial, concepção do modelo de Stewart (2004).
encontram-se as preocupações com a Já, no caso do Brasil, no lugar dos
eficiência. Como já se discutiu neste texto, ministros, cabem aos chefes do Executivo
não pode ser a única razão da gestão de uma forma geral.
pública, ocorrendo mais facilmente quando
se conhece as dimensões da política
estratégica. No meio dessa relação, existem

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3 METODOLOGIA eletrônica, entre outros, não publicaram


artigos sobre esse tema no período
Trata-se de uma pesquisa
pesquisado, dentro dos critérios
bibliométrica com dados da base Scielo
estabelecidos. Organizou-se esse
Brasil no período de 2007 a 2011 em
levantamento, classificando-o por
periódicos A1, A2, B1, B2 e B3 da área de
periódicos, abordagens temáticas, métodos,
Administração, utilizando-se os seguintes
autores, se empírico ou teórico, se
descritores: estratégia e suas derivações
quantitativo ou qualitativo. Estabeleceu-se,
estratégico e estratégica combinados com
em seguida, uma classificação que
Administração Pública, setor público,
permitiu o enquadramento dos trabalhos
políticas públicas e organizações públicas,
encontrados de acordo com a área
presentes nos títulos, palavras-chave e
temática, à medida que se procedia à
resumos dos artigos. Os periódicos
leitura dos artigos. Em seguida, os artigos
utilizados na investigação são: Revista de
foram classificados segundo sua
Administração Pública (RAP), Revista de
abordagem: empíricos, teórico-conceituais
Administração Contemporânea (RAC),
e teóricos. Por último, utilizou-se a
Cadernos da Escola Brasileira de
tipologia de Stewart (2004) para uma
Administração Pública e de Empresas
classificação quanto aos tipos de
(EBAPE) e Cadernos Gestão Pública
estratégias utilizadas no setor público:
Cidadania.
política, organizacional e gerencial. Essa
A pesquisa resultou em 35 artigos,
última análise permitiu observar a
dos quais somente 25 foram enquadrados
preponderância do aspecto político nos
na temática. Os outros dez artigos tratavam
estudos sobre Estratégia no Setor Público.
de “estratégias” relacionadas a temas mais
abrangentes, como “estratégias para o 4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E
desenvolvimento” ou “estratégias em DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.
fatores macroambientais”, o que fugia do
Depois de realizado o
escopo do presente trabalho.
levantamento, iniciou-se a classificação e a
Registra-se que os Cadernos
análise dos artigos conforme a metodologia
EBAPE estão disponíveis somente a partir
proposta. Na Tabela 1, a seguir, foram
de 2009, isso pode ter influenciado o
distribuídos todos os trabalhos encontrados
número de artigos desse periódico na
que preencheram as condições
pesquisa. Os demais periódicos disponíveis
estabelecidas no método.
no Scielo Brasil, tais como a RAE, a RAE

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Tabela 1 – Artigos por periódicos enquadrados na temática – 2007-2011


ANO RAP RAC Cadernos Cadernos GP Total
EBAPE Cidadania
2007 5 2 - - 6
2008 2 1 - - 3
2009 4 - 1 - 5
2010 4 - 1 - 5

2011 4 - - 1 5
Total 19 3 2 1 25
Fonte: elaborada pelos autores (2012).

Pela análise da Tabela 1, observa-se quatro periódicos que publicaram trabalhos


que somente 25 trabalhos dos 35 nessa área, uma – a RAC– não é
levantados inicialmente foram enquadrados especializada na área. Mesmo assim, os
na temática. Percebe-se que as publicações demais periódicos, com exceção da RAP,
sobre o tema se concentram na RAP, o que não apresentaram números significativos
não se constitui em surpresa, pois esse sobre o tema, o que só confirma os achados
periódico é dedicado a publicações da área de Bertero, Vasconcelos e Binder (2003),
de Administração Pública. Pelo período ou seja, quase nada mudou em relação à
pesquisado e pelo número de periódicos Estratégia no Setor Público nos últimos
envolvidos, pode-se considerar um número anos.
baixo de trabalhos publicados sobre a Como já se mencionou
temática Estratégia na Administração anteriormente, não foi objetivo deste
Pública. Pelas leituras realizadas sobre o trabalho fazer uma comparação entre uma
tema; porém, não se poderia esperar algo base nacional e uma internacional, mas,
diferente, pois a inserção da área de diante dos achados na base da pesquisa
Estratégia na Administração Pública é nacional, que constatou uma baixa inserção
relativamente nova e de pouca expressão do tema Estratégia no setor público,
(LLEWELLYN; TAPPIN, 2003). decidiu-se fazer um levantamento, com os
Registra-se que o principal veículo mesmos critérios utilizados na presente
de publicação na área de Administração pesquisa, em uma base de trabalhos
Pública no Brasil, a RAP, apresenta uma científicos internacionais, a Science Direct.
média de apenas quatro trabalhos Não para comparação, mas para
publicados sobre a temática por ano. É fundamentar algumas partes da discussão,
importante registrar também que dos dos resultados e das considerações finais.

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Registra-se que, assim como no meio ambiente, transportes, dentre outras .


feito no Brasil, nesse levantamento, não foi A Tabela 2 elenca as características dos
encontrado nenhum periódico específico periódicos que inserem a Administração
sobre a temática em estudo. Os periódicos Pública em seus editoriais, mesmo que de
que mencionam, como objetivo e escopo, forma secundária. Da terceira à sexta
em seus editoriais, a questão de Estratégia coluna está apresentado o número de
no Setor Público, fazem-no apenas de artigos que retornaram com os descritores
forma tangencial, como área específica de utilizados.
pesquisa. A maioria dos periódicos trata de
políticas públicas específicas, como saúde,

Tabela 2- Periódicos relacionados com o tema na base científica Science Direct


Public Public Public Public
Fator de Management Sector Policy Organization
Periódico impacto Strategy Strategy Strategy Strategy
Public Relations Review 0.755 20 6 8 29
Journal of Cleaner Production 3.590 11 5 - -
Energy Policy 2.696 10 19 39 4
Environmental Science & Policy 3.948 9 - 8 -
Health Policy 1.725 9 12 33 11
Public Health 1.475 8 - 9 5
Expert Systems With
7 4 - -
Applications 1.965
Policy and Society 0.471 - 6 - -
The International Journal of
- 4 - -
Urban Policy and Planning 1.836
International Journal of
- 4 - -
Education Development 0.841
Research Policy 2.598 - 4 - 6
Gaceta Sanitaria 1.250 - - 15 4
Transport Policy 1.718 - - 14 -
Transportation Research Part A:
- - 9 -
Policy and Practice 2.525
Land Use Policy 3.134 - - - 4
Long Range Planning 4.365 - - - 3
Technovation 2.704 - - - 4
Fonte: elaborada pelos autores (2012).

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Vicente da Rocha Soares Ferreira, Estela Najberg, Rafael Barreiros Porto, Marcos de Moraes Sousa, Nelson Bezerra Barbosa
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Registra-se ainda que o tema A seguir, na Tabela 3, os trabalhos


Estratégia no setor público também não foram classificados com relação à
tem aparecido nos últimos cinco anos em subtemática que abordaram. Essas áreas
um dos principais Journals da área de temáticas emergiram das leituras
Estratégia, o Strategic Management realizadas, mas também são frutos do tema
Journal, o que reforça o argumento de que sobre o qual a pesquisa foi realizada. O
o tema não tem recebido a devida atenção setor público apresenta aqui também suas
da pesquisa científica, inclusive particularidades, como trabalhos que
internacionalmente, apesar de ter indicaram a estratégia como processo de
aumentado sua participação nas pesquisas coordenação ou planejamento estratégico
no setor público (LLEWELLYN; TAPPIN, situacional, instrumento desenvolvido para
2003; STEWART, 2004; ROSE; CRAY, ser aplicado no planejamento público.
2010), mas no campo de pesquisa próprio
de Estratégia.

Tabela 3 – Temáticas propostas nos artigos


QUANTIDADE DE ARTIGOS
TEMÁTICAS
ARTIGOS ENQUADRADOS
Planejamento estratégico 6 24%
Estratégia como responsabilidades socioambientais 5 20%
Estratégia como processo de coordenação 3 12%
Recursos e competências 3 12%
Planejamento Estratégico Situacional – PES 2 8%
Balanced Scorecard 1 4%
Estratégia de posicionamento (Porter) 1 4%
Processo decisório estratégico (choque de gestão) 1 4%
Estratégia como processo político 1 4%
Mudanças estratégicas 1 4%
Proposta de tipologias 1 4%
Total 25 100%
Artigos não enquadrados 10 28,6%
Total dos trabalhos levantados 35 100%
Fonte: pesquisa dos autores (2012).

Pela análise da Tabela 3, percebe-se um quarto dos trabalhos levantados. É


que a temática mais presente na pesquisa compreensível essa maior presença dele no
foi o planejamento estratégico, com quase setor público, tendo-se em vista as

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mudanças frequentes de direção estratégica empresas estatais, e o terceiro critica o uso


nessas organizações e mesmo a do rótulo de responsabilidade
necessidade de formalização própria das socioambiental como ação estratégica
organizações públicas. É um número pelas organizações.
significativo nesse contexto, mas Com relação ao planejamento
insignificante se for considerado que são estratégico situacional, não é surpresa que
apenas seis trabalhos de planejamento apareça nesse tipo de pesquisa, pois o
estratégico publicados nos últimos cinco método PES como é conhecido na
anos. literatura, é um método desenvolvido,
É interessante notar que esse segundo seu principal autor, Carlos Matus
número não contrasta com o número (2006), para o setor público. Dentre as
relativamente pequeno que Bertero, categorias apresentadas na tabela 2, é a
Vasconcelos e Binder (2003) encontraram única concebida para o planejamento do
em sua pesquisa, o que foi uma surpresa setor público, rompendo com os modelos
segundo os autores. As grandes tradicionais de planejamento muito presos
organizações, como é o caso do setor ao “determinismo e ao economicismo
público, são grandes estruturas funcional- tecnocráticos” (MATUS, 2006, p.116).
burocráticas, isso combina com a prática Com relação à categoria Recursos e
formal do planejamento estratégico, além Competências, a Teoria Baseada em
de atender aos requisitos da formalização e Recursos (BARNEY, 1991; PETERAF,
fazer-se mais presente no setor público 1993; WERNERFELT, 1984) aponta que
(BERTERO; VASCONCELOS; BINDER, esse tipo estratégia se baseia na
2003; ANDREWS et al., 2007). superioridade de recursos raros que as
Os resultados apontam grande organizações possuem. Isso pode ser
incidência, na amostra, da categoria controverso para o setor público, porque de
estratégia como processo de um lado as organizações públicas de fato
responsabilidade socioambiental. Esses possuem recursos raros, pois muitos
trabalhos trataram do processo de serviços são exclusivos do Estado e, assim,
estratégia como projetos e ações de sem competidores no mercado, por outro,
responsabilidade socioambiental que, mesmo tendo tais recursos, a competição
segundo seus autores, são essenciais para a não é o objetivo principal do setor público
sobrevivência das organizações. Dos cinco (JOHANSON, 2009; KANUNGO; JAIN,
trabalhos classificados nessa categoria, 2011). Por outro modo, a compreensão da
dois trataram de projetos em grandes relação entre os recursos e capacidades

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organizacionais e o desempenho em suas trataram de políticas públicas que


múltiplas dimensões poderia lançar novas enfrentam os aspectos contingentes e, por
luzes sobre a definição de estratégias e isso, necessitam de um esforço estratégico
sobre a mensuração do desempenho no que passa pela negociação de conflitos de
setor público, carente de avaliações de interesse (STEWART, 2004).
políticas públicas. Na Tabela 4, a seguir, organizaram-
Quanto aos trabalhos que tratam da se as metodologias utilizadas pelos
estratégia como processo de coordenação, trabalhos avaliados.
parecem compreensíveis, pois os mesmos

Tabela 4 – Metodologias dos artigos


METODOLOGIA QUANTIDADE DE %
ARTIGOS
EMPÍRICO 15 60%
Qualitativo 14 56%
Quantitativo - -
Quali-quantitativo 1 4%
TEÓRICO-CONCEITUAL 4 16%
Qualitativo 4 16%
TEÓRICO 6 24%
Ensaio 3 12%
Proposição de modelo 3 12%
Total 25 100%
Fonte: elaborada pelos autores (2012).

Pela análise da Tabela 4, percebeu- da área de Estratégia, que é o melhor


se que 15 trabalhos, ou seja, 60% são desempenho das organizações. Além disso,
empíricos, mas que apenas um fez, em não há a validação de instrumentos
parte, análise quantitativa. Seria uma (STONE-ROMERO, 2008) e tampouco o
característica da área ou um viés dos desenvolvimento e replicação de modelos
pesquisadores? Nenhum desses trabalhos explicativos do desempenho, isso
tentou relacionar a estratégia da enfraquece o campo e vai em direção
organização com seu desempenho de oposta às características de publicação em
forma quantitativa, o que exigiria métodos periódicos internacionais (BRYMAN,
quantitativos para tal análise. Isso pode 2008).
demonstrar pouca preocupação do setor e Para uma melhor compreensão da
dos pesquisadores com o principal objetivo distribuição desses trabalhos no setor

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PESQUISA SOBRE ESTRATÉGIA NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO PERÍODO 2007 – 2011
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público, utilizou-se a tipologia proposta pôde-se analisar em que nível se


por Stewart (2004), que relaciona encontrava o trabalho de atuação da
estratégias políticas com as estratégias estratégia e se houve a relação proposta no
organizacionais e gerenciais. modelo.
Enquadraram-se nessa tipologia apenas os
trabalhos empíricos, pois, por meio deles,

Tabela 5- Tipos de estratégias no setor público, segundo Stewart (2004).


TIPO DE ESTRATÉGIA QUANT. %
TRABALHOS
Estratégia política 10 67
Estratégia organizacional 3 20
Estratégia gerencial 2 13
TOTAL 15 100
Fonte: elaborada pelos autores (2012).

Quando se observa a Tabela 5, (STEWART, 2004). É importante registrar,


percebe-se que dois terços dos trabalhos como anteriormente observado, que, nessa
foram classificados como estratégias classificação, as estratégias implementadas
políticas, nas quais o poder é um forte pelas organizações não se preocupavam
componente (MINTZBERG; com questões de eficiência, o que é
AHLSTRAND; LAMPER, 1999), possivelmente uma lacuna na ponte por
considerando-se aqui as estratégias que onde passam as técnicas do setor privado
abrangem toda uma organização ou uma diretamente para o setor público.
política pública, por exemplo, são aquelas
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
que envolvem o contexto social mais
amplo. Pode-se imaginar que, nas O desenvolvimento deste trabalho
organizações públicas, o uso de estratégias teve como principal preocupação avaliar a
políticas seja mais presente já que há a produção científica na área de Estratégia
necessidade de essas organizações terem no Setor Público no Brasil. Como era
de responder às pressões da sociedade. Os previsível, essa produção continua tímida,
outros cinco estudos foram classificados no mas o mais preocupante é a falta de
nível organizacional, pois respondem à atenção da Administração Pública e da
estratégia política, ou ao nível gerencial, pesquisa com desempenho nas
que está mais focado nas questões de organizações públicas, que é um dos
eficiência dos processos de trabalho principais objetivos do campo de

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Estratégia. Como observou Johanson finalidade deve ser a promoção do bem-


(2009), não interessa de qual setor é a estar social, conceito de difícil
organização, o que interessa é que mensuração, mas que não invalida a
estratégia é propósito, é direção, é objetivo, utilização de métodos quantitativos para
e isso é importante tanto no setor público medir o desempenho de variáveis no nível
quanto no setor privado. Acrescenta-se organizacional e que, no agregado, possam
que, variando apenas em grau, as representar os ganhos de bem-estar.
condições estruturais subjacentes que Pode-se destacar também que a área
fizeram a estratégia efetiva nas décadas de de Estratégia insere-se nas organizações
1980 e 1990 permanecem até hoje públicas com o mesmo ferramental que se
(BROWN, 2010). utiliza no setor privado, sem uma leitura
Outro aspecto que deve ser mais adequada da dinâmica própria da
observado é que as análises empíricas Administração Pública. Em muitos
realizadas avaliaram a utilização de trabalhos, percebeu-se apenas uma
instrumentos de gestão da área de transposição de técnicas já muito utilizadas
estratégia implementados no setor público, nas empresas para as organizações
mas de forma fragmentada, com ações públicas, sem considerarem o que afirmou
pontuais, tais como responsabilidade Stewart (2004), que existe um grande
social, recursos e competências, processo conflito na Administração Pública, o qual
de coordenação sem preocupação global se encontra entre a política e a gestão.
com os resultados da organização, o que Assim, não é adequado nem a aplicação da
deveria ser o foco da estratégia. Outra estratégia sem considerar o lado político
observação pertinente é com relação à dessas organizações, nem abandonar a
quantidade de trabalhos qualitativos, gestão em prol das questões políticas,
praticamente a totalidade deles, o que restando a busca do equilíbrio entre esses
demonstra que a pesquisa não se dois polos.
preocupou em relacionar estratégia com A integração desses dois aspectos é
desempenho de maneira mais quantitativa uma das preocupações da gestão pública
e tampouco desenvolveu modelos gerencial, mas que, pela análise realizada,
explicativos consolidados de análise que ainda não influenciou de forma substancial
possam ser replicados. Tal constatação o desenvolvimento dessa área no setor
pode ser explicada pelas características público no Brasil.
próprias da Administração Pública cuja

101 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 13 – Nº 1 – jan/abr 2015eeeeeeeeeeeeee


PESQUISA SOBRE ESTRATÉGIA NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO PERÍODO 2007 – 2011
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Como agenda de pesquisa, propõe- tão importantes, como Processo Decisório


se que se dê maior atenção ao tema Estratégico e Mudanças Estratégicas,
Estratégia nas organizações públicas tanto apresentam tão baixo interesse em estudos
do ponto de vista da prática quanto da que focam a Estratégia no Setor
pesquisa, visto que os fundamentos do Público? Em que setores da Administração
campo são igualmente aplicáveis à Pública, os estudos sobre Estratégia
Administração Pública no nível apresentam maior nível de concentração e
organizacional. No entanto, do ponto de quais as razões para esse fato?
vista teórico, (BROWN, 2010) em uma Considerando-se a produção internacional
análise da evolução da Estratégia no Setor sobre Estratégia no setor público, como o
Público, afirma-se que o campo precisa Brasil se posiciona nesse cenário,
caminhar para aproveitar o potencial de observando aspectos como volume e
teorias com visões alternativas de mundo importância?
diferentes daquelas fundamentadas, Uma das lacunas deste trabalho foi
principalmente, na visão de mundo o não aprofundamento de questões
competitivo no qual dois ou mais atores comparativas, uma vez que esse não foi o
competem por um conjunto escasso de seu foco. Faltou ainda um levantamento
recursos. O autor não defende uma nova das origens dos autores e de suas
teoria de Estratégia para o Setor Público, instituições, onde a pesquisa sobre
mas se percebe, em sua análise, que a área Estratégia tem ocorrido. Com isso, ter-se-ia
de Estratégia focada no setor público avançado para um mapa mais completo
precisa evoluir, utilizando novas sobre esse campo de pesquisa que ainda
abordagens teóricas, como é possível carece de estudos.
também observar-se no desenvolvimento
AGRADECIMENTOS
deste trabalho.
Além dos apontamentos de Brown Os autores Vicente da Rocha
(2010), pôde-se observar, nesse campo de Soares Ferreira e Marcos de Moraes Sousa
pesquisa, que algumas questões ainda agradecem o apoio financeiro da CAPES
carecem de respostas, como as seguintes: (bolsa de estudos).
uma vez que o planejamento é ferramenta
REFERÊNCIAS
fundamental para orientar o curso de ações
de uma organização pública, o que explica ANDREWS, R. et al. Centralization,
Organizational Strategy, and Public
a baixa produção científica sobre o tema
Service Performance. Journal of Public
Estratégia no setor público? Por que temas

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