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Alain Badiou
A teoria dos incorporais Platão
Walter Benjamin
no estoicismo antigo Pensar a imagem
Emile Brehier Baudelaire e a
modernidade EmmanuelAlloa (0r9.)
A sabedoria trágica Walter Benjamin
Sobre o bom uso de Nietzsche
Michel)nfray lmagens de pensamento
Sobre o haxixe e
FILõMARGENS A aventura da
outras drogas 0 amor impiedoso
FILOAGAMBEN
Bartleby, ou da contingência
Walter Benjamin
I Ítulo original. L' aventure de la philosophie française depouis les annees 1960
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação
poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia
xerográfica, sem a autorizaçáo prévia da Editora.
FItÔ
CooRDENADoR DA CoLEÇÃo EDITORA ASSISTENTE
Gilsonlannini Cecília Martins
CONSELHO EDITOR|AL
REVTSÃO
Gilson lannini(UFOP); Barbara Cassrn (paris); Aline Sobreira
Cláudio Oliveira (UFF); Danilo Marcondes
(PUC-Rio);ErnaniChaves(Urpn); Guilherme PRorEroGRÁFrco
7. Prefácio
Diogo Droschi
caste/o Branco(uFRi);/oao Cartos salles
(UFBA); Monique David-Menard (Paris); cAPA
21. Gilles Deleuze. Sobre A dobra:
Olímpio Pimenta (UFOP); Pedro Süssekind Alberto Bittencourt (sobre foto de Leibniz e o barroco
(UFF); Rogerio Lopes (UFMG); Rodrigo Duarte Siren-Com - <https://goo.gl/GY0YcF>)
(UFMG); Romero Alves Freitas (UFOp); S/avq
DTAGRAMAÇAo 45. Alexandre Kojàve. Hegel na França
ZiZek (ttubliana); Vtadimir Safatle (USp) Jairo Alvarenga Fonseca
EDIToRA RESPoNSÁVEL 53. Há uma teoria do sujeito em Canguilhem?
Rejane Dias
67. 0 sujeito suposto cristão de Paul Riceur
Dados lnternacionais de Catalogação na publicação (Clp) 83. Jean-Pau I Sartre. Encantamento,
(Câmara Brasileira do Livro, SB Brasil) -
desencanto, fidelidade
Badiou, Alain 95. Louis Althusser. O (re)começo
A aventura da filosofia francesa no século XX/Alain Badiou tradução
;
Antônio Teixeira, Gilson lannini. -- i. ed. -- Belo Horizonte : Autêntrca
do materialismo histórico
Editora, 2015.
l2l. Jean-François Lyotard. Cusúos, quid noctís?
TÍtulo original: L'aventure de la philosophie française depouis
années 1960.
les
137. Françoise Proust. O tom da história
rsBN 978-85-821 7 -565- 1
149. Jean-Luc Nancy. A oferenda reservada
1. Filosofia - França - História 2. Filosofia francesa l. Título.
163. Barbara Cassin. Logologia contra ontologia
15-05327 cDD_194
175. Jacques Ranciàre. Saber e poder depois
índices para catálogo sistemático:
1 . Filosofia francesa 194
da tempestade
Heróis do Panteão
@ "oupo aurÊNncA 205. Jacques Lacan (1901-1981)
Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo
209. Jacques Derrida (1930-2004)
Rua Aimorés, andar
98,l, 8o Rua Debret, 23, sala 401 Av. Paulista, 2.073,
Funcionários .30140-071 Centro . 20030_090 Conjunto Nacional, Horsa I
219. Origem dos textos
Belo Horizonte . MG
Tel.: (55 31) 3214 5700
Rio de Janeiro .
Tet.: (55 21)
RJ
3j7g jg75
23o andar . Conj. 2301 .
I A presente edição inclui dois artigos extraídos do Petit panthéon, o artigo sobre
Lacan e o sobre Derrida, apresentados ao final deste volume. O referido livro,
como afirma o autor em sua introdução, por pouco não recebeu o título de Oraçr)t'.s
fúnebres, porque é constituído de necrológios em homenagem a alguns dos nreis
importantes pensadores franceses do século XX. (N.T.)
()t1... (lt1('s('l ('tl? llttt sttttt,t, ('rrt't't'ss;ir-io t't'r't.ull(.nt(.(11(.
1.:r l;rttlritlttc l\r'lcrttIrtt'nt()s,rlgtnts nr.lr'('()s r)otirrros. ( ) sr'r t'rt ntttltt. oIrr'.r ltrrr
l)t'('[)ilr(', tlclltlis tltl prcsctrtc livro e rkl /)r'tit ltotttlt(ott,uln ter(:ciro [.rrr., tlrttttt'trt:rl tlr'S;tt'tt'c, sur-sc cnl l()-+3, c o últirrro livnl dc l)clctvc, ()
cltre aborclarír, clltre outros
- e para citar apenas os "antigos,, cuja obra tlut't",r.lilosttlit?, rl:rta cle 1991. E,ntre Sartre e l)eleuze, podentos, ern
está anradurecida, estabilizada, ou que morreram cedo demais
-, Gilles totkl caso, r)olllear IJachelard, Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, Althusser,
châtelet, Monique David-Ménard, Stéphane Douailler, Lucarr, Fc>ucault, Lyotard, Derridr... Àr margens desse conjunto fecha-
Jean-claude
Milner, François Regnault, François'wahr... Depois, eu acabarei tendo ck>, e abrindo-o até os dias de hoje, podemos citar Jean-Luc Nancy,
escrito, aqui e a1i, sobre a importante e notável turba dos ..jovens,,, os
l'hilippe Lacoue-Labarthe, Jacques Ranciêre, eu próprio... É essa lista
filósofos de 45 anos ou um pouco menos (em filos ofta a maturidade
de autores e de obras que chamo de "filosofia francesa contemporâ-
é tardia).
nea" e que constitui na minha opinião um momento filosófico novo,
Mesmo havendo aparência de panoraÍÍra, vê-se que, na verdade,
criador, singular e universal ao mesmo tempo.
é apenas work in progress.
O problerna ê identiÍicar esse conjunto. O que aconteceu em torno
Para compensar o disparate e a contingência de tudo isso, gostaria
dessa qlrtnzena de nomes próprios que citei? O que se chamou (o "se"
de me dedicar a algumas considerações sobre o que convém chamar
de são frequentemente os intelectuais norte-americanos), nessa ordem, de
"filosofia francesa", atnda que esse sintagma possa aparecü contradi-
existencialismo, estruturalismo, desconstrucionismo, pós-modernismo,
tório (a filosofia é universal ou não é filosofia), chauvinisra (o adjetivo realismo especulativo? Há uma unidade histórica e intelectual desse
"francês" vale alguma coisa hoje em dia?); ao mesmo tempo imperialista
momento? Qual?
(então, ocidentocentrismo ainda?) e antiamericano (o ',
french toutch,, Vou proceder a essa investigação em quatro tempos. Primeiro, a
contra o academicismo analítico dos departamentos de filosofia nas questão da origem: de onde vem esse momento? Qual é sua genealogia?
universidades angloÍônicas).
Qual ó sua certidão de nascimento? Em seguida, tentarei identrfrcar
Sem atentar contra a vocação universal da filosofia, da qual sou
as operações filosóficds que the são próprias. Em terceiro lugar, abordarei
um defensor sistemâtrco, é forçoso constatar que seu desenvolvimento
uma questão fundamental, que é a ligação entre Jilosofio , literatura nessa
histórico comporta descontinuidades no tempo e no espaço. Retoman-
sequência. Enfim, falarei da discussão constante, durante todo esse pe-
do uma expressão à qual Frédéric-worms deu pleno sentido, é preciso
ríodo, entre afilosofia e a psicanálise.
reconhecer que existem momentos da filosofi a,Tocalízações particulares
Para pensar a origem do momento filosófico francês da segun-
da inventividade com ressonância universal de que ela ê capaz.
da metade do século XX, é preciso remontar ao início do século,
Tomemos como exemplos dois momentos filosóficos particular-
quando começam a se constituir na filosofra francesa duas correntes
mente intensos e identificados. Primeiro, o da filosofia grega clássica,
verdadeiramente diferentes. Algumas indicações: em 191.1., Bergson
entre Parmênides e Aristóteles, do século v a.C. ao III â.C., momento
faz duas conferências muito cólebres em Oxford, publicadas em se-
filosófico criador, fundador, excepcional e, afinal, bastante curto no
guida na compilação O pensamento e o mouente. Em 1912, sai o livro
tempo. Em seguida, o momento do idealismo alemão, de Kant a Hegel,
de Brunschvicg, com o título Etapas da filosofia matemática. Essas duas
incluindo Fichte e Schelling: ainda um momento filosófico excepcional,
intervenções (exatamente antes da guerra de 191,4-1918, o que não é
entre o fim do século xvIII e o início do século xlx, um momento
indiferente) fixam orientações inteiramente opostas para o pensamento,
intenso, criador e que durou apenas algumas décadas.
pelo menos na aparência. Bergson propõe uma filosofia da interioridade
Digamos, pois, que vou batrzar provisoriamente de ,.filosofia
vital, que subsume a tese ontológica de uma identidade do ser e da
Írancesa contemporânea" o momento filosófico na França que, situado
mudança apoiada na biologia moderna. Essa orientação será seguida
essencialmente na segunda metade do século XX, deixa-se comparar,
durante todo o século, atê Deleuze, inclusive. Brunschvicg propõe
por sua amplitude e por sua novidade, tanto ao momento grego clássico
uma filosofia do conceito, ou mais exatamente da intuição conceitual
quanto ao monlento do idealismo alemão. (oximoro Gcundo desde Descartes), apoiada nas matemáticas, cluc
*,
tlc srancle conrplexidade. Por si só, essa cena (esse teatro) cntrc :r fi- tt'tirit';r.:l() l);tss() (lut'l;rcrrtl proll«)c:I[)ct)rls Lultit psiclrrírlisc ctttllírir'lt.
losofia e a psicanálise é absolutamente revelado r^. É que sua apostâ St' lllt'lrcl:rrtl tltrcria strbstittrir a constrição sexual pelo devaneio, Sartre
fundamental é a divisão de duas grandes correntes da filosofia francesa (lucr strlrstittrir o conrplexo freudiano, quer dtzer, a estrutura do in-
desde o início do século. consciente pelo que ele charna o projeto. O que define um sujeito para
Retomemos essa divisão. Temos, de um lado, um vitalismo exis- Sartre não é uma estrutura, neurótica ou perversa, mas um projeto
tencial que tem sua origem em Bergson e que certamente passa por fundarnental, um projeto de existência. Temos também aí um exemplo
Sartre, Foucault e Deleuze; de outro lado, temos o que eu chamaria perfeito de combinação entre cumplicidade e rivalidade.
de um conceitualismo das intuições, que autoÍrza sua projeção formal, A terceira referên cta ê o quarto capítulo de O anti-Édipo, de
que encontramos em Brunschvicg e que passa por Althusser e Lacan. Deleuze e Guattari, onde, outra vez, propõe-se substituir a psicanálise
O que cruza ambos, o vitalismo existencial e o formalismo conceitual, por outro método, que Deleuze chama de "esqutzoanâlise", numaÍla-
é a questão do sujeito. Porque um sujeito é, finalmente, aquilo cuja lidade absoluta com a psicanálise no sentido de Freud. Em Bachelard,
existência porta o conceito. Ora, em certo sentido, o inconsciente de é o devaneio mais do que a constrição sexual; em Sartre, o projeto
Freud ocupa exatamente esse lugar: o inconsciente também é alguma mais do que a estrutura ou o complexo; em Deleuze, o texto é intei-
coisa de simultaneamente vital e simbólico, que porta o conceito. ramente claro, é a construção mais do que a expressão - sua grande
Evidentemente, como sempre, a relação corn aquele que faz a censura à psicanálise é que ela não faz mais do que exprimir as forças
mesma coisa que você, mas o faz de maneira diferente é dificil. Podemos do inconsciente, ao passo que deveria construí-las.
dtzer que é uma relação de cumplicidade - vocês fazern a mesma coisa Eis o que é extraordinário, eis o que é sintomal: três grandes
-, mas é também uma relação de rivalidade - vocês fazern de maneira filósofos, Bachelard, Sartre e Deleuze, propuseram substituir a psica-
diferente. E a relação da filosofia com a psicanâlise na filosofia francesa nálise por outra coisa. Mas poderíamos mostrar que Derrida e Foucault
é exatamente isso: uma relação de cumplicidade e de rivalidade. LIma alimentaraírr a mesma ambição...
relação de fascin açã.o e amor, e uma relação de hostilidade e ódio. É Tudo isso desenha uma espécie de paisagem filosófica que é hora
por isso que essa cena é violenta e complexa. de recapitular.
Três textos fundamentais possibilitam ter uma ideia disso. O
primeiro é o início do livro de Bachelard publicado em 1938, A Creio que um momento filosófico se define por um programa
psicanálise do fogo, que é o mais claro sobre essa questão. Bachelard de pensamento. Evidentemente, os filósofos são muito diferentes, e o
propõe uma nova psicanálise, apoiada sobre a poesia, o sonho, que programa ê tratado segundo métodos frequentemente opostos e acaba
poderíamos chamar de uma psicanálise dos elementos: o fogo, a âgua, propond o realizações contraditórias. Podemos, não obstante, discernir
o ar, a terra, unla psicanálise elementar. No fundo, podemos dizer o elemento comum que se refrata nessas diferenças e contradições: não
que Bachelard tenta substituir a constrição sexual, tal como encon- as obras, não os sistemas, nem mesmo os conceitos, mas o programa.
tramos em Freud, pelo novo conceito que ele chama de "devaneio". Quando a questão programâtrca é forte e é compartilhada, hâ :urn
Ele pretende mostrar que o devaneio é algo mais vasto e mais aberto momento filosófico, com uma grande diversidade de meios, obras,
do que a constrição sexual. Encontramos isso muito claramente no conceitos e filósofos.
início de A psicanálise do fogo. Então, o que era esse programa, no curso dos últimos 50 anos
No segundo texto, o fim de O ser e o nada, Sartre também propõe do século XX?
a crração de uma nova psicanálise, que ele chama de "psicanálise exis- Primeiramente: não mais opor o conceito à existência, acabar com
tencial". Â cumplrcrdade/rivalidade é dessa vez exemplar. Sartre opõe essa separação. Mostrar que o conceito é vivo, que é uma criação, um
sua psicanálise existencial à psicanálise de Freud, que ele qualifica de processo e um acontecimento, e que, a esse título, ele não é separado
"empírica". Segundo ele, é possível propor uma verdadeira psicanálise da existência.
20
Jacques Derrida (1930- 2OO4)
209
(luc tílllllul)os, lrlrtlrrclcs ln()s, rlc l()(r3 rt l()(ru, ('lttt'c lO t'.lo.ltttls, tttts c:ttrc cntrilr utltti rtos tlct:rlhcs. I)ircrrros sirrrplcsrrrcntc (lu('.r rcl,rq'.ir) cntr'(.
que seguí:rnros apaixonadanrente as lições tlcsses tnestrcs, tttis clttt' :ttr st:r e ser-aí, ou a relação entre nrultiplicidade e inscrição nrtrrrclurrrr, ['
longo de sua velhice e morte tornamo-nos os alttigos. ()s lttttigtts ttitr ulrla relação transcendental. Ela consiste em que toda nrultiplicidade
â mesmo título que eles, já que eles eram a assinatura do ltlonlelrtc> clo se vê atribuir num mundo um grau de existência, um grau de apari-
qual eu falo, e que o momento atual, sem dúvida, não merece nenhuttta ção. O fato de existir, na medida em que isso é aparrçã,o num mundo
assinatura. Mas os velhos cuja juventude não foi o que ela foi senão determinado, associa-se inevitavelmente a um certo grau de aparição
por escutar e ler tais mestres, deles discutir dia e noite as proposições. nesse mundo, a unla intensidade de aparição que pode também ser dita
Outrora, estávamos a seu abrigo, apesar de tudo. Estávamos sob a intensidade de existência.
proteção espiritual deles. Eles não nos a propõem mais. Não estamos Há um ponto muito cornplicado mas muito importante sobre
mais separados do real pela grandeza de sua voz. o qual, aliás, Derrida escreveu muito, e sobre o qual ele nos instrui a
Eu faço questão, pois - sinto isso como um dever exigente -, de todos: uma multiplicidade pode aparecer em vários mundos diferentes.
prestar homenagem a Jacques Derrida, que desapareceu brutalmente, Seu ser-um pode existir multiplamente. Admitimos o princípio da
e através dele, a todos eles. Todos os signatários mortos do grande ubiquidade do ser, na medida em que ele existe. [Jma multiplicidade
rnomento dos anos 1960. pode, pois, aparecer ou existir, ê a mesma coisa, em vários mundos,
A homenagem que me parece apropriada é uma homenagem fi- mas, via de regra, ela existe nesses mundos com graus distintos de in-
losófica. IJma homenagem que assinala a distância e lhe dá sua própria tensidade. Ela aparece intensamente num tal mundo, mais debilmente
força. Para isso, necessito de algumas preliminares, às quais darei aqui num outro, extremamente fraca num terceiro, cont uma intensidade
uma forma extraordinariamente simples. extraordrnária num quarto. Existencialmente, conhecemos perfeita-
Simplicidade justificada. Pois havia, logo acima da espantosa mente essa circulaçã,o nos vários mundos em que nos inscrevenlos em
fluidez volátil de sua escritura, uma autêntica simplicidade de Derrida, intensidades diferenciadas. O que chamamos "a vida", ou "nossa vida",
uma intuição obstinada e invariante. É r.rru das numerosas razões é frequentemente a passagem de um mundo em que aparecentos com
pelas quais a violência dos ataques contra ele, logo após sua morte, um grau de existêncrafrâgtl a um mundo em que esse grau de existência
particularmente na imprensa norte-atnericana, ataques que visavam é mais intenso. É itto, um momento de vida, uma experiência vital.
ao "pensador abstruso", ao "escritor incompreensível", não passavam O ponto fundamental que nos conduz al)errída ê, então, o ponto
da mais banal injúria anti-intelectual. seguinte. Considerando uma multiplicidade que aparece num mundo,
Chamemos essas injúrias de "texanas" e não falemos mais disso. considerando os elementos dessa rnultiplicidade que apareceÍn com
Tomemos que se norneie de "ente" - ente no sentido de Heidegger ela própria - isso significa que a totalidade do que a constitui aparece
- uma multiplicidade qualquer e que nos interessemos pelo aparecer nesse mundo -, há sempre um conlponente dessa multiplicidade cuja
desse ente, pelo que faz que desse ente se possa dtzer que ele se mostra aparição se mede pelo grau mais fraco.
num mundo determinado. Suponhamos que tentássemos pensar esse ente Eis aí um ponto de extrema importância. Eu o redigo. (Jma
não apenas segundo seu ser, ou seja, segundo a multiplicidade pura que multiplicidade aparece num mundo, a relação transcendental afeta os
dele constitui o ser genérico, o ser indeterminado, mas que buscássemos elementos dessa rnultiplicidade com graus de aparição, graus de exis-
pensá-lo, o que é o gesto fenomenológico por excelência, enquanto ali tência. Acontece que existe sempre pelo rnenos um desses elementos
está, enquanto, pois, o que advém nesse mundo, ou aparece no hori- - na realidade, há apenas um - que aparece com o grau de aparição
zonte de um mundo detenninado. Convenhamos norlear essa aparição mais fraco, ou seja, que existe minimamente.
cl«> errte num mundo, na esteira de muitos outros, como sua existência. Vocês entendem claramente que existir minimamente no trans-
A elaboraçáo têcntca de uma nova (e integralmente racional) cendental de um mundo é como não existir de modo algum. Do ponto
tlisrinçã<> elttre o ser e a existência pode tomar diversas formas, e não de vista do mundo, se vocês existem o mínimo possível, ê a mesna
O ponto de fuga, é preciso mostrá-lo fazendo-o fugir a língua. Vocês Alexandre Kojàve. Hegel en France. In: Le l\oyaurationnel de la
têm de ter uma língua de fuga. Vocês não podem organizar nalingua- dialectiEte hégélienne. Paris: François Maspero, 1978. p. 11-17.
gem uma mostração do inexistente senão servindo-se de uma língua Canguilhern. Y a-t-ilune théorie du sujet chez Georges Oarrguilhem.
que suporte inexistir. LJma língua de fuga. E nesse caso, como o drzia In Ceorges Canguilhem: philosophe, historien des scienccs. Actes du colloque,
Genet, "minha vitória é verbal". 6-7-8 décembre 1990. Paris: Albin Michel, 1993. p. 295-3{)4.
Minha homenagem última também será verbal, por sua vez.
Em homenagem a Derrida, eu direi e escreverei doravante ine- n. 6-7, p. 19-23, mars 2003.
xistáncia, com rlm "a". A inexistâncra. Como ele disse a diferança.
Sartre. Melancholia: saisissement, dessaisie, fidélité. Lcs Tcmps
E, no fundo, bem perto do que ele quis drzer quando inventou, há
Modernes, p. 1.4-22, 1990.
muito tempo, a palavra drferunça. A palavra drferança ê no fundo a
operação pela qual Jacques Derrida tentou acomodar a inexistência.
Althusser. Le (Re)commencement du matérialisme dialectique.
Acomodar como se acomoda por escrito. Ele tentou acomodar o Critique, n. 240, p. 438-467, llirat. 1967.
inexistente na diferança como ato de escritura, como deslizamento. Lyotard. Custos, quid noctis?. Critiqwe, n. 450, p. 851-863, nov. 1984.
Em sua orientação, eu também tentarei acomodar a inexistência in- Françoise Proust. Sur le livre de Françoise Proustl- Kant: le ton de
fringindo-lhe o deslizamento do "e" para o "a", pelo qual se significa, I'histoire. Les Temps Modernes, n. 565-566, p.238-248, 1993.
na sua maneira mundana de existir, que seu ser não é por isso menos
Jean-LucNancy. LOffrande réservée. In: Sens entous sens: autour des
irredutível. Não somos nada,sejamos. É o imperativo da inexistância. trauaux deJean-Luc l\ancy. Ed. Francis Guibal etJean Clet Martin. Paris:
Não se sai dali. Obrigado aJacques Derrida por ter sido um guardião Galilée, 2004. p. 13-24.
vigilante desse imperativo.
Barbara Cassin. Logologie contre ontologie . Po€tsie, n.78, p. 111-116,
*** dêc.1996.
Ranciêre. Les Leçons de Ranciêre: savoir et pouvoir apràs la tempête.
:_ --
In: La Philosophie déplacée: autour de Jacques Ranciàre. Paris: -bdrttons
Horlieu, 2006. p. 131-154.
Lacanr.Jacques Lacan (1901-1981). Le Perroquet, r. 0, nov. 1981.
Derrida. Prononcé à l'École Normale Supérieure. Inédit, oct. 2005.
rtõ 2r9