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TITUS BURCKHARDT
A ARTE SAGRADA
NO ORIENTE E NO OCIDENTE
PRINCÍPIOS E MÉTODOS
Prefácio
Seyyed Hossein Nasr
Tradução
Eliana Catarina Alves
Sergio Rizek
�
altar
EDITORIAL
2 o o 4
Título original:
Principes et méthodes de l'art sacrée
© 1995, Paris: Dervy Livres
Edição:
Serg io Rizek
Prefácio:
Seyyed Hossein Nasr
Tradução:
Eliana Catarina Alves
Serg io Rizek
ATTAR EDITORIAL
9
NOTA DO EDITOR
11
PREFÁCIO À EDIÇÃO FRANCESA, por Seyyed Hossein Nasr
17
INTRODUÇÃO
29
CAPÍTULO !
A GÊNESE DO TEMPLO HI N DU
73
CAPÍTULO II
FUNDAMENTOS DAARTE C RISTÃ
121
CAPÍTULO III
"EU SOU A P O RTA"
159
CAPÍTULO IV
FUNDAMENTOS DAARTE ISLÂMICA
191
CAPÍTULO V
A I MAGEM DE BUDA
215
CAPÍTULO VI
A PAISAGEM NAARTE DO EXTREMO O RIENTE
235
CAPÍTULO VII
DECADÊNCIA E RENOVAÇÃO DAARTE C RISTÃ
261
BIBLIOGRAFIA CITADA
265
ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES
·.;;
NO TA DO EDITOR
em língua portuguesa.
PREFÁCIO À EDIÇÃO FRANCESA
por Seyyed Hossein Nasr
1 "Tu sabes, ó Asclepius, que o Egito é a imagem do Céu, e que representa a pro
jeção, aqui embaixo, da inteira ordenação das coisas celestiais?" Hermes Trisme
gisto, segundo tradução de Ménard ( 1 866).
INTRODUÇÃO 2I
*
* *
Isto porque Mâyâ, o misterioso Poder Divino que faz que o mundo
pareça existir fora da Realidade Divina, não é somente o ponto de
origem de toda dualidade e de toda ilusão: Mâyâ é também, em
seu aspecto positivo, a arte divina que produz todas as formas. Em
princípio, Mâyâ não é senão a possibilidade do Infinito de delimi
tar-Se a Si mesmo, como objeto de sua própria "visão", sem con
tudo que sua in:finitude seja limitada. Assim, Deus manifesta-Se
no mundo e, no entanto, igualmente não Se manifesta; Ele expres
sa a Si Mesmo e, ao mesmo tempo, mantém-Se em silêncio.
Exatamente como o Absoluto toma objetivos, através de
Mâyâ, certos aspectos ou possibilidades de Si Mesmo, determinan
do-os por uma visão diferenciada, assim também o artista manifesta,
em seu trabalho, determinados aspectos de si mesmo. Ele os projeta,
por assim dizer, para fora de seu ser indiferenciado. E, na medida
em que esta objetivação for refletindo as profundezas secretas de
seu ser, irá assumindo um caráter puramente simbólico. Ao mesmo
tempo, o artista tomar-se-á mais e mais consciente do abismo que
separa esta forma, reflexo de sua essência, do que a essência na ver
dade é, em sua plenitude atemporal. O artista criativo sabe disto:
"esta forma sou eu, contudo sou infinitamente mais que isso, porque
a Essência permanece como o puro Conhecedor, a testemunha que
forma alguma poderá aprisionar". Mas ele sabe também que é Deus
quem expressa a Si Mesmo através de sua obra e, assim, a obra ul
trapassa, por sua vez, o fraco e falível ego humano.
Nisto repousa a analogia entre a arte divina e a humana: na
realização de si mesmo através da objetivação. Se esta objetivação
tem significado espiritual e não é apenas uma insegura introversão,
seu modo de expressar-se deve brotar de uma visão essencial. Em
outras palavras, não deve ser o "eu", a raiz de ignorância e ilusão
INT RODUÇÃO 23
*
* *
*
* *
24 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
*
* *
*
* *
ilimitada, assim como também seu objeto, que é infinito. Por isso,
não será possível especificar todas as abordagens das diferentes
doutrinas metafisicas. Convém, pois, indicar ao leitor outros livros
que estabelecem, por assim dizer, as premissas sobre as quais este
se baseia. Estes livros tornam acessível a essência das doutrinas
tradicionais do Oriente e do Ocidente medieval, em uma lingua
gem que pode ser compreendida pelo ocidental moderno. As pri
meiras a serem indicadas serão as obras de René Guénon,2 de Fri
thjof Schuon, 3 e de Ananda Coomaraswamy.4 A seguir, relaciona
dos com a arte sagrada de determinadas tradições, o livro de Stella
Kramrisch, sobre o templo hindu5, os estudos de Daisetz Teitaro
Suzuki, sobre o budismo Zen, e o livro de Eugen Herrigel (Bun
gaku Hakushi), sobre a arte cavalheiresca do arco e flecha. 6 Outros
livros serão mencionados, e fontes tradicionais, quando a ocasião
assim exigir.
5 Kramrich ( 1 946)
7 Nas civilizações primitivas, toda habitação é vista como uma imagem do cos
mo, porque a casa ou a tenda "contém" e "envolve" o homem, nos moldes do
grande mundo. Esta noção sobreviveu na linguagem dos mais diversos povos,
que falam da "abóbada" ou da "tenda" do céu, e de seu cume, significando o pólo.
Quando uma construção é um santuário, a analogia entre ele e o cosmo toma-se
recíproca, porque o Espírito Divino "habita" o santuário, assim como "habita" o
Universo. Por outro lado, o Espírito contém o Universo, de forma que a analogia
é também válida no sentido inverso.
32 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
corpo, já que é o céu que gera, de modo ativo, enquanto que a ter
ra concebe e dá nascimento, de modo passivo. No entanto, é pos
sível uma inversão nessa hierarquia: se o quadrado for considera
do, em seu significado metafisico, como o símbolo da imutabilida
de primordial - que em si mesma contém e resolve todas as anti
nomias cósmicas - e o círculo for considerado em relação a seu
modelo cósmico, que é o movimento indefinido, então o quadrado
representará uma realidade superior àquela representada pelo cír
culo, do mesmo modo que a natureza permanente e imutável do
Princípio está acima da atividade celeste ou da causalidade cósmi
ca, relativamente "exterior" ao Princípio em si mesmo. 8 Esta últi
ma conexão simbólica entre o círculo e o quadrado é a que predo
mina na arquitetura sagrada da Í ndia, pois a qualidade mais carac
terística desta arquitetura é a estabilidade - o reflexo mais direto
da Perfeição Divina - que é também o ponto de vista inerente ao
espírito hindu, cuja tendência é sempre transpor as realidades ter
renas e cósmicas, por mais divergentes que sejam, à plenitude es
tática e não-dual da Essência Divina. Na arquitetura sagrada, esta
transfiguração espiritual é acompanhada por um simbolismo in
versamente análogo, no qual as grandes "medidas" de tempo - os
diferentes ciclos - são "cristalizadas" no quadrado fundamental do
templo.9 Veremos, mais adiante, como este quadrado é obtido por
meio da fixação dos principais movimentos do céu. De todo modo,
a predominância simbólica do quadrado sobre o círculo, na arqui-
10
Isto relembra o desmembramento do corpo de Osíris, no mito Egípcio.
A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
11
Segundo a terminologia das religiões monoteístas, os devas correspondem aos
anjos, considerados como aspectos divinos. O mito da imolação de Prajâpati,
pelos devas, é análogo à doutrina sufi, segundo a qual Deus manifestou o universo
múltiplo através de Seus múltiplos Nomes, sendo que a diversidade do mundo foi
como que "exigida" pelos Nomes. A analogia em questão torna-se ainda mais
impressionante quando é dito que Deus manifesta-se a Si Mesmo no mundo por
causa de seus Nomes. Cf. Burckhardt ( 1 955) e sua tradução de Ibn 'Arabi ( 1 950).
1 - A GÊNESE DO TEMPLO HINDU 37
12Ainda que o homem sej a superior ao animal, por seu "mandato" celestial, o
animal terá uma relativa superioridade em relação ao homem, já que nos dis
tanciamos de nossa natureza primordial, enquanto que o animal permanece fiel
à norma cósmica para ele estabelecida. O sacrificio do animal, em lugar do
homem, é ritualmente justificado apenas por uma espécie de compensação
qualitativa.
15 "A forma quadrada do altar Ahavaníya, do Uttara Vedi e de outros centros sa
grados e utensílios rituais, não pode ter como alternativa a forma circular, en
quanto que o Gârhapatya, que em si mesmo é redondo, pode ser construído tanto
sobre uma área circular quanto sobre uma área quadrada, segundo esta ou aquela
escola. Isto significa que a "terra" pode ser concebida como redonda, segundo
sua forma própria, ou como quadrada, segundo sua imagem determinada pela lei
do "mundo celeste ..." Kramrisch ( 1 946, pág.28)
40 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
sua forma circular, mas cuja base recobrirá uma área igual a do
altar Ahavaníya, e esta transformação do quadrado em círculo
será efetuada por uma determinada disposição dos tij olos da pri
meira camada do novo altar. O Purâna Gârhapatya, o antigo lu
gar Gârhapatya, era de natureza terrestre, o Shâlâdvârya Gârha
patya, o novo local, é de natureza celeste. O quadrado, que sim
boliza o Céu, está implicitamente contido no círculo composto
de tij olos retangulares. 1 6
Assim, a construção do altar védico envolve, por um lado, a
transformação do círculo em quadrado - pela representação qua
drada ou cúbica do ciclo universal - e, por outro lado, a do quadra
do em círculo. Como destacou Stella Kramrish, em sua importante
obra sobre o templo hindu, 17 esta dupla operação resume toda a
arquitetura sagrada.
II
18Os patriarcas de Israel, nômades, construíam os altares a céu aberto com pedras
não talhadas. Quando Salomão ergueu o Templo de Jerusalém - assim estabele
cendo o estado sedentário de seu povo - as pedras foram moldadas sem a utiliza
ção de instrumentos de ferro, como recordação do altar primitivo.
De acordo com a lenda, a Caaba foi construída por um anj o, ou por Set, filho de
Adão. Ela tinha então a forma de uma pirâmide; o dilúvio a destruiu e foi nova
mente construída por Abraão, na forma de um cubo (ka 'bah). Está situada no
eixo do mundo, seu protótipo está nos céus, onde os anjos realizam o tawâfao seu
redor. Ainda de acordo com a lenda, a Presença Divina (shekhiná) manifestou-se
na forma de uma serpente, que conduziu Abraão até o lugar onde deveria cons
truir a Caaba; a serpente enrolou-se no edificio. Isso relembra de modo surpreen
dente o simbolismo hindu da serpente (Ananta ou Shesa) que se move ao redor
do Vâstu-Purusha-mandala. Mais tarde, veremos que o templo hindu também é
objeto de um rito de circunvolução.
44 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
o ---- L
__ -
__ ___ ...
_
figs. 2 e 3 Círculo de
-
orientação segundo o
Mânasâra Shilpa Shâstra.
quadrado fundamental.
III
t .-
26 Ver
o texto sânscrito Mânasâra Shilpa Shâstra ( 1 934).
1 - A GÊNESE DO TEMPLO HINDU 47
está no oriente, seus pés no ocidente, suas duas mãos tocam os can
tos nordeste e sudeste do quadrado.27 Ele não é outro senão a vítima
primordial, o ser total, a quem os devas sacrificaram no começo do
mundo, e que "encarnou" no cosmo, cuja imagem cristalina é o
templo (fig. 6). "Purusha (a Essência incondicionada) é, em si mes
mo, o mundo inteiro, o passado e o futuro. Dele nasceu Virâj (a In
teligência cósmica), e de Virâj nasceu Purusha (como protótipo do
homem)" (Rig Veda, X. 90,5). Em sua forma delimitadora e, por
assim dizer, "coercitiva", o diagrama geométrico do templo, a Vâs
tu-mandala, corresponde à terra. Mas, em sua forma qualitativa, é
uma expressão de Virâj, a Inteligência cósmica. Finalmente, em sua
essência transcendente, é Purusha, a Essência de todos os seres.
IV
35No rito de dikshâ, transporta-se o fogo sacrificial, do novo altar Gârahpatya até
o altar do fogo (Agni), em um recipiente de cerâmica, em forma cúbica, a que
chamam a "matriz" do fogo; diz-se que contém todo o universo manifesto, como
a "caverna" do coração, que também é representada pela câmara central do tem
plo, Garbhagriha, cuja forma é cúbica. Cf. Kramrisch ( 1 946).
1 - A GÊNESE DO TEMPLO HINDU 55
ASURA INDRA
i VAFIU� SÜRYA
a
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i
KUSUMA
DANTA SATYA
SUGRIVA BH�SA
OAlNÂRI ANTAR·
IK$A
A0,
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� AAYAMAN
VI
fig. 12
43 Segundo o rei Alfonso, o Sábio, as 4 x 8 peças devem ter as cores verde, ver
melha, preta e branca, correspondendo às quatro estações - primavera, verão,
outono e inverno -, e aos quatro elementos - ar, fogo, terra e água. Cf. Alfonso el
Sabio ( 1 94 1 ) .
60 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E N O OCIDENTE
VII
VIII
IX
fig. 15 Kâla-mukha
-
52 O mesmo pode ser dito quanto aos gérmens do racionalismo filosófico latente
no pensamento cristão, e isto corrobora, de forma surpreendentemente clara, o
que dissemos sobre a arte.
I I . FUNDAMENTOS DA ARTE CRI STÃ 77
deve fazer para tomar-se santo, se lhe opõe uma visão do cosmo
que é santa por sua beleza. 53 Enfim, é esta visão, resultante do
simbolismo artesanal, que permite ao homem participar, de
modo natural e quase involuntário, do mundo da santidade. Ao
se apropriar da herança artesanal que encontrou, o cristianismo
liberou-a das características artificiais do naturalismo greco-ro
mano, pleno das glórias humanas, e manifestou os elementos
perenes inerentes a essa herança, os mesmos que reproduzem as
leis cósmicas. 54
O ponto de encontro entre a tradição puramente cristã, que
é teológica em essência, e a cosmologia pré-cristã pode ser clara
mente percebido nos signos crísticos das catacumbas, e particular
mente no monograma em forma de roda com seis ou oito raios. É
sabido que este monograma, cujo uso é de época muito remota, foi
formado a partir das letras gregas X e p (Chi e Rho) , isoladas ou
associadas a uma cruz. Quando este signo está inscrito em um
53 "A gnose, pelo fato de ser um "conhecer" e não um "querer", está centrada "no
que é", e não "no que deveria ser". Ela dá origem a um modo de ver o mundo e
a vida que difere muito da visão mais "meritória'', quiçá menos "verdadeira",
assumida pela abordagem volitiva, em relação às vicissitudes da existência."
Schuon ( 1 957b, cap. "La gnose, Iangage du Soi").
54 É digno de nota que a forma geral do templo cristão não repete totalmente a do
templo greco-romano, apenas as formas da basílica com abside e a dos edifícios
com cúpula, que só surgiram em Roma em um período relativamente tardio. O
interior do Panteão, com sua imensa cúpula que recebe a luz do alto, pelo "olho
solar", não é desprovido de grandeza, mas esta é neutralizada pelo caráter antro
pomórfico e banal dos detalhes. Apresenta, talvez, uma espécie de grandeza filo
sófica, que nada tem a ver com a contemplação.
I I . F UNDAMENTOS DA ARTE CRISTÃ 79
Alfa e Ómega. O círculo solar do monograma contém "mãos de luz ", seguindo
um modelo egípcio, segundo Oskar Beyer.
luz do Cristo.
82 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
II
o plano que fora revelado a seu pai, Davi: "Assim falou Salomão: O
Eterno disse que habitaria na densa obscuridade. Eu edifiquei para Ele
uma casa, a morada em que habitará para sempre". ( l Rs 8, 1 2- 1 3) -
59 Santo Agostinho compara o templo de Salomão com a Igreja, cujas pedras são
os fiéis, e os alicerces, os profetas e os apóstolos; esses elementos estão unidos
pela Caridade (Enarr. in Ps. 39). Este simbolismo foi desenvolvido por Orígenes,
de Alexandria. S. Máximo o Confessor vê a igreja construída na terra como o
corpo de Cristo, bem como o homem e o universo.
A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
62 Ver
Naudon ( 1 953).
86 A ARTE SAGRADA N O ORIENTE E NO O CIDENTE
fig. 20 - A lguns esquemas de proporções usadas em igrejas medievais, segundo Ernst Moesse/.
68
"Non aspettar mio dir piit, ne mio cenno;
Libero, dritto, e sano e tuo arbitrio,
E/alio fora non /are a suo senno,
Per eh 'io te sopra te corono e mitrio."
(Purgatorio XXVII, 1 3 9 - 1 40)
69
Ver Guénon ( 1 939).
92 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
III
10
Segundo as palavras do Apóstolo: "E vós também, como pedras vivas, edificai
vos em casa espiritual". ( l Pd, 2,5)
I I . FUNDAMENTOS DA ARTE CRISTÃ 93
não ser que conheça as duas filosofias, a de Aristóteles e a de Platão." Cf. Gilson
( 1 944, pág. 5 1 2). De modo similar, São Boaventura diz: "Dentre os filósofos,
Platão recebeu a palavra da Sabedoria, Aristóteles a da Ciência. O primeiro con
siderou principalmente as razões superiores, o último, as razões inferiores." Cf.
São Boaventura ( 1 943, pág. 66). Os sufis têm a mesma opinião.
IV
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77 Nestas diferentes formas de cruz, todas originárias dos primeiros séculos do cris
78 Por exemplo, a cruz inscrita no círculo, símbolo que pode ser considerado a
figura-chave da arquitetura sagrada, representa também o esquema dos quatro
elementos, agrupados em tomo da "quintessência", e reunidos pelo movimento
II . FUNDAMENTOS DA ARTE CRISTÃ 1 05
circular das quatro qualidades naturais: calor, umidade, frio e sequidão, que cor
respondem aos princípios sutis que, segundo a Alquimia, regem a transmutação
da alma. Assim, as ordens física, psíquica e espiritual estão reunidas e relaciona
das entre si, dentro de um só símbolo.
106 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
81O exemplar mais antigo de "A Virgem do Sinal" data do século IV; foi encontrado
na catacwnba romana de Cimitero Maggiore. A mesma composição tomou-se mui
to famosa, na forma da Blacherniotissa, a miraculosa Virgem de Constantinopla.
82 Este último caso é o da celebrada pintura de Sto. Andrei Rublev, que represen
ta a visitação dos três Anjos à casa de Abraão. O motivo remonta à arte paleocris
tã; constitui a única iconografia tradicional da Santíssima Trindade. Cf. Ous
pensky e Lossky ( 1 952).
loso, a mentalidade religiosa afasta-se dos "arquétipos" eternos e
apega-se às contingências históricas que, a partir daí, serão conce
bidas de um modo "naturalista", ou sej a, de um modo mais acessí
vel à sentimentalidade coletiva.
Uma arte em que predomina a consciência espiritual tende
a simplificar os traços das imagens sagradas, reduzindo-os a suas
características essenciais, o que não implica, como às vezes se
supõe, uma rigidez da expressão artística. A visão interior, orien
tada para e pelo arquétipo celestial, comunicará sempre suas qua
lidades sutis à obra de arte, como a serenidade e a plenitude. Por
outro lado, nos períodos de decadência espiritual, o elemento na
turalista inevitavelmente se manifesta. Esse elemento já estava la
tente na herança helênica da pintura ocidental; suas incursões, que
ameaçavam a unicidade do estilo cristão, já se faziam notar bem
antes do "Renascimento". O perigo do "naturalismo", ou de uma
exacerbação arbitrária de estilo, que substituiria os elementos es
pirituais imponderáveis do protótipo tradicional por outros pura
mente subjetivos, tomava-se mais palpável à medida que as pai
xões coletivas, até então refreadas pelo caráter inalterável da escri
turas tradicionais, encontravam expressão na arte. Isto revela a
extrema fragilidade da arte cristã, que só pôde manter-se íntegra à
custa de muitas precauções. Quando esta arte se corrompe, em vez
de imagens, cria ídolos que passam a atuar por si e, em seu conjun
to, de forma bem mais nociva à mentalidade coletiva. Ante tais
ocorrências, nem aos oponentes nem aos partidários da imagem
religiosa faltarão argumentos válidos, pois a imagem é tanto boa
ou construtiva, sob certos aspectos, quanto má ou danosa, sob ou
tros. Seja como for, uma arte sagrada não encontra salvaguardas
sem regras formais e sem a consciência doutrinal daqueles que a
II2 A ARTE SAGRADA N O ORIENTE E N O O C IDENTE
83 Cf. Cl. 1 , 1 5 : "Qui est imago Dei invisibilis, primogenitus omnis creaturae . . ."
("Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criatura . . . ")
I I . FUNDAMENTOS DA ARTE CRISTÃ I l3
85 O escritor do séc. V de nome Dionísio, autor de obras como Dos Nomes Divi
nos, foi confundido por teólogos posteriores com o Dionísio da era apostólica (cf.
At 1 9, 22-3 1 ) No séc. IX suas obras já estavam consagradas pela Igreja, apesar
.
nação, pela qual "o Verbo indefinível [ou infinito] do Pai definiu-se
[ou limitou-se] a Si Mesmo". Isto é expresso por São Hierotheos
nas seguintes palavras: "Tendo condescendido, por amor ao ho
mem, em assumir a natureza humana, [o Verbo] verdadeiramente
encarnou-Se . . . e nesse estado manteve Seu caráter maravilhoso e
supra-essencial. . . e permaneceu maravilhoso no seio de nossa natu
reza e de nossa mais íntima essência, contendo em Si mesmo emi
nentemente tudo que nos pertence e que vem de nós, e acima e
além de nós mesmos". 87
Segundo essa visão espiritual, a participação da forma hu
mana do Cristo em Sua Essência Divina se afirma como "modelo"
de todo simbolismo: a Encarnação pressupõe o vínculo ontológico
que une toda forma a seu arquétipo eterno, e ao mesmo tempo a
legitima. Bastou, então, apenas referir esta doutrina à natureza da
imagem sagrada, o que foi feito pelos grandes apologistas do íco
ne, especialmente São João Damasceno, 88 que inspirou o Sétimo
Concílio de Nicéia, e Teodoro de Studion, que assegurou a vitória
definitiva sobre os iconoclastas.
No Libri Carolini, Carlos Magno reagiu contra as fórmulas
iconófilas do Sétimo Concílio de Nicéia, sem dúvida porque vis
lumbrou o perigo de uma nova idolatria entre os ocidentais, menos
contemplativos que os cristãos do Oriente; antes, preferiu atribuir
à arte uma função mais didática que sacramental. A partir deste
momento, o aspecto místico do ícone tomou-se mais esotérico no
Ocidente, permanecendo canônico no Oriente, onde era sustentado
87 lbid.
88É importante destacar que São João Damasceno (700-75 0 d.C.) viveu em uma
pequena comunidade cristã totalmente cercada pela civilização muçulmana.
116 A ARTE SAGRADA N O ORIENTE E N O O CIDENTE
VI
93 Guénon (outubro 1 938, "Le symbolisme du dôme"; abril 1 938, "La sortie de la
caverne" e novembro 1 938, Le dôme et la roue. Études Tradittionelles). O contor
no do nicho reproduz o plano da basílica, com a abside semicircular. A analogia
entre o plano do templo e a forma do pórtico é também mencionada em uma obra
hermética do séc. XVI, cf. Andreae ( 1 928).
I I I . "EU SOU A PORTA" 1 25
*
* *
99 Por exemplo, na Igreja de São Vitório, em Ciel d'Oro, com sua cúpula de mo
saicos, que data do quinto século. Esta igreja está, hoje, incorporada ao conjunto
da Basílica de Santo Ambrósio, em Milão.
1 00 " . . . assim, ele é também a imagem na qual se manifesta a Bondade Divina, esse
grande sol que é todo luz e cujo brilho jamais cessa, pois é um tênue reflexo do
Bem; é o que ilumina tudo que pode ser iluminado, é o possuidor e o provedor da
luz, que transborda e se verte sobre a totalidade do mundo visível, em todos os
níveis, das alturas às profundezas . . .". Dionísio (trad. 1 949).
I l i . "EU SOU A PORTA" 131
101Cf. Guénon (maio 1 938, "Les portes solsticiales"; junho 1 938, "Le symbolis
me du zodiaque chez les Pythagoriciens"; julho 1 938, "Le symbolisme solsticial
de Janus"; dezembro 1 938, "La Porte étroite"; janeiro/fevereiro 1 946, "Janua
Coeli''. Études Traditionelles).
132 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
102 C f. Moullet ( 1 93 8). Deve ser lembrado que as proporções de um edificio sa
de suprema".
I l i . "EU SOU A PORTA" 135
II
104
Por exemplo, uma cruz com oito raios adorna o tímpano de uma igreja româ
nica em Jaca, na Catalunha.
1 05 Um motivo freqüente na arte românica é a videira, colocada ao lado de todo
fig. 36 - Torana
1 09 Chamamos a atenção para a notável similaridade que existe entre o relevo que
encima a Porta do Talismã, em Bagdá, e uma miniatura do evangeliário irlandês
de Kells, que reproduz a arquitetura de um portal (Canon Eusebiano, fol.2v). Em
cada uma dessas composições, um homem circundado por um halo - que na mi
niatura irlandesa lembra Cristo - agarra as línguas de dois dragões, colocados
frente a frente, com as mandíbulas abertas. O relevo de Bagdá é do período sel
júcida, mais recente que a miniatura irlandesa; a forma dos dragões reflete a dos
modelos do Extremo Oriente. A composição em questão aparece com freqüência,
com algumas variações, na joalheria nórdica, no artesanato das nações islâmicas
e na ornamentação românica.
1 40 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
1 1 ° Cf.
Kramrisch ( 1 946, pág. 3 1 8). Ver também Guénon (março/abril 1 946,
"Kâla-mukha''. Études Traditionelles) [e Fig. 1 5, pág. 65].
111 A arquitetura românica da Lombardia, em particular, possui um pórtico, cujos
pilares repousam sobre leões, e as extremidades do arco das portas são adornadas
com grifos ou dragões (os portais do Domo de Verona, da Catedral de Assis, da an
tiga Igreja de Santa Margarida, em Como, do Domo de Módena, de Ferrara etc.).
1 1 2 Esta arte é islâmica, d o Oriente Próximo, influenciada pela expansão turca dos
sécs. XII e XIII. Os turcos trouxeram alguns aspectos das civilizações mongóis
para as nações islâmicas.
1 13 Por exemplo, em Saumur, Toumus, Venosa, Kõnigslauterbach etc. Também se
pois aquele que a atravessa deve morrer para o mundo; por outro
lado, simboliza também a fonte da vida, sugerida pela profusão de
ornamentos vegetais e zoomorfos que brotam de sua boca. Esta
última característica encontra analogia na arte cristã medieval, na
forma da máscara do leão que "cospe" formas vegetais; o motivo
remonta, provavelmente, à Antigüidade, e além disso se identifica
com o do leão que expele um jorro de água; é uma imagem do sol,
a fonte da vida e, assim, indubitavelmente, um símbolo análogo ao
kâla-mukha. 1 1 4 Na arte cristã, ele assume o significado do Leão de
Judá, do qual emana a árvore de Jessé, ou a videira de Cristo. 1 15
Poderíamos facilmente multiplicar estes exemplos de temas
asiáticos transmitidos à arte cristã da Idade Média. Os que menciona
mos acima são suficientes para que se possa vislumbrar a vasta cor
rente folclórica que alimenta a arte medieval do Ocidente. As origens
dessa corrente são pré-históricas e, de tempos em tempos, renovadas
por influências diretas do Oriente. Em muitos casos é dificil, ou mes
mo impossível, dizer o que esses motivos significavam para o artesão
cristão. Contudo, independente de como possam ser classificadas es
sas formas, a lógica que lhes é inerente favoreceu o despertar, à luz de
uma sabedoria contemplativa, de símbolos que se encontravam laten
tes, guardados nessa memória coletiva que é o folclore.
Na iconografia zoomorfa do portal românico, há um aspec
to terrível e freqüentemente grotesco, que revela um realismo
espiritual, intimamente aparentado ao simbolismo de górgone do
1 14
A arte greco-romana foi capaz de absorver motivos orientais como elemen
tos puramente decorativos. Contudo, a arte medieval restaurou-lhes o caráter
simbólico.
115
Sobre o tímpano da porta ao sul, na Igreja de S. Godehard de Hildesheim, na
Saxônia, há dois leões de cujas bocas jorram plantas estilizadas.
A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
III
Detalhe da borda do
Portal Real de Moissac
fig. 38 Tímpano do portal da igreja da abadia de Moissac
•
1 1 8 De acordo com uma tradição bem conhecida entre os árabes, o alaúde (al '-ud)
recapitula, em suas proporções e em sua afinação, a harmonia cósmica. Na ico
nografia deste portal, o alaúde substitui a harpa (Cf. Ap. 1 5 , 2).
I l i . "EU SOU A PORTA" 1 47
119
Das bocas dos makaras, que se posicionam
nos contornos dos arcobotantes do torana, com
freqüência se projetam ornamentos em forma de
ramos arqueados, guirlandas de vegetação ou
correntes de pérolas.
1 20
O "trono do leão" é geralmente combinado ao
torana, adornado com makaras e coroado pelo fig. 39 Esquema do
-
IV
1 22
O simbolismo das direções cardeais, em suas relações com a liturgia e a
arquitetura sagrada, é explicado por autores medievais como Durandus de Men
de e Honorius d' Autun, em seu O Espelho da Igreja (Speculum ecclesiae).
fig. 41 Portal Real da
-
catedral de Chartres
*
* *
I I I . "EU SOU A PORTA" 157
A
Unidade, que em si mesma é eminentemente "concreta",
apresenta-se ao espírito humano, contudo, como uma
idéia abstrata. Este fato, somado a determinados fatores
relevantes da mentalidade semítica, explica o caráter abstrato da
arte muçulmana: o Islam é centrado na Unidade, e a Unidade não
pode ser expressa por imagem alguma.
A proibição das imagens no Islam não é, entretanto, absolu
ta. Uma imagem plana é tolerada na arte profana, desde que não
represente nem Deus nem a face do Profeta; 1 25 por outro lado, uma
125 Quando Meca foi conquistada pelos muçulmanos, o Profeta primeiramente or
denou a destruição de todos os ídolos que os árabes pagãos haviam erigido na praça
da Caaba; só então ele entrou no santuário. Suas paredes haviam sido ornamenta
das por um pintor bizantino; entre outras figuras, havia uma de Abraão, lançando
dardos divinatórios, e outra da Virgem e o Menino. O Profeta cobriu com suas duas
mãos a última imagem e ordenou que fossem removidas todas as outras.
1 62 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
ta, pois não mais sabia o que pintar (ou esculpir). O patriarca aconselhou-o a re
presentar plantas e animais fantásticos, que não existem na natureza.
IV. FUNDAMENTOS DA ARTE ISLÂMICA 163
*
* *
II
127 Pode-se dizer que Alexandre foi o artífice do mundo destinado a tornar-se
muçulmano, do mesmo modo que César foi o artífice do mundo que deveria
acolher o cristianismo.
128 Uma das causas da decadência dos países muçulmanos, nos tempos modernos,
1 29 A célebre pedra negra está incrustada em um dos cantos da Caaba. Ela não
marca o centro em direção ao qual os fiéis se dirigem em suas orações, além
disso, não desempenha um papel "sacramental".
IV. FUNDAMENTOS DA ARTE ISLÂMICA 171
III
arquitetura hindu e budista. Porém, esses elementos lhes chegaram pela arte da
Pérsia e de Bizâncio; a civilização islâmica não entrou diretamente em contato
com a da Índia, senão mais tarde.
1 3 1 A analogia entre a natureza do cristal e a perfeição espiritual está implicitamen
IV
Esquema básico
de mesquita
VI
1 3 8 Provavelmente a heráldica tem uma dupla origem. Em parte deriva dos emble
mas das tribos nômades, os "totens", e em parte do hermetismo. As duas corren
tes mesclaram-se no Oriente Próximo, sob o império seljúcida.
A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OCIDENTE
VII
fig. 53 -
Página de um
manuscrito do
Corão, séc. VIII.
Escrita kufi.
142 As
discussões entre as escolas teológicas islâmicas, a respeito da natureza
criada ou incriada do Corão, são análogas às discussões entre os teólogos cristãos
sobre as duas naturezas de Cristo.
IV. FUNDAMENTOS DA ARTE ISLÂMI CA
fig. 54 Página do
-
1 44 A concha marinha que adorna alguns dos mais antigos nichos de oração deriva, na
verdade, como elemento arquitetônico, da arte helênica. Parece referir-se a um sim
bolismo muito antigo, que compara a concha à orelha, e a pérola, à Palavra divina.
A IMAGEM DE BUDA
Buda meditando. Sind, séc. V
A
ª
pécie de transmutação alquímica que, por assim dizer,
"liqüefez" a mitologia cósmica da Índia, transformando
em imagens de estados de alma. De outra parte, este processo,
promoveu ao mesmo tempo uma "cristalização" do elemento mais
sutil da arte hindu, ou seja, da qualidade quase espiritual atribuída
ao corpo humano enobrecido pela dança sagrada, clarificado pelos
métodos iogues e como que saturado de uma consciência não limi
tada pela mente. Esta qualidade condensa-se, de forma incompa
rável, na imagem sagrada do Buda, que absorve toda a beatitude
espiritual inerente à arte milenar da Índia, tomando-se o tema cen
tral, em tomo do qual gravitam todas as outras imagens.
O corpo do Buda e o lótus, duas formas tomadas da arte
hindu, expressam o mesmo: a imensa calma do Espírito consciente
1 94 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO OC IDENTE
146 Cada uma das grandes tradições da humanidade tem uma "economia" de
meios espirituais que lhe é característica, pois não resta dúvida que o homem não
poderia fazer uso de todos os suportes possíveis ao mesmo tempo, nem seguir
dois caminhos de uma só vez, ainda que o objetivo de todos os caminhos seja
A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
1 49 Cf. Mus ( 1 935). Os "sete passos" do Buda, dirigidos para as diferentes regiões
do espaço, recordam os movimentos que os índios Sioux executam, no Hanble
sheyapi, o rito de invocação cumprido em solidão, no alto de uma montanha (Cf.
Hehaka Sapa ( 1 953).
200 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E N O OCIDENTE
1 55 Comentário do Sutra do Lótus, citado por Henri de Lubac ( 1 955, pág. 284).
2 04 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E NO O CIDENTE
II
representações pictóricas.
208 A ARTE SAGRADA NO ORIENTE E N O OCIDENTE
162 Aqueles que se surpreendem ante a idéia de que o voto do Buda possa salvar
1 64 C f. Lubac ( 1 955) .
210 A ARTE SAGRADA N O ORIENTE E N O OCIDENTE
III
A PAISAGEM NA ARTE
DO EXTREMO ORIENTE
Viajantes entre montanhas e riachos. Ao lado, detalhe. 206 x 1 03 cm
Fan K 'uan, Dinastia Sung, séc. X
Página anterior: Estudante na Cascata. Ma- Yuan, Dinastia Sung, séc. Xll
1
Q
uando se fala da pintura extremo-oriental de paisagens, é
inevitável que se pense nas obras-primas da "Escola do
Sul", que se distinguem pela rara economia de recursos e
pelo ar er "espontâneo" do procedimento, bem como pela técnica
do nanquim e da aquarela. Entretanto, essas pinturas da "Escola do
Sul" - designação que não se refere a uma posição geográfica, e sim
a uma determinada tendência dentro do budismo chinês - na reali
dade representam a pintura taoísta, tal como se perpetuou dentro
do budismo dhyana 167 chinês e j aponês. A "Escola do Norte" - de
1 68 O sino, encimado por dois dragões, ao conter o vazio dentro de si, corresponde
ao mesmo princípio simbólico do disco descrito por Burckhardt (N. T.).
VI. A PAISAGEM NA ARTE DO EXTREMO ORIENTE 2 19
II
169 Um
método similar é empregado na arte do arco e flecha. Ver o excelente livro
de E. Herrigel ( 1 953)
VI. A PAISAGEM NA ARTE DO EXTREMO ORIENTE 225
sorriu para o Mestre, que lhe disse: "Eu tenho o mais precioso dos
tesouros, espiritual e transcendental, que neste momento lhe trans
mito, venerável Mahâkâshyapa". 1 7º
III
fig. 71 Esperando a
-
monopolizadora do mental,
mais exatamente do pensa
mento interessado e ansioso,
impede que as faculdades
"instintivas" da alma se de
senvolvam em toda sua gene
rosidade original. 173 Não é di
fícil compreender o quanto
este tema é pertinente à cria
ção artística. Quando a ilumi
nação súbita, o Satori, trespassa a consciência individual, o poder
plástico da alma responde espontaneamente à ação supra-racional
1 73 Na arte do arco e flecha de inspiração Zen, o alvo é atingido sem que o arquei
ro aponte para ele. A interferência do pensamento discursivo obstrui a genialida
de natural; uma ilustração deste fato é encontrada na fábula chinesa da aranha,
que pergunta à centopéia como esta pode andar sem enroscar seus pés; a cento
péia começa a pensar e, subitamente, não consegue mais caminhar. . .
V I . A PAISAGEM NA ARTE DO EXTREMO ORIENTE 22 9
IV
DECADÊNCIA E RENOVAÇÃO
DA ARTE CRISTÃ
Românico
Gótico Renascimento
II
III
IV
possível um retorno a uma arte mais íntegra, ainda que não pro
priamente tradicional. Para que se comprove esta tendência, basta
lembrar alguns quadros de Gauguin, ou as meditações de Rodin
sobre as catedrais góticas e as esculturas hindus. Mas a arte já não
tinha céu nem terra. Faltava-lhe não somente o fundamento meta
fisico, como também a base artesanal das tradições de oficio. Em
conseqüência, o desenvolvimento artístico passou ao lado de cer
tas possibilidades entreabertas, para em seguida recair no âmbito
da subjetividade puramente individual, agora muito mais profun
damente que antes, porque não mais se impunha sobre a arte ne
nhuma linguagem universal ou coletiva que pudesse impedir esta
queda. Recolhido em si mesmo, o artista buscou novas fontes de
inspiração. Como, de agora em diante, o Céu estava fechado para
ele e o mundo sensível não mais se constituía em objeto de adora
ção, ele escavou, em certos casos, em direção à região caótica do
subconsciente, e, o fazê-lo, desencadeou uma nova força, indepen
dente do mundo empírico, incontrolável pela razão ordinária, e
contagiosamente sugestiva: flectere si nequeo superas, acheronta
movebo! ("se falhei em mover as coisas celestiais, agitarei os in
fernos !". Virgílio, Eneida, VII. 3 1 2). Tudo que possa emergir des
sas trevas subconscientes à superficie da alma não guardará rela
ção alguma com o simbolismo das artes "arcaicas" ou tradicionais;
tudo que se possa refletir nessas elucubrações não se constituirá,
certamente, de "arquétipos", e sim de resíduos psíquicos do mais
baixo nível; espectros, não símbolos.
Para expressar-se, este subjetivismo infra-humano assume, às
vezes, o procedimento "impessoal" da antítese congênere: o "maqui
nismo". Nada é mais grotesco e sinistro que esses sonhos-máquinas,
e nada mais revelador das bases diabólicas da civilização moderna!
V I I . DECADÊNCIA E RENOVAÇÃO DA ARTE CRISTÃ 257
VI
Além disso, todo cristão deve saber que um novo "ciclo", imposto
a partir do exterior, não pode ser senão o do Anticristo.
O caráter essencialmente - e não acidentalmente - figurati
vo da pintura cristã implica que esta não pode prescindir dos pro
tótipos tradicionais que a salvaguardam da arbitrariedade. Esses
protótipos sempre deixam uma margem bastante larga para o gê
nio criativo, assim como para as exigências do meio circundante,
desde que legítimas. Esta última ressalva é de suma importância,
em uma época em que se atribuem a "nosso tempo" direitos quase
ilimitados. Na Idade Média não havia nenhuma preocupação com
a "atualidade", sequer havia tal noção; o tempo ainda era espaço,
por assim dizer. O receio de ser tomado por um copista, como
também o afã de originalidade, são preconceitos bem modernos.
Ao longo de toda Idade Média e, em certa medida até mesmo na
Renascença e no Barroco, copiavam-se as obras antigas considera
das, em cada época, as mais perfeitas. Ao copiá-las, destacavam
se, com toda naturalidade, os aspectos que mais se impunham, que
se reconheciam como essenciais, e desta maneira a arte mantinha
se viva. Na Idade Média, em especial, todo pintor ou escultor era,
antes de tudo, um artesão que copiava modelos consagrados, e sua
arte era "viva" exatamente porque ele se identificava com esses
modelos, e na medida em que esta identificação era com sua essên
cia. Evidentemente, a cópia não era mecânica; ela passava através
do filtro da memória e adaptava-se às circunstâncias materiais; do
mesmo modo, se hoj e copiássemos antigos modelos cristãos, a
própria escolha destes modelos, sua transposição para uma técnica
específica, e a eliminação de alguns elementos acessórios, tudo
isso já seria uma forma de arte. Seria necessário condensar os ele
mentos essenciais observados em muitos modelos semelhantes, e
260 A ARTE SAGRADA N O ORIENTE E NO OCIDENTE
*
* *
BIBLIOGRAFIA CITADA
*
Estes e outros artigos de Guénon, publicados originalmente na revista Etu
des Traditionelles, foram reunidos em Symbolesfondamentaux de la Scien
ce Sacrée. Paris: Gallimard, 1 962, traduzido ao português: Símbolos da
Ciência Sagrada. São Paulo: Pensamento, 1 985.
ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES
* 1 88
Fig. 55 Mihrâb de Alhambra
-
*
Buda. Imagem localizada no centro da caverna de Seokguram de Gyeongju,
séc. VIII 191
* 1 92
Buda meditando. Sincl, séc. V
*
Fig. 56 Purusha. Bronze, Nepal, séc. XII
- 1 94
Fig. 57 - Pintura tibetana (tanka) 1 97
*
Fig. 58 Mandala de lótus. Bronze chinês, séc. XVIII
- 1 98
*
Fig. 59 - Mandala Yama Dharmaraja. Tibete, séc. XVIII 20 1
* 204
Fig. 60 - Vajra. Metal, séc. XIX, Nepal
*
Fig. 6 1 - Vajrapani. Bronze, séc. XVI, Tibete 204
Fig. 62 - Buda Amida. Estátua japonesa de meados do séc. XIII 205
Fig. 63 - Esquema das proporções da "verdadeira imagem" do Buda
Desenho tibetano anônimo. ln Peaks and Lamas, de Marco Pallis 210
Fig. 64 - Stupa 21 1
*
Fig. 65 - Mudra do ensinamento. Detalhe de Yakushi, Japão, séc. VII 212
*
Estudante na Cascata. Ma-Yuan, Dinastia Sung, séc. XII 215
*
Viajantes entre montanhas e riachos. Fan K'uan, dinastia Sung, séc X. 216
*
Fig. 66 Disco chinês de jade, dinastia Zhou, séc. V a.C.
- 218
* 218
Fig. 67 - Sino de bronze chinês, dinastia Zhou, séc. V a.C.
*
Fig. 68 - Ouvindo o vento nas árvores. Ma Lin, 1 246 219
*
Fig. 69 Vista pura e remota de rios e montanhas, Hsian Kuei, dinastia Sung
-
Capa: Deus-Pai mede o mundo. Primeiro fólio da Bible Moralisée, cerca de 1250.
Burckhardt, Titus
A arte sagrada no Oriente e no Ocidente : princípios e
métodos / Titus Burckhardt ; tradução Eliana Catarina Alves,
Sergio Rizek ; prefácio Seyyed Hossein Nasr. -- São Paulo :
Attar, 2004
03-5367 CDD-704.948
ISLAM
CRISTIANISMO
A Sabedoria Divina
Jacob Boehme
TAOÍSMO
Tao Te Kin g
Lao-Tsé