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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Curso de Especialização em Administração Pública


Comunicação na Administração Pública
Professor Jaime Baron
Leonardo Portes Pinto

O AMBIENTE VIRTUAL E A INTERNET COMO ESPAÇOS DE AMPLIAÇÃO DA


COMUNICAÇÃO SOCIAL

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir, por meio de breve revisão
bibliográfica, a importância do tema comunicação pública no atual contexto de
sociedade interconectada. A comunicação será discutida enquanto direito social,
essencial para o exercício da cidadania (MATTTELART, 2009) e como ferramenta de
políticas públicas capaz de aprimorar a democracia e a governabilidade (DUARTE,
2007). Serão discutidas as influências das recentes mudanças no cenário social e
tecnológico que caracterizam o atual momento antropológico e a ampliação dos
espaços de comunicação pública para o ambiente virtual e da internet.

A comunicação e a livre expressão de ideias e difusão de informações aparecem


com facilidade como elemento da consciência coletiva de quase todas as sociedades
contemporâneas. A ideia de que somos livres para expor nossas ideias e pensamentos,
bem como para buscar dados e informações foi talhada ao longo dos anos nas
sociedades modernas, mas Armand Mattelart (2009) traz uma análise desconcertante
quanto a essa liberdade.

Ronald Balbe (2010) e Jorge Duarte (2007) abordam a questão da comunicação


pública, trabalhando o tema de acesso a dados e informações públicas, fluxos de
comunicação entre atores sociais e governo, transparência, democracia participativa e
experiências de sucesso com o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC).

Serão abordadas as formas como a comunicação pública e o uso das TIC


podem influenciar positivamente a construção de uma sociedade mais participativa, um
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governo mais voltado para a obtenção de resultados socialmente relevantes e para a


redução de desigualdades sociais.

DIREITO À COMUNICAÇÃO

A assimetria de informação característica do modo de produção capitalista -


usada como vantagem competitiva e elemento de agregação de valor percebido, a
desigualdade de acesso a fontes de informação e aos meios de comunicação e difusão
de informações criam uma situação em que o cidadão e grupos da sociedade civil não
tenham a mesma liberdade de comunicação que grupos privados e organizações
públicas.

À toda a infraestrutura, meios e ferramentas de comunicação social de massa,


capazes de difusão de informações por meio de imagens e sons, chamaremos de
imprensa. A imprensa, segundo Althusser (1985), integra o Aparelho Ideológico do
Estado, constituindo, em sentido amplo, um bem público. O controle do Aparelho
Ideológico é exercido pela classe dominante, que o utiliza para reprodução de sua
ideologia e perpetuação do controle hegemônico.

Mattelart (2009) identifica em seu trabalho as controvérsias em torno do direito à


comunicação e à livre expressão. O autor critica a utilização do pressuposto de
igualdade entre os homens1 sem a correspondente ponderação acerca das
desigualdades entre estes. Para Mattelart, essa afirmação é usada para legitimar a
dominação nas relações de poder entre homens e entre nações, reforçando a
desigualdade existente.

Mattelart identifica na Declaração de Direitos dos Homens e do Cidadão,


aprovada pelos revolucionários franceses em 1789 uma das primeiras tentativas de
declaração de um direito universal à comunicação. Esse debate teria influenciado
diversos outros diplomas legais pelo mundo, inclusive a Declaração de Independência
dos Estados Unidas da América e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
aprovada pela Assembleia das Nações Unidas em 1948.

O autor denuncia ainda a criação do que ele chama de monopólios cognitivos, o


que pode ser descrito como o surgimento de instituições, públicas e privadas, de
propagação e disseminação de ideias. O uso da lógica do pensamento liberal,

1 Neste trabalho, salvo explicitação em contrário, a palavra homem será usada para designar todos os
indivíduos da espécie humana.
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predominante no contexto geopolítico da época, permite o surgimento de uma doutrina


baseada na concepção de liberdade de comunicação como o livre tráfego de ideias
através de palavras e imagens. Essa concepção, que não leva em conta a diferença na
capacidade de propagação de ideias entre países centrais e periféricos e entre
mercado e organizações civis, agravando as desigualdades e a relação de dominação.

Os monopólios cognitivos, destacando-se a imprensa, seriam usados pelo setor


privado, transnacional nos dias atuais, para a comunicação de suas ideias e conceitos.
Mattelart identifica nesses monopólios, naturalizados com a globalização e
predominância do modo capitalista de produção, poderes políticos e ideológicos
capazes de influenciar a tomada de decisão de Estados e governos. Para o autor, a
sociedade está em processo de retomada desse espaço, chamando à consciência o
setor privado e construindo condições de participação civil nos espaços de
comunicação e transmissão de informações.

Essa discussão importa à medida que o autor afirma que o poder das
instituições que exercem o controle hegemônico da imprensa influencia a ação estatal.
Assim, a forma de fortalecer a participação coletiva no processo passa pela
rediscussão das formas de controle e concessão dos canais de mídia, entendidos
como bens públicos, ainda que explorados pelo setor privado.

A retomada desses espaços ganhou fôlego com o advento de novas tecnologias


de comunicação social de massa a partir da segunda década deste século. As redes
sociais e a ampliação do acesso à internet favoreceram esse movimento. Contudo,
Balbe (2010) alerta para o risco desse movimento acentuar as desigualdades, uma vez
que os números encontrados por ele apontam que os níveis de inclusão digital
acompanham em certa medida os indicadores socioeconômicos.

A COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Duarte (2007) trabalha a comunicação sobre o ponto de vista instrumental, com


foco na perspectiva pública. A comunicação como direito basilar da humanidade e a
comunicação pública como o fluxo de informações e ideias de interesse coletivo de
uma sociedade.
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O autor identifica na desinformação, na falta de oportunidades de participação e


no descrédito das instituições públicas algumas das razões capazes de explicar o
distanciamento entre cidadão e política e para a o baixo grau de interesse dos
governos em buscar a participação social. Partindo desse diagnóstico, Duarte conclui
pela comunicação, no ambiente de interesse público, como “uma das ideias mais
vigorosas” para garantir ao cidadão agir em seu legítimo interesse e para viabilização
das demandas coletivas.

Duarte desenvolve sua análise conceituando comunicação pública,


diferenciando-a da comunicação política e outras mais que compõem grupos
circunscritos ou com alguma intersecção, mas que não representam o total da
comunicação pública. Para Duarte, a comunicação pública engloba o fluxo
comunicacional entre os diversos atores sociais: Estado, sociedade civil, mercado, no
que se refere a assuntos relacionados ao Estado, ao governo, aos partidos políticos, ao
terceiro setor e, eventualmente, às ações privadas.

Para Duarte:

a comunicação pública ocorre no espaço formado pelos fluxos de


informação e de interação entre agentes públicos e atores sociais
(governo, Estado e sociedade civil – inclusive partidos, empresas,
terceiro setor e cada cidadão individualmente) em temas de interesse
público. Ela trata de compartilhamento, negociações, conflitos e
acordos na busca do atendimento de interesses referentes a temas de
relevância coletiva. A Comunicação Pública se ocupa da viabilização
do direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e
expressão. Assim, fazer comunicação pública é assumir a perspectiva
cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo.
(DUARTE, 2009. Grifo nosso)

O autor evoca o espírito público como base para um processo em que a


comunicação pública influenciaria a forma como a sociedade melhora a si mesma. A
comunicação pública, segundo ele, seria a peça fundamental para o aprimoramento da
gestão pública. Para isso, Duarte propõe que a discussão sobre comunicação pública
tenha como pilares a cidadania, democratização, participação, diálogo e interesse
público. Como premissas o autor propõe migração do poder dos governos para a
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sociedade, ampliação do diálogo e dos espaços de comunicação e redução no


“dirigismo” e na propaganda.

Abordando a informação como a matéria-prima da comunicação, o autor alerta


para o caráter publicitário com que a comunicação é tratada pelos agentes públicos,
onde o cidadão é considerado, basicamente, receptor de informações. Ele identifica a
tendência de investimento na ampliação do aparato tecnológico e do volume de
informações emitidas, sem a correspondente preocupação com a qualidade da
informação transmitida e sem o devido debate sobre o fluxo de troca de informações
entre agentes públicos e atores sociais. Para Duarte a comunicação é um movimento
constante de troca de conhecimento e informações entre os envolvidos, onde a
influência é mútua.

O aprimoramento da comunicação pública depende da implementação de


políticas públicas voltadas para a criação de um ambiente público de comunicação.
Duarte defende o papel indutor dos governos nesse processo, propondo a formalização
e adoção de políticas públicas orientadas em quatro eixos centrais para a comunicação
pública: transparência, acesso, interação e ouvidoria social, em substituição ao modelo
implícito.

Segundo Duarte, essas políticas devem ter por base “as aspirações coletivas,
devem buscar estimular a participação, o desenvolvimento da democracia, aumentar a
governabilidade, a competitividade e a integração social”. Isso pode ser conseguido
com a) a ampliação da oferta de informações públicas, a adequação dessa informação
(forma, conteúdo, fluxos, horários etc.) ao público alvo; b) o estímulo e a facilitação
para o acesso a estas informações; c) a facilitação da fiscalização; d) a criação,
manutenção e fortalecimento de instrumentos de comunicação que permitam fluxos bi
ou multilaterais; e e) a adoção de ferramentas de pesquisa de opinião e ouvidoria.

EXPERIÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Após identificarmos a comunicação como um direito humano essencial à vida


em sociedade, como uma ferramenta de exercício político e de cidadania, iremos
conhecer os casos de sucesso na utilização das TIC na gestão pública. Balbe (2010),
apresenta cinco casos extraídos de experiências do governo federal em que o uso das
TIC permitiu o estabelecimento de novos canais de comunicação e formas de interação
entre o Governo Federal e os atores sociais.
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O contexto atual é de uso extensivo de soluções de tecnologias de informação e


comunicação, as TIC, nas mais diversas áreas de interação social. O uso da internet,
das redes sociais e do ambiente virtual encontra-se bastante disseminado no ambiente
brasileiro, principalmente na população urbana 2, favorecendo a adoção deste tipo de
solução pelos agentes públicos. Esse tipo de solução oferece como vantagens a
ampliação dos espaços de oferta de serviços, de informações e de interação entre
agentes públicos e atores sociais.

Governo eletrônico

O Programa de Governo Eletrônico do Estado brasileiro surgiu no ano 2000,


através do Decreto Presidencial nº 8.917, de 3 de abril de 2000. No Brasil, a política de
Governo Eletrônico segue um conjunto de diretrizes que atuam em três frentes
fundamentais: junto ao cidadão (G2C); na melhoria da gestão interna (G2G); e na
integração com parceiros e fornecedores (G2B).

Segundo informações do portal <governoeletronico.gov.br>, desde sua criação,


o programa de governo eletrônico buscou transformar as relações do Governo com os
cidadãos, empresas e também entre os órgãos do próprio governo, de forma a
aprimorar a qualidade dos serviços prestados; promover a interação com empresas e
indústrias; e fortalecer a participação cidadã por meio do acesso à informação e a uma
administração mais eficiente.

Criado com o intuito de ampliar a oferta e melhorar a qualidade das informações


e dos serviços prestados por meios eletrônicos, independentemente da origem das
demandas, o eGOV brasileiro compreende a definição de padrões, a normatização, a
articulação da integração de serviços eletrônicos, a disponibilização de boas práticas, a
criação e construção de super infraestrutura tecnológica entre outras questões.

A primeira experiência abordada por Balbe é o portal da transparência,


administrado pelo Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União. O portal
é um grande banco de dados de informações de controle e monitoramento de gastos
financeiros e recursos humanos e materiais do Governo Federal. Trata-se de uma
importante ferramenta de acesso à informação e de participação no controle social,
fortalecendo os princípios da transparência e da accountability.

A seguir, o autor apresenta o Programa Nacional do Livro Didático, que utiliza


soluções de TIC para suporte à decisão. Em 2017 3, o programa realizou a troca de
informações entre mais de 117 mil escolas e a distribuição de mais de 150 mil
exemplares de livros didáticos para cerca de 30 Milhões de alunos. Essa iniciativa
garante a liberdade de escolha de cerca de dois milhões de professores quanto ao
conteúdo dos livros didáticos que serão enviados aos seus alunos e, ao mesmo tempo,
a comunicação permanente permite o remanejamento e reserva de livros.

2 Segundo o IBGE, mais de 84% da população brasileira vive em áreas urbanas. Fonte:
https://goo.gl/9KSDTt, disponível e 27/11/2017, às 22h11.
3 Dados atualizados em https://goo.gl/PqTScQ, disponível em 27/11/2017, às 22h41.
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A utilização de computadores de mão pelos agentes do IBGE durante a


contagem populacional e censo agropecuário promovidos em 2007, é considerada pelo
autor como uma das mais bem sucedidas iniciativas de comunicação e trabalho em
grupo. Segundo o autor, cerca de 82 mil agentes, dispersos nos mais de 8,5 Milhões de
km2 do território nacional, realizaram a coleta e disponibilização de dados demográficos
com uma velocidade nunca antes vista.

O quarto e penúltimo exemplo de sucesso é a adoção do sistema Receitanet,


pela Receita Federal do Brasil, para a entrega das declarações de imposto de renda
pela internet. Trata-se de um sistema de comunicação simples, seguro e ágil nas
palavras do autor, que sustenta suas afirmações nas diversas premiações conferidas à
iniciativa.

Por fim, a experiência brasileira com as urnas eletrônicas de votação como


exemplo de automação na consulta pública. O sufrágio pode ser considerado a mais
direta forma de exercício de cidadania e consiste na comunicação de todos para todos
acerca de suas preferências quanto à escolha dos governantes. A celeridade e a
confiança4 da urna eletrônica favorecem o processo comunicacional no ambiente
social.

CONCLUSÕES

A comunicação e a livre expressão de ideias aparecem, desde a Revolução


Francesa, como um direito universal da humanidade. O acesso à informação e aos
canais de troca de informações são entendidos por Mattelart como pilares da cidadania
e da ação democrática. O autor reconhece na desigualdade no acesso a esses direitos
uma fonte de dominação e exercício de poder entre classes, perpetuando a dominação
e acentuando a desigualdade. A rediscussão dos espaços de comunicação é entendida
como a única forma de fortalecimento e aperfeiçoamento das sociedades.

Duarte propõe que essa rediscussão dos espaços de comunicação seja induzida
pela Administração Pública, em um cenário de busca pelo fortalecimento da cidadania,
da democratização e do interesse público. Propõe-se a reformulação dos instrumentos
de comunicação pública, orientados pelos eixos da transparência, do acesso, da
interação e da ouvidoria social.

A ideia do autor é de que a Administração Pública ocupe todos os espaços


atuais disponíveis para comunicação oferecendo informação de qualidade, a tempo e
em quantidade e qualidade adequados ao público, oferecendo canais de interação com
a sociedade.

Da leitura de Balbe, verifica-se que o Programa de Governo Eletrônico Brasileiro


caminha ao encontro das propostas de Duarte, oferecendo a ampliação dos espaços
4 Apesar da polêmica que envolve a confiabilidade das urnas eletrônicas, a acreditação conferida pelas
autoridades certificadoras e a recente iniciativa de impressão do voto favorecem a aceitação da premissa
de confiabilidade.
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de comunicação para o ambiente virtual e da internet. As redes de interação do


governo eletrônico: G2C, C2G, G2G, G2B e B2G; a ampliação das bases de dados e
informações de acesso público, a promulgação da Lei de Acesso à Informação, a
abertura de canais de ouvidoria, de audiências públicas e de participação social trazem
um panorama positivo.

A rápida expansão e naturalização das TIC no contexto contemporâneo, a


grande aceitação dos serviços virtuais e pela internet pelo público brasileiro e o
considerável aumento no acesso à internet no país 5 representam vantagens para a
adoção de soluções de TIC para as políticas de comunicação pública pelo governo
federal.

As experiências bem-sucedidas e o forte elemento de padronização pela


centralização das soluções de TIC adotadas pelo governo federal podem ser
encaradas como os pontos fortes desta proposta.

Por outro lado, o poder excludente da migração de serviços e canais de


interação entre o governo e a sociedade para o ambiente virtual e da internet, bem
como o risco potencial de manipulação destas mídias alertam para os riscos que
devem ser mitigados ou enfrentados pelo gestor público na implementação de
estratégias de ampliação da comunicação pública por meio do suo das TIC.

Como pontos fracos da proposta podemos apontar a forte diferenciação das


atividades públicas, dos atores, das relações e dos objetivos próprios de cada um dos
órgãos e unidades do governo federal.

Conhecido o cenário que pode ser esperado pelo gestor público para a
implementação das propostas de implementação das TIC como forma de ampliação do
espaço de comunicação pública, o Programa de Governo Eletrônico Brasileiro parece
ter objetivos congruentes com as propostas de Duarte e com as premissas de
Mattelart, indicando que estamos no caminho certo.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos


ideológicos de Estado. 7ª edição. Rio de Janeiro, Graal, 1985.

BALBE, Ronald da Silva. Uso de tecnologias de informação e comunicação na gestão


pública: exemplos no governo federal. Revista do Serviço Público, v. 61, n. 2, p. 189-
209, 2014.

DUARTE, Jorge. Comunicação pública. São Paulo: Atlas, p. 47-58, 2007.

5 No Brasil, mais de 63% dos domicílios têm acesso à internet. Disponível em https://goo.gl/XHsDxq, em
27/11/2017, às 23h40.
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MATTELART, Armand. A construção social do direito à Comunicação como parte


integrante dos direitos humanos. Intercom-Revista Brasileira de Ciências da
Comunicação, v. 32, n. 1, 2009.

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