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UNIVERSO FEMININO:
Edmundo Colen
Este ensaio pretende realizar análises de alguns aspectos acerca das representações textuais da
A título de introdução faz-se necessário o levantamento de alguns dos muitos textos que
abordam a questão, especialmente a partir do século XVII, para uma melhor compreensão do
principal produto a ser analisado: “Dogville” (2003), primeiro filme da trilogia sobre os EUA,
1- OS CONTOS DE FADAS
Diferente das fábulas com seus finais nitidamente moralizantes, os Contos de Fadas segundo
segundo DOANE (1975), “o espaço, para a criança, é inicialmente definido em termos do audível e não do
visível”.
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Os Contos de Fadas, por excelência, foram escritos para serem lidos em voz alta, seja pelo
pai, pela mãe ou por alguém muito próximo à criança, num tom que a envolvesse na fantasia e
por sua vez, permitisse que ela criasse as suas próprias imagens e representações de mundo e
de vida.
Charles Perrault, no século XVII, coletou histórias que ouvia de sua mãe em um livro que
com moralidades”, mas que ficou conhecido como “Os Contos da Mamãe Gansa” no qual se
No século seguinte, os Irmãos Grimm copilaram muitas destas histórias, dando ênfase aos
Neve”.
BETTELHEIM, em seu livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, realiza uma profunda
análise dos contos e remete ao imaginário feminino, interpretando passagens cruciais das
tramas que, segundo o autor, são percebidas pelas crianças. A morte não é assustadora, já que
aquela em que a princesa deixa de ser uma “menina” e, amadurecida para o casamento, está
Dentro desta argumentação ele analisa, por exemplo, os estágios de “suspensão” das
personagens neste momento transitório: o envenenamento de Branca de Neve pela maçã (em
apenas pelas mulheres “maduras”), assim como o sono de cem anos por que passa “Aurora”.
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Denota-se igualmente a presença do sangue (a representação da menstruação e com ela, o
como a capa de Chapeuzinho Vermelho, o espetar de dedos na roca de fiar ou ainda as três
gotas de sangue que corre pelos dedos da mãe de Branca de Neve, quando ela os fere na
agulha de fiar e realiza os três desejos para a filha que está esperando. Um deles, que ela
As heroínas encontram-se geralmente sozinhas no mundo. Órfãs de pai e/ou de mãe são
obrigadas a enfrentar uma “madrasta má” (a mulher sexualizada e invejosa da pureza de sua
enteada) ou ainda de uma “bruxa má” que pode ser a mesma personagem ou a personificação
dela.
AUMONT (2005) em seu livro “A Imagem”, através de um subtítulo sugestivo para o tema
gestaltista:
Para BETTELHEIM os contos de fadas são formadores deste processo de organização mental
encantado”, mas os tem como referenciais de um amadurecimento ainda por vir. A repetição
das histórias dá a criança ainda mais segurança, já que se sabe o final, mas a cada vez é
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O cinema e, mais especificamente, Walt Disney, parece ter percebido o potencial destes
contos que os transpôs para as telas, com adaptações pertinentes à época - o século XX - e que
até os dias atuais são cultuadas por crianças e adultos. Lembremos que “Branca de Neve e os
cinematográfico.
2- A LEVIANDADE DA MULHER
de sua obra a “Comédia Humana” reunida em 1842, implementava um debate sobre a questão
“desviadas” de seu instinto “maior” (o casamento e filhos) e por isso, motivos de escândalos
sociais. Para obterem a independência, seu futuro de antemão parece comprometido e não
haverá para elas, um “happy end”, já que o desvio poderia vir a ser aceito socialmente e,
assim, “reforçado” nas outras mulheres. Seu destino é, portanto, a morte, ainda que sua vida
tenha sido dedicada ao amor como em “A Dama das Camélias” de Alexandre Dumas ou
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“Madame Bovary” de Flaubert. Este último chegou a ser levado a julgamento devido ao teor
do romance e nem mesmo sua célebre frase “Madame Bovary sou eu” diminuiu a tensão
Estes dois romances, citados a título de exemplo, tiveram diversas versões para o cinema,
sendo as mais “famosas”: “Camille” (1937) de George Cukor com Greta Garbo interpretando
Marguerite Gautier e “Madame Bovary” que, no mínimo, podem-se destacar duas, das oito
versões feitas para o cinema (não considerando as realizações para a TV): a primeira datada
de 1934 de Jean Renoir com Valentine Tessier e a segunda de 1991 de Claude Chabrol
3- GLAMURIZAÇÃO E ESCOPOFILIA
Theda Bara “surgiu” como uma grande jogada de marketing da 20th Century Fox. Nascida
forma um anagrama para Arab death (Morte Árabe) que o justificou e a consagrou no
Theda, que era considerada uma mulher introvertida e intelectual, representava nas telas, uma
do século XIX. A mulher inserida no cinema que pretendia oferecer prazer ao olhar, a
escopofilia - tema bem discutido no ensaio de Laura Musley: “Prazer Visual e Cinema
Narrativo” – já não era mais subjugada a conceitos tão rígidos, embora a “motivação”
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Hollywwod descobrira o “grande filão”: a construção de uma “nova imagem de mulher”, a ser
apreciada, observada com gozo e prazer pelos olhares masculinos. Um “filão” até hoje
belezas “exóticas” como Sophia Loren, Irene Papas e Carmen Miranda, para citar
alguns exemplos.
escopofílico por excelência, que levava multidões às salas de projeção sob marketings
famosos como “Garbo ri”, ao referir-se a uma das raras comédias feitas pela atriz:
A Era de Ouro dos musicais de Hollywood, igualmente encantou platéias, com o enredo quase
garota”.
sobrepunham-se a uma imagem simbólica e eram enaltecidos nas grandes salas de projeção.
Produzia-se assim, um novo “sonho”. Há que se ressaltar que muitos destes filmes foram
produzidos no período, e logo após, da “Grande Depressão” (a crise de 1929), como um dos
clássicos do cinema hollywoodiano: “Top Hat” (O Picolino) de 1935, dirigido por Mark
Sandrich.
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A glamurização da mulher, não se deu apenas através da exposição de sua imagem, mas
Alfred Hitchcock ou o que é considerado como o precursor dos chamados “Filmes Noir”:
“Laura” (1944) de Otto Preminger, ainda que se constate a “falsa morte” da personagem
principal.
Estes modelos do universo feminino ainda se repetem e não se pode afirmar ser um modelo de
outras concepções, como a mulher (ou conjunto de mulheres) dominante, que enfrenta os
jugos de uma sociedade e entram no mundo “dos homens”, de certa forma, masculinizando-se
Exemplos são muitos, mas me restringirei a alguns poucos deles: de “Johnny Guitar” (1954) de
Nicholas Ray a “Norma Rae” (1979) de Martin Ritt; de Ingmar Bergman (“Gritos e Sussurros”
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5- A VIOLÊNCIA E O UNIVERSO FEMININO
O cinema de cunho social também está presente na construção da identidade feminina. Por
(1943) de Henry King, outras vezes explorando as neuroses e o “mal” como em “Primavera de
uma solteirona” (1969) de Ronald Neame ou “O Estranho que nós amamos” (1971) de Don
Siegel, representam “violências” praticadas pelas mulheres, em geral justificadas por desvios
Mas a violência contra a mulher (geralmente na forma de estupro) toma outras dimensões na
Kaplan, a personagem de Jodie Foster sofre múltiplos estupros em um bar, sobre uma mesa de
pinball, e ela é quem será “acusada” devido ao seu modo de vida e estilo de vestir. Uma ácida
No entanto, os estupros podem ser “consentidos”, de forma figurativa, como ocorre em “Ana
e os Lobos” (1973) de Carlos Saura *, uma esplêndida metáfora sobre a ditadura de Franco e o
* NOTAS:
1- Todos os filmes mencionados neste ensaio a título de exemplificação, fazem parte de uma seleção
estritamente pessoal.
2- Diversos aspectos na construção da identidade feminina no cinema não foram objetos de análise neste
ensaio, mas não por isso, considerados menos importantes.
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II – DOGVILLE
Lars von Trier junto a Thomas Vinterberg (“Festa de Família” – 1998) lançou o manifesto
DOGMA 95 com a intenção de criar um “cinema mais realista e menos comercial”. Criticado
que sob uma estrutura formal, ecoavam as propostas desmistificadoras do chamado teatro
Algumas regras da doutrina, conhecidas como “voto de castidade”, abolia o uso de cenários e
luzes artificiais, trilha sonora, o som não poderia ser produzido separadamente da imagem
(quanto a este aspecto, uma excelente referência é o ensaio de Mary Ann Doane – “A Voz no Cinema: a
articulação de corpo e espaço” no qual ela discorre, dentre outras características, o som como “espaço
“mandamentos”. Seria uma nova “maquiagem” para a idéia de “uma câmera na mão e
baixo orçamento”?
Seja como for, sob o “voto de castidade”, Lars realizou “Os Idiotas” (1998) que seguiu a linha
de seus filmes antecessores: “Europa” (1991) e “Ondas do Destino” (1996). Neste último, Lars
distúrbios mentais que se casa e após um acidente sofrido pelo marido, se entrega à culpa,
assim como à satisfação de qualquer desejo do “ser amado”. Esta condição de submissão da
no qual, contraditoriamente, “tudo é tão ostensivamente falso que os diálogos (ou parte deles) são
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cantados em vez de serem ditos. Isso não impede que a magia se estabeleça em meio a um mar de
À exceção de “Europa” os outros três títulos citados, (“Os Idiotas", “Ondas do Destino” e
principal, de certa forma, permanece a mesma, sendo que nos dois últimos a figura feminina
simbólico do homem ou de um dado sistema, que ainda assim, é impregnado pela presença
masculina.
2- DOGVILLE
Primeira parte da nova trilogia de Lars, conhecida como “Trilogia da América”, “Dogville” é
visto como uma crítica do diretor à “Terra das Oportunidades” – os EUA - tomando o
governo de George Bush como “alvo” desta crítica, embora o próprio diretor tenha se
referido, em entrevista ao jornalista Pedro Butcher durante o Festival de Cannes, que “Não é
um filme sobre a América, mas é um filme que se passa num lugar chamado América, a América que
Situada no interior do Colorado, nos “Estados das Montanhas Rochosas”, “Dogville” é o local
propício para a construção da diegese: a cidade, assim como seus habitantes e a própria
que leva à cidade), sem prefeitura, uma igreja sem padre, e onde TOM (Paul Bettany), um
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Ainda que não seguindo fielmente a receita do DOGMA, Lars compõe um cenário
minimalista, com pouquíssimos objetos cenográficos, casas, ruas, hortas são apenas indicadas
através de desenhos de giz no chão do grande cenário. Até mesmo o cachorro (o “Dog”) é um
desenho no chão embora seu latido se faça ouvir em situações especiais no decorrer da trama.
As casas têm portas “imaginárias”, que permitem o voyerismo do espectador, que a tudo pode
observar, enquanto que na ação diegética, supostamente, as personagens não detém este
mesmo “poder”.
Não por acaso, o filme inicia com uma ampla tomada de cima mostrando todo o vilarejo e a
marcante voz-over (o narrador - John Hurt) que descreve não somente as cenas, mas as
comenta, antecipa e “explica” ao espectador os fatos que ocorrerão, assim como os títulos que
são dados em cada um dos nove capítulos e do prólogo no qual é apresentada a cidade e seus
habitantes.
Considerando este aspecto plástico do filme, Lars consegue surpreender o espectador. Tudo
parece falso, teatralizado, deixando transparecer que ali está ocorrendo uma encenação. Mas
como se refere AUMONT (pág. 78): “A produção de imagens jamais é gratuita e, desde sempre, as
imagens foram fabricadas para determinados usos, individuais ou coletivos.”. De fato, não é por
“gratuidade” que o diretor situa desta forma seu filme, dotando cada imagem, cada cena, com
acaba por valorizar cada personagem, ao retirar “excessos” visuais da frente do espectador. As
imagens em Dogville são dogmáticas e talvez este seja um dos fatores para as múltiplas
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Um dos significantes do filme são as diversas citações de ordem religiosa, importantes
cachorro chama-se “Moses” (Moisés), o único a ser salvo ao final. GRACE (a “Graça”) é
relacionada tanto a um “Cristo feminino” como sua história parece remeter-se à parábola do
“filho pródigo”. O vilarejo é queimado assim como fora Sodoma e Gomorra VALIM faz um
seu artigo “O Dogmatismo de Dogville” (2004) destaca: “... os moradores revelam a sua vilania,
representada através de pecados da natureza humana como: a vaidade (Chloe Sevigny), o orgulho (Ben
Gazarra), a ira (Patrícia Clarkson), a luxúria (Jean-Marc Barr), a avareza (Lauren Bacall) e a inveja (Stellan
Skarsgard).”.
Mas este ensaio visa tratar do filme sob a óptica da construção da identidade feminina e serão
“deixadas de lado” outras conotações implícitas ao filme, com especial atenção sobre a
personagem Grace (Nicole Kidman), ainda que algumas anotações sobre o tema já tenham
Assim como em sua “trilogia da bondade” no qual este substantivo feminino, em verdade, é
levado com certa ironia, já que é o mote desestabilizador de uma hegemonia social
GRACE chega ao vilarejo fugindo dos gangsteres. Não se sabe o motivo e este não é mesmo
questionado, apesar dos tiros que foram ouvidos. TOM ao encontrá-la sozinha à noite nas
ruas, ouve um pouco de sua história, e “escritor frustrado” parece perceber nela, algo que o
leve finalmente a sair das poucas palavras que escrevera até o momento.
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Ele se ocupa da preservação da comunidade (de um “ideal” comunitário) e tenta, através de
assembléias, pelas quais quase ninguém se interessa, dirigir e orientar a vida local através de
A presença de GRACE o motiva: ela é o “presente dos céus” que ele pedira. Realizada a
Para isso, GRACE deverá conquistar os moradores e inicia a fazer uma série de trabalhos
“que não precisam ser feitos, já que ninguém os fazia”. Com delicadeza, gestos de submissão
e palavras constantes de apoio e compreensão, ela realiza uma série de tarefas especialmente
até tarefas mais pesadas como o cultivo das maçãs. GRACE é a mulher dedicada, atenciosa,
com palavras certas em momentos exatos e que com estes comportamentos, acaba por
desde o início do filme, o confronto futuro, que pode ser previsto no diálogo entre GRACE e
TOM. Ele os acha feios, mas GRACE retruca que ao contrário, são bonitos, indicativo de sua
primeira percepção (ou desejo de...) sobre a cidade na qual irá viver. Em relação aos bonecos,
“Eles são bonitos ou horríveis?”. A quem caberia responder a esta questão? Talvez, somente
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A chegada do policial que traz um cartaz com a foto de GRACE e a inscrição de “procurada”,
provoca uma primeira reação entre os habitantes do vilarejo. Temerosos (ou antes, desculpas
para as atitudes a serem tomadas a seguir), decidem manter GRACE, mas a troco de
trabalhos oferecidos a cada habitante. Trabalho que será marcado de hora em hora por
GRACE simboliza até este momento o “ideal” da mulher “perfeita”: organizada, trabalhadora,
com fortes princípios morais, bonita, atenciosa e obediente dentre outras “qualidades”, torna-
se, no entanto, a mulher que destoa de todas as demais. Parece não ter a avareza de MA
Até que no “4 de julho” uma nova visita da polícia, que troca o cartaz anterior por outro, no
qual é oferecido uma recompensa para quem souber do paradeiro de GRACE e dizendo ser
ela perigosa, assaltante de bancos. Ainda que o policial conte sobre os assaltos ocorridos há
duas semanas e assim, permitindo que os moradores saibam que ela não poderia estar
envolvida neles, mudam sua atitude em relação à moça com a argumentação de que estão
Inicia-se dessa forma, a desconstrução da “mulher perfeita”. Os habitantes exigem que ela
trabalhe o dobro e receba menos. A perversidade, sob o jugo da não delação, é iniciada com o
primeiro estupro por parte de CHUCK (Stellan Skarsgard), em uma das cenas mais “visuais”
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do filme. A ausência de cenário e, consequentemente, de portas e paredes nas casas, permite
ao espectador presenciar o ato, ao mesmo tempo em que assiste à movimentação dos outros
moradores na cidade. A câmera não é subjetiva na maior parte da cena, mas o espectador a
acompanha.
Assim como referido por MULSEY, a respeito do filme “Um corpo que cai” (1958) de
Hitchcock, prevalece a mesma afirmação neste e, por extensão, aos outros estupros sofridos
por GRACE no desenrolar da trama: “o exibicionismo e o masoquismo dela fazem com que
ela seja o contraponto passivo ideal para o voyerismo sádico e ativo...” do personagem e do
espectador, acrescento. Neste mesmo ensaio, vale ainda ressaltar (pág. 451), sobre este aspecto,
a seguinte observação:
“O instinto escopofílico (prazer em olhar para uma outra pessoa como um objeto
trabalhado”. (Nota: o artigo “o” foi por mim substituído de forma proposital,
E, de fato, este instinto escopofílico, não é levado apenas ao “olhar”, mas ao “uso” que as
sexuais... Mas após ela ter sido acorrentada, tudo ficou mais fácil para todos. As
visitas noturnas não tinham mais que ser secretas. Pois não era bem um ato sexual.
Elas eram uma vergonha, assim como o caipira usa uma vaca. Nada além disso.”
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Inclusive TOM, que por ela se diz apaixonado, tenta manter relações, mas reclama ser o único
homem da cidade a não tê-la possuído, ainda que tenha sido voyeur de um dos estupros e nada
GRACE confia em TOM. Ele, o “dono” de um pretenso poder e saber sobre a cidade, ilude, e
em seu egocentrismo parece apenas antever o livro que um dia poderia publicar. Temeroso
por perder seu prestígio entre os habitantes, resgata o cartão que o gângster lhe dera no início
e a delata.
O “anjo” que chegara à cidade, como se verá na cena final, se transformará no “anjo
exterminador”. A relação conflituosa e ideológica de GRACE com o pai (James Caan) fora o
motivo de sua fuga. Uma relação com conotações edipianas no conflito/identificação com a
figura paterna. O diálogo que se estabelece dentro do carro revela o confronto: ambos se
acusam de arrogância. Mas o entendimento por parte de GRACE, se dará ao perceber que a
sua arrogância é maior que a do pai. Ela deseja “um mundo melhor”; acredita aceitar os
habitantes como são e perdoar-lhes os atos cometidos, como quem diz “Eles não sabem o que
divino”, ela decide eliminar a população, ainda que reconhecendo que “teria feito o mesmo se
tivesse morado em uma daquelas casas”. Ao refletir sobre a sua própria situação e a dos
habitantes, está prestes a “perdoá-los”, mas surge a luz da lua que ilumina todo o lugar. Não
seria necessária, talvez, a voz-over para a compreensão de sua súbita mudança de opinião. O
esconder, ocultar aos olhos, privando-os das imagens reais e tirando-os da fantasia.
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A fantasia/ficção que é creditada ao cinema através de sua sala de projeção perfeitamente
adaptada para que nada se perca da diegese, do mundo fictício. Este, um dos grandes
ao mesmo tempo, constrói uma narrativa linear (assim como num “conto de fadas”)
Ao ver Dogville por “outro ângulo” ela “compreende” e assume o poder, assume o lado
Vingativamente (tal qual “Medéia”) ordena que se mate primeiro os filhos de Vera e que só
parem caso ela chore e comenta: “Ela chora por qualquer bobagem” e “Eu devo isso a ela”.
GRACE se refere ao momento sofrido por ela, quando VERA, sob o discurso das aulas de
estoicismo, quebra-lhe os bonecos adquiridos (destrói por fim, a “cidade” que GRACE tinha
GRACE torna-se o pai, ou mais, já que este sugerira que apenas matassem o cachorro e o
poder, ela não alimenta somente o espírito de vingança, mas algo maior, em seu pensamento
Pelo modelo da psicanálise ainda pode-se notar que falta “alguma coisa” para que GRACE
para a cena final. GRACE toma a arma do pai (o falo) e mata aquele que foi responsável por
iludi-la, que a traiu e atira diretamente sobre a cabeça do pretenso filósofo e pondera: “Há
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Os artifícios de Lars em Dogville parece ter resultado, em parte dos espectadores, uma
espécie de compreensão da dicotomia “bem e mal”. VALIM (2004) ressalta que “houve
PENEDA, no artigo intitulado “Notas sobre Dogville” (s/d) tece um interessante comentário
“Este filme não pode ser mais desconcertante para o público (feminino). O amor é uma
miragem, o erotismo não existe, o que há da parte do outro é uma violação
permanente, fruto de um olhar masculino perverso. O Outro sexo está reduzido à
condição de mero objecto de satisfação sexual (canina). O filme é a anulação do
feminino, é o seu esbatimento no gozo fálico (paterno). Um mundo de um gozo único,
generalizado. A própria Grace (graça), sem alternativa, se converte de bom grado a
este regime de gangsters. Não há salvação, não haverá para a mulher e também para o
homem outra forma de ser. Eis a intenção perversa do realizador. Confrontarmo-nos,
angustiar-nos com a tirania de um dogworld a que todos se submetem e que não deixa
lugar para um "gozo Outro" (Lacan).”
Não se pode, certamente, tecer afirmativas tão contundentes ao se tratar, por exemplo, de ser uma
Dogville. Muitas outras igualmente já foram formuldas para a 2ª parte da trilogia: “Manderlay”
(2005) em que a personagem GRACE se depara com uma comunidade supostamente escravagista
e, novamente, segue-se pelos seus instintos e valores morais que sobrepujam e ignoram os valores
locais.
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O narrador encerra o filme de forma emblemática:
“Quando Grace deixou Dogville ou quando Dogville deixou Grace e o mundo em geral é uma pergunta
de outra natureza que poucos se beneficiariam ao perguntá-la e muitos poucos ao respondê-la. E a
resposta não seria dada aqui!”.
Este ensaio visou algumas poucas análises e citações sobre a construção da identidade
mitos, cotidianos, “casos reais”.... São inúmeros os modelos utilizados para a representação da
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUMONT, Jacques. A Imagem. Tradução: Estela dos Santos Abreu, Cláudio Cesar Santoro, Revisão
Técnica: Rolf de Luna Fonseca. 10 ed. Campinas: Papirus, 2005.
BALZAC, Honoré. A Mulher de Trinta Anos. Tradução de Marina Appenzeller, Prefácio de Philippe
Berthier. SP, Estação Liberdade. 2000.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise nos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980.
DOANE, Mary Ann. A Voz no Cinema: A Articulação de Corpo e Espaço. Tradução de Luciano
Figueiredo, in: A Experiência do Cinema: antologia / Ismail Xavier (organizador); Rio de
Janeiro: Graal, 2003.
KRIVOCHEN, Bernado. Dogville de Lars von Trier - Uma sensação plena de satisfação, de que uma
história foi explorada ao seu máximo. Definitivamente, menos é mais. 2003, disponível em
http://www.zetafilmes.com.br/criticas/dogville.asp?pag=dogville, acesso em 13 de abril de 2008.
MULSEY, Laura. Prazer Visual e Cinema Narrativo. Tradução de João Luiz Vieira, in: A Experiência
do Cinema: antologia / Ismail Xavier (organizador); Rio de Janeiro, Graal, 2003.
VALIM, Alexandre Busko. O Dogmatismo de Dogville. Revista Espaço Acadêmico, nº. 38, julho de
2004, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/038/38cult_valim.htm, acesso em 11 de
abril de 2008.
OUTRAS FONTES
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A MULHER DE TRINTA ANOS – Release do livro de Honoré de Balzac, disponível em
http://www.estacaoliberdade.com.br/releases/mulher30.htm, s/d e autoria. Acesso em 10 de abril de
2008.
DOGVILLE - Gênero: Drama; Dinamarca, 2003. Título Original: “Dogville”; Direção: Lars von Trier;
Produção: Vibeke Windelov; Roteiro: Lars Von Trier; Distribuição: Lions Gate Entertainment /
California Filmes.; 177 minutos. DVD.
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