You are on page 1of 706

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Geociências
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Curso de Doutorado

A Geografia e os Geógrafos do IBGE no Período 1938-1998

Por

Roberto Schmidt de Almeida

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Geografia do Programa de Pós-Graduação em
Geografia do Instituto de Geociências da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial para obtenção do grau de Doutor
em Geografia

Orientadora: Lia Osório Machado

Rio de Janeiro
2000
Para os Geógrafos e os demais profissionais de outras formações, que garantiram a qualidade
da Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ao longo desses anos. Isto é, aos
que criaram o documento e guardaram a memória.

A memória alimenta uma cultura, nutre a esperança e torna


humano o ser humano
Elie Wiesel
Agradecimentos

Desejo agradecer primeiramente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que, com sua
política de aperfeiçoamento de pessoal, garantiu-me o tempo necessário para a conclusão
deste trabalho. Política que o IBGE vem mantendo sistematicamente desde sua fundação e que
resultou na alta qualidade de seus quadros técnicos, tanto em Estatística, quanto em Geografia,
Geodésia, Cartografia, Economia, Sociologia, Ciências Naturais e Computação, áreas do
conhecimento em que o IBGE opera direta ou indiretamente.

No contexto da Diretoria de Geociências, desejo explicitar as pessoas dos diretores Sérgio


Bruni e Trento Natali Filho que garantiram o suporte técnico para que eu pudesse me afastar
das tarefas burocráticas e pesquisar as atividades da área. Agradeço também a paciência
deles ao dedicarem boa parte de seus tempos nos processos de gravação de seus
depoimentos e nas discussões preliminares a esses depoimentos.

No Departamento de Geografia, onde trabalhei 29 anos, as figuras de César Ajara e Maria


Luíza Castelo Branco, os dois últimos chefes de departamento, foram fundamentais na garantia
das condições físicas de pesquisa para que este trabalho fosse concluído.

No contexto do Centro de Documentação e Disseminação de Informações, a liderança de David


Wu Tai foi importante no processo de viabilizar meu acesso aos acervos históricos do IBGE,
inclusive, me garantindo duas viagens de pesquisa aos arquivos históricos do IBGE localizados
em Brasília, na Reserva Ecológica do Roncador. Em Brasília, a amável acolhida de Iracema
Gonzales, responsável pela Reserva Ecológica e Guiomar Almeida e Silva, do Escritório da
Presidência do IBGE em Brasília, foi de grande importância, facilitando minha pesquisa.

As figuras de Maria Teresa Passos Bastos, Edna Maria de Sá Morais, Regina Acioli e Josiane
Pangaio foram incansáveis nas etapas de pesquisa de documentos e na editoração final da
tese.

Ao corpo de professores e funcionários do Departamento de Geografia da UFRJ, que me


garantiram um estimulante ambiente de estudos, propiciando uma ampliação de meus
conhecimentos nos estudos geográficos.

Aos colegas pesquisadores do Curso de Mestrado em Memória Social e Documento da UNIRIO


que me garantiram um intensivo treinamento nas técnicas de gravação de depoimentos em
História Oral durante o trabalho sobre o Bairro da Urca, fundamental para o desenvolvimento de
minha pesquisa.

Explicitados todos esses agradecimentos, resta-me criar uma categoria muito especial de
reconhecimento à minha esposa Sônia Rocha, economista que conheci no DEGEO, e com a
qual casei-me em 1981. Até hoje, continuamos intensamente trocando conhecimentos sobre os
mais variados assuntos, até mesmo geografia e economia... e no meio tempo, cuidando de
nossa filha Monica e de nossos gatos, Gatucho ( já falecido) e Bali .
Resumo
A reconstituição histórica do conjunto de atividades levadas a efeito entre os anos de 1938 e 1998 por
uma comunidade de pesquisadores geográficos, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
a maior agência de planejamento territorial do governo brasileiro, é o principal objeto desta pesquisa.
A relação entre Documento e Memória preside este trabalho, no qual documento expressa o que foi
impresso (legislação, projetos, relatórios e a produção intelectual dos geógrafos, através de relatórios,
livros, atlas e artigos ) enquanto memória exprime a experiência pessoal de um grupo de profissionais,
através de seus depoimentos orais gravados e transcritos, que evocam suas respectivas trajetórias no
IBGE. Essa relação esclarece sobre as diferentes conjunturas nas quais foi gestada a produção
geográfica, além de desvendar os diversos conflitos de natureza política, científica, corporativa e pessoal
enfrentados por esses geógrafos, ao construir o que se convencionou chamar de Geografia Oficial.
O trabalho abarca um período de 60 anos, tendo como pano de fundo, os contextos político, econômico,
científico do país que se desenrolam paralelamente a quatro constituições, vinte e dois mandatos
presidenciais (vinte e um presidentes e uma junta militar) e uma sucessão de crises políticas mais ou
menos graves. Seguidas por alguns períodos excepcionais como o Estado Novo (1937 a 1945), da
renúncia de Jânio Quadros até a queda de João Goulart (1961 a 1964), o dos governos militares (1964
a 1985) e o dos três governos posteriores.
No campo do Pensamento Geográfico, a pesquisa rastreia as principais mudanças de orientação
metodológica e técnica por que passaram as matrizes de pensamento científico influenciando, via
escolas francesa, alemã e anglo-saxônica, nos principais trabalhos geográficos da comunidade
ibegeana.Finalmente, acompanharemos a trajetória do prestígio da Geografia. De início, quando aliavam-
se à necessidade de conhecimento do território a uma determinação de integração, levado a efeito por
Vargas durante o Estado Novo. Ultimamente durante os governos pós-militares na década de 90, quando
a palavra transição tornou-se o mote principal, referenciada, tanto às questões científicas, quanto as
tecnológicas, e a noção de crise, financeira e gerencial, passou a figurar prioritariamente nas
preocupações dos legisladores e dos planejadores do aparelho estatal.

Summary
The main objective of this research is the historical recollection of activities pursued from 1938 to 1998 by
a group of geographical researchers from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), the
largest government agency on territorial planning in Brazil.
The relation between Document and Memory command this work. Document refers to what is printed
(legislation, projects, reports and the geographers' intellectual production, as reports, books, atlas and
articles), while memory relates to the personal experience of a group of professionals, through their taped
and transcribed oral testimony, describing their trajectory in IBGE and explaining the conditions under
which their geographical production developed. The work also narrates the many political, scientific,
corporative and personal conflicts which arose during the development of the so-called Official
Geography.The work covers a 60 year-old period, having as background the country´s political,
economical and scientific events, thus paralleling four constitutions, twenty-two presidential mandates
(twenty-one presidents and a military committee), as well as a succession of political crises, which led to
some exceptional periods as the Estado Novo (1937 to 1945), Jânio Quadros´s renouncement to João
Goulart's fall (61 to 64), the military rule (1964 to 1985) and the three subsequent governments.
The research trails how the main methodological and technical changes in the Geographical Thought,
influenced by the French, German and Anglo-Saxon schools, affected the mainstream of IBGE´s
geographic production. It focus on the standing of Geography in Brazil. Firstly, during the period when, at
the same time, there was the need to describe the territory and to pursue its administrative integration,
which was Getúlio Vargas` engagement during the Estado Novo. Lately, during the post military
governments in the nineties, when the word transition became the keyword in scientific and technological
matters, while crisis, financial as well as managerial, became the central concern of legislators and
planners.
Sumário

A Geografia e os Geógrafos do IBGE no Período 1938-1998

Introdução do autor.......................................................................................................................19-24
Apresentação...............................................................................................................................25-28

Capítulos Introdutórios

I- A Relação entre Documento e Memória no Contexto da História Oral.....................................29-35


II- O Que é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ?......................................................36-44
III- O Pano de Fundo Cronológico que Orientará a Saga Geográfica do IBGE...........................45-55

Parte I – A Estruturação da Tecnoburocracia do Planejamento Espacial no Brasil

Introdução - O Papel do Estado Brasileiro nos anos 30 e sua Burocracia ...............................56-59


Capítulo I – A Formação Institucional do Sistema de Planejamento Territorial Brasileiro........60-65
Capítulo II – A Estruturação das Áreas de Geografia, Geodésia e Cartografia no IBGE..........66-69
Capítulo III - A Estruturação da Memória do Grupo Profissional dos Geógrafos do IBGE .....70-73

Parte II - A Geografia Brasileira no Século XX Dentro e Fora do IBGE

Introdução - O Contexto Histórico do Pensamento Geográfico no Século XX...................74-111


Capítulo I - O Poder das Escolas Estrangeiras de Geografia no Brasil: nas
Sociedades Geográficas, na Universidade e no IBGE................................112-119
Capítulo II - Carisma e Liderança dos Geógrafos Estrangeiros na Formação
da Geografia do IBGE.................................................................................120-129
Capítulo III – A “Velha Guarda” da Geografia do IBGE, a Estruturação das Lideranças
Pioneiras........................................................................................................130-139

Parte III - O Geógrafo do IBGE e sua Formação na Prática

Introdução - Uma Experiência de História Oral ................................................................140-140


Capítulo I – A Aventura dos Depoimentos Gravados Com os Profissionais ................... 141-149
Capítulo II - O Processo de Escolha da Carreira.............................................................. 150-155
Capítulo III - Na Arena de Trabalho ................................................................................. 156-164
Parte IV – As Práticas Profissionais da Geografia do IBGE e sua Representatividade

Introdução...........................................................................................................................165-166
Capítulo I - Do Conselho Nacional de Geografia ao Departamento de Geografia :
uma análise de suas práticas profissionais..................................................167-167
Os temas escolhidos para analisar as práticas geográficas no IBGE
1- Regionalização ........................................................................................... ....167-175
2- Ocupação do território e habitat ..................................................................... 175-181
3- Industrialização............................................................................................... 181-182
4- Urbanização.................................................................................................... 183-189
5- Modernização da agricultura .......................................................................... 189-191
6- Caracterizações Ambientais........................................................................... 191-194
7- Diagnósticos Sócio - Ambientais Integrados................................................. 194-196

Capítulo II - As Diferentes Visões da Alta Direção do IBGE Sobre a Geografia : .......... 197-198
1- Os Presidentes.....................................................................................................198-199
Gestão Isaac Kerstenetzky (por Eurico Neves Borba)....................................... 199-212
Gestão Edson de Oliveira Nunes ....................................................................... 212-224
Gestão Charles Kurt Mueller .............................................................................. 224-230
Gestão Eurico Neves Borba ............................................................................... 231-246
Gestão Simon Schwartzman ..................................................................................... 246
2 - Os Diretores................................................................................................................247
Gestão Mauro Pereira de Mello na DGC............................................................ 247-253
Gestão Sérgio Bruni na DGC ............................................................................. 254-261
Gestão Trento Natali Filho na DGC.................................................................... 262-267
Depoimento de Marilourdes Lopes Ferreira
(Diretora Adjunta na DT e na DGC)............................................................ 267-277

Parte V - Os Processos de Qualificação Profissional

Introdução ................................................................................................................................ 278


Capítulo I - A Importância das Relações Com as Universidades no Exterior e no Brasil...279-287
Capítulo II – O IBGE Como Disseminador da Geografia no Brasil................................... 288-296
Parte VI - Apogeu , Crise e Futuro da Geografia Ibegeana nos Anos 90

Introdução - Crise do Serviço Público ou Crise da Geografia ?


A grande diáspora de 1991......................................................................... 297-299
Capítulo I – O Quadro de Transição da Geografia do IBGE nos Anos 90 ....................... 300-301
Capítulo I I - O Futuro da Geografia no IBGE no Contexto de Uma Agência Executiva Com
Um Contrato de Gestão. ............................................................................. 302-303

Capítulos Conclusivos
Considerações Finais..............................................................................................304-305
Projetos Futuros para uma Memória Oral do IBGE................................................. 306-310

Bibliografia........................................................................................................................ 311-347

Anexos

Relação de Documentos de Valor Histórico para o IBGE...................................................343-418


Relação de Documentos Administrativos ou de Política Interna do IBGE..........................419-524
Realação de Documentos de Caráter Técnico....................................................................525-592
Relação de Mapas...............................................................................................................593-602
Organogramas.....................................................................................................................603-627
Relatórios.............................................................................................................................628-639
Tabelas.................................................................................................................................640-667
Hino do IBGE........................................................................................................................668-669
Galeria de Fotos....................................................................................................................670-712
Introdução do Autor

Tomando por base que este trabalho é o resultado de uma avaliação de várias trajetórias
profissionais, é importante lembrar, e dar o devido crédito, a algumas pessoas que me ensinaram a
arte do profissionalismo.

Tornar-se um profissional competente, é um ideal a ser alcançado, mas que exige um certo
esforço, em termos de aprendizado de várias habilidades no decorrer de nossas vidas. Essas
pessoas que aparecerão a seguir, conscientemente ou não, tornaram possível a transformação de
um jovem inexperiente, mas curioso e afoito, num profissional que se dispôs a contar a história de
um grupo de pesquisadores que se ocupou de estabelecer uma boa parte do conhecimento
geográfico do território brasileiro, ao longo de mais de 60 anos.

A jornada inicia-se em 1964, ao ingressar nos quadros da companhia S/A White Martins pelas
mãos de João Garcia, um grande amigo de meu pai. “Tio Joãozinho” ensinou-me a operar com o
formalismo e com a hierarquia. Acabou-se o “tio” e inicia-se o Senhor Garcia. Permaneceram os
conselhos e os “toques” , mas terminaram as “proteções” e as exteriorizações de compadrio. Dali
em diante, eu seria o responsável por meus atos diante de meus pares.

Antonio Gualano Consentino, gerente geral da Divisão Centro, ensinou-me a entender o que é
mandar e responsabilizar-se pelas ações de mando. Muito lucraria o IBGE, se a grande parte de
suas chefias tivesse aprendido as lições do “Dr. Consentino”.

Washington Paes, gerente de compras, ensinou-me os aspectos técnicos dos equipamentos que a
White Martins adquiria, tanto para revenda, quanto para uso interno. Muitas outras pessoas me
auxiliaram nesse trabalho, mas a última palavra eu ouvia do Dr. Paes.

O mesmo Washington Paes seria meu superior na área de recursos humanos, durante minha
última fase na White Martins (1969-70), quando eu já havia escolhido a Geografia como formação
profissional ( em 1968 iniciei meu curso na UFF ). Para ele, era espantoso como um rapaz que
tinha sido bem aceito pelos códigos não escritos da companhia, não estava interessado em
estudar administração ou economia para seguir carreira na White Martins, e sim Geografia,
fascinado pelo mundo do alpinismo, ao qual havia sido introduzido em 1965/66.

Mais espantado Dr. Paes ficou, quando em fevereiro de 1970, tomei a decisão de me demitir da
White Martins para ser estagiário no IBGE, sem contrato formal de trabalho e ganhando a metade
do salário. A decisão era tão temerária, que o Dr. Paes, por ocasião da minha entrevista de
desligamento, ofereceu-me uma nova oportunidade na companhia, se caso as coisas não dessem
certo no IBGE, pelo menos enquanto ele estivesse na gerência de recursos humanos. Hoje, posso
agradecer a confiança depositada e dizer que em algumas ocasiões, no início do estágio do
DEGEO, cheguei a pensar em conversar com Dr. Paes para uma volta....

O primeiro geógrafo com quem estabeleci uma relação de confiança, foi Gelson Rangel Lima, meu
professor de Geografia Humana na UFF, e pesquisador de Geomorfologia no IBGE. Na época,
minha relação entre alpinismo e Geomorfologia ou Bio-geografia era muito forte em meus planos
profissionais e o Prof. Gelson contribuía de duas maneiras, ensinando informalmente
Geomorfologia em suas excursões da UFF e relatando suas experiências na Europa, por ocasião
de seu estágio de pesquisa na França, enviado pelo IBGE.

Foi por sua influência, que eu fui indicado pela UFF para tentar um estágio no IBGE no ano de
1970. Gelson foi incansável no processo de minha preparação para a entrevista com os chefes
do DEGEO, indicando bibliografias e explicando o novo movimento da Geografia Quantitativa, que
estava iniciando seu ciclo no Brasil. Era perfeitamente perceptível que aquela não era sua área de
especialização, mas ele esforçava-se para mostrar que estava chegando mais uma opção em
termos de Geografia.

19
As próximas duas pessoas a quem devo boa parte do conhecimento geográfico que hoje possuo
são Elza Coelho de Souza Keller e Roberto Lobato de Azevedo Corrêa, pois além de depositarem
confiança em minha pessoa, efetivamente ensinaram-me a trabalhar na pesquisa geográfica.
Iniciei meus trabalhos em março de 1970 e já em julho do mesmo ano, Elza Keller já me
convocava para um longo trabalho de campo no Maranhão, juntamente com o grupo de Roberto
Lobato ( os experientes estagiários João Rua e Luís Antônio Ribeiro ).

Nos próximos anos, a figura de Roberto Lobato Corrêa passou a ser a principal referência para
meus estudos geográficos. A mudança entre Geografia Física e Geografia Urbana se completou,
fundamentalmente por conta da orientação segura de Roberto Lobato, a quem devo meus
conhecimentos, tanto de Geografia Urbana, quanto de sistemática de pesquisa. O que ler, como
ler, como fichar, o entendimento do que é realmente fundamental num grupo de textos, reconhecer
quem é o autor de referência num determinado assunto, foram as principais lições que aprendi
com Roberto Lobato Corrêa, e que me foram de enorme valia por toda minha vida profissional.

Com a ida de Lobato para Chicago, para fazer seu mestrado, outra pessoa tomou seu lugar no
processo de preparação de minha vida profissional. Olga Buarque de Lima, recém chegada da
Inglaterra onde tinha concluído o mestrado, ocupou-se de dar-me as lições fundamentais do
preparo de um texto escrito. Tarefa extremamente difícil, em virtude de minha total falta de domínio
de um texto técnico. Foram muitos meses de leitura e correção dos textos, com as intermináveis
reconstruções, até tornarem-se palatáveis aos olhos incansáveis de Olga Buarque. Se pudesse,
com uma só frase definir esses tempos, eu diria que Roberto Lobato ensinou-me a estudar, e que
Olga Buarque ensinou-me a escrever corretamente um texto geográfico.

No início dos anos 80, Lobato reassume seu posto de mentor, orientando minha tese de mestrado
sobre o comportamento dos incorporadores imobiliários no município do Rio de Janeiro, defendida
em 1982 na UFRJ. Tenho muito orgulho dela, pois foi a primeira tese que tratou de um agente
modelador da iniciativa privada, pois todas as teses do momento somente tratavam dos agentes
do Estado, como o Banco Nacional da Habitação - BNH e seus satélites. É claro, que no contexto
altamente ideologizado do início dos anos 80, eu tive muitos problemas com esse tipo de trabalho,
mas sempre pude contar com o apoio irrestrito de Roberto Lobato em minha defesa.

Gostaria também de lembrar de certas pessoas que, ao longo de minha vida profissional,
assistematicamente, deram importantes contribuições para o meu aperfeiçoamento como
geógrafo.

Solange Tietzmann Silva e Olindina Viana Mequita foram duas geógrafas que sempre desviaram
parte de seus afazeres profissionais para darem uma orientação de trabalho, uma leitura crítica de
um texto, ou apresentando desafios novos, em forma de propostas de novos projetos de trabalho,
ou de apresentação de capítulos em projetos editoriais do DEGEO, durante a gestão comandada
por Solange. A elas, devo muito de minha desenvoltura profissional e a definitiva superação da
“síndrome da folha em branco” , temor clássico que assombra muitos pesquisadores no início da
carreira. Como iniciar um texto de um projeto?

Elza Keller, o casal Lysia e Nilo Bernardes, Pedro Geiger e Speridião Faissol, foram profissionais
que durante algum momento de suas vidas ensinaram-me algo, tanto de Geografia propriamente,
quanto dos afazeres de um geógrafo. Meu atual entendimento sobre as estratégias de
comportamento durante a organização e realização de um congresso, ou sobre a melhor
composição de um grupo para uma mesa redonda ou painel, foi em grande parte organizado pelos
ensinamentos desses profissionais.

Além disso, alguns deles me ofereceram oportunidades para lecionar em universidades. Nilo
Bernardes, para substitui-lo na PUC-RJ, Ney Strauch, para substitui-lo na Escola Naval, Bertha
Becker, para dar duas conferências na Escola de Guerra Naval e posteriormente para trabalhar
como professor colaborador na UFRJ.

20
Alguns não geógrafos também foram importantíssimos na construção de minha profissão. O
biólogo e ecologista Fernando Segadas Viana orientou-me durante uma grande quantidade de
sábados do anos de 1968 e 69, sobre os segredos da vegetação tropical e desértica, sobre a
zoologia do cerrado, além de me explicar detalhadamente a teoria de Alfred Wegner sobre a
translação continental, o que resultou numa apresentação para o curso de Cosmografia na UFF.

No campo das relações entre os estudos urbanos e a economia, o economista brasilianista Werner
Baer, ao trabalhar com Pedro Geiger no DEGEO durante o ano de 1977, sobre os problemas das
desigualdades regionais no desenvolvimento econômico brasileiro, dispôs-se varias vezes a
explicar os métodos utilizados na pesquisa e a indicar uma bibliografia adequada ao meu nível de
entendimento da questão. Devo a ele boa parte do meu conhecimento de história econômica do
Brasil e o feliz encontro com o economista Annibal Villela, em seu sítio em Araras, onde aprendi
muito sobre a estrutura de poder do governo brasileiro no período Geisel.

No início dos anos 80, quando casei-me com a economista do IBGE Sonia Rocha, intensificaram-
se os laços com Annibal Villela, o que ampliou muito meus conhecimentos sobre as estruturas das
companhias estatais, área de estudo desse pesquisador, que havia sido Secretário Executivo de
Assuntos Econômicos e Sociais da Organização dos Estados Americanos (OEA), Superintendente
do Instituto de Pesquisas do IPEA, Assessor do Banco Mundial - BIRD e pesquisador e professor
da FGV. Uma conversa com Dr. Villela, era sempre uma possibilidade de aprender alguma coisa
nova. Infelizmente, Dr. Villela faleceu em julho de 2000.

Também, via Pedro Geiger e Werner Baer, pude conhecer Hamilton Tolosa e Thompson Andrade,
economistas do IPEA, especializados em Economia Urbana e Regional, que durante a segunda
metade dos 70, estiveram varias vezes no DEGEO dando palestras e explicando suas pesquisas.

David Vetter, economista americano que trabalhou no Departamento de Indicadores Sociais


DEISO do IBGE, foi outro profissional importante na minha formação. Vetter ensinou-me os
segredos dos dados censitários referentes à infra-estrutura domiciliar urbana. Participou da banca
examinadora de minha tese de mestrado e estivemos em alguns seminários de urbanismo. Apesar
de suas dificuldades em falar português, escrevia objetivamente e era um mestre na análise de
dados censitários. Atualmente tornou-se analista financeiro e já é quase um banqueiro em Nova
York.

Outra figura incrível foi Carlos Nelson Ferreira dos Santos. Era arquiteto urbanista, mas poderia ser
sociólogo, antropólogo, geógrafo, historiador, psicólogo sem grandes problemas. Era um
profissional único em seu meio, pois não era sectário e sabia traduzir a alma humana como
poucos. Por ter participado de muitos projetos de urbanização de favelas, era conhecido como
“favelólogo” e coordenava um grupo de pesquisas urbanas no Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM) . No período de meu projeto de tese de mestrado, conversamos muito sobre os
mecanismos de ocupação residencial nos bairros da periferia do Rio. Era uma das cabeças mais
lúcidas de sua época. Sua morte prematura foi uma grande perda para os estudos urbanos e para
as mentes não sectárias...

Meu primeiro contato com o mundo interdisciplinar das apresentações acadêmicas e dos artigos
publicados fora do contexto do IBGE, aconteceu por intermédio de Carlos Nelson, que me
apresentou a Lícia do Prado Valladares, por ocasião de meu projeto de tese de mestrado. Ainda
nem havia defendido o trabalho, e Lícia já me pedia que eu escrevesse um artigo sobre a
incorporação imobiliária carioca, para um livro de uma coleção que ela organizava para a Zahar.
Além do artigo, ainda participei de alguns seminários no Instituto de Administração Municipal com
ela e Carlos Nelson.

Na área da Cartografia, as figuras de Rodolfo Barbosa, Pedro Marcílio e Mauro Mello foram as que
mais me influenciaram. Rodolfo Barbosa e Marcílio ensinaram-me a arte da cartografia temática.
Em caso de dúvida, na hora de representar graficamente um tipo de dado, era com eles que eu ia

21
me consultar. Mauro Mello foi nosso diretor de Geociências e sempre fez questão de vincular a
Geografia com a Cartografia nos grandes projetos que a diretoria de Geociências do IBGE tomou
parte. Também neste campo, a influência do Geógrafo Roberto Lobato Corrêa foi muito forte. Em
dois projetos de Atlas que participei (Regional do Nordeste e Nacional do Brasil), a participação
de Lobato como coordenador da fase de organização temática e nas sugestões gráficas iniciais
foram importantíssimas para o meu desenvolvimento profissional.

Neste ponto, abro um espaço para uma lembrança profissional muito especial ao meu colega de
curso na UFF e companheiro de trabalho no IBGE desde 1970, Miguel Angelo Ribeiro. Entre 1976
e 1994 estivemos trabalhando juntos em 11 trabalhos diferentes, todos devidamente publicados
em periódicos, como a Revista Brasileira de Geografia (RBG), ou em livros e atlas do IBGE e de
outras editoras. A grande vantagem de trabalhar com Miguel Angelo é a sua obstinação e sua
capacidade de trabalho. Para ele, não existem obstáculos, qualquer dia é dia de trabalho e
qualquer hora também. Além disso, Miguel nunca teve medo de idéia nova. Com ele, era possível
tentar qualquer solução heterodoxa para abordar um problema. Trabalhar com um profissional
assim, garantiu-me uma experiência importante, e eu espero que tenha sido recíproca.

No campo gerencial do IBGE aprendi muito com César Ajara, chefe do DEGEO entre 1991-1999,
pois fui seu assistente e substituto eventual na chefia do departamento até 1995. Acompanhei sua
luta na tentativa de reorganizar um DEGEO, com cada vez menos geógrafos, tragados pelo
processo de aposentadorias, mas com demandas crescentes, em virtude das atribuições que lhe
são definidas pelos estatutos da Instituição. Agradeço especialmente a ele, o empenho que teve
junto a diretoria do IBGE no processo de minha liberação integral para o doutoramento.
Atualmente a geógrafa Maria Luísa Gomes Castello Branco continua a luta de reequipar o
departamento, garantir a ampliação da qualificação dos profissionais que restaram e prepara-los
para novos desafios do censo 2000.

No contexto do curso de doutorado, a profissional mais importante foi minha orientadora Lia Osório
Machado. O que é mais interessante no processo, é que ela não foi importante por ser minha
orientadora, e sim porque ela foi a primeira pessoa que me ouviu explanar sobre uma possível
pesquisa que abrangeria a Geografia feita no IBGE, e que me incentivou a inicia-la, numa noite fria
de Porto Alegre, em meio a muitas picanhas e vinho tinto, por ocasião de um seminário organizado
por Gervásio Neves, sob os auspícios do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, do
qual participamos: Milton Santos (USP), Lia Osório (UFRJ) e eu pelo IBGE. Naquele jantar, percebi
que Lia seria a orientadora ideal, a pesquisadora com a qual se pode confiar e discutir com
serenidade os pontos de vista.

Este sentimento ampliou-se quando, no doutorado fiz seu curso Raízes das Idéias Sobre a
Natureza. Imaginando, que por ser o seu único orientando no curso, teria algumas “facilidades”,
pensei logo em escrever um texto sobre os geógrafos que trabalharam com a Natureza no IBGE e
apresentei o projeto do sumário. Qual não foi minha surpresa, quando a “professora” simplesmente
colocou o seguinte obstáculo. O curso tratou das raízes das idéias sobre a natureza e monitorou
essas idéias entre a antigüidade e o século XIX, portanto, meu sumário estava fora de cogitações,
por querer tratar de assuntos contemporâneos. Ali eu percebi que estava lidando com uma
pesquisadora de alta qualidade e que minhas relações com ela, em termos de produto não
poderiam ser de baixa qualidade, ou apenas para constar e engrossar a tese. Após dois meses de
trabalho duro apresentei um artigo sobre a evolução da noção de determinismo natural. Acho que
foi a partir desse trabalho que nossa confiança mutua cresceu.

Durante a fase de apresentação oral do projeto de tese para a banca examinadora, nosso
processo de comunicação já estava pavimentado, um já entendia o outro por antecipação, o texto
do projeto fluiu e foi bem aceito pelos examinadores.

Durante os dois anos de curso tive o privilégio de trabalhar com um dos melhores grupos de
pesquisadores/professores de pós-graduação em Geografia do país : Bertha Becker, Marcelo José
Lopes de Souza, Paulo César Gomes, Roberto Lobato Corrêa, Júlia Adão Bernardes, Iná Elias de

22
Castro e Maurício de Almeida Abreu, além dos professores convidados como Orlando Valverde,
Antônio Carlos Robert Moraes, Aziz Nacib Ab’Saber, Wanderley Messias da Costa, José Grabois e
Irene Garrido Filha.

A produção resultante desses dois anos traduziu-se em sete artigos sobre vários temas
geográficos e a apresentação de trabalhos em quatro congressos de Geografia.

Entretanto, apesar de priorizar meus agradecimentos para os geógrafos, foi com os historiadores,
museólogos, arquivologistas e biblioteconomistas, que passei a trocar mais experiências no
decurso de tomada de depoimentos do meu público alvo, os profissionais do IBGE.

O processo iniciou-se no setor de memória do IBGE, quando fui solicitar assistência para os
preparativos de gravação dos depoimentos, já que este setor já havia entrevistado vários
profissionais da casa em diversas ocasiões. Icléia Thiesen Magalhães Costa e Regina Acioli
Oliveira deram-me as primeiras instruções e cederam-me cópias de algumas transcrições para que
eu me familiarizasse com o assunto.

Algumas semanas depois, Icléia informou-me sobre um grupo que estava se formando, no curso
de mestrado em Memória Social e Documento da UNI-RIO e perguntou se eu estava disposto a
aprender história oral, um método de criar documentos através da gravação e transcrição de
entrevistas ou de depoimentos orais de pessoas que vivenciaram acontecimentos em épocas e/ou
lugares específicos.

Portanto, se eu tenho que agradecer primeiramente a uma pessoa por ter me garantido a
viabilidade de completar sem traumas meu projeto de tese, essa pessoa sem dúvida alguma foi
Icléia. Pois foi a partir de seus ensinamentos iniciais, que comecei a ler sobre história oral e a
perceber que aquilo era muito mais do que simplesmente gravar uma conversa. Além disso, Icléia
também indicou uma ótima profissional em transcrições de fitas, a ibgeana Telma Salandra Lemos
que cuidou de todas as transcrições em tempo hábil.

Outra pessoa importante neste processo foi José Carlos Sebe Bom Meihy, professor de história da
USP e consultor do grupo da UNI-RIO, que nos orientou no sentido de montar um conjunto de
depoimentos de moradores do bairro da Urca, para subsidiar uma linha de pesquisa chamada
história oral de bairros do Rio de Janeiro. O primeiro projeto focalizou a Urca e o segundo,
juntamente com Sônia Aparecida de Siqueira, trabalhou com alguns trechos dos bairros da área
portuária, Saúde ,Gamboa e Santo Cristo.

Repentinamente, me vi envolvido com preparação de artigos sobre aspectos geo-históricos da


Urca e acabei escrevendo um livro sobre iconografia da Urca e prefaciando o livro de análise do
José Carlos e Sonia A. de Siqueira, além de participar do processo de entrevistas, transcrições,
conferência de fidelidade e copidesque e comparecer à seminários especializados . Nesta fase, o
apoio de Maria José Wheling, coordenadora do Mestrado em Memória Social da UNI-RIO foi
fundamental, pois mesmo não pertencendo aos quadros da UNI-RIO, tive sua total colaboração
durante todas as fases do projeto.

Em meio a tudo isso, tive a sorte de conhecer Verena Alberti, Lúcia Lippi e Marieta de Moraes
Ferreira do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, que também me auxiliaram muito na arte de
entrevistar. A Professora Marieta especificamente, muito me auxiliou na pesquisa sobre o papel
desempenhado por Pierre Deffontaines na Geografia brasileira.

Na etapa final da pesquisa, após retornar ao Departamento de Geografia tomei a difícil decisão de
solicitar minha transferência para a área da Memória Institucional do IBGE, para montar a estrutura
da memória técnica do segmento de Geociências e, futuramente criar também estruturas
semelhantes para a Estatística, Processamento de Dados, Rede de Coleta e Administração. Isto
significa que estou mudando de área de pesquisa para acompanhar a história desta agência que
tem como objetivo monitorar o Brasil. Neste processo, contei com a compreensão das chefias da

23
Diretoria de Geociências e com o apoio das chefias do Centro de Documentação e Disseminação
de Informações para a realização do projeto. David Wu Tai, Maria Teresa Bastos, Edna Moraes no
apoio administrativo que o CDDDI me deu, proporcionando duas idas ao arquivo do Roncador em
Brasília para as pesquisas históricas, a Josianne Pangaio, Paulo Roberto Lindesay, Sérgio de
Assis Barbosa e Luis Carlos Carril no processo de tratamento de imagens das fotos escolhidas e
no processo de edição, a Vera Abrantes que foi minha co-orientanda ( a orientadora oficial foi
Icléia Thissen) em sua tese de mestrado sobre o arquivo fotográfico do IBGE, na área de
trabalhos de campo em Geografia. e outros que de muitas maneiras me auxiliaram nesta
empreitada.

Finalmente, embora possa parecer estranho, eu gostaria de reconhecer a importância de alguns


autores que criaram certo tipo de obras, que efetivamente me fizeram a cabeça para encarar este
desafio. Alguns, eu havia lido antes da germinação das idéias, eu os chamarei de subsidiadores
subliminares do projeto, outros eu li no calor da hora, e que serviram para, além da ampliação do
conhecimento, cimentar minha confiança de que era possível escrever uma história da relação
entre memória e documento da geografia e dos geógrafos, enfocando a instituição que escolhi
para trabalhar durante os trinta anos restantes de minha vida profissional formal.

Por isso, o meu reconhecimento a Renato Mezan pelos seus Freud, Pensador da Cultura e
Escrever a Clínica, a Elisabeth Roudinesco com sua História da Psicanálise na França, a Ricardo
Bielchowsky pelo seu Pensamento Econômico Brasileiro, a Warren Dean por A Ferro e Fogo, a
François Fourquet e seus colaboradores pelo seu incrível Les Comptes de La Puissance, a Simon
Schama por seu Paisagem e Memória, a Clarence J. Glacken por sua erudição em Traces on the
Rhodian Shore, a Edson Nunes pelo seu instigante A Gramática Política do Brasil , a Aspásia
Camargo pelo seu magistral artigo História Oral e Política no livro organizado por Marieta de
Moraes História Oral e Multidisciplinaridade, a Anne Buttimer pelos seus The Practice of
Geography e Society and Milieu in the French Geographic Tradition , a Vincent Berdoulay por seus
La Formation de L’École Française de Geographie (1870-1914) e Des Mots et Des Lieux: la
dynamique du discours géographique, a John Kirtland Wright pela sua completíssima história da
American Geographical Society em seu livro Geography in the Making, a Ronaldo Costa Couto
pelo seus recentíssimos A História Indiscreta da Ditadura e da Abertura e Memória Viva do Regime
Militar e a Maurício de Almeida Abreu pelos seus artigos Estudo Geográfico da Cidade no Brasil:
Evolução e Avaliação e Sobre a Memória das Cidades, vitais para a pesquisa... e finalmente, a
Simon Schwartzman, Helena Bomeny e Vanda Costa, pelo importantíssimo Tempos de
Capanema que chegou em ótima hora.

Roberto Schmidt de Almeida.

24
Apresentação

Uma tentativa de resgate histórico de um conjunto de atividades levadas a efeito por uma
comunidade de pesquisadores geográficos, situados na maior agência de planejamento territorial
do governo brasileiro, entre os anos de 1938 e 1998, será o principal objeto desta pesquisa.
Atividades essas, classificadas por temas que abarcam as duas principais vertentes da Geografia:
Humana e Física, e que deverão ser analisadas através de dois pontos de vista diferentes: o
primeiro que priorizará o papel institucional da Geografia no contexto do IBGE e o segundo que
dará conta das contribuições de seus geógrafos ao longo desse mesmo período.

A relação entre Documento e Memória presidirá esta pesquisa, na qual documento expressará o
que foi impresso ( legislação, projetos, relatórios e a produção intelectual dos geógrafos, através
de relatórios, livros, atlas e artigos ) e memória exprimirá a experiência pessoal de um grupo de
profissionais, através de seus depoimentos orais gravados e transcritos, que evocam suas
respectivas trajetórias no IBGE e que nos esclarecem sobre as diferentes conjunturas onde foram
gestadas suas produções geográficas.

É claro que sendo este, um trabalho que pretende explicar os diferentes papéis representados
tanto pela Geografia praticada com a chancela do IBGE, quanto pelos seus geógrafos- vistos aqui
enquanto chefes de círculos de afinidades que orientaram técnicas ou estabeleceram certos tipos
de discursos geográficos, e pesquisadores que, isoladamente, produziram trabalhos que foram
incorporados à História da Geografia brasileira- a relação entre documento e memória será sempre
a linha de tensão que norteará este trabalho. Linha esta, que por vezes estará frouxa, em outras
ocasiões tornar-se-á retesada, podendo desvendar conflitos de natureza diversas, políticos,
científicos, corporativos e pessoais por que passaram esses geógrafos que construíram o que se
convencionou chamar de Geografia Oficial.

O quesito “onde”, abarca o espaço territorial brasileiro, objeto de trabalho e atribuição legal da
Geografia do IBGE. Embutida nessa questão estarão os problemas concernentes às escalas de
observação de determinados tipos de trabalho geográficos, que causaram, em certos períodos,
algumas celeumas internas, sobre a conveniência ou não de se estudar tópicos da Geografia que
enfocavam níveis de detalhamento, aparentemente incompatíveis com a escala de trabalho
normalmente operada pelo órgão. Os trabalhos sobre Estrutura interna das Regiões
Metropolitanas e sobre Agentes Modeladores do Uso do Solo Urbano foram exemplos de estudos
que geraram tais controvérsias.

O quesito “quando” abarcará o tratamento desses 60 anos, podendo também ser alvo de estudos
pormenorizados, levando-se em consideração, como pano de fundo, os diversos contextos por
quais o país passou, sejam eles: políticos, econômicos, científicos em suas diversas acepções. É
importante ressaltar, por exemplo, que este período abrange, do ponto de vista político, quatro
constituições ( 1938,1946,1969,1988, além das inúmeras modificações por que esta última
passou e ainda continua passando ), vinte e dois mandatos presidenciais ( vinte e um presidentes
e uma junta militar ) e uma sucessão de crises políticas mais ou menos graves que geraram alguns
períodos excepcionais como: o Estado Novo ( 1937 a 1945 ), a crise da renúncia de Jânio
Quadros até a queda do governo de João Goulart. (1961 a 1964 ), o período dos governos
militares ( 1964 a 1985 ), um governo híbrido, planejado por Tancredo Neves, falecido antes de
assumir e levado por seu vice José Sarney ( 1985 a 1990 ) , dois governos em um , com dois anos
de Fernando Collor, um impeachment e mais dois anos de seu vice Itamar Franco ( 1992 a 1994 )
e o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994 a 1998).

Igualmente importante também será a avaliação do IBGE enquanto instituição heterogênea, que
opera desde áreas como a Geodésia e Cartografia até a elaboração de indicadores econômicos,
passando por todas as etapas da pesquisa estatística e geográfica e que sempre se situou em
níveis elevados na estrutura burocrática do Estado brasileiro. Neste contexto, os trabalhos de
Gonçalves (1995), Penha (1993) e a Cronologia organizada por Costa e equipe (1998),
contribuirão em muito na análise da legislação pertinente ao órgão. Para a área da Geografia em

25
particular, será mostrado, via informações institucionais sua trajetória na burocracia do órgão e
suas vinculações com outros estratos burocráticos do poder na área de planejamento.
Primeiramente, em termos de organogramas que determinaram os diversos períodos de
ascensão, estabilidade ou queda de seu “status” perante outras áreas da instituição e do governo,
em seguida, avaliando a evolução de seu contingente de profissionais.

No campo do Pensamento Geográfico iremos igualmente rastrear as inúmeras mudanças de


orientação metodológica e técnica por que passaram as matrizes de pensamento científico e que
foram influenciados, ora pela escola francesa e alemã, ora pela escola anglo-saxônica, e que
tiveram repercussão nos trabalhos geográficos da comunidade ibegeana.

Será dada uma especial atenção às comparações entre o que se convencionará chamar de
trabalhos oficiais ( Estudos solicitados pela direção do IBGE ou demandados por níveis
hierárquicos superiores a ela, pressupondo-se geralmente um entendimento prévio da metodologia
a ser aplicada e da forma final do produto) e os trabalhos dos geógrafos (estudos elaborados de
forma independente por alguns profissionais de Geografia do IBGE, podendo estar relacionados ou
não às linhas de pesquisa do órgão). Nesse contexto, será tratada também a curiosa separação
ocorrida entre a Geografia Física e a Humana, no final dos anos sessenta, que somente agora, nos
anos noventa começa a ser desfeita.

Finalmente, acompanharemos a trajetória do prestígio da Geografia, desde um período em que


aliavam-se a necessidade de conhecimento do território, a uma determinação de integração,
através de um processo de unificação administrativa levado a efeito por Vargas durante o Estado
Novo. Até os governos pós militares da década de 90, em que a palavra transição é o principal
mote, quando as questões científicas e tecnológicas e a noção de crise, tanto financeira quanto
gerencial, figuram na ordem do dia das preocupações dos legisladores e dos executores do
aparelho estatal. Portanto, certeza e opulência dos anos 40, confrontam-se com dúvida e escassez
dos anos 80/ 90.

Para demarcar os mais significativos segmentos de tempo desses 60 anos, foram levados em
consideração critérios de contextura que esclarecem o realce de cada segmento. No âmbito
externo ao IBGE, o quadro político-institucional brasileiro e o estado da arte no campo científico e
tecnológico foram os de maior peso. Em âmbito interno, as prioridades de atuação do órgão
quanto a projetos, escalas de análise e áreas além das políticas de recursos humanos foram as
que imprimiram a marca da Geografia Oficial do IBGE.

O trabalho está estruturado em seis partes, antecedidas de três capítulos introdutórios. O primeiro,
estabelecendo a relação entre documento e memória no contexto de trabalhos que se utilizaram
das técnicas de História Oral, ligando-os a uma pesquisa que enfoca uma instituição de governo e
a um grupo específico da tecnoburocracia estatal e determinando sua escala temporal de ação. O
segundo, traçando uma explanação sobre o IBGE, onde é descrita a evolução de suas principais
funções nas áreas de Geodésia e Cartografia, Geografia, Ecologia, Estatísticas demográficas e
econômicas, Redes de Coleta de Informações, Estruturação e Manutenção de Bancos de Dados
de Grande Porte, Disseminação de Informações impressas e por meio magnético e Ensino e
Treinamento, além do suporte administrativo que acompanhou o cotidiano de milhares de
profissionais em todo o Brasil. O terceiro, fazendo um overview ao longo de 13 períodos
considerados como um pano de fundo cronológico que orientou a saga da geografia no IBGE.

A parte I contempla a estruturação da tecnocracia ligada ao Planejamento Territorial brasileiro,


com uma introdução que explica o papel da nova burocracia estatal implantada após a revolução
de 1930. Está dividida em três capítulos, o primeiro explicando a institucionalização do sistema de
planejamento territorial brasileiro, tendo como elemento chave o IBGE, o segundo relatando a
estruturação das áreas de Geografia, Geodésia e Cartografia no IBGE, em função da preparação
da base cartográfica municipal para o censo de 1940. O terceiro, destacando o grupo de

26
Geógrafos e Cartógrafos que fizeram parte da pesquisa, como detentores da memória do grupo
profissional estudado.

A parte II enfoca o papel da Geografia do IBGE no contexto do pensamento geográfico brasileiro,


com uma introdução que acompanha a evolução do pensamento geográfico brasileiro desde a
primeira metade do século XX , como base para uma avaliação da Geografia que se estabeleceu
ao longo dos anos no IBGE, avaliação essa que alcança o final dos anos 90 . O capítulo I analisa
a força das escolas de pensamento geográfico estrangeiras nas diferentes arenas de trabalho e
discussão : as Sociedades Geográficas, a Universidade e o IBGE. O capítulo II descreve os
diferentes tipos de liderança exercidos por geógrafos estrangeiros que formaram algumas
gerações de profissionais do IBGE. Figuras carismáticas como os franceses Emmanuel de
Martonne, Pierre Deffontaines, Francis Ruellan, posteriormente Jean Tricart e Michel Rochefort e
nos tempos atuais Philipe Waniez e Hervé Théry ; os alemães Leo Waibel e posteriormente Gerd
Kohllepp ; o canadense Pierre Dansereau ; os americanos Preston James, Clarence F. Jones e
posteriormente Brian Berry e Howard Gautier e o inglês John P. Cole. O capítulo III apresenta o
conjunto de profissionais que foram formados nos primeiros anos de estruturação do órgão, e que
se transformaram nas lideranças pioneiras da Geografia do IBGE.

A parte III focaliza o processo de formação profissional do geógrafo do IBGE pelo ponto de vista da
memória utilizando uma experiência de História Oral, ao registrar em meio magnético os
depoimentos de um grupo de geógrafos de diferentes idades, interesses e que participaram da
maioria dos 13 períodos estudados. O capitulo I conta um pouco da aventura de registrar esses
depoimentos e avalia a importância da memória , no desvendar do verdadeiro significado de se
registrar esses depoimentos para as gerações profissionais do presente e do futuro. O capítulo II
analisa os padrões gerais de inserção na carreira, tendo como principais referências os
professores do ensino médio, os mestres universitários e os líderes de grupos de afinidades,
quando na fase de estágio no IBGE. O exemplo mais significativo desse segmento está na figura
de Francis Ruellan, que deixou uma legião de seguidores, tanto na Universidade, quanto no IBGE,
que sob outras formas, continuaram a disseminar o seu legado. O capítulo III enfoca algumas
recordações profissionais referenciadas ao ambiente de trabalho, os principais projetos e seus
respectivos produtos, com exemplos de maior ou menor engajamento a algum determinado líder
de grupo de afinidades e algumas trajetórias de especialização temática ou regional. Analisa
também o antigo papel da AGB como palco dos primeiros ritos de iniciação profissional.

A parte IV analisa as práticas profissionais levadas a efeito pelos geógrafos do IBGE ao longo do
período estudado e avalia sua representatividade perante outras instâncias do IBGE. Através da
análise dos trabalhos de uma lista de temas geográficos que mais marcaram a imagem do IBGE
na arena geográfica brasileira. Por outro lado, verificou-se também, como essas práticas foram
percebidas pela alta direção da casa, representadas aqui pelos depoimentos orais dos diretores de
área e de alguns presidentes. O capítulo I descreve em linhas gerais, um grupo de sete temas que
geraram as grandes linhas de pesquisa geográfica no IBGE, analisando sua relevância para a
política federal de gerenciamento do território e para a ampliação do conhecimento geográfico no
Brasil, seus principais responsáveis técnicos ou líderes de grupos de afinidades e os períodos de
maior destaque. O capítulo II reflete as diferentes percepções da alta direção do IBGE sobre essas
práticas profissionais, onde mesclam-se admirações e restrições pessoais com diferentes
enfoques de caráter político e espistemológicos decorrentes das variadas conjunturas por que
passou o sistema de planejamento brasileiro no período.

A parte V cobre os processos de qualificação profissional, enfatizando os cursos de


aperfeiçoamento e especialização e a pós graduação em seus vários níveis ao longo do período. O
capítulo I focaliza as relações entre o órgão e os centros de aperfeiçoamento e pesquisas tanto no
exterior, quanto no Brasil. Nesse segmento a memória é resgatada nos exemplos de depoimentos
de alguns geógrafos que contam suas experiências. No capítulo II a ênfase é orientada para o
papel disseminador do IBGE através dos cursos de aperfeiçoamento em geografia orientados para
o corpo docente de ensino médio e para o de nível superior. Os depoimentos de profissionais que

27
organizaram ou ministraram esses cursos, misturam-se com importantes geógrafos não ibgeanos,
que tiveram sua formação profissional ampliada por esses cursos.

A parte VI trata do período de crise por que passou a Geografia do IBGE nos anos 90, em
decorrência das convulsões por que passou o setor público no período Collor de Melo - Itamar
Franco - Fernando Henrique Cardoso. São analisados os fatores que levaram à grande diáspora
de 91, com a saída maciça de profissionais competentes e com liderança, o incipiente processo de
reposição de pessoal, os mecanismos de adaptação dos que restaram, em contraponto às
demandas que continuam a ser criadas. O capítulo I descreve o processo de transição por que
passou a Geografia do IBGE nos anos 90, tanto no contexto de suas atribuições institucionais,
quanto no campo da integração com os demais vetores do conhecimento que envolvem as
Geociências. O capítulo II tenta alguns prognósticos quanto ao futuro da Geografia na ainda
hipotética agência executiva proposta pelo Ministério da Reforma do Estado ao IBGE para o ano
de 2000.

Finalmente, nos capítulos conclusivos, além das considerações finais é apresentada a atuação da
Equipe da Memória Institucional do IBGE e é esboçado o projeto de História Oral que dará
prosseguimento aos depoimentos de funcionários que assumiram posições relevantes no projeto
técnico da instituição, assim como uma descrição de alguns produtos que estarão futuramente à
disposição dos usuários.

28
Capitulos Introdutórios

I - A Relação Entre Documento e Memória no Contexto da História Oral

O processo de acompanhamento ao longo do tempo, de uma parte da memória institucional de


uma grande e complexa agência federal como o IBGE, exige que se recorra a alguns materiais
formadores da memória coletiva. Em primeiro lugar o documento , como definido por Pierre Le
Goff em sua forma mais ampla ( Le Goff, 1994: 540-541), assumido aqui como o material
impresso, que determinou a representação da produção geográfica do IBGE e de seus
profissionais, as resoluções jurídico-administrativas que definiram os principais projetos de
trabalho, além de outros meios de informação e divulgação da Geografia do IBGE.

Em segundo, a memória, tanto individual como coletiva de um conjunto de técnicos ( geógrafos) e


administradores (cargos de direção), que desempenharam funções importantes no órgão e que
recordaram seletivamente suas respectivas trajetórias profissionais, através de depoimentos orais
e de informações informais.

Neste ponto, temos de refletir sobre algumas colocações de Alessandro Portelli na revista
organizada pelas professoras Dayse Perelmutter e Maria Antonieta Antonacci, onde ele
argumenta que... “ A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer
respeito a versões do passado, ou seja, à memória. Ainda que esta seja sempre moldada de
diversas formas pelo meio social, em última análise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser
profundamente pessoais.... A memória é um processo individual, que ocorre em um meio social
dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Em vista disso, as
recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma,
as lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões digitais, ou, a bem da verdade,
como as vozes - exatamente iguais.
É por esse motivo que eu, pessoalmente, prefiro evitar o termo memória coletiva.” (Portelli,
1997:16)

Neste trabalho, não evitaremos o termo, mas tentaremos tomar os devidos cuidados para não usa-
lo indevidamente, pois ao trabalharmos com uma comunidade técnica sediada numa agência de
planejamento do governo federal, é possível inferir sobre uma boa dose de consenso entre eles,
principalmente no que se refere à muitos assuntos considerados como referenciais para a
coletividade geográfica.

A relação entre documento e memória gerará em certa medida, a fidedignidade necessária a esta
história. Esta questão é crucial, pois tanto do lado do documento, quanto do lado da memória
existem grandes problemas. Michel Foucault em sua obra, A Arqueologia do Saber
(Foucault,1987), nos alerta sobre a necessidade de se questionar o documento, levando em conta
que eles são sempre produtos seletivos. Os processos de seleção iniciam-se no produtor do
documento em si, passavam por quem os selecionam e os arquivam e terminam por quem os
pesquisam e os fazem ressurgir sob um determinado ponto de vista.

No caso da memória os mecanismos ainda são mais complexos e estão no cerne das discussões
sobre o uso da História Oral. O ensaio de Lutz Niethammer sobre os conceitos de identidade e de
memória nos dá uma boa visão das dificuldades que podem ser encontradas quando se tenta
trabalhar com eles ( Niethammer, 1997). Dos cinco autores analisados por Niethammer como
precursores desses conceitos (Carl Schmitt, George Lukács, Aldous Huxley, Sigmund Freud e
Maurice Halbwachs) a noção de memória coletiva de Halbwachs é que mais se encaixa com que
estamos tratando (Halbwachs,1980). Para Niethammer, a construção social do passado
engendrada por Halbwachs, implica considerar a memória como algo muito mais amplo que um
mecanismo individual de lembranças pessoais... “toda lembrança significativa é um processo
socialmente condicionado de reconstrução que se apóia na estrutura social de relíquias culturais e
rituais de comunicação de um dado grupo no presente” (pg. 128). Portanto, as lembranças de um

29
grupo são, de maneira geral, referenciadas mais aos elementos constituidores da cultura daquele
grupo, do que aos dos próprios indivíduos. Isso faz sentido, principalmente quando operamos um
processo de entrevista gravada, que inicialmente implica no convite e nas devidas explicações
sobre o objetivo da gravação. Na maioria dos casos o depoente se prepara filtrando e organizando
lembranças quase sempre orientadas pela cultura do grupo a qual pertence.

Niethammer também assinala que estas noções criadas por Halbwachs nos anos 20, voltaram a
ter influência nos anos 90, principalmente junto aos historiadores da cultura... “num plano mais
genérico, a sociedade pós-moderna de identidades culturais com o seu jogo de citações simbólicas
(por exemplo na arquitetura) ou sua intertextualidade literária colocou Halbwachs em prática”
(pg.129).

Também sob a ótica dos diferentes filtros por que passam as lembranças, o sociólogo Jesús M. de
Miguel em seu manual sobre biografias sociológicas (Miguel,1996) analisa alguns pontos positivos
e negativos dos relatos biográficos, lembrando que no caso de biografias ou auto-biografias,
"existem pelo menos quatro pessoas distintas: a que relata a vida, a que escreve ( quando não é
uma auto-biografia), a que lê e a que realmente existiu. É importante diferenciar, pelo menos, entre
a pessoa que é, da que foi e da que escreveu. São três níveis de realidade que devem ser
analisados..." (p.16).

No contexto das técnicas de História Oral, onde um depoimento oral é gravado em meio magnético
e posteriormente é transcrito, também é importante ressaltar que a palavra versão assume uma
importância ímpar, pois nas palavras de Verena Alberti " Certamente não será porque a entrevista
adquire estatuto de documento que a história oral passa a obedecer aos requisitos da "ciência
positiva". Ao contrário: trata-se de tomar a entrevista produzida como documento, sim, mas
deslocando o objeto documentado: não mais ao passado "tal como efetivamente ocorreu", e sim a
versão do entrevistado. A entrevista de história oral, portanto - seu registro gravado e transcrito -,
não documenta nada além de uma versão do passado. Isso pressupõe que esta versão, e a
comparação entre diferentes versões, tenham passado a ser relevantes para estudos na área das
ciências humanas" (Alberti, 1989 :2).

Neste sentido, o principal mérito da relação entre documento e memória é poder comparar
seletivamente algumas linhas de tensão entre fatos e versões nas diferentes fases por que passou
a Geografia do IBGE nos 60 anos analisados. É perceber como natural certas distorções,
esquecimentos, silêncios ou mesmo mudanças de ponto de vista dos depoentes ao longo de suas
narrativas. Assim como é importante perceber também como algumas versões passam a ser
oficializadas pela maioria dos depoentes.

Levando-se em consideração que a pesquisa geográfica passou, ao longo desses 60 anos, por
fortes modificações e que foi bastante influenciada por inúmeros conflitos metodológicos e
ideológicos, além de ter testemunhado nos anos 90, uma incrível evolução tecnológica nas
ferramentas computacionais de mapeamento e localização, de bancos de dados, de cálculos e de
editoração é de se esperar que algumas dessas linhas de tensão estiveram muito próximas do
rompimento.

Os artigos de Fred K. Schaefer sobre o excepcionalismo em Geografia (Schaefer,1953), o de


Willian W. Bunge sobre o processo de “canibalismo teórico decenal” que estava ocorrendo e que
infelizmente continuou a ocorrer na década de 80 (Bunge, 1973) e o de Milton Santos sobre
problemas do marxismo na Geografia (Santos,1981) foram bons exemplos desses momentos de
grande tensão.

Atualmente, a expressão Globalização parece estar causando também grandes áreas de


turbulência no pensamento geográfico, embora não tenha ainda surgido um artigo que se possa
classificar como decisivo sobre o problema.

30
Portanto, a palavra seletividade representa um papel fundamental na relação entre documento e
memória e é perfeitamente claro que este processo de seleção nunca contentará a todos, pois
seria extremamente difícil escrever a história total da Geografia do IBGE, vista por todos os
diferentes ângulos, ao estilo de Fernand Braudel em sua obra sobre o Mediterrâneo
(Braudel,1983). Esta será apenas uma das possíveis visões que este assunto evocará.

Algumas obras servirão de referência para o entendimento dessa relação, principalmente por
terem de alguma forma, trabalhado com a História Oral. O livro de François Fourquet Les
Comptes de la Puissance é certamente, o mais sofisticado e complexo, pois o autor dá uma co-
autoria a 26 personagens que foram os criadores das áreas de contabilidade nacional, do
planejamento de governo e das estatísticas econômicas francesas (Fourquet,1980). Profissionais
da alta burocracia governamental, como o ministro Michel Rocard e acadêmicos de primeira linha
do sistema de ensino e pesquisa universitário como François Perroux (economia industrial), Alfred
Sauvy (estatística) ou Jean-Vitold Marczewski (contas nacionais) para citar alguns que a área
geográfica certamente conhece.

O processo de criação, operando conjuntamente com os 26 co-autores foi tão complexo, que
Fourquet fez uma longa nota explicativa inicial alertando o leitor para as dificuldades sentidas por
ele no processo. É importante lembrar que os 26 co-autores eram muitas vezes adversários entre
si, tanto em termos técnicos, quanto ideológicos, o que levou o autor a estruturar uma urdidura
dos temas e das opiniões poucas vezes vista nas ciências sociais. É certamente um clássico do
assunto.

O exaustivo trabalho de Elisabeth Roudinesco em seu segundo volume da História da Psicanálise


na França : 1925-1985 é outro monumento à relação documento / memória (Roudinesco,1988). A
seção de agradecimentos praticamente cobre quase toda a elite intelectual francesa, cuja grande
maioria prestou depoimentos ou cedeu documentos para esta pesquisa que transitou por
praticamente por todos os campos das artes, filosofia e da literatura da França, além do campo
específico da medicina psiquiátrica e, particularmente pela saga profissional de Jacques Lacan, o
mais importante psicanalista após Sigmund Freud.

O uso exaustivo e sistemático da documentação, que vai da correspondência privada aos autos de
tribunais, passando pelas atas de congressos e recortes de material da imprensa, encaixando-se
com uma perfeição de relojoaria aos depoimentos e testemunhos prestados por figuras da
intelectualidade como Jacques Derrida, Louis Althusser , Françoise Dolto e outros, faz da obra de
Roudinesco uma referência indispensável no estudo da história contemporânea de cunho
memorialista.

O mais interessante exemplo de uma relação entre documentos e memórias foi realizado por Bill
Couturie em seu filme Cartas do Vietnã ( Dear America: Letters Home from Vietnam, 1987) onde
foi estruturada uma excelente relação entre os conteúdos das cartas de militares norte-
americanos, servindo no teatro da guerra do sudeste asiático, aos seus parentes e amigos e as
imagens documentais referentes aos diversos períodos de envolvimento dos EUA no conflito. O
teor das cartas e as das imagens, inicialmente de cunho laudatório, vão se deteriorando enquanto
a guerra recrudesce, até tornarem-se trágicos e melancólicos, a medida que a difícil percepção do
real objetivo daquela guerra, soma-se às cruéis experiências pessoais em um campo de batalha
não convencional, imerso numa cultura totalmente diferente, culminando com a humilhação da
derrota. O trabalho de escolha das cartas e das imagens o credencia como um dos mais
importantes trabalhos de relação documento / memória fora dos clássicos compêndios de História
Oral.

No contexto brasileiro, o trabalho de Ricardo Bielchowsky Pensamento Econômico Brasileiro : O


Ciclo Ideológico do Desenvolvimento, embora não se utilizando das ferramentas dos depoimentos
orais, é um dos melhores ensaios de historiografia econômica baseado exclusivamente na
literatura especializada e em documentação governamental (Bielchowsky, 1995). Sua primeira
versão de 1984 foi destinada ao mundo acadêmico inglês como tese de doutoramento na

31
Universidade de Leicester. Sua primeira edição brasileira foi editada pelo IPEA em 1988 em
reconhecimento pelo Prêmio Haralambos Simeodines da Associação Nacional de Pós-Graduação
em Economia (ANPEC) de 1995 na categoria tese.

As análises das principais correntes de pensamento econômico que influenciaram as decisões


governamentais entre 1930 a 1964, enfatizando o período 1945-1964 garantem um quadro de
referência importante para se entender o processo de desenvolvimento econômico do Brasil
contemporâneo.

A experiência memorialista de Roberto Campos no seu A Lanterna na Popa: Memórias


(Campos,1994) faz um excelente contraponto com o trabalho de Bielchowsky, principalmente no
que tange ao tumultuado processo de planejamento macroeconômico e a sua instrumentação ao
longo desses 60 anos ( é importante lembrar que como deputado federal, Campos encerrou o seu
mandato ao início de 1999, ao perder para Saturnino Braga a vaga de senador do Rio de Janeiro
nas eleições de novembro de 1998).

O capítulo VI que trata da criação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE atual
BNDES) é particularmente interessante, assim como o cap. IX, que trata dos anos de Juscelino.
Sua memória prodigiosa somada à vasta documentação apresentada, fazem do livro de Roberto
Campos um ótimo referencial para se entender os diversos conceitos que foram atribuídos à
palavra desenvolvimento desde o ciclo Vargas até a Nova República, passando pelo ciclo militar.

Referenciado ao período militar, o melhor trabalho de História Oral foi, sem dúvida nenhuma, o
depoimento do ex-presidente Ernesto Geisel organizado por Maria Celina D'Araujo e Celso Castro,
entre julho de 1993 e março de 1994 e somente publicado após seu falecimento em setembro de
1996, aos 89 anos (D'Araujo & Castro, 1997).

O enfoque é fundamentalmente político, com poucas incursões ao terreno econômico. A


preocupação dos organizadores do depoimento era cobrir os aspectos da formação intelectual de
Geisel e seus reflexos na carreira militar e administrativa, sua experiência de comando na
Presidência da República e avaliação dos governos posteriores até 1994.

No mesmo contexto, porém com mais ênfase no período final do ciclo militar e no processo de
abertura política que culminou com a eleição de Tancredo Neves, seu falecimento e a posse de
José Sarney, a tese de doutoramento de Ronaldo Costa Couto para a Universidade de Paris IV,
defendida em novembro de 1997 e publicada pela Record em janeiro de 1999, História Indiscreta
da Ditadura e da Abertura: Brasil 1964-1985 é sem dúvida, o melhor trabalho historiográfico do
período que fez uso sistemático da História Oral (com 32 depoimentos dos principais homens
públicos do país, civis e militares, sendo que três foram Presidentes da República: Ernesto Geisel,
João Baptista de Oliveira Figueiredo e José Sarney) contrapondo-a com a documentação
pesquisada (Couto, 1999a). O volume especial com a íntegra de 26 entrevistas intitulado Memória
Viva do Regime Militar: Brasil 1964-1985 que foi lançado em maio do mesmo ano, é também muito
interessante, pois confronta diversas versões sobre alguns episódios políticos cruciais ocorridos
entre 1964 e 1985 (Couto, 1999b). Questões como a preparação do golpe militar, a sucessão de
Castelo Branco por Costa e Silva, as mortes de Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho e exoneração
do comandante do II Exército, General Ednardo D’Avila Mello, a exoneração do Ministro do
Exército General Silvio Frota, o processo de escolha de Tancredo Neves, a decisão da posse de
José Sarney e muitos outros são analisadas sob diferentes pontos de vista.

Cabe lembrar que Costa Couto foi um dos mais importantes homens públicos do final do período
militar e da Nova República, tendo sido por duas vezes Secretário de Estado de Planejamento (no
Rio de Janeiro, no governo do Almirante Faria Lima, e em Minas Gerais, no governo de Tancredo
Neves), durante a presidência de José Sarney foi nomeado Ministro do Interior (1985-1987), cargo
que acumulou com o de Governador do Distrito Federal, e depois foi transferido para Ministro-
Chefe do Gabinete Civil (1987-1989). Essa combinação entre capacidade técnica, pois era
economista formado pela UFMG com especialização em macro-planejamento, e uma rara

32
habilidade política, aprendida com um mestre do assunto, Tancredo Neves, o credencia como uma
das melhores testemunhas daqueles períodos.

A esquerda estudantil de 1968 também tem seu livro de memórias organizado por Daniel Aarão
Reis Filho, com fotos de Pedro de Moraes (1998), 1968 a Paixão de Uma Utopia . O trabalho com
12 depoimentos das principais lideranças estudantis da época, como Luis Travassos, Vladimir
Palmeira, Jean Marc Von der Weid, José Dirceu, José Genoíno e outros, apresenta um quadro
bem interessante das dificuldades de organização de um movimento estudantil, que muitas vezes
saía do controle das lideranças e era empalmado pelos participantes das passeatas e comícios,
gerando conflitos com as forças de repressão, como o do restaurante do Calabouço que resultou
na morte do estudante Edson Luis, em 28 de março, e a Sexta Feira Sangrenta, de 21 de junho,
com um saldo de 1000 presos, 57 feridos e 3 mortos.

Além disso, os autores contextualizaram muito bem o ano de 1968, analisando os diferentes tipos
de conflitos estudantis que eclodiram em várias partes do mundo e organizando uma excelente
cronologia (pg. 201) que contrapõe os acontecimentos no Brasil e em outros países. Sobre esta
contextualização, é também muito interessante ler a entrevista de um grande historiador francês
Pierre Vilar a Jean Boutier (Boutier & Julia, 1998), que encara os acontecimentos de 1968 na
França com um misto de necessidade e descontrole... “O perigo é um pensamento revolucionário
que se transforma em mística revolucionária. Não se deve esquecer que Pol Pot foi formado na
Paris de 1968.” (pg. 283).

Ainda no contexto da memória das esquerdas no Brasil, um outro lado mais amargo nos é
mostrado por Elizabeth F. Xavier Ferreira (1996), ao colher depoimentos de 13 mulheres, que
foram presas políticas durante os governos do ciclo militar, para sua tese de mestrado em
Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ.
O foco nas histórias de vidas dessas mulheres, enfatizando os períodos de militância política e o
da prisão, abre um importante campo de análise da memória de gênero, onde o papel da mulher,
tanto no campo das vinculações com a hierarquia masculina dos movimentos de esquerda, quanto
no ambiente dos porões da ditadura militar sempre foi visto sob uma ótica de preconceito, e por
isso mesmo mal avaliado.

No campo específico da História Oral das organizações brasileiras o melhor especialista é José
Luciano de Mattos Dias (1994), que mostrou também o seu talento em analisar a trajetória
profissional dos engenheiros. Sua pesquisa cobriu os acervos orais de organizações estatais de
grande porte como a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e Centrais Elétricas Brasileiras
( Eletrobrás ). A ênfase foi dada aos políticos que as criaram, aos burocratas que as dirigiram e a
alguns executivos técnicos que decidiam em áreas chave dessas organizações. Apesar de ser um
artigo de uma coletânea, o trabalho de Mattos Dias é de extrema valia para os que querem se
aventurar na História Oral de organizações, sejam elas quais forem.

É importante também considerar o livro de Jaime Larry Benchimol e Luiz Antônio Teixeira (1993)
Cobras, Lagartos & outros bichos: uma história comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Butantan
, embora não trabalhando com História Oral, os autores operaram muito bem com a documentação
dos dois institutos e apresentaram um bom quadro comparativo de seus respectivos campos de
atuação ao longo dos anos. Muito embora os autores reconheçam que deram maior ênfase ao
instituto carioca do que o paulistano.

No segmento da História Oral de grupos profissionais, os economistas são, sem sombra de dúvida,
os mais estudados. Além da coletânea organizada por Angela de Castro Gomes (1994)
Engenheiros e Economistas: Novas Elites Burocráticas onde estão os trabalhos de José Luciano
de Mattos Dias sobre os engenheiros e de Marly Silva da Motta sobre os economistas, três outras
obras estudaram a importância do papel deste grupo profissional na condução dos destinos do
Brasil nos últimos 60 anos.

33
Burocracia e Elites Burocráticas no Brasil de Gilda Portugal Gouveia (1994), tese de doutoramento
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP) defendida
em junho de 1994, que enfoca a construção do Sistema Financeiro Nacional entre 1930 e 1964
sob a ótica da estruturação de seus quadros burocráticos de elite, compostos majoritariamente por
economistas e juristas. Foram entrevistados 22 homens públicos e técnicos do alto escalão do
governo, dos quais, quatro foram Ministros de Estado ligados aos setores da economia e da alta
administração federal.

Os Economistas no Governo de Maria Rita Loureiro (1997), tese de livre-docência para a


Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, apresentada em agosto de 1996, analisa o
papel dos economistas como dirigentes políticos e trabalha a sempre tensa relação entre a
racionalidade técnica e os objetivos políticos, que constantemente põe à prova esses profissionais
da elite governamental brasileira. Foram entrevistados 30 economistas, dos quais três foram
Ministros de Estado, além da consulta a 10 depoimentos orais arquivados no Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), dos quais três foram Ministros de Estado.

Conversas com Economistas Brasileiros de Ciro Biderman, Luiz Felipe L. Cozac e José Marcio
Rego (1997) é, sem sombra de dúvida, o melhor dos quatro, não apenas pelo elenco de
profissionais escolhidos, mas pela maneira de tratar o tema da História Oral do pensamento
econômico brasileiro e pelo rigor das questões levantadas aos entrevistados. O prefácio de Pedro
Malan é de uma exatidão e elegância poucas vezes vistas nas publicações dos últimos anos. A
apresentação dos autores e o capítulo que trata da história do ensino de economia no Brasil são
também peças interessantes, pois aliam concisão e clareza, além de um capítulo final, chamado
Uma leitura Comparada das Entrevistas que demonstra o alto nível de síntese dos organizadores
da obra. Mas o que é ouro puro neste livro são as conversas altamente profissionais com uma
importante parcela dos melhores economistas do país. Dos 13 entrevistados, cinco foram Ministros
de Estado, dois presidiram o Banco Central, três possuíam mandatos eletivos no Congresso
Nacional, além de todos serem professores das melhores escolas de economia do Brasil.
O teor das entrevistas revela-se altamente profissional, pois em nenhum momento o diálogo
resvala para a crítica fácil ou o "achismo", são diálogos de profissionais para profissionais, apesar
de estarem na arena figuras como Delfin Neto, Mário Henrique Simonsen, Maria da Conceição
Tavares, Roberto Campos, Celso Furtado, André Lara Resende e Pérsio Arida, expoentes de
linhas de pensamento bem diversas.

Num contexto intermediário das ciências ambientais, onde a Geografia possui forte presença, o
livro da jornalista Teresa Urban (1998) Saudade do Matão organizado pela Fundação Boticário e a
The John D. and Catherine T. Mac Arthur Fondation conta a história do movimento de
Conservação da Natureza no Brasil, utilizando os depoimentos orais de seis personalidades
líderes em seus segmentos. O zoólogo Aldemar Faria Coimbra Filho, o biogeógrafo Alceo
Magnanini, o Almirante e paleontólogo Ibsen de Gusmão Câmara, a engenheira agrônoma Maria
Tereza Jorge Pádua, o naturalista Paulo Nogueira-Neto e o engenheiro agrônomo e administrador
de parques naturais Wanderbilt Duarte de Barros. Dessas personalidades, duas trabalharam no
IBGE Alceo Magnanini e Wanderbilt Duarte de Barros.

No que concerne à Historia Oral dos Geógrafos, o trabalho do Departamento de Geociências da


Universidade Federal de Santa Catarina através da revista Geosul é de alta relevância. Estão
sendo sistematicamente entrevistados os principais geógrafos brasileiros que contribuíram com os
seus conhecimentos para a melhoria do ensino de Geografia no país. O volume 12 / 13 já tornou-
se um clássico, pois concentra 9 dos melhores profissionais de Geografia, além do economista
Ignácio Rangel, considerado como um geógrafo honorário. Professores como Orlando Valverde,
Milton Santos, João José Bigarella, Victor Antônio Peluso Júnior, Roberto Lobato Corrêa e Carlos
Augusto de Figueiredo Monteiro são alguns exemplos deste importante volume.

34
O Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) também iniciou
em 1997 a publicação de sua revista GeoUerj com uma seção de entrevistas a geógrafos
importantes, inaugurando a série com o Professor Speridião Faissol.

A área de Memória Institucional do IBGE concebeu em 1991 um projeto de depoimentos com os


profissionais da casa e desse projeto foram entrevistados três geógrafos: Orlando Valverde,
Gelson Rangel Lima e Aluísio Capdeville Duarte, além do importante depoimento de Cristóvão
Leite de Castro (engenheiro), organizador da estrutura burocrática que criou o Conselho Nacional
de Geografia em 1937.

A análise do tema Memória Institucional foi o objetivo do trabalho de Icléia Thiesen Magalhães
Costa para sua tese de mestrado em Ciência da Informação na Escola de Comunicação da UFRJ
em 1992 Memória Institucional do IBGE: Um Estudo Exploratório-Metodológico, onde foram
trabalhadas 23 entrevistas com funcionários e ex-funcionários do IBGE, além especialistas de
instituições que lidavam com memória institucional, também foram aplicados 28 questionários,
respondidos por funcionários das unidades regionais do IBGE de 11 estados brasileiros.

Eli Alves Penha (1993) em sua tese de mestrado A Criação do IBGE no Contexto da Centralização
Política do Estado Novo já inicia um processo de abordagem da História Oral ao entrevistar sete
geógrafos do IBGE a respeito das práticas profissionais, além do engenheiro Christovão Leite de
Castro.

Ainda no campo da História Oral dos profissionais, José Carlos Sebe Bom Meihy (1990) lança A
Colônia Brasilianista: História Oral Acadêmica obra fundamental para se entender como se formou
o grupo de profissionais conhecido como os brasilianistas da comunidade acadêmica norte-
americana. Foram gravados os depoimentos de 32 profissionais que se especializaram em Brasil
nas suas diferentes atividades acadêmicas: literatura, crítica literária, economia, história,
antropologia, ciência política, sociologia e filosofia / teologia. Em sua maioria americanos, mas
também de outros países como Gana, Inglaterra, França e até um brasileiro, Wilson Martins autor
da coleção A História da Inteligência Brasileira em sete volumes, que residiu e lecionou na
University of New York entre 1965 e 1998.

Após esta revisão, a estrutura que organiza esta primeira parte do trabalho está dividida em mais
dois capítulos que objetivam referenciar a agência IBGE, com sua estruturação organizacional
atual e estabelecer um pano de fundo cronológico que acompanhará os 60 anos de atividades
geográficas da instituição.

35
II - O Que é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ?

Criado pelo decreto-lei n0 218 de 26 de janeiro de 1938, O IBGE na realidade foi apenas uma
mudança de nomes de agências federais de Estatística e Geografia que já existiam. O subtítulo do
decreto era... Muda o nome do Instituto Nacional de Estatística e do Conselho Brasileiro de
Geografia e em suas considerações iniciais esclarecia ... O Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 180 da Constituição da
República:
Atendendo à estrutura definitiva com que ficou o Instituto Nacional de Estatística, ex-vi dos
decretos n0s 24.609, de 6 de julho de 1934, 1.200, de 17 de novembro de 1936 e 1.527, de 24 de
março de 1937;
Considerando o que propuseram o Conselho Nacional de Estatística e o Conselho Nacional de
Geografia, respectivamente, pelas "Resoluções" nos 31 e 5, de 10 e 13 de julho de 1937;
Considerando, ainda, a conveniência de uniformidade na designação dos órgãos deliberativos do
Instituto,

Decreta:

Art. 10 O Instituto Nacional de Estatística passa a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística, ficando ambos os seus órgãos colegiais de direção - o de Geografia e o de Estatística -
com a denominação de "Conselho Nacional".

Portanto, a estrutura já existia formalmente desde julho de 1934 e operacionalmente desde


1935/36, além disso, sua abrangência nacional até ao nível de município, também já havia sido
determinada por ocasião da criação do Instituto Nacional de Estatística.

A saga de implantação dessas agências, inicia-se nos primeiros meses do governo revolucionário
que sucede o golpe militar consolidado em 03 de outubro de 1930 pelos Generais Tasso Fragoso,
Mena Barreto e Isaías Noronha, que passam o comandado do país para Getúlio Dorneles Vargas
em 03 de novembro de 1930. Getúlio Vargas inaugura um processo político-jurídico-administrativo,
que vai muito além do simples intervencionismo estatal, pois a principal preocupação de Vargas
era de dotar o aparelho estatal de uma imagem claramente nacional e não apenas uma referência
ao poder do Palácio do Catete, ao Rio de Janeiro (capital federal), ou mesmo de caráter pessoal.

A criação dos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio e da Educação e Saúde Pública inicia
uma série de modificações na estrutura político-administrativa do novo governo, da qual a criação
de uma agência federal de Estatística seria uma das ações que objetivava uma centralização dos
órgãos de informação que subsidiariam a administração federal. Tais modificações não
aconteceram sem lutas burocráticas entre Ministérios, principalmente entre os novos e os antigos.

No caso do Instituto Nacional de Estatística criado em 1934/1936 pelo menos quatro ministros
( Juarez Távora Agricultura , Francisco Luís da Silva Campos Educação e Cultura, Osvaldo Aranha
Fazenda e Francisco Antunes Maciel Justiça e Negócios Interiores ) lutaram pelo fortalecimento ou
enfraquecimento de tal agência. (ver anexos - documentos históricos)

A importância que revestia um órgão como este, tem fundamentos políticos muito precisos para
aquele período. Nos anos subseqüentes a 1930 e, após o golpe instaurador do Estado Novo de
1937 até 1945( Schwarztman,1983), o governo federal desenvolveu uma estratégia de criação de
agências especializadas, que exigiam pessoal técnico qualificado, mas que não estariam
espacialmente concentradas no Rio de Janeiro e sim disseminadas por grande parte do território
nacional, se possível ao nível do município, para que toda a sociedade percebesse que, a partir
daquele momento, o diálogo poderia ser travado diretamente com o governo federal, sem
intermediações das políticas locais ou estaduais, e que nesse diálogo, o porta voz do governo
federal seria um técnico, que nas palavras de Edson Nunes (1997:18) "estava isolado das disputas

36
políticas" . A combinação entre conhecimento técnico e a investidura de poder federal garantia, o
que Nunes(1997:18) chama de insulamento burocrático, uma das quatro gramáticas que
organizam as relações entre o governo e a sociedade: clientelismo, corporativismo, insulamento
burocrático, e universalismo de procedimentos.

Para este autor, é justamente no governo de Vargas que as três últimas gramáticas são
introduzidas e incorporadas ao clientelismo preexistente, sendo que para Nunes "... o
corporativismo constitui, sem dívida, uma de suas parcelas mais importantes. As tentativas de
implantação tanto do universalismo de procedimentos quanto do insulamento burocrático não
foram bem sucedidas nem tiveram tanto apoio quanto os regulamentos corporativistas" .

É importante considerar que as duas primeiras fases do governo Vargas (1930-1937 e 1938-1945)
estavam referenciadas à esquemas ideológicos de corte autoritário. Período este, muito bem
analisado por Jarbas Medeiros em sua obra Ideologia autoritária no Brasil – 1930-1945
(Medeiros, 1978), ao selecionar o ideário de cinco intelectuais que contribuíram com o regime sob
diferentes formas e que tiveram papel influente na estruturação jurídico-política-administrativa do
Estado Novo. Francisco Campos, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alceu do Amoroso Lima e
Plínio Salgado.

Raimundo Faoro em seu prefácio à obra de Medeiros diz que estes personagens... “pertencem à
categoria algo difusa, algo identificável, dos intelectuais. Intelectuais que, em algum momento,
incorporaram-se ao aparelhamento do Estado, fizeram leis ou as influenciaram e fizeram
constituições ou influenciaram sua feitura. Membros da elite, elitistas todos, conquistaram o casaco
de veludo do mandarinato.” (p. XII).

É com esse pano de fundo jurídico-político-administrativo que se deve avaliar o papel das agências
de Estatística e Geografia que vieram a gerar o IBGE. O órgão nos seus primeiros anos, foi um
exemplo típico de instituição do insulamento burocrático, que utilizou fortemente o universalismo
de procedimentos para a qualificação de seus quadros técnicos. Entretanto, apesar desses
mecanismos iniciais, sua história não é imune a controvérsias, criadas justamente por esquemas
corporativos e algumas pitadas de clientelismo.

Ao se analisar todo o período de existência do IBGE, é possível perceber quatro fases distintas,
quanto à sua relação com o poder central da república. Entre 1934 e 1967 a agência esteve
vinculada diretamente à Presidência da República, sendo seus servidores regidos pela legislação
do funcionalismo público. Entre 1967 e 1990, por força do Decreto-Lei 161 de 13/02/1967, a
agência transforma-se em Fundação IBGE e seus servidores passam ter contratos de trabalho, da
mesma forma que as empresas da iniciativa privada. Sua vinculação hierárquica passa a fazer
parte do núcleo ministerial do governo, geralmente sendo coordenada por um ministro de estado
(Planejamento ou Fazenda). A partir de 1990, o IBGE retorna ao Regime Jurídico Único,
transferindo todos os seus funcionários, anteriormente regidos pela C.L.T. (Consolidação das Leis
do Trabalho) para a esfera do funcionalismo público federal. Em 1993, o IBGE passa a fazer parte
do sistema de agências vinculadas à estrutura de ciência e tecnologia do governo federal,
continuando sua ligação com a estrutura do serviço público federal. Para o ano 2001, está em
andamento uma nova mudança de vinculação, para transformar o IBGE em agência executiva do
governo, com autonomia financeira e liberdade de contratação por C.L.T. para projetos
específicos.

No que concerne aos aspectos jurídicos e políticos, a criação do IBGE já foi devidamente tratada
por dois autores da casa, Gonçalves (1995) e Penha (1993). A advogada Jayci de Mattos Madeira
Gonçalves organizou de maneira sistemática o arcabouço jurídico que sustentou legalmente as
agências anteriores, tanto de Estatística, como de Geografia, até sua fusão no IBGE, além de toda
a legislação que foi posteriormente incorporada para garantir o seu desempenho até hoje. O
geógrafo Eli Alves Penha desenvolveu para sua dissertação de mestrado, um interessante trabalho
de Geografia Política, enfocando o papel do IBGE no contexto de centralização política do Estado
Novo.

37
Além desses autores, foram também incluídos dois trabalhos compilatórios, o primeiro referenciado
ao conjunto de leis e decretos que deram suporte jurídico ao Conselho Nacional de Geografia
(IBGE,1952) e o segundo a Cronologia do IBGE, coordenada por Icléia Costa (1998), que lista boa
parte da legislação externa e interna ao órgão como as resoluções das Assembléias Gerais dos
Conselhos Nacionais de Estatística e de Geografia (AG/CNE e AG/CNG), da Junta Executiva
Central (JEC), do Diretório Central (DC) e do Conselho Diretor sob duas siglas (COD, a antiga e
CD a atual).

Para complementar o entendimento sobre o órgão durante os anos 90, é importante também
considerar os documentos elaborados em 1994, pelo então presidente Simon Schwartzmwan
(1994-1999) durante sua gestão, que trataram especificamente sobre o papel do IBGE no contexto
dos órgãos de pesquisa do Governo Federal do Brasil e que apontam para um projeto de criação
de uma agência executiva controlada por um projeto de gestão
(http://www.fbds.org.br/simon/relat.htm).

Tendo como marco inicial essas referências, este trabalho se dispõe a entender o papel exercido
pela Geografia do IBGE nessas gramáticas políticas estudadas por Edson Nunes, que por
coincidência, também exerceu a presidência da casa entre 1986 a 1988 ( num período
particularmente turbulento, em função de problemas corporativos).

Mas antes, será necessário abordar o multifacetado ambiente IBGE, uma das poucas agencias
governamentais no mundo, que opera todas as etapas de reconhecimento territorial, abarcando
desde áreas de pesquisa ecológica em sua Reserva Ecológica do Roncador no Distrito Federal, à
levantamentos soçio-ambientais em escalas regional e nacional, indo do levantamento geodésico
e cartográfico até a confecção (impressão) de diferentes tipos de mapas em diferentes escalas. No
campo das estatísticas, seu alcance é ainda maior, controlando todas as estatísticas básicas de
demografia, infra-estrutura, produção, consumo, emprego e renda, passando pela elaboração dos
principais indicadores econômicos (IBGE, 1993). Esta complexa estrutura inicia suas tarefas na
área do recolhimento de informações.

A Rede de Coleta

A chamada Rede de Coleta é uma estrutura de Escritórios de Informações, Delegacias de


Estatística e Agências Municipais de Estatística, que foi montada a partir de 1934 ( decreto 24 609
de 06/07/1934) e inaugurada em 29/05/1936, cobrindo todas as unidades da federação.

O processo de coleta de informações é iniciado nos escritórios centrais do IBGE, no Rio de


Janeiro, onde são planejadas as campanhas de coleta de informações e se estabelece no nível do
município, onde se encontra a Agência Estatística Municipal (no caso de grandes cidades, uma
rede de agências pode ser estruturada em alguns bairros, também é possível a estruturação de
agências em alguns distritos de municípios de grande densidade populacional) .

Esta rede foi uma das grandes obras de Mário Augusto Teixeira de Freitas na formulação inicial da
estrutura do Instituto Nacional de Estatística (INE), que viria a ser o IBGE da segunda metade dos
anos 30. Na capital de cada Unidade Federada localiza-se um escritório técnico, que foi conhecido
durante muitos anos por Escritório de Informações e Delegacia de Estatística. Essas entidades
tornaram-se verdadeiros consulados do governo federal nos Estados.

São elas que se responsabilizam pela coordenação das agências de coleta localizadas nos
municípios e pelas equipes que operam em pesquisas específicas, que demandam pessoal
especializado. Na atualidade, as pesquisas econômicas de maior importância no IBGE, como, por
exemplo a pesquisa de índices de preços - INPC, pesquisa nacional de amostra por domicílio -
PNAD, pesquisa mensal de emprego - PME, pesquisa de orçamentos familiares – POF, utilizam
contingentes de pesquisadores altamente qualificados e especialmente treinados .

38
Para se ter uma medida do quantitativo desse pessoal especializado, tome-se como exemplo a
campanha da PNAD 96 que ocupou mais de 2 000 pesquisadores em todo o Brasil. Para a
operação censitária de 2000 o IBGE treinou 200.000 recenseadores para trabalharem em 5.507
municípios recenseando aproximadamente 167 milhões de pessoas entre agosto e outubro. Os
questionários serão, pela primeira vez, lidos por processo ótico, utilizando-se scaners e as
informações contidas neles serão automaticamente testadas por programas estatísticos de
verificação de consistência dessas informações, em ambiente de banco de dados especialmente
construídos para a operação. Tais recursos tecnológicos possibilitarão a divulgação dos resultados
preliminares do censo em dezembro de 2000.

Até o final da década de 1980, a estrutura básica da rede era estabelecida pelo município. No
distrito sede de um município localizava-se a agência de coleta (Agência Municipal de Estatística),
chefiada pelo agente do IBGE e, dependendo da importância desse município, poderia ter dezenas
de funcionários.

A Agência Municipal de Estatística (AME) é a ponta de uma intrincada rede organizada no início
dos anos 30 para prover o Governo Brasileiro de informações sobre as condições demográficas,
econômicas, sociais e administrativas do país.

Uma agência municipal de estatística sempre é criada através de uma relação de interesses entre
o IBGE e os poderes municipais (Prefeitura, Câmara dos Vereadores , Juizados e Tabelionatos).
Normalmente, é o poder executivo quem mais se relaciona com o IBGE garantindo, na maioria dos
casos, um espaço físico para a AME. Atualmente, a grande maioria das agências municipais são
alugadas com recursos próprios do IBGE, mas ainda existem casos de coabitação da AME em
prédios pertencentes às prefeituras ou a algum outro poder municipal.

Para o idealizador da rede de coleta de dados, Mário Augusto Teixeira de Freitas, a AME deveria
ser um misto de escritório de coleta de informações e de divulgação de dados sobre o IBGE, sobre
o Estado e o município na qual a agência está localizada. Esse processo de divulgação incluía um
arquivo de dados sobre o município, uma biblioteca básica sobre a região e o estado, além de uma
coleção de obras gerais do IBGE, como anuários, mapas regionais e estaduais.

A agência, em contato com a delegacia estadual ou escritório de informações situado na capital da


unidade da federação podia solicitar material de divulgação para usuários moradores nos
respectivos municípios, evitando assim um deslocamento, muitas vezes longo e penoso de
profissionais como professores, funcionários das prefeituras, ou pesquisadores que demandassem
informações sobre o município e sua região limítrofe.

O livro de Joaquim Ribeiro Costa Manual do Agente Municipal de Estatística editado em 1960, na
parte em que tratou dos Elementos de Organização das Agências Municipais de Estatística, no
capítulo IV Aparelhamento das Agências detalhou minuciosamente a estruturação mínima de uma
agência padrão, inclusive estabelecendo uma planta baixa da distribuição do mobiliário e a
localização dos funcionários encarregados das atividades de coleta e de divulgação de
informações (Costa, 1960).

No ano de 1990, as grandes modificações por que passou o órgão, reduziram a estrutura da rede
de coleta para apenas 500 agências de coleta, situadas em municípios com alguma centralidade,
que passaram e ser gerenciadas por oito departamentos regionais (DERE), que controlam as
atividades administrativas da rede e divisões estaduais de pesquisas (DIPEQ) localizadas em cada
unidade da federação, que coordenam as atividades de coleta.

Atualmente toda a rede reporta-se à Diretoria de Planejamento e Coordenação (DPC) e já se


iniciaram, em 1999, no contexto do Projeto Presença do IBGE, as pesquisas para uma futura
reorganização espacial da rede de coleta, objetivando otimizar a logística de obtenção de
informações, em função de estudos de acessibilidade das agências.

39
Embora a rede de coleta possa trabalhar para levantar informações para qualquer área de
pesquisa do IBGE, sua relação mais sistemática estabelece-se com a área de Estatística, através
da Diretoria de Pesquisas (DPE), em de campanhas de recolhimento de informações sistemáticas
de variada periodicidade, indo das pesquisas mensais até as anuais, que cobrem uma ampla gama
de campanhas estatísticas econômicas e sociais.

A rede também possui fortes vinculações com a Diretoria de Geociências (DGC) através da
organização dos mapas que configuram as Bases Operacionais Geográficas dos Censos
(Demográfico e Econômicos). Mapas que delimitam os setores censitários (urbanos e rurais) de
todos os municípios brasileiros e que são sistematicamente atualizados antes de qualquer
operação censitária. Além disso, o Departamento de Geografia da DGC organiza a regionalização
do país em macro, meso e micro regiões, que são também utilizadas para o processo de
divulgação dos dados estatísticos, além das unidades de área institucionalmente conhecidas
(Estado, município e distrito).

Quinqüenalmente e decenalmente, a rede de coleta se amplia para dar conta das tarefas
censitárias que cobrem nos anos 0 e 5, os censos econômicos ( Agropecuário, Industrial,
Comercial e de Serviços) e, nos anos 0, o Censo Demográfico. A estruturação da logística
censitária, num país de dimensões continentais como o Brasil, é uma tarefa que envolve milhares
de pessoas e muito dinheiro, que tem de ser previamente orçado e aprovado pelo Congresso
Nacional.

As duas mais complexas e caras campanhas censitárias são as dos censos demográfico e
agropecuário. O primeiro, por seu objetivo principal de contar todo o universo populacional
brasileiro, isto é, levantar em todos os domicílios do país, informações sobre a estrutura de sua
população: idade, sexo, escolaridade, condições do domicílio, renda, atividade profissional,
movimentos migratórios etc. O segundo, por sua complexidade de informações, que envolvem
conhecimentos específicos de produtos agrícolas, animais, maquinaria, tipos de energia
consumida, contabilidade, mão de obra etc., somada às dificuldades de acesso aos
estabelecimentos rurais nas áreas mais distantes.

A Área de Estatística

É na área de Estatística, representada pela Diretoria de Pesquisas (DPE) que o IBGE apresenta a
sua imagem mais clara para a sociedade, principalmente após os anos 60 e 70, quando as
pesquisas econômicas conjunturais, como o índice de preços, que estabelecia o índice de inflação,
as taxas de emprego e desemprego, o índice de crescimento industrial e outros, passaram a dar o
mote para a mídia comentar o crescimento ou decréscimo da economia nacional. Além dos
indicadores econômicos a Estatística também trabalha com indicadores sociais, informações que
garantem o conhecimento da realidade social brasileira nos campos da educação, saúde,
emprego, renda, acesso a serviços básicos de infra-estrutura etc.

Cabe também ao IBGE, o papel de coordenador do sistema de estatísticas públicas do país,


definindo novas pesquisas, estabelecendo metodologias, coordenando a organização estatística
de certos setores sensíveis para a conjuntura nacional ( o exemplo das estatísticas militares no
período da 2a Guerra, que o IBGE organizou, juntamente com os ministérios militares é bem
interessante) e acompanhando as estatísticas das demais unidades da federação.

Os principais problemas inerentes a este papel de coordenação podem ser melhor compreendidos
na tese de doutorado de Nelson Senra, que analisa as estatísticas sob duas óticas, a da demanda
(usuários) e a da oferta (produtores) colocando a coordenação como o agente de equilíbrio entre
as duas (Senra, 1998).

Periodicamente o IBGE realiza reuniões entre os principais usuários e produtores de dados


censitários (empresas governamentais e privadas, secretarias estaduais de planejamento,
universidades) para sentir o pulso das demandas sobre determinado tipo de dado, ou normatizar

40
certos procedimentos de coleta ou de apuração. Os exemplos dos índices de preços e de emprego
/ desemprego são alguns dos mais polêmicos, pois envolvem estruturas estatísticas muito
diferenciadas, como as dos estados do Sudeste e Sul com as dos estados nordestinos ou
nortistas. Cabe pois ao IBGE, tentar "o equilíbrio entre o desejável e o possível" que nos fala
Nelson Senra no sub-título de seu trabalho.

Sendo a Estatística a principal atividade fim do Instituto, o IBGE também mantém uma forte
tradição na formação de profissionais de nível superior através de sua Escola Nacional de
Ciências Estatísticas - ENCE, fundada em 1953 e que a partir de 1984 ampliou sua oferta
oferecendo cursos de pós-graduação "latu-sensu" nas áreas de Amostragem, Demografia e
Análise de Dados. A ENCE também ministrava cursos técnicos de segundo grau de Estatística /
Informática e de Geodésia / Cartografia que eram muito disputados. Em 1993 esses cursos foram
reorientados exclusivamente para o aperfeiçoamento do pessoal da casa, tornando-se uma
extensão da área de treinamento profissional. Entretanto, a atuação do IBGE na formação e
qualificação profissional vem desde 1937, com as resoluções da Junta Executiva Central (JEC) do
Conselho Nacional de Estatística organizando estágios, definindo níveis de aptidões para o
ingresso na carreira e em 1939, instituindo o primeiro curso anual de aperfeiçoamento estatístico,
que se tornaria o embrião da futura ENCE.

Na área da Geografia os primeiros cursos de informações geográficas foram ministrados em 1946,


definidas por resoluções do Diretório Central do Conselho Nacional de Geografia visando dois
públicos alvo, os professores do ensino primário (atual 1a a 4a série do primeiro grau) e
professores do ensino secundário ( antigo Ginasial e Colegial, atuais 5a a 8a série e 2o Grau). O
segundo grupo era composto de professores que deveriam possuir diploma de curso superior.
Posteriormente foram ministrados cursos especiais para atualização de professores universitários.
Um detalhamento maior dessas atividades de aperfeiçoamento na Geografia será dado na parte V
deste trabalho.

A Área de Geodésia e Cartografia

A Geodésia, que iniciou seus trabalhos em 1937 no bojo do Conselho Nacional de Geografia, mas
que assume sua especificidade em 1945, com a estruturação das redes altimétrica, planimétrica e
gravimétrica, que estabeleceram as bases para o mapeamento sistemático do país, realizado e
organizado pela área de Cartografia, que além de coordenar o Sistema Cartográfico Brasileiro,
imprime continuamente cartas nas seguintes escalas: 1: 1 000 000 , 1: 250 000, 1: 100 000, 1: 50
000, e 1: 25 000, sendo também responsável pela elaboração cartográfica dos Altas do IBGE.

A incumbência legal de coordenar o Sistema Cartográfico Brasileiro dá ao IBGE um forte poder


normativo no que tange à Cartografia brasileira, pois são seus técnicos que definem as políticas
cartográficas, seus parâmetros metodológicos e as escalas de representação dos trabalhos
cartográficos. É também o IBGE, juntamente com as demais forças armadas, quem determina os
diferentes tipos de cartas especiais de trabalho que servem de base para essas organizações
militares. Um outro importante papel da área cartográfica é o da definição precisa dos limites entre
as principais unidades territoriais legalmente vigentes no país, tanto na escala municipal, quanto
na estadual. Em caso de litígios entre essas unidades, cabe aos cartógrafos do IBGE determinar
os novos limites, que normalmente são arbitrados pelo poder judiciário, levando em consideração
as negociações entre as partes, negociações que podem ficar no terreno dos acordos entre os
respectivos poderes executivos ( prefeituras ou governos estaduais) ou que podem alcançar a
sociedade sob a forma de plebiscitos. É também atribuição da área dar apoio técnico às operações
de mapeamento das Bases Operacionais Geográficas dos censos, principalmente oferecendo
suporte técnico às Prefeituras que não possuam pessoal qualificado para a confecção dos mapas.

Cabe também ao órgão auxiliar o Ministério das Relações Exteriores, no acompanhamento dos
limites internacionais, quando solicitado. Três outros tipos de incumbência interessantes que a
Cartografia participa fortemente são, a delimitação dos limites de parques nacionais e de terras
indígenas, a confecção das cartas aeronáuticas para a aviação civil além da cooperação com as

41
da Força Aérea e a delimitação das projeções cartográficas dos limites municipais no oceano, para
fins de demarcação das proporcionalidades de área, que garantem a divisão dos dividendos dos
ganhos da comercialização do petróleo retirado da plataforma continental brasileira, para os
municípios costeiros que possuam projeções de seus territórios nessas áreas de extração ( o
exemplo dos municípios fluminenses situados em frente as áreas de exploração da Bacia de
Campos e Macaé é o mais interessante).

Na faixa intermediária entre a Cartografia e a Informática encontra-se o campo das operações de


Geoprocessamento, que estabelecem a produção de bases digitalizadas visando o
georeferenciamento de pontos e linhas que determinam limites entre áreas (setores censitários,
distritos, municípios, unidades federadas), componentes da infra-estrutura (estradas, ferrovias,
linhas de transmissão) e aspectos do meio físico (relevo, hidrografia, vegetação). informações que
servem de suporte para mapeamentos automatizados mais ou menos sofisticados, que são
atualmente usados em organização de atlas e na construção de sistemas geográficos de
informações de variados níveis de detalhamento e de sofisticação no que se refere às estruturas
de bancos de dados ( que vão de informações alfa numéricas simples à complexas imagens e
sons em tempo real, que podem ser interrelacionadas internamente no banco ou capturadas em
outros bancos através da rede internet).

Área de Informática

Todas essas informações, tanto estatísticas, quanto cartográficas ficam disponibilizadas em


bancos de dados, que até o início da década de 40 constituíam-se de fichários manuais e cartas
sem muita precisão. Entre os anos 40 e 50 , foram substituídos por sistemas mecânicos e eletro-
mecânicos e, na década de 60, por sistemas eletrônicos, adquiridos à Remington Rand Overseas
Corporation (sistema UNIVAC 1105) e a International Busines Machines - IBM (sistema 1401). A
partir da década de 70 a IBM passou a fornecer os principais sistemas de processamento de
grande porte e de teleprocessamento entre os terminais do IBGE e de algumas agências do
governo federal em todo o território nacional. Para uma visão histórica desses processos deve-se
consultar o trabalho de Freire (1993), que faz parte da coleção sobre Memória Institucional do
IBGE.

O gerenciamento desses bancos de dados e sua divulgação para os usuários, são funções de
duas áreas distintas no IBGE, a Diretoria de Informática - DI, criada em 1971 com a denominação
de Instituto Brasileiro de Informática - IBI e o Centro de Documentação e Disseminação de
Informações - CDDI, criado em 1989. A área de informática tornou-se um celeiro de profissionais
especializados no gerenciamento de bancos de dados de grande porte, onde a utilização de
grandes computadores é prioritária.

A atual concepção de computação em rede insere o computador central como mais um elemento
dessa rede integrada, qualificado para trabalhar com programas pesados, principalmente os que
operam com grandes massas de dados.

O sistema que operava em 1994 era um IBM 9021 com 1.2 Gigabytes de memória central e
equipado com discos que podiam armazenar 242 Gigabytes de informação, e ser acessado por 2
000 terminais remotos.

O sistema que passou a operar em 1998 está composto por Um (1) IBM-9672 modelo R32
(triprocessador) com 192 Mbytes de memória central e 1024 Mbytes de memória expandida, 104
canais com taxa de transferência de até 4,5 Mbytes/segundo. O processador opera com 60 mips
(milhões de instruções por segundo) e possue o dispositivo PRSM que permite sua divisão em
partições lógicas de processador. Duas controladoras IBM-3990 modelo G03 com memória
CACHE de 32 Mbytes e duas controladoras IBM 3990 modelo G06, memória CACHE de 256
MBYTEs, e 512 Mbytes. As memórias CACHE permitem otimizações nas operações com os
discos magnéticos e são preservadas com auxílio de baterias, no caso de falta de energia , por um
período de até 48 horas. Quatro (4) unidades de discos IBM-3380 modelo AK4 com quatro

42
endereços por unidade, capacidade de 1.89 GBYTES por endereço( 39825 trilhas e 2.665
cilindros). Doze (12) unidades de discos IBM-3380 modelo BK4 com quatro endereços por unidade
e capacidade de 1.89 GBYTES por endereço (39.825 trilhas e 2.665 cilindros). Dezesseis (16)
gavetas IBM 9392-B13 emulando 64 endereços de discos IBM 3390, com capacidade de 2,84
GBYTES por endereços (50.085 trilhas ou 3.339 cilindros).

Este novo sistema sustenta uma grande rede de 44 servidores localizados no Rio de Janeiro que
já integram uma arquitetura de 2180 pontos de rede, onde já estão instaladas 1706 estações de
trabalho. Além disso, o sistema gerencia também mais 92 servidores e 1221 estações de trabalho
localizados nas unidades do IBGE em nível de capital de estado e no Distrito Federal, estando em
elaboração a nova rede que interligará todas as 500 agências da rede de coleta. Portanto, o
computador central hoje, é mais um servidor que executa tarefas específicas que exigem grande
capacidade de memória, com por exemplo rodar programas de bancos de dados de grande massa
de informações, além do gerenciamento da rede.

Área de Disseminação de Informações

Ao Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) cabe a tarefa de disseminar


as informações coletadas ou geridas pelo órgão e seu principal desafio atual é a adaptação às
mídias de meio magnético e magnético-ótico, como os disquetes e CD-ROMs, além do uso
intenso da rede Internet, através de seus variados sites que atendem desde os pesquisadores
especializados até o público adolescente, como no caso do recente lançamento do site IBGE Teen
e a preparação de um novo site para o público infantil (IBGE Kids). É também no CDDI que se
encontra a área da Memória Institucional, criada em 1990 com o objetivo de identificar e organizar
o acervo histórico do IBGE. Essa pesquisa, por exemplo, está gerando subsídios para a
organização de um acervo de depoimentos sobre as atividades da área de Geografia e de suas
relações com as demais áreas da casa. Além de suas tradicionais funções de gerenciamento das
bibliotecas do órgão, e da impressão de parte de suas pesquisas e estudos que são distribuídas
pelos seus pontos de vendas tradicionais.

Sua estrutura de atendimento, além das mídias inseridas na Internet, como no caso de sua nova
loja virtual, que vende os produtos do órgão na grande rede, espalha-se obrigatoriamente até aos
escritórios das Divisões de Coleta (DIPECs) através dos SDDIs localizados nas capitais estatuais
e na maioria das agencias de coleta, situadas em cidades médias, onde seja possível estabelecer
um posto de venda de produtos do IBGE.

É através dessa área que o IBGE se comunica com a sociedade, utilizando tanto uma linguagem
técnica, quanto cultural. No caso da disseminação de obras culturais, os melhores exemplos dessa
política podem ser verificados em três fases distintas do órgão.

Por ocasião do lançamento dos resultados do Recenseamento Geral do Brasil de 1940, obras que
referenciavam o IBGE com áreas da educação e da cultura foram editadas, como por exemplo,
em 1941 por ocasião da Primeira Conferência Nacional de Educação (IBGE, 1941) uma extensa
obra sobre os problemas educacionais brasileiros em dois volumes, em 1943 a obra de Fernando
de Azevedo A Cultura Brasileira, uma dos mais completos retratos da evolução da sociedade
brasileira feitos após a revolução de 1930. Nos anos 50, a coleção de Tipos e Aspectos do Brasil,
que compilou desenhos de Percy Lau e Barboza Leite sobre os mais diferentes aspectos da vida,
costumes sociais e atividades profissionais de diversas regiões brasileiras (IBGE, 1975 10a ed.), e
no ano 2000, nas comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, os lançamentos da
coletânea Brasil 500 anos de povoamento , onde 11 historiadores especializados em “nações” que
povoaram o Brasil escreveram artigos sobre seus respectivos objetos de pesquisa, num livro
ricamente ilustrado com imagens de pinturas e gravuras de artistas renomados como Anita
Malfatti, Rubens Gerchman, Anna Bella Geiger, Manabu Mabe, Tadashi Kaminagai, além de
ilustrações históricas e mapas de época e de fotos do acervo da Memória institucional do IBGE
que retrataram as múltiplas facetas desta saga de ocupação do território brasileiro (IBGE, 2000), e
a edição fac-similar da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros em CD ROM, onde os 36 volumes

43
foram reduzidos em 18 CD ROMs, onde é possível uma navegação mais rápida, pelo uso de links
com o sumário e a possibilidade de impressão seletiva das páginas pesquisadas.

Área de Geografia

A área da Geografia foi propositadamente deixada para o final, pois ocupará a maioria dos
capítulos subseqüentes. Entretanto, é importante assinalar que sua incorporação ao órgão que
cuidava das estatísticas brasileiras foi, fundamentalmente, o resultado de duas necessidades com
as quais o Governo Federal se ressentia nos anos 30, uma base cartográfica mais precisa e um
conhecimento mais sistematizado do território brasileiro, tanto no contexto físico, quanto no
humano e econômico. Eram necessidades que garantiriam o futuro do planejamento de ocupação
do interior em bases mais sistematizadas, evitando-se áreas problemáticas em termos ambientais,
que poderiam elevar os custos do processo.

A primeira necessidade vinculada à estruturação de uma base cartográfica para orientar


espacialmente os trabalhos do Recenseamento Geral de 1940, foi solucionada pela Lei
Geográfica do Estado Novo de 1937, que obrigou a todos os municípios montarem seus
respectivos mapas municipais até março de 1940, para serem utilizados pelos agentes de coleta
do Recenseamento. A segunda necessidade foi sendo organizada mais lentamente, na medida em
que os novos geógrafos eram formados na Universidade e adquiriam experiência profissional,
tanto em campo, quanto nos bancos acadêmicos das universidades brasileiras e do exterior.

Muito embora a Geografia brasileira nos anos 30, já possuísse um razoável lastro, com fica claro
nos trabalhos de Lia Osório Machado, sobre as origens do pensamento geográfico brasileiro
(Machado,1995 e 1999). Sua sistematização e aplicabilidade num esquema de planejamento
governamental de escala nacional ainda não havia sido tentada.

É justamente sobre a participação do IBGE na história da estruturação do Sistema de


Planejamento Territorial Brasileiro (SPTB) que este trabalho versa, e para isso foram utilizadas
tanto as fontes documentais, quanto as orais de quem viveu partes do processo .

Os três profissionais que vivenciaram a fase inicial (1937-1938) de criação do Conselho Nacional
de Geografia (CNG) e ainda vivem, são o engenheiro Cristóvão Leite de Castro, chefe da Secção
de Estatística Territorial do Ministério da Agricultura, que foi transferida para formar o núcleo inicial
do Conselho Brasileiro de Geografia em 13 de outubro de1938 (IBGE,1952:74), o geógrafo
Orlando Valverde, que ingressou em julho de 1938, por convite de Cristóvão e foi oficialmente
contratado em 1o de outubro do mesmo ano e o, na época, desenhista Miguel Alves de Lima, que
posteriormente tornou-se geógrafo. Os dois primeiros deram seus respectivos depoimentos ao
CDDI em ocasiões diferentes, sendo que o professor Valverde, ainda lúcido e produtivo, foi
posteriormente entrevistado especialmente para esta pesquisa, assim como o professor Miguel
Alves de Lima.

O último capítulo introdutório estabelecerá um pano de fundo cronológico, que objetiva orientar
temporalmente o leitor na saga da Geografia e dos Geógrafos do IBGE, que se desenrolou ao
longo desses 60 anos.

44
III - O Pano de Fundo Cronológico que Orientará a Saga Geográfica do IBGE

O principal objetivo deste capítulo é fornecer um quadro de referência que oriente o leitor não
familiarizado com a história da Geografia no IBGE, em termos cronológicos. Para isso, foram
definidos 13 períodos de tempo ( com uma introdução que referencia os cinco anos anteriores a
1938 e mais os doze 12 restantes ), onde seus respectivos títulos informam de maneira geral,
determinadas conjunturas tanto de cunho externo, quanto interno à Geografia ibegeana.

Na tentativa de demarcar os mais significativos segmentos de tempo desses 60 anos, foram


levados em consideração critérios de contextura que esclarecem o realce de cada segmento. No
âmbito externo ao IBGE, o quadro político-institucional brasileiro e o estado da arte no campo
científico e tecnológico são os de maior peso. Em âmbito interno, as prioridades de atuação do
órgão quanto a projetos, escalas de análise e áreas além das políticas de recursos humanos,
foram as que imprimiram a marca da Geografia Oficial.
1933 a 1938 - A Fase Introdutória de Criação do Instituto Nacional de Estatística e do
Conselho Brasileiro de Geografia, embriões do IBGE
( Presidente da República – Getúlio Dorneles Vargas 1930-1937, Presidente do IBGE
– José Carlos de Macedo Soares 29/05/ 1936 - , Secretário Geral do Conselho
Nacional de Geografia CNG – Christóvão Leite de Castro 07/04/1937 - )

O contexto político é marcado pelas ações centralizadoras da primeira fase do Governo Vargas,
após a Revolução de 1930. É marcadamente uma fase de estruturações / restruturações da
máquina governamental federal, como a criação de novos Ministérios (Trabalho, Educação e
Indústria e Comércio). Revolucionários de primeira hora são colocados em postos chave, como no
caso do General Juarez Távora no Ministério da Agricultura. No lado técnico do novo governo deve
ser destacado o estatístico vindo do Ministério da Educação e Saúde Pública, Mário Augusto
Teixeira de Freitas, criador do Instituto Nacional de Estatística e principal emulador do processo de
organização de uma agência que dará subsídios cartográficos ao aparelho estatístico brasileiro. É
importante ressaltar também a vinda ao Brasil em 1933, de Emmanuel de Martonne, considerado
um dos mais importantes geógrafos da França. Sua posição como Presidente da União Geográfica
Internacional (UGI) garantiu as tratativas de organização dos cursos formais de Geografia tanto
em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, além de iniciar o processo de criação de um futuro
núcleo de pesquisadores em Geografia lotados no Governo Federal, principalmente no que se
referiu a indicação de jovens professores franceses, que vieram iniciar suas carreiras de
pesquisadores aqui. No caso de São Paulo, Pierre Mombeig e no Rio de Janeiro a figura de Pierre
Deffontaines.

As relações entre Juarez Távora (Távora, 1974:96-98) e Teixeira de Freitas permitiram que o setor
de Estatísticas Territoriais do Ministério da Agricultura, chefiado por Cristóvão Leite de Castro e já
contando com as presenças de Fábio de Macedo Soares Guimarães, Jorge Zarur, Miguel Alves de
Lima entre outros, seja transformado em um novo Conselho Brasileiro de Geografia, incorporado
ao Instituto Nacional de Estatística e instalado solenemente em 01 de julho de 1937. (ver anexos
documentos históricos)

A figura do geógrafo francês Pierre Deffontaines torna-se a mais importante referência de


formação profissional desse período e ainda vai influenciar fortemente o próximo, ao preparar os
cursos iniciais das primeiras turmas de Geografia da Universidade do Distrito Federal (UDF) e
orientar metodologicamente os objetivos do que seria o futuro Conselho Brasileiro de Geografia,
inclusive formando seu primeiro núcleo técnico, auxiliar nas tratativas diplomáticas para inclusão
do futuro órgão na União Geográfica Internacional e criar a Associação dos Geógrafos Brasileiros
(AGB).
• 1938 a 1945 - Estruturação inicial do Conselho Nacional de Geografia no contexto
político do Estado Novo: os primeiros trabalhos de referência e as primeiras ações de
aperfeiçoamento do pessoal

45
(Presidente da República – Estado Novo– Getúlio Dorneles Vargas 1937-1945,
Presidente do IBGE – José Carlos de Macedo Soares 20/05/1936 - , Secretário Geral
do CNG – Christóvão Leite de Castro – 07/04/1937 - )

Esse período se dá no contexto do Estado Novo até a primeira queda de Vargas. A determinação
de Getúlio Vargas em criar novos padrões de governo, enfatizando a centralização administrativa e
ampliando os níveis de responsabilidade federal através do crescimento da burocracia estatal, é o
pano de fundo que referencia a criação do IBGE em 1937 e a restruturação da nova agência, com
os Conselhos Nacional de Estatística e de Geografia entrando em funcionamento em 1938.
Orlando Valverde é contratado em 1938 como secretário do Conselho Nacional de Geografia. É a
primeira contratação do novo órgão, sem contar as transferências feitas entre Ministérios.

O contexto epistemológico da época era referenciado pela escola francesa de geografia através da
influência de Emmanuel de Martonne, Pierre Deffontaines e de Pierre Monbeig, que além de
organizadores de cursos nas Universidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foram os orientadores
metodológicos da primeira geração de geógrafos do Brasil. Este processo se consolida
posteriormente, entre1940 e 1956, com a vinda de Francis Ruellan, professor francês que orientou
e treinou dezenas de geógrafos, tanto do CNG, quanto da Universidade.

Em 1941 foi adotada uma divisão regional do Brasil, elaborada por Fábio de Macedo Soares
Guimarães e colaboradores, que além de servir de base para a divulgação de dados estatísticos,
foi também o embrião de uma idéia de planejamento espacial para o governo federal. ( RBG v.3
n.2 abr/jun 1941).

Em 1942 Jorge Zarur segue para os Estados Unidos para aperfeiçoamento na Universidade de
Winsconsin onde gradua-se como Master of Arts em 1943 e segue para a Universidade de
Chicago onde estuda pesquisa de campo. Ao mesmo tempo, articula com as autoridades
americanas e o IBGE a ida de geógrafos brasileiros para cursos de aperfeiçoamento em Geografia
Regional e pesquisa de campo.

Por conta dessas articulações, em 1945, seguem para os Estados Unidos cinco geógrafos do
IBGE com o intuito de receberem aperfeiçoamento em técnicas de pesquisa de campo e
planejamento regional:
Fábio de Macedo Soares Guimarães e Orlando Valverde na Universidade de Wisconsin.
Lúcio de Castro Soares e Lindalvo Bezerra dos Santos na Universidade de Chicago.
José Veríssimo da Costa Pereira na Universidade de Northwestern.
Com esse grupo, inicia-se o processo de aperfeiçoamento profissional de alto nível, que ao longos
desses 60 anos nunca foi interrompido.
É importante lembrar que eram os meses finais da Segunda Guerra e que a Europa ainda não
podia bancar estadia de alunos estrangeiros, portanto abria-se um campo novo para a absorção
de conhecimentos da escola americana de Geografia.

• De 1946 a 1950 - As demandas do pós-guerra e a introdução de um aparato


epistemológico na pesquisa
(Presidentes da República – José Linhares 1945-1946 e Eurico Gaspar Dutra 1946-
1951, Presidente do IBGE – José Carlos de Macedo Soares 29/05/1936 –
30/01/1951, Secretário Geral do CNG – Christóvão Leite de Castro – 07/04/1937 –
12/07/1950)

O contexto político-institucional da época era bem turbulento, pois ainda repercutiam as


conseqüências da deposição de Vargas em outubro, sua substituição por José Linhares e a
eleição do General Eurico Gaspar Dutra em dezembro de 1945. Além disso, em setembro de 1946
é promulgada uma nova Constituição que recoloca o país na democracia, mas o texto mantém a
estrutura criada por Vargas, isto é, um executivo ampliado e altamente centralizado, o que garante
a manutenção da estrutura do IBGE durante o novo governo.

46
No campo do conhecimento geográfico os fatos mais importantes foram a vinda de Leo Waibel em
1946 e a ida para a França recém saída da guerra, de um grupo de cinco geógrafos do IBGE
indicados por Francis Ruellan (Miguel Alves de Lima, Pedro Geiger, Elza Keller, Miriam Mesquita,
Héldio Xavier César).
Leo Waibel vem trabalhar em pesquisa geográfica exclusivamente no IBGE, diferentemente de
Francis Ruellan, que também lecionava. Nos anos seguintes os americanos Clarense F. Jones
( 1948) e Preston James (1949) também vieram pesquisar e treinar os técnicos do IBGE e com
isso, criou-se uma nova matriz epistemológica a somar-se com a francesa que já era tradicional.
Waibel era alemão, com doutoramento em Hidelberg e tinha passado pela Universidade de Bonn,
onde tinha sido diretor do Instituto de Geografia. Com o crescimento do nazismo, Waibel imigra
para os Estados Unidos e vai lecionar em Wisconsin, onde conhece Fábio de Macedo Soares
Guimarães e Orlando Valverde, que por intermédio de Cristóvão Leite de Castro, conseguem que
o CNG do IBGE convide Leo Waibel para trabalhar no Brasil.
O vasto conhecimento de Waibel em Geografia Agrária amplia os horizontes de um grupo seleto
de geógrafos do CNG que estavam trabalhando com o processo de colonização sob demanda do
governo federal, esse mesmo grupo, em 1947 elabora um plano de mudança da capital federal,
sob a orientação de Waibel, objetivando estabelecer a posição da cidade, tendo como relator Fábio
de Macedo Soares Guimarães (RBG v.11n.4 out/dez 1949). Nesse projeto atua também o grupo
de Francis Ruellan preocupado com a escolha de um sítio físico otimizado para a futura capital.

Os americanos Clarense Jones e Preston James também trabalharam muito com o tema
colonização, por ocasião de suas estadas no Brasil. Jones foi o orientador de um trabalho de
campo no Pantanal mato-grossense e escreveu o artigo “A Fazenda Miranda em Mato
Grosso” [ RBG 12 (3), jul/set 1950 ] por sinal, um número que se tornou clássico para o tema,
pois além do artigo de Jones, estavam lá um artigo de Nilo Bernardes sobre a colonização do
município de Santa Rosa - RS e o de Leo Waibel, em que ele avalia sinteticamente seus estudos
no Brasil.

Além dos geógrafos de formação, o IBGE recebia também outros profissionais que mostravam-se
capacitados a elaborar estudos geográficos. Um ótimo exemplo de profissional de geologia que
sabia escrever sobre os processos de ocupação humana em termos espaciais foi Alberto Ribeiro
Lamego que no período compreendido entre 1940 e 1950 escreveu quatro grandes obras para o
CNG: O Homem e o Brejo, O Homem e a Restinga, O Homem e a Guanabara e O Homem e a
Serra.

• De 1951 a 1956 - fase de consolidação da Geografia do IBGE e o Congresso


Internacional de Geografia da União Geográfica Internacional
(Presidentes da República – Getúlio Dorneles Vargas 1951-1954, João Café Filho
1954-1955, Carlos Luz e Nereu Ramos 1955-1956 e Juscelino Kubitschek 1956-
Presidentes do IBGE – Djalma Poli Coelho 02/05/1951-09/09/1952, Florêncio Carlos
de Abreu e Silva 15/09/1952-21/09/1954, Elmano Gomes Cardim 27/09/1954-
17/11/1955, José Carlos de Macedo Soares 17/11/1955-03/05/1956, Secretários
Gerais do CNG – Virgílio Corrêa Filho – 12/07/1950–28/04/1951, Edmundo Gastão da
Cunha – 03/05/1951-29/09/1952, Luís Eugênio Peixoto de Freitas Abreu –
03/10/1952–13/02/1953, José Veríssimo da Costa Pereira – 13/02/1953 –14/04/1953,
Deoclécio de Paranhos Antunes – 14/04/1953-27/09/1954, Fábio de Macedo Soares
Guimarães – 30/09/1954-22/11/1956 ).

O novo período Vargas iniciado em janeiro de 1951, através de uma vitória eleitoral que quase
alcançou a maioria absoluta, encontra um Brasil diferente daquele do Estado Novo. A
industrialização e a conseqüente urbanização haviam alcançado escalas nunca vistas e uma
classe média urbana começa a surgir. O conceito desenvolvimento nacional toma prioridade nas
discussões da sociedade e o nacionalismo como política econômica toma forma nas campanhas
de criação da Petrobrás e Eletrobrás. No IBGE, a nomeação do General Djalma Polli Coelho, um
Engenheiro Cartógrafo muito ligado ao Serviço Geográfico do Exército e de idéias conflitantes com
as que geriam as atividades estatísticas do IBGE ainda referenciadas à figura de Teixeira de

47
Freitas (aposentado em 1948), acabou por gerar uma crise de poder com o CNE, entre 1951/1952,
que resultou em inquérito administrativo e, posteriormente, sua exoneração e seu prematuro
falecimento. Em 1954 uma crise política leva Getúlio ao suicídio, iniciando um novo governo
transitório até 1956, quando após novas eleições, Juscelino Kubitschek é eleito.

No panorama dos estudos geográficos a matriz francesa ainda continua em evidência, e o


acontecimento mais importante do período é a organização do XVIII Congresso Internacional de
Geografia no Rio de Janeiro, estruturado por Hilgard O’Reilly Sternberg da Universidade do Brasil,
onde o CNG foi um dos principais membros da Comissão Organizadora Nacional. A publicação
dos nove Guias de Excursões do Congresso mostrou o nível de alta qualidade que haviam
alcançado os profissionais do IBGE, pois apenas três autores eram de fora do quadro da
instituição.
1. Planalto Centro-Ocidental e Pantanal Mato-Grossense - Fernando Flávio M. Almeida e Miguel
A. de Lima
2. Zona Metalúrgica de Minas Gerais e Vale do Rio Doce - Ney Strauch
3. Roteiro do Café e Zonas Pioneiras - Ary França ( Universidade de São Paulo )
4. Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Região de São Paulo - Aziz Ab’Saber (Universidade de
São Paulo) e Nilo Bernardes
5. Planície Litorânea e Região Açucareira do Estado do Rio de Janeiro - Lysia Bernardes
6. Bahia - Alfredo Porto Domingues e Elsa Coelho S. Keller
7. Nordeste - Mário Lacerda de Melo ( Faculdade de Filosofia de Pernambuco)
8. Amazônia - Lúcio de Castro Soares
9. Planalto Meridional do Brasil - Orlando Valverde

• De 1956 a 1961 - A transição entre as demandas por interiorização e as questões


industriais do período desenvolvimentista de JK
(Presidente Juscelino Kubitschek 1956-1961, Presidente do IBGE Jurandir Pires
Ferreira - 08/05/1956-31/12/1961, Secretário Geral do CNG – Virgílio Corrêa Filho
22/11/1956-08/12/1958, Speridião Faissol 09/12/1958-10/02/1961)

A era Kubitschek inaugura uma linguagem nacionalista sem xenofobismo, com industrialização
acelerada, ampliação da capacidade de geração de energia e das redes de transporte, além de
introduzir um componente geográfico importante, a marcha para o interior, com a decisão de
construir a nova capital, Brasília em um quadrilátero situado no estado de Goiás, o novo Distrito
Federal, além das estradas Brasília - Belém e Cuiabá - Porto Velho.

O Congresso Internacional de Geografia ocorrido no Rio de Janeiro em 1956 estreitou ainda mais
os laços entre a Geografia francesa e os geógrafos do IBGE, agora através dos professores Michel
Rochefort que inicia seus contatos com os geógrafos do IBGE sobre sua pesquisa de doutorado
em métodos de trabalho sobre redes urbanas e Jean Tricart que ampliou os métodos de pesquisa
em Geomorfologia tropical.
Como reflexo ainda dos esforços empreendidos na realização do Congresso Internacional de
Geografia de 1956, o CNG lançou um conjunto de obras, que talvez tenha sido o maior e mais
completo conjunto de trabalhos geográficos sobre o Brasil em um curto espaço de tempo: a
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, as coleções Grandes Regiões, Atlas do Brasil e a Carta
do Brasil ao Milionésimo. A EMB foi uma obra ciclópica que envolveu um número enorme de
profissionais de diversas disciplinas. Lideravam a área de Geografia os geógrafos Speridião
Faissol como Secretário Geral do CNG e Antônio Teixeira Guerra na Divisão de Geografia, sendo
eles os responsáveis pelo gerenciamento dessas obras organizadas no final dos anos 50.

• De 1961 a 1965 - Subsídios para o planejamento territorial e a ‘descoberta’ da


urbanização brasileira: o divórcio entre as geografias física e humana
(Presidentes da República – Jânio da Silva Quadros 1961, João Belchior Dias Goulart
1961-1964, Ranieri Mazilli 1964 e Humberto de Alencar Castelo Branco 1964- ,
Presidentes do IBGE – Rafael da Silva Xavier 10/02/1961-09/11/1961, José Joaquim
de Sá Ferreira Alvim 13/11/1961-01/10/1963, Roberto Bandeira Accioli 14/10/1963-

48
31/03/1964, Aguinaldo José de Senna Campos 10/04/1964- Secretários Gerais do
CNG - Waldir da Costa Godolphim 21/11/1961-21/10/1963 ,Speridião Faissol
21/11/1963-06/04/1964, Waldir da Costa Godolphim 14/04/1964-06/10/1964, René de
Mattos 06/04/1964- )

Após o período desenvolvimentista de Kubitschek, o Brasil entra na efêmera era Jânio Quadros,
transita nas indefinições de João Goulart e cai nas malhas dos Governos Militares. É uma fase
altamente conturbada, carregada de ideologias e extremismos. Expressões como Reformas de
Base, imperialismo, capital estrangeiro, forças populares, comunismo, subversão, República
Sindicalista... eram a constante na imprensa e nas conversas. O processo de planejamento voltou-
se para si e iniciou um processo de reciclagem.

Os trabalhos de Jean Hautreux e Michel Rochefort sobre a rede urbana da França são absorvidos
pelos geógrafos urbanos e regionais do IBGE que adotam esse método de estudo: a determinação
da hierarquia urbana de um espaço regional ou nacional através da análise do setor terciário das
cidades envolvidas.
O trabalho de Lysia Bernardes sobre a rede urbana do Rio de Janeiro (1964) é, sem dúvida uma
das mais importantes pesquisas feitas nesse período, que se valeu dos ensinamentos de Michel
Rochefort no trato de problemas sobre sistemas de cidades. É o período em que inicia-se o
divórcio entre a Geografia Humana e a Geografia Física, com o crescimento da importância dos
estudos urbanos e industriais nos programas de planejamento de governo.

• De 1965 a 1969 - A integração do IBGE ao modelo de desenvolvimento urbano-


industrial e sua primeira grande mudança administrativa
(Presidentes da República – Humberto de Alencar Castelo Branco – 1967, Arthur da
Costa e Silva 1967-1969, Junta Militar 1969 e Emilio Garrastazu Médici 1969-
Presidentes do IBGE- Agnaldo Senna de Campos – 10/04/1964-03/04/1967,
Sebastião Aguiar Aires 04/04/1967- Secretários Gerais do CNG- René de Mattos
06/04/1964-24/04/1967, Miguel Alves de Lima 24/04/1967-05/09/1967, Lúcio de
Castro Soares 05/09/1967-06/09/1967 – Diretor Superintendente do Instituto
Brasileiro de Geografia Miguel Alves de Lima – 06/09/1967- Chefe do Departamento
de Geografia Marília Veloso Galvão – 1968 - )

No plano político-institucional a seqüência de dois governos militares - Castelo Branco e Costa e


Silva - além de um rápido, porém traumático "intermezzo" sob a Junta Militar, criou dois tipos de
clima: um econômico, de franca recuperação, e outro político, de desagregação. A sucessão de
Atos Institucionais, o surgimento da guerrilha e sua conseqüente repressão por parte do governo,
emolduram o período como um dos mais conturbados da República.

Como resultado natural dos ensinamentos de Michel Rochefort, os profissionais de Geografia


Urbana e Regional do CNG estabeleceram um padrão de conhecimento sobre a estrutura urbana
brasileira, que poucos fora do IBGE poderiam ter. Em conseqüência deste fato, foi solicitado ao
IBGE pelo Ministério do Planejamento, uma análise do arcabouço urbano do Brasil objetivando a
determinação de pólos de desenvolvimento. Esse convênio CNG-EPEA (Escritório de Pesquisa
Econômica Aplicada, posteriormente transformado em Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -
IPEA) instituído em 1966, gerou estudos sobre o processo de regionalização. Subsídios à
Regionalização (1968) e Regiões Funcionais Urbanas (1970). Além de influir nos estudos que
modificaram a divisão macrorregional em 1970 e nas primeiras pesquisas de determinação das
áreas metropolitanas brasileiras. Neste período, a liderança de Lisia Bernardes na Geografia do
IBGE é a principal referência. Sua influência é percebida até o final dos anos 60, quando transfere-
se para o IPEA e inicia sua carreira de planejadora do governo federal e posteriormente no
governo do Estado do Rio de Janeiro. Na área de Geografia sua sucessora é Marília Galvão que
assume o Departamento de Geografia em 1968 e faz grandes modificações administrativas nas
chefias.

49
No contexto político-administrativo, os governos militares iniciam um projeto de reforma do Estado,
que culminou em 1967 com a mudança do IBGE de autarquia para Fundação, inicialmente
composta por órgãos autônomos - Instituto Brasileiro de Estatística - IBE, Instituto Brasileiro de
Geografia - IBG e Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE. A nova Fundação passa a
gozar de autonomia administrativa e financeira e reporta-se ao Ministério do Planejamento e
Coordenação Econômica (Ministros Roberto Campos e Hélio Beltrão).

No final desse período inicia-se o envolvimento com a Geografia Quantitativa e com a teoria
centro-periferia, através de John P. Cole, Brian Berry e John Friedmann que visitam o IBGE
(1969) e estruturam uma ligação forte com o Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM) do
Departamento de Geografia, liderado agora por Speridião Faissol.

• De 1970 a 1974 - Turbulência epistemológica: a matriz francesa vs matriz anglo-


saxônica
(Presidentes da República – Emílio Garrastazu Médici 1969-1974 e Ernesto Geisel
1974- , Presidentes do IBGE- Sebastião Aguiar Aires 04/04/1967-24/03/1970 e Isaac
Kerstenetzky 24/03/1970- , Diretores Superintendentes do IBG – Miguel Alves de
Lima 06/09/1967- 11/10 /1971, Chefe do Departamento de Geografia Marília Veloso
Galvão - 1968- )

No que concerne ao quadro político-institucional, acentua-se a dicotomia entre a pujança


econômica orientada pelo governo militar e executada pelo binômio Empresas Estatais/Empresas
Privadas, e o declínio das liberdades individuais e de opinião que afetou uma parte da população,
acrescido do fato que o aparelho repressivo de governo tornou-se um poder paralelo,
comprometendo seriamente o clima necessário às discussões, essencial à produção cientifica.

Na arena de discussões metodológicas da Geografia, esse é um período interessante, onde


misturam-se dúvidas e certezas sobre qual opção seguir, condicionadas por conjunturas diversas.
O sabor do novo, versus o risco da troca entre o certo e o duvidoso; o novo patamar que poderia
ser alcançado pela geografia perante as outras disciplinas, versus o tremendo esforço de
aquisição das pré-condições, para que se garantisse um razoável manejo das novas técnicas, são
alguns dos inúmeros dilemas com que se deparou a Geografia brasileira em geral e a do IBGE em
particular, a serem analisados no decorrer deste trabalho.

Houve por parte dos geógrafos estrangeiros vinculados à essa abordagem metodológica, uma
substancial ajuda inicial, afim de superar alguns problemas de ordem técnica, principalmente no
que se referia aos algoritmos e softwares que deveriam ser implantados nos computadores de
grande porte da PUC-Rio, IBGE e UFRJ. É interessante ressaltar que sendo o Brasil um país de
grande extensão e com diferenciações espaciais significativas, era de todo o interesse para esses
geógrafos testar seus estudos aqui.

No ambiente interno do IBGE, a liderança de Speridião Faissol como responsável pelo Grupo de
Áreas Metropolitanas (GAM), tomou o lugar da de Lysia Maria Cavalcanti Bernardes, que havia se
transferido para outra agência do Ministério do Planejamento (IPEA), contribuindo para o gradual
obscurecimento da escola francesa “Rochefortiana” no IBGE dos anos 70.

Nessa época são editados a maioria dos trabalhos de Speridião Faissol sobre as diversas
dimensões do sistema urbano brasileiro utilizando técnicas quantitativas variadas. A segunda
coleção Geografia do Brasil sobre as Grandes Regiões é editada em 1977 e os capítulos sobre
Agrária e Urbana são baseados obrigatoriamente em análise fatorial e de grupamento. Realiza-se
no Rio de Janeiro, em 1971 ( na ENCE - Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE ), um
Encontro da Comissão de Métodos Quantitativos da União Geográfica Internacional. A Geografia
física no IBGE praticamente se retrai, mas continua forte nas universidades.
Em 1972 o processo de transformação do IBGE em Fundação principiado em 67, se concretiza em
termos financeiros e com isso, inicia-se um período de expansão de seus quadros técnicos.
Estabelece-se sob a gestão Kerstenetzky grandes modificações no campo das Estatísticas

50
econômicas e sociais, com a sistematização dos censos econômicos e da ampliação das
pesquisas anuais e mensais, principalmente nas áreas de emprego e renda, nutrição, indústria,
finanças públicas e preços ao consumidor. São adquiridos novos sistemas computacionais e se
amplia o banco de dados do IBGE e é criado o Instituto Brasileiro de Informática (IBI) como a
terceira grande área técnica do IBGE em 05/04/1971.
No início do período ( 1971 ) é assinado um grande convênio com o Ministério da Educação para
avaliação do sistema de ensino superior brasileiro. Inicia-se o último grande período de
contratações que se estenderá por toda a década de 70.

• De 1975 a 1980 - A economicização da Geografia e a politização da economia:


Quantitativa vs Marxismo
(Presidentes da República – Ernesto Geisel 1974-1979 e João Batista de Oliveira
Figueredo 1979- , Presidentes do IBGE – Isaac Kerstnetzky 24/03/1970-29/08/1979,
Jesse de Souza Montello 29/08/1979- , Chefes do DEGEO - Marília Galvão 1968-
1977; Pedro Geiger 1977-1979; Speridião Faissol 1979-1980; Roberto Lobato Corrêa
1980- )

Do ponto de vista político-institucional o Governo Geisel também apresentou-se dicotômico, com


uma boa estrutura de planejamento, mas com sérios problemas na área política e militar que
obrigaram o general a intercalar medidas duras à esquerda e à direita. O “pacote de abril” e o
episódio da exoneração do Ministro de Exército General Sylvio Frota foram os exemplos mais
marcantes do período.
A solicitação do Presidente Geisel ao IBGE para a determinação da linha divisória que dividiu em
dois o Estado do Mato Grosso em tempo recorde e sob o mais absoluto sigilo, dá uma medida do
seu estilo autocrático de governar.
O estado da arte no campo das concepções geográficas brasileiras era um dos mais instáveis,
pois misturavam-se nas discussões, questões ideológicas e pragmáticas, status e conhecimento,
esforços de aprendizado e carreirismo.
O Terceiro Encontro Nacional de Geógrafos realizado em Fortaleza em 1978 dá início a um
movimento de conflito com a Geografia Quantitativa, que a essa altura já estava sofrendo um
problema de identidade em virtude da escassa massa crítica de pesquisadores com
conhecimentos de Estatística, Matemática e Computação, necessários ao desenvolvimento da
metodologia. O conflito entre a Nova Geografia e a Geografia Nova extravasou para outras
questões políticas e mesmo pessoais, o que retardou ainda mais a possibilidade de se avaliar com
isenção o período. Porém, é interessante assinalar que no campo da Geografia física a introdução
dos métodos quantitativos foi muito mais tranqüila e praticamente sem grandes conflitos
metodológicos, o que garantiu posteriormente a aceitação dos programas gerenciadores de
Sistemas de Informação Geográficos (SIGs).
No IBGE, a vinda de economistas estrangeiros como Werner Baer e Samuel Bergsmann para
trabalharem no Departamento de Geografia com Pedro Geiger sobre o processo de
industrialização/urbanização e a questão das desigualdades regionais brasileiras, marcou um
tempo de trocas interessantes entre as duas disciplinas. Tempo este, que foi repentinamente
abortado com a saída de Isaac Kerstenetzky da presidência do IBGE em 1979.

• De 1981 a 1986 - A marginalização do planejamento e suas conseqüências na


Geografia do IBGE
(Presidentes da República – João Batista de Oliveira Figueredo 1979-1985, José
Sarney 1985- Presidentes do IBGE – Jesse de Souza Montello 29/08/1979-
14/03/1985, Edmar Lisboa Bacha 10/05/1985-17/11/1986, Chefes do DEGEO -
Roberto Lobato Corrêa 1980-1985; Solange Tietzmann Silva 1985- )

O governo do último general do ciclo militar iniciado no golpe de 1964, João Batista de Oliveira
Figueiredo iniciado em 1979 encontra o país mergulhado em profunda recessão, resultante tanto

51
do endividamento efetuado por Geisel para garantir uma indústria substituidora de importações,
quanto pela crise financeira mundial causada pelo choque resultante do aumento dos preços do
petróleo pelos países árabes produtores.

O quadro político, apesar de turbulento, mostrou sinais de melhora com a questão da anistia e a
certeza de eleições em 1985 ( diretas ou não ).

Como resultante da crise econômica, as áreas de planejamento do governo federal entraram em


regime de emagrecimento forçado e o IBGE foi uma delas.
No campo científico o ambiente torna-se pesado, abrindo uma nova fase de canibalismo já
anunciada por Willian Bunge em 1973 na The Professional Geographer v.XXV n.4 nov.73 . Nos
congressos não há mais discussões e sim bate-bocas e ofensas pessoais, gerando um ambiente
estranho.

A massa de geógrafos aliviada das responsabilidades de ter que aprender matemática e


estatística, aceitou rapidamente a nova onda e iniciou um processo de “aprendizado” algo caótico
através da leitura e sabatina dos principais textos do “jovem, do adulto e do velho Marx”, assim
como de outros pensadores do Materialismo Histórico, mesmo que tais leituras não fizessem o
menor sentido com o que se estivesse trabalhando na escala do “real-real” ( expressão muito
utilizada por Aluízio Capdeville Duarte). Em resumo, como farsa ou não, a História estava se
repetindo. Talvez sem a mesma ingenuidade e curiosidade que envolveu o primeiro namoro com a
quantitativa nos anos 70, pois agora era uma questão tranqüila deixar para os teóricos o trabalho
de encontrar um conjunto metodológico que desse conta do espaço em Marx.

Saíam de cena expressões como “a negentropia macroscópica” e a “spatial field theory” e


assumiam o comando frases como “a formação social historicamente determinada” e a “teoria do
desenvolvimento desigual e combinado”.

Em 1982 aposentaram-se os dois mais antigos profissionais da Geografia, Orlando Valverde e


Miguel Alves de Lima iniciando um processo de perda gradativa de quadros de alto nível que não
mais seriam repostos na mesma proporção.

Paralelamente a estes acontecimentos, em 1981 instala-se a luta pela regulamentação da


profissão e a anexação dos geógrafos ao sistema CONFEA-CREA. Lideranças da Geografia
Crítica como Rui Moreira e Carlos Walter Porto Gonçalves empreendem uma dura campanha para
conseguirem a regulamentação da profissão, tendo como ponto de referência a Associação dos
Geógrafos Brasileiros e garantiram o êxito deste trabalho, com a absorção da Geografia no
sistema CONFEA / CREA, sistema regulador do conjunto profissional de engenheiros e arquitetos .
Em 1985 inicia-se a transferência dos profissionais do Projeto Radar da Amazônia (RADAM) para
o IBGE, ampliando fortemente a área de Geografia Física e de Meio Ambiente, acrescida da
agregação de núcleos situados regionalmente na Amazônia (Pará), Nordeste (Bahia e Ceará), Sul
(Santa Catarina) e Centro Oeste (Goiânia).

• De 1986 a 1990 - Turbulências político-economicas, germes de inovação e o


início da reconciliação com os estudos do meio ambiente
( Presidente da República – José Sarney 21/041985-15/03/1990, Presidentes do
IBGE – Edson de Oliveira Nunes 06/01/1987-13/04/1988, Charles Curt Müeller
03/05/1988-18/04/1990, Eduardo Augusto Guimarães 18/04/1990- , Chefes do
DEGEO - Solange Tietzmann Sila 1985 - )

O ambiente político de um presidente civil após vinte e um anos de governos militares é a melhor
referência do período, muito embora alguns tropeços tenham ocorrido no caminho da democracia.
A frustração de uma eleição indireta apesar do tremendo esforço da sociedade na campanha
“diretas já” e o desespero em ver morrer o Presidente eleito antes da posse foram os principais
percalços.

52
O governo do vice de Tancredo Neves, o senador maranhense José Sarney é inicialmente
composto pelo ministério definido pelo falecido presidente e a medida que os famosos cinco anos
de mandato vão se desenrolando o ministério vai tomando a forma do Presidente que assumiu.

O quadro econômico assustador, com uma inflação de mais de 350 % ao ano obriga o governo a
criar um mecanismo de choque contra a inflação: o plano cruzado, que tentou controlar a espiral
inflacionária entre fevereiro e novembro de 1986, em meio a sérias crises de desabastecimento e
aumentos de preços. O papel do IBGE nesta fase foi crucial, desencadeando pressões fortíssimas
por parte do governo e de outras instituições que produziam também índices de preços. A atuação
de Edmar Bacha como presidente do IBGE na época e ao mesmo tempo, membro da equipe
criadora do plano cruzado causou muita polêmica (Sardenberg, 1987).

Na área do conhecimento geográfico a moda marxista também perde fôlego, pelo mesmo motivo
pelo qual a quantitativa também morreu: falta de conhecimento por parte do grosso dos
profissionais que possuem uma formação generalista voltada para o magistério e sequer sabem
que a Geografia passou por duas fases de orientação metodológica distintas que pressuporiam
saberes que estão distanciados do que é ensinado nas faculdades orientadas para a formação de
professores .
No contexto do IBGE a Geografia Humana começa a se reconciliar com a Geografia Física
através da consolidação da incorporação dos quadros técnicos do projeto Radanbrasil iniciada em
1985. Estrutuam-se as primeiras experiências de trabalhos multidisciplinares, envolvendo um
grande número de especialistas de disciplinas diferentes que cobrem todo o espectro das
Geociências. Projetos : Diagnóstico Brasil ( 1987 ) Carajás ( 1987 ), PMACI ( 1988 ) e Nossa
Natureza (iniciado em1990).
Mas é também nesse período que a Geografia amplia a perda da maioria de seus antigos
profissionais da “Velha Guarda” , como Speridão Faissol, Pedro Geiger, Elza Keller, Marília Veloso
Galvão, Nilo Bernardes, Alfredo Porto Domingues entre outros.

• De 1990 a 1995 - Novos projetos de governo e a demanda por grandes


diagnósticos: a chegada do Sistema Geográfico de Informações e do mapeamento
automatizado por computador, confrontados pela evasão maciça dos antigos
profissionais para a aposentadoria.
(Presidentes da República – Fernando Collor de Mello 15/03/1990-29/12/1992 e
Itamar Franco 29/12/1992-01/01/1995, Presidentes do IBGE – Eduardo Augusto
Guimarães 18/04/1990-26/03/1992, Eurico de Andrade Neves Borba 26/06/1992-
15/06/1993, Silvio Augusto Minciotti 15/06/1993-30/03/1994 e Simon Scwartzman
05/05/1994- , Chefes do DEGEO - Solange Tietzmann Silva 1985-1991; Cesar Ajara
1991- )

A segunda experiência de um governo civil e a primeira através do voto direto foi uma sucessão de
lições de cidadania, pois pela primeira vez na História recente, um presidente eleito com 35
milhões de votos é deposto em processo de impeachment por crime de responsabilidade.

A total desarticulação da máquina pública federal e o aviltamento do funcionalismo, tanto em


termos salariais, quanto em qualificação profissional foi o principal legado do governo de Fernando
Collor de Melo.

O governo de Itamar Franco, vice da chapa de Collor apresentou uma transição tranqüila para o
novo governo de Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu uma nova moeda, o Real e
conseguiu dominar a espiral inflacionária, garantindo um aumento de renda real para as camadas
mais pobres da população, mas cobrando um alto preço dos funcionários públicos com um
congelamento de salários.
A seqüência de quatro presidentes nesse cinco anos dá uma boa referência dos graves problemas
politico-administrativos por que passou o gerenciamento do IBGE no período.

53
1991 foi o annus terribilis para a Geografia do IBGE, pois aposentou-se quase 60% de seu efetivo
profissional, sendo que boa parte eram técnicos de alto nível, considerados os mais produtivos.
Neste período saíram profissionais antigos como Catarina Vergolino Dias e também geógrafos que
ingressaram no órgão na década de 60 e 70, sendo que muitos aposentaram-se por tempo
proporcional, interrompendo suas carreiras.

Apesar desse triste fato, foi também um período de ampliação dos estudos iniciados na fase
anterior, com uma maior integração entre os profissionais de diferentes especialidades. A questão
da assimilação de conhecimentos muito diversificados num texto único, é hoje o maior desafio dos
profissionais que produzem diagnósticos integrados. O desafio envolve também o produtor de
texto especializado, que agora é obrigado a pensar além de suas fronteiras de conhecimento e
auxiliar o coordenador na costura de ligações entre os diferentes processos físicos e humanos que
moldam um determinado território.

Além disso, algumas mudanças tecnológicas iniciaram seu curso, como a difusão do uso da
computação gráfica que opera com imagens e faz mapeamento automatizado a partir de bancos
de dados geo-referenciados. Os principais trabalhos são:
Diagnóstico Ecológico Econômico da Amazônia Legal ( 1993 ), da Região Nordeste, da Região Sul
e Gerenciamento Costeiro ( 1994 ).
1993-1995 - Nova versão do projeto Rede de Influência de Cidades.
1994-1995 - Delimitação de Áreas Industriais ( utilizando a base de dados do censo industrial de
1991).
1992-1994- Convênio com o GIP- RECLUS de Montpellier e o início dos trabalhos com
mapeamento automatizado e com Sistemas Geográficos de Informação ( vinda de Philipe
Waniez e Violette Brustlein para o IBGE para a implementação de um convênio entre o IBGE, o
CNRS (CREDAL) e o ORSTOM que criou o banco de dados SAMBA 2000 com a colaboração de
Maria Mônica O'Neill, base para se trabalhar com o programa CABRAL 1500 de mapeamento
automático de autoria de Waniez) .
1994 - Início da gestão do cientista político Simon Schwartzmann na presidência do IBGE.

• 1995 - 1998 - As contradições entre o recrudescimento da crise do setor público e


a possibilidade de futuro da Geografia do IBGE numa agência executiva de governo
com contrato de gestão.
(Presidente de República – Fernando Henrique Cardoso 01/01/1995- Presidentes do
IBGE – Simon Scwartzmann 05/05/1994-31/12/1998 e Sérgio Besserman Vianna
25/01/1999- , Chefes do DEGEO - Cesar Ajara 1991-1999, Maria Luísa Castelo
Branco 1999- )

Apesar das dificuldades criadas pela ampliação da crise do setor público federal em termos de
redução de quadros profissionais, o órgão prosseguiu em sua missão técnica. Durante todo o
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o IBGE, que continuou a ser conduzido por
Simon Schwartzmann, passou por transformações importantes nas condições de trabalho, com a
mudança do prédio de Mangueira para as modernas instalações na Av. República do Chile e a
expansão dos equipamentos de informática para todo o corpo técnico, agora ligados via uma
grande rede intranet.

No contexto da Geografia, foi organizada em 1997 uma nova versão da CONFEGE ( reunião
técnica entre profissionais do IBGE na área de Geodésia, Cartografia, Geografia e áreas afins,
com os principais usuários das pesquisas e informações disseminadas pelo órgão - principalmente
universidades e agencias de planejamento estaduais ) que contou com a participação de vários
pesquisadores que tiveram ocasião de discutir as novas demandas de informações geográficas
que o IBGE deverá implementar nos primeiros anos do século XXI. Principalmente no que se
refere a ampliação dos Sistemas Geográficos de Informação e ao mapeamento automatizado,
através da digitalização de todas as malhas que delimitam espaços, passíveis de gerarem
informações de diferentes níveis ( setor censitário, distrito, município, estado, bacia hidrográfica,
parque natural e outras unidades espaciais ).

54
No âmbito do planejamento do censo 2000, a área de Geografia também está contribuindo com a
estruturação das chamadas áreas geográficas ( agregação de setores censitários ) que poderão
servir de base para mapeamentos temáticos de maior precisão.

Além disso, em maio de 1999 iniciou-se a organização do Atlas Nacional do Brasil em sua terceira
edição impressa de grande tamanho, que deverá ser lançado no início de 2001. Estando em pauta
também, um próximo atlas em meio digital nos próximos anos.

O estabelecimento de bancos de dados alfanuméricos e de imagens em meio digital e o


refinamento das bases de dados de Geografia física também estão sendo preparados para
diferentes usos, como no caso do Projeto SIVAM na Amazônia brasileira.

O término do mandato de Simon Schwartzmann em janeiro de 1999 e o início da gestão do


economista Sérgio Besserman Vianna , incumbido de gerenciar a transição do IBGE, de um órgão
vinculado diretamente ao setor público federal, para uma agência executiva com autonomia
financeira, mas sujeita a um contrato de gestão, é o maior desafio que os poucos geógrafos que
restaram na Diretoria de Geociências enfrentarão nos primeiros anos do próximo século.

55
Parte I - A Estruturação da Tecnoburocracia do Planejamento Espacial no Brasil

Introdução - O Papel do Estado Brasileiro nos anos 30 e sua Burocracia

É perfeitamente reconhecido entre os especialistas a importância que Getúlio Vargas teve sobre o
processo de gestação de um Brasil industrial e urbano, contrapondo-se ao velho Brasil agrário,
econômica e demograficamente falando.

A concepção de um governo central forte, quebrando as espinhas das lideranças estaduais ,


impondo uma nova diretriz de crescimento econômico e ao mesmo tempo, organizando um quadro
institucional e jurídico para garantir às populações urbanas acesso a esse mundo novo, é até hoje,
motivo de estudos e interpretações acadêmicas as mais diversas.

As avaliações de Skidmore (1975), que costura inteligentemente as tramas políticas e econômicas


dando a visão de um historiador contemporâneo; de Villela e Suzigan (1975), trabalho clássico em
história econômica, sobre as políticas econômicas de governo ocorridas entre 1889 a 1945; de
Baer (1975) sobre as relações entre a industrialização e o processo de desenvolvimento
econômico do Brasil, enfatizando o período Vargas. A partir da segunda edição, o livro de Baer
conta também com mais dois artigos: o primeiro de Baer, Villela e Kerstenetsky (1975), que
trata do papel do Estado na economia (principalmente no que se refere à indústria estatal), e o
segundo de Baer e Villela (1975) sobre os estágios do crescimento industrial brasileiro, ambos
detalhando o período em questão. Tais exemplos de estudo são obras de referência
indispensáveis.

Nos anos 80, o importantíssimo ensaio de Bielschowsky (1995), ganhador do Prêmio Haralambos
Simeonides da Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (Anpec) e já considerado
um clássico pelos pesquisadores de História Econômica Brasileira, analisa o ciclo ideológico do
desenvolvimentismo rastreando as correntes do pensamento econômico que vigoraram no Brasil
entre 1930 e 1964 - neoliberalismo, desenvolvimentismo e socialismo.
É também de grande importância a avaliação de Motoyama et alli [1994 : 320-334 sobre os
processos de maturação da Ciência e Tecnologia no Brasil, através da luta interna e externa para
a estruturação de um projeto autônomo de desenvolvimento nuclear, iniciado no período Vargas,
por iniciativa do Contra- Almirante Álvaro Alberto de Motta e Silva, e que se consubstancia na
criação do Conselho Nacional de Pesquisas em 1951. O relatório de pesquisa de autoria de Malan,
Bonelli, Abreu e Pereira ( 1977 ) mostrando as conexões entre as políticas econômicas brasileiras
no plano externo e o processo de industrialização ocorrido entre 1939 e 1952, finaliza essa
pequena amostra de avaliações de diversas facetas do papel do Estado na Era Vargas.

No contexto que interessa a este trabalho, Vargas, nos primeiros anos da década de 30, inicia a
política de criação de autarquias e conselhos nacionais que cuidariam de setores específicos
( como nos casos dos Conselhos Nacionais de Estatística e de Geografia ), ou de produtos
considerados estratégicos economicamente ( café, açúcar, sal, mate, pesca e petróleo ),
controlando a produção e estabelecendo preços mínimos. Estabelece um sistema de créditos de
longo prazo para os estabelecimentos industriais e define o controle estatal da marinha mercante
com a estatização do Lloyd Brasileiro e das empresas de navegação da Amazônia e da Bacia do
Prata.

Entre os anos da II Guerra Mundial e 1954 o governo federal ( Vargas - Dutra - Vargas ) usa o
conceito de segurança nacional para criar uma série de empresas estatais chave, que garantiriam
nas décadas seguintes a ampliação do processo de industrialização/urbanização, principalmente
na Região Sudeste: Companhia Vale do Rio Doce (1942), Fábrica Nacional de Motores (1943),
Companhia Nacional de Álcalis (1943), Companhia Siderúrgica Nacional (1946), Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (1952), para financiar projetos industriais de longa maturação,
Instituto Brasileiro do Café (1952), que cuidaria das relações comerciais externas do produto em
nível de governo a governo. Finalizaria com a criação em 1953, da Petrobrás que instituiu o
monopólio da extração e refino do petróleo e seus derivados e com o início do processo de

56
controle da geração e distribuição de energia elétrica, passando também pelo controle da
produção, estoques reguladores, preços e distribuição atacadista de gêneros alimentícios básicos .

É possível perceber, pela magnitude dessas ações tomadas, a necessidade vital de mecanismos
de controle do território tais como: conhecimento dos aspectos físicos da superfície e do subsolo,
dos padrões espaciais da ocupação humana e econômica e de um ordenamento regional
condizente com escala territorial do Brasil, além da cartografação do seu espaço.

É com este pano de fundo, que se deve avaliar em termos conceituais o papel da burocracia
técnica que se estruturou no Governo Federal brasileiro, a partir dos anos 30, da qual o IBGE fez
parte. Mas primeiramente devemos entender o que é e como evoluiu a burocracia.

O termo aparece na França em meados do século XVIII, nos escritos de Jean-Claude Marie
Vincent de Gournay (1712-1759), num contexto de debates entre o absolutismo monárquico e as
idéias liberalismo ecomômico "Laissez faire, laissez passer" das quais Gournay era um ferrenho
partidário. Surge como uma crítica aos funcionários do governo monárquico que controlavam a
maior parte das atividades econômicas do reino e que tornaram-se uma classe entre o povo e a
nobreza, ao intermediarem as demandas entre essas classes e o rei. Essas atividades eram
geralmente transferidas por herança, caracterizando um nepotismo brutal.

Dos direitos musicais e de apresentação teatral ao controle da distribuição de lenha, ou dos


transportes de cabotagem fluvial, passando pela distribuição de livros, tudo era fiscalizado por
esse corpo de funcionários reais, que obviamente já praticavam a ainda atual política de criar
dificuldades para vender facilidades .

Porém, foi com o alemão Max Weber (1864-1920) que o termo passa a fazer parte importante do
vocabulário da Sociologia, ao vincular-se ao estado moderno sob a forma de atividades
administrativas especializadas e controladas por um sistema racional e legitimado juridicamente,
que incorpora o principio da autoridade, com o poder de dar ordens e fiscalizar as relações entre o
Estado e a Sociedade.

No capítulo Burocracia e Liderança Política do seu Parlamentarismo e Governo numa Alemanha


Reconstruída (1974:16), Weber inicia com estas palavras:
"Num Estado moderno necessária e inevitavelmente a burocracia realmente
governa, pois o poder não é exercido por discursos parlamentares nem por
proclamações monárquicas, mas através da rotina da administração. Isto é exato
tanto com referência ao funcionalismo militar quanto ao civil. Mesmo o moderno
oficial de patente superior trava batalhas de seu "gabinete". Tal como o assim
chamado progresso em relação ao capitalismo tem sido o inequívoco critério para
a modernização da economia, desde épocas medievais, assim também o
progresso em relação ao funcionalismo burocrático caracterizado pelo formalismo
de emprego, salário, pensão, promoção, treinamento especializado e divisão
funcional do trabalho, áreas bem definidas de jurisdição, processos
documentários, sub- e super-ordenação hierárquicas tem sido o igualmente
inconfundível padrão para a modernização do Estado, quer monárquico, quer
democrático, pelo menos no que se refere a um Estado composto por grandes
massas de povo, e não a um pequeno cantão com administração rotativa."

Como estudioso profundo da burocracia, Weber sabia dos problemas que poderiam advir de uma
estrutura que cresce irresistivelmente e que se apresenta com características de permanência nas
grandes organizações. Para ele, no contexto do início do século XX , não era a ditadura do
proletariado que iria se instaurar e sim a do burocrata. Setenta anos depois, suas análises ainda
continuam válidas.

Uma outra abordagem, foi também adotada por alguns sociólogos e historiadores brasileiros que
trabalharam sob o pressuposto de uma vinculação implícita entre as elites e a burocracia,

57
principalmente quando referida aos altos postos de decisão e arbitragem. Além de analisarem os
processos de incorporação de novos segmentos sociais à essas elites. Nesta linha de raciocínio
estão alguns importantes trabalhos como os de Sérgio Miceli (1979 e 1988) sobre os intelectuais e
classe dirigente e a elite eclesiástica, o de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (1989) sobre
relações de raça e mobilidade social; a tese de Zairo Borges Cheibub (1984) sobre os diplomatas
do Itamarati e o livro de Luiz Werneck Vianna e colaboradores (1997) sobre a magistratura.

Em outro contexto, alguns autores trataram do tema burocracia para explicar a estruturação do
poder político-administrativo no Estado brasileiro, Raimundo Faoro em Os Donos do Poder (1958)
analisou em profundidade a estrutura burocrática brasileira, dentro de uma visão weberiana
clássica, enfatizando a questão das relações de poder num Estado patrimonialista onde o público e
o privado nunca apresentaram limites muito claros, José Murilo de Carvalho em A Construção da
Ordem e Teatro de Sombras ( reedição de 1997) estudou com detalhes a formação da elite
burocrática brasileira como representante do poder, enfatizando a questão da formação intelectual
entrelaçada com as raízes familiares. Simon Schwartzmann em seu Bases do Autoritarismo
Brasileiro (1982) enfocou as contradições que emergiram entre o que se convencionou chamar de
democracia brasileira em termos dos discursos e as práticas politico-administrativas gerenciadas
pela burocracia estatal, que sempre possuiu um claro traço autoritário, mesmo quando
confundidas com as práticas populistas, além disso Schwartzmann também apresenta uma
inequívoca preocupação espacial ao explicar as diferenças regionais desses conflitos entre o
governo central e os estados mais estruturados politicamente.

Outros autores enfocaram especificamente a questão da tecnoburocracia estatal, onde são


formados quadros especializados que detém o controle das atividades produtivas e de
planejamento estratégico do Estado além do monopólio da informação, via saber técnico. Nesta
linha estão autores como Carlos Estevan Martins (1974), Fernando Henrique Cardoso (1975),
Bresser Perreira (1980), Wanderley Guilherme dos Santos (1982), Sonia Draibe (1985), Gilda
Portugal Gouveia (1994) e Edson Nunes (1985 e 1997), que discutem a formação da
tecnoburocracia utilizando conceitos como insulamento burocrático, anéis burocráticos, ilhas de
racionalidade técnica, universalismo de procedimentos e corporativismo, termos que de uma
forma ou de outra tentam explicar a formação e fortalecimento de um corpo técnico que controla
alguns núcleos de atividades estatais consideradas (em termos) como áreas de exclusão das
pressões político partidárias. No campo antropológico o trabalho de Livia Barbosa (1999) discute a
noção de meritocracia no Brasil estabelecendo comparações com o Japão e com os Estados
Unidos. O assunto é interessante, sobretudo quando se percebe a magnitude do processo de
formação de quadros técnicos que o IBGE gerenciou em boa parte desses 60 anos de sua
existência.

No contexto brasileiro, assim como em outros países, o processo dicotomizador entre o político e
o técnico nas áreas de governo inicia sua trajetória na década de 20, ao findar a Primeira Guerra
Mundial. O profissional que melhor encarna este processo são os engenheiros encarregados das
obras públicas escudados na ampliação das áreas de especialização das Escolas Politécnicas.
Suas ações objetivas passam a contrastar com a lentidão das decisões políticas que,
necessariamente, utilizavam alguns expedientes de acertos partidários ou mesmo de geração de
conflitos entre as diferentes facções políticas. Com isso toma corpo na sociedade um pensamento
que divide a elite de governo em dois grupos, um com características negativas, o político e outro
com características positivas o técnico. O artigo de Angela de Castro Gomes (1994) historia muito
bem o tema, e o de José Luciano de Mattos Dias (1994) é altamente esclarecedor sobre o
processo de ampliação do prestígio dos engenheiros no governo brasileiro.

É interessante assinalar que por ocasião da fundação dos Conselhos de Estatística e Geografia
nos anos 30, a composição majoritária das Assembléias e Conselhos Diretores era de
profissionais oriundos dos cursos de Engenharia Civil e Militar. Figuras chave na criação do
Conselho de Geografia e grandes produtores de artigos na Revista Brasileira de Geografia como
Cristóvão Leite de Castro, Silvio Fróes de Abreu e Moacir F. Silva eram engenheiros.

58
É a partir dos anos 60 que os economistas irão se constituir a segunda grande força nessa elite da
tecnoburocracia, tanto no Brasil ( Motta, 1994), (Bielschowsky ,1995 ), Biderman, Cozac & Rego
(1996) e ( Loureiro, 1997), quanto na França ( Fourquet, 1980), sendo que em ambos os
países, uma boa parte deles iniciou a vida profissional na Engenharia e migrou posteriormente
para a Economia.

É sobre uma parcela dessa tecnoburocracia que o capítulo I trata, ao explanar a estruturação
inicial do Sistema de Planejamento Territorial Brasileiro, enfocando principalmente as ações de
Mário Augusto Teixeira de Freitas objetivando uma revisão da divisão territorial do país.

59
Parte I
Capítulo I - A Formação Institucional do Sistema de Planejamento Territorial Brasileiro

Muitas podem ser as formas de interpretação sobre os processos de criação e desenvolvimento do


que poderíamos chamar de Sistema de Planejamento Territorial Brasileiro. Os trabalhos de
Antônio Carlos Robert Morais sobre este assunto, referenciados ao período do Brasil colonial, são
um bom exemplo de uma dessas múltiplas formas de abordagem do tema (Morais, 1983, 1988,
1991). Maurício de Almeida Abreu também trabalhou a questão, sob o ponto de vista das relações
entre o esquema jurídico colonial português em relação à apropriação do território, e suas
configurações espaciais, que nos foram legadas. (Abreu, 1997).

No entanto, se considerarmos o marco político-administrativo da Revolução de 1930∗, é possível


argumentar que os responsáveis pelo gerenciamento do aparato de Estado do governo de Getúlio
Vargas foram os que mais se preocuparam com as questões referentes ao controle do território de
forma mais abrangente. Principalmente se levarmos em conta que a questão da unidade polítco-
territorial brasileira no final da República Velha era um assunto delicado, pois as elites de estados
fortes, tanto no campo político, como no militar a exemplo de São Paulo, Minas Gerais ou Rio
Grande do Sul, poderiam criar movimentos emancipatórios que poriam em risco a unidade
nacional. Como São Paulo e Rio Grande do Sul efetivamente criaram, no início dos anos 30.

O exemplo de São Paulo em 1932, muito embora revestido de uma roupagem constitucionalista,
contra uma tendência fortemente ditatorial que já se cristalizava no primeiro ano de governo
“provisório” de Vargas, mostrou que a manutenção dessa “unidade nacional” teria de passar por
vários caminhos, além do militar e da representação política clássica. A intermediação técnica era
uma delas, mas como organizar um sistema de organização do aparelho estatal num território
imenso e com tantas particularidades regionais?

Das inúmeras experiências realizadas no governo de Vargas, as que tiveram maior notoriedade
foram a de criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938 sob a
orientação de Luís Simões Lopes (Mariani e Flaksman, 1984) e a do Instituto Nacional de
Estatística em 1934/1936, agência embrião do futuro IBGE organizada por Mário Augusto Teixeira
de Freitas.

Desses grandes articuladores, provavelmente o que combinava a maior visão de futuro com o mais
alto grau de experiência de gerenciamento de informações territoriais, adquirida ao longo dos anos
20 em Minas Gerais, era Mário Augusto Teixeira de Freitas, o Delegado Geral do Recenseamento
do Estado de Minas, criador de um eficiente sistema de gerenciamento de informações que cobria
todos os municípios do território mineiro. Sua atuação foi tão inovadora, que em 1930 foi
convidado para, no dia 12 de outubro, na 1a Conferência Nacional de Estatística apresentar suas
33 teses sob a denominação “Algumas Novas Diretivas Para o Desenvolvimento da Estatística
Brasileira” (Freitas,1994).


Para uma visão mais abrangente do contexto político em que se estruturou o movimento de 1930 e de seus
desdobramentos posteriores, recomenda-se a leitura de duas obras bastante esclarecedoras Rumos e
Metamorfoses (Draibe, 1985) e A Revolução de 1930: Historiografia e História ( Fausto, 1987).

60
Tal apresentação não se realizou em virtude dos acontecimentos que culminaram com o Golpe de
Estado de outubro de 1930, mas a figura de Teixeira de Freitas ficou claramente marcada nas
mentes de alguns responsáveis pelos novos destinos do Estado brasileiro, como no caso do militar
Juarez Távora, ministro da Viação em 1930 e da Agricultura entre 1932 e 1934, foi um dos
participantes do “Gabinete Negro” que se reunia todas as noites do mês de novembro no Palácio
Guanabara para traçar esses destinos, juntamente com José Fernandes Leite de Castro, Osvaldo
Aranha, Ari Parreiras, José Américo de Almeida, Pedro Ernesto Batista e João Alberto (Pantoja
e Camarinha, 1984: 3317) e de Francisco Campos, titular do recém criado Ministério da
Educação e Saúde Pública (Malin e Penchel, 1984).

As articulações entre Teixeira de Freitas e Juarez Távora / Francisco Campos durante os primeiros
anos da década de 30, geraram ações de grande importância para a criação de um sistema de
planejamento centrado no gerenciamento de informações coletadas junto aos municípios. Essas
informações englobariam um amplo leque que cobriria características físicas e ambientais,
geodésico-cartográficas e estatísticas as mais diversas, abrangendo a produção, circulação e
consumo, a infra-estrutura econômico-social e o aparelho de estado em todas as suas instâncias.
Juarez Távora em suas memórias (Tavora,1974:96-98) explicou com clareza esse processo de
aproximação entre suas necessidades de possuir um sistema estatístico de produção agrária e as
idéias mais abrangentes de uma agência estatística nacional sonhada por Teixeira de Freitas.

A experiência de Teixeira de Freitas foi adquirida em Minas Gerais, através de seu modelo de
gerenciamento que centralizava fortemente as decisões operacionais nas mãos de um super
gerente, mas que durante o processo de normatização das informações, era democraticamente
partilhado pelos produtores e usuários dos dados a serem coletados. A participação de
representantes das diversas secretarias estaduais e mesmo de delegações da esfera municipal de
grandes cidades garantia uma ampla aceitação de seu modelo, além de consolidar uma estrutura
de eficiência, pois praticamente todas as instâncias do governo ficavam comprometidas com o
projeto.

Foi este projeto de super agência de informações denominado Instituto Nacional de Estatística,
que abrangeria a totalidade do território nacional em quase todos os aspectos, um dos principais
fatores de coesão do governo Vargas. Sua estrutura de representações que contemplavam todas
as instâncias de governo, caracterizava o que podemos definir como Agência do Poder Central
Capilarizada, isto é, um órgão de informações diretamente subordinado ao Gabinete da
Presidência da República e com alcance até a instância municipal, mas com uma importante
característica, as decisões sobre suas estratégias de ações eram tomadas de forma colegiada
num Conselho Superior de Estatística (anexos: documentos de valor histórico para o IBGE).
Apenas para fins de comparação, as agências do Departamento de Correios e Telégrafos também
apresentavam alta capilaridade, mas não possuíam tal representatividade junto ao poder central.

Portanto, o projeto de Teixeira de Freitas constituiu-se numa ação de governo da mais alta
importância para Getúlio Vargas, e seus maiores incentivadores foram sem dúvida alguma Juarez
Távora, possivelmente por sua experiência de interior brasileiro como “Tenente” junto a Coluna
Prestes na década de 20 e Francisco Campos, por sua visão modernizadora do ensino
universitário e da saúde pública num país carente de informações.

As 33 teses de Teixeira de Freitas foram as ferramentas utilizadas por este grupo de autoridades
para a consecução de um projeto de governo, que na próxima década, após os trabalhos de
apuração do censo de 1940, iria gerenciar o sistema de planejamento territorial brasileiro.

Portanto, os anos 30, principalmente a segunda metade, foram de muito trabalho para Teixeira de
Freitas e seus auxiliares diretos, pois foi nesse período que as noções de integração técnica entre
Estatística, Geografia e Cartografia tomaram corpo, principalmente em termos de preparação das
equipes de profissionais que iriam gerenciar a agência a partir da década de 40. Convênios
internacionais para a organização de cursos universitários (vinda de professores franceses para
iniciarem os cursos de Geografia em São Paulo e Rio de Janeiro, vinda de especialistas austríacos

61
em Geodésia são alguns exemplos dessas atividades paralelas). Além disso, foi preciso articular
com as diversas categorias profissionais da época, os nomes dos conselheiros que iriam participar
tanto técnica, quanto politicamente do novo instituto.

É importante lembrar que neste período, a representação dos engenheiros (civis e militares) era,
juntamente com os bacharéis de direito, as duas maiores forças profissionais que o governo
contava para suas ações. E foram nessas categorias que a maioria dos conselheiros técnicos
foram escolhidos. Além disso, Teixeira de Freitas cooptou auxiliares diretos, que na década de 40
tornaram-se a elite dirigente do IBGE. Auxiliares como Cristóvão Leite de Castro, engenheiro,
responsável pelo serviço de estatísticas territoriais do Ministério de Agricultura e principal gerente
organizador do núcleo de profissionais que iria formar primeiramente o Conselho Brasileiro de
Geografia, mais tarde transformado em Conselho Nacional de Geografia.

Os Planos de Redivisão Territorial e suas Conseqüências Práticas

Paralelamente a essas tarefas administrativas, as preocupações de Teixeira de Freitas com o


gerenciamento do território brasileiro, no sentido espacial do termo, são possivelmente anteriores a
1930, mas que tomaram um grande impulso após a instauração do governo provisório de Vargas,
pois foi em 28 de outubro de 1932 (portanto, em pleno período da Revolução Constitucionalista de
São Paulo) que ele apresenta no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), suas primeiras
teses sobre a redivisão política do Brasil, editadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (Freitas, 1935).∗

Mas foi cinco anos mais tarde, que a questão da redivisão das unidades federadas retornou com
maior vigor na agenda de Teixeira de Freitas. Em dezembro de 1937, após a instituição do Estado
Novo, coloca em discussão seu estudo (Freitas, 1948), que foi apresentado “perante um grupo de
brasileiros de elevadas responsabilidades na direção dos negócios públicos”. Suas palavras
iniciais mostram, sem sombra de dúvida, que a questão da divisão territorial era uma estratégia de
governo que estava sendo levantada num contexto de Estado Forte, com grandes poderes
discricionários. Apesar disso, a proposta apresentada aparecia como um balão de ensaio técnico,
como é possível perceber nos cuidados extremos com o discurso, além dos dados e do mapa,
baseado nos estudos preliminares de João Segadas Viana e modificados por Teixeira de Freitas
(anexo documentos históricos).

“O reforço de autoridade de que a nova ordem política investiu o Poder Executivo


trouxe possibilidades inéditas ao encaminhamento de alguns problemas
fundamentais da organização nacional, que vinham reclamando há muito, mas em
vão, pronta e enérgica solução.
Assim sendo, parece oportuno o estudo, por este seleto grupo de cidadãos, de que
um esquema orgânico para as grandes diretrizes e que convenha submeter a
restauração dos nossos quadros políticos, administrativos, sociais e econômicos, a
fim de que a nova ordem de coisas estabelecidas, desde as suas realizações mais
fundamentais, as garantias definitivas da Defesa Nacional, compreendida esta em
toda sua latitude.
Desejaria, pois, que os concidadãos aqui reunidos por um generoso pensamento se
dispusessem a colaborar no preparo de um escorço geral daquelas diretrizes e ,
iniciando a tarefa pela questão mais geral e mais fundamental, apresentassem à
consideração do Governo o plano preliminar da redivisão territorial do país.
Mas, como urge talvez aproveitar as possibilidades excepcionais que abrem à Nação,
neste momento, a sintonia espiritual e a solidariedade estreita das suas forças vivas
em torno do ideal generoso de erguimento de uma Pátria combalida ao nível exato da


Um breve histórico sobre o tema foi desenvolvido por Eli Alves Penha em sua tese, mostrando que o assunto
já havia preocupado as autoridades portuguesas e brasileiras desde o século XVI (Penha, 1993:105).

62
sua capacidade de vencer, das suas aspirações, da sua vocação e dos recursos
esplêndidos com que a Providência Divina a galardoou; - pois que assim acontece,
peço permissão aos ilustres compatriotas que me ouvem, para colocar desde logo
ante suas vistas, ainda que mui perfunctoriamente, o esboço que se me formou no
espírito como fruto de um longo meditar sobre o palpitante tema aludido ” Pg. 5-6.

A questão central era a tentativa de equivalência territorial entre as unidades federadas para evitar
as disparidades regionais, que nas palavras de Teixeira de Freitas eram o grande problema da
federação...

“ Quando suas Unidades tiverem relativa equivalência de área, a assegurar-lhes


equivalência de potencial político, destinada a traduzir-se mais tarde em efetiva
‘equipotência’, como elementos realmente confraternizantes no seio da Federação” ...
p.8.

Para isso, Teixeira de Freitas define um padrão de tamanho territorial entre 250 e 350 mil km2 e
propõe a estratégia de associação entre Estados...

“sem diminuição para nenhum, e sem desigualdade, mas com o engrandecimento


para todos, transformando-se em ‘departamentos autônomos’, subfederados para
formar Estados compósitos – adstritos ao padrão, cada um dos quais com uma
capital especialmente construída em um município neutro, que se localizaria quanto
possível em ponto de convergência dos limites dos atuais Estados que passassem a
associados”... p.9.

Mas o plano vai muito mais além, elegendo Minas Gerais...

“cujo espírito de brasilidade pode e deve ser aproveitado para aglutinar o poderoso
núcleo central do novo sistema, sem prejudicar-lhe o equilíbrio, venha ele a formar,
com seu território somado aos do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal,
três futuros Estados, um com o Oeste e o Triângulo Mineiro (cujos anseios de
autonomia ficariam atendidos) e outros dois marítimos (como também desejam as
respectivas populações)”... p.10.

Definindo a localização da futura capital federal...” preparando deste modo a localização futura da
metrópole brasileira no Planalto Goiano”...p.10. Mas antes, transformando temporariamente Belo
Horizonte em Capital Federal... “ mas só devendo ser removidos para lá os órgãos do Governo e
os elementos da administração que não puderem ser localizados longe deste, de modo que
possam permanecer no Rio”...p.10. Determinando o futuro da cidade do Rio de Janeiro após
perder o status de capital federal...

” receba a vantajosa investidura de Capital de uns dos Estados mais ricos, mais
populosos, mais prósperos e mais favorecidos pelo Governo Nacional, que tal seria o
Estado da Mantiqueira, formado, com a divisão departamental conveniente, pelo
Estado do Rio (mantida sua autonomia como um dos departamentos), o sul e a Zona
da Mata de Minas Gerais”...p.10.

Como se pode perceber, uma estratégia deste porte não foi apenas um trabalho acadêmico
organizado por um só indivíduo, houve muita articulação no núcleo do novo governo antes e
depois de suas apresentações de 1932 e de 1937. Além disso outros autores também deram
contribuições ao tema, mas bem mais tarde, como no caso de João Segadas Viana, um major do
Exército que também expôs uma proposta de divisão territorial na Revista Brasileira de Geografia
(Viana, 1940). Sua visão do problema passa por analises comparativas de outros países que
também enfrentaram a questão da divisão territorial, como Alemanha, França e Estados Unidos.
Porém, suas propostas de solução, no início dos anos 40, envolviam um perigoso conjunto de
punições e prêmios. Punições para os Estados mais poderosos, espacial e politicamente (São

63
Paulo e Rio Grande do Sul que já haviam tentado movimentos emancipatórios) e prêmios para
Estados que absorvessem bem as modificações espaciais na malha territorial. Segadas Viana já
havia colaborado com Teixeira de Freitas na organização do mapa que foi apresentado na
exposição de 1937, portanto suas proposições, em termos técnicos não diferiam muito das de
Teixeira de Freitas. O que distinguia era o tom menos conciliador.

A Constituição de 1937 (redigida por Francisco Campos), de certa forma, acomodou a questão,
pois se sob o aspecto político ela reduziu drasticamente a autonomia dos Estados, na questão
espacial o quadro territorial brasileiro foi preservado. Entretanto, outras ações de cunho geográfico
foram implementadas, uma foi a Lei Geográfica do Estado Novo ou Decreto-Lei 311 de 02/03/1938
que dispunha sobre a delimitação das malhas municipais e distritais e definia regras específicas
sobre o mapeamento e a racionalização da toponímia ( não poderia haver municípios homônimos).
A outra foi a institucionalização da macro regionalização do país, através da Resolução no 72 de
14/07/1941 da Assembléia Geral do Conselho Nacional de Geografia, que adotou os resultados
dos estudos de Fábio de Macedo Soares Guimarães e sua equipe.
No caso da Lei Geográfica, a necessidade de bases cartográficas confiáveis para a campanha
censitária de 1940 induziu os técnicos do IBGE a promover estudos visando a uniformização das
circunscrições territoriais dos municípios e seus distritos. Com a Lei Geográfica, o IBGE passou a
controlar a conformação espacial das malhas municipais e distritais através de critérios técnicos
que envolviam extensão territorial, população, receita e assegurar a unicidade da toponímia
através de um processo de verificação de homônimos.

Entre os primeiros resultados das Campanhas Geográficas realizadas durante a segunda metade
dos anos 30, os dois mais importantes foram, a determinação dos limites dos 1.574 municípios e
4.841 distritos, descrevendo sistematicamente todos os acidentes naturais que referenciavam
esses limites e o esforço de cartografação dos mapas dos territórios municipais, que as
prefeituras, com o apoio técnico do IBGE, confeccionaram por força do artigo 13 da Lei Geográfica,
sob pena de cassação da autonomia municipal.

Esses dois processos objetivavam uma base cartográfica confiável para a Campanha Censitária
de 1940 e foram solenemente apresentados ao Presidente Getúlio Vargas no dia 24 de março de
1940 em Curitiba, por ocasião das Exposições Regionais dos Mapas Municipais. Para garantir um
alcance nacional ao evento, o Embaixador José Carlos de Macedo Soares, Presidente do IBGE,
saudou todos os envolvidos por via radiofônica especial utilizando o sistema da Hora do Brasil
(atual Voz do Brasil) coordenado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Tais processos perduraram até a Constituição de 1988, que por conta de uma nova noção de
autonomia, decidiu liberar para os respectivos legislativos estaduais e municipais essas ações que
envolvem emancipações municipais e distritais, com alterações nas malhas. Com isso, o número
de municípios saltou de 3.974 em 1980 para 4.491 em 1990, elevando-se para 5.505 em 1997 e
perdeu-se o controle sobre os homônimos, que após a Lei Geográfica era zero, mas em 1997 já
atingia a cifra de 483 municípios.

No que concerne ao processo de regionalização, sua principal finalidade no início dos anos 40, era
de homogeneizar territórios de características fisiográficas semelhantes para garantir uma
uniformização de procedimentos nos estudos geográficos e no processo de coleta estatística. Uma
restrição fundamental foi definida: não era possível desmembrar uma unidade da federação num
processo de regionalização.

Nas palavras de Eli Alves Penha...

“A divisão regional do Brasil ficou, por fim, constituída sucessivamente em Grandes


Regiões (Norte, Nordeste, Leste, Centro-Oeste e Sul), Regiões Fisiográficas (em
número de 31), Sub-regiões (66), Zonas (aproximadamente 160), obtidas em
segunda aproximação pela consideração das características fisionômicas (naturais e
humanas) dos municípios brasileiros.

64
Foi atribuído aos órgãos regionais de Geografia e Estatística empreenderem os
estudos sobre a divisão regional dos respectivos Estados, segundo o critério
geográfico pelo qual se agrupariam municípios que apresentassem características
naturais e humanas afins, consentâneas com a caracterização fisionômica do
conjunto do Território Nacional.
Esta divisão regional, tal como foi estabelecida pelo CNG, se generalizou no país
obedecendo às determinações do Presidente Vargas a fim de atender à
administração pública. Exatamente como nos dois primeiros séculos da fase colonial,
quando o governo central procurou ajustar a divisão territorial dentro de um quadro
optimum de administração, deixando que as unidades constituíssem seus limites
“espontaneamente” (Penha, 1993: 108)
.
Nos períodos posteriores, o processo de regionalização assumiu tanto a função de servir de base
para divulgação de dados estatísticos, quanto a de subsidiar o processo de planejamento,
classificando áreas homogêneas ou determinando pólos geradores de atividades ou de receitas,
conforme o objetivo pré- determinado. Procedimentos fundamentais num órgão de Geografia de
governo e que ainda hoje é a principal área de atuação do Departamento de Geografia do IBGE.

65
Parte I
Capítulo II - A Estruturação das Áreas de Geografia, Geodésia e Cartografia no IBGE

Geografia
O primeiro contato oficial entre o que se convencionaria chamar de Geografia Brasileira e a União
Geográfica Internacional (UGI) aconteceu em 1931, durante o Congresso Internacional de
Geografia realizado em Paris.

Nosso delegado, enviado pela Academia Brasileira de Ciências e Sociedade Brasileira de


Geografia, foi o Prof. A Alberto José de Sampaio, naturalista especializado em Fitogeografia,
pesquisador do Museu Nacional e autor de várias obras sobre a vegetação brasileira. Sua
atuação brilhante no Congresso foi muito apreciada por Emmanuel De Martonne, diretor do
Instituto de Geografia da Universidade de Paris e Presidente do Congresso e Secretário Geral da
UGI.

O resultado de suas articulações com De Martonne, culminou com a visita do Geógrafo francês em
1933. Visita que objetivou dois campos, o primeiro, na área da pesquisa de Geografia Física, onde
De Martonne percebeu o enorme potencial de trabalho em Geografia Tropical que o Brasil
apresentava. O segundo, de caráter político-cultural, ao encorajar as principais associações
culturais da área (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Sociedade Brasileira de Geografia e
Academia Brasileira de Ciências) a juntarem esforços na adesão do Brasil à UGI.

A criação de um comitê instituído por essas instituições, revelou-se ao longo do ano de 1934, uma
tarefa muito além da capacidade administrativa e financeira desse grupo. O memorial de
29/12/1934 apresentado pela Academia Brasileira de Ciências ao então Ministro da Agricultura
Odilon Braga, indica que os serviços estatísticos e geográficos desenvolvidos no ministério
(Diretoria de Estatística da Produção) encaixam-se perfeitamente nas atividades da nova ciência
geográfica. Percebendo ali um excelente ponto de iniciação de um órgão governamental que
poderia no futuro, tornar-se uma instituição responsável pela Geografia brasileira.

Esta percepção por parte dessas instituições estava vinculada ao entendimento de que o
planejamento territorial (cartografação e normatização das divisões territoriais entre Estados e
Municípios) seria uma das principais atribuições de um órgão nacional de Geografia, que
necessariamente teria de pertencer ao governo central.

Foi neste contexto, que as anteriores articulações dos ministros Juarez Távora e Francisco
Campos com Mário Augusto Teixeira de Freitas, iniciadas em 1931 e ampliadas em 1933, no
sentido de organizar um instituto de estatística em escala nacional estavam paralelamente
tomando forma através do decreto 24.609 de 06/07/1934 que defina a criação do Instituto Nacional
de Estatística, processo longo e complexo que somente torna-se realidade em 29 de maio de 1936
com sua instalação solene no Palácio do Catete.

Portanto, nada mais conveniente do que a agregação dos serviços geográficos/cartográficos ao


novo instituto que iria ter ramificações espaciais até a escala municipal. Mas, para que isto
acontecesse, seria necessário formar profissionais especializados através de cursos superiores de
Geografia.

Tal tarefa somente viria a tornar-se realidade, com a participação do governo federal a partir de
1935, tendo como Ministro da Educação Gustavo Capanema. A vinculação de Capanema, apesar
de indireta é importante, pois é em seu mandato que as decisões de se estruturar um curso
superior de Geografia vão se concretizar. Personalidades como Anísio Teixeira no Distrito Federal,
com a Universidade do Distrito Federal (UDF), Fernando de Azevedo em São Paulo, com a
estruturação da Universidade de São Paulo (USP), foram os iniciadores desses cursos, que
tiveram como professores estruturadores, Pierre Deffontaines e Pierre Mombeig respectivamente.

66
Foi a partir do curso organizado por Deffontaines, primeiramente na UDF e posteriormente na
Universidade do Brasil (UB) que criou-se o primeiro grupo de profissionais de Geografia, que em
conjunto com engenheiros de diferentes especialidades gerou uma massa crítica para a criação do
Conselho Nacional de Geografia.

Essa relação entre a necessidade de planejamento territorial para as tarefas da Estatística e a


ampliação da Geografia acadêmica desenvolvida na Universidade, gerou as condições de criação
de um órgão oficial de Geografia, que viria inicialmente a ser cogitado, após cinco reuniões
técnicas realizadas no Itamarati sob a tutela do Ministro das Relações Exteriores, José Carlos de
Macedo Soares no final do ano de 1936.

Este ciclo de reuniões contou com as presenças de representantes das mais importantes
instituições que direta ou indiretamente, possuíam vínculos com a Geografia, Geodésia e
Cartografia. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Diretoria de Navegação da Armada, Serviço Geográfico do Exército, Serviço Geológico e
Mineralógico, Colégio Pedro II (Catedráticos de Geografia), Observatório Nacional, Arquivo
Nacional, Clube de Engenharia, Serviço de Limites do Itamarati, Universidade do Distrito Federal
(Catedráticos de Geologia, Paleogeografia e Cartografia), Estado Maior da Armada, Estado Maior
do Exército, Instituto de Educação ( Catedráticos de História e Geografia), Museu Nacional, Escola
Politécnica do Rio de Janeiro (Catedráticos de Geologia), Instituto Histórico e Geográfico da Bahia,
Ministério da Viação (Chefia de Gabinete) e Ministério da Agricultura (Diretoria de Estatística
Territorial).

Em 24 /03/1937 foi baixado o decreto 1.527 que instituía o Conselho Brasileiro de Geografia (CBG)
incorporado ao Instituto Nacional de Estatística e autorizando sua adesão à União Geográfica
Internacional. Essa instrução foi referendada pela Junta Executiva Central do Conselho Nacional
de Estatística no dia 16/06/1937 através da Resolução n. 15.

No dia 01/07/1937 o CBG foi solenemente instalado no salão de conferências do Itamarati e


iniciado os trabalhos de sua Assembléia Geral.

Em 26/01/1938 o decreto 218 finalmente define a autonomia dos dois conselhos de Estatística e
Geografia, agora sob a tutela do Instituto Nacional de Geografia e Estatística.

O primeiro grande trabalho do CNG inicia-se em 1938 com o Decreto-Lei 311 que ficou conhecido
como a Lei Geográfica do Estado Novo. Objetivava redefinir a estrutura de limites dos distritos e
municípios para dar conta de dois problemas.

Organizar espacialmente as malhas distrital e municipal, definindo os parâmetros mínimos em


termo de área e de tamanho populacional, para dar garantias ao princípio da “autonomia
municipalista” . Isto é, evitar o fracionamento excessivo dos municípios, evitando unidades sem as
mínimas condições de sustentabilidade.

Contar com um mapeamento em escala de detalhe de todos os municípios brasileiros para


estruturar os trabalhos de campo do futuro censo de 1940 e contar com informações cartográficas
que dessem suporte aos trabalhos de mapeamento da carta do Brasil ao milionésimo. Neste
contexto, estavam também os estudos sobre determinação de áreas urbanas e rurais.

Os municípios teriam de apresentar seus mapas municipais até o final do ano de 1939, enviando
uma cópia para o IBGE, que o utilizaria no planejamento de organização dos setores censitários.

O processo de cumprimento da Lei Geográfica durante os anos de 1938 e 1939, envolveu


praticamente todo o efetivo do IBGE no auxílio técnico aos municípios e a tarefa foi totalmente
cumprida em março de 1940, em tempo de contar-se com esses mapas nas operações censitárias
de 1940. A entrega solene foi realizada em Curitiba, com uma exposição dos mapas, que contou
com a presença de Getúlio Vargas.

67
Geodésia
O decreto 327 de 02/02/1938, estabeleceu as ações de normatização da área de Geodésia do
IBGE para suprir o mapeamento do Recenseamento Geral de 1940.

Sob a responsabilidade do engenheiro Allyrio Hugueney de Mattos, chefe do Serviço de Geografia


e Estatística Fisiográfica, em 1939 foram iniciados os trabalhos de levantamento das coordenadas
geográficas das cidades brasileiras, prosseguindo com a estruturação das redes planimétrica,
altimétrica e gravimétrica, que estabeleceram as bases para o mapeamento sistemático do país,
realizado e organizado pela área de Cartografia, que além de coordenar o Sistema Cartográfico
Brasileiro, imprime continuamente cartas nas seguintes escalas: 1: 1 000 000 , 1: 250 000, 1: 100
000, 1: 50 000, e 1: 25 000, sendo também responsável pela elaboração cartográfica dos Altas do
IBGE.

Os trabalhos das equipes de Geodésia estão divididos em três grandes conjuntos de medições: a
planimetria, a altimetria e a gravimetria.

A Planimetria
A planimetria que estabelece as medições das superfícies planas do território. É através dela que
se estabelece o sistema de coordenadas geográficas (latitude e longitude), que geram as linhas de
limites entre áreas (Distritos, Municípios, Estados e Países).

Os levantamentos planimétricos, eram inicialmente medidos através equipamentos de curto


alcance visual, os teodolitos e os taqueômetros que medem distâncias e ângulos. Formando uma
grande rede de polígonos que serviam de base para o cálculo de áreas. Esse levantamento era
feito por terra e levavam-se anos para cobrir as grandes extensões do território brasileiro.

Atualmente as medições planimétricas são estabelecidas por um sistema de satélites artificiais


chamado Sistema de Posicionamento Global (GPS) e são controlados por equipamentos de
recepção de GPS de alta precisão.

A Altimetria
A altimetria estabelece as medições de altitude do relevo terrestre e relação a um plano de
referência determinado pelo nível do mar. Por sua vez, a determinação do nível médio do mar é
definido por instrumentos de medição maregráficos situados em estações localizadas no litoral. O
primeiro plano de referência (datum) oficial do nível do mar brasileiro, foi estabelecido pelo
mareágrafo de Imbituba, no litoral de Santa Catarina em 1945 e em 1946 foi estabelecida a
conexão com o mareágrafo de Torres no Rio Grande do Sul para o estabelecimento do Nível
Médio do Mar.

Definido o nível de referência, iniciou-se em 1945 os trabalhos de determinação de nivelamento da


Rede Altimétrica do Brasil, que após 35 anos de ajustamento manual das observações de altidude,
passou na década de 80, a contar com o suporte da informática na configuração dos cálculos de
nivelamento do território brasileiro.

A Gravimetria
As medições gravimétricas são fundamentais para que se estabeleça com precisão as medições
geodésicas (forma e dimensões do geóide Terra), além de auxiliar no estudo das configurações
das estruturas geológicas (camadas internas da Terra) e da Geofísica (prospecção mineral).
Sendo o planeta Terra um geóide dotado de uma camada líquida superficial de grandes dimensões
(oceanos) e de uma composição plástica interma (magma) composta por uma mistura de minerais
em estado de fusão. Sua crosta não se apresenta homogênea em termos de prospecção da
gravidade, isto é em alguns lugares da Terra, a força da gravidade é maior do que em outros.

68
Essas anomalias alteram as medições de altitude e exigem um monitoramento especializado
através da rede GPS.

Os estudos de gravimetria passaram a ter um caráter sistemático na década de 90, quando o IBGE
estabeleceu uma rede de mais de 18 000 estações gravimétricas em todo o território.

Essas atividades servem de base para que o sistema cartográfico brasileiro possa gerar mapas de
grande precisão para vários objetivos.

Cartografia
A incumbência legal de coordenar o Sistema Cartográfico Brasileiro, dá ao IBGE um forte poder
normativo no que tange à Cartografia brasileira, pois são seus técnicos que definem as políticas
cartográficas, seus parâmetros metodológicos e as escalas de representação dos trabalhos
cartográficos. É também o IBGE, juntamente com as demais forças armadas, quem determina os
diferentes tipos de cartas especiais de trabalho que servem de base para essas organizações
militares. Um outro importante papel da área cartográfica é o da definição precisa dos limites entre
as principais unidades territoriais legalmente vigentes no país, tanto na escala municipal, quanto
na estadual. Em caso de litígios entre essas unidades, cabe aos cartógrafos do IBGE determinar
os novos limites, que normalmente são arbitrados pelo poder judiciário, levando em consideração
as negociações entre as partes, negociações que podem ficar no terreno dos acordos entre os
respectivos poderes executivos ( prefeituras ou governos estaduais) ou que podem alcançar a
sociedade sob a forma de plebiscitos. É também atribuição da área dar apoio técnico às operações
de mapeamento das Bases Operacionais Geográficas dos censos, principalmente oferecendo
suporte técnico às Prefeituras que não possuam pessoal qualificado para a confecção dos mapas.

Na faixa intermediária entre a Cartografia e a Informática encontra-se o campo das operações de


Geoprocessamento, que estabelecem a produção de bases digitalizadas visando o
georeferenciamento de pontos e linhas que determinam limites entre áreas (setores censitários,
distritos, municípios, unidades federadas), componentes da infra-estrutura (estradas, ferrovias,
linhas de transmissão) e aspectos do meio físico (relevo, hidrografia, vegetação). informações que
servem de suporte para mapeamentos automatizados mais ou menos sofisticados, que são
atualmente usados em organização de atlas e na construção de sistemas geográficos de
informações de variados níveis de detalhamento e de sofisticação no que se refere às estruturas
de bancos de dados ( que vão de informações alfa- numéricas simples à complexas imagens e
sons em tempo real, que podem ser inter-relacionadas internamente no banco ou capturadas em
outros bancos através da rede internet).

O capítulo III tratará da estruturação da memória coletiva desse novo profissional que começou a
ser formado sistematicamente no final dos anos 30, tanto na Universidade, quanto na arena de
trabalho do IBGE, o Geógrafo.

69
Parte I
Capítulo III - Estruturação da Memória do Grupo Profissional dos Geógrafos do IBGE

O processo de constituição integral da memória dos profissionais que trabalharam na área de


Geografia do IBGE nesses sessenta anos, é uma tarefa que ultrapassa em muito os limites desta
pesquisa.

Ele foi iniciado em 1990 pelo grupo de técnicos que organizou o setor de Memória Institucional do
IBGE através de gravações de depoimentos de alguns profissionais que tiveram importância na
construção da profissão no órgão. Além de alguns profissionais de Estatística e de Cartografia,
quatro funcionários ligados à Geografia foram entrevistados.

Os Personagens

Cristóvão Leite de Castro Engenheiro formado em 1928 e depois geógrafo, criador da estrutura
administrativa do Conselho Nacional de Geografia (CNG), derivada de uma seção de Estatística
Territorial do Ministério da Agricultura, onde trabalhavam os técnicos que formaram o CNG entre
os anos de 1936 e 1938.

Orlando Valverde, o primeiro geógrafo contratado pelo CNG em 1938 para secretariar as reuniões
iniciais do Conselho, constituído majoritariamente por engenheiros e, posteriormente, por alguns
geógrafos treinados por Pierre Deffontaines na primeira turma de Geografia da Universidade do
Distrito Federal ( Cristóvão Leite de Castro, Fábio de Macedo Soares Guimarães, Jorge Zharur,
além do próprio Orlando).

Aluísio Capdeville Duarte e Gelson Rangel Lima, geógrafos que ingressaram no IBGE na década
de 50. Aluísio foi um especialista em regionalização e em estudos de urbanização, que possuía
também uma grande preocupação com a história e memória da instituição, participando também
junto ao grupo do Projeto Memória do IBGE na organização dos roteiros de entrevistas dos seus
colegas, Gelson atuou no setor de Geomorfologia e especializou-se na classificação de solos, era
também um grande colecionador de fotos sobre as paisagens brasileiras, fruto de seus trabalhos
de campo pelo IBGE e de excursões com seus alunos da UFF. Ambos aposentaram-se no final
dos anos 80, mas Aluísio veio a falecer em meados dos anos 90. Esses depoimentos foram
transcritos inicialmente em datilografia e atualmente foram redigitados em Word 6.0/95 e Word 7.0
para ficarem registrados em meio magnético.

Duas outras instituições que se ocupam da memória dos geógrafos e que documentaram
depoimentos de profissionais do IBGE foram o Departamento de Geografia da Universidade de
Santa Catarina, através da Revista Geosul e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro através da
revista GeoUerj.

A publicação catarinense colheu os depoimentos de Orlando Valverde, Roberto Lobato de


Azevedo Corrêa e Teresa Cardoso da Silva ( Geomorfóloga baiana que em função da absorção
do Projeto RadanBrasil pelo IBGE em 1985, trabalhou em importantes projetos na década de 80).
A revista da UERJ transcreveu o depoimento de Speridião Faissol em seu primeiro número. O
professor Faissol, já aposentado do IBGE, lecionava nesta universidade por ocasião de seu
falecimento.

No âmbito da presente pesquisa, a construção do conjunto de depoimentos orais que está


compondo a memória dos geógrafos do IBGE para este trabalho, dividiu-se em quatro grupos: os
que, além de produzirem textos técnicos e mapas, também conduziram a política e a
administração da área de Geografia através das chefias, estão incluídos alguns dos antigos chefes
da Divisão de Geografia, e os chefes do Departamento de Geografia de 1967 até hoje ( Orlando
Valverde, Marília Veloso Galvão, Pedro Geiger, Roberto Lobato de Azevedo Corrêa, Solange
Tietzmann Silva, Cesar Ajara e Maria Luiza Gomes Castelo Branco), neste grupo foi incluído
também o cartógrafo Rodolfo Pinto Barbosa por ter chefiado a área de Atlas na Cartografia e

70
depois no Departamento de Geografia ; o segundo grupo constituiu-se de alguns técnicos que
produziram trabalhos geográficos, tanto individualmente, quanto em grupo, preferencialmente os
que assumiram chefias de Divisão mais recentes ou coordenaram projetos de grande porte na
área de Geografia do IBGE (Alfredo Porto Domingues, Elza Keller, Maria Francisca Teresa
Cavalcanti Cardoso, José César de Magalhães, Olga Buarque de Lima, Fany Davidovich, Edgar
Kulhman, Tereza Cony Aguiar), o terceiro, composto por geógrafos técnicos que exerceram
chefias de setores específicos ou que produziram trabalhos relevantes para Geografia do IBGE (
Ruth Magnanini, Luis Cavalcanti Bahiana, Miguel Angelo Campos Ribeiro), o quarto grupo foi
composto por geógrafos que tiveram alguma relação profissional com o IBGE no início de suas
carreiras ou que foram influenciados pelos cursos de aperfeiçoamento que o órgão ministrava (
Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, Maria do Socorro Diniz e Milton Santos) e o quinto foi
composto por profissionais, geógrafos ou não, que ocuparam cargos na alta direção do IBGE,
como presidentes do órgão (Eurico Neves Borba, Edson de Oliveira Nunes, ) e diretores e
superintendentes das áreas em que a Geografia foi parte integrante ( Miguel Alves de Lima,
Speridião Faissol, Mauro Pereira de Melo, Sérgio Bruni, Trento Natali Filho, )
Os depoimentos de alguns presidentes e diretores da área de Geociências foram objeto de
tratamento específico no capítulo II da parte IV deste trabalho, As Diferentes Visões da Alta
Direção do IBGE.

A primeira preocupação foi com a idade de uma boa parte dos depoentes, idade/saúde, pois ao se
trabalhar com os profissionais de um órgão criado em meados dos anos 30, os pioneiros já estão
na faixa dos 70/80. Além disso, a questão saúde/doença também permeia esse grupo, além dos
acidentes que podem ocorrer ao longo desses 60 anos, e que infelizmente ocorreram, como no
caso do acidente fatal que nos impediu da convivência intelectual de Nilo e Lysia Bernardes em
1991.

O episódio do falecimento de Speridião Faissol em março de 1997 foi um desses duros golpes,
apesar de haver dado seu depoimento anteriormente. Por outro lado, foi muito gratificante ter
podido entrevistar Alfredo José Porto Domingues e Miguel Alves de Lima, recém restabelecidos e
que puderam contar com muitos detalhes suas respectivas trajetórias profissionais, que se
confundem com boa parte da história da Geografia ibegeana.

Usando-se o critério de idade, o primeiro depoimento foi feito com Orlando Valverde, considerado
por várias razões o decano dos geógrafos do órgão. Nascido em 1917 e contratado pelo Conselho
Nacional de Geografia em 1938, nos anos de 1998/1999, continua produtivo e disposto a orientar e
esclarecer aos mais jovens, principalmente ao abrir o seu imenso arquivo de documentos e fotos
de sua vida profissional. Isso, sem falar no seu entusiasmo pelas causas ambientais da Amazônia
que sempre foram o principal foco de sua militância na Campanha Nacional de Defesa e
Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA) desde 1965.

No grupo dos pioneiros, além de Orlando Valverde e Miguel Alves de Lima, que iniciaram suas
carreiras no final dos anos 30, Speridião Faissol, Alfredo José Porto Domingues, Alceu Magnanini,
Rodolfo Pinto Barbosa, Edgar Kulhman, Pedro Pinchas Geiger, Marilia Veloso Galvão, Elza Keller
e Fany Davidovich que ingressaram no IBGE no início dos anos 40.

O depoimento de Milton Santos foi colhido para exemplificar a importância dos cursos de
aperfeiçoamento do IBGE que tornaram-se, entre o final dos anos 40 até o início dos anos 70, um
referencial indiscutível na formação das carreiras da maioria dos grandes profissionais de outros
estados. Esses cursos, juntamente com a dinâmica de pesquisas e apresentações dos congressos
da Associação dos Geógrafos Brasileiros que ocorreram até os anos 60, garantiram um importante
espaço de aperfeiçoamento profissional, além de estruturar um fórum de avaliação interpares, que
orientou positivamente a qualidade dos trabalhos geográficos no Brasil.

71
Os Roteiros de Orientação dos Depoimentos

Por conta da ênfase do projeto estar direcionada para os profissionais que forjaram a Geografia do
IBGE e considerando que este grupo foi majoritariamente formado pelos profissionais que
ingressaram no órgão nos primeiros 15 anos de sua existência, foi elaborado um roteiro que
abarcasse o máximo de informações sobre as práticas profissionais que ocorreram ao longo de
suas carreiras.

O primeiro conjunto de questões que orientou os depoimentos dos geógrafos pioneiros vinculou-se
a seis grupos de indagações que cobriam:

A) Questões referentes ao papel desempenhado pela Geografia como ferramenta de


planejamento:
1- qual a real importância da Geografia como instrumento de planejamento de governo?
2- quais foram os períodos de maior influência da Geografia no sistema de planejamento federal?
3- quais foram os melhores conjuntos de metodologias que realmente auxiliaram no
reconhecimento da importância da Geografia no planejamento?
4- como funcionaram as estruturas de lobby da Geografia junto aos poderes de República? E em
que ocasiões isso ocorreu?

B) Questões que tentam explicar internamente o papel da letra G na sigla IBGE:


1- como a Geografia se posicionou, ao longo desses 60 anos, no contexto da missão institucional
do IBGE?
2- como foram as relações da Geografia com a Cartografia e com a Estatística no decorrer do
período?

C) Questões referentes a convivência entre a Geografia do IBGE e as outras Geografias:


1- qual tem sido o relacionamento entre o IBGE e a Universidade no campo geográfico? Quem
influenciou quem? Em que? E em que período?
2- como foram os relacionamentos entre a Geografia do IBGE e a ABG nos diversos períodos
analisados?
3-qual foi a importância do IBGE na reciclagem de conhecimentos geográficos do corpo docente
de ensino médio?

D) Questões que tentam dar conta, ao longo do tempo, dos mecanismos formadores de uma
categoria especializada de profissionais que trabalham com Geografia voltada para o
planejamento:
1- como foi “absorvida” pelo Geógrafo a experiência de aprendizado ocorrida no ensino médio?
2- como o ensino superior garantiu ou não as pré-condições para a decisão de tornar-se um
geógrafo do IBGE?
3- qual foi o mecanismo de ingresso no IBGE?

E) Questões que vinculam as relações internas e externas que ocorreram entre os Geógrafos do
IBGE, principalmente no que se refere a crescimento profissional, no sentido intelectual do termo.
1- quem foram os principais incentivadores da carreira?
2- a escolha da especialidade principal se deu em que contexto? E sob a orientação profissional de
quem?
3- o processo de interdisciplinaridade que obrigatoriamente ocorre em estruturas de planejamento
do governo foi positivo ou negativo para Geografia do IBGE?

F) Questões referentes ao futuro incerto da Geografia no IBGE em função da aceleração da crise


do funcionalismo público somada ao declínio da formação profissional em nível de bacharelado:
1- Onde poderia ficar a Geografia no governo federal fora do IBGE?
2- Conseguiria a Geografia um espaço próprio ou teria de associar-se com outras disciplinas?

72
Os demais depoimentos foram direcionados para certas atividades e/ou períodos considerados
relevantes e seguiram um roteiro básico que iniciava com uma apresentação da carreira,
geralmente entremeada com aspectos de sua formação educacional. As questões referentes aos
aspectos operacionais da carreira também eram costuradas aos cursos de aperfeiçoamento e aos
projetos iniciais, onde as relações de orientação estruturadas entre orientadores e orientandos
eram mais ou menos explicitadas. Neste ponto foi possível verificar a influência de certos “líderes
de grupos de afinidade” conforme a acepção de Berdoulay (1981), além de confirmar-se a
importante influência da Geografia francesa em praticamente todos os profissionais entrevistados,
independente do período de ingresso no órgão.

Os Referenciais Mais Importantes ao Longo do Tempo

Um dos principais aspectos da estruturação da memória dos profissionais da Geografia no IBGE é,


sem sombra de dúvida, a influência de Pierre Deffontaines nos primeiros pioneiros da segunda
metade dos anos 30 , a de Francis Ruellan para os que ingressaram na décadas de 40 e 50s e de
Michel Rochefort para os que ingressaram nos anos 60. Ë bom frisar que a influência em termos
de memória, vai muito além da simples orientação relacionada com a especialidade desses
profissionais. A especialização de Geomorfologia de Ruellan e a de Geografia Urbana de
Rochefort não impediram que seus ensinamentos ou que a mística que envolveu esses
ensinamentos, seja igualmente reverenciada por especialistas de diferentes áreas da Geografia
que vivenciaram esses períodos.

Outro ponto importante foi a verificação de certas afinidades entre especialistas que,
diferentemente de Ruellan ou Rochefort, não criaram grandes grupos, como foi o caso de Leo
Waibel e Preston James, que na área de colonização trabalharam com grupos restritos, no entanto
deixaram boas obras e bons discípulos (Orlando Valverde, Walter Egler e Speridião Faissol são os
melhores exemplos). Assim como Pierre Dansereau, biogeógrafo canadense que deixou
excelentes trabalhos didáticos para a disseminação de sua especialidade, além de orientar e
garantir cursos no Canadá para alguns de seus discípulos como Alceu Magnanini, Dora Amarante
Romariz e Edgar Kuhlmman.

É importante também ressaltar que nos períodos mais recentes, essa memória tende a turvar-se
em virtude do aparecimento de novas metodologias ou conjuntos de técnicas que reordenaram as
atividades geográficas no IBGE. É possível perceber uma substituição de nomes por técnicas.
Embora o nome de Brian Berry seja lembrado eventualmente, o que ficou gravado na memória da
maioria dos geógrafos foi a Geografia Quantitativa e não o pesquisador inglês / americano,
responsável pela divulgação de pesquisas de Geografia de redes urbanas utilizando métodos
quantitativos.

As tecnologias mais atuais, referenciadas ao geoprocessamento, mapeamento automatizado,


sistemas de informações geográficas e ao tratamento de imagens, são geralmente tratadas pelos
nomes dos softwares, ou pelas empresas que os criaram. Arc View e Arc Info, Atlas Gis, Map Info,
Idrisi, Adobe Photoshop ou softwares da Intergraph. O acesso se dá, por meio de literatura e de
tutoriais em multimídia ou pela rede Internet.

No caso do convênio entre o IBGE e a Maison de Geographie de Montpelier durante os anos 90,
criaram-se boas relações profissionais com Hervé Thérry e o casal Philippe Waniez e Violette
Brustlein, mas para a maioria dos novos geógrafos as principais referências estarão vinculadas
aos softwares Cabral 1500 (mapeamento) e Samba (banco de dados dos censos do IBGE), que
rodam em plataformas Macintosh.

Após um entendimento geral do quem é quem na Geografia ibegeana, passaremos a enfocar o


contexto histórico que orientou o pensamento geográfico brasileiro no século XX.

73
Parte II - A Geografia Brasileira no Século XX Dentro e Fora do IBGE

Introdução

O Contexto Histórico do Pensamento Geográfico Brasileiro no Século XX Através de


Algumas Leituras Evocativas

O Número Especial da Revista Brasileira de Geografia

Em 1988, por ocasião das comemorações do cinqüentenário da Revista Brasileira de Geografia –


RBG, o Conselho Editorial daquela publicação organizou um número especial composto por dois
tomos. O primeiro, uma edição fac-similar contendo cinco artigos considerados clássicos. Talvez
por razões de editoração, a ordem cronológica desses artigos não foi observada. Mas, para fins de
entendimento da evolução do pensamento geográfico no Brasil a partir dos anos 30, vamos
coloca-los em ordem de publicação na revista.

Geografia Humana do Brasil de autoria de Pierre Deffontaines publicado no primeiro número da


revista (ano 1 no 1 de jan. / mar. de 1939) é um típico artigo de Geografia Humana que a escola
francesa produzia para este tipo de escala. Primeiramente uma introdução geral sobre as grandes
espaços abrangidos pelo país e as necessárias comparações com outros países. Seguem-se
descrições sobre os elementos constitutivos do quadro natural, mas com uma interessante
característica, no caso da montanha, é feita uma costura entre os elementos de forma e função: a
montanha barreira e os caminhos de acesso, a montanha mineira e atividade econômica das
jazidas, a montanha pastoril e a pecuária, a montanha e a horticultura, a montanha e o veraneio, a
montanha e a indústria.

Nas abordagens do clima, da hidrografia e do litoral o processo é semelhante, porém não tão
detalhado. O detalhamento retorna com a vegetação, onde a floresta também volta a se relacionar
com as atividades humanas via extrativismo e preparação da base edáfica para agricultura.

Pierre Deffontaines (1894-1978) foi o primeiro professor vindo da França em 1934 e estabelecido
no Rio de Janeiro a partir de 1935, em função de um convênio entre França e Brasil para criar
estruturas de ensino e pesquisa para a Geografia. Boa parte do arcabouço técnico do futuro
Conselho Brasileiro de Geografia foi obra sua, incluindo aí a criação da RBG, que foi montada sob
sua supervisão, além da criação dos primeiros cursos de graduação em Geografia, na
Universidade de São Paulo, em 1934 e do Distrito Federal, em 1935 e da estruturação da
Associação dos Geógrafos Brasileiros.

Divisão Regional do Brasil de autoria do único brasileiro do grupo Fábio de Macedo Soares
Guimarães publicado no ano 3 no 2 de abr. / jun. de 1941. O artigo lança as bases para a primeira
regionalização oficial do país, adotada no mesmo ano pelo Governo Federal. Primeiramente foi
feita uma defesa do conceito de divisão única, que englobasse tanto os aspectos físicos, quanto
econômicos. Segue-se uma explanação sobre o método de definição de região natural que serviria
de base para a posterior regionalização chamada por Fábio de uma única divisão regional prática
(pg. 18). Observa-se claramente uma forte influência da escola francesa dos Annales de
Géographie através das citações bibliográficas de Vidal de La Blache, Camille Vallaux, Jean
Brunhes, Lucien Febvre, Lucien Gallois e Pierre Deffontaines. Outro ponto de convergência pode
ser também percebido nas cinco conclusões gerais sobre o conceito de região natural (pg. 34),
todas perfeitamente em sintonia com as idéias desses mestres. Para um entendimento mais
abrangente sobre as relações entre a Geografia e a História na França, uma consulta aos livros de
Peter Burke (1991), Anne Buttimer (1980) e Vincent Berdoulay (1981) é de grande valia.

A parte final do artigo é dedicada a análise das nove divisões regionais propostas por outros
autores e suas conclusões apontam para uma solução de compromisso entre a de Delgado de
Carvalho, baseada nas regiões naturais e a do Conselho Técnico de Economia e Finanças,
apoiada em critérios econômicos. O resultado desse trabalho foi a homologação pelo governo

74
federal em 1941 de uma regionalização oficial em cinco regiões: norte, nordeste, leste, sul e centro
oeste que perdurou até o final dos anos 60.

Fábio de Macedo Soares Guimarães (1906-1979) sempre foi considerado um profissional que, no
início dos trabalhos do CBG, possuía o binômio de conhecimento e liderança, possivelmente por
sua formação anterior de engenheiro. Foi aluno de Pierre Deffontaines (1894-1978) na primeira
turma da Universidade do Distrito Federal e trabalhou com ele na formação do primeiro núcleo de
geógrafos do futuro Conselho Brasileiro de Geografia entre 1935 a 1938. Foi nesse período que
estruturou suas pesquisas sobre regionalização que resultaram nesse trabalho.

Problemas Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico de autoria de Emmanuel De Martonne (1873 -


1955 ), o mais influente geógrafo francês das décadas de 30 e 40 e Secretário Geral da União
Geográfica Internacional (UGI) em meados dos anos 30, publicado no ano 5 no 4 de out. / dez. de
1943.

Uma nota da redação da Revista esclarece que...

‘Em 1940, o Prof. Emmanuel De Martonne publicou nos Annales de Géographie dois
artigos sobre “Os problemas morfológicos do Brasil tropical atlântico”. Em
conseqüência dos acontecimentos de maio – junho de 1940 (invasão da França pelas
tropas de Hitler), chegaram ao Brasil somente dois exemplares do primeiro artigo ,
enquanto que do segundo se sabia apenas da sua existência.

O interesse desses artigos era tal que, por via diplomática, foi solicitada ao Professor
De Martonne a remessa de um exemplar de cada um deles, assim como sua
permissão para traduzi-los e publicá-los. O Professor De Martonne atendeu a esse
pedido e fez a doação de seus direitos autorais como agradecimento pela acolhida
que teve por ocasião de suas missões no Brasil’.

A vinda do Prof. Emmanuel De Martonne ao Brasil se deu em 1933 e teve pelo menos dois
objetivos de cunho diplomático / cultural. A criação dos cursos formais de Geografia nas
Universidades de São Paulo e do Distrito Federal e a preparação de um corpo técnico de
geógrafos que pudesse, futuramente, representar o Brasil na União Geográfica Internacional (UGI).
Possivelmente ocorreram reuniões entre De Martonne e Mário Augusto Teixeira de Freitas (1890-
1956), o principal responsável pelo gerenciamento das estatísticas brasileiras no governo de
Getúlio Vargas e um dos artífices do casamento entre a Geografia e a Estatística. Nessas
reuniões, é quase certo que a vinda de Pierre Deffontaines para o Brasil tenha sido acertada.

O artigo de De Martonne é um clássico trabalho de Geomorfologia da porção sudeste do Brasil,


com ênfase na formação dos alinhamentos serranos que ocorrem neste espaço. Faz um
contraponto entre a estrutura geológica da área e os diferentes processos formadores do relevo
falhado da Serra do Mar, dos alinhamentos das serras litorâneas e do relevo apalachiano do
interior entre São Paulo e Minas Gerais.

A Evolução Geomorfológica da Baía de Guanabara e das Regiões Vizinhas de autoria de Francis


Ruellan , publicado em no ano 6 no 4 de out. /dez. de 1944 é o principal trabalho do único geógrafo
que se pode denominar de chefe de escola no contexto do Rio de Janeiro (possivelmente Pierre
Mombeig em São Paulo tenha tido as mesmas características). Francis Ruellan (1894-1975) foi o
formador da segunda geração de geógrafos cariocas tanto no IBGE, quanto na Universidade e
além, pois muitos de seus alunos foram professores de Geografia nos principais colégios do Rio
de Janeiro. Seus trabalhos de campo eram considerados verdadeiras maratonas físicas e
intelectuais.

O artigo é um dos mais completos e detalhados trabalhos sobre os processos geomorfológicos


formadores da Serra do Mar e das planícies litorâneas que cercam a região da baía de Guanabara.

75
Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil de autoria de Leo Waibel, publicado no ano 11
no 2 de abr. / jun. de 1949, pertence ao grupo de trabalhos de Geografia Humana orientados para
a questão da ocupação do território, que rastrearam alguns processos de colonização no Brasil,
levados a efeito por grupos de origem italiana e alemã. Este tipo de pesquisa foi muito incentivado
pelo governo de Vargas, tanto no período que antecedeu a Segunda Guerra, quanto durante e
após o conflito.

Leo Waibel (1888-1951) foi um típico líder de grupo de um círculo restrito de geógrafos,
trabalhando exclusivamente como pesquisador do IBGE, possivelmente em função do problema
de comunicação via alemão e inglês, idiomas muito pouco difundidos numa comunidade que
majoritariamente entendia o francês.

Esses cinco trabalhos traduzem uma boa parte do contexto do pensamento geográfico na primeira
metade do século XX no Brasil, principalmente no que concerne aos anos 30 e 40, período em que
se formaram as principais instituições produtoras da Geografia formal, as Universidades e o
Conselho Nacional de Geografia.

Estão ali as dicotomias entre Geografia Física e Humana, entre Geografia Regional e Sistemática,
a defesa do possibilismo e o enfoque das relações seres humanos e meio ambiente.
O segundo tomo da edição comemorativa da RBG foi organizado sob a ótica da avaliação de
alguns campos do conhecimento geográfico ou das lembranças profissionais de cinco geógrafos
considerados como expoentes de suas especialidades, que iniciaram seus projetos profissionais
durante a década de 40. Desses, apenas dois tiveram suas trajetórias de trabalho ligadas
permanentemente ao IBGE, Speridião Faissol e Pedro Geiger. Calos Augusto Figueiredo Monteiro
trabalhou no IBGE entre 1948 e 1956 e depois seguiu uma carreira universitária (Florianópolis, Rio
Claro e USP). Aziz Nacib Ab’Saber e Bertha K. Becker sempre foram ligados à universidade, Aziz
fez carreira na USP e Bertha na UFRJ.

Urbanização e industrialização foram as principais áreas de investigação de Faissol e Geiger ;


Geomorfologia foi o campo de especialização de Aziz ; Climatologia e História do Pensamento
Geográfico, as áreas de interesse de Carlos Augusto e Geopolítica e Gestão do Território as
arenas de trabalho de Bertha.

O conselho editorial da RBG encomendou a cada autor um trabalho de livre escolha, que poderia
ser de cunho evocativo, ou para servir de quadro de referência sobre algum tema da Geografia, ou
ter características provocativas que ampliassem o conhecimento dos leitores.

O primeiro artigo de Aziz Ab’Saber (1922- ) O Pantanal Mato-grossense e a Teoria dos Refúgios
se inscreve na categoria de quadro de referência. Trata-se de um trabalho que, primeiramente faz
uma análise geomorfológica do Pantanal Mato-grossense enfocando geoformas como o grande
domo esvaziado (boutonniére) do alto vale do rio Paraguai e o conjunto de aplainamentos da
mesma área; o paleoplano da Chapada dos Guimarãres; os processos geradores do pediplano
cuiabano; e os leque aluviais das planícies mais recentes. Em seguida, traça alguns comentários
sobre as novas pesquisas feitas na região utilizando as imagens de radar e dos satélites Landsat ,
que usam sensores do tipo Tematic Map ( TM ). Sua parte final está dividida em duas seções, a
primeira tratando das relações entre alterações climáticas e mudanças ecológicas ocorridas na
depressão pantaneira e finaliza com algumas especulações bem interessantes sobre a provável
evolução da cobertura vegetal e distribuição espacial da fauna do Pantanal utilizando como
suporte argumentativo a Teoria dos Refúgios, da qual Aziz é um dos elaboradores, juntamente
com Pierre Birot, Dárdano de Andrade-Lima, Paulo Vanzolini, José Bigarella, Keith Brown e outros.

O artigo A Geografia e o Resgate da Geopolítica de Bertha K. Becker (1930- ) é outro que também
se pode classificar como estabelecedor de um quadro de referências de vetores de conhecimento,
no caso, as turbulentas relações entre a Geopolítica e a Geografia, no contexto dos diferentes
papéis que o Estado assumiu ao longo do século XX no gerenciamento do território e no controle
social subseqüente.

76
O trabalho avalia algumas tecnologias que viabilizaram a ampliação do controle espaço-tempo e
seus usos pelo aparelho estatal. Principalmente aquelas que implicaram uma forte relação entre
ciência e tecnologia e que por força de seus custos e de suas implicações de poder sempre
estiveram em mãos do Estado Nacional, como nos casos da tecnologia espacial e seus
subprodutos e das telecomunicações em escala global. Faz também uma longa apreciação do
projeto geopolítico da modernidade levado a efeito pelo Estado brasileiro após 1930 e analisa seus
resultados na década de 1980. Finaliza com conjecturas sobre as futuras relações entre o Estado
e a sociedade organizada, onde conflitos e cooperação poderão apresentar diferentes padrões,
dependendo do setor e do poder de barganha dos agentes envolvidos. Usa como espaço de
exemplo a Amazônia, por ser ainda uma arena onde quase tudo ainda está por se realizar, para o
bem ou para o mal.

O artigo de Speridião Faissol (1923-1997) Planejamento e Geografia: Exemplos da Experiência


Brasileira situa-se na fronteira entre o estabelecimento de um quadro de referência sobre a noção
de planejamento a evocação de experiências profissionais neste campo, enquanto geógrafo
situado em altas posições da hierarquia do IBGE, e portanto, agente decisório em muitos projetos
de planejamento ao longo dos seus anos de atividade.

A primeira parte estrutura-se como quadro de referência, explicando as necessárias conceituações


sobre o tema, e fazendo uma revisão bibliográfica não exaustiva, mas com importantes citações
como John Friedmann (1985,1986), Doreen Massey (1985), Walt Rostow (1961), David Harvey
(1969), Manuel Castells (1986) e outros.

A segunda, como evocação, ao historiar as experiências brasileiras de planejamento,


principalmente aquelas em que os geógrafos tiveram um papel significativo em sua elaboração. A
criação dos Territórios Federais no início dos anos 40, os estudos de localização do futuro Distrito
Federal no Planalto Central em meados da década de 40, os trabalhos da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) nos anos 60 e os projetos de avaliação da urbanização
para o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) na década de 70.

O artigo foi escrito em 1988, período em que a Geografia voltada para o planejamento estatal
centralizado estava ainda sob fortes críticas de um grupo de geógrafos que seria conhecido como
o formador da Geografia Crítica ou Radical (ver Santos, 1981). Críticas estas iniciadas 10 anos
atrás (1978) durante o 3o Encontro Nacional de Geógrafos em Fortaleza e que se intensificaram
durante toda a década de 80, principalmente na primeira metade. É possível perceber também que
nesta época, por problemas econômico-administrativos, a própria função de planejamento estatal
de médio e longo prazos estava exaurida e substituída cada vez mais por decisões conjunturais de
curto prazo, orientadas para o campo financeiro.

As palavras de Faissol mostram um pouco disso em duas passagens na mesma página...

“Esta tem sido uma fase de reflexão, é bem verdade, mas de muitas incertezas, não
só conceituais, mas também ideológicas, com muitos deles procurando refúgio nas
teses marxistas ou neomarxistas, quem sabe como uma forma de assumir uma
posição acadêmica, que por si só assegurasse uma identidade, ainda que mais
ideológica que profissional” (p.96).
” É curioso observar que, a partir do momento em que a própria Secretaria de
Planejamento da Presidência da república foi se tornando, no Governo Figueredo,
uma administradora das conjunturas que iam se apresentando, perdendo muito de
sua função planejadora, a Geografia do IBGE ( e de certa forma no Brasil), foi
perdendo terreno, inclusive no plano acadêmico” (p.96).

O artigo de Pedro Geiger (1923- ) Industrialização e Urbanização no Brasil, Conhecimento e


Atuação da Geografia inscreve-se totalmente no campo evocativo, as expressões industrialização
e urbanização, parecem ter sido colocadas como um tênue pano de fundo, apenas para organizar

77
a memória e estruturar as lembranças profissionais, mas é com elas que Geiger costura com muita
sensibilidade os 46 anos de atividade geográfica no IBGE, cobrindo a evolução de algumas
instituições como as universidades (seus cursos de Geogrfia), o IBGE, as Comissões Nacionais da
União Geográfica Internacional (UGI) e do Instituto Pan-Americano de Geografia e História (IPGH)
e a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB).

Analisa também as principais correntes de pensamento geográfico que se desenvolveram no


Brasil: o Possibilismo vidaliano, a Geografia da Economia Política, o movimento quantitativo e a
Geografia crítica.

Pedro Geiger termina suas memórias recordando a antiga asserção de Vidal de La Blache sobre a
Geografia como uma ciência de síntese, porém recolocando-a em outros termos....
” A Geografia vidalina dizia que a Geografia era uma Ciência de Síntese, englobando
processos naturais e sociais. Era-me difícil aceitar a síntese como um conceito
específico da Geografia; todas as ciências praticam análise e sínteses; a Quantitativa
se fartou no uso do termo análise. Contudo, se tomarmos mais profundamente estes
dois conceitos, com Lefévbre, veremos que a análise é o ato de destacar o objeto da
totalidade a que pertence, para o seu maior entendimento, sendo, portanto, uma
violência, uma agressão. A síntese consiste em refazer o todo, racionalmente,
recolocando os objetos analisados numa nova estrutura. Se a racionalização da vida
humana, na sociedade urbana esperada, compreende a produção racional do espaço
do homem, então a Geografia é uma Ciência de Síntese” (pg. 82).

O ensaio de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1927- ) Travessia da Crise (Tendências


Atuais na Geografia) insere-se no campo das obras instigantes, perturbadoras, que provocam o
leitor a ir além da simples leitura para fins de verificação de um conjunto de conhecimentos, e
mergulhar num ambiente de reflexão intelectual onde transitam literatura, música, artes plásticas,
filosofia, história e outros campos do conhecimento humano. Não é uma leitura fácil, pois
pressupõe uma bagagem cultural bem mais ampla do que apenas os conhecimentos geográficos
tradicionais adquiridos ao longo do período letivo, ou mesmo de uma vida profissional muito
técnica.

A estrutura do ensaio está organizada em quatro movimentos, como se fosse uma peça musical. O
primeiro movimento denomina-se A Torre (Modernidade e Crise). A simbologia da Torre segundo
Carlos Augusto é retirada de um poema do irlandês William Butler Yeats (1865-1939), que
representaria um contraponto entre as noções de reclusão e amplidão ou nas palavras de Carlos
Augusto...

” ... a torre representa um meio de, em reclusão, alcançar o poeta um espaço mais
amplo e nele identificar os eventos que o tempo marcou na sua terra natal. Uma torre
para sentir o mundo e refletir sobre sua geografia” (pg. 129).

Porém o cerne dessa primeira parte está centrado nos conceitos de modernidade e crise . Para o
conceito de modernidade, Carlos Augusto opera a partir de dois autores que fizeram análises
literárias de duas obras seminais da literatura ocidental; Marshall McLuhan (1972) analisando a
peça teatral Rei Lear de Willian Shakespeare (1564-1616) e Marshall Berman (1982) analisando o
poema Fausto de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).

Carlos Augusto nos fala da percepção de McLuhan sobre alguns aspectos da modernidade que
esta peça enseja...

“O herói de Shakespeare encarnaria a modernidade da Renascença, onde a grande


mutação foi dada graças à nova visão do mundo, advinda da física de Newton”. (pg.
129)

78
e destaca dois pontos interessantes que mantém contato com a questão espacial. O primeiro,
envolve a questão da divisão do reino de Lear em três partes, fato que McLuhan considerou como
modernidade para a época em que o normal era agregar espaços, e não separa-los. O segundo
refere-se a cena do precipício (cena 6 do 4o ato), onde Edgar tenta convencer o cego Gloucester
que ambos estão a beira de um penhasco. Para McLuhan, a modernidade se apresenta ali através
da linguagem, pois, o processo lingüístico criado por Shakespeare para desenvolver este
convencimento está tão a frente de seu tempo, que Carlos Augusto observa como uma...

“decomposição em planos paralelos do (fictício) abismo que alcança foros de único


exemplo de arte verbal tridimensional’’.

Na obra de Marshall Berman Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar : a aventura da modernidade


(1982), a escolha de Carlos Augusto recai sobre a avaliação que este crítico literário faz de Göethe
a partir de sua principal obra Fausto. O ponto agora está enfocando, primeiramente a época da
elaboração do poema, 58 anos decorridos entre 1773 e 1831, considerada como um período de
grandes transformações e turbulências e portanto um tempo propício à modernidade num sentido
mais amplo. O destaque por Carlos Augusto da frase de Berman...

“Na versão göethiana do tema de Fausto, o sujeito e objeto de transformação não é


apenas o herói, mas o mundo inteiro. Fausto de Göethe expressa e dramatiza o
processo pelo qual, no fim do século XVIII e início do seguinte, um sistema mundial
especificamente moderno vem a luz” (pg. 129)

enquadra-se muito bem no binômio que Carlos Augusto apresenta como alvo de sua preocupação
nesta parte do texto, modernidade e crise.

Para o tema crise ele se utiliza de um paradoxo trabalhado por Eduardo Soubirats (1988) que
estipula que quanto mais racional tecnicamente fica a civilização humana, mais irracionais tornam-
se nas suas relações sociais e econômicas.

Ao retornar ao poema de Yeats, Carlos Augusto alude à tendências milenaristas citadas nas
últimas estrofes e as vê como sinais de um tempo que envolve desagregação, mas também
esperança.

O segundo movimento chamado de Labirinto (Ciência: Geografia) toca nas relações entre a
Geografia e as outras áreas do conhecimento, principalmente no que concerne às dificuldades de
comunicação entre as ciências exatas e as sociais, problemas que, no âmbito interno da Geografia
também geraram conflitos de comunicação entre as facções da “física” e da “humana”. Asseverar
que a Geografia é uma Ciência Social, quando boa parte dela opera em áreas de contato com as
Ciências Naturais cria dificuldades de entendimento para decifrar a trajetória do conhecimento
dentro de um Labirinto que somente poderá ser transposto...

“na geração de um conhecimento conjuntivo, fazendo face à tendência


crescentemente disjuntiva de hoje” (pg. 137).

O terceiro movimento chama-se Os Espelhos (O Pensamento entre Preparação e Fundação) e


inicia com uma citação de Martin Heidegger (1889-1976) sobre os mecanismos do pensamento em
antever o futuro da humanidade, para em seguida tomar de empréstimo a Humberto Eco a
simbologia do Teatro de Espelhos, quando este havia tratado da questão irracionalidade na Idade
Média e na Atualidade.

O dualismo entre racionalidade / irracionalidade e modernidade acompanha todo o texto, iniciando


em Renné Descartes (1596-1650), seguindo com Immanuael Kant (1724-1804) e Georg Wilhelm
Friedrich Hegel (1770-1831) e desembocando em Karl Marx (1818-1883) e finalizando com
Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Heidegger novamente. A maior preocupação de Carlos Augusto
é deixar evidente que a Geografia apesar de suas contradições e lutas ideológicas tem a função...

79
“de capacitar o homem a encontrar a habitação do ser-no-mundo. Não importam suas
variações e oscilações através dos tempos históricos. O que permanece – tal como o
núcleo do átomo cercado das mais estranhas propriedades entre os constituintes e
em relação à energia que o define - é o vinculo primordial, entre o homem e o lugar
na terra, onde os mortais residem, junto com as “coisas” (pg.141).

O quarto e último movimento chamado Os Sinos (O Situar-se para o Acontecer) inicia com um
retrospecto de sua vida profissional e prossegue com uma reflexão sobre as dificuldades da
pesquisa geográfica de Climatologia nos anos 60 e 70 e vislumbra novas possibilidades com a
futura Teoria do Caos (ainda incipiente na época da redação do ensaio, mas já devidamente
percebida por Carlos Augusto). Outro ponto interessante desta parte é a demonstração de
erudição explícita que Carlos Augusto dá, ao refletir sobre as relações entre a Literatura e a
Geografia cobrindo vários níveis de elaboração de enredo tanto com autores ingleses e franceses,
quanto autores brasileiros, especificamente com Guimarães Rosa, um dos mais geográficos dos
autores eruditos do país.

Carlos Augusto conclui seu instigante ensaio com uma mensagem de esperança...

“Que o homem volte a encontrar o seu lugar na Terra e que sua Geografia venha a
descrever, dar conta daqueles novos contornos que o desvelamento do enigma do
caos nos trará. Paisagem ou espaços diferentes da tristeza de hoje. Que contenham
a alegria” (pg. 146).

O ensaio termina com os versos da ode do poeta alemão Friedrich von Schiller (1759-1805)
incorporada no coral da parte final da Nona Sinfonia de Ludwig von Beethoven (1770-1827), que
Carlos Augusto considera como um coro... “ que, remontando ao passado, evoque o anseio
futuro”.

Portanto, o número especial de comemoração dos 50 anos da RBG nos dá uma boa amostra de
dois períodos da Geografia brasileira, ainda que sob um viés ibegeano.

Visões do Contexto Geográfico anterior a 1930

Para uma avaliação da Geografia brasileira desenvolvida no período anterior a 1930, é necessário
ler dois trabalhos que, atualmente, são considerados os melhores em sua categoria, o de José
Veríssimo da Costa Pereira (Pereira, 1955) A Geografia no Brasil que fez parte da coletânea As
Ciências no Brasil , e o ensaio de Lia Osório Machado ( Machado, 1995) Origens do Pensamento
Geográfico no Brasil: Meio Tropical, Espaços Vazios e a Idéia de Ordem , que integra a coletânea
Geografia: Conceitos e Temas.

A pesquisa de José Veríssimo da Costa Pereira foi encomendada por Fernando de Azevedo em
1954 para integrar uma obra de referência sobre a história das ciências brasileiras patrocinada
pela Instituição Larragoiti (finanças e seguros) , que já havia montado outra, de grande significado
sobre a literatura brasileira sob a organização de Afrânio Coutinho. No prefácio de Antônio
Cândido é dito que... “Ambas correspondem a um momento significativo da nossa cultura: o do
amadurecimento das ciências e do estudo das letras no Brasil”.

José Veríssimo da Costa Pereira (1904-1955) foi o geógrafo de seu tempo, que mais se
preocupou com a memória da ciência geográfica brasileira. Pesquisador do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), além de
professor da Universidade do Brasil (atual Federal do Rio de Janeiro) e da Faculdade Fluminense
de Filosofia (atual Federal Fluminense). Fez pós-graduação nos Estados Unidos nas universidades
de Wisconsin e Northwestern.

80
Faleceu de um problema coronariano, num vôo entre Benjamin Constant e Manaus em agosto de
1955, a serviço do INIC. Seus campos de interesse cobriam três linhas distintas: a geografia
agrária e os processos de colonização, a geografia geral para educação, ao produzir compêndios
gerais para o ensino superior e na organização da memória dos estudos geográficos no Brasil,
compilando informações e bibliografia sobre os primórdios da ciência no país. Veio daí o convite de
Fernando de Azevedo para a elaboração deste capítulo.

Foi também um estudioso da obra de Euclides da Cunha (1868-1909 ) levantando uma tese
interessante sobre o pioneirismo das análises de Euclides da Cunha, escritas em Os Sertões de
1902, sobre a terra e os seres humanos da área de Canudos ...
“À luz da geografia moderna, o trecho referente ao exemplo destacado ( diferença
entre gaúcho e jagunço ) demonstra que, em sua orientação básica Euclides
precedeu ao conceito lablacheano de gêneros de vida, aparecido em 1911. Tal
conceito lablacheano é, aliás, persistente em Euclides da Cunha. Os princípios
metodológicos de geografia humana formulados por Demangeon em 1947, foram
espontaneamente aplicados por Euclides em os Sertões, conforme já ficou
demonstrado.” ( Pereira - 1955 : 424 ).

Sem sombra de dúvida, trata-se de uma experiência intrigante ler o capítulo V de Os Sertões de
Euclides da Cunha (1902 - 1982:112-143) para se ter uma impressionante sensação de que o
autor, efetivamente, conhecia o método de avaliação de uma forma de habitat, conforme
Demangeon e Sorre ensinariam no final da década de 40.

A pesquisa de José Veríssimo inicia com uma panorâmica dos estudos geográficos na Europa e
no Brasil que cobre desde o século XVI até o início do XIX, analisando os trabalhos de
levantamento dos navegadores, exploradores e cartógrafos demarcadores do território para vários
demandantes ( de Portugal a outros reinos que também cobiçavam a terra), em seguida as
memórias de alguns colonizadores brasileiros que ocuparam boa parte do litoral e do interior , além
dos exploradores científicos europeus que durante os séculos XVIII e XIX desenvolveram muitas
pesquisas nas áreas da Ciência da Natureza e na Antropologia. Para cada explorador foi feita uma
análise do contexto de sua estada e de seu respectivo trabalho, tanto escrito quanto cartografado.

Seu trabalho alcança os primeiros 40 anos do século XX até a criação do Conselho Nacional de
Geografia e dos cursos superiores nas Universidades do Rio e São Paulo. Para fins de
entendimento da importância desta obra, será feita uma síntese desses períodos, enfocando os
principais personagens desta saga geográfica.

No contexto das explorações portuguesas, dois especialistas descreveram os principais fatos


geográficos logo na primeira viagem de descoberta: Pero Vaz de Caminha (1450-1500) e Mestre
João de Faras (1448-1513). O primeiro, como escrivão oficial da frota comandada por Pedro
Alvares Cabral, que tomou posse das terras descobertas no litoral da Bahia, inaugurou com sua
carta ao Rei de Portugal, uma série de crônicas geográficas sobre o Brasil, ao descrever com
minúcias o quadro físico (forma do litoral, solo, clima, vegetação, fauna) e o quadro humano (os
índios que habitavam nosso litoral) tentando explicar traços fisionômicos e atitudes desse povo
estranho que os portugueses passariam a conhecer a partir daquela data. O segundo, na
qualidade de astrônomo e cartógrafo da frota, também informa a D. Manuel I (1469-1521), em
carta escrita entre 28 de abril e 10 de maio de 1500, as principais determinações astronômicas do
hemisfério sul e informa sobre as novas modificações cartográficas a serem impostas nos
próximos mapas de navegação (portulanos) de Portugal.

Na segunda metade do século XVI, com o processo de colonização já consolidado, é que inicia-se
uma série de trabalhos descritivos de cunho geográfico feitos por portugueses que se fixaram na
terra. Colonizadores como Pedro Magalhães Gandavo (História da Província de Santa Cruz de
1576) e Gabriel Soares de Souza (Tratado descritivo do Brasil de 1587), padres jesuítas como
José de Anchieta (Tratado Descritivo do Brasil de 1799 ) são os mais importantes. Digno de nota
também foi o importante trabalho do alemão Hans Staden (Viagem ao Brasil de 1557) fruto de

81
sua estada forçada junto aos índios Tupinambás, no litoral da capitania de São Vicente (atual São
Paulo) em virtude de um naufrágio ocorrido por volta de 1550.

É também na segunda metade do século XVI, que a França tenta conquistar uma parcela do novo
território português na América do sul, ocupando em 1557 a atual baía de Guanabara, forçando
Portugal a criar um novo polo de defesa e ocupação, iniciado com um ataque naval em 1560, no
qual é destruído o forte de Coligny, depois com a fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565 e
finalizando com a definitiva expulsão dos franceses em 1567. No contexto da ocupação francesa,
dois missionários religiosos realizaram importantes trabalhos geográficos e cartográficos sobre o
Brasil. O padre franciscano André Thévet escreveu os tratados Cosmografia (1575) e
Singularidades da França Antártica (1557) e o protestante calvinista Jean de Léry o livro Viagem a
Terra do Brasil (1578), além de desenhar a carta do litoral do Rio de Janeiro França Antártica - O
Rio de Janeiro (1580).

No início do século XVII os trabalhos de dois padres capuchinhos franceses que percorreram a
província do Maranhão marcaram os estudos geográficos na porção norte do país. Claude
d’Abberville com a sua História dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras
Circunvizinhas (1614) e Yves d’Evreux com uma continuação do trabalho de d’Abberville, Suíte da
História das Memoráveis Aventuras no Maranhão entre 1613-1614 (1615). Além dos franceses,
portugueses radicados na terra e padres missionários continuam a produção geográfica sobre o
Brasil. Ambrósio F. Brandão, fazendeiro pernambucano, escreveu o Diálogo das Grandezas do
Brasil (1618), o padre visitador Fernão Cardim escreveu um tratado sobre o clima Do Clima e Terra
do Brasil (1625) e o padre espanhol Cristóvan de Acuña descreveu o Amazonas em seu Novo
Descobrimento do Rio das Amazonas (1641) ao acompanhar o navegador português Pedro
Teixeira em sua viagem do Peru até a foz do Amazonas feita entre 1637- 39.

No contexto histórico da ocupação holandesa em Pernambuco organizada por Maurício de Nassau


a partir de 1638, os trabalhos de Astronomia, Geografia e Botânica organizados pelo alemão a
serviço da Holanda George Marcgrave (1610-1644) foram considerados os melhores até então
executados sua História das Coisas Naturais do Brasil (1648) a Proginástica Matemática
Americana, obra de astronomia que ficou inconclusa, em função do falecimento do autor em 1655,
aos 34 anos. Marcgrave também construiu o primeiro observatório astronômico do hemisfério sul
em Pernambuco em 1639.

O século XVIII inaugura a fase dos levantamentos sistemáticos sobre as características físicas do
território em consonância com os mais recentes estudos geodésicos levados a efeito pelos
cientistas europeus que haviam iniciado campanhas sistemáticas de medições em várias partes do
mundo. O matemático francês Charles Marie de La Condamine (1701-1774) foi um desses
europeus que participou dessas expedições. No seu caso, uma medida de um arco de meridiano
em terras da Amazônia Peruana. Seu retorno a Europa se deu atravessando a Amazônia Brasileira
descendo o grande rio até Belém. Suas observações e estudos geraram a Carta do Curso do
Maranhão ou do Grande Rio das Amazonas em 1743 e 1744 conforme as observações
astronômicas por M. de La Condamine (1745). Seus escritos sobre a natureza e a organização
social das populações ribeirinhas o enquadraram como um dos melhores Geógrafos do século
XVIII.

As questões de limites entre os reinos de Portugal e Espanha introduziram um novo componente


nos estudos geográficos, a necessidade de mensurações sistemáticas dos respectivos territórios e
a constante atualização cartográfica das linhas de fronteira. Na esteira desses trabalhos, foram
conhecidos novas áreas do interior do Brasil. Alexandre de Gusmão (1695-1753) organizou o
Mapa dos Confins do Brasil com as Terras de Espanha na América Meridional (1749) que
subsidiou as negociações do Tratado de Madri em 1750. Nessa mesma época, outros grupos de
geógrafos mapearam as fronteiras do sul com o Uruguai, além de estabelecerem os novos limites
para o novo Tratado de Santo Ildefonso em 1777, que praticamente definiu as atuais fronteiras
brasileiras.

82
O fim do século XVIII marca o início de uma nova fase nos estudos da Natureza e do povoamento
do Brasil. Alexandre Rodrigues Pereira foi o primeiro brasileiro nato a chefiar uma equipe de
pesquisa da Universidade de Lisboa com a incumbência de levantar informações sobre a região
amazônica entre 1785 e 1788. Todo o seu material depositado no Real Gabinete de História
Natural em Lisboa, foi confiscado pelo comandante das tropas francesas que invadiram Portugal,
General Junot em 1808 e quase todo o acervo transferido para Paris para uso do naturalista
Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1772-1844). Em 1815, Portugal recupera este acervo e em 1842 o
repassa ao Brasil.

No século XIX é editada a primeira obra de compilação geográfica do Brasil Corografia Brasílica do
padre Manuel Aires de Casal em 1817. Paralelamente, outros geógrafos, geralmente envolvidos
com os governos provinciais, organizam quadros de referência geográfica de diversas áreas do
país, principalmente nas regiões norte e centro oeste. Em 1869 é editado o primeiro trabalho
geográfico especializado, orientado a um só assunto Navegação Interior do Brasil de Eduardo
José de Morais, um perito em hidrografia que organizou a primeira classificação das bacias
hidrográficas brasileiras e que lançou a idéia de ligação entre bacias através de canais ou
ferrovias.

É também nesse século que aumenta substancialmente a participação de cientistas europeus na


geografia brasileira, exemplificados nos trabalhos de Amedée Ernest Barthélemy Mouchez sobre o
litoral do país, Alexander von Humboldt (1769-1859) sobre biogeografia da Amazônia, John Mawe
sobre condições de vida da população, Wilhelm Luwig Eschwege (1777-1855) sobre geologia e
geomorfologia, a dupla Johanan Baptist Spix (1796-1870) e Karl Friedrich Philipp von Martius
(1794-1868) sobre botânica e etnologia, Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) sobre biogeografia e
geografia geral, Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873) sobre biogeografia e geomorfologia, Elisée
Reclus (1830-1905) sobre geografia regional.

Ainda no século XIX, são fundados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [1838] e a
Sociedade Brasileira de Geografia [1883]. Na transição para o século XX, dois brasileiros deram
uma grande contribuição para os estudos geográficos, o General Cândido Mariano da Silva
Rondon (1865-1958) ao explorar sistematicamente o noroeste do Brasil e José Maria da Silva
Paranhos o Barão do Rio Branco (1819-1880) ao estudar detalhadamente nossas regiões de
fronteiras. É também nesse período que o enfoque interpretativo na Geografia inicia o seu
combate aos tratados descritivos estanques. Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha são os
expoentes dessa corrente.

O caráter científico da Geografia brasileira estabelece-se durante o século XX com a formação


institucionalizada de cursos universitários de Geografia em São Paulo e Rio de Janeiro orientados
por professores estrangeiros, como Pierre Deffontaines, com a fundação da Associação dos
Geógrafos Brasileiros e com a criação do Conselho Nacional de Geografia em 1937, agência do
Governo Brasileiro encarregada de subsidiar o planejamento territorial do Brasil.

Este foi apenas um esboço do trabalho de José Veríssimo da Costa Pereira, tido com uma da mais
detalhadas resenhas sobre a Geografia brasileira até hoje.

O ensaio de Lia Osório Machado tem outro enfoque, pois objetiva aprofundar o conhecimento
sobre os contextos políticos, científicos, ideológicos, econômicos que influenciaram a produção
geográfica brasileira entre 1870 e 1930. As datas referem-se a dois acontecimentos de grande
importância na História brasileira, a primeira referencia o processo de abolicionismo, com a
promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871 e a segunda, o novo modelo republicano com a
implantação da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. É, portanto, um intervalo
de tempo que marca a grande divisão entre um Brasil ainda com fortes influências coloniais,
embora já ingressando no movimento de implantação da futura república, e o Brasil moderno que
quebraria as velhas alianças politico/econômicas ditadas por uma elite agrária, que não havia se
recuperado completamente do golpe da abolição da escravatura em 1888.

83
A primeira parte trabalha sobre algumas visões que enfocaram a evolução do pensamento
geográfico brasileiro escritas na segunda metade do século XX. Além dos geógrafos que, ao longo
de suas carreiras, construíram essas versões (José Veríssimo da Costa Pereira-1955, Manoel
Correia de Andrade-1977, Carlos Augusto Figueredo Monteiro-1980, Nilo Bernardes-1982 a e b),
Lia analisa com detalhe as obras de dois historiadores que escreveram sobre a Geografia. Caio
Prado Jr. em 1945, ao prefaciar a reedição da obra de Manuel Ayres de Casal Corografia Brasílica
publicada em 1817 e Nelson Werneck Sodré com sua Introdução à Geografia: geografia e
Ideologia, publicada pela primeira vez em 1976 e já com nove edições.

A principal diferença que Lia aponta entre os dois conjuntos de autores, é o forte criticismo adotado
pelos historiadores aos estudos geográficos realizados no Brasil. Para Caio Prado Jr. os trabalhos
dos geógrafos estrangeiros eram, na primeira metade dos anos 40, nossas principais referências,
e que a forte influência francesa em relação a alemã era então um dos grandes impecilhos ao
desenvolvimento do pensamento geográfico no Brasil .

O contexto histórico no qual Nelson Werneck Sodré escreveu seu trabalho era bem diferente do
final do Estado Novo, pois abarcou o período do ciclo militar de 1964-1985 e está centrado
diretamente na primeira metade dos anos 70, a fase mais dura desses tempos. Talvez por isso, a
visão bem radical de Sodré sobre questões que envolveram os conceitos de determinismo e
possibilismo geográfico, suas vinculações com o neo-colonialismo europeu e norte-americano e a
Geopolítica (área do conhecimento muito cara aos militares brasileiros), misturam-se com a
influência alemã da Antropogeografia de Fredrich Ratzel (1844-1901) e as idéias de alguns
importantes cientistas sociais franceses do século XIX, Hippolyte Taine (1828-1898), Ernsest
Renan (1823-1892) e Gustave Le Bon (1841-1931).

Entretanto, a parte mais importante do trabalho de Lia O . Machado cobre a produção geográfica
situada no intervalo de tempo entre 1879 e 1930. A análise se estrutura, baseada nas obras de
cinco importantes pesquisadores, João Capistrano de Abreu (1852-1927), Gentil Moura (1868-
1929), Eduardo M. Trindade (1885-1959), Carlos Delgado de Carvalho (1884-1980) e Everardo
Backheuser (1879-1951).
Capistrano de Abreu, considerado um dos fundadores da moderna História do Brasil, gestada no
início do século XX, foi também um profundo estudioso da Geografia alemã, traduzindo para o
português diversas obras que tratavam do Brasil, além de compêndios metodológicos como o
Antropogeographie de F. Ratzel que, apesar de não ter sido publicado no Brasil, foi o principal
material de divulgação das idéias de Ratzel por Capistrano de Abreu.

Das três obras deste autor analisadas por Lia, a que mais nos interessa é A Geografia no Brasil ,
publicada no Almanaque Brasileiro Garnier de 1904, onde Capistrano de Abreu faz uma
apreciação crítica dos estudos geográficos brasileiros até então. É um artigo pioneiro no que tange
a distinção entre dois estilos de fazer Geografia no início do século XX. O de enumeração de
acidentes geográficos, visto como o estilo negativo e o considerado científico, que estabelece
relações entre o quadro natural e o processo de ocupação humana. Lia considera que neste artigo
está a primeira citação às idéias de Fredrich Ratzel sobre antropogeografia feita na literatura de
língua portuguesa no Brasil.
Em sua avaliação, Capistrano de Abreu cita como precursores do estilo científico de fazer
Geografia, alguns pesquisadores que trabalharam no campo das ciências da natureza como
geólogos, paleontólogos e naturalistas como Wilhem von Eschwege (1777-1855) , Louis (Jean)
Rodolphe Agassiz (1807-1873), Charles Hartt (1820-1878) e Orville Derby (1851-1915).

O trabalho do engenheiro civil Gentil de Moura (1868-1929) Geografia Nacional , fruto de uma
conferência proferida no 2o Congresso Brasileiro de Geografia realizado em São Paulo em 1910,
também reafirma um processo de mudança nos modos de lidar com os fatos geográficos no início
do século XX. Ao notar um gradual afastamento da memorização, via corografia, para centrar-se
em estudos classificatórios que levam em consideração vinculações entre vários segmentos do
conhecimento, tanto nas ciências da natureza, como nas humanas.

84
Visão semelhante foi também apresentada por outro engenheiro militar e professor de Geografia
da Escola de Estado Maior do Exército, Eduardo M. Trindade (1885-1959), por ocasião de sua
alocução de posse na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 11/1918 e posteriormente
publicado na Revista da Sociedade Geográfica do Rio de Janeiro no 28 em 1923. Trata da fase de
cientificismo que começou a ocorrer na Geografia, com a visão de processo de Willian Morris
Davies (1850-1934) na Geomorfologia e os estudos sobre a relação Ser Humano / Natureza no
Possibilismo de Vidal de La Blache (1845-1918) e na Antropogeografia de Ratzel.

Essa tendência de se considerar como moderna uma Geografia que opera mais com correlações
entre processos físicos e humanos, do que com memorizações locacionais, aparecem bem claras
nos trabalhos de Carlos Delgado de Carvalho (1884-1980) e de Everardo Backheuser (1879-
1951).

O ensaio de Lia Machado enfoca com detalhe o artigo de Delgado de Carvalho Geografia-
Sciencia da Natureza, publicado em 1927 no no 32 da Revista da Sociedade Geográfica do Rio de
Janeiro, como produto de uma conferência proferida na instituição. Nele Delgado advoga um novo
enfoque para os estudos geográficos “a explicação” resultado das vinculações entre diferentes
elementos, tanto da natureza, quanto da sociedade. Lia percebe neste termo uma curiosa
combinação de diferentes concepções, onde misturam-se a Geomorfologia evolucionista de Willian
Moris Davis, o ambientalismo de Ellsworth Huntington (1876-1947) com suas pulsações
climáticas e a noção de individualidade geográfica, atribuída por Delgado à Lucien Febvre (1878-
1956) e, como assinala Lia... ( não à Ritter nem à Ratzel, nem à Vidal ).

Delgado, juntamente com Everardo Backheuser, dirigia o mais importante curso livre de Geografia
do Rio de Janeiro nos anos 20 e era considerado um dos mais articulados professores de seu
tempo. Nascido na França, onde estudou Ciência Política (1908), pós-graduou-se em Economia
na Inglaterra (1919). Conheceu o Brasil pela primeira vez em 1906 e já em 1910 publicou seu
primeiro trabalho sobre o novo país Le Brésil Meridional. Em 1913, editou seu livro mais
importante Geografia do Brasil , considerado por Nilo Bernardes (1982:520-21) como uma obra a
frente de seu tempo, e por isso mesmo incompreendida por boa parte de seus pares.

Percepção semelhante, também já havia tido José Veríssimo da Costa Pereira (1955) ao tratar da
“O Trabalho de renovação do ensino geográfico e a contribuição de Delgado de Carvalho” (p. 425-
426) escreveu... “Delgado de Carvalho publicava, em 1913 sem êxito, na prática, um modelar
trabalho didático, vazado em processos de ensino franceses e escrito com um poder de síntese e
clareza admiráveis...”. Publicou ainda mais três obras, duas sobre aspectos físicos; Méteorologie
du Brésil (1917), aproveitando os dados coletados em várias agências de governo e Physiografia
do Brasil (1923), como resultado de pesquisas para preparação de suas aulas na Escola de
Estado Maior do Exército entre 1921 e 1931; e uma sobre questões políticas, Introdução à
Geografia Política (1925).

Possivelmente, as relações entre os aspectos físicos e as questões geopolíticas foram alguns dos
elementos que uniram Everardo Backheuser e Delgado de Carvalho nos anos 20. Backheuser era
engenheiro com especialização em Geologia e Mineralogia e professor na Escola Politécnica do
Rio de Janeiro, mas teve também envolvimento com o grupo que se opunha ao governo de Artur
Bernardes (1922-1926), tendo por isso sido cassado, preso e, posteriormente, reintegrado em
suas antigas funções.

Lia Machado levanta uma interessante vinculação entre o geólogo e o geopolítico na figura desse
professor, quando em 1923, durante a estada do geógrafo Otto Maull (1879-1942) no Brasil,
Backheuser o convida para dar uma conferência sobre Geopolítica na Escola Politécnica e inicia
em 1925, um curso denominado Estrutura Geopolítica do Brasil.

Delgado e Backheuser foram os líderes da renovação do pensamento geográfico brasileiro nos


anos 20 juntamente com outros professores do ensino médio, como Fernando Raja Gabághlia

85
(1886-1965), considerado também por Orlando Valverde em seu depoimento, como um grande
formador de opiniões e de carreiras na Geografia...
“Eu sou cria do Pedro II. Colégio Pedro II ali da Av. Marechal Floriano, eu tive um
professor que depois colaborou, primeiro resistiu, depois colaborou com IBGE.
Chamava-se Fernando Antônio Raja Gabaghlia que depois tornou-se até diretor
muito tempo, era uma personalidade muito curiosa, uma cultura invulgar e eu me
lembro de aulas... como por exemplo, Fronteiras do Brasil e a obra de Rio Branco,
sabe que eu não tomei nenhuma nota, nenhuma, meu caderno, ficou em branco
naquela aula, mas ele marcou de tal maneira a minha memória, o meu entendimento
de garoto, que vinte anos mais tarde, quando eu era professor de ensino médio no
Colégio Souza Aguiar por exemplo, ou no Paulo de Frontin, quando eu fui dar
Fronteiras do Brasil, eu ficava envergonhado comigo mesmo, porque eu, ninguém
sabe, mas eu estava plagiando o Raja Gabaghlia, porque eram as palavras, os
mapas na cabeça e tudo mais, eu me lembro por exemplo de citações, por exemplo
sobre a colonização européia, essa coisa toda, ele citava obra, obras em francês, em
inglês..., o nome de Moris Davies apareceu pela primeira vez na minha vida... os de
Albert Penck e Alfred Hetner .Por exemplo, tinha um autor alemão, era um nome até
pouco vulgar, e depois fui procurar numa biblioteca na Alemanha... em Hilderberg em
1967... e essa aula eu assisti entre 1930 / 1931... esse autor ... Alexander Supam...
escreveu sobre o desenvolvimento espacial das colônias, européias em que esse, no
auge do imperialismo alemão... esse homem escreveu no começo do século, sobre a
expansão das colônias da Alemanha no mundo, e européias... pois bem, ele teorizou
sobre isso perfeitamente... uma glorificação do imperialismo da época... Gabaghlia
estava a par da geografia mais moderna da sua época...” (Depoimento de Orlando
Valverde a Roberto Schmidt de Almeida).

O ensaio de Lia Osório Machado prossegue com a análise de alguns debates que ocuparam as
mentes dos intelectuais brasileiros e de alguns estrangeiros, no período referenciado (1870-1930),
debates esses que suscitaram argumentações de caráter espacial, principalmente no jogo de
elaborações de imagens sobre o território brasileiro, resultantes dos processos de ocupação
levados a efeito pela sociedade e mediados por condicionamentos ambientais. Temas como As
raças e o meio tropical, política imigratória e mestiçagem, regionalização baseada em critérios
físicos e visões contrastantes sobre o território e a sociedade brasileira, foram objeto de estudo
para Autores como Joseph Arhur de Gobineau (1816-1882), Louis Agassiz (1807-1873), Alfred
Russel Wallace(1823-1913), Thomas Pompeu de Souza Brasil (1818-1877), Tristão Alencar de
Araripe (1821-1908), José Couto de Magalhães (1836-1898), André Rebouças (1838-1898), Artur
Orlando da Silva (1859-1916), Silvio Romero (1851-1914) e Euclides da Cunha (1866-1909), além
das teses polêmicas de Francisco José de Oliveira Viana (1885-1951) sobre a precedência do
interior (sertão) sobre o mundo urbano ou sobre o “branqueamento” da raça via miscigenação
européia, foram motivos de intensas querelas intelectuais.

Por suas análises argutas sobre os processos de adaptação e de “abrasileiramento” das matrizes
de pensamento geográfico européias, com vistas a uma institucionalização da Geografia que viria
a ocorrer na década de 30, o ensaio de Lia O. Machado tornou-se uma referência imprescindível
para uma compreensão mais ampla da evolução do discurso geográfico no Brasil.

No que concerne especificamente ao campo de análise das matrizes do pensamento geográfico, o


artigo de Nilo Bernardes (1982) na RBG 44(3):391-413 sobre as principais características do que
se convencionou denominar de pensamento geográfico tradicional é um dos mais esclarecedores,
pois enfoca as principais correntes de pensamento, tanto na Alemanha, quanto na França e
Estados Unidos, analisando alguns dos principais problemas espistemológicos por que passou a
Geografia na primeira metade do século XX.
Questões como as dicotomias entre Geografia Física e Humana, Geografia Sistemática e
Regional, além da posição deste ramo do conhecimento entre as ciências naturais e sociais, uma
característica que, ao longo dos anos, gerou grandes controvérsias entre os geógrafos. Pois
sempre existiram aqueles que consideraram a Geografia mais física, e que enfatizavam as

86
ligações preferenciais com a Geologia, Biologia, Química e Física e os que a consideravam como
uma Ciência Social somente, relacionando-a com a Sociologia, História, Ciência Política,
Economia e Antropologia. Paralelamente, alguns trabalhos sobre suas vinculações com a
Geometria, no que tange ao estudo dos arranjos espaciais de seus fenômenos, tanto físicos
quanto sociais, também trouxeram mais polêmica à discussão, principalmente nas décadas de 60
e 70.

O artigo de Nilo Bernardes consegue dar uma boa visão desses problemas, inclusive discutindo
com muita clareza questões controversas como a luta entre as concepções deterministas versus o
enfoque possibilista no meio geográfico europeu e americano e suas conseqüências no Brasil,
além de aprofundar a questão do conceito de corologia (arranjo e variação de um fenômeno no
espaço) em relação ao conceito de cronologia ( variação de um fenômeno no tempo) na tradição
científica alemã de Immanuel Kant (1724-1804) e seus efeitos nos trabalhos de Ferdinand von
Richthofen (1833-1905) , Alfred Hettner (1859-1941) e Albert Penk (1859-1945).

Em sua parte final, Nilo Bernardes analisa o conceito de região em suas diversas concepções,
onde novamente a dicotomia físico-humana acabava por ordenar grupos diferentes de regiões tais
como região natural e região humana ou cultural .
Um outro ponto fundamental também foi motivo de análise, a diferenciação entre região
homogênea e região nodal, tema que Nilo Bernardes cotejou inteligentemente comparando as
determinações dos inúmeros congressos internacionais de Geografia sobre o assunto, culminando
em 1960 com a criação da Comissão para métodos de regionalização na União Geográfica
Internacional por ocasião da reunião em Estocolmo.

Na mesma Revista Brasileira de Geografia 44(3):519-527, o mesmo Nilo Bernardes apresenta


outro artigo, também fundamental para o entendimento da evolução do pensamento geográfico no
Brasil. Trata-se da análise da influência dos professores estrangeiros que estiveram pesquisando e
lecionando no Brasil após a década de 1930. Os legados de profissionais como Pierre
Deffontaines, Pierre Monbeig, Francis Ruellan, Leo Waibel, Pierre Gourou, Preston James, Pierre
Danserau, Gottfried Pfeifer, Jean Tricart, Michel Rochefort, Jacqueline Beaujeau-Garnier, John P.
Cole, Brian Berry e André Libaut foram descritos com muita precisão, explicitando a especialidade
de cada um e avaliando a influência de seus métodos na Geografia brasileira. Nilo também traçou
um rápido perfil de algumas instituições de Geografia internacional que contribuíram com os
profissionais brasileiros, garantindo recursos para pesquisa ou facilitando cursos de
aperfeiçoamento técnico, como a União Geográfica Internacional (UGI) e o Instituto Panamericano
de Geografia e História (IPGH). Alguns desses profissionais serão objeto de avaliação mais
detalhada no capítulo III, que trata da liderança e do carisma que estes pesquisadores e
professores exerceram durante e após suas estadas no Brasil.

Evocando Algumas Etapas da Geografia no IBGE

A Fase de Estruturação

Durante as décadas de 40 e 50 a Geografia brasileira estava dividida em dois grandes segmentos.


O que produzia conhecimento para uso na estrutura de ensino, com a formação e o
aperfeiçoamento do corpo docente, e o novo segmento voltado para a estruturação do sistema de
planejamento territorial, do qual o IBGE passou a ser o principal agente, tanto pelo lado da
Estatística, quanto pela Geografia, Geodésia e Cartografia.

No entanto, apesar desta aparente dicotomia, ambos sempre estiveram em perfeita conexão, em
virtude de suas origens comuns. Entre meados dos anos 30 até o início dos 40, a criação quase
simultânea dos cursos formais de Geografia, tanto em São Paulo (posteriormente liderado por
Pierre Mombeig), quanto no Rio de Janeiro, até a estruturação do sistema de planejamento
territorial do governo federal no IBGE, foram processos gestados por uma estrutura organizada
pelo governo Vargas. Processos gerenciados no nível acadêmico entre 1934 e 1939 pelo geógrafo
francês Pierre Deffontaines, que também foi o criador da Associação dos Geógrafos Brasileiros

87
(AGB), mas organizados em nível mais alto, por personalidades como Juarez Távora (Ministro da
Agricultura), Francisco Luis da Silva Campos e Gustavo Capanema (Ministros da Educação), José
Carlos de Macedo Soares (Relações Exteriores), Mário Augusto Teixeira de Freitas (organizador
do sistema estatístico nacional) e Cristóvão Leite de Castro (estruturador do núcleo inicial de
geógrafos do futuro Conselho Brasileiro de Geografia).

Portanto, a Geografia da academia e a do sistema de planejamento no Brasil nasceram juntas e


foram organizadas tecnicamente no Rio de Janeiro, pelo mesmo profissional (Deffontaines), que
possuía fortes raízes lablacheanas. A vinda de Francis Ruelan entre 1940 e 1956 intensifica essas
relações entre os geógrafos cariocas e a Geografia francesa, principalmente em virtude do longo
período de permanência e do seu carisma para formação de um grande número de profissionais,
tanto para ensino , quanto para pesquisa. No mesmo período, a partir da ida para os Estados
Unidos em 1942 do geógrafo brasileiro Jorge Zarur , para se pós-graduar no mestrado da
Universidade de Wisconsin, e do posterior envio em 1945, de cinco ibegeanos para estudos de
aperfeiçoamento em universidades americanas, abre-se também outras linhas de pesquisas,
principalmente na área de estudos regionais, na metodologia de pesquisa de campo e no processo
de colonização. É nesse novo contexto que chega o alemão radicado nos Estados Unidos, Leo
Waibel para trabalhar exclusivamente no IBGE sobre processos de colonização.

A demanda governamental para o estudo dos processos de ocupação do território via mecanismos
de colonização, de certa forma, deu o tom das principais orientações de pesquisa, como por
exemplo, os estudos do habitat rural, e as novas interpretações dos processos geomorfológicos.
Paralelamente, os estudos urbanos também já estavam tendo um desenvolvimento, principalmente
com os trabalhos de Deffontaines no Rio e Mombeig em São Paulo (Deffontaines,1944 - I e II e
Mombeig,1943).

Na segunda metade da década de 40, a Geografia foi convocada a definir algumas possíveis
localizações para a futura implantação do novo Distrito Federal em alguma área do Planalto
Central. Era uma espécie de diagnóstico integrado, pois necessitava de avaliações de caráter
físico e econômico em duas escalas distintas: a local, para fins de implantação física da futura
cidade e a regional que teria de dar conta das futuras relações econômicas e demográficas da
nova capital. Mais uma vez, a relação entre a Universidade e o sistema de planejamento (IBGE)
mostrou-se forte, com equipes distintas (Ruelan com a equipe da Universidade e Leo waibel com a
equipe do IBGE), em áreas separadas mas operando em conjunto para não desperdiçar esforços.

No entanto, apesar desses esforços conjuntos, iniciam-se crises no núcleo governamental de


planejamento, primeiramente no caso da localização da futura capital. Crise esta, que ficou mais
ou menos circunscrita aos muros do próprio CNG, mas que, possivelmente, tenha dado subsídios
para uma outra, muito mais forte e de graves conseqüências para o órgão no início dos anos 50.

Na questão da localização da futura capital, o debate se estabeleceu aparentemente por conta de


duas posições divergentes, ocorridas durante o final de 1947 e início de 1948. De um lado, os
geógrafos que defendiam uma localização no Triângulo Mineiro, por vincularem o fator
acessibilidade à área mais desenvolvida do país (São Paulo), como uma estratégia que aliava
economia (menos dispêndio de recursos em infra-estrutura imediata) e atratividade (a cidade
não estaria em área muito distante e os investidores de São Paulo e sudoeste de Minas seriam
mais receptivos à novidade). Do outro lado, os geodesistas, militares e a bancada dos estados do
Nordeste viam com muito interesse a opção do Espigão Mestre, em área próxima a cidade de
Formosa em Goiás. Várias razões eram invocadas, os geodesistas e militares positivistas usavam
os argumentos da centralidade geométrica do território e das concepções geopolíticas de
ocupação rápida da região central do Brasil. O principal incentivador dessas teses era o General
Poli Coelho, chefe do Serviço Geográfico do Exército e Presidente da Comissão de Estudos para a
Localização da Nova Capital do Brasil. Os políticos de Goiás e do Nordeste tinham interesses
variados, que iam da luta por maiores áreas de influência política, até o simples interesse
especulativo das futuras terras a serem desapropriadas.

88
O debate na esfera técnica ficou por conta de Fábio de Macedo Soares Guimarães, geógrafo que
coordenou os estudos geográficos do IBGE, em artigos na RBG (Guimarães, 1949: 471 e 613), no
campo intermediário entre o técnico e o político, as argumentações ficaram a cargo de Cristóvão
Leite de Castro, Secretário Geral do CNG. A escolha recaiu sobre a área de Goiás e foi
corroborada em termos políticos por Teixeira de Freitas, recentemente aposentado (1948) em
carta ao Presidente da Comissão General Poli Coelho (IBGE, 1948 - A Localização da Nova
Capital ).

Speridão Faissol, em depoimento à Revista GEO UERJ analisa o debate técnico (Faissol, 1997:83-
86), principalmente no que se referiu às questões entre decisões de Geografia Econômica e as
argumentações geodésicas e geopolíticas.

As Crises dos Anos 50

Mas, se no campo geográfico uma crise foi abortada. A vinda do General Poli Coelho para a
Presidência do IBGE em 1951, substituindo o extenso primeiro mandato de José Carlos de
Macedo Soares Guimarães (1936-1951), abriu uma outra, muito mais séria, na arena estatística.
Um relatório elaborado pelo estatístico Lourival Câmara, a pedido de Poli Coelho, revelou alguns
conflitos entre as estatísticas primárias e as secundárias. Segundo Câmara, o IBGE mostrava
muito mais interesse em assuntos culturais e políticos do que em questões puramente estatísticas
(ver detalhes em Penha, 1993:84-85).

As revelações de Lourival Câmara foram amplificadas por Poli Celho na imprensa, o que gerou
uma crise administrativa que durou um ano e meio, com pedidos de demissão de toda a cúpula da
Estatística do órgão e edição de publicações de refutação aos comentários do Presidente do IBGE
feitas por Waldemar Lopes, Secretário Geral do CNE, que moveu uma campanha que resultou no
inquérito administrativo que levou à exoneração de Poli Coelho em 1952 (Lopes,1952).

A instauração da comissão de inquérito pelo Ministério da Justiça, que nas visões de Orlando
Valverde e Speridião Faissol, levou muito tempo para tomar a decisão de afastamento de Poli
Coelho da presidência do IBGE, acabou gerando um ambiente de perseguições, inquéritos
administrativos e demissões aos antigos colaboradores de Teixeira de Freitas, incluindo aí
Cristóvão Leite de Castro, envolvido num mal explicado inquérito de corrupção de desvio de
sabonetes do IBGE para sua residência. (Valverde, 1994:49-50 e Faissol - depoimento a Roberto
Schmidt de Almeida).

No mesmo depoimento, Faissol também deu sua versão sobre o início da cisão entre os dois
profissionais de maior poder na Geografia, Fábio de Macedo Soares Guimarães e Jorge Zarur. O
processo se inicia no bojo das duas crises situadas entre 1948 e 1952, a primeira vinculada a
escolha do sítio da nova capital e a segunda aos problemas sobre a qualidade das estatísticas do
IBGE. Em meio a essas crises, eclode o inquérito administrativo contra Cristóvão Leite de Castro e
com sua demissão, o General Poli Coelho nomeia em seu lugar na Secretaria Geral do CNG, um
Coronel do Serviço Geográfico do Exército.

Jorge Zarur, que era o representante do Ministério da Educação no Diretório Central do Conselho
resolveu contemporizar com os militares, o que foi encarado como uma traição por Fábio, Orlando
Valverde e outros. Faissol argumentou que as questões sobre disputa de poder entre Zarur e
Fábio pudessem ter se iniciado antes, em meados da década de 40, quando da volta de todos dos
Estados Unidos, Zarur tenha se ligado fortemente aos militares que destituíram Getúlio Vargas em
1945.

Um outro ponto colocado por Faissol, refere-se aos entendimentos de Zarur com Haroldo de
Azevedo da USP, para a fusão entre Rio e São Paulo numa Associação dos Geógrafos Brasileiros
nacional, acertada numa reunião na cidade de Lorena.

89
Além desses comentários evocativos feitos por Speridião Faissol, a documentação também ilumina
algumas querelas que ocorreram durante a gestão da presidência do General Polli Coelho e de
seu Secretário Geral do CNG, Coronel Edmundo Gastão da Cunha em 1951. No conjunto de
caixas de processos administrativos guardados no Arquivo Histórico do IBGE, localizado na
Reserva Ecológica do Roncador em Brasília, foi encontrado um processo que mostra um
movimento de antagonismo claro entre Fábio de Macedo Soares Guimarães, diretor da Divisão de
Documentação e Divulgação (DDD) e Jorge Zarur, nomeado por Edmundo Gastão da Cunha como
Diretor da Divisão de Geografia (DG).

Caixa 41 - Pasta 200/18-018 (ver anexos Documentos Administrativos)

Proc. 2958 – 04/05/1951


Assunto: Lotação de servidores na Seção Cultural. Solicitação feita ao Secretário
Geral do CNG ( Edmundo Gastão da Cunha) de substituição de três servidores
(Cecília Cerqueira Leite Zarur -oficial administrativo, Magnólia de Lima -Geógrafo
auxiliar e Olga Maria Buarque de Lima –Geógrafo contratado) que estavam lotados
na Divisão de Documentação e Divulgação(chefiada por Fábio de Macedo Soares
Guimarães), por três geógrafos lotados na Divisão de Geografia (chefiada por Jorge
Zarur). Lisia Maria Cavalcanti Bernardes, Nilo Bernardes e Miriam Guiomar Coelho
Mesquita.
Encaminhamento para a DG. Resposta da DG - Informa que só será possível a
transferência da geógrafa Miriam Guiomar C. Mesquita, explicando que dos
servidores Cecília, Magnólia e Olga, apenas Magnólia está lotada na DG, as outras
estão no gabinete do Consultor Técnico e Jurídico do Secretário Assistente. Coloca
também que, anteriormente, já havia transferido para a DDD os geógrafos Orlando
Valverde e Antônio José de Matos Musso, de reconhecida capacidade. Explica
também as funções de Nilo e Lisia Bernardes, sendo que Lisia era chefe do setor de
Prontualização e Informações da DG.
Encaminhamento a DDD para conhecimento e manifestação a respeito. Resposta da
DDD - Explica as dificuldades de lotação de servidores técnicos na DDD analisando
os problemas de distribuição nas demais áreas do CNG, como Cartografia. Explica
que não se trata de troca de servidores e sim de necessidade de lotação para cobrir
áreas da DDD. Fala da saída para estágio na França da servidora da DDD Maria da
Conceição Vicente de Carvalho.
Explica que o geógrafo Orlando Valverde está proposto para chefe da Seção
Cultural, em substituição ao chefe anterior José Veríssimo da Costa Pereira que
passou a exercer o cargo de Secretário Assistente. O Assistente Fisiográfico Antônio
José de Matos Musso está assumindo interinamente a chefia da Seção de
Documentação enquanto durar o impedimento do titular Virgílio Corrêa Filho.
Analisa a lotação da Seção Regional Sul da DG e argumenta que apenas Orlando
Valverde saiu da SR Sul e que os estudos da SRS estão também a cargo de mais
três geógrafos ainda lotados na SR Leste, pois essas duas seções estavam
concentradas em projetos na SR Sul.
Reconhece que Lisia é bastante útil à DG, mas que também será útil à DDD.
Advoga que se todas as Seções da DG manifestam a necessidade de geógrafos, as
da DDD também.
Finaliza apresentando as principais atribuições da DDD listando 11 conjuntos e
apresenta um quadro de distribuição de Geógrafos no CNG (34 na DG, 4 na DDD, 2
no gabinete do SG, 1 á disposição do Diretório Regional do Estado do RS e 1 em
estágio em universidade na França.

O SG do CNG arbitra que a Geógrafa Míriam Mesquita seja transferida da DG para a DDD em
30/05/1951. Seguem-se as assinaturas de ciência dos respectivos diretores das Divisões e os
procedimentos burocráticos decorrentes.

90
A partir daí formaram-se dois grupos antagônicos que lutavam pelo poder, caracterizado por dois
postos de referência, a Divisão de Geografia e a direção da AGB do Rio de Janeiro, mas que na
arena de trabalho do IBGE, sobretudo após a saída de Poli Coelho do IBGE em 1952 até a volta
de José Carlos de Macedo Soares Guimarães em novembro de 1955, nunca assumiram posições
conflitantes que colocassem em cheque a qualidade dos grandes projetos, que eram muitas vezes
desenvolvidos por profissionais dos dois grupos.

Faissol revelou também o episódio que o levou à chefia da Divisão de Geografia em novembro de
1956, durante a gestão de Jurandyr Pires Ferreira, com a exoneração de Orlando Valverde e a
conseqüente exoneração de Fábio de Macedo Soares Guimarães da Secretaria Geral do CNG,
gerando uma crise administrativa com vários pedidos de exoneração dos geógrafos que estavam
em cargos de confiança sob a liderança de Fábio. No contexto burocrático, o episódio pode ser
acompanhado pela leitura de alguns dos Boletins de Serviço editados entre agosto e dezembro de
1956.

O Boletim de Serviço - BS 213 de 10/08/1956 mostra a lista de delegados do IBGE junto ao XVIII
Congresso Internacional de Geografia da UGI, realizado no Rio de Janeiro. Nessa lista estavam
todos os principais geógrafos da Divisão de Geografia que colaboraram tecnicamente com o
congresso.

O BS 218 de 15/09/1956, na seção Noticiário da Presidência do IBGE, publica a carta de


confirmação de Fábio de Macedo Soares Guimarães no cargo de Secretário Geral do CNG. Na
carta, Jurandyr Pires Ferreira esclarece que houve um compromisso entre ele e o presidente
anterior (o Embaixador José Carlos de Macedo Soares) pelo mantenimento de Fábio na SG do
CNG até a finalização do XVIII Congresso Internacional em agosto. Mas que por observar seu
trabalho junto a SG durante o congresso, decidiu mante-lo no cargo.

O BS 228 de 23/11/1956 apresenta na seção de Instruções e Ordens de Serviço a OS de


08/11/1956 do Diretor da Divisão de Geografia (Orlando Valverde) que cria oito grupos de trabalho
para “executarem as tarefas mais urgentes da D. G , a saber:
Grupo 1 Mapas de População (chefes: Elaza Coelho de Souza Keller e Heldio Xavier Lentz Cesar)
Grupo 2 Planalto Centro-Ocidental (chefe: Pedro Pinchas Geiger)
Grupo 3 Fitogeografia (chefe: Luiz Guimarães de Azevedo)
Grupo 4 Geografia dos Transportes (chefe: Ney Strauch)
Grupo 5 Clima (chefe: Ruth Simões)
Grupo 6 Relevo (chefe: Alfredo Porto Domingues e Antônio Teixeira Guerra)
Grupo 7Geografia das Indústrias (chefe: Míriam Mesquita)
Grupo 8 Geografia Urbana (chefe: Lisia Bernardes)”

Cada grupo teria em média cinco componentes e nos parágrafos finais, a ordem de serviço
determinava que

“Os geógrafos e estagiários que não estejam inscritos na relação supra e, estando
em exercício na DG, e não tiveram ainda entendimento com o Diretor da Divisão,
deverão faze-lo imediatamente, a fim de serem engajados em algum dos grupos ora
constituídos.
Os grupos de trabalho iniciarão suas atividades imediatamente e é recomendado aos
respectivos chefes que estabeleçam desde já prazos, ainda que provisórios, para a
conclusão das tarefas atribuídas ao grupo respectivo. Estes são, portanto de caráter
episódico.
Serão concedidas aos grupos de trabalho todas as facilidades administrativas
possíveis para apronta e eficiente execução de suas tarefas.”

O próximo BS 229 de 30/11/1956 é o que determina o início de um processo de modificações na


estrutura de chefias da SG e da Divisão de Geografia. Nele estão as portarias 70,71,72 de
22/11/1956 que exoneram Fábio e Orlando e que nomeia o engenheiro Virgílio Alves Corrêa Filho

91
para a chefia da SG do CNG e a portaria 74 de 26/11/1956 que nomeia Speridião Faissol para a
Divisão de Geografia.

No mesmo boletim 229, na área referente aos atos do Secretário Geral do CNG, constam a
portaria de elogio aos funcionários do gabinete e memorandos à Diretoria de Administração sobre
férias. Ao final da seção de processos, aparece também uma correspondência datada de 31 de
outubro de 1956 enviada pelo gabinete da Divisão de Geografia encaminhando o plano de trabalho
da obra Geografia do Brasil em três volumes para ser elaborada entre 1956 /1957. O plano de
Orlando Valverde é exposto nas páginas 3 e 4 do BS.

O BS 230 de 07/12/1956 na seção informações diversas, consta a ata, com os comentários do


Presidente do IBGE Jurandyr Pires Ferreira e o discurso proferido por Speridião Faissol na
cerimônia de sua posse na Divisão de Geografia do CNG.
Em sua alocução de posse, Faissol elogia o governo de Juscelino Kubitschek e a gestão de
Jurandyr no IBGE e faz um apelo aos geógrafos pela união em torno da obra Geografia do Brasil.

O BS 231 de 14/12/1956 apresenta na área referente aos atos do Secretário Geral do CNG a
exoneração a pedido de Nilo Bernardes do cargo de Secretário- Assistente da SG do CNG, e a
nomeação do Contador Olmar Guimarães de Souza para o cargo. Também aceita os pedidos e
exonera quatro geógrafos de suas chefias da DG, Heldio Xavier (seção de Atlas e Ilustração), Lísia
Bernardes (seção de Estudos Sistemáticos), Lindalvo Bezerra (seção Regional Nordeste) e Lúcio
de Castro Soares (seção Regional Norte). No caso de Alfredo Porto Domingues é determinada
uma exoneração ( seção Regional Sul), seguida da designação do mesmo servidor para a seção
Regional Nordeste. São também designados os seguintes geógrafos Antônio Teixeira Guerra
(seção Regional Norte), Eloísa de Carvalho (seção de Estudos Sistemáticos), Dora Romariz
(seção Regional Sul), Solange Tietzmann (seção de Atlas e Ilustração) e Edgar Kuhlmann (seção
Regional Centro Oeste).

No mesmo BS 231 está publicada a ata da 327a reunião ordinária do Diretório Central do CNG ( a
última presidida por Fábio), onde o Secretário geral faz suas despedidas e lê a carta dirigida ao
Presidente Jurandyr, da qual levantamos alguns trechos

“... Quando Vossa Excelência, há pouco mais de dois meses, teve a bondade de
anunciar-me pessoalmente sua decisão de confirmar-me no cargo de Secretário
Geral deste Conselho, tive ocasião de manifestar-lhe o meu desejo de que o fossem
também os meus auxiliares diretos, aos quais me acho ligado poe estreitos laços de
admiração e afeto, fortalecidos durante longo período de leal e eficiente colaboração.
Tal não foi, entretanto, possível realizar-se por motivos que somente a Vossa
Excelência cabe apreciar, conforme se verifica em sua carta de 7 do corrente, hoje
entregue ao Diretor da Divisão de Geografia.
Desejando, pois, coloca-lo absolutamente à vontade para que possa dispor dos
cargos de direção deste Conselho sem o menos constrangimento, venho
respeitosamente reiterar a solicitação verbal, que já lhe fizera recentemente, para que
se digne conceder-me exoneração do cargo de Secretário Geral...”

No mesmo corpo da ata também está assinalada a resposta de Jurandyr, onde percebe-se a
conotação ambígua sobre o real motivo do pedido de exoneração

“... Lamento profundamente o caráter irrevogável do seu pedido de demissão, porque


desejava poder contar com sua colaboração como, pessoalmente, tive ensejo de
manifestar.
Acresce, entretanto, a falta de um motivo ponderável para que pudesse compreender
e extensão de sua decisão, não me cabendo, contudo, evidentemente entrar nas
razões de foro íntimo que motivaram o seu afastamento – mesmo porque, em nossa
conversa há quase dois meses, tive ensejo de expor claramente a orientação que,

92
estou certo, não veio a sofrer alteração em nenhum instante de nossas relações
administrativas...”

Finalmente o BS 232 de 21/12/1956 na seção de Instruções e Ordens de Serviço aparece a OS de


12/12/1956 do Diretor da DG (Faissol) iniciando o processo de modificação dos Grupos de
Trabalho. Extingue o GT de Mapas de População, distribuindo as tarefas pelos setores de Estudos
Sistemáticos e de Atlas e Ilustrações; integra o GT Planalto Centro-Ocidental na Seção regional
Centro-Oeste; Suspende temporariamente as atividades do GT de Transportes; designa o Prof.
Kurt Huck para a chefia do GT de Fitogeografia e transfere o geógrafo Roberto Galvão para a
Seção Regional Norte; integra o GT de Relevo ao Setor Geomorfológico da Seção de Estudos
Sistemáticos e o GT de Geografia das Indústrias ao Setor de Geografia Econômica, além de
determinar transferências de quatro funcionários do GT de Geografia Urbana de volta a seus
postos anteriores.

A importância desta seqüência de eventos está relacionada a algumas questões de fundo político
ocorrida com a chegada de Juscelino a Presidência da República, imprimindo uma outra ordem de
prioridades, por conta das articulações políticas que eram feitas pelo Partido Social Democrata
(PSD). Prioridades e ações que conflitavam com dois grupos de profissionais, os que se assumiam
como profissionais do Governo Federal do tempo do Estado Novo, mas não necessariamente
Getulistas do Partido Trabalhista Brasileiro. Para estes, o forte conteúdo partidário nas decisões
consideradas técnicas, na gestão de Juscelino era considerado um retrocesso na função
organizadora do Aparelho Estatal. O segundo grupo era formado por partidários da União
Democrática Nacional (UDN), rivais políticos do PDS. Os udeenistas, de características
majoritariamente urbanas, que haviam sentido o gosto da vitória política ao ver Getúlio Vargas sair
do poder, via suicídio em 1954, encontravam-se agora submetidos aos liames da política mineira
que sempre operou com as articulações e dissimulações típicas de partidos com forte poder em
áreas rurais. No contexto do IBGE, a figura do piauiense Jurandyr, embora não sendo mineiro,
garantiu uma estrutura de trabalho dirigida à grandes projetos que garantissem um bom nome a
sua gestão e ao período juscelinista.

Para que isto ocorresse, seria necessário substituir certos nomes que estavam vinculados aos
métodos de trabalho do presidente anterior, que para agravar mais o processo, o principal era o
Embaixador José Carlos Macedo Soares em seu segundo mandato (17/11/1955-03/05/1956). A
força das ações de Macedo Soares e particularmente de seu sobrinho Fábio de Macedo Soares a
frente da SG do CNG ainda foram sentidas por Jurandyr durante o período do XVIII Congresso
Internacional de Geografia realizado no Rio e fortemente organizado pela estrutura logística do
IBGE.

Porém, isso não durou muito. Era necessário criar projetos de maior porte, com pessoal de
confiança e a confiança só viria de pessoas que fossem articuladas com a nova política de
Juscelino e assim foi feito, com Speridião Faissol, cunhado de Jorge Zarur, importante geógrafo
que possuía fortes vinculações com o estamento militar ligado ao PSD mineiro. Faissol é escolhido
para chefiar a Divisão de Geografia no lugar de Orlando Valverde, um típico representante do
profissional de Estado, no estilo de Teixeira de Freitas e Cristóvão Leite de Castro nos anos 40.

A proposta de substituição criou um conflito entre Fábio e Jurandyr e gerou uma crise, que apenas
acentuou uma antiga disputa entre os aliados de Jorge Zarur e os de Fábio onde, para
observadores privilegiados da cena como Pedro Geiger e Elza Keller, empurrou Faissol para a
liderança do grupo de Zarur, o que acabou por se configurar com o repentino falecimento de Zarur
em 1957.

Apesar dessas crises, a capacidade de planejamento e a operosidade de Faissol e Antônio


Teixeira Guerra à frente da DG entre 1956 e 1961 geraram um conjunto de obras que ainda são
marcos de referência da produção geográfica do IBGE nesse 60 anos. Marcos fundamentais,
representados pelas publicações de obras de pesquisa sistemática, ligando Estatística, Geografia
e Cartografia que informavam pela primeira vez em abrangência nacional, aspectos até então

93
desconhecidos do território nacional na escala municipal. A coleção da Enciclopédia dos
Municípios Brasileiros (1957-1964) com 36 volumes, Coleção Geografia do Brasil (1959), o Atlas
do Brasil (1959) a Carta do Brasil ao Milionésimo (1960).

Mas outros tipos de pesquisa também eram desenvolvidos. No início da década de 50,os trabalhos
pioneiros de Pedro Geiger sobre aspectos socio-econômicos da Baixada Fluminense feitos com a
colaboração de Míriam Mesquita entre 1950 e 1953 ( Geiger e Mesquita, 1956), já apontavam na
direção de uma futura Geografia fortemente relacionada com as estatísticas, enfatizando os
aspectos sociais e menos vinculada ao estudo da paisagem.

Por ocasião do XVIII Congresso Internacional de 1956, a relação entre a área de planejamento do
governo federal e a universidade se solidificou ainda mais, tanto no que concerniu às questões de
logística do congresso, quanto aos aspectos acadêmicos, com os convites a alguns professores
universitários de São Paulo e do Nordeste para elaborarem alguns guias de excursões. Além
disso, a relação entre Desenvolvimento Econômico e Geografia passava também a ser objeto de
análise no ambiente universitário.

Um exemplo bem interessante foi a publicação na RGB de uma Conferência dada por Milton
Santos para o curso de Desenvolvimento Econômico da Faculdade de Ciências Econômicas da
Bahia em fevereiro de 1959 (Santos, 1959). Nela, Santos advogava um papel para os geógrafos
no processo de planejamento, explicando os pressupostos da Geografia Aplicada em outros
países e tecendo considerações comparativas com o Brasil do fim da década de 50. Apresentando
também os diferentes campos de aplicação da Geografia no sistema de planejamento,
exemplificando os principais centros geográficos no mundo que operam com questões que
envolvem a relação entre a Geografia e o desenvolvimento.

As mudanças de fase ocorridas entre a saída de Jurandyr Pires Ferreira e as curtas gestões de
Rafael da Silva Xavier (10/021961-09/11/1961), José Joaquim de Sá Freire Alvim (13/11/1961-
01/10/1963) e Roberto Bandeira Accioli (14/10/1963-31/03/1964), combinadas com os dois
períodos pós golpe de 1964, o do General Agnaldo José Senna Campos (10/04/1964-03/04/1967)
e o de Sebastião Aguiar Ayres (04/04/1967-23/03/1970), criaram na Geografia um ambiente bem
diferente do que era nos anos 50.

As Modificações de Linhas de Pesquisa após a Reunião da UGI

As principais linhas de pesquisa geográficas durante a década de 1960 no Brasil sofreram uma
transição interessante. Durante o XVIII Congresso da UGI em 1956, vários geógrafos europeus,
sobretudo franceses, perceberam que o ambiente de ensino e pesquisa no Brasil era de bom nível,
com o francês sendo praticamente a segunda língua da maioria dos geógrafos pesquisadores e
professores universitários, e que o treinamento dado por Ruellan, somado às bolsas de
aperfeiçoamento garantidas pelo IBGE e pelo governo francês haviam criado uma elite profissional
muito eficiente.

Um desses professores foi Michel Rochefort, que estava terminando sua tese de doutoramento
sobre redes urbanas. A aproximação de Rochefort com a Geografia brasileira acontece
primeiramente através de seu casamento com a geógrafa brasileira Regina Espíndola Rochefort, e
posteriormente, via seu bom relacionamento com o casal Nilo e Lisia Bernardes no IBGE, durante
toda a década de 60.

O principal trabalho orientado por Michel Rochefort foi realizado pelo Grupo de Trabalho de
Geografia Urbana da Divisão de Geografia do CNG, criado em 1961 e coordenado por Lisia
Bernardes e editado em 1964. Chamou-se O Rio de Janeiro e Sua Região ( Grupo de Trabalho de
Geografia Urbana, 1964 ou Bernardes L., 1964). O grupo foi constituído pela coordenadora e mais
nove geógrafas, Maria Rita da Silva de La Roque Guimarães, Maria Francisca Teresa Cavalcanti
Cardoso, Maria Emília Teixeira de Castro Botelho, Hilda da Silva, Ceçary Amazonas, Sulamita

94
Hammerly, Olga Maria Buarque de Lima, Elisa Maria Mendes de Almeida e Maria Adelaide
Bertucci de Azevedo.

Foi o primeiro trabalho de detalhamento operando numa escala intermediária, que abrangia parte
dos territórios dos Estados da Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, a partir
de um polo metropolitano. O prefácio de Nilo Bernardes, esposo de Lisia, aludiu a esse pioneirismo
e assinalou que uma nova fase estava se estruturando nos estudos de Geografia Humana no
Brasil.

No entanto, a principal obra sobre o processo de urbanização brasileiro foi gestada no limiar da
década de 60 e editada em 1963, pelo mesmo Pedro Geiger que já havia iniciado na década de
50, os estudos sobre a urbanização em áreas rurais periféricas à metrópole (Baixada Fluminense).
O mais curioso, foi sua edição não ter sido patrocinada pelo IBGE e sim pelo Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos do Ministério da Educação (INEP).

A produção e a qualidade dos trabalhos de Pedro Geiger no contexto dos estudos urbanos em
geral e no de redes urbanas em particular, nesta época, foi notável. O seu livro Evolução da Rede
Urbana Brasileira (Geiger, 1963. 462p.), é considerado a primeira obra completa sobre o processo
de organização urbana do Brasil, classificando cidades, definindo metrópoles nacionais e
delimitando hierarquicamente suas respectivas redes, correlacionando explicitamente as relações
entre industrialização e urbanização, que começavam a se delinear no Brasil no final dos anos 50
e início dos 60. Sua produção geográfica computada por Müller (1968) e Corrêa (1968) no mesmo
Simpósio de Geografia Urbana do Instituto Panamericano de Geografia e História (IPGH) realizado
em Buenos Aires, apresentou-se na contagem de Nice L. Müller, com 10 trabalhos entre 1952 e
1963 e na de Roberto L. Corrêa, com cinco entre 1957 e 1964, tratando somente sobre redes
urbanas.

Neste mesmo período, Pedro Geiger também coordenou um impressionante trabalho de análise
sobre a industrialização na Região Sudeste, editado na RBG em 1963, que também tornou-se um
outro marco de referência para os planejadores da época (IBGE, Departamento de Geografia,
Grupo de Estudos de Geografia das Indústrias, RBG 25 [2] abr./jun., 1963).

É possível perceber que a Geografia que se vinculou às idéias de desenvolvimento, no contexto


das questões urbanas e industriais que tomaram corpo no Brasil na década de 50, foram as que
mais aproximaram o IBGE do núcleo de decisões do poder federal durante toda a década de 60,
incluindo aí os primeiros governos do Ciclo Militar. Para uma avaliação histórica do conceito de
Desenvolvimento na Geografia do IBGE, ver Almeida (1994) e Geiger (1988:64/65) que analisa
com muita sensibilidade esse período importante, mas contraditório do IBGE.

Para se ter uma visão panorâmica e diversificada sobre esta fase conturbada de nossa história
recente é aconselhável a leitura de três importantes obras: 1964: A Conquista do Estado - Ação
Política, Poder e Golpe de Classe (Dreifuss, 1981), A Lanterna na Popa: Memórias (Campos,
1994) e Pensamento econômico brasileiro : o ciclo ideológico do desenvolvimento (Bielschowsky,
1995). Cada um deles observando o processo de maneira diferente, com Dreifuss mapeando
sociologicamente a complexa trama de instituições e pessoas que organizaram o Estado no
período imediatamente após o golpe de 1964, muitos dos quais conspiradores de primeira hora.
Funcionários públicos, civis e militares, políticos, empresários, representantes sindicais tanto do
patronato quanto de algumas áreas dos trabalhadores, jornalistas e outros, formaram uma grande
coligação objetivando mudanças na condução da administração governamental brasileira. A
análise de Dreifuss enfatiza a atuação de duas instituições, o Instituto de Planejamento
Econômico e Social (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), denominado pelo
autor de “Complexo IPES / IBAD”. É, sem sombra de dúvida, a mais completa pesquisa sobre um
movimento conspiratório brasileiro contemporâneo.

As memórias do diplomata e economista Roberto Campos fazem um interessante contraponto com


o livro de Dreifuss. Por se tratar de memórias, Campos fica bem a vontade em escolher e

95
aprofundar determinados assuntos e não enfatizar outros, mas como a sua vida pública, iniciada
em 1938 no Itamarati, praticamente se confunde com os acontecimentos históricos referenciados
entre o final do ciclo Vargas até os anos 90, volta e meia é possível confrontar as duas visões
antagônicas sobre vários episódios que caracterizaram o golpe de 1964 e os subseqüentes
governos militares.

A visão mais estrutural das ações governamentais de política econômica e em alguns casos, de
cunho administrativo, foi organizada por Ricardo Bielschowsky , um economista com forte veia de
historiador, que contrapõe as principais correntes do pensamento econômico no debate sobre o
desenvolvimento brasileiro, o neoliberalismo, o desenvolvimentismo, e o socialismo.
Separadamente, analisa ainda o pensamento independente de Ignácio Rangel, um economista
muito caro aos geógrafos e que foi alvo de uma entrevista no número especial da Revista Geosul ,
juntamente com mais oito importantes geógrafos brasileiros (Geosul,1991/1992).

O período compreendido entre 1961 e 1964 na Geografia do IBGE, coincide ainda com o poder de
Faissol, agora na chefia da Secretaria Geral do CNG e tendo como chefe da Divisão de Geografia,
Antônio Teixeira Guerra. Em 1964, com a saída de Speridião Faissol da Secretaria Geral do CNG,
substituído por René de Mattos, inicia-se uma mudança em parte das antigas lideranças da
Geografia do IBGE, que estavam estruturadas desde os tempos de Getúlio Vargas / José Carlos
de Macedo Soares Guimarães e que alcançaram um grande poder durante a gestão Juscelino
Kubitschek / Jurandir Pires Ferreira, e é sobre este espólio que as novas idéias de uma Geografia
apoiada nas estatísticas ampliarão suas trajetórias. Não haveria no contexto do IBGE, muito lugar
para a Geografia física, ou pelo menos assim se convencionou acontecer, pois na segunda metade
dos anos 60 a participação dos segmentos de estudos físicos, com exceção da climatologia,
reduziram-se fortemente.

Foi também neste período que se verificou uma redução significativa nos trabalhos de campo do
IBGE, comparativamente ao que costumava ocorrer nos anos 40 e 50, conforme nos indica o
trabalho de Vera Cortes Abrantes sobre o processo de indexação das fotos contidas no arquivo
fotográfico do órgão (Abrantes, 2000).

É justamente nesta época, que a transição para os estudos que enfatizavam aspectos urbanos e
industriais se acentua no Brasil, procurando dar conta de uma intensa urbanização que havia se
iniciado no final dos anos 50 e que nos anos 60 já começava a mostrar seus efeitos, tanto em
termos de crescimento metropolitano, quanto em termos de ampliação e articulação da rede
urbana brasileira, principalmente a da região sudeste.

Os principais vetores de estudos desta fase foram as pesquisas de Geografia Urbana,


principalmente sobre Redes Urbanas e trabalhos sobre Regionalização, enfatizando a análise do
setor terciário. No que concerne aos estudos sobre redes, eles foram monitorados por Roberto
Lobato Corrêa em dois artigos que se tornaram clássicos, o primeiro avaliando a produção até
1965 e o segundo enfatizando o período após os anos 60 até o final dos 80 (Corrêa, 1968 e 1989).

Dentro deste contexto, a influência de Michel Rochefort é indubitável (Rochefort, 1998:93),


colocando os estudos urbanos numa posição de hegemonia no quadro de planejamento do
Governo Federal, principalmente após o golpe de 1964, posição que vai se acentuar com os
resultados dos censos demográfico e econômicos de 1970, organizados no IBGE durante as
gestões de Aguinaldo José Senna Campos (1964-1967) e Sebastião de Aguiar Aires (1967-1970).

Para que se tenha uma visão mais clara da transição ocorrida nesta época, é interessante verificar
o índice do volume de Roteiros das Excursões do II Congresso Brasileiro de Geógrafos realizado
no Rio de Janeiro em 1965 pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, mas sob a chancela do
IBGE (Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1965:81). O presidente de honra era o General
Senna Campos, os vice presidentes eram o Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio,
Padre Laércio Dias de Moura e o Secretário Geral do CNG o engenheiro René de Mattos. Todo o
comitê executivo era composto por geógrafos do IBGE e os nove sub-comitês também. O índice

96
das nove excursões realizadas mostra uma forte tendência para as questões urbanas, com oito
delas enfatizando aspectos ligados à urbanização e apenas uma tratando da zona rural
circunvizinha.

Um outro ponto interessante foi a continuação da boa inter-relação entre geógrafos do IBGE e
professores das universidades do Rio de Janeiro, exemplificada na composição dos autores dos
respectivos guias. Professoras como Maria do Carmo Galvão, Bertha K. Becker, Maria Helena C.
Lacorte, Yara Simas Enéas trabalharam com pesquisadores do IBGE como Olindina Viana
Mesquita, Solange Tietzmann Silva, Miriam Mesquita, Haidine da Silva Barros e outros. Muito
embora já se delineasse a tendência para ênfase na urbanização, os textos ainda espelham uma
clara opção para a análise das paisagens e o uso predominante do enfoque histórico na
explicação dos diferentes processos espaciais verificados.

Entre 1965 e 1967 Lisia Bernardes assume a penúltima gestão da Divisão de Geografia do CNG,
sendo substituída por Marília Veloso Galvão em 1968, que gerencia a transição administrativa
ocorrida em finais de 1967, que transformou o IBGE em Fundação. Processo iniciado na gestão de
Sebastião Aguiar Ayres e completado na gestão Isaac Kerstenetzky nos anos 70.

No novo Departamento de Geografia (DEGEO), Marilia Velloso Galvão, a partir de 1968, inicia
uma grande reforma nos cargos de chefia do departamento (anexos Documentos Administrativos)
e cria paralelamente o Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM), coordenado por Speridião Faissol.

Será neste novo contexto de pesquisa, que enfocava o processo de metropolização, que a figura
de Speridião Faissol mais uma vez tomará a liderança de um polêmico processo de produção
acadêmica na Geografia do IBGE que ficou conhecido por muitos nomes: Geografia Quantitativa,
Nova Geografia, Geografia Teórica, ou na expressão de Manuel Corrêa de Andrade, Geografia
Quântica (sic) ou Quantitativa (Andrade, 1977:13).

Processo que duraria quase toda a década de 70 e que, aparentemente, terminaria no início dos
anos 80 e reaparecendo sob outra forma nos anos 90.

A Introdução da Geografia Quantitativa

Os primeiros trabalhos que, de certa maneira, conduziram à necessidade de uma vinculação forte
entre a Geografia e a Estatística foram os estudos de regionalização realizados no contexto de
criação de um novo Sistema de Planejamento criado nos primeiros anos do Governo de Castelo
Branco, o primeiro do ciclo militar, sob a organização dos ministros Roberto Campos e Otávio
Gouveia de Bulhões.

Esses estudos deveriam dar conta de uma nova divisão regional centrada em processos que
tendiam a polarizar áreas em torno de atividades urbano-industriais. O exemplo mais importante do
período foi a obra Subsídios à Regionalização, resultado de um convênio realizado entre o CNG e
o EPEA (Escritório de Planejamento Econômico Aplicado, atual IPEA) para aplicação de um
inquérito municipal que avaliaria a área de influência dos centros urbanos brasileiros. Este
inquérito foi aplicado na rede de coleta do IBGE, isto é, eram os agentes estatísticos responsáveis
pelas informações de seus municípios, que respondiam os quesitos qualitativos e quantitativos do
questionário, que no caso específico do capítulo Centralidade (Corrêa, 1968: 180), avaliavam a
estrutura de distribuição de produtos industriais através dos sistemas de comércio atacadista e
varejista e a oferta de serviços como o bancário, hospitalar e clínico especializado, educacional em
nível médio e de divulgação de informações (atividades editoriais e de radiodifusão), conforme os
estudos de Michel Rochefort e Jean Hautreux para a rede urbana da França (Rochefort e
Hautreux, 1963).

No entanto, a obra Subsídios à Regionalização era muito mais do que o capítulo Centralidade,
considerado como uma síntese. Além das 208 páginas escritas, apresentava 118 mapas em oito
séries distintas (Quadro Natural 10, População 10, Agricultura 29, Indústria 22, Transportes 8,

97
Atividades Terciárias 30 e Centralidade 9 ). Em todas as séries, a preocupação final era gerar uma
regionalização específica do tema tratado, que somada às informações intrínsecas ao assunto,
garantiriam subsídios aos planejadores nas diferentes instâncias de governo ou mesmo aos
estrategistas das empresas privadas.

Essas atividades e obras, ocorridas durante o final dos anos 60, servem como um ótimo pano de
fundo para a percepção do novo funcionamento da máquina de planejamento do governo federal,
da qual a Geografia do IBGE fazia parte.

O advento dos métodos quantitativos na Geografia do IBGE foi explicado por Speridião Faissol em
seu depoimento à Revista GEO UERJ, como uma série de coincidências e de golpes de sorte que
o levou a conhecer Brian Berry e John Friedman (Faissol,1997:86). Em virtude de mudanças na
direção do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFAU), os dois geógrafos, embora
tivessem garantido o suporte logístico em suas vindas ao Rio, estavam agora sem interloucutores.
Faissol conseguiu do IBGE o apoio necessário para a estada dos pesquisadores e resolveu
investir nos estudos sobre estruturas urbanas que eram desenvolvidos por Berry e Friedman nos
Estados Unidos.

Berry era um dos principais líderes do segmento da Geografia americana que operava com
métodos estatísticos sofisticados apoiados por grandes computadores, sua especialização era a
Geografia dos mercados de varejo (Berry, 1967) e Friedman era um conceituado planejador
regional da Califórnia, que já havia colaborado com brasileiros na Bahia no final dos anos 50, na
discussão sobre o conceito de Região de Planejamento (Santos, 1959:99).

O Brasil havia se preparado para a campanha censitária de 1970 (censos demográficos e


econômicos) e estava adquirindo os novos computadores de grande porte que iriam tabular os
questionários. Os dois pesquisadores viram ali uma ótima oportunidade de teste de suas
pesquisas, principalmente levando-se em consideração a magnitude espacial brasileira, aliado ao
pioneirismo desse tipo de trabalho em Geografia. Posteriormente, chega da Inglaterra o geógrafo
John P. Cole, que havia ganho uma bolsa do governo britânico para estudar o sistema urbano
brasileiro e era também um especialista em métodos quantitativos.

Um outro ponto de ligação se estabeleceu com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de


Janeiro (PUC Rio) em função de uma conjunção de fatores institucionais e de afinidade técnica. No
nível institucional havia as figuras de Isaac Kerstenetzky e Eurico Borba antigos professores da
PUC, com muito trânsito na alta administração da universidade e que haviam sido indicados em
março de 1970 para, respectivamente, presidente e diretor geral do IBGE. No campo da afinidade
técnica as relações foram estreitadas pelo sociólogo Nelson do Vale Silva um especialista em
técnicas quantitativas para análise de dados sociais. As primeiras experiências com a técnica de
Análise Fatorial foram testadas no computador da PUC, pois os do IBGE estavam em fase de
instalação.

A recomposição da estrutura de poder de Faissol dentro do IBGE, no início dos anos 70 foi
estruturada sobre vários fatores. Primeiramente, a saída de Lisia Bernardes em 1968, para seguir
a carreira de planejadora de governo no IPEA, depois, no novo governo da Fusão Rio de Janeiro-
Guanabara, onde assumiu cargos na alta administração e, posteriormente, no Ministério do
Interior, como Secretária Geral da Secretaria Especial da Região Sudeste (SERSE).

O afastamento de Lisia abriu um espaço importante no campo dos estudos metropolitanos, que foi
imediatamente ocupado por Faissol ao assumir o Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM).

Um outro fator foi a ausência de atribuições administrativas que fragmentaria os estudos e


pesquisas. O GAM não existia na estrutura formal e seus componentes eram escolhidos
pessoalmente por Faissol, que enfatizava uma combinação de conhecimentos baseados na
prática do uso de Matemática, Estatística, e noções de computação (que na época estavam
baseadas em conhecimento de certas linguagens de programação como Fortran, Basic, PL1, já

98
utilizadas nos centros de computação das universidades), neste contexto estavam estagiários e
assistentes de pesquisa como Marilourdes Lopes Ferreira e Evangelina Oliveira. Além disso,
Faissol recrutou alguns geógrafos que já lidavam com dados estatísticos mais complexos em seus
trabalhos, como no caso de Olga Buarque de Lima e cooptou outros que mostraram interesse nas
novas técnicas como Roberto Lobato Corrêa e Hilda da Silva. Esses geógrafos receberam bolsas
para fazer a pós-graduação ou na Inglaterra, como no caso de Olga, ou nos Estados Unidos como
Roberto Lobato Corrêa e Hilda da Silva ( que veio a falecer em Chicago, quando redigia sua tese
de doutoramento).

Indubitavelmente, uma boa parte dos geógrafos que estavam em cargos de chefia, como Pedro
Geiger e Elza Keller chefes de divisões e a própria Marília Galvão, como chefe do DEGEO,
também garantiram esforços no sentido de ampliar e difundir essas técnicas quantitativas em suas
próprias áreas.

Uma outra frente de pesquisas foi aberta juntamente com pesquisadores do Departamento de
Geografia da Faculdade de Rio Claro, pertencente a Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Muitas das discussões teóricas a respeito dos novos enfoques por que passava a Geografia foram
entabuladas entre os ibgegeanos e os professores de Rio Claro, que tornou-se um polo difusor
dessas técnicas no interior do estado de São Paulo. O lançamento de um periódico denominado
estranhamente de Geografia Teorética torna-se o porta voz do movimento na UNESP. O
interessante é que em Rio Claro, as técnicas quantitativas eram democraticamente divididas entre
os segmentos da Geografia física e da humana. Em contraste com a do IBGE, onde a Geografia
Física, que já estava alijada desde os anos 60, não se mostrou interessada nas novas técnicas.

Ainda no contexto universitário, o curso de Mestrado em Geografia da UFRJ, criado em 1972,


incorporou disciplinas de técnicas quantitativas tanto na área de concentração em Geografia
Humana, quanto na de Geografia Física, onde Jorge Xavier da Silva liderava as pesquisas,
liderança que continua até hoje no campo do Geoprocessamento de informações. Faissol foi um
dos professores que incentivou o uso dos métodos quantitativos na área de pesquisas urbanas e
regionais do curso, assim como Olga Buarque de Lima, quando retornou de seu mestrado em
Nottingham, Roberto Lobato Corrêa, quando retornou seu mestrado em Chicago, Maurício de
Almeida Abreu, quando retornou de seu doutorado em Ohio, além de vários professores
estrangeiros que vieram dar cursos e pesquisar no Brasil ( o exemplo de Akin Mabogunje,
Professor da Universidade de Ibadan na Nigéria e presidente da Comissão de Métodos
Quantitativos da UGI é o mais relevante).

No contexto da Geografia Econômica, os geógrafos do IBGE possuíam vantagens comparativas


em relação aos de outras instituições, em virtude da estrutura do órgão, como agência possuidora
do maior banco de dados do país. Speridião Faissol e seus colaboradores trabalhavam em
primeira mão com essa massa de dados sobre as mais diversas dimensões dos processos sociais
e econômicos, e utilizando técnicas que de certa forma aceleravam os resultados, por conta da
facilidade de captura do dado e de suas manipulações estatísticas geradas pelos computadores,
iniciaram um período de alta produção de artigos e livros.

A produção geográfica desta fase é predominantemente de Speridião Faissol, que mostrou uma
impressionante capacidade de, além de escrever, também organizar congressos e simpósios para
divulgar as técnicas quantitativas no Brasil e na América Latina, além de gerenciar a editoração de
coletâneas com trabalhos de pesquisadores ligados ao movimento. A RBG 47 (1/2) de 1985, lista
20 trabalhos sobre urbanização, migrações internas, teoria, análise regional, desenvolvimento
econômico, regionalização e divulgação dos métodos quantitativos de autoria de Speridião Faissol
entre 1970 e 1978. Como exemplos de coletâneas também organizadas por ele, estão
Urbanização e Regionalização: relações com o desenvolvimento econômico (Faissol,1975), uma
seleção de artigos de geógrafos e economistas de renome internacional como Berry, Perroux,
Olsson, Lasuen e Dacey e o volume Tendências Atuais na Geografia Urbano/Regional: teorização
e quantificação (Faissol,1978), coletânea de 15 geógrafos e economistas brasileiros organizada
em capítulos que vão da teorização, passando pelas técnicas de análise fatorial, análise de

99
grupamento, análise discriminante, correlação canônica, cadeia de Markov, medidas de
desigualdade e concentração e análise da difusão de inovações.

No plano interno da Geografia e do IBGE, a carreira de Faissol alcança prestígio e poder tornando-
se em 1973 Superintendente da Superintendência de Pesquisas, posteriromente alterada para
Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio-Econômicos (SUEGE) e em 1977 torna-se
Diretor Técnico, até a saída de Isaac em 1979. Em seu depoimento, ele considerou que não foi
uma tarefa fácil, pois percebeu que a Diretoria Técnica exigia um tipo de conhecimento que estava
além de sua capacitação profissional. (depoimento a Roberto Schmidt de Almeida).

Em 1989, já aposentado do IBGE e lecionando no Departamento de Geografia da Universidade


Estadual do Rio de Janeiro, Speridião Faissol publica na RBG um artigo rememorativo do
movimento quantitativo no Brasil (Faissol,1989). Inicia explicando o “como foi”, tentando
reconstituir as fases iniciais do processo, nomeando as principais instituições que assumiram a
liderança em termos de pesquisa utilizando técnicas quantitativas e as universitárias que
difundiram essas técnicas.

Quanto as críticas, que vieram posteriormente, sobre a participação da Geografia do IBGE no


sistema de planejamento dos governos militares, Faissol explica num importantíssimo pé de
página (Faissol,1989:27), a função e atribuições da Geografia do IBGE ao longo de toda a década
de 60, quando se inicia a relação entre a Geografia urbana / industrial e regional e as estatísticas
visando o planejamento do processo de desenvolvimento brasileiro, dez anos antes do movimento
quantitativo e parabeniza as participações de Lisia e Nilo Bernardes, Pedro Geiger e Elza Keller
como sendo decisivas para a Geografia se fazer presente no sistema de planejamento brasileiro.

Faissol continua contando como a Geografia brasileira estreitou os contatos com outros geógrafos
e instituições internacionais, enfatizando a UGI, que havia criado no final dos anos 60, uma
Comissão de Métodos Quantitativos. A figura do presidente dessa comissão o Professor da
Universidade de Ibadan (Nigéria) Akin Mabogunje, foi muito importante pois tratava-se de um
Professor de uma universidade de país africano que enfrentava muitas dificuldades na
estruturação dos dados estatísticos, sendo, portanto, um interlocutor com experiência em
problemas que afligem países em desenvolvimento, e não um americano ou europeu que não
conseguem perceber as dificuldades inerentes a qualidade ou não do dado, pois não viviam com
esses problemas em seus países.

Na segunda parte do artigo, Faissol historia o movimento teórico-quantitativo ocorrido nas


Ciências Sociais nos Estados Unidos e Europa, enfatizando a contribuição dos geógrafos como
Brian Berry, David Harvey, Willian Bunge, Derek Gregory, Ian Burton, Peter Gould. Tanto na fase
inicial do processo, quanto nos desdobramentos que ocorreram a partir de 1973/74, quando David
Harvey escreveu sua segunda polêmica obra Social Justice and the City (Harvey,1973), a primeira
tinha sido Explanation in Geography (Harvey, 1969). Se em Explanation in Geography, David
Harvey se apresenta como um grande metodólogo da teorização e quantificação, em Social
Justice and the City, Harvey provoca uma importante mudança conceitual nos estudos geográficos
ao enfocar os problemas urbanos como resultantes de processos perversos do capitalismo.

A parte final do artigo de Faissol explana alguns dos conceitos trabalhados pelo movimento
teórico-quantitativo e analisa rapidamente a questão ideológica em linhas gerais e termina
retornando ao velho problema da dicotomia Geografia Humana x Geografia Física...

”Embora as dicotomias sempre estivessem presentes na Geografia, sempre se


argumentava, também, pela unidade da Geografia. E esta unidade era preservada
pelo conceito de espaço.
Mas, permanecia e permanece a questão: se o espaco é socialmente produzido, se
ele é um conceito simultaneamente territorial e social, onde fica a Geografia Física?
Esta é uma questão crucial na Geografia atual”.. p.50

100
Contudo, é importante assinalar que as dificuldades enfrentadas pela comunidade de geógrafos
que não estavam diretamente mergulhados nos problemas estatísticos e de computação,
derivados das pesquisas quantitativas, foram bastante significativas, pois grandes projetos como a
coleção Geografia do Brasil, editada em 1977 com cinco volumes, correspondendo cada um deles
a uma macro-região, sofreram algumas pressões de parte dos quantitativistas para que os
capítulos da parte humana fossem totalmente trabalhados por métodos quantitativos
(preferencialmente uma análise fatorial para a explicação estrutural de cada tema). Percebeu-se,
posteriormente que isto não seria viável, pois não haveria público leitor para este tipo de obra. O
resultado foi, obviamente uma acomodação entre os objetivos dos quantitativistas e a necessidade
de dar continuidade a uma coleção que informava, mais ou menos decenalmente, ao aluno de
curso universitário e aos professores do ensino de segundo grau, as principais modificações
espaciais por que passam alguns processos de ocupação do território brasileiro.

Foram mantidas as experiências com análise fatorial nos capítulos referentes aos sistemas
urbanos e a organização agrária de cada região, mas as análises não quantitativas cobriram toda
a estrutura do livro, inclusive nos capítulos citados. O produto resultante apresentou-se intimidador,
pelo seu grande tamanho e por sua complexa estrutura interna, alcançando apenas a pequena
comunidade de pesquisadores e de professores universitários de cursos que se vinculavam
também à pesquisa.

O exemplo da coleção Geografia do Brasil de 1977 foi o mais emblemático de uma fase muito
complexa da Geografia do IBGE. Fase esta que se caracterizou por otimismos e incertezas, talvez
muito otimismo inicial, seguido de uma crescente ampliação das incertezas, conforme se
verificava que seria necessário tomar decisões cruciais em termos de carreira. O sabor do novo
versus o risco da troca entre o conhecido e o possivelmente inalcançável; o novo patamar que
poderia ser alcançado pela Geografia perante outras disciplinas versus o tremendo esforço de
aquisição das pré-condições, para que se garantisse um razoável manejo das novas técnicas,
foram alguns dos inúmeros dilemas com que se deparou o conjunto de profissionais de Geografia
do IBGE durante a década de 70. Reconhecidamente, estes foram dilemas que incomodaram
inicialmente os ibegeanos, mas que posteriormente, alcançaram uma boa parte da Geografia
acadêmica do Brasil.

Apesar do aparente poder de produção, a Geografia Quantitativa no IBGE sofria de um insidioso


mal, o pequeno número de pesquisadores com conhecimento de economia, matemática,
estatística e linguagens de computação necessários ao desenvolvimento dessas técnicas. É
importante frisar que não havia na década de 70, as facilidades computacionais de hoje, o que
tornava ainda mais difícil o aprendizado.

O reconhecimento, por parte dos geógrafos, que os esforços de aquisição de conhecimento


estariam muito além de suas capacidades, em virtude da formação não matemática dos currículos
de Geografia, levou muitos a uma angústia disfarçada em mimetismo. Aprovar, concordar, mas
pouco fazer. Esperar que a moda passasse, não contestar abertamente e... aguardar alguma
novidade vinda de fora. Essa novidade efetivamente veio para selar o fim aparente da Quantitativa
e confundir-se com as lutas políticas que se estruturaram em torno da transição entre o final do
Ciclo Militar e o início da Nova República.

Paralelamente aos trabalhos de Faissol, o presidente do IBGE Isaac Kerstenetzky, ao longo da


década de 70, procurou mesclar as áreas de conhecimento através do incentivo para a vinda de
cientistas sociais, economistas não necessariamente quantitativos no sentido econometrista do
termo. As estadas de Werner Baer, um economista com excelentes trabalhos sobre a história da
industrialização brasileira e Joel Bersgmann, um economista urbano com preocupações na
distribuição de renda para trabalharem com a equipe de Pedro Geiger em questões relacionadas
com urbanização / industrialização e o processo de desigualdades regionais no Brasil, marcaram
um tempo de trocas interessantes entre os profissionais de Geografia e Economia. Tempo que foi
repentinamente abortado com a saída de Isaac do IBGE em 1979 e a chegada de Jessé de Souza

101
Montello (29/08/1979 – 14/03/1985), que assumiu o IBGE durante o governo do General João
Batista de Oliveira Figueredo.

O estado da arte no campo das concepções geográficas brasileiras nos anos 70 era um tanto
instável, pois misturavam-se nas discussões, questões ideológicas e pragmáticas, status
acadêmico e conhecimento, esforços de aprendizado e carreirismo. Nas universidades, a força da
Geografia francesa centrada nas obras de Pierre George, Jean Tricart, Beaujeu-Garnier, Pierre
Gourou, Sorre e Juillard, ainda era perfeitamente sólida, apesar de algumas faculdades tentarem
incluir no currículo do ciclo básico disciplinas como Matemática e Estatística. No fundo isso era
visto como uma concessão aos novos tempos, mas uma concessão inócua, pois não havendo
objetivo claro por parte dos responsáveis dos cursos, essas disciplinas eram “dadas”
burocraticamente por professores considerados ruins nos respectivos departamentos de
matemática. Em outras palavras, dar aulas para o curso de Geografia era considerado um castigo,
imposto aos piores do grupo. É claro que deve ter havido honrosas exceções, mas a regra era
esta.

Um outro obstáculo na aceitação dos métodos quantitativos pelos não especialistas e alunos de
graduação de Geografia, era a difícil mistura da língua inglesa com termos técnicos de estatística e
matemática, pois toda a bibliografia sobre o assunto era publicada em inglês e os artigos técnicos
exigiam um bom domínio dos termos específicos de estatística, ou de computação.

Portanto, imaginar que a Nova Geografia fosse mudar os corações e mentes a curto prazo, era
algo tão utópico que, se por ventura tenha passado por algumas cabeças coroadas da Geografia
do IBGE, essas cabeças foram poucas e estavam totalmente fora da realidade do ensino de
Geografia.

O Aparecimento da Geografia Crítica

Foi nesse clima que ocorreu o Congresso Nacional de Geógrafos em Fortaleza 1978. O conflito
entre a Nova Geografia e a Geografia Nova veio ser a novidade esperada para deixar de lado a
matemática e pensar em outra coisa, em qualquer outra coisa!

A Geografia Nova brasileira que estruturou-se no final dos anos 70 e prosseguiu durante a década
de 1980, caracterizou-se por um forte conteúdo ideológico dogmaticamente organizado como um
instrumento de luta política. E isto tinha perfeita razão de ser, em virtude de estarmos em plena
luta pela abertura política do país. O processo de retorno dos exilados políticos foi o primeiro passo
para que se estruturasse a delimitação de campos diferenciados, sendo esse mecanismo
diferenciador muito variado e por vezes ambíguo. Uma questão interessante que não era
explicitada, mas que estava sempre presente, era a incomoda divisão entre os exilados e os que
permaneceram no país. A ambigüidade dessa divisão devia-se a um variado posicionamento de
cada profissional durante o período dos governos militares. Os que ficaram e lutaram contra o
regime, os que ficaram e foram a favor do regime, os que ficaram e continuaram trabalhando sem
envolvimentos pró ou contra.

Para o grupo de geógrafos que nasceram nas décadas de 20 e 30 e que tornaram-se líderes em
suas especialidades, essa divisão era muito mais pesada, pois perpassava relações de amizade e
companheirismo sedimentadas durante 15 ou 20 anos em congressos de AGB, cursos de
aperfeiçoamento, participação em bancas de concursos e outras atividades profissionais.

No caso da Geografia, três espaços foram prioridade de lutas, enquanto se aguardava os


movimentos do tabuleiro do poder político nacional que se desenrolava no Congresso Nacional. O
primeiro foi a instituição universidade, que em sua maioria durante o regime militar, foram palco de
medidas arbitrárias, perseguições e impedimento do debate democrático. Foi neste espaço que
primeiramente germinaram as sementes da Geografia Crítica.

102
O segundo foi a Associação dos Geógrafos Brasileiros, instituição fortemente voltada para a
pesquisa, isto é, para a avaliação interpares das pesquisas e para a formação de pesquisadores,
pelo menos até o início dos anos 70. Sua estrutura de poder equiparava-se à antiga universidade,
onde a hierarquia estava vinculada ao saber e experiência. No caso da ABG o processo de acesso
à categoria de sócio titular passava por indicações dos mais antigos e ritos de passagem durante
as reuniões científicas. Apresentações de trabalhos e respectivas aprovações pelos mais
experientes, participação em trabalhos de campo, onde eram avaliados a disposição para o
trabalho, resistência física, senso de direção e de escala, percepção da paisagem, redação em
condições adversas, interpretação de cartas, desenho de croquis e, sobretudo, poder de síntese. É
claro que as avaliações não se passavam tal qual uma prova para o Itamarati, mas ao se
conversar com a “Velha Guarda” da AGB, percebe-se que o sistema de filtragem era rígido, mas
dava margem para que jovens geógrafos com muita criatividade, pudessem ter uma arena para
debates acalorados como foram os casos de Pedro Geiger, Milton Santos, Carlos Augusto
Figueiredo Monteiro, Armén Mamigonian e outros. Um exemplo dessas avaliações pode ser
apreciado nos Anais da AGB de 1956, com o trabalho de Pedro Geiger e Ruth Lyra dos Santos
sobre o processo de ocupação do solo na Baixada Fluminense (Geiger e Santos,1956) sendo
analisado pelo relator Renato da Silveira Mendes.

No decorrer dos anos 60, a quantidade de estudantes que ingressavam na AGB foi se ampliando
muito mais do que este sistema de filtragem podia suportar, e em 1969, na Assembléia de Vitória
(ES) uma nova sistemática foi aprovada, as reuniões, que eram anuais, passariam a ser bianuais e
não mais haveria os trabalhos de campo com a conotação de treinamento avaliativo, haveriam
excursões de cunho informativo. Em outras palavras, os sócios cooperadores não teriam
mecanismos claros de ascensão na hierarquia da AGB e isso começou a ser percebido na década
de 70.

Portanto, quebrar esta estrutura hierárquica da AGB Nacional, chamada de Mandarinato era o
objetivo principal dos geógrafos da nova corrente. O processo iniciou-se pela Regional de São
Paulo em 1978 e em 1979, nas palavras de Manoel Corrêa de Andrade...

“...em reunião em São Paulo, os sócios cooperadores conseguiram, com o apoio de


alguns dos sócios efetivos controlar a assembléia, em grande parte formada por
estudantes, provocando uma ruptura e a transformação da AGB em uma sociedade
onde os estudantes passaram a ter o verdadeiro controle dos destinos da mesma”
(Andrade, 1991/19992: 137)

O terceiro espaço era a “Geografia Oficial”, isto é as instituições de planejamento governamental


que trabalhavam com Geografia para regionalizar, diagnosticar e gerar subsídios às esferas
superiores de decisão política. Neste espaço, a jóia da coroa era o IBGE e no IBGE, o poder de
Speridião Faissol e sua Geografia Quantitativa, que surgiu no período mais duro do regime,
portanto revestida de muitas conotações negativas no campo político.

É com esse pano de fundo que se deve avaliar os acontecimentos de 1978 na Assembléia da AGB
de Fortaleza, entendendo também que no exterior, as discussões sobre o papel da Geografia na
organização da sociedade já estavam em plena ebulição, como é possível perceber no artigo de
Willian Bunge no Professional Geographer onde o autor, sem rejeitar os métodos quantitativos,
mostra que é possível trabalhar com eles para fazer uma Geografia contestatória e, ao mesmo
tempo, apresentar soluções para os problemas de uma área ou para mitigar as dificuldades de
minorias étnicas nos grandes centros urbanos. (Bunge, 1973), quanto no Social Justice and the
City de David Harvey ou nos trabalhos de Richard Peet, editor da revista radical de esquerda
americana Antipode.

Em 1976 a Seção Regional de São Paulo da AGB, sediada na USP lançou uma série denominada
Seleção de Textos “... destina-se à publicação de pequenos trabalhos inéditos ou transcrições de
textos, com finalidade didático-científica”.

103
O número 1 trazia uma transcrição de um artigo de réplica do geógrafo soviético V. A. Anuchin
sobre questões relativas ao objeto da Geografia Econômica, no caso, respondendo a
questionamentos feitos por outro geógrafo soviético M. I. Al’Brut (Anuchin, 1976). O debate havia
sido publicado na Soviet Geography – Review and Translations v. II, no 3 de março de 1961 e foi
traduzido pelo Professor Manoel Seabra da USP. O segundo artigo era de um exilado, que na
ocasião lecionava no Institute of Latin American Studies da Universidade de Columbia em Nova
York. O título era Relações Espaço-Temporais no Mundo Subdesenvolvido e o seu autor, Milton
Santos era na ocasião, o mais famoso geógrafo exilado do Brasil. Era um típico artigo “ponta de
lança”, desses que o autor coloca na arena de discussão, para marcar posição sobre certos
conceitos ainda não totalmente trabalhados, mas com bom potencial de novidade. Milton mostrou-
se um mestre em artigos desse tipo. Este, por exemplo, levantava questões sobre “A noção de
Tempo nos Estudos Geográficos”(p.18), “A Produção do espaço no Terceiro Mundo” (p.18-19),
“Centro-Periferia” (p.19-20), “Sistemas de Tempo e Sistemas de Espaço” (p.20), “Um Princípio
Ordenador” (p.20-21), “Diferenças Entre Países e Disparidades Regionais” (p.21), “Tempo Externo
e Tempo Interno” (p.21-22), “Problemas de Escala” (p.22-23) e “Para uma Explicação Geográfica
Tempo-Espaço” (p.23). Era o artigo ideal para se fazer anunciar que algo diferente estava
chegando.

Este algo diferente era resultado de uma longa gestação intelectual iniciada ainda nos anos 60
com o livro A Cidade nos Países Subdesenvolvidos (Santos, 1965), continua com Aspects de la
Géogrphie et de L’Économie Urbaine des Pays Sous-Dévelopés (Santos.1969), prossegue com
Les Villes du Tiers Monde (Santos,1971), e atinge seu objetivo com L’Espace Partagé. Les Deux
Circuits de L’Economie Urbaine des Pays Sous-Développés (Santos, 1975), cuja tradução para a
língua portuguesa acontece em 1979 com o título de O Espaço Dividido. Os Dois Circuitos da
Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos (Santos, 1979).

Em 1977, a revista Antipode ( a radical journal of Geography) lançou um número especial sobre
Geografia e Subdesenvolvimento organizado por Milton Santos, Phil O’Keefe e Richard Peet.
Milton assina dois artigos, quando já havia fixado residência em São Paulo após sua volta. O
primeiro, Spatial Dialectics: the two circuits of urban economy i underdeveloped countries era uma
síntese de seu livro o Espaço Dividido e o segundo, Planning Underdevelopment tratava do
processo de planejamento como arma do capitalismo para sua penetração em países
subdesenvolvidos. Uma visão bem diferente do artigo Geografia e Desenvolvimento Econômico
(Santos, 1959), quando o autor mostrava a importância do planejamento e o papel da Geografia
neste processo.

A evolução do pensamento de Milton Santos pode ser apreciada na obra organizada por Maria
Adélia Aparecida de Souza, O Mundo do Cidadão, Um Cidadão do Mundo em homenagem a
Milton Santos, através de seu curriculum vitae atualizado até agosto de 1966 (Souza, 1996:485).
Lá estão registradas todas as sua publicações e apresentações, desde seu primeiro artigo de 1952
na Revista da Educação e Cultura de Salvador, quando era professor do ensino médio, passando
por seus trabalhos do período de professor universitário na PUC de Salvador e UFB até 1964,
quanto é exilado por força do golpe militar.

Em seu depoimento na revista Geosul, Milton Santos rememora sua participação no Governo de
Jânio Quadros e suas relações com o governo da Bahia, fonte dos seus dissabores, quando
eclode o golpe...

“Em 1960 o Jânio me chamou porque queria me nomear embaixador... Ele precisava
urgentemente nomear um embaixador negro, mas eu estava em Paris, onde a
primavera estava linda e assim atrasei meu regresso. Ao chegar aqui, o Presidente
me nomeou sub-chefe do seu gabinete civil e seu representante pessoal na Bahia.
Este convívio com o poder me deu completo sentimento da fatuidade do poder.
Representando o Presidente no estado da Bahia eu pude fazer alguma coisa de
interesse popular, por exemplo, forçar o Banco da Bahia e os outros bancos que
eram dirigidos pelo Ministro da Fazenda Clemente Mariani, a devolver aos lavradores

104
o excesso de divisas que eles guardaram quando houve aquela desvalorização da
moeda. Obrigamos a companhia elétrica canadense-americana a devolver à
população o excesso de dinheiro cobrado nas contas. Na realidade, a minha ida à
Cuba com Jânio já me tinha a inclusão do meu nome lista do Exército. (Santos,
1991/1992:183).

O processo de prisão e o posterior exílio é marcado por fatos contraditórios por parte das
autoridades, pois muitas pessoas importantes na Bahia intercederam para minorar suas
vicissitudes...

“ Miguel Calmon, um grande homem, foi reitor e que foi, digamos assim, a pessoa
que negociou com o governo federal militar, a minha saída do Brasil. Eu tinha bons
amigos, como Luiz Vianna que foi meu professor e Luiz Navarro de Brito, amigo
fraternal, que não me deixaram entrar nas listas de cassação, o que foi uma grande
gentileza, ainda que hoje tenha que trabalhar 10 anos a mais do que os outros... Em
64 então, eu fui de alguma maneira entregue ao Exército pelo Lomanto Júnior e seu
chefe de polícia, porque ele precisava de um bode expiatório. Os bodes expiatórios
foram o professor Duarte e eu”... “...éramos as pessoas que tinham que ser
entregues ao poder novamente constituído, como forma de liberar o Lomanto, para
que ele pudesse se manter governador. !964 chega, eu fui preso, solto depois de 6
meses e submetido a um sistema de prisão domiciliar. Ainda na prisão, deixei de ter a
solidariedade de muita gente. Lembro daquela famosa reunião da AGB, onde
queriam me crucificar. Alguns colegas tentaram me defender de forma subterrânea e
alguns poucos de forma aberta, sobretudo o Armen, que teve um gesto cordial me
dedicando uma apresentação de seu trabalho. Lembro-me que na prisão chorei
quando tive essa notícia, porque estava sozinho, cercado e os defensores do novo
sistema dentro da Geografia eram muito fortes. A Geografia sempre foi uma disciplina
de gente reacionária, gente de bem, aquela gente da marcha da família, da
propriedade, etc. Eu teria sido crucificado nessa reunião da AGB em 64, se não fosse
Armen, Manoel Correia e Araújo Filho. Na prisão eu fui nomeado professor da
Universidade de Toulouse na França. Como eu adoeci depois da prisão no quartel do
Exército e durante a minha prisão domiciliar, graças então, a essa minha doença e à
negociação do reitor Miguel Calmon, a vigilância foi afrouxada, e eu pude viajar para
a Europa no Natal de 1964. Isto provocou uma comoção nacional, digo nacional,
porque a imprensa do sul publicou este fato com destaque (Correio da Manhã, Diário
de Notícias). Fui para Toulouse, me instalei lá, recebido com enorme carinho pelos
colegas da Universidade...” “... Fui pensando que ia passar 6 meses e na realidade
acabei ficando fora 13 anos.” (Santos , 1991/1992: 184/185).

Sobre a questão que tenta relacionar seu trabalho com o Marxismo, Milton Santos explica que...

”...Na realidade eu tinha uma leitura de segunda mão, através de Pierre George, mas
sobretudo de Tricart e um pouco de Rochefort, René Dugrand, Bernard Kayser, com
quem sempre mantive relações muito boas, por que Tricart me sugeriu visitar todos
esses jovens geógrafos que escreviam teses em 1956-58. Dando aula na França,
cheguei a conclusão que aquilo que eu ensinava, ildo na Escola Francesa, não me
satisfazia. Comecei então, a querer fazer outra coisa e é aí então, que vem essa
vontade de teorização sobre urbanização, que vai desembocar nos livros que eu
publiquei ainda na França e depois nos EUA e na Inglaterra e que são, digamos
assim, uma outra forma de ver o Terceiro Mundo, a partir de uma cabeça do Terceiro
Mundo.” (p. 192)

Quanto a sua volta e o Congresso da AGB de Fortaleza, Santos também fala que...

“ ... Acho que 1978 foi a eclosão de um movimento que vinha se gestando há mais
tempo e que havia uma fermentação extremamente bem orquestrada. Não foi obra do

105
acaso, nem foi erupção espontânea. No houve apenas gratuidade. Havia um grupo
de geógrafos brasileiros preocupados com a Geografia brasileira, dispostos a mudar
seu rumo, sentido acadêmico, na construção de uma nova teoria geográfica, uma
nova posição que fosse também, ao mesmo tempo, política e acadêmica, dentro da
Geografia. Basta olhar o Boletim Paulista de Geografia,
no 51, onde está o editorial que marca essa mudança de tendência. Eu fui
instrumental a esse movimento, quer dizer, a minha volta ao Brasil com a aura do
homem que viveu fora, tinha sido professor em grandes universidades estrangeiras -
nós somos muito gulosos dessa fama que vinha amarrada à minha trajetória - então,
isso servia ao movimento e me foi útil. Talvez eu fosse o único intelectual brasileiro
que viveu fora e que não precisou estar amarrado a grupos, nem partidos, nem de
tendências, nem de curriolas, para conseguir um lugar no país, porque a AGB através
desse movimento, me deu uma cobertura nacional. Isto tem que ser dito.” (p. 196)
“... o grupo do Departamento de Geografia da UFRJ, que sempre uma estratégia de
longo prazo, decidiu me convidar. Eu depois de hesitar, uma hesitação que foi depois
dissolvida tanto pela insistência da Maria do Carmo Galvão quanto da Bertha Becker,
decidi me transferir para o Rio de Janeiro, onde fiquei até 1983, quando então fui
para a USP, fixando-me no que considero o melhor Departamento de Geografia do
país. Os meus colegas paulistas me fizeram um convite que eqüivalia a possibilidade
de me tornar professor titular. Vim para São Paulo, onde estou até hoje e espero
ficar.” (p. 197)

Como disse Milton Santos, o grupo de geógrafos que iniciou o processo de organização da
Geografia Nova ou Geografia Crítica eram todos professores universitários empenhados em
produzir artigos para uma Geografia diferente. A diferença, inicialmente estava subdividida nos que
criticavam a Geografia Oficial, vista naquele momento como representante direta do regime militar
em primeiro plano e atrelada ao capitalismo em plano mais abrangente, e nos que tentavam novas
abordagens teóricas para a renovação. Estavam divididos geograficamente em dois centros
disseminadores, Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio de Janeiro, as presenças de Milton Santos
(UFRJ) , Rui Moreira (PUC) e Carlos Walter Porto Gonçalves ( PUC) e em São Paulo, o
Departamento de Geografia da USP era o núcleo principal com Manoel Seabra, Ariowaldo
Umbelino de Oliveira, Armando Corrêa da Silva, Armen Mamigonian, Antônio Calos Robert Moraes
e Wanderley Messias da Costa.

Em 1980 a Revista de Cultura Vozes editou em seu número 4 do ano 74, um conjunto de textos
sob o título de Geografia e Sociedade: Os Novos rumos do Pensamento Geográfico com artigos de
Roberto Lobato de Azevedo Corrêa (Da “Nova Geografia à “Geografia Nova”), Ariovaldo Umbelino
de Oliveira (É Possível uma “Geografia Libertadora”?), Ruy Moreira (Geografia e “Práxis”), João
Mariano de Oliveira (Revendo Criticamente a Geografia) e Milton Santos (Reformulando a
Sociedade e o Espaço). Apresentou também uma pesquisa bibliográfica da nova corrente
levantada por um grupo de geógrafos e estudantes de Geografia orientados por Ruy Moreira,
denominado Espaço-CEG (Grupo de Estudos Geográficos). A lista de 72 citações chamava-se
Sobre a Geografia Repensada Politicamente e cobria democraticamente áreas da Economia
Política, Sociologia e Geografia.

Na seção Idéias e Fatos (p.302) há também um comentário de Milton Santos avaliando os


principais periódicos que publicavam textos sobre a Nova Geografia, citando o Boletim Paulista de
Geografia, Território Livre da União Paulista de Estudantes de Geografia (UPEGE), Encontros com
a Civilização Brasileira, Revista Civilização Brasileira, Contexto da Hucitec, Temas de Ciências
Humanas e Revista de Cultura Vozes.

O núcleo central desse grupo foi novamente reunido num livro organizado por Milton Santos sob o
título de Novos Rumos da Geografia Brasileira , editado pela Hucitec em 1982. A estrutura estava
dividida em dois blocos, Contribições Brasileiras à Teoria da Geografia e Estudando a Geografia e
o Espaço Brasileiros.

106
No bloco de contribuições teóricas, alguns imaginavam criar as bases para uma Geografia
Marxista, como no caso do artigo de Antônio Carlos Robert Moraes e Wanderley Messias da Costa
A Geografia e o Processo de Valorização do Espaço (Moraes e Costa, 1982:111-130), no de Ruy
Moreira Repensando a Geografia (Moreira, 1982:35-49) e no de Ariovaldo Umbelino de Oliveira
Espaço e Tempo: compreensão materialista de dialética (Oliveira, 1982:66-110). Milton Santos,
com uma incrível visão premonitória, escreveu um artigo que passou meio despercebido na época,
mas que havia corrido as salas do mestrado da UFRJ sob forma de xerox, chamava-se Alguns
Problemas Atuais da Contribuição Marxista à Geografia (Santos, 1982:131-139).

Nele, Santos citou inicialmente o problema que Jean Dresch já havia levantado em 1948, quanto
ao erro do uso automático da terminologia, como forma de criar um campo de termos que, na visão
de alguns tornam-se auto-explicáveis, mas que no fundo, liga-se ao dogmatismo que alguns
seguidores do marxismo teimam em cultivar. Alertava sobre a necessidade do trabalho empírico
para auxiliar a teoria e a evitar sectarismos no processo de incorporação de novas teorias.
Criticava o dogmatismo vigente e o que chamou de “Congelamento dos Conceitos” dando o
exemplo sobre o conceito de consumo “durante a vida de Marx, o consumo não possuía um papel
tão fundamental como o que hoje ele tem no conjunto do processo produtivo capitalista. Era a
produção propriamente dita, junto com a circulação, que assegurava a reprodução do capital e o
desenvolvimento do sistema. Por isso Marx lhe consagrou, em sua obra, o melhor de sua
imaginação e dos seus esforços.” (p.134).

Milton lembra também o cuidado que se deve ter no relacionamento com a realidade concreta ...

“Noções como modo de produção, forças produtivas, relações de produção, luta de


classes etc., que com insistência aparecem no linguajar dos marxistas restam,
apenas, sonoridades ineficazes, se não reexaminadas, a partir do concreto, dentro de
um método onde as categorias filosóficas acima enunciadas se combinem.” (p.135)

A parte final do artigo é dedicada à recriação do discurso da Geografia tendo por base dois tipos
de debate, o de idéias, com o confronto de sistemas de referência e do trabalho empírico, com o
confronto de resultados referentes às interpretações fatuais contrapostas às releituras de
interpretações anteriores. Nos anexos, Milton lista alguns princípios marxistas aplicáveis ao estudo
do espaço e oferece também duas listagens de publicações de obras relacionadas com o
marxismo na Geografia.

A segunda parte, Estudando a Geografia e o Espaço Brasileiros foi reservada para os trabalhos
que exemplificavam a realidade brasileira, tanto na área do pensamento geográfico O Pensamento
Geográfico e a Realidade Brasileira (Manuel Correia de Andrade) e Novos Rumos para a
Geografia Brasileira Milton Santos), quanto em segmentos específicos como a questão agrária,
Estrutura Agrária e Dominação no Campo: notas para uma debate (Carlos Walter Porto
Gonçalves), e urbana Notas sobre a Geografia Urbana Brasileira (Armen Mamigonian), havia
também a publicação da apresentação de Manoel Seabra na Mesa Redonda da Sociedade
Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada no Rio de Janeiro em 1980 Crise
Econômico-Social no Brasil e o Limite do Espaço que abordava algumas questões concernentes
ao marxismo como crise do capitalismo, desenvolvimento desigual e combinado, a questão do
nacionalismo x penetração do capitalismo monopolista etc.

Paralelamente ao movimento dos professores, havia também um movimento dos alunos de


Geografia que se estruturava mais ou menos organizado dependendo da universidade. No caso
paulista, a organização sempre foi uma das características, e a adesão de estudantes dispostos a
trabalhar também, no Rio de Janeiro, isso dependia de uma boa dose de messianismo de
professores como Ruy Moreira e Carlos Walter que episodicamente conseguiam reunir um grupo
coeso na PUC, UERJ ou UFF. Foi por conta desse movimento que foi editado o livro de Yves
Lacoste A Geografia Serve Antes de Mais Nada Para Fazer a Guerra (cuja edição original da
Maspero de Paris de 1976, tinha sido traduzida em Portugal pela Iniciativas Editoriais em 1977)
essa edição carioca era, na linguagem técnica editorial não autorizada, isto é, pirateada da edição

107
portuguesa e vendida nas salas dos Diretórios Estudantis da época, leitura que fazia muito
sucesso em virtude da atualidade do tema (Guerra do Vietnan) e da excelente prosa de Lacoste.

O livro fala da principal diferença entre a Geografia de “Estado Maior” utilizada pelos exércitos e
aparatos de governo desde a antigüidade e a Geografia dos Professores universitários iniciada no
século XIX na Europa. Mostra também a atualidade da Geografia no gerenciamento de territórios
de mercado das principais organizações multinacionais e a eficiência da Geografia de Estado
Maior na campanha americana de bombardeio do Vietnan do Norte e Camboja. Explica as
principais noções de escala e mostra experiências didáticas com alunos de ensino médio na
França e discute as dificuldades da análise marxista na Geografia. É claro que uma obra com
tantos alertas e visões interessantes sobre o papel da Geografia causou um grande impacto no
alunato do início dos anos 80.

No entanto, apesar do sucesso do livro de Yves Lacoste, a principal obra de referência do período
foi Por Uma Geografia Nova (Santos, 1978). Não era uma leitura fácil, em virtude do grande
número de temas abordados nas três partes divididas em 18 capítulos, mais a introdução e
conclusão. Milton conta em seu depoimento na Geosul (Santos 1991/1992:196) que insistiu com o
editor da Hucitec para a rápida publicação do livro...

“...A AGB, digamos assim, me criou uma repercussão nacional, que eu sentia que ia
durar pouco, razão pela qual eu insisti com o editor, que me foi encontrado por
Florestan Fernandes, para publicar rapidamente o meu livro ‘Por uma Geografia
Nova’, porque sabendo que o Brasil é um país oral, onde as circunstâncias fizeram
com que as pessoas leiam pouco, eu diria que para ser lido depois, eu teria de ser
conhecido antes. E assim foi. O livro foi comprado e houve até quem comprasse 5
exemplares porque fazia parte do bom tom da época.”

O movimento da Geografia Crítica desenvolveu-se, nos anos 80, principalmente nos cursos de
formação de professores, provocando grandes alterações no conteúdo dos livros didáticos, que
passaram a ter uma postura crítica, quando analisavam alguns dos grandes movimentos
econômicos e sociais que ocorriam no mundo (choque do petróleo, conflito árabe-israelense,
crescimento econômico de alguns países asiáticos, conflitos internos nos países africanos).
Autores como Willian Vesentini e Melhen Adas tomaram o lugar na preferência dos professores de
ensino médio, substituindo autores da velha guarda como Nilo Bernardes ou Aroldo de Azevedo.

A produção de divulgação orientada para um público universitário situado no ciclo básico também
aumentou bastante. Editoras como a Ática e Moderna iniciaram coleções de obras de Geografia
que objetivavam divulgar conceitos específicos de uma maneira mais leve, quando em contraste
com os antigos compêndios acadêmicos que foram os carros-chefe das editoras até os anos
60/70. Um bom exemplo desse tipo de obra pode ser vista nos trabalhos de Roberto Lobato de
Azevedo Corrêa na série Princípios (Corrêa, 1986 e 1989) da Ática.

Essas mudanças se fizeram sentir até no programa de Geografia do Concurso de Admissão ao


Instituto Rio Branco do Ministério de Relações Exteriores. De um antigo programa que enfatizava
questões relacionadas com a Geografia Física, passou-se para outro que dava ênfase aos
movimentos do “Grande Capital”, as desigualdades regionais e as questões ambientais em escala
global (Araújo, 1995).

É necessário, portanto que se considere em termos positivos o papel da Geografia Crítica no


panorama do pensamento geográfico brasileiro dos anos 80/90. Entretanto, apesar de sua ampla
penetração na comunidade geográfica, sua interpretação não é imune a controvérsias,
principalmente nos períodos iniciais do movimento, quando as questões políticas referentes ao
ocaso do regime militar e a canhestra introdução da Nova República deram o tom. Os resultados
foram, obviamente negativos, pois misturavam-se nas arenas, que deveriam ser apenas palcos de
debates de idéias, questões pessoais vinculadas à lutas de poder nos ambientes institucionais.

108
Um outro problema foi a mistura de temas e posições filosóficas que embaralharam a discussão e
descaracterizavam áreas importantes da pesquisa geográfica como foi o caso da Geografia Física
tomada por positivista, por trabalhar mais intensamente com a Teoria Geral dos Sistemas (TGS),
considerada também como quantitativa e por isso mesmo sujeita ao repúdio total.

Um observador atento desses tumultuados anos foi Antonio Christofoletti que, em 1992, publicou
no periódico Geografia uma resenha denominada O Conhecimento Geográfico no Brasil:
Considerações de um Geógrafo, fruto de uma comunicação apresentada num Simpósio Sobre o
Conhecimento Geográfico no Brasil realizado na UNESP de Presidente Prudente em agosto de
1991.

Inicialmente Christofoletti faz uma rememoração de sua carreira sob a ótica das leituras de
referência que orientaram sua trajetória como estudante e profissional de Geografia Física até sua
inserção no contexto editorial quando assume a responsabilidade editorial da Notícia
Geomorfológica e posteriormente passa a fazer parte do conselho editorial do Boletim de
Geografia Teorética e da revista Geografia. Em seguida analisa o contexto da chegada no Brasil
da “Nova Geografia”, mostrando a necessidade de atualização com a bibliografia editada em
outros centros de difusão do conhecimento e o relacionamento entre um pesquisador e certos
autores considerados em suas épocas, como referência de determinadas linhas de pesquisa e dá
exemplos de pesquisadores brasileiros que sempre trabalharam com a vanguarda do
conhecimento, como os paulistas João Dias da Silveira e Aziz Nacib Ab’ Saber. Lembra também
sua preocupação com a feitura sistemática das resenhas bibliográficas em vários periódicos de
Geografia e jornais (Notícia Geomorfológica, Boletim Paulista de Geografia, Orientação, Boletim
Baiano de Geografia, Boletim Gaúcho, Sociologia e Suplemento Literário de O Estado de São
Paulo).

Explica a relação entre os grupos da UNESP de Rio Claro e do IBGE do Rio de Janeiro na tarefa
de trabalhar com as novas técnicas quantitativas que estavam em fase de testes e adaptações,
analisando as principais diferenciações quanto aos objetivos e escalas tratadas pelos dois grupos
e descreve alguns dos marcos importantes da época em termos de reuniões científicas e de
publicações.

Na parte C de sua resenha, Christofoletti analisa a fase da chegada da Geografia Radical e seus
desdobramentos no pensamento geográfico brasileiro, principalmente nas fases iniciais do
processo...

“Envolvido com os estudos geomorfológicos, com a teoria dos sistemas, rudimentos


da quantificação e procedimentos metodológicos a leitura dos trabalhos publicados
promovendo as concepções marxistas causou impacto negativo em minha pessoa.
Transpareciam demasiadamente as conotações emotivas e críticas pessoais, em vez
de realizarem a busca de incoerências conceituais e uso inadequado das técnicas,
englobadas com interpretações impróprias. Por outro lado, descaracterizava-se
totalmente o conteúdo e a natureza da Geografia Física em prol da ênfase sobre a
relevância social para a Geografia. Esta mutilação surgia como inaceitável para a
minha visão a respeito dessa disciplina. Trabalhando e verificando quase diariamente
a produção geográfica desenvolvida nos mais diversos países, observava a
discrepância entre o propugnado pelos geógrafos brasileiros engajados na onda do
materialismo histórico e as proposições dominantes na literatura geográfica” (p.112).

Orlando Valverde, foi outro geógrafo que também não viu com bons olhos o clima de radicalização
que ocorreu no início dos anos 80, principalmente no se referia ao desprezo que era passado às
questões ambientais. Em seu depoimento à Geosul (Valverde, 1991/1992:237) comenta que suas
relações com algumas figuras da Geografia Crítica ou Radical foram tornando-se cada vez mais
conflitantes...

109
” ... um grupo criou a chamada Geografia Radical, Geografia Crítica ou Geografia
Marxista, alegando que a Geografia era uma ciência puramente social e não deveria
cogitar portanto de Geomorfologia, Clima, Biogeografia, etc., o que para mim é
errado...” “...Eliminar os estudos referentes ao meio ambiente das diversas regiões
eqüivale a presumir que a Terra seja como uma bola de bilhar, toda igualzinha.
Então, só os fenômenos sociais têm significação? Contudo, tais idéias se difundiram
muito entre os professores de Geografia que não eram realmente pesquisadores. Em
conseqüência dessa atitude, os adeptos dessa corrente se tornaram incapazes de
fazer um Planejamento Regional, pois além dos problemas sociais, eles precisavam
conhecer os recursos naturais da área em estudo...” “...Hoje em dia muitos
reconhecem isso, mas por causa dessa postura, sofri também certa discriminação:
quando fui eleito presidente da AGB, entre 1984 e 1986, o Grupo Radical, que
compunha minha diretoria, não aceitou absolutamente. Houve uma verdadeira
sabotagem à minha atividade. Acho que, até hoje, a AGB precisa de um mínimo de
organização...”(p.237)

Foi justamente no final dos anos 80 e início dos 90, que os acontecimentos políticos na Europa,
primeiramente em 1989 na Alemanha, com a queda do Muro de Berlim e a desagregação da
Alemanha Oriental e posteriormente com a dissolução da URSS, selaram o início do processo do
refluxo da Geografia Crítica, tal qual se apresentava nos anos 80.

O Declínio da Geografia Crítica e as Novas Preocupações Ambientais

Não houve uma grande crise que marcasse um ponto de referência nesta inflexão, e sim um
gradativo afastamento das críticas anteriores, associado à uma preocupação cada vez maior com
o campo do Meio Ambiente, anteriormente relegado ao segundo plano, quando não considerado
área fora da “verdadeira Geografia” que deveria apenas ocupar-se do social.

Na década de 90, Milton Santos passa a focalizar com maior precisão as relações espaciais entre
a sociedade e o binômio Ciência e Tecnologia, alertando principalmente sobre as conseqüências
positivas e negativas, de certos produtos ou serviços possuidores de alta carga tecnológica, no
espaço geográfico dos países mais pobres. Sua principal obra dessa época chama-se Técnica,
Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional (Santos, 1994) foi
estruturada como uma coletânea de artigos, textos de conferências e seminários, capítulos de
livros ou de outras coletâneas, produzidos em sua maioria no início dos anos 90. Apenas um deles
foi escrito na segunda metade dos anos 80, com o título O período técnico-científico e os estudos
geográficos , publicado no no 4 da Revista do Departamento de Geografia da USP e apresentado
no Seminário Interamericano Sobre Ensino de Estudos Sociais da OEA em Washington, 1986.

Essa abordagem passa a fazer parte das preocupações de boa parte dos geógrafos brasileiros,
pois através dela foi possível conciliar as preocupações ambientais, o problema da mundialização
da produção, do consumo e das comunicações e o espectro do processo de inclusão/exclusão das
sociedades mais pobres aos ditames da técnica...” A técnica é a grande banalidade e o grande
enigma, e é como enigma que ela comanda nossa vida, nos impõe relações, modela nosso
entorno, administra nossas relações com o entorno” (p.20).

Com a volta das preocupações ambientais, o próprio IBGE, que havia absorvido em 1985 o corpo
técnico do Projeto RADAM, inicia projetos com variados graus de integração entre as áreas Físicas
e Humanas da Geografia, incluindo também outras áreas do conhecimento como Biologia e
Geologia por exemplo.

São desta fase, os projetos de diagnósticos integrados realizados principalmente na Amazônia (


Diagnóstico Brasil, Carajás, Projeto Nossa Natureza, Diagnóstico da Amazônia Legal, região do
projeto de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas (PMACI), Entorno do Distrito
Federal e Gerenciamento Costeiro). Esses trabalhos, apesar de terem sido motivo de grandes
preocupações por parte dos coordenadores técnicos, que tinham de exprimir numa única

110
linguagem, uma verdadeira babel de textos oriundos dos pesquisadores especializados, acabaram
por tecer uma nova aliança entre os profissionais da Geografia Física e os da Humana. As
contribuições de Maria Luisa Castello Branco, Rivaldo Pinto de Gusmão, Teresa Cardoso, Antônia
M.M. Ferreira, Olga Becker, Adma Hamann Figueredo e Teresa Cony Aguiar, nas coordenações
técnicas desses projetos foram fundamentais para a reabertura desse diálogo.

Ainda não chegamos ao refinamento desejado, mas quando voltamos nosso olhar para as
décadas anteriores, podemos perceber o quanto a Geografia avançou nos últimos anos do século
XX.

Foi necessário entender também que, o que chamava-mos de Geografia Quantitativa na década
de 70, só foi devidamente absorvida pela Geografia brasileira, via democratização do uso dos
computadores pessoais, cada vez mais poderosos e baratos, ocorrida na década de 90, em
comparação com os computadores de grande porte que eram utilizados por uma minoria nos anos
70.

Programas de mapeamento automatizado, correlacionados com imagens de sensores remotos e


bancos de dados, situados em sites que podem ser acessados via Internet, democratizaram a
verdadeira Geografia Quantitativa e tiraram o estigma que a caracterizou em tempos passados.

No contexto ibegeano, o convênio da Diretoria de Geociências com a Maison de Geographie de


Montpellier garantiu um bom processo de transferência de conhecimento e de tecnologia para
ambos os lados, pois a troca entre profissionais franceses como Philipe Waniez e Violette
Brustlein, Hervé Théry e brasileiros como Evangelina Xavier Gouveia de Oliveira, Dora Hees,
Monica O’Neill, Cesar Ajara e Luís Cavalcanti da Cunha Baihana foi muito rica, apesar dos
descompassos ocorridos em torno da adequação entre os equipamentos computacionais entre as
instituições. Os franceses eram adeptos das plataformas Apple Macintosh / Sistem 8.0, mas o
IBGE ainda é fortemente atrelado ao PC / Windows.

Mesmo com esses problemas, muitos produtos resultantes dessa relação foram publicados em
edições bilíngües, objetivando a ampliação do conhecimento dos processos de ocupação da área
da fronteira de recursos do interior brasileiro e da Amazônia em particular. Além disso, a
divulgação dos dados censitários brasileiros na Europa, através de softwares de mapeamento
automático e de banco de dados relacionais, foi também de muita valia para uma melhor
compreensão da dinâmica territorial brasileira.

Muito do avanço ocorrido no uso da computação gráfica e de mapeamento no Departamento de


Geografia hoje, ainda está fortemente vinculado a essa fase pioneira com os franceses da Maison
de Geographie que mostraram o caminho e as possibilidades futuras.

Este grande panorama da dinâmica da Geografia brasileira, vista sob a ótica do IBGE, servirá de
pano de fundo para o entendimento do processo de formação do pensamento geográfico
brasileiro. Os papéis desempenhados, no plano acadêmico, pelas matrizes de pensamento
geográfico oriundas da Europa e Estados Unidos e, no plano da prática profissional, pela liderança
e carisma de professores e pesquisadores estrangeiros que vieram preparar uma elite de
geógrafos, que posteriormente ficou conhecida como a “Velha Guarda do IBGE” serão explicitados
nos demais capítulos I, II e III desta parte.

111
Parte II
Capítulo I - O Poder das Escolas Estrangeiras de Geografia no Brasil: nas sociedades
geográficas, na universidade e no IBGE

Abstraindo a questão do planejamento territorial orientado pelo governo, tendo como agência
chave o IBGE, será igualmente importante entender como a Geografia acadêmica, (vista aqui
como o resultado de um complexo processo de formação universitária, mesclado com a
experiência profissional e o intenso debate intelectual), tornou-se um campo novo no
conhecimento das diferentes facetas físicas e humanas do espaço brasileiro.

A principal razão de sua estruturação foi, necessariamente, resultados de ações entre governos do
Brasil, França, Estados Unidos e Canadá. Primeiramente com a França, visando a criação dos
primeiros cursos universitários de Geografia e História em São Paulo e no Rio de Janeiro e
posteriormente com os outros países através do intercâmbio entre pesquisadores para
aperfeiçoamento profissional.

Um outro segmento de consolidação dos estudos geográficos se deu através das associações
culturais e profissionais como a Associação dos Geógrafos Brasileiros, criada em 1938 e das
antigas instituições como o Instituto Histórico de Geográfico Brasileiro (IHGB) de 1838 e a
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro de 1883, atual Sociedade Brasileira de Geografia∗ .

Em se tratando de instituições de ensino e pesquisa e de debate intelectual, foram nelas que se


instituíram as principais arenas de discussão dos temas geográficos, como se pode perceber nos
trabalhos de Lúcia Lippi Oliveira, Lia Osório Machado e Heloisa M. Bertol Domingues, que
abordaram alguns dos debates ocorridos antes dos anos 30 (Oliveira , 1990 e 1999), Machado
(1995 e 1999) e Domingues (1999).

Nessas arenas, diferentemente das áreas de discussão no governo, os principais temas


vinculavam-se aos aspectos teóricos da disciplina, principalmente aqueles relacionados às
matrizes de pensamento geográfico que vigiam na Europa e Estados Unidos, ou na versão mais
sofisticada de Lia Osório Machado, a relação entre conglomerados ideológicos e modelos-fonte do
pensamento geográfico (Machado, 1998:197 ou 1999: 2-3).

Nilo Bernardes em seu artigo sobre o pensamento geográfico tradicional (Bernardes, 1982),
também aborda esses problemas conceituais e metodológicos por que passou a disciplina,
principalmente no período compreendido entre 1850 e 1930, tempo em que essas questões foram
apresentadas e discutidas pelos mais importantes geógrafos mundiais. Questões como a
precedência entre Geografia Física e Humana, conflitos entre o Determinismo e Possibilismo, a
dicotomia entre Geografia Sistemática e Regional, a maior ou menor importância dos estudos
corológicos e da análise da paisagem, foram alguns dos temas que percorreram o início do século
e estavam na pauta de discussões dos professores que organizaram os primeiros cursos
universitários oficiais da USP e da UDF.

Foi a partir desses cursos, que o poder das escolas de pensamento geográfico (francesa
hegemonicamente, com algumas ligações com a alemã e, posteriormente, a americana) se fizeram
sentir na formação dos geógrafos brasileiros.

Se levarmos em consideração que as figuras de Geógrafos franceses como Emmanuel de


Martone, Pierre Deffontaines , Pierre Mombeig, Francis Ruellam, Jean Tricart e Michel Rochefort
foram as principais fontes de conhecimento geográfico para, nada menos do que três gerações de
profissionais, após 1935, tanto do IBGE, quanto da universidade no sentido mais geral, e que os
compêndios de estudo que embasavam suas disciplinas ou eram de autoria de algum deles, ou

∗∗
A tese de Perla Brigida Zusman na Usp sob a orientação do Prof. Antônio Carlos Robert Moraes tratou
detalhadamente, dessas instituições. (Zusman, 1996).

112
eram especificamente indicados por eles, como as obras Vidal de La Blache, Jean Brunhes,
Camille Vallaux, André Cholley e outros. É possível perceber que a hegemonia da escola francesa
foi incontestável.∗

Essa predominância da escola francesa foi também confirmada, em seus depoimentos, pela
maioria dos geógrafos que ingressaram no IBGE entre 1938 e 1968. Todo um processo de
aprendizado profissional que incluía, além dos métodos e técnicas aprendidos na universidade,
nos períodos de estágio no IBGE e no decorrer de sua vida profissional, também cursos de
aperfeiçoamento em universidades e laboratórios de Geografia, a partir de 1947, em cidades
francesas como Paris, Grenoble, Estrasburgo, Montpellier, Toulouse, Lyon, Bordeaux, geralmente
por indicação de algum professor como Francis Ruellan e Michel Rochefort principalmente, foram
os principais mecanismos de consolidação de uma tradição de pensamento francês na Geografia
brasileira, sobretudo no IBGE.

Essa tendência só não tornou-se totalmente francesa, passando a sofrer também uma influência
da escola americana e, indiretamente, da alemã, por conta dos caprichos da Segunda Guerra que
inviabilizou a ida de Geógrafos brasileiros entre 1938 e 1947 para Europa, e pelos esforços dos
americanos em garantir também um esquema de aperfeiçoamento profissional aos geógrafos do
IBGE, durante o período do conflito, como parte de uma campanha de aproximação do governo
americano, objetivando o afastamento do governo Vargas da esfera de influência do Nazismo.
Agências de Inteligência americanas como o Office of Strategic Service (OSS), e o Army Map
Service (AMS) empregaram muitos geógrafos durante a Segunda Guerra como Cotton Mather,
Clarence F. Jones, Preston James e Richard Hartshorne (Barton e Karan, 1992:56).

Foi através desses geógrafos que Jorge Zarur (funcionário do IBGE), convidado pelo governo
americano a se especializar nos Estados Unidos, tomou contato com a escola americana de
Geografia voltada para o planejamento espacial do New Deal de Franklin Roosevelt, da qual o
planejamento do Vale do Tennessee foi um dos principais projetos.

Jorge Zarur, que em 1942 vai para o mestrado em Winsconsin∗ e depois para uma especialização
em técnicas de trabalho de campo em Chicago, torna-se amigo de Cotton Mather e Clarence F.
Jones. Seu retorno ao Brasil faz surtir um efeito quase imediato, ao trazer um convite do Governo
americano, para que mais cinco geógrafos do IBGE fossem, em 1945, estudar em universidades
americanas. Fábio de Macedo Soares, Orlando Valverde, José Veríssimo, Lúcio de Castro e
Lindalvo Bezerra foram os indicados para Winsconsin, Northwestern e Chicago, universidades
especializadas em estudos regionais voltados para o processo de ocupação do território.

Ainda com referência ao papel das relações americanas com o Brasil durante a Segunda Guerra, o
trabalho de Antônio Pedro Tota no campo das relações culturais (Tota,2000), é importante para se
entender as funções de uma outra agência, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs e
suas ações no campo cultural, que tinham como objetivo a ampliação das relações culturais entre
os Estados Unidos e o Brasil, na ocasião representado pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), órgão da estrutura do Estado Novo.

Outro fato importante foi a vinda de Leo Waibel em 1946, trazido por influência de Cristóvão Leite
de Castro, em virtude de ótimas recomendações dadas por Fábio de Macedo Soares Guimarães e
Orlando Valverde, seus alunos em Winsconsin (Valverde 1991-2, entrevista) para trabalhar até
1950, como consultor para assuntos ligados ao processo de ocupação do território, tendo como
principal ferramenta a colonização dirigida.


Para uma melhor visão da importância da Geografia francesa é necessário ler a obra de Anne Buttomer
Sociedad y Medio en la Tradición Geográfica Francesa ,que mostra o valor da tradição criada por Vidal de la
Blache e seus discípulos como Jean Brunhes, Pierre Deffontaines, Max Sorre e outros. (Buttimer, 1980).

Tornando-se o primeiro geógrafo do IBGE a conquistar um título de pós-graduação em Geografia
no exterior.

113
A importância dos trabalhos de Leo Waibel, principalmente os sobre habitat rural e núcleos de
população, pode ser avaliada através de um artigo que tornou-se clássico, incluído no número
especial de 50 anos da Revista Brasileira de Geografia em 1988 ( Waibel 1949). A perspectiva
morfológica da escola alemã é perfeitamente sentida. Para ele,

“A colonização é o problema mais fundamental do Brasil; dela depende o futuro do


Brasil como potência mundial e o futuro dos trópicos como habitat para o homem
branco. O problema da colonização é, naturalmente, muito complexo e o seu estudo
interessa muitas ciências. Não há dúvida, porém, que dentre elas a Geografia
desempenha ou deveria desempenhar, um papel importante. O nosso modo de
encarar a situação é espacial: onde há ainda terra disponível para expansão do
povoamento? De que espécie é a terra? Quanta gente ela sustentaria? Qual será a
melhor maneira de usar a terra?” ( Waibel apud Bernardes, Nilo, 1952: 75-76).

Com os trabalhos de Waibel no Brasil, corporifica-se a influência, ainda que indireta, da escola
alemã de Geografia, principalmente através de Alfred Hettner (1859-1941), seu professor em
Heidelberg onde lecionou de 1898 a 1928.

Seria importante contextualizar também a influência da escola alemã na geografia americana, pois
importantes professores americanos, que iriam, mais tarde influenciar alguns geógrafos brasileiros,
foram discípulos de mestres alemães. Este processo de ascendência intelectual foi analisado por
Robert C. West no capítulo introdutório do Pioneers of Modern Geography: translations pertaining
to german geographers of the late nineteenth and early twentieth centuries (West, 1990:2 table 1) .

Some german-american connections in the twentieth century

Geógrafos alemães Geógrafos americanos (universidades) Especialidade


August Meitzen Carl Sauer (Berkeley), Habitat rural
Fred Kniffen (LSU),
Terry Jordan (U. Texas)

Eduard Hahn Carl Sauer (Berkeley) Paleo-agricultura


Fred Simoons (Davis) Domesticação
Erich Isaac (N.Y. City Coll.) História da Cultura

Otto Schlüter Carl Sauer (Berkeley) Geografia Histórica


Geografia cultural

Alfred Hetner Nevin Fenneman (Cincinnati) Geografia Regional


Richard Hartshorne (Michigan e (Chorology)
Winsnconsin)
Carl Sauer (Berkeley)

Siegfried Passarge Carl Sauer (Berkeley) Geografia da


Preston James (Michigan e Syracuse) Paisagem
Geografia
Regional

Desses geógrafos americanos influenciados por alguns geógrafos alemães como Carl Sauer,
Richard Hartshorne e Preston James acabaram por influenciar geógrafos brasileiros que
posteriormente tornaram-se líderes em suas áreas de pesquisa. Hilgard O’Reily Stermberg,
professor da Universidade do Brasil e fundador do Centro de Pesquisas de Geografia do Brasil
(CPGB) foi influenciado por Sauer em Berkeley , Jorge Zarur, Fábio de Macedo Soares
Guimarães, assim como Orlando Valverde foram alunos de Hartshorne e Leo Waibel em Geografia
Regional na Universidade de Winsconsin e Speridião Faissol, que trabalhou inicialmente com

114
Waibel no Brasil, foi, posteriormente, aluno de Preston James em Syracuse e trabalhou com ele no
interior do Brasil estudando colonização, no início dos anos 50.

A vinda de Waibel para o IBGE em 1946, mobilizou um restrito grupo de profissionais que iniciou
pesquisas sobre o processo de colonização, ocupação agrária do território e um pouco de
biogeografia regional. A barreira da língua, possivelmente foi uma variável importante, pois Leo
Waibel falava alemão e inglês e não o idioma francês, que era o mais difundido no conjunto
profissional do IBGE na época. Portanto, este grupo restrito de pesquisadores que trabalharam
com Waibel entre 1946 e 1950, como Nilo Bernardes, Speridião Faissol, Walter Egler, Lúcio de
Castro Soares e Orlando Valverde todos falavam inglês, sendo que Egler era o único que falava
alemão.

Com o final da Segunda Guerra, a geografia francesa retoma sua liderança através dos esforços
de Francis Ruellan que, em 1947, prepara juntamente com a direção do IBGE, uma nova turma de
geógrafos brasileiros para diversas universidades francesas. Apesar das dificuldades do pós-
guerra, cinco profissionais do IBGE (Miguel Alves de Lima, Pedro Geiger, Elza Keller, Míriam
Mesquita, e Heldio Xavier Lenz Cesar) seguiram para a França. Miguel para Paris, Geiger para
Grenoble, Elza para Montpellier, Míriam para Lion e Heldio para Strasburg. (depoimento de Elza
Keller).

De certa forma, este grupo ampliou as possibilidades de conhecimento geográfico que a geografia
francesa tinha para oferecer naquele período, evitando assim que apenas um só chefe de escola
trabalhando no Brasil (Francis Ruellan) ficasse com a incumbência de repassar as principais
matrizes de pensamento da época.

Essas matrizes de pensamento e de métodos de estudo aprendidos nas universidades francesas,


somadas ao trabalho de orientação que os outros geógrafos estrangeiros que nos visitaram,
criaram uma geração pioneira de geógrafos que se especializaram em campos distintos como
Geomorfologia (Miguel Alves de Lima e Heldio Lenz), com os estudos agrários (Elza Keller) e
estudos urbanos que se preocupavam com processos de ocupação em periferias urbanas (Pedro
Geiger e Míriam Mesquita).

Durante o final dos anos 40 e início dos 50, apesar de hegemonia inconteste da escola francesa, a
americana ainda se fazia sentir nos trabalhos de geografia regional do IBGE, principalmente por
intermédio dos professores Preston James (Syracuse) e Clarence Field Jones (Chicago), que
trabalharam com Jorge Zarur, Speridião Faissol e José Veríssimo em estudos de colonização e
utilização da terra, por ocasião de suas estadas no Brasil em 1948 e 1949 respectivamente.
Clarence Jones foi o orientador de um trabalho de campo no Pantanal Mato-grossense e escreveu
o artigo “A Fazenda Miranda em Mato Grosso” publicado na RBG 12 (3), jul./set. 1950 (Por sinal
um número muito importante para o tema colonização, pois além do artigo de Jones, estavam lá
também os trabalho de Nilo Bernardes sobre a colonização do município de Santa Rosa -RS e o
artigo de Waibel em que ele avalia sinteticamente os seus estudos no Brasil, além de um relatório
de uma expedição, feito por José Veríssimo da Costa Pereira aos estados de São Paulo, Mato
Grosso, Goiás e Minas Gerais).

Jorge Zarur e José Veríssimo já haviam estudado com Clarence Jones em Chicago
respectivamente em 1942/43 e 1945/46.

Preston James estudou o problema de colonização, uso da terra e gênero de vida no sul do Brasil
no final da década de 30 ( RBG 1 [4] out./dez.1939) e durante sua estada no Brasil em 1948
publicou um importante trabalho sobre o uso da terra e processo de ocupação no Nordeste na
RBG 11(1) jan./mar. 1949. Em 1952, oferece uma bolsa de estudos para Speridião Faissol fazer o
doutoramento em Syracuse, concluído em 1956.

A década de 50, principalmente sua segunda metade, foi o período em que os geógrafos do IBGE
tornam-se efetivamente, produtores autônomos, elaborando trabalhos importantes, mesclando,

115
quando possível, as influências germano-americanas com a francesa, que mantinha sua
hegemonia, em função da sistemática política de especialização dos geógrafos da casa em
universidades e laboratórios franceses.

O Congresso Internacional da UGI de 1956 marcou uma nova etapa entre a geografia francesa e a
brasileira, os principais atores dessa fase, que se prolongou pelos anos 60, foram Jean Tricart na
Geomorfologia e Michel Rochefort nos estudos urbanos. Ambos trabalharam em pesquisas que
envolveram técnicos do IBGE e pesquisadores de universidades de alguns estados (Tricart na
Bahia e Rochefort no eixo Rio-São Paulo). Além desses, a absorção dos ensinamentos de
mestres como Maximilian Sorre e Pierre George nos campos da Geografia Humana e Econômica,
conquistavam cada vez mais adeptos no Brasil.

Os trabalhos de Sorre sobre novas formas de habitat surgidas no pós guerra (Sorre, 1948) e suas
abordagens sobre as relações entre as áreas da Geografia Física e Humana (Sorre, 1949, 1954,
1955, 1961), além das obras de Pierre George sobre diferentes aspectos da Geografia Econômica
analisando vários continentes, além de estabelecer comparações entre os dois sistemas
econômicos representantes da Guerra Fria ( George, 1946a, 1946b, 1950, 1953, 1963, 1965),
foram as principais marcas da escola francesa de Geografia no ensino e pesquisa da Geografia
brasileira, nas décadas de 50 e 60, tanto no IBGE, quanto nas universidades, marcas estas que
até hoje ainda podem ser percebidas nas ementas de cursos de graduação.

Michel Rochefort e Jean Tricart , principalmente, foram após Ruelan e Monbeig, os mais
importantes embaixadores da Geografia francesa nos anos 60, sendo que Rochefort ainda
continuou a tarefa na década de 70, principalmente em São Paulo, quando, em virtude de conflitos
com Speridião Faissol no final dos anos 60, deixou de colaborar sistematicamente com o IBGE,
mas mantendo ainda contatos de trabalho com Lisia Bernardes no IPEA e Ministério do Interior. Na
USP, seus contatos mais estreitos, se deram através de Maria Adélia Aparecida de Souza após
1968 (Rochefort, 1998:7-10 prefácio de Maria Adélia).

A Geomorfologia desenvolvida por Jean Tricart foi muito influente na Universidade da Bahia,
principalmente por conta de sua aluna de pós graduação em Strasbourg no final dos anos 50,
Teresa Cardoso da Silva. Teresa, ao voltar em 1960,com um doutoramento orientada por Tricart,
foi para Universidade Federal da Bahia e por intermédio de Milton Santos, ampliou o Laboratório
de Geomorfologia e Estudos Regionais. A continuidade dessa colaboração pode ser verificada na
obra Estudos de Geomorfologia da Bahia e Sergipe (Tricart e Silva, 1968), além do forte
intercâmbio técnico entre a Universidade Federal da Bahia e a de Strasbourg, que garantiu a
muitos professores baianos da área de Geografia Física completarem sua pós graduação na
França.

Os estudos de Michel Rochefort sobre redes urbanas no final dos anos 50, encaixaram-se
perfeitamente nas preocupações que os técnicos do governo federal já estavam levantando em
relação ao processo de urbanização brasileiro que se delineava no início dos anos 60,
caracterizado por um forte crescimento demográfico nas duas principais metrópoles, Rio de
Janeiro e São Paulo.

A influência de Rochefort nas linhas de pesquisa de Geografia Urbana do IBGE nos anos 60 foi
inquestionável, principalmente após o golpe militar de 1964, quando essas preocupações ligadas
ao binômio urbanização/industrialização tornaram-se maiores na área de planejamento federal.
Suas ligações com Lisia Bernardes, Pedro Geiger, Elza Keller, Orlando Valverde, Fany Davidovich
e, posteriormente, Roberto Lobato Corrêa garantiram um fluxo de projetos sobre redes
urbanas,que foram analisadas por Roberto Lobato Corrêa em duas ocasiões (Corrêa, 1968 e
1989). Portanto, a ligação entre o “método Rochefort” e o planejamento urbano-regional da
Geografia do IBGE, aconteceu na segunda metade da década de 60, já sob os auspícios das
ações dos ministros do Planejamento Roberto Campos, durante o governo do General Castelo
Branco (1964-1967) e Hélio Beltrão no do General Costa e Silva (1967-1969).

116
É importante levar em consideração que não houve nenhuma luta teórica entre franceses e
americanos pela hegemonia de suas respectivas escolas no Brasil, até porque as relações entre
França e Brasil neste campo sempre foram hegemônicas. Maurício Abreu comenta que ...

“Não foi, portanto, por obra e graça da “Quantitativa” que a vinculação da Geografia
com o planejamento se realizou no Brasil. A nível de (sic) hipótese, pode-se afirmar
inclusive, que as mudanças que já vinham ocorrendo na Geografia Tradicional
brasileira levariam-na certamente a essa direção, ainda que seguindo, talvez, um
roteiro diferente” (Abreu, 1994:44).

Essa assertiva de Maurício Abreu toma como referência temporal o período dos anos 60 ou,
quando muito, a segunda metade dos 50, isto é, o período caracterizado pela influência dos
estudos baseados no método Rochefort de redes urbanas. Porém, as vinculações entre
planejamento e Geografia são bem anteriores. Não restam dúvidas de que as relações entre a
Geografia feita no IBGE e o que se convencionou chamar de planejamento, possuem datação bem
precisa, iniciando no período imediatamente anterior ao Estado Novo de Vargas, e legitimando-se
nele. Essas relações objetivavam o gerenciamento do território via, conhecimento sistemático dos
aspectos físicos da superfície e do subsolo, da infra-estrutura instalada ou a instalar, do
acompanhamento dos processos da ocupação humana e econômica, principalmente através dos
estudos de colonização e habitat rural, além de um monumental esforço de cartografação do
território (Almeida, 1994 e 1995).

A guisa de exemplo, uma interessante matéria foi publicada no número 19, ano V (1944) da
Revista Brasileira de Estatística. Tratava-se da reprodução de uma das reportagens elaborada por
um jornalista do Correio da Manhã, Adalberto Mário Ribeiro que produziu uma série sobre os
principais serviços públicos do período Vargas. Nela é exposta minuciosamente a estrutura e
objetivos do IBGE tanto para a Estatística, quanto para a Geografia, mostrando claramente o que
era planejamento na concepção de gestores do Governo Vargas, como Juarez Távora, Léo de
Affonseca, Mário Augusto Teixeira de Freitas, José Carlos de Macedo Soares, Cristóvão Leite de
Castro e outros.

A errônea versão de que a Geografia fez o seu début com o planejamento, somente no contexto
da New Geography ou Geografia Quantitativa, ocorrido na década de 70, parece ser o resultado
de uma série de lapsos de memória, dos geógrafos ibegeanos que viveram a maioria dos
períodos, alguns de caso pensado, outros, possivelmente levados à esquecer por diferentes
mecanismos e, posteriormente, adotando a versão da súbita hegemonia da escola americana que
introduziu os métodos quantitativos na Geografia do IBGE, sob a batuta de Speridião Faissol.

É claro que as pretensões de Speridião Faissol no final dos anos 60, quando Lisia Bernardes
estava se transferindo para o IPEA e, de certo modo, levando consigo o passe de Michel
Rochefort, era de estruturar uma nova linha de pesquisas urbano-industrial que utilizasse, com
mais ênfase, os novos dados que adviriam do Recenseamento Geral de 1970. Em seus
depoimentos nas revistas Geouerj e Cadernos de Geociências, Faissol amarra bem a importância
do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e do SERFHAU (Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo) no processo que acabou trazendo ao Brasil expoentes da Geografia
Quantitativa americana e inglesa (Brian Berry, John Friedman e Peter Colle) para iniciar um
período de treinamento de técnicas estatísticas que iriam ser utilizadas nos futuros dados
censitários de 1970.(Faissol, 1995 e 1997).

O papel do IPEA havia se iniciado no início da segunda metade da década de 60 após o golpe
militar, quando o Ministério do Planejamento, preocupado com a rápida dinâmica de urbanização
orientou seus estudos para o acompanhamento da rede urbana brasileira. No campo da Geografia,
a escola francesa estava representada pelos estudos de Michel Rochefort realizados no
Departamento de Geografia do IBGE visando o entendimento das maiores redes urbanas do país
e o processo de regionalização (Bernardes L., 1968, IBGE, 1968 e 1972, Keller, 1969).

117
O papel do SERFHAU começa a tomar forma no final dos anos 60, após o crescimento do Banco
Nacional de Habitação (BNH), para planejar o crescimento da infra-estrutura urbana nas áreas
metropolitanas (outra entidade estudada pela Geografia Urbana do IBGE nesta época). É
justamente neste período que estes expoentes anglo-americanos da Geografia urbano-regional
que utilizavam métodos quantitativos para os estudos de determinação de padrões espaciais das
atividades econômicas em redes urbanas passaram a ter contato com Speridião Faissol no IBGE.
Faissol também aludiu à fatores aleatórios seus encontros iniciais com esses pesquisadores, que
de uma forma, passariam a representar a presença da escola anglo-americana na Geografia do
IBGE na década de 70. No caso do inglês Peter Colle, o acaso aconteceu através de uma notícia
de jornal, que o pesquisador da Universidade de Nothinghan estava no Brasil para pesquisar o
planejamento do Censo de 1970. Um contato entre o DEGEO e o Conselho Britânico fez com que
Colle tivesse contato com a Geografia brasileira através de Faissol, Marília Galvão, Pedro Geiger,
Elza Keller, Roberto Lobato Corrêa e Olga Buarque de Lima, pesquisadores que, de uma forma ou
de outra, estavam trabalhando com urbanização/industrialização e Geografia da população.

No caso de Berry e Friedmann, o acaso aconteceu em virtude da repentina saída de um cargo de


direção do SERFHAU, do arquiteto Harry Cole, que havia contratado a vinda desses
pesquisadores ao Brasil, e que naquele momento, não poderia mais arcar com essa
responsabilidade via SERFHAU. Faissol vislumbrou aí uma possível futura parceria com as
universidades de Chicago (Berry) e Los Angeles (Friedmann) e articulou a visita pelo IBGE em
1969.

É interessante observar que o aparecimento no Brasil dos métodos quantitativos, vinculados à


escola anglo-americana aconteceu sob fatores fortuitos e não como um super projeto militar típico
da Guerra Fria, com articulações da Central Inteligense Agency (CIA) com o governo brasileiro
para modificar a Geografia do Brasil, com tentaram fazer crer alguns geógrafos na década de 80,
tentando apagar da memória os anos entre 1964 e 1970, período em que a escola francesa reinou
absoluta, principalmente no segmento do estudo de redes urbanas e regionalização, planejando
um sistema urbano, que, de certa forma, foi confirmado pelos trabalhos da futura New Geography,
majoritariamente trabalhado por Speridião Faissol e colaboradores até o final da década de 1970
e que, aparentemente, feneceu sem gerar um grande número de seguidores, excetuando-se o
grupo da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Rio Claro e de alguns poucos professores
advindos de Rio Claro que formaram grupos em outros estados (o exemplo de Alexandre Filizola
Diniz com os métodos quantitativos em Geografia Agrária em Aracajú é o mais interessante).

Porém, se nos limitar-mos a apenas recortar o segmento de Geografia Urbano-regional, área que
ficou estigmatizada pela aparente influência dos métodos quantitativos oriundos da escola anglo-
americana, nos anos 80, corremos o risco de não avaliar a área da Geografia que mais se
beneficiou dos métodos quantitativos, os segmentos da física, Geomorfologia, Climatologia,
Pedologia / Edafologia, Hidrologia, Biogeografia. Nessas áreas, a estatística sempre marcou
presença desde a graduação e, normalmente, tornava-se mais usada nos cursos de pós-
graduação. Com isso, os profissionais da área física tiveram muito menos problemas de utilização
nos métodos quantitativos que chegaram ao Brasil no início dos anos 70, pois já possuíam
experiência matemática maior do que os da humana.

Também tiveram outra vantagem comparativa, ao se colocarem ao largo dos conflitos ideológicos
que ocorreram com o segmento da humana/econômica, nos anos 80, que acabaram por retardar
o desenvolvimento dos estudos geográficos, até quando o segmento da física tomou a dianteira
das pesquisas e provocou, nos anos 90, uma integração, através dos grandes diagnósticos
ambientais, que ficaram em maior evidência do que as querelas criadas pela Geografia crítica, que
muito pouco contribuíram para o avanço da Geografia. É importante lembrar que o apelo do Meio
Ambiente/Ecologia também tomou de assalto as trincheiras da esquerda geográfica radical, que
rapidamente, teve de arrumar um discurso que se adequasse aos novos tempos.

Com o advento dos computadores cada vez mais baratos e potentes e da enorme popularização
pela Internet dos softwares de mapeamento automatizado e de tratamento de imagens e de

118
gerenciamento de bancos de dados, os profissionais da área física garantiram sem grandes
traumas existenciais, um amplo segmento de mercado de trabalho no campo do gerenciamento
dos Sistemas Geográficos de Informação (GIS em inglês), que o profissional de Geografia humana
terá de lutar muito para iguala-lo.

Ironicamente, para a Geografia Humana do IBGE, foi a cooperação com geógrafos franceses da
Maison de la Géogrphie de Montpelier, nos anos 90, que abriu esses novos campos de pesquisa e
de ampliação da experiência profissional de uma parcela de pesquisadores que atualmente
transitam por programas tão globalizados, que não seria mais prudente procurar a hegemonia de
qualquer escola de Geografia no IBGE de hoje.

No entanto, será importante avaliar o papel alguns professores e pesquisadores estrangeiros na


formação das primeiras gerações de Geógrafos do IBGE e, de maneira mais ampla, da Geografia
carioca entre os anos 30 e 60.

119
Parte II
Capítulo II - Carisma e Liderança dos Geógrafos Estrangeiros na Formação da Geografia do
IBGE

Os Pioneiros Mestres Estrangeiros


Desde o início dos anos 30, que a idéia de criação de um órgão que pudesse coordenar as
atividades concernentes às atividades geográficas e que, paralelamente, auxiliasse na criação de
um curso oficial de formação de professores e pesquisadores em Geografia, estava sendo
maturada. Na ocasião, dois importantes grupos dedicavam-se a esta tarefa, a Academia Brasileira
de Ciências sob a liderança de Alberto José Sampaio e o grupo de estatísticos do governo federal
liderados por Mário Augusto Teixeira de Freitas.

O naturalista e botânico Alberto José Sampaio, ao participar em 1931 do Congresso Internacional


de Geografia patrocinado pela União Geográfica Internacional em Paris, pode entabular
negociações com a diretoria da UGI, que garantiram a visita, em 1933, do Secretário Geral da UGI,
o Professor Emmanuel De Martonne. A visita de De Martonne ao Brasil marcou uma etapa
importante, pois foi através de sua influência nos meios acadêmicos franceses, que possibilitou a
vinda de professores recém doutorados, ou em fase final de doutoramento para organizar os
cursos formais de Geografia em São Paulo (1934) e no Rio de Janeiro (1935).

No processo de implantação do curso do Rio de Janeiro, na então Universidade do Distrito Federal


(UDF), a participação de Mário Augusto Teixeira de Freitas, agora auxiliado pelo engenheiro
Christóvão Leite de Castro, chefe da Seção de Estatística Territorial do Ministério da Agricultura,
foi de decisiva importância, pois tratou-se de, paralelamente ao curso formal, garantir treinamento
especializado em pesquisa geográfica a um grupo de estudantes que seriam contratados pelo
governo brasileiro para dar início ao embrião do futuro Conselho Nacional de Geografia do IBGE.

O Professor francês Pierre Deffontaines(1894-1978), após um ano em São Paulo e tendo


transferido a liderança acadêmica para Pierre Monbeig (1908-1988), muda-se em 1935 para o Rio
de Janeiro e inicia o curso na UDF e o treinamento paralelo para o grupo organizado por
Christóvão Leite de Castro. Nesse grupo estavam, além do próprio Christóvão, os futuros
geógrafos Orlando Valverde e Fábio de Macedo Soares Guimarães (contratados em 1938), Jorge
Zarur (contratado em 1939) e José Veríssimo da Costa Pereira e Lúcio de Castro Soares
(contratados em 1940) . Deffontaines era um geógrafo completo, tanto em Geografia Física,
quanto em Geografia Humana, mas sua preferência era a Humana, explorando detalhadamente o
processo de ocupação do território e estudando pioneiramente o incipiente sistema urbano do
país.

O início da Segunda Guerra Mundial em 1939 coincide com a volta de Deffontaines para França,
mas já em 1940/41, outro grande professor o vem substituir, Francis Ruellan (1894-1975) que fica
18 anos e praticamente torna-se o grande formador da geração de geógrafos que atualmente
estão com mais de 65 anos. A maior parte da chamada “velha guarda ibgeana” foi formada por
Ruellan, que organizava grandes trabalhos de campo, considerados por seus alunos como
verdadeiros cursos especiais. Muito embora os primeiros profissionais do IBGE que iniciaram o
grande processo de aperfeiçoamento no estrangeiro tenham sido enviados para os Estados
Unidos, em virtude da impossibilidade da ida para a Europa durante os anos da Guerra depois,
foram convidados para cursos de aperfeiçoamento e pós-graduação na França.

Paralelamente, em 1942, Jorge Zarur é enviado para a Universidade de Winsconsin onde gradua-
se como Master of Arts em 1943 e segue para a Universidade de Chicago para um
aperfeiçoamento em pesquisa de campo. Como resultado de seus contatos nos Estados Unidos,
em 1945 seguem para lá os cinco geógrafos com o intuito de receberem aperfeiçoamento em
técnicas de pesquisa de campo e planejamento regional, onde ficaram entre um e dois anos. Fábio
de Macedo Soares Guimarães e Orlando Valverde na Universidade de Wisconsin. Lúcio de Castro
Soares e Lindalvo Bezerra dos Santos na Universidade de Chicago.

120
José Veríssimo da Costa Pereira na Universidade de Northwestern.

Com esse grupo, inicia-se o processo de aperfeiçoamento profissional de alto nível, que ao longos
desses 60 anos de atividade de pesquisa geográfica do IBGE, nunca foi interrompido.

Em Wisconsin, Fábio de Macedo Soares Guimarães e Orlando Valverde travam conhecimento


com Leo Heinrich Waibel (1888-1951), geógrafo alemão radicado nos Estados Unidos e
conseguem através da influência de Christóvão Leite de Castro que o IBGE o contratasse como
assistente técnico entre 1946 a 1950. Waibel, apesar de não exercer o papel formal de professor
universitário e de trabalhar no IBGE com um grupo restrito de pesquisadores, principalmente em
função da barreira da língua (somente se comunicava em inglês e alemão e não em francês que
era a segunda língua da maioria dos geógrafos da época), teve uma influência capital nos estudos
de ocupação do território, principalmente no monitoramento do processo de colonização agrícola,
uma das políticas de governo do Estado Novo de Getúlio Vargas, que foi continuada no governo
de Eurico Gaspar Dutra. Seus principais colaboradores no IBGE foram Walter Alberto Egler (o
único que na época falava correntemente alemão), Orlando Valverde (que depois, tornou-se o
principal divulgador de suas pesquisas), Fábio de Macedo Soares Guimarães, Nilo Bernardes e
Speridião Faissol.

Em 1945 o biogeógrafo canadense Pierre Danserau, por conta de um convênio entre os governos
canadense e brasileiro também esteve organizando cursos na universidade a convite de Hilgard
O’Reilly Sternberg e treinando pesquisadores do IBGE. Seus principais colaboradores foram
Walter Alberto Egler, Alceu Magnanini, Edgar Kullmann, Dora Romariz e Alfredo Porto
Domingues. Dora e Edgar, entre 1946 e 1947, foram também estudar no Canadá.

Dos americanos, Clarence Jones e Preston James foram os que mais trabalharam com o tema
colonização, por ocasião de suas estadas no Brasil (1948 e 1949 respectivamente). Jones foi o
orientador de um trabalho de campo no Pantanal Mato-grossense e escreveu o artigo “A Fazenda
Miranda em Mato Grosso” publicado na RBG 12 (3), jul./set. 1950 . Entre os anos de 1950 e 1951
o professor e pesquisador norte americano Preston James trabalhou no IBGE, orientando
trabalhos sobre colonização e habitat rural. Seu principal orientando foi Speridião Faissol,
posteriormente convidado para o doutoramento na Universidade de Syracuse no estado de New
York, onde Preston James era professor. Faissol doutorou-se em 1956.

No final dos anos 50, após o grande sucesso do XVIII Congresso Internacional de Geografia da
UGI, realizado em 1956 no Rio de Janeiro, outro grande pesquisador francês em redes urbanas,
Professor Michel Rochefort passou a vir constantemente ao Brasil e dar consultoria ao IBGE, além
de incentivar a ida de muitos pesquisadores brasileiros para cursos de aperfeiçoamento e pós-
graduação em universidades francesas.

Com Rochefort, a “Velha Guarda Ibgeana” já não fazia mais o papel de treinandos e sim de
colegas de pesquisa que auxiliavam a terceira geração de profissionais que ingressaram no IBGE
no final dos anos 50 e na década de 60.

A seguir, um breve resumo da vida profissional desses mestres pioneiros.

Pierre Deffontaines (1894-1978), geógrafo francês que inaugurou em 1934, o ciclo de formação
profissional de geógrafos no Brasil. Primeiramente em São Paulo ao iniciar o curso de Geografia
na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde também criou a
Associação dos Geógrafos Brasileiros e, posteriormente, no Rio de Janeiro onde iniciou o mesmo
curso na Universidade do Distrito Federal em 1935. Entre 1935 e 1937 formou o primeiro grupo de
profissionais que criaria o núcleo de pesquisas geográficas do Conselho Nacional de Geografia do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Revista Brasileira de Geografia, iniciada
em 1939. Entre 1938 e 1939 organizou o curso de Geografia na faculdade de Filosofia da
Universidade do Brasil, inaugurado em 1939 e que absorveu o curso da Universidade do Distrito
Federal que foi extinta. Era um geógrafo especializado nos aspectos humanos do processo de

121
ocupação do território, ligado a linha metodológica de Jean Brunhes e Vidal de Lablache, além de
ser católico militante, com uma grande produção acadêmica no campo do ensino católico.
Retornou para a França ao iniciar a Segunda Guerra Mundial, posteriormente estabeleceu-se em
Barcelona onde fundou um centro de estudos franceses.

Afortunadamente, temos hoje um maior conhecimento da vida e da importância do trabalho de


Deffontaines graças ao trabalho de pesquisa da historiadora Marieta de Morares Ferreira junto a
família de Deffontaines na França, inclusive trabalhando com o diário que sua esposa organizou e
que detalha muito bem sua trajetória profissional (Ferreira, 1998). Além disso, Silvio Carlos Bray
também escreveu sobre a visão de mundo de Deffontaines e suas relações com a cultura e
ideologia do Brasil nos anos 30 (Bray, 1993).

Por mais irônico que possa parecer, Pierre Deffontaines, que atualmente é considerado um
importante geógrafo francês especializado no estudo dos gêneros de vida , fartamente citado por
Anne Buttimer em seu clássico trabalho sobre a tradição geográfica francesa (Buttimer, 1980) e
tornado verbete nas Enciclopédias Encarta e na Modern Geography de Gary S. Dunbar
(1991:42), além de ser considerado por Berdoulay (1981:190) como o discípulo de Jean Brunhes
(apesar de seu nome estar grafado errado.. Jean em vez de Pierre), foi sempre preterido no
sistema universitário francês, somente alcançando a importância no panorama da Geografia
francesa, no final da vida, após ter tido um grande reconhecimento na Espanha.

Através das pesquisas de Marieta de Moraes Ferreira, pode-se saber que suas proposições para
postos docentes nas universidades públicas francesas não foram acatadas.

“...na época que ele estava vindo para o Brasil ele tentou duas candidaturas para
duas universidades, se não me engano foi Rennes e Poitiers e não conseguiu... daí
inclusive que é um dos motivos que ele vem para o Brasil, mas ele não fica o tempo
todo no Brasil...” (depoimento de Marieta M.F. à Roberto Schmidt de Almeida).

E que seus relacionamentos com seu orientador de sua tese de doutoramento, Albert Demangeon
e com o todo poderoso Emannuel de Martonne, chefe da banca, não foram livres de turbulências...

“...ele era professor em Lille numa faculdade católica, ele queria ingressar em
faculdades públicas e pelo menos em duas ocasiões ele colocou a candidatura dele,
como diz o jargão francês poser sur candidature e ele não teve sucesso nessas duas
empreitadas, não, acho acredito eu pela qualidade do seu trabalho, mas pelo tipo de
rede tinha lá na França, na verdade o orientador dele era o Albert Demangeon que
era também um geógrafo da maior importância, mas que de acordo com as
informações que eu tenho, Albert Demangeon não fez nenhum empenho em auxiliar
Deffontaines...”
“ Ele mesmo diz isso, não apoiou e eu acho que o De Martonne também não deu
muito, sabe? Porque tem um episódio que ele fala aqui: (isso é uma espécie de auto
biografia que ele faz) “Minha tese se passa bem e com dimensão, sobre a
presidência do De Martonne... que se espantará somente pelo fato dela não ter
uma alusão no seu prefácio, a participação dele... que certamente ele tinha
importância, e pelo fato de ter dedicado minha tese a São Francisco de Assis”,
uma coisa assim, depois ele diz... “eu era o principal discípulo de Jean Brunhes
eu vinha trabalhar na edição de geografia humana e passar .... onde Brunhes
tinha sido escolhido um pouco tempo antes professor de geografia do Collège
de France, a rivalidade entre o Colégio e a Universidade não terá tido um
papel...” então ..”. (depoimento de Marieta M. F. à RSA)

Possivelmente, suas atribulações acadêmicas na arena do ensino universitário público francês e


sua vinda para o Brasil, tenha vinculações com a sua militância religiosa no catolicismo em Lille,
onde era professor de uma Universidade Católica e era membro de um movimento chamado Les

122
Équipes Sociales, e colaborador da revista UTO – L’Union des Trois Ordes de L’Enseignement
(Deffontaines, 1935 e 1936). Esse movimento foi fundado nos anos 20 por Robert Garric, professor
de Literatura que também, nos anos 30 vem trabalhar na área de Letras da Universidade do
Distrito Federal. Para Marieta, possivelmente houve um certo nível de negociações entre
lideranças católicas para trazer para a nova Universidade do Distrito Federal (UDF) no Rio de
Janeiro o maior número possível de professores católicos para contrapor uma luta entre diferentes
concepções de ensino universitário carioca.

Em suas pesquisas documentais junto ao Ministério de Relações Exteriores brasileiro e cotejadas


com a documentação francesa Marieta percebeu...

“...que eu acho que essa documentação mostra, primeiro inicialmente que


Deffontaines vai para São Paulo, ele é a primeira pessoa que cria cadeira de
geografia na USP, ele passa uma temporada lá e depois ele acaba voltando para o
Rio de Janeiro... Nesse primeiro momento ele acaba ficando ainda dividindo um
pouco, ficando entre o Rio e São Paulo, mas na verdade eu acho que o interesse
maior dele era ficar no Rio, e uma correspondência que eu consultei no Ministério das
Relações Exteriores sobre a documentação que está guardada no arquivo de Nantes
mostra um pouco a insatisfação dos paulistas com esse desejo de Deffontaines
querer vir para o Rio e querer também ter uma participação na estruturação da
Universidade do Distrito Federal - UDF. Agora porque que Deffontaines é
interessante para ser estudado? Nós sabemos que UDF é uma Universidade criada
por Anísio Teixeira e que contava com um grande número de professores que
defendiam o ensino laico que naquele momento travava uma briga de morte com a
igreja católica...” (depoimento de Marieta M.F. à R.S.A.).

Na visão de Marieta, a estreita relação, no Brasil, entre Pierre Deffontaines e Alceu de Amoroso
Lima, um dos mais proeminentes líderes do grupo de intelectuais católicos do Rio de Janeiro, pode
ter sido uma das razões de seu estabelecimento na UDF, após sua transferência da USP em São
Paulo. Mas esta luta sobre o controle doutrinário entre liberais (ou comunistas, dependendo do
ponto de vista e das circunstâncias) e a Igreja Católica, passaria para um campo muito mais formal
com a evolução do governo de Vargas em direção ao estabelecimento do Estado Novo e o papel
de Gustavo Capanema no campo da educação e cultura do governo federal.

O livro Tempos de Capanema (Schwartzman, Bomeny e Costa, 2000) detalha no capítulo 7, os


movimentos de organização do grande projeto universitário de Gustavo Capanema, que substituiu
Francisco Campos no Ministério da Educação do primeiro governo de Vargas. Capanema
aproveitando a legislação deixada por Campos prepara o projeto da Universidade do Brasil. O livro
explica os intrincados conflitos ideológicos e organizacionais entre a Universidade do Distrito
Federal liderada por Anísio Teixeira e iniciada em 1935 e o novo plano da UB.

“O expurgo que se segue ao fracasso da insurreição da Aliança Nacional Libertadora


de novembro de 1935 leva à saída de Anísio Teixeira do Departamento Municipal de
Educação do Distrito Federal (onde é substituído por Francisco Campos), à
destituição de Pedro Ernesto da prefeitura e ao afastamento de vários professores da
nova universidade. As atividades da UDF, no entanto, não se interrompem, e em
1936 as aulas são iniciadas com professores de uma missão francesa que incluía
Émile Brehier (filosofia), Eugène Albertini, Henri Hauser e Henri Troncon (história),
Gaston Léduc(lingüística), Pierre Deffontaines (geografia) e Robert Garic
(literatura)...” (p.227-228).

Mas o projeto de Capanema torna-se vitorioso, e em junho de 1938 propõe a anexação da UDF ao
sistema federal de ensino universitário, o que foi feito pelo Decreto-lei 1190 de abril de 1939.

No sub-capítulo que trata da criação da Faculdade Nacional de Filosofia, Schwartzman, Bomeny e


Costa explicam como foram as tratativas para a escolha do corpo docente e, principalmente, com

123
se processaram as negociações com o governo francês através de Georges Dumas , com
intermediação da embaixada francesa. A questão religiosa (militância católica) é colocada por
Capanema como variável chave pois...

”desejo professores habituados à pesquisa e de estudos bem orientados, mas ligados


à Igreja. A Faculdade vai ficar sob a direção do Sr. Alceu de Amoroso Lima, católico,
amigo de Jacques Maritian, Daí não encontrar eu boa acolhida para nomes que
sejam conhecidos por suas tendências opostas à Igreja ou dela divergentes”. (p.
232).

Tempos de Capanama é pródigo em análises sobre o grande painel de interesses pessoais,


corporativos e ideológicos que marcou a formação do sistema universitário do Rio de Janeiro, e
sua leitura é fundamental para o entendimento do sistema atual. Mas para que não nos percamos
nas escalas mais abrangentes da política universitária da época, voltemos ao exemplo que nos
interessa aqui, e que pode ser visto na indicação de Jacques Lambert para a cátedra de
sociologia, que a embaixada garante ser da mesma geração de professores católicos militantes
que Pierre Defontaines e Robert Garic.

Apesar dessas manobras, Capanema não consegue a adesão de Alceu de Amoroso Lima para a
direção da FNF. A experiência de Alceu ao lado de Deffontaines e Garic (que retornaram em 1939
para a França) na luta dentro da UDF, possibilitou às lideranças católicas reordenarem suas
prioridades, dando início ao projeto de sua própria universidade a PUC. Alceu percebe que as
tramas políticas que regeriam a UB em geral e a FNF em particular, seriam muito mais
problemáticas do que as questões apenas ideológicas que foram disputadas com o grupo de
Anísio Teixeira. Os critérios nebulosos de nomeação de professores são, na visão de
Schwartzman, Bomeny e Costa, alguns dos óbices que influenciaram a indecisão de Alceu em
aceitar a direção da FNF...

“Em abril de 1939 ele escreve ao ministro ainda propenso a aceitar o convite, mas
mediante duas condições prévias, que eram a não-incorporação dos professores,
alunos e funcionários da UDF na nova faculdade, e o adiamento do início das aulas
para 1940. Sua preocupação é não assumir o passivo da antiga universidade, com
seus quase 100 professores e 500 alunos, e poder começar com liberdade. Ao
mesmo tempo, ele aceita ser indicado pelo ministro para a cátedra de literatura
brasileira...” (p.233).
“ Em fevereiro de 1941 o convite ainda permanecia de pé, e Alceu escreve
longamente ao ministro explicando suas razões definitivas de não aceita-lo. ‘Nào me
sinto com entusiasmo por esta obra’, dizia entre outras coisas. ‘Não sinto nada por
esta empresa; senti alguma coisa quando entrei para a UDF. A dolorosa experiência
de oito meses tirou-me as ilusões’... Seria impossível, segundo ele, afastar uma série
de professores que , ‘direta ou disfarçadamente, criam na faculdade o confusionismo
filosófico e ideológico’ ...” (p.234).

É importante lembrar aqui que, o papel de Pierre Deffontaines, na segunda metade dos anos
trinta, para a Geografia brasileira, sempre foi mais vinculado às suas atividades como professor da
UDF, do que como organizador da Geografia do IBGE. No entanto, seu poder de articulação na
criação da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e na Revista Brasileira de Geografia foi
inconteste.

Muito embora não existam dados que possam afirmar tal militância católica no contexto do IBGE e
que as relações de Deffontaines com o órgão sempre foram lembradas pelos que conviveram com
ele, no campo estritamente profissional, não havendo até hoje nenhuma colocação de cunho
religioso nessas lembranças, é importante considerar alguns traços culturais da época.

É bom lembrar que a religiosidade católica, significando aqui, o cumprimento dos ritos religiosos e
sociais, pela alta direção do IBGE nos anos 30, era algo quase obrigatório. Havendo sempre nas

124
grandes comemorações do órgão, uma missa solene ou a presença de um religioso para abençoar
as novas dependências nas cerimônias de inauguração. Um outro ponto importante era a
formação católica da maioria dos dirigentes do IBGE e dos principais servidores. Personagens
como Mario Augusto Teixeira de Freitas, José Carlos de Macedo Soares, Cristóvão Leite de
Castro, Fábio de Macedo Soares Guimarães, Jorge Zarur e outros eram minimamente católicos
cumpridores de seus deveres ou em alguns casos, com responsabilidades no segmento leigo da
Igreja.

Portanto, é bem possível que, se no caso da UDF, as presenças de Deffontaines na Geografia e


de Garric na Literatura tenham sido equilibradoras de um suposto enfraquecimento da
religiosidade católica no ensino universitário carioca (o que também deve relativizado em virtude
dos acontecimentos posteriores ao golpe da Intentona Comunista no âmbito da UDF). No que
concernia ao IBGE, este problema não se colocou, em função da forte cultura católica da casa
naquele período.

Por isso, para a Geografia do IBGE, a mais importante lembrança de Pierre Deffontaines foi
primeiramente, sua atividade docente, enquanto formador da primeira geração de geógrafos e, em
segundo lugar, sua visão abrangente sobre as potencialidades do estudo geográfico no Brasil,
através de artigos que tornaram-se clássicos como o Geografia Humana do Brasil de 1939
(Deffontaines, 1988), Como se constitui no Brasil a rede de cidades (Deffontaines, 1944),
Meditação geográfica sobre o Rio de Janeiro (Deffontaines, 1960).

Francis Ruellan (1894-1975), geógrafo francês especializado em Geomorfologia, que ao substituir


Pierre Deffontaines no comando do ensino de Geografia na Faculdade de Filosofia da
Universidade do Brasil (antiga UDF) em 1941, tornou-se um verdadeiro "chefe de escola" para
uma legião de pesquisadores que, na maioria dos casos, tornaram-se figuras importantes na
Geografia brasileira nos anos 60 em diante.

Sua formação como geógrafo inicia-se na universidade de Rennes, onde nasceu, continua em
Strasbourg e depois em Paris onde obteve sua “agrégation” (licença para lecionar no sistema de
Liceus) e seu doutorado. Sua formação foi eclética, pois também freqüentou o curso de Economia
da “Faculté de Droit” e os cursos de mineralogia e geologia da “Faculté de Sciences” e do
“Museum D’Histoire Naturelle” , além de também ter freqüentado os cursos do “Collége de France”.

Sua vinda para o Brasil foi fruto de coincidências e situações fortuitas, pois sua carreira na
Universidade de Paris já estava perfeitamente consolidada na década de 30, como mestre de
conferências e diretor adjunto do Instituto de Geografia e da Escola de Altos Estudos de Geografia
da universidade, que eram comandados por Emmanuel De Martonne.

Durante a década de 30 participou de varias missões técnicas e culturais organizadas pelo


governo francês na Ásia e América do Norte. Em 1939 foi mobilizado pelo Estado-Maior do
Exército francês e em 1940, foi enviado como adido militar para o Rio de Janeiro, onde se
encarrega das relações militares entre a França e os países da América do Sul e Caribe. Após um
ano de funções diplomático-militares, foi desmobilizado pelo Exército, em conseqüência da invasão
alemã na França, em 1941, aceita o cargo de professor de Geografia da Faculdade de Filosofia da
recém criada Universidade do Brasil, substituindo Pierre Deffontaines, que retornou à França em
1939. E assume paralelamente, o cargo de consultor científico do CNG.

Além de pesquisador, Ruellan era acima de tudo um professor e consta que nunca fez um trabalho
de campo só, ou com um ou dois alunos. Em suas funções no Conselho Nacional de Geografia do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até 1956, treinou equipes de pesquisadores e
orientou a formação acadêmica e técnica de muitos deles, além de indica-los e encaminha-los
para cursos em universidades da França. Seus principais trabalhos até hoje, são referências
importantes no estudo da Geomorfologia do Sudeste do Brasil.

125
Diferentemente de Deffontaines que, além de ficar apenas cinco anos no Brasil, lecionou para um
número mais restrito de alunos, por ser a Geografia ainda um curso novo, e portanto sem o apelo
característico de cursos como Direito ou Engenharia, Ruellan marcou profundamente as gerações
de geógrafos que trabalharam entre 1940 e 1960, pois apesar de ter voltado para a França em
1956, sua influência ainda continuou forte até o início dos anos 60, principalmente junto aos
geomorfólogos.

Sua principal característica foi a vinculação estreita entre o ensino teórico na sala de aula e o
prático no campo e no laboratório (para os geomorfólogos). No campo, os ensinamentos de
Francis Ruellan conquistaram um número significativo de alunos que estão atualmente na faixa
entre 60 e 75 anos aproximadamente. Seu espírito disciplinador e seu senso de organização são
célebres.

Em função de sua posição de liderança num período onde o IBGE possuía um enorme prestígio
perante o governo federal, seus projetos de excursões alcançavam qualquer parte do Brasil, sem
limitações de ordem financeira ou logística, podendo contar com um grande número de
participantes, alunos da universidade ou profissionais de pesquisa do IBGE. Na tese de Vera
Lúcia Cortes Abrantes sobre o arquivo fotográfico das pesquisas geográficas de campo do IBGE
(Abrantes, 2000: anexo B) foram computadas 11 grandes excursões lideradas por Ruellan entre
1941(Baia de Guanabara e Serra do Mar) e 1951(Bacia do Rio São Francisco).

Suas pesquisas de reconhecimento da Geomorfologia da Serra do Mar resultaram num trabalho


clássico publicado na RBG em 1944 (Ruelan, 1988). No entanto Ruelan não era somente
geomorfólogo, era um professor completo e sua importância para a Geografia brasileira
dificilmente poderá ser igualada. Sendo ele, indubitavelmente, o único geógrafo de se pode ser
chamado de chefe de escola sem nenhuma restrição classificatória.

Na publicação editada pelo IBGE, fruto de duas conferências, Os Métodos Modernos do Ensino da
Geografia, pronunciada em Goiânia em 26 de junho de 1942, no VIII Congresso Brasileiro de
Educação e complementada por outra, pronunciada em Belo Horizonte na Universidade de Minas
Gerais, em julho do mesmo ano na Terceira Convenção Nacional dos Engenheiros Brasileiros,
está o seu currículo, que cobre suas atividades no período anterior a sua vinda para o Brasil.
(Ruellan, 1942, p.6-8).

Leo Heinrich Waibel (1888-1951), geógrafo alemão, naturalizado americano, contratado pelo
Conselho Nacional de Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na
Universidade de Wisconsin (USA), para pesquisar e treinar um pequeno grupo de geógrafos do
IBGE, nos estudos sobre povoamento e colonização, entre os anos de 1946 e 1950. Em sua
estada no Brasil trabalhou com Biogeografia, ao estudar a vegetação brasileira, com Geografia
Agrária, ao pesquisar os tipos de ocupação de terras e os diferentes cultivos tropicais e com
Geografia da População ao explicar os processos de colonização de dois povos europeus
(alemães e italianos) no sul do Brasil. Retornou aos Estados Unidos em 1950 e logo depois para a
Alemanha, onde veio a falecer em 1951.

As relações de Leo Waibel com os geógrafos do IBGE se deram em três fases distintas.
Primeiramente no contexto da Universidade americana de Winsconsin, para onde havia ido
lecionar em função de sua saída da Alemanha, quando da oficialização do Nazismo, pois Waibel
era casado com uma cidadã judia e fazia parte da oposição ao Nacional Socialismo. Seu primeiro
aluno brasileiro foi Jorge Zarur em 1943 e posteriormente em 1945, Fábio de Macedo Soares
Guimarães e Orlando Valverde, que o convidaram (a partir de consultas com Christóvão Leite de
Castro na direção do CNG) para trabalhar como consultor técnico do IBGE no Brasil.

A segunda fase aconteceu no Brasil entre o final de 1945 e meados de 1946, quando trabalhou
com Speridião Faissol, Nilo Bernardes, Jorge Zarur e Walter Alberto Egler, nos processos de
colonização e de reconhecimento de áreas propícias para colonização futura.

126
A terceira e última fase se deu entre 1947 e 1950 já trabalhando com Fábio de Macedo Soares
Guimarães e Orlando Valverde, que haviam retornado de Winsconsin, foi nesta fase que se deu
uma maior aproximação com Orlando Valverde, que tornou-se o maior divulgador de sua obra no
Brasil. Foi neste período também, que os estudos de identificação do futuro sítio do novo Distrito
Federal foram coordenados no IBGE por Waibel e relatados por Fábio de Macedo Soares
Guimarães na RBG v.11, n. 4, 1949.

Avaliando os estudos de habitat realizados no Brasil, Almeida (1995) constata que estes trabalhos
estavam, no final da segunda guerra, nas preocupações do governo brasileiro, em virtude de uma
possível leva migratória de europeus para o hemisfério sul, assim como estava ocorrendo na
América do Norte. Foram dessa fase a maioria dos trabalhos de Waibel e dos geógrafos
brasileiros que foram treinados por ele.

Nilo Bernardes, por ocasião do falecimento de Waibel, publicou na RBG v.14,n. 2, 1952, uma
esclarecedora biografia do mestre alemão, apresentando principalmente sua obra geográfica
realizada no Brasil.

Pierre Dansereau (1919- ) biogeógrafo canadense, pioneiro na introdução do ensino sistemático


de Biogeografia no Brasil em 1945. Convidado pela Universidade do Brasil e IBGE para dar
treinamento especializado aos professores e pesquisadores (geógrafos, agrônomos, biólogos),
além de ministrar cursos de introdução à Biogeografia aos alunos de graduação. Dansereau
organizou o ensino desta área de estudos e montou um programa de intercâmbio e de pós-
graduação entre o Brasil e o Canadá que visava treinar pessoal especializado em Biogeografia,
além de estudar a Biodiversidade tropical brasileira. Deixou uma obra voltada principalmente para
o ensino superior, pelo seu conteúdo metodológico. A maioria de seus alunos, galgaram
importantes postos no meio científico brasileiro na área de meio ambiente.

Em 1946, trabalhou com Francis Ruellan na Serra do Mar e produziu um artigo de pesquisa na
RBG, (Dansereau, 1947). É importante ressaltar que no final da década de 40, estavam
trabalhando no IBGE, Ruellan, Waibel e Dansereau e que tanto Ruellan e Dansereau também
ministravam aulas na Universidade do Brasil, que era liderada por Hilgard O’Reilly Sternberg.
Portanto foi um período muito profícuo para o aprendizado de Geografia, pois estavam aqui
especialistas de Geomorfologia, Biogeografia e de processos de ocupação humana, áreas que
garantiam um conhecimento amplo de Geografia para os profissionais do IBGE.

Preston Everett James (1899-1986), geógrafo norte americano, após seu doutoramento feito em
1923 na Universidade de Clark, foi professor nas Universidades de Michigan (1923-1945) e
Syracuse (1945-1970). Era um especialista em Geografia Regional da América Latina, com linhas
de pesquisa em colonização rural. Seus livros Latin America (1942) e American Geography:
Inventory and Prospect (1954 em co-autoria com Clarence F. Jones) são considerados clássicos
da literatura geográfica americana. Foi também um importante historiador do pensamento
geográfico anglo-saxão. Trabalhou no Brasil entre 1951 e 1952 a convite do IBGE, para estudar
os processos de colonização rural no Brasil central.

Preston James já havia estudado o problema de colonização, uso da terra e gênero de vida no sul
do Brasil, no final da década de 30 ( RBG 1 [4] out./dez.1939) e publicado no final dos anos 40, um
importante trabalho sobre o uso da terra e processo de ocupação na Bacia do rio São Francisco
RBG 11(1) jan./mar. 1949.

Sua atuação no IBGE, no início dos anos 50, propiciou uma forte ligação com Speridião Faissol,
que foi para Syracuse para doutorar-se em 1956 sob sua orientação. A principal marca de Preston
James na Geografia brasileira vincula-se ao alargamento do conhecimento sobre os processos de
ocupação no interior do país. Não tanto quanto Leo Waibel, mas mesmo assim fundamental para o
progresso da Geografia feita no IBGE na década de 50.

127
Michel Rochefort (1928- ) geógrafo francês, professor emérito da Sorbone, introdutor dos
estudos sistemáticos sobre redes urbanas no Brasil na década de 1960. Seus primeiros contatos
com a Geografia brasileira se dão em 1956, no XVIII Congresso Internacional de Geografia
realizado no Rio de Janeiro. No início dos anos 60, é convidado a dar consultoria ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística e aulas na Universidade do Brasil. Seu método de estudo
sobre redes de cidades, enfatizando a análise do setor comercial e de serviços urbanos, é adotado
por alguns geógrafos do IBGE, que já se preocupavam com os altos índices de urbanização que
parte do Brasil apresentava na segunda metade dos anos 60. Foi um importante orientador de
teses de pesquisadores brasileiros em Paris entre os anos 70 e 90. Ainda hoje, é consultor de
várias instituições européias, presidente do Conselho de Administração do Instituto Francês de
Urbanismo e professor visitante em universidades brasileiras.

A atuação de Rochefort no Brasil foi, sem sombra de dúvida, fruto de diferentes motivações que
transitaram pelo institucional ( a preocupação do governo federal com a urbanização e migração
para as grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro), pelo acadêmico ( seu método de
avaliação do sistema urbano era novidade e, possivelmente, apenas Pedro Geiger estava
trabalhando com o tema na época, em escala nacional - Geiger, 1963) e pelo emocional ( seu
casamento com a geógrafa do IBGE Regina Espíndola Rochefort, ampliando suas ligações com o
Brasil).

A influência de seus estudos no país ampliou-se a partir de 1964, em função da intensificação das
preocupações do governo militar nas questões urbanas, que estavam tomando proporções ainda
não totalmente compreendidas. Sua vinculação com Lysia Bernardes, na época liderando as
pesquisas geográficas na antiga Divisão de Geografia, favoreceu a aceitação de seu método, que
foi rapidamente absorvido pelos geógrafos urbanos. Muitos dos quais foram para cursos de
aperfeiçoamento em universidades francesas, devido a poderosa influência de Michel Rochefort.

O enfoque no estudo dos fluxos materiais e de pessoas entre centros urbanos de uma
determinada rede e de suas vinculações com a área rural produtora de bens agrícolas, era uma
questão que já preocupava alguns outros geógrafos e economistas tanto na Europa, quanto nos
Estados Unidos. Estudiosos como Von Thünen que em 1826 enfocou a relação entre distância das
cidades às áreas de cultivo agrícolas, Walter Christaller, que em 1933 tentou explicar
teoricamente o princípio de ordem entre tamanho, distância e padrão espacial de distribuição dos
centros urbanos em determinadas regiões. Nos Estados Unidos, uma coletânea sobre Geografia
Urbana, considerada clássica, foi editada em 1959 e nela já estavam muitos artigos que
trabalhavam com a temática dos fluxos para o entendimento dos padrões espaciais que emergem
deles (Mayer, Kohn, 1959).

Portanto, as preocupações acadêmicas de Michel Rochefort que chegaram ao IBGE no final dos
anos 50 e percorreram toda a década de 60, eram uma das inúmeras facetas do processo de
urbanização que estava ocorrendo em muitas partes do mundo no pós guerra e que estavam
sendo motivo de releituras diferenciadas. A de Rochefort foi uma delas e foi importante no contexto
do IBGE até a década de 70, quando aparentemente, uma nova abordagem passa a fazer parte
das preocupações dos geógrafos urbanos / regionais do IBGE.

O interessante desse processo é perceber que Michel Rochefort foi o último líder estrangeiro com
carisma suficiente para influenciar várias gerações de geógrafos urbanos brasileiros,
principalmente através de sua poderosa influência no sistema universitário francês. Sua influência,
se não deve ser comparada com Francis Ruellan em virtude das diferenças de condições
vivenciadas por esses dois professores nos dois períodos em que operam no Brasil, deve ser
entendida como uma liderança que manteve-se forte apesar das novas orientações que passaram
a vigir no IBGE nos anos 70/80.

128
Para que se possa avaliar a importância desses líderes formadores, será imprescindível analisar a
vida profissional alguns de seus melhores alunos e assistentes, que formaram, posteriormente, o
primeiro grupo de pesquisadores que passou a liderar academicamente a Geografia do IBGE.

129
Parte II
Capítulo III – A “Velha Guarda” da Geografia do IBGE, a Estruturação das Lideranças Pioneiras

Para que se tenha uma boa noção sobre quem estamos falando, apesar do caráter
inescapavelmente arbitrário da escolha, faremos uma breve apresentação sobre alguns
profissionais de Geografia que tornaram-se líderes em suas especialidades e ou tiveram papel
relevante no processo de gestão técnico-administrativo do órgão. Esse conjunto de profissionais foi
fundamentalmente composto por dois grupos distintos, o dos professores e pesquisadores que
vieram para o Rio de Janeiro objetivando formar e treinar profissionalmente estudantes que se
dedicariam à profissão de geógrafo e o dos jovens estudantes que foram treinados e que se
destacaram academicamente na profissão. Deste segundo grupo foram pinçados os dez
entrevistados, nove por Roberto Schmidt de Almeida no contexto desse trabalho e,
excepcionalmente, o depoimento de Cristóvão Leite de Castro dado à área da Memória
Institucional do IBGE em 1994. Muito embora não tenha exercido a profissão de Geógrafo,
Cristóvão Leite de Castro foi o principal formulador dos estudos geográficos nas fases iniciais do
IBGE.

Os Alunos e Treinandos que Tornaram-se Líderes da Velha Guarda

Do grupo de jovens estudantes brasileiros que formou a Velha Guarda Ibegeana, muitos já não
estão mais conosco. Será necessário, portanto que se fale um pouco sobre eles, pois alguns
foram personagens importantes nas fases iniciais de construção de um corpo de conhecimentos
geográficos sobre o Brasil, tanto no plano acadêmico, via trabalhos e livros, quanto no plano das
estratégias de planejamento territorial do país, organizando projetos em escalas nacional e
regional que subsidiaram as ações do governo federal em termos de políticas de ocupação rural,
migração, abertura de eixos de transportes e de urbanização.

Fabio de Macedo Soares Guimarães (1906-1979), geógrafo brasileiro especializado em


planejamento regional, foi um dos fundadores, em 1937 do Conselho Nacional de Geografia
(CNG), órgão que faria parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo sido
seu Secretário Geral. Em 1945, juntamente com Orlando Valverde, foram enviados pelo IBGE
para a Universidade de Winsconsin, USA onde conheceram o professor Leo Waibel e,
posteriormente, o indicaram para um período de pesquisas no Brasil. Fabio foi considerado um dos
mais completos geógrafos de sua geração e seu trabalho sobre a divisão regional do Brasil em
grandes regiões, foi oficializado pelo Governo Federal em 1941. Participou também, juntamente
com o grupo de Leo Waibel, dos estudos para determinação do sítio do futuro Distrito Federal em
1947. Após sua aposentadoria do IBGE em 1968 , lecionou na PUC RJ até seu falecimento.

Jorge Zarur (1916-1957), foi um dos alunos da primeira turma de Pierre Deffontaines na
Universidade do Distrito Federal (UDF), apesar de já ter feito o bacharelado no Colégio Pedro II
entre 1929-1934. Essa vinculação com Deffontaines se dá em virtude da necessidade de preparar-
se em Didática da Geografia para o exercício do magistério. Seu interesse pela Geografia
possivelmente tenha raízes no Pedro II, onde foi aluno de Fernando Raja Gabaglia e de Carlos
Delgado de Carvalho, dois expoentes da moderna visão da Geografia como o estudo das relações
espaciais entre fatos físicos e humanos e não a simples listagem de topônimos ou ordem de
grandeza dos acidentes geográficos.

Foi um dos pioneiros da criação do IBGE ingressando em 1939 e partindo em 1943 para os
Estados Unidos para pós-graduar-se em Wisnconsin e Chicago em Geografia Regional e
Geografia de Campo respectivamente. Retorna dos Estados Unidos com uma nova visão sobre a
pesquisa geográfica voltada para o planejamento de governo e organiza um programa de bolsas
para enviar um grupo de geógrafos do IBGE para especializarem-se nessa nova visão da
Geografia. Suas ações estabeleceram um equilíbrio entre as influências das escolas francesa e
americana de Geografia no IBGE, ajudando a criar um corpo de pesquisadores mais críticos que,
ao longo da década de 1950, deram contribuições importantes à Geografia brasileira. Lecionou no

130
Colégio Pedro II, Universidade Católica e Universidade do Brasil. Morreu prematuramente aos 41
anos.

Antônio Teixeira Guerra (1924-1968) geógrafo brasileiro especializado em Geomorfologia, autor


do mais completo dicionário Geológico-Geomorfológico editado no Brasil. Sua primeira edição, no
ano de 1954, saiu sob o patrocínio da Comissão de Geografia do Instituto Pan-Americano de
Geografia e História. Suas edições posteriores, sempre atualizadas, foram publicadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e atualmente pela editora Bertrand Brasil, agora com
a co-autoria de seu filho, o também geógrafo e Professor da UFRJ Antônio José Teixeira Guerra.
Foi chefe da Divisão de Geografia na segunda metade dos anos 50 e foi responsável pelo
gerenciamento técnico da coleção Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e do Atlas Nacional do
Brasil. O professor Antônio Guerra faleceu de problemas cardíacos, repentinamente aos 44 anos
de idade e, além de geógrafo do IBGE, no qual ingressou em 1945 e deixou uma imensa produção
acadêmica, lecionava também nas universidades Estadual do Rio de Janeiro e Federal
Fluminense.

José Veríssimo da Costa Pereira (1904-1955) geógrafo brasileiro que mais se preocupou com a
memória da ciência geográfica brasileira. Foi pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), ingressando no ano de 1940 e do Instituto Nacional de Imigração e Colonização
(INIC), além de professor da Universidade do Brasil (atual Federal do Rio de Janeiro) e da
Faculdade Fluminense de Filosofia (atual Federal Fluminense). Fez pós-graduação nos Estados
Unidos nas universidades de Wisconsin e Northwestern. Trabalhou em três linhas distintas: a
geografia agrária e os processos de colonização, a geografia geral para educação ao produzir
compêndios gerais para o ensino superior e a organização da memória dos estudos geográficos
no Brasil, compilando informações e bibliografia sobre os primórdios da ciência no país. Faleceu
de infarto num vôo de trabalho do INIC sobre o estado do Amazonas.

Lúcio de Castro Soares (1909-1986) geógrafo brasileiro especializado em estudos regionais da


Amazônia. Foi um dos primeiros alunos do curso de Geografia organizado por Pierre Deffontaines
no Rio de Janeiro, foi contratado pelo IBGE em 1940, em 1945 vai para a Universidade de Chicago
estudar Geografia Regional. Dedicou-se aos estudos regionais da região norte do Brasil com
ênfase nos recursos minerais e na hidrografia amazônica. Na década de 70 trabalhou em cargos
de alta direção no IBGE até sua aposentadoria.

Walter Alberto Egler (1926-1961), engenheiro agrônomo que especializou-se em Fitogeografia.


Ingressou no IBGE em 1943 participando do núcleo inicial de pesquisadores em Biogeografia. Em
1952 transfere-se, juntamente com Alceu Magnanini, para o Museu Nacional para dedicar-se
exclusivamente ao estudo de vegetação. Especializa-se no estudo da vegetação amazônica e,
posteriormente, transfere-se para Belém (PA) trabalhando no museu Emílio Goeldi. Morreu em
1961, ao cair de barco na cachoeira Macacudra, no rio Jari, na fronteira entre Pará e Amapá
durante os trabalhos de levantamento florístico do vale do Jari.

Lysia Maria Cavalcanti Bernardes (1924-1991), geógrafa brasileira, especializada em


planejamento regional e urbano, que teve sua carreira fortemente vinculada a duas instituições, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 1944–1975) e a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1959-1977). No IBGE, a partir do final dos anos 50 e durante toda a década de 1960,
foi a principal divulgadora dos estudos de redes urbanas trazidos para o Brasil pelo professor
francês Michel Rochefort. Seus importantes trabalhos nesta linha de pesquisa a conduziram, nas
décadas de 1970 e 1980, para níveis mais altos da comunidade de planejamento brasileiro: cargos
de direção no Ministério do Planejamento e do Interior, na instância federal e no governo do
Estado do Rio de Janeiro. Na UFRJ, lecionou tanto na graduação, quanto na área de pós-
graduação, tendo trabalhado no Departamento de Geografia, Faculdade de Arquitetura
(Urbanismo) e no Programa de Planejamento Urbano da Coordenação de Pós-graduação em
Engenharia (COPPE).

131
Juntamente com seu marido, o também geógrafo Nilo Bernardes, formavam um dos mais
dinâmicos casais da Geografia brasileira. Morreram tragicamente em acidente rodoviário no trajeto
Rio de Janeiro - Cabo Frio.

Nilo Bernardes (1922-1991) geógrafo brasileiro, especializado em Geografia agrária e processos


de colonização que teve sua vida profissional dividida entre a pesquisa, no Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE 1944 –1987 ) e em organismos internacionais como o Instituto
Panamericano de Geografia e História e a docência no ensino médio e superior. Suas atividades
de pesquisa geraram sete livros, 14 capítulos de coletâneas, 52 artigos em revistas geográficas,
além de atlas e livros ditáticos. Foi professor titular do Colégio e da Faculdade Pedro II e da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), além de ser um excelente
conferencista e organizador de cursos de especialização, tanto no Brasil, como no exterior. Morreu
tragicamente em desastre automobilístico em 1991, juntamente com sua esposa, a também
geógrafa Lysia Bernardes.

Os Depoentes

O próximo grupo é composto pelos profissionais que deram seus depoimentos para o projeto,
passando assim a fazer parte do acervo da Memória Institucional do IBGE. Para cada profissional
foi elaborado um breve texto, na forma de verbete, que apresenta suas principais informações.
Segue-se um comentário sobre algumas passagens relevantes de seus respectivos depoimentos,
principalmente as que recordaram relações profissionais e estruturações de linhas de pesquisa
que foram decididas nos anos iniciais do IBGE. A seqüência de apresentação acompanhou a
cronologia de ingresso no órgão, facilitando o entendimento do encadeamento dos fatos nos
primeiros anos de estruturação do IBGE.

Cristóvão Leite de Castro (1904 - ), engenheiro civil formado em 1928. Após um período de
cinco anos na iniciativa privada, foi trabalhar em 1933 no Ministério da Agricultura chefiado por
Juarez Távora, na criação de uma seção de Estatística Territorial. Nesta seção trabalharam
também Fábio de Macedo Soares Guimarães, Miguel Alves de Lima, Orlando Valverde, Jorge
Zarur e outros.

A transferência dessa seção de Estatística Territorial do MA, para o já criado legalmente em julho
de 1934, Instituto Nacional de Estatística e que foi instalado solenemente em 29 de maio de 1936,
foi o embrião do futuro Conselho Brasileiro de Geografia instalado em 1937 e substituído em 1938
pelo Conselho Nacional de Geografia, que juntamente com o Conselho Nacional de Estatística
passaram a formar o IBGE.

Cristóvão chefiou a Secretaria Geral do CNG até 1950, portanto cobrindo todo o período do Estado
Novo de Getúlio Vargas. Organizou os trabalhos de preparação cartográfica municipal para o
censo de 1940 dentro das determinações estipuladas pelo Decreto Lei 311 de março de 1938,
também chamado de lei geográfica do Estado Novo, que dispunha sobre a divisão territorial
brasileira.

Auxiliou na coordenação da instalação do primeiro curso superior de Geografia na Universidade do


Distrito Federal, garantindo condições materiais de pesquisa para Pierre Deffontaines desde 1936,
através da estrutura já existente do Conselho Nacional de Estatística e enviando para a
universidade os funcionários interessados em Geografia.

Viabilizou financeiramente a Revista Brasileira de Geografia e o Boletim Geográfico, publicações


organizadas por Deffontaines para difundir os estudos geográficos do IBGE e participou
intensamente dos projetos organizados por Mário Augusto Teixeira de Freitas e José Carlos
Macedo Soares durante todo este período.

Seu depoimento dado a Laurinda Rosa Maciel e Severino Bezerra Cabral Filho, funcionários da
área de Memória Institucional do IBGE em 1994, foi roteirizado por Márcia Bandeira de Mello

132
Arieira (Estatística) e Aluízio Capdeville Duarte (Geógrafo). Está dividido em cinco fitas
magnéticas, transcritas para cinco arquivos .doc do editor de texto Word da Microsoft.

Comentários ao depoimento

A longa entrevista de Cristóvão cobre três áreas da memória, sua trajetória pessoal até o IBGE, o
processo de institucionalização da área de Geografia e sua gestão no CNG e a sua atuação na
direção da Companhia do Teleférico do Pão de Açúcar após sua saída do IBGE.

A parte mais importante cobre o processo de institucionalização da Geografia, pois Cristóvão foi
um dos principais atores desses acontecimento, tanto no que se refere a planejamento, quanto à
execução dos grandes projetos em que a Geografia de planejamento de governo tomou parte.

Orlando Valverde (1917- ), geógrafo brasileiro especializado em Geografia Agrária e profundo


conhecedor da região amazônica. Foi, juntamente com Fabio de Macedo Soares Guimarães e
Jorge Zarur um dos fundadores do Conselho Nacional de Geografia do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) ao ser contratado em 1938. Em 1945, juntamente com Fabio de
Macedo Soares Guimarães foi estudar em Winsconsin, onde conheceu o Prof. Leo Waibel, que foi
convidado a trabalhar no IBGE como consultor. De volta ao IBGE, tornou-se um dos assistentes de
pesquisa de Leo Waibel e, posteriormente, o principal divulgador de suas pesquisas. Seus
trabalhos sobre os diferentes tipos de agricultura e colonização no Brasil, são considerados
clássicos. A partir da década de 1960, passou a estudar o processo de ocupação da Amazônia,
tornando-se um dos mais fortes críticos do modelo de ocupação, via fazendas de gado de corte,
em virtude da ampliação das queimadas na área de transição entre o cerrado e a floresta
amazônica. Aposentou-se do IBGE em 1982. Aos 83 anos, é o mais velho geógrafo em atividade
no Brasil, ministrando cursos em universidades e dando consultorias para órgãos de governo e
empresas.

Comentários ao depoimento

Alguns pontos marcantes merecem ser analisados no depoimento de Orlando Valverde. O primeiro
deles refere-se a defesa intransigente da qualidade de ensino e pesquisa referenciada aos
primeiros anos de estruturação do IBGE, quando comparada ao período pós 1968, quando...
”entrou outro grupo na orientação da Geografia do IBGE, que a meu ver, não tinha base de
conhecimento do território brasileiro”....

Valverde ressalta justamente o grupo de professores e pesquisadores que vieram entre 1935 e a
década de 60, marcando claramente com Michel Rochefort e Jean Tricat (anos 60) o final do
período considerado por ele como o mais produtivo e de melhor qualidade.

Outro ponto interessante está relacionado com uma visão positiva e nacionalista do ciclo Vargas,
independente de seu conteúdo autoritário, principalmente no que concerne ao período do Estado
Novo, justamente a época de implantação do órgão. Um exemplo significativo refere-se a
regulamentação do decreto-lei 311 de 02/03/1938 que dispunha sobre a divisão territorial do país...

”conhecido como Lei Geográfica do Estado Novo. Até a nomenclatura de norte a sul
do país não podia haver dois municípios homônimos, o que já pode haver hoje, e
mais, daquela vez era taxativa a obrigatoriedade em fazer mapas dos municípios, a
influência para criar serviços de Geografia nos estados, junto com os órgãos de
Estatística também estaduais, tudo aquilo tinha uma importância enorme”...

Ressalte-se também sua admiração e respeito pelos profissionais que organizaram e gerenciaram
os processos de fundação e estruturação inicial do IBGE, principalmente nas figuras do estatístico
Teixeira de Freitas e de seu principal colaborador na criação da área de Geografia, o engenheiro e
estatístico Christóvão Leite de Castro. Christóvão foi uma figura chave na política de treinamento

133
do pessoal técnico organizando cursos, estabelecendo convênios com universidades estrangeiras
para o envio de técnicos do IBGE e contratando professores, como no caso de Leo Waibel, do qual
mais tarde Valverde seria seu principal assistente e após sua volta aos Estados Unidos (1950) e
posterior falecimento (1951), o mais fiel divulgador de seus trabalhos.

Miguel Alves de Lima (1921- ) geógrafo brasileiro especializado em Geomorfologia, iniciou sua
carreira em 1938 como desenhista na Seção de Estatística Territorial do Ministério da Agricultura,
área que foi transferida em 1939, por Cristóvão Leite de Castro, para estruturar o núcleo original do
futuro IBGE. Foi aluno de Francis Ruellan no IBGE e de André Cholley e Jean Tricart na
Universidade de Paris. Trabalhou em Geomorfologia até a década de 60, quando assumiu cargos
de alta direção no IBGE, tendo sido durante muitos anos diretor da área de Cartografia e
Geodésia. Lecionou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e foi adido cultural no Uruguai e
no Peru.

Comentários ao depoimento

Da mesma forma que Orlando Valverde, Miguel Alves de Lima foi um dos pioneiros na organização
do IBGE, por conta disso fica patente também a admiração e o respeito por Cristóvão Leite de
Castro, principal gestor do processo de criação do Conselho Nacional de Geografia (CNG). Porém,
um ponto interessante do seu depoimento revela a importância da figura de Jorge Zarur no
processo de inflexão que ocorreu nos objetivos da Geografia do IBGE nos anos 40. Processo que
equilibrou a influência das duas escolas geográficas que orientaram a Geografia do IBGE a
francesa e a americana. A ida de Zarur para Wisconsin em 1943 e seu trabalho com Clarense
Jones serviram para esquematizar que, deveria haver outro grupo de pesquisadores que seriam
orientados para o estudo regional voltado para o planejamento, tal qual algumas universidades
americanas estavam fazendo, sobretudo dando consultoria para projetos do governo de Franklin
Delano Roosevelt. O grupo dos cinco que seguiram em 1945 foi a concretização das idéias de
Zarur em equilibrar a influência hegemônica francesa com uma outra visão, a americana, equilíbrio
que serviu para criar um corpo de pesquisadores no IBGE com boa base crítica, perfeitamente
sintonizados com todas as novas tendências da Geografia.

Miguel trata também das ações de aperfeiçoamento nos Estados Unidos dos primeiros
geodesistas e cartógrafos do IBGE.

Outro ponto relevante foi sua participação na composição do segundo grupo de geógrafos do IBGE
que receberam bolsas de aperfeiçoamento em universidades francesas. Sua ida para a
Universidade de Paris em 1947, para estudar com André Cholley e Jean Tricart foi resultado de
seus estudos em Geomorfologia entre 1941-1942, orientado por Francis Ruellan durante sua
estada no IBGE.

A organização das excursões de campo no XVIII Congresso Internacional de Geografia realizado


em 1956 no Rio de Janeiro foi outro ponto relevante no depoimento, assim como foram descritas
as boas relações do IBGE com as universidades brasileiras para que o Congresso tivesse êxito.
Finalmente falou sobre suas experiências como professor e adido cultural no Uruguai e no Peru e
como diretor da área de Cartografia do IBGE nos anos 70.

Speridião Faissol (1923-1997) geógrafo brasileiro, introdutor das técnicas quantitativas na


Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na década de 1970. Integrante
da primeira geração de geógrafos do IBGE, no qual ingressou em 1941. Foi o primeiro geógrafo
ibegeano a se doutorar na Universidade de Syracuse sob a orientação do professor Preston
James em 1956. Sua primeira linha de estudos nos anos 40 e 50 estava orientada para os
processos de colonização e de ocupação econômica do território brasileiro. No final dos anos 60
passa a dedicar-se ao estudo da urbanização/industrialização brasileira, utilizando-se do novo
arsenal de técnicas estatísticas que a informática a agora colocava à disposição dos geógrafos.
Este movimento acadêmico ficou conhecido como Geografia Quantitativa e teve no professor
Faissol o seu principal incentivador no Brasil. No IBGE, ocupou cargos de alta direção, como

134
Secretário Geral do CNG e chefe da Divisão de Geografia no período entre a segunda metade dos
anos 50 e a primeira metade dos anos 60. Na década de 70 assume a liderança técnica da
Geografia Urbana do IBGE orientando pesquisas e criando bases de dados que até hoje são
referências nos estudos da urbanização brasileira. Nos últimos anos da década de 70 assume a
Diretoria Técnica do IBGE até 1979 com a saída de Isaac Kerstenetzky da presidência do IBGE.
Aposentou-se em 1986 e passou a dedicar-se ao ensino superior. Até o seu repentino falecimento
em 1997, exercia a docência em várias instituições de ensino de pós-graduação.

Comentários ao depoimento

Speridião Faissol, assim com seu cunhado Jorge Zarur, foram personalidades polêmicas na
comunidade geográfica do IBGE. Ambos foram estudantes de pós-graduação em universidades
americanas e se titularam oficialmente, Faissol com doutoramento em Syracuse e Zarur com um
mestrado em Winconsin e um curso de aperfeiçoamento em Chicago.

Ambos sempre advogaram uma maior relação com a Geografia anglo-saxã, contrariamente ao
forte relacionamento entre a Geografia brasileira e a francesa, até por conta de um melhor
equilíbrio entre metodologias e áreas de especialização. A influência de Zarur na carreira de
Faissol é perfeitamente demonstrada, tanto no campo familiar através de seu casamento com a
irmã de Jorge Zarur, quanto na esfera profissional, quando da orientação para a escolha do curso
de Geografia em detrimento do de Direito por indicação direta de Zarur.

Possivelmente, o estudo da língua inglesa também tenha sido fruto da influência de Zarur, pois ao
ingressar no IBGE em 1941, Faissol intensificou sua proficiência na língua inglesa o que garantiu-
lhe o convívio com o restrito grupo de treinandos de Leo Waibel (1945-1950) e, posteriormente,
sua relação com Preston James que viria garantir seu doutoramento em Syracuse.

Durante o período de Juscelino Kubitschek e com o IBGE sob a direção de Jurandir Pires Ferreira,
Faissol assume o cargo de Secretário Geral do Conselho Nacional de Geografia. Sob sua direção
e auxiliado por Antônio Teixeira Guerra na chefia da Divisão de Geografia foi editada a coleção da
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, além do Atlas Nacional do Brasil.
Nos primeiros anos do período militar (governos de Castelo Branco e Costa e Silva) a figura de
Speridião Faissol deixa o primeiro plano da Geografia do IBGE, dando lugar a Lisia Bernardes,
principal figura do grupo que trabalhava com Fábio de Macedo soares Guimarães. Na década de
1970, com a saída de Lisia para outras esferas do governo federal, Faissol retorna a liderar
academicamente a Geografia do órgão, introduzindo os novos métodos quantitativos, baseados
em estudos com grande base estatística e matemática, precursores dos atuais programas de
mapeamento automatizado e sistemas geográficos de informações. Neste processo, acumula
também cargos de alta direção, chegando ao posto de Diretor Técnico do IBGE. No final dos anos
70 e durante toda a década de 1990, os métodos quantitativos na Geografia foram alvo de duras
críticas vindas de grupos de geógrafos, majoritariamente de esquerda, embora alguns dos antigos
companheiros também se mostraram refratários às técnicas, que foram uma marca registrada da
Geografia do IBGE no período.

Sob este contexto, o depoimento de Speridião Faissol tornou-se uma avaliação sobre esses
tempos conturbados porque passou a Geografia brasileira.

Rodolfo Pinto Barbosa (1927- ), cartógrafo brasileiro especializado na organização de atlas


geográficos e cartografia temática orientada para aspectos geográficos onde o físico e o humano
apresentam-se vinculados. Foi um dos primeiros cartógrafos temáticos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no qual ingressou em 1942, dirigiu a área de Cartografia nos anos
60 e foi coordenador da maioria dos atlas editados pelo órgão entre 1955 e 1990. Sua obra sobre
metodologia cartográfica abrange dezenas de artigos em revistas especializadas, principalmente
as do IBGE. Ocupou diversos cargos de chefia técnica na área cartográfica do IBGE e coordenou
inúmeros atlas de enciclopédias editadas no Brasil. Atualmente trabalha em consultoria,
editorando atlas em mídia eletrônica.

135
Comentários ao depoimento

Uma questão que sempre emerge na maioria dos depoimentos de profissionais que relembram
suas trajetórias de trabalho, vincula-se aos períodos de grande indecisão que antecedem às
escolhas profissionais. Para Rodolfo Barbosa, a decisão envolveu muito mais uma escolha de
ambiente de trabalho do que o trabalho em si. A motivação inicial era a cartografia naval, via curso
de oficial de náutica na Marinha Mercante, no último ano, por pressão da família, pois o período
da escolha coincidiu com atos de beligerância da Alemanha contra navios brasileiros, Rodolfo
Barbosa muda de área de trabalho mas não de especialidade, indo trabalhar numa empresa de
cartografia e aerofotogrametria alemã. Em 1942 ingressa no IBGE e em 1946 vai para os Estados
Unidos para cursos de aperfeiçoamento. Descreve as fases iniciais do esforço do governo
brasileiro, com o Exército e IBGE trabalhando juntos na campanha de cartografação dos mapas
para o censo demográfico de 1940 e no projeto de continuação da cartografação do território
brasileiro na escala de 1:1000 000, determinação da União Geográfica Internacional para todos os
países membros e iniciada pelo Clube de Engenharia nos anos 20 e reitera aqui o “espírito de
missão” que era corrente no período, além de justificar a importância de estarem no mesmo
órgão, profissionais de Estatística, Geografia e Cartografia. Barbosa descreve a importância que
teve a Cartografia européia nos anos vinte, após a primeira guerra, com a vinda de militares
austríacos especializados e, posteriormente, a forte relação entre o Brasil e Estados Unidos no
campo da Geodésia e Cartografia, como resultado dos avanços tecnológicos ocorridos durante a
segunda guerra.

Sua especialidade posterior no IBGE, a elaboração de Atlas, foi também descrita com muitos
detalhes, área que sempre apresentou grande afinidade com os estudos geográficos. Nos anos
anteriores à sua aposentadoria, chefiava a Divisão de Atlas do Departamento de Geografia.

A coordenação para elaboração de Atlas, nunca deixou de ser seu principal campo de ação,
atividade que ainda hoje exerce sob forma de consultoria para empresas privadas ou órgãos de
governo.

Pedro Pinchas Geiger (1923- ) geógrafo brasileiro, especializado em Geografia urbana e


industrial. Foi um dos principais pesquisadores da segunda geração do Conselho Nacional de
Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao ingressar no órgão em 1942,
aos 19 anos de idade. Inicialmente trabalha na área de Geografia física e, paulatinamente, vai
orientando suas pesquisas para os campos da urbanização e da industrialização. Na década de
1950 inaugura uma nova linha de pesquisa que enfocava as transformações econômico-sociais
ocorridas nas áreas rurais periféricas a grandes centros urbanos, exemplificando com estudos no
Estado do Rio de Janeiro. Em 1963 publica dois trabalhos, que até hoje são considerados
clássicos na Geografia brasileira. O livro Evolução da Rede Urbana Brasileira e o artigo sobre a
industrialização da região sudeste do Brasil na Revista Brasileira de Geografia do IBGE. O volume
de sua obra hoje, ultrapassa 70 títulos entre livros e artigos em revistas especializadas.
Aposentou-se do IBGE em 1986 e atualmente trabalha como consultor e professor em cursos de
pós-graduação.

Comentários ao depoimento

Uma questão importante levantada por Pedro Geiger foi sua percepção de vinculação com o poder
(Presidência da República), que os primeiros chefes da Geografia do IBGE (Christóvão Leite de
Castro, Jorge Zarur e Fábio de Macedo Soares) demonstravam possuir no início dos anos 40. Para
Geiger, a estruturação das principais linhas de poder acadêmico e administrativo do IBGE até o
final dos anos 60, são resultantes das interações e conflitos que acompanharam as vidas
profissionais desses geógrafos.

Avaliou também com muita acuidade o projeto de ocupação territorial do governo Vargas e o papel
representado pela Geografia do IBGE neste projeto.

136
Um outro ponto importante em seu depoimento foi a percepção do período de “emancipação
acadêmica” dessa geração, das influências dos antigos professores e o início de pesquisas que
envolviam outros componentes econômico-sociais que até então não eram objeto de estudos mais
sistemáticos. Para Geiger a Geografia Sistemática de objetivo social inicia nos anos 50, sob
influência marxista. Seus trabalhos sobre os processos de ocupação rural-urbana desenvolvidos
na Baixada Fluminense entre 1951 e 1953 são os exemplos mais característicos.

Na década de 70, Pedro Geiger engaja-se no movimento de renovação da Geografia chamado


Métodos Quantitativos ou Geografia Quantitativa, que vigorou fortemente no IBGE e no
Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista UNESP de Rio Claro. Ele analisa
com muita sensibilidade as fases transicionais da Geografia anterior para a quantitativa e as fases
posteriores. E finaliza com uma análise das atuais relações entre o IBGE e a Universidade no
campo da Geografia.

Edgar Kullmann (1928 - ) geógrafo brasileiro, participante do primeiro grupo de pesquisadores


em Biogeografia no IBGE. Juntamente com Dora Amarante Romariz, ingressam no IBGE em 1942,
ainda cursando o bacharelato na Universidade do Brasil sob a orientação de Ruellan. Em 1943 o
grupo se amplia com a chegada de Alceo Magnanini, Walter Egler, Alfredo Porto Domingues e
Fernando Segadas Vianna. Em 1946, a vinda de Pierre Dansereau, biogeógrafo canadense que
introduziu no Brasil os primeiros estudos sistemáticos de Ecologia e Biogeografia ampliou os
horizontes de Kulman e Dora que em 1947 foram para o Canadá para cursos de aperfeiçoamento.
Kulmann exerceu funções de direção e de magistério, tanto no IBGE quanto em instituições
vinculadas à Ecologia. Foi o principal organizador das propostas curriculares de Biogeografia nas
universidades brasileiras nos anos 60.

Comentários ao depoimento

O depoimento de Edgar Kulman mostra o lado da Geografia no processo de criação de um


conjunto de profissionais de diferentes disciplinas que desenvolveram os estudos de Biogeografia
no Brasil. Ele e Dora Romariz estudaram o bacharelado de Geografia na Universidade do Brasil
sob a orientação de Francis Ruellan e foram colegas de turma de Elza Keller, Antônio Teixeira
Guerra. No entanto, a constituição do grupo inicial de Biogeografia no IBGE era composta
majoritariamente por engenheiros agrônomos e bacharéis em História Natural (Alceu Magnanini,
Walter Egler, Fernando Segadas Vianna e Alfredo Domingues). Sua vida profissional divide-se
entre o magistério numa instituição de ensino ligado a Igreja Metodista e a pesquisa botânica no
IBGE em duas etapas distintas, a inicial até os anos 60 e posteriormente no final da década de 70
até sua aposentadoria em 1985. Sua segunda fase no IBGE, coincide com a preocupação da área
de planejamento nas questões relacionadas ao meio ambiente e a biodiversidade. Nessa fase,
acompanhou o surgimento da Superintendência de Meio Ambiente e Recursos Naturais do IBGE e
a instalação da Reserva Ambiental do Roncador em Brasília, pertencente ao IBGE e que estuda a
ecologia do cerrado.

Atualmente sua atuação está voltada para a conservação ambiental da área que abrange os
municípios de Resende, Itatiaia, Penedo e Visconde de Mauá, região onde fixou residência
permanente, participando de organizações ecológicas editando jornais e dando consultorias à
diferentes órgãos municipais.

Alfredo José Porto Domingues (1921- ) geógrafo brasileiro, considerado um dos mais
importantes geomorfólogos do país. Sua formação inicial em História Natural, foi o passaporte para
seu ingresso no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1943, participando do grupo que
iniciou os estudos de Biogeografia. Paralelamente, seu interesse pela Geomorfologia foi ampliado
pela orientação de Francis Ruellan, o principal mestre de Geomorfologia da segunda geração de
geógrafos do IBGE. Foi enviado para França para se especializar com Jean Tricart, outro
importante formador de profissionais em Geomorfologia. Alfredo Porto Domingues foi um pioneiro
nos estudos de geo-ecologia, área que ganharia importância no final dos anos 80, coordenando

137
estudos sobre movimentos de solo nas encostas da Serra do Mar no início da década de 1970.
Aposentou-se do IBGE em 1986 . Além da pesquisa, lecionou em várias instituições de ensino
superior do Rio de Janeiro e foi autor de dezenas de artigos e capítulos de livros sobre a
Geomorfologia do Brasil, editados pelo IBGE. Sua participação nos capítulos de Geografia Física
da coleção Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, publicada pelo IBGE, é considerada até hoje
um dos melhores trabalhos sobre o assunto no Brasil.

Comentários ao depoimento

Um ponto interessante no depoimento de Alfredo P. Domingues, refere-se ao processo de escolha


profissional, onde misturaram-se o desejo pessoal pela Geologia com a pressão familiar contra a
ida para Ouro Preto, a opção conciliatória pela História Natural que acabou desaguando no IBGE
onde, sob a influência de Francis Ruellam, finalmente vinculou sua antiga aspiração de Geologia
com os estudos de Geomorfologia, partindo de uma sólida base dada pela História Natural.
Outra questão importante está referenciada à sua visão pessoal, dos diferentes ciclos de
prestígio/desprestígio/prestígio por que passou a Geografia Física no IBGE nos seus mais de 60
anos de existência. Para Alfredo Domingues o período de maior importância da Geografia Física
situa-se nos primeiros 15 anos, em função da liderança técnica de Francis Ruellan, por outro lado,
os dois períodos mais significativos de desprestígio ocorreram na segunda metade dos anos 60,
quando o principal objeto da Geografia do órgão voltou-se para a Geografia Urbana e para a
regionalização econômica e se intensificaram nos anos 70 com a priorização dos métodos
quantitativos nos segmentos econômico-sociais (urbano e agrário). A fase de prestígio retorna em
meados dos anos 80 com a absorção pelo IBGE das equipes técnicas do Projeto Radam, que
introduziram a componente ambiental na agenda de pesquisas do órgão. Novas demandas por
parte do governo federal solicitando grandes diagnósticos econômico-ambientais abriram novas
perspectivas para a Geografia Física do IBGE.

Alceu Magnanini, (1927- ), engenheiro agrônomo, que dedicou-se aos estudos botânicos e a
Ecologia ainda na universidade, influenciado por Girolamo Azzi, introdutor da “Geografia Agrícola”.
Ingressa no IBGE em 1943 juntamente com Alfredo Porto Domingues e Walter Alberto Egler, lá já
estavam Edgar Kullmann e Dora Amarante Romariz. Esse grupo foi o núcleo inicial dos estudos
de Biogeografia no IBGE, que nos anos de 1945-47 foram orientados pelo biogeógrafo canadense
Pierre Dansereau. Em 1952 transfere-se, juntamente com Walter Alberto Egler para o Museu
Nacional e posteriormente vai para o Jardim Botânico, em 1956 transferiu-se para o Serviço
Florestal do Ministério da Agricultura. A partir de então ocupou cargos de chefia em projetos
técnicos ou em áreas administrativas em órgãos como Conselho Florestal Federal, Departamento
Nacional de Recursos Naturais Renováveis, Parque Nacional da Tijuca, Departamento de
Pesquisas Florestais e Conservação da Natureza, atualmente trabalha na Divisão de Avaliação
Ecológica da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro.
Tendo participado de todos os processos de ação governamental na área ambiental brasileira. Foi
um dos organizadores do código nacional florestal de 1965 e diretor da Fundação Brasileira de
Conservação da Natureza a primeira Organização Não Governamental (OGN) de grande porte no
Brasil fundada em 1958.

Comentários ao depoimento

A questão mais importante levantada no depoimento de Alceu Magnanini refere-se ao processo de


criação do primeiro grupo de pesquisadores do meio-ambiente que o IBGE tentou formar no início
dos anos 40. Avaliou com muita segurança as diversas etapas de criação do grupo enfocando a
liderança de Fernando Segadas Vianna na constituição do núcleo inicial e narrando os
acontecimentos da transferência de Segadas Vianna para a universidade. Analisou também a
importância da vinda do biogeógrafo canadense Pierre Dansereau , introdutor dos estudos de
Biogeografia no Brasil, dando aulas na universidade e pesquisando no IBGE entre 1945-46. Alceu
narra também sua transferência, em 1947, do IBGE para o Serviço Florestal do Ministério da
Agricultura por perceber que já não estava havendo apoio aos estudos botânicos por parte do

138
IBGE. Tal processo se intensifica ao longo dos anos 60 e somente mostra recuperação nos anos
70 com a criação da Superintendência de Recursos Naturais (SUPREN) e se amplia com a
absorção das equipes técnicas do Projeto Radar da Amazônia (RADAM) na segunda metade dos
anos 80.

Elza Coelho de Souza Keller (1924- ) geógrafa brasileira que trabalhou em três áreas da
Geografia: Agrária, População e Urbana. Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), desde 1945, com pós-graduação na universidade de Montpellier na França.
Sua obra cobriu aspectos importantes da geografia brasileira, principalmente na região sudeste e
sul, além de ter coordenado um atlas do estado do Maranhão. Nos anos 60 foi professora
universitária na Faculdade de Rio Claro (SP), hoje pertencente a UNESP, onde formou vários
especialistas em Geografia Agrária e em População. De volta ao IBGE, retomou suas pesquisas,
trabalhando paralelamente em Geografia urbana, estudando a área de influência de Campinas,
em agrária, coordenando estudos sobre classificação de tipos de cultivo e mapeamento de
utilização da terra no sul e sudeste do país e, em Geografia da população, trabalhando com
migrações internas, além de coordenar a organização do Atlas do Estado do Maranhão até sua
aposentadoria em 1986.

Comentários ao depoimento

Pelo menos nove foram as principais referências que pudemos sintetizar no denso depoimento da
professora Elza Keller. O processo de escolha profissional pela Geografia ainda em Campinas e a
mudança para o Rio de Janeiro em 1942 para continuar o segundo ano na Universidade do Brasil
sob a liderança de Pierre Ruellan, o mais importante “chefe de escola” da Geografia brasileira. A
influência de Ruellan foi decisiva em sua carreira, pois foi indiretamente por sua indicação, que o
geógrafo do IBGE José Veríssimo da Costa Pereira a convidou para trabalhar no órgão. Sua ida
em 1946 para a universidade de Montpellier na França, como parte do segundo grupo de
geógrafos do IBGE indicados como promissores na carreira, amplia seus horizontes profissionais.
Sua volta coincide com sua primeira chefia técnica e com o direcionamento de sua especialização
em Geografia da população, assunto que, juntamente com a Geografia agrária, foram seus
campos de estudos mais regulares. A década de 50, foi a seu ver, o período mais produtivo em
virtude do engajamento do IBGE em grandes projetos como a preparação do Congresso
Internacional de Geografia de 1956 no Rio de Janeiro, a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e
o Atlas Nacional do Brasil editados em 1958. Na década de 60, a influência de Michel Rochefort
nos estudos de Geografia urbana a alcança na Faculdade de Rio Claro (SP), para onde havia se
transferido para lecionar. É dessa época o seu trabalho sobre a área de influência de Campinas.
Seu retorno ao IBGE acontece em 1967 para trabalhar com Geografia agrária e da população.
Durante os anos 70 realiza alguns estudos com os métodos quantitativos e posteriormente passa a
trabalhar na coordenação temática de alguns Atlas, terminando sua trajetória profissional com o
Atlas do estado do Maranhão.

Após um entendimento das principais linhas do pensamento geográfico que dominaram o cenário
geográfico do IBGE, além de seus organizadores iniciais e seguidores que gerenciaram a área por
mais de quarenta anos. É fundamental que se acompanhe o processo de formação profissional
desses funcionários públicos, através de seus depoimentos orais.
Parte III - O Geógrafo do IBGE e sua Formação na Prática

139
Introdução

Uma Experiência de História Oral

O longo processo de formação de um profissional de nível superior está quase sempre marcado
por três grandes etapas que seguem uma cronologia determinada: o período de escolha da
carreira e seu primeiro contato com o ambiente universitário, a descoberta da pesquisa geográfica
durante as fases finais do curso e o ingresso no ambiente de pesquisa via um estágio profissional
e o desenvolvimento da carreira de pesquisador no contexto de trabalho, incluindo aí os cursos de
pós-graduação e especialização profissional.

A saga da Geografia no IBGE está fortemente marcada por profissionais que passaram por essas
etapas, como foi possível perceber, tanto em seus depoimentos orais, quanto na verificação da
cronologia de suas obras publicadas em periódicos e monografias do IBGE. Este cotejo é
interessante pois, de certa forma auxilia o entendimento da evolução da produção intelectual do
profissional pesquisado, principalmente quando não se tem acesso ao curriculum-vitae do
entrevistado.

A preocupação mais importante desta parte do trabalho é a de explicar como se deu o processo de
formação profissional de alguns geógrafos do IBGE, tomados aqui como referência para o
entendimento da evolução da pesquisa geográfica no órgão. O capítulo I revela um pouco das
atribulações e prazeres vividos pelo pesquisador e seus entrevistados no decorrer do trabalho,
processo que possivelmente ainda continuará, em virtude do interesse demostrado pela direção da
área de documentação do órgão.

O capítulo II inicia a marcha evolutiva do processo de formação elegendo alguns procedimentos de


escolha de carreira que ocorreram com alguns dos geógrafos entrevistados. Principalmente,
quando essas escolhas, vistas posteriormente numa perspectiva inversa (do presente para o
passado) foram decisivas para o entendimento do quadro atual da Geografia do IBGE.

O capítulo III apresenta, de maneira semelhante ao II, os meandros dos procedimentos de


engajamento em projetos, as afinidades e antipatias por temas, métodos de trabalho ou mesmo
pessoais, que levaram alguns geógrafos a manterem-se firmes na escolha inicial ou a mudarem de
rumo nos diferentes campos do conhecimento geográfico.

É o capítulo que explora algumas configurações da arena de trabalho da pesquisa geográfica num
órgão de planejamento territorial do governo federal e seus principais direcionamentos
metodológicos de investigação, utilizando-se de uma pesquisa de trabalhos de campo que opera
com o tema e o local da pesquisa, os participantes e as referências bibliográficas resultantes.
Presta também uma homenagem aos que tombaram no caminho, mas deixaram suas respectivas
marcas de produtividade e qualidade em seus trabalhos.

140
Parte III

Capítulo I - A Aventura dos Depoimentos Gravados com os Profissionais

A idéia inicial de uma pesquisa sobre os geógrafos do IBGE nasceu com a leitura de um dos livros
de Elisabeth Roudinesco sobre a formação dos grupos de Psicanálise na França (Roudinesco,
1988). A autora mapeou o desenvolvimento da Psicanálise francesa desde seus primórdios,
usando como referência seus principais pioneiros e as correntes profissionais mais importantes.

A realização de entrevistas e o cotejo com a documentação existente (bibliografia, atas das


reuniões das associações psicanalistas e processos judiciais de diferentes instâncias) foi um
método interessante para o acompanhamento daquele processo.

No caso da Geografia do IBGE, essa abordagem poderia ser frutífera, pois além de possuir um
acervo documental enorme, uma boa parte dos geógrafos que ingressaram no órgão na década de
40 ainda estavam vivos e com suas capacidades de memorização ainda eficientes. Alguns dos
quais já haviam sido convocados para depoimentos sobre suas trajetórias profissionais como
“decano” Orlando Valverde na Geosul (Valverde, 1991 / 1992) e Alceu Magnanini no livro
Saudades do Matão (Urban, 1998). Speridião Faissol, que faleceu em 1997, também havia sido
entrevistado pela GeoUERJ (Faissol, 1997) e, além disso, também havia escrito sobre o
desenvolvimento do pensamento geográfico no período dos métodos quantitativos (Faissol, 1989).

No contexto da área da Memória Institucional do IBGE, alguns profissionais que trabalharam com a
Geografia também já haviam sido entrevistados (Christóvão Leite de Castro, Orlando Valverde,
Aluísio Capdeville Duarte, Gelson Rangel Lima). Portanto, já havia uma base consistente, em
termos materiais, para que fosse possível dar prosseguimento ao projeto.

A próxima etapa seria escolher quem representasse melhor um determinado período, ou segmento
de conhecimento geográfico, visto que seria impossível, no primeiro momento, uma varredura
sistemática de todos os geógrafos que trabalharam no IBGE e que estivessem em condições de
memorizar suas respectivas trajetórias profissionais.

A arbitrariedade dessas escolhas deve ser entendida como um dos inúmeros caminhos a serem
elegidos, não cabendo aqui nenhum constrangimento que obrigue a ser esse grupo e não aquele,
os melhores atores na saga da Geografia no IBGE. É lógico que alguns deles sempre comporão o
grupo de unanimidade, principalmente os componentes da chamada “Velha Guarda”, mas no caso
dos que ingressaram nas décadas de 50, 60 e 70 foi necessário filtrar arbitrariamente, sob pena de
ser soterrado por uma grande quantidade de depoimentos que indubitavelmente corriam o risco de
serem repetitivos, além de aumentarem perigosamente as despesas do projeto, em virtude do alto
custo das transcrições.

No capítulo II da parte I que apresenta a composição dos profissionais que aceitaram depor para o
projeto percebe-se esses filtros, que todavia, poderão ser removidos em função do
prosseguimento e ampliação do projeto, no contexto da área da Memória Institucional do IBGE.

Durante o processo de coleta de depoimentos, algumas questões até então pouco conhecidas
emergiram, geralmente sob a forma de fragmentos de pensamentos, opiniões ou testemunhos
factuais. Alguns exemplos interessantes foram levantados aqui, para que se tenha uma noção da
riqueza que podem ter os registros de depoimentos orais como fontes auxiliares para a
compreensão da história de uma documentação sobre um determinado fato ou período específico.

O caráter de agência de planejamento territorial do governo federal, desde sua fundação, fica bem
claro nos depoimentos de Cristóvão Leite de Castro, Orlando Valverde e Miguel Alves de Lima e
são corroborados por uma vasta documentação que envolveu as ações que resultaram na Lei
Geográfica do Estado Novo e nas pretensões de modificação da estrutura territorial do Brasil por
Teixeira de Freitas (Freitas, 1948), nos trabalhos de regionalização e reordenamento territorial do

141
centro de poder da República (Guimarães, 1941 e 1949). Para Orlando, esta fase inicial foi o
melhor período da Geografia do IBGE, pois vinculava-se o conhecimento do território, com o poder
de uma agência ligada diretamente com a Presidência da República, que podia contratar
professores estrangeiros para treinar seus técnicos.

A consideração de agência de planejamento para os admitidos no final dos anos 50 e início dos
60, somente é encarada como uma ação governamental do final da década de 60, após o golpe
militar de 1964. O exemplo do depoimento de Roberto Lobato Corrêa (admitido em 1959) é bem
claro..

“ Eu veria um primeiro período que deu origem ao sistema formal de planejamento


preocupado com a dimensão espacial no Brasil, com a criação em a partir de 64 do
que seria o embrião do Ministério de Planejamento e que tinha como célula do
planejamento com dimensões espacial o EPEA - Escritório de Pesquisas Econômicas
e Aplicadas cujo o Diretor era o futuro Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis
Velloso.
Nessa época, 64 começaram a ter efeito no Brasil os frutos da Escola Econômica de
Ciência Regional trabalhada por Willian Alonso, Walter Isard, Harvey Perloff e
outros.
Começaram a aparecer alguns economistas ligados a essa escola, ligados a uma
dimensão espacial com preocupações eminentemente espaciais, foi nesse momento
que se forma o EPEA em que tinha alguns economistas que tinham trabalhado nos
anos 50 foi no final dos anos 50, início dos anos 60 com Roberto Campos no
processo de implantação da indústria no Plano de Metas através da Consultec”
(depoimento de Roberto L. Corrêa a RSA)

Uma colocação como esta é interessante, pois encara a Geografia anterior como levantadora de
informações sobre o território ou como área acadêmica, mas não a enxerga como ferramenta de
planejamento espacial para as operações censitárias de 1940 e 1950, nem como mecanismo de
implantação de uma política de ocupação do território através da colonização no período do pós-
guerra. Políticas que de fato ocorreram no contexto da criação da Geografia do IBGE.

A importância da Biogeografia e da noção, ainda incipiente de Ecologia nos estudos geográficos


do IBGE no início dos anos 40, período anterior a vinda de Pierre Dansereau em 1945, só foi
possível ser percebida através dos depoimentos de Alceu Magnanini e Alfredo Porto Domingues,
que apresentaram uma visão do ponto de vista dos engenheiros agrônomos e dos naturalistas,
pois este grupo inicial era formado majoritariamente por essas profissões (Fernando Segadas
Vianna, Walter Egler, Alceu Magnanini e Alfredo Porto Domingues). Os primeiros geógrafos que se
especializaram em Biogeografia foram Edgar Kullman e Dora Romariz através dos ensinamentos
de Dansereau após 1945 e se ampliaram em 1947, quando foram para o Canadá para
especialização. Neste caso, o depoimento de Kullman foi esclarecedor para o monitoramento da
Biogeografia após as saídas de Segadas Viana, Egler e Alceu do IBGE.

Também através desses depoimentos, é que foi enfocada a liderança de Fernando Segadas
Vianna nesse período inicial dos estudos ambientais no IBGE. Outro fato interessante foi o
processo de transferência de Segadas Vianna para a Universidade do Brasil, em função de um
jogo de apoios financeiros entre IBGE e Universidade (Museu Nacional) e, possivelmente, por de
sua visão de pesquisa e ensino, que se adequava mais ao ambiente da universidade do que numa
área de planejamento do governo. Percebe-se que esta transferência gerou grandes modificações
na estrutura de pesquisa de Biogeografia, em função do fracionamento do grupo pelas seções
regionais, acabando com um núcleo promissor de pesquisas sistemáticas, que só se manteve
unido, com a chegada em 1946 do canadense Dansereau. As posteriores saídas de Alceu em
1952 para o Ministério da Agricultura (Jardim Botânico) e de Egler para o Museu Goeldi em Belém
foram, na visão de Alceu, resultados desse fracionamento.

142
Uma outra questão crucial pode ser percebida, tanto pela documentação, quanto pelos
depoimentos, muito embora na memória coletiva dos geógrafos do IBGE o assunto tomou outro
rumo, ocupando muito mais as lembranças das disputas eleitorais da Associação do Geógrafos
Brasileiros do Rio de Janeiro nas décadas de 50 e 60. No entanto, essas disputas eleitorais da
AGB carioca foram apenas um dos resultados de um antigo embate gerencial e técnico que vem
de meados da década de 40.

Trata-se da disputa de poder entre Jorge Zarur e Fábio de Macedo Soares Guimarães na liderança
dos estudos geográficos das Divisões de Geografia e de Documentação e Divulgação do CNG,
principalmente após aqueda de Getúlio Vargas em 1945, tomando corpo em 1951 com a questão
da tentativa de mudança de locação de funcionários ligados a Fábio da Divisão de Geografia
chefiada por Jorge Zarur (ver anexos Documentos Administrativos – Processo 2958 de
04/05/1951).

No campo dos depoimentos orais dos que viveram os acontecimentos, somente Speridião Faissol,
Pedro Geiger e Miguel Alves de Lima trataram, de maneiras diferenciadas, da espinhosa questão.
Este, sem sombra de dúvidas, foi um assunto que, ao longo dos anos, tornou-se quase mitológico,
pois envolveu áreas de poder gerencial técnico e pessoas que tornaram-se líderes em certos
círculos de afinidade em períodos posteriores à década de 50, como Speridião Faissol e Lisia
Bernardes.

A evolução da carreira de Speridião Faissol, que era cunhado de Jorge Zarur e os acontecimentos
de 1956, quando Faissol, ao voltar do doutoramento em Syracuse, assume a Divisão de Geografia
no lugar de Orlando Valverde, precipitando a solicitação de exoneração de Fábio de Macedo
Soares Guimarães da Secretaria Geral do CNG, após o sucesso do Encontro Internacional de
Geografia da UGI no Rio, é um dos desdobramentos lembrados pelo próprio Faissol...

“Em 1956 eu voltei dos Estados Unidos com doutoramento, fiquei lá meio solto, ai
houve o Congresso da UGI e foi passando. Passado aquele congresso da UGI o
presidente do IBGE naquela época, o prof. Jurandir Pires Ferreira, era engenheiro,
matemático, etc, não estava conseguindo se dar muito bem com o Fábio e muito
menos com o Orlando Valverde que era o chefe da Divisão de Geografia. Ele acabou
me convidando para ser o diretor da Divisão de Geografia, foi uma coisa complicada
porque eu estava muito habituado ainda aquela noção que a gente tinha de que o
Fábio era o pai de todos, aquela coisa, mas ele me disse: "Você não fala isso com o
Fábio, porque naturalmente eu é que quero falar com ele." Eu tive algumas
dificuldades, mas acabei aceitando. Isso acarretou uma reviravolta, porque eu fui
substituir o Orlando e o Fábio largou em seguida. Eu era solidário com o Orlando e
tal, ele me chamou e disse: "Não é nada contra você." A maior parte do pessoal se
demitiu, a Lisa era chefe de seção pediu demissão, o Miro era secretário e assistente
do Fábio, foi uma crise braba.” (Depoimento de Speridião Faissol a RSA)

A posição de Antônio Teixeira Guerra, ao lado de Faissol e sua gerência no mega projeto da
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros entre 1957 e 1964, também foi motivo de recordações
diversas tanto de Gelson Rangel Lima, quanto do próprio Faissol e de Pedro Geiger e Elsa Keller.
Já Orlando faz uma forte crítica ao projeto da Enciclopédia, considerando-a mera compilação de
trabalhos feitos anteriormente. O que não se encaixa com o grande sucesso que a obra teve ao
longo dos anos, principalmente para as firmas de consultoria de engenharia e arquitetura, que
compilam até hoje algumas das características físicas dos municípios para seus projetos.

Uma outra área sensível foi o período do golpe militar de 1964 e seus desdobramentos até 1968,
com a criação do Departamento de Geografia. A figura de Lisia Bernardes como a principal
representante do grupo de Fábio, assume a Divisão de Geografia e imprime modificações
gerenciais de porte, criando novas oportunidades de chefia para os geógrafos que ingressaram no
final dos anos 50. Mas, o que a lembrança reconstruída dos profissionais deixa passar com

143
clareza, é a vinculação de Lisia com a Geografia Urbana de Michel Rochefort nos estudos de
redes urbanas e de regionalização.

Faissol lembra da “gangorra” de postos de poder entre os grupos de Fábio e Zarur ou mais
modernamente Lisia e Faissol que ocorreu entre 1956 e 1968...

“...grupo Zarur x Grupo Fábio. Isso era AGB e era IBGE. Quando eu entrei para ser o
Diretor da Divisão de Geografia foi o negócio, uma derrubada, veio a Revolução,
aquele coisa toda e voltou o grupo do Fábio, passou a Revolução o grupo do Fábio
saiu, voltei eu e ficou naquele negócio. Mas isso já na década de 70 para aticamente
tinha terminado, passada aquelas raivas, aqueles ódios, que eram meio pessoais.
(Depoimento de Speridião Faissol a RSA)

De 1968 em diante acontecem mudanças na estrutura de chefias da área de Geografia do IBGE e


a antiga Divisão de Geografia torna-se Departamento, conhecido como DEGEO. Tanto a
documentação (ver anexos Documentos Administrativos - memo de indicação das chefias do
DEGEO feita por Marília Veloso Galvão), quanto os depoimentos de Marília Veloso Galvão.

Na questão relativa ao divórcio entre os grupos de Geografia Física e Humana ocorrido


principalmente na década de 60, Marília Galvão tem uma percepção que referencia a desigualdade
numérica entre profissionais da Humana e da Física. Para Marília o maior número de geógrafos
humanos sempre garantiu a importância das linhas de pesquisa em agrária, indústria, urbana
sobre as de relevo, clima e vegetação em resposta a esta questão ...

- Como a Senhora viu a questão de um divórcio... eu percebi esse divórcio em l970,


entre a geografia física e geografia humana, mas ao que me parece, as causas foram
anteriores à decada de 70, mas as pessoas usaram a idéia de que foi a quantitativa
que causou, eu não acho que tenha sido uma questão de geografia quantitativa, até
porque os geógrafos físicos usam muito mais quantificação do que a geografia
humana, havia não sei porque, uma situação e que é estranha, da década de 50 e 60
toda... (RSA)

“ Mas isso, a meu ver, nem foi por causa da geografia quantitativa que isso
aconteceu, o quê aconteceu foi o seguinte: nós tínhamos o maior número de bons
geógrafos humanos do que físicos, então você vê, daquele grupo antigo de geógrafo
físico você tinha o Alfredo, da estatura do Alfredo você não tinha outro. Você tinha é
verdade o Kulhman na fitogeografia então eram esses dois e tinha o Carlos Augusto
em climatologia, então eram três, agora na geografia humana você tinha Faissol,
você tinha Geiger, Nilo, Lisia, Catarina, Fany, Ney Strauch, Roberto Lobato... você
tinha n, n, n, geógrafos, na agrária para aticamente você teve o Orlando que foi que
deu orientação, depois era Elza, mas Elza fez menos, ela fez mais com os estudos de
população, então eu acho que foi mais isso, quer dizer, a falta de geógrafos físicos,
era um número pequeno, eu não sei, mas tenho impressão que foi mais isso do que
realmente culpa da quantitativa...” (Depoimento de Marília V. Galvão a RSA).

É possível que somente o diferencial numérico não explique o divórcio entre os profissionais da
Física e da Humana, pois tal dicotomia também é sentida na Universidade, onde as duas áreas
quase não se comunicam com naturalidade, sendo necessário projetos integrados para que uma
certa relação se constitua.

No IBGE, a chegada dos diagnósticos sócio-ambientais integrados do final dos anos 80 e que
ocorrem até hoje, foi o principal emulador de uma integração, que havia sido natural nos anos 40 e
50 e que foi abandonada nas décadas seguintes.

Nessa aventura de coleta e interpretação dos depoimentos dos geógrafos do IBGE, a principal
imagem que se constituiu nos anos 80, foi a rejeição pelos geógrafos do IBGE dos métodos

144
quantitativos como quadro geral e o ocaso de Speridião Faissol enquanto incentivador desse
métodos. Sua aposentadoria do IBGE em 1982 e sua transferência para o ensino universitário na
UERJ tornaram-se pontos de inflexão no quadro da Geografia brasileira. Novas abordagens
estavam tomando forma com a Geografia crítica e a oportunidade de se afastar dos métodos
quantitativos foi encampada com vigor, como Almeida (1994) levanta em seu artigo sobre as
relações da Geografia do IBGE e as diversas noções de desenvolvimento...

“Apesar desse poder de produção a Geografia Quantitativa no IBGE sofria de um


insidioso mal, o pequeno número de pesquisadores com conhecimento de economia,
matemática , estatística e computação necessários ao desenvolvimento da
metodologia. O reconhecimento, por parte da maioria dos geógrafos, que o esforço
de aprendizado seria muito além de suas capacidades, em virtude da formação não
matemática dos currículos de Geografia, levou a muitos uma angústia disfarçada em
mimetismo. Aprovar, concordar, mas nada fazer. Esperar que a moda passe, e não
contestar, aguardar alguma novidade vinda de fora. E ela veio!

O estado da arte no campo das concepções geográficas brasileiras era um dos mais
instáveis, pois misturavam-se nas discussões, questões ideológicas e para
agmáticas, status e conhecimento, esforços de aprendizado e carreirismo.

Foi nesse clima que ocorreu o Congresso Nacional de Geógrafos em Fortaleza 1978.
O conflito entre a Nova Geografia e a Geografia Nova veio ser a novidade esperada
para deixar de lado a matemática e pensar em outra coisa, em qualquer outra coisa!

A dicotomia apogeu e queda está em evidência. O governo do último General do ciclo


militar João Batista de Oliveira Figueiredo inicia-se em 1979 com o Brasil
mergulhando em profunda recessão econômica, resultante tanto do endividamento
efetuado pelos governos anteriores para manter o período do milagre , quanto pela
crise financeira mundial resultante do aumento dos preços do petróleo pelos países
árabes produtores. Inicia-se o período das crises.

O quadro político, apesar de turbulento, mostrou sinais de melhora com a questão da


anistia e a certeza de eleições em 1985 ( diretas ou não ).

Na arena científica o ambiente torna-se pesado, abrindo uma nova fase de


canibalismo já anunciada por William Bunge (1973). Nos congressos não há mais
discussões e sim bate-bocas e ofensas pessoais, gerando um ambiente estranho. A
massa de geógrafos aliviada das responsabilidades de ter que aprender matemática
e estatística, aceitou rapidamente a nova onda sem perceber que, como a Geografia
Quantitativa, a nova Geografia Crítica também possuía seus males insidiosos. O
primeiro deles seria o aprendizado da Economia Política, tarefa tão difícil quanto
Estatística, pois pressupunha um conhecimento da Economia Clássica de Adam
Smith e Ricardo, dos Neoclássicos como , Marshall, de Keynes e dos keynesianos e,
depois sim, mergulhar nas críticas à Economia Capitalista através das obras de Marx,
Engels e Lênin para ter base de entendimento para ler os neomarxistas, isso somente
referenciado à Economia, pois tal postura exigia também incursões nos campos da
Sociologia e Filosofia.

Mas havia uma solução, uma muleta simples, porém eficiente. Diferentemente da
Geografia Quantitativa, o geógrafo médio, na Geografia Crítica contava com um
arsenal de frases feitas, bem feitas, é bom que se diga, por profissionais de alta
qualificação. Foi bastante comum durante essa fase aparecem trabalhos que
apresentavam uma introdução metodológica crivada de citações e de intenções que
não se materializavam nos capítulos posteriores. Aliás, o que se materializava nesses
capítulos? A velha Geografia francesa, vidaliana ou rochefortiana, conforme a

145
ocasião; e não podia ser diferente, em virtude das profundas bases que a Geografia
francesa possui no sistema de ensino de Geografia no Brasil.

Essas mesmas bases deram um pouco de sustentabilidade à Geografia outsider que


continuou a ser feita marginalmente, mesmo durante esses dois períodos que
cobriram quase duas décadas. E aqui cabe destacar o papel da Geografia Física, que
por sua especificidade de campo de conhecimento e pelo uso corriqueiro de análises
estatísticas em seus trabalhos, não sofreu tanto as turbulências dessas fases. Talvez
por isso, na nova etapa que se inicia com a Nova República de 1985 até os dias de
hoje, é a Geografia Física e suas vinculações, quem referencia os principais projetos
que visam diagnosticar as relações entre meio ambiente e processos de ocupação
econômica do território brasileiro”. (Almeida, 1994)

As interpretações de alguns depoentes devem ser entendidas dentro de certos contextos que
envolveram acesso ao poder e, paralelamente também, opções ideológicas ou mesmo antipatia ao
contexto militar que governava o país. Além das questões que se vinculavam com o esforço de
treinamento numa área que era completamente fora das expectativas da maioria dos profissionais
de Geografia da época. O exemplo do depoimento de Marília Galvão que era chefe do DEGEO na
época da chegada dos métodos quantitativos mostra bem essa contradição...

“ Bom, mas aí então nós chegamos finalmente, depois desses Atlas na geografia
quantitativa, veio o Peter Cole e nós metemos a cabeça, corpo e alma dentro da
geografia quantitativa e o pecado foi um pouco nosso... sabe Roberto, porque o Cole
insistia que para podermos desenvolver uma geografia quantitativa, não sei se
Faissol disse isso..., era necessário que se estudasse linguagens de programação de
computação, e nós nos recusamos. Eu Marília Veloso Galvão, sou culpada, mea
culpa, mea culpa, eu me recusei... falou em computador comigo, eu me arrepio toda,
eu detesto máquina...” (Depoimento de Marília Galvão à RSA)

- Mas aí tem que pensar também que a senhora não estava de toda errada, que
naquele período a programação de computação não era algo comum, computação
era algo só de pessoas muito especializadas, e que era uma igrejinha fechada...
(RSA)

“ Mas já existia no IBGE, e a gente podia se socorrer desse grupo, mas eu me


recusei pessoalmente entrar nessa fase de para programação, eu dizia: olha, eu não
quero estudar programação, eu forneço os dados, digo qual é o meu objetivo, eles
que façam e me mandem o resultado, se o resultado eu conseguir interpretar, muito
bem, se eu não conseguir acabou, foi um experiência, então isso foi um erro, se a
gente tivesse estudado para programação, a gente teria entendido melhor e não teria
caído no excesso que se caiu dentro da quantitativa, agora eu acho que apesar de
toda parte ruim... ela deu resultados...” (Depoimento de Marília Galvão à RSA)

Com isso, é possível entender que, se o problema de enfrentar duramente os domínios da


Matemática e da Estatística era quase intransponível para os que gerenciavam os projetos
geográficos do DEGEO na época, imagine para os que estavam nos escalões inferiores e que não
possuíam uma visão mais abrangente do problema que a Geografia brasileira enfrentava naquele
momento.

A noção de que era necessário saber corretamente o real poder daquelas técnicas foi bem
colocada por Olga Buarque de Lima, uma das que mais estudou os métodos quantitativos na
Inglaterra, tendo sido orientada pelo próprio J. P. Cole no seu mestrado em Nothinghan...

“ E não era uma coisa tão complexa assim, não, não era complexa, houve um certo
deslumbramento, quer dizer, primeiro, você percebe que aquilo é um material
poderosíssimo... como tudo na vida... você tem que saber o que está usando... quer

146
dizer, não é só aplicar a técnica e pronto... tem que saber escolher bem as variáveis...
pois essas técnicas possuem um poder de síntese enorme... quer dizer, eu acho
muito rica, rica... se você souber usá-las bem e isto demanda muita força de
vontade... você pode fazer bons trabalhos de geografia quantitativa que é uma
técnica, não é nem metodologia é uma técnica...” (Depoimento de Olga Buarque de
Lima a RSA)

As fases mais recentes da Geografia do IBGE foram interpretadas pela geração que ingressou no
órgão entre 1970 e 1980. Os depoimentos de Maria Luíza Castelo Branco, Cesar Ajara, Miguel
Ângelo Ribeiro, Teresa Cony Aguiar e Luís Cavalcanti Bahiana referenciaram bem a tranasição
entre a fase da quantitativa e o período dos diagnósticos sócio-ambientais integrados que
passaram a ser organizados nos últimos anos da década de 80 e durante toda a década de 90.

O esquema de cooperação técnica entre os franceses do GIP RECLUS / ORSTOM ( Hervé Théry
e Philippe Waniez ) e os geógrafos do DEGEO também garantiram uma absorção de novas
tecnologias de mapeamento informatizado, principalmente no que se referiu aos equipamentos da
Apple, que são os mais utilizados para este tipo de trabalho.

Os depoimentos de Cesar Ajara, como gerente dessa cooperação por parte do IBGE e de Luís C.
Bahiana como técnico que absorveu os conhecimentos sobre o uso de imagens de satélites em
softwares de interpretação de coberturas em mapeamento deram uma boa visão daquele período.
Na visão de Cesar Ajara, essas parcerias foram importantes para ampliar o conhecimento dos
geógrafos e, paralelamente, de gerenciar as dificuldades financeiras do IBGE no período....

“ Com certeza, eu tenho essa consciência que as oportunidades foram dadas e aí


Roberto, quer dizer, esse aperfeiçoamento claro que se passa na vida de cada um, a
nível de resposta, a nível individual, mas o que eu estou querendo dizer é que nesse
processo, costuras e parcerias aqui e ali, quer dizer, isso não foi negligenciado, que
quando eu pensava parceria, por exemplo, a França, podia ter pensado uma
parceria de natureza de cooperação científica, acadêmica, até existiu, mas não foi o
caso ela foi pensada em que sentido: no sentido do aperfeiçoamento técnico, da
inserção de técnicos nossos no novo patamar tecnológico, a medida em que o que
nós estávamos procurando? Superar uma dificuldade interna de custos, o IBGE não
estava podendo bancar treinamento, o IBGE não estava podendo comprar
equipamentos naquele momento...” (Depoimento de Cesar Ajara a RSA)

A perspectiva de Luís C. Bahiana vinculou-se aos aspectos técnicos da parceria ao explanar sobre
os equipamentos da Apple, os dois principais softwares que Phillipe Waniez desenvolveu para o
trabalho com esse convênio e sua chegada ao IBGE...

- A questão da plataforma? ... (RSA)


“ A questão da plataforma foi colocada pelos franceses de forma fechada, quer dizer
o seguinte: aqui na Casa de Geografia nós trabalhamos com a plataforma Apple,
para colocar mais precisamente, na França nossa plataforma aqui é plataforma
Apple, então o produto que for gerado, será gerado na plataforma Apple porque o
Philippe Waniez escreveu um aplicativo chamado Cabral 1500 de mapeamento que
opera nessa plataforma...” (Depoimento de Luís Bahiana a RSA)

- Aí Philippe Waniez já estava vindo para o Rio ?... (RSA)

“ Estava vindo, ia e vinha, ia e vinha... nos intervalos eu , Mônica, Evangelina, Cesar


Ajara e Dora Hees fomos para Montpelier e, finalmente Felipe veio com sua esposa a
cartógrafa Violette Brustlein-Waniez para ficar um ano ou dois e junto com Felipe veio
realmente uma grande quantidade de equipamentos compara ados pelos franceses e
cedidos em comodato ao IBGE. Máquinas que eram o top de linha da Apple... já com
CD-ROM embutido... uma capacidade de processamento até então desconhecida

147
nos PCs... máquinas de 32 bits de processamento... além de um scanner, algo que
na época era muito caro para os PCs.... Acredito que o grande equívoco dos
franceses se deu por conta da falta de experiência no processo de envio do
equipamento para um país que não pertencia a Comunidade Européia... o material
levou quase um ano para se liberado, todos nós batalhamos muito, tivemos muitos
problemas, o escritório do ORSTOM em Brasília pressionando... foi muito
desgastante.... conseguimos libera o equipamento a duras penas... e para complicar
ainda mais... o Professor Simon assumiu a presidência do IBGE...ele sempre viu com
muita reserva essa história de plataforma Apple, eu me lembro de uma reunião com
ele que eu estava presente e ele levantou série objeções a isso, disse que nós
éramos um país do PC o IBGE era baseado em PC e como é que ia ter um produto,
uma plataforma Apple que não conversava com os PCs, e eu me lembro que eu pedi
a palavra e argumentei que essa questão de integração no mundo Apple e PC já não
era uma questão tão difícil como costumava ser no passado...” (Depoimento de Luís
Bahiana a RSA)

No campo dos diagnósticos sócio-ambientais, a contribuição de Teresa Cony Aguiar foi também
importante, pois possibilitou através de seu método de trabalho, que envolve discussões entre
todos os participantes das equipes, um nível de integração muito alto entre os profissionais
envolvidos, tanto na esfera do IBGE, quanto na esfera dos órgão contratantes, com nos exemplos
dos diagnósticos do Entorno do Distrito Federal (municípios de Goiás que fazem limite com o D.F.)
e do litoral de Santa Catarina no contexto do projeto de gerenciamento costeiro brasileiro...

“...a metodologia tinha um instrumento que é chamado lista de condições e aquela


lista de condições me permitia identificar problemas e com aqueles problemas podia
identificar questões que eram só da sociedade ou problemas estavam intimamente
ligados a questão da natureza... e aí fizemos isso, nós fizemos um, levantamento,
nós todos tínhamos experiência de campo, Angélica também tinha, eu também tinha,
nós trouxemos dois elementos na equipe que adoraram, porque foram estimulados...
eles normalmente não estimulados dentro do Departamento, com isso se sentiram
altamente prestigiados, porquê? Porque a prática da metodologia propõe que todo
mundo é capaz de fazer, então eu pude trazer aquilo para a aquela equipe, então
eles se sentiram capazes de fazer uma coisa que normalmente não se sentiriam...
todo mundo é capaz de discutir problemas, pode não ser capaz de discutir teoria,
mas pode ser capaz de discutir um problema... era isso o que eu estava propondo...
discutir problemas. A Angélica Magnano tem uma alta capacidade de síntese... com
isso, juntamos essa capacidade de sintetizar com o produto que nós tínhamos... a
experiência dela nos projetos PMACI, Nossa Natureza...realizados no IBGE
anteriormente foi de grande valia... então, nós juntamos aquele conhecimento, meu e
dela, eu com um pouco de audácia, um pouco de desafio, gostando de trabalhar com
grupo novo.. formando pessoas... e fizemos esses trabalhos em Goiás e Santa
Catarina... e como meu trabalho era um trabalho interdisciplinar... eu já tinha
aprendido a lidar com as pessoas de outra área... que foi o meu primeiro aprendizado
em planejamento participativo no município de Paracambi... eu tinha total tolerância
com as outras pessoas e eu aprendi a ser tolerante com o outro...” (Depoimento de
Teresa Cony Aguiar a RSA)

- Que aliás foi muito necessário na área de Goiânia... (RSA)

“ Exato, e com o trabalho, quando eu cheguei, quando nós fomos integrar que era a
grande questão nos trabalhos de questão experimental eu consegui mediar os
conflitos, porque eu tinha o instrumento que era e a prática de interdisciplinalidade, eu
sabia identificar quando um conflito era para a contribuir para o trabalho, ou quando
o conflito era para desestruturar ... eu trabalhei seis anos.. em que toda a sexta-feira
eu me reunia com uma equipe interdisciplinar...estava tarimbada, conflito não me
amedrontava, eu vivi seis anos brigando por pontos de vista... então com isso... foi

148
possível conseguir naqueles projetos uma integração totalmente diferente... e com
isso contribuir do ponto de vista metodológico para o desenvolvimento dos projetos....
e além disso, entender em que escala os outros técnicos estavam operando...
quando eu fui fazer o zoneamento, do litoral de Santa Catarina nós já sabíamos o
que era isso, e pudemos aprimora-lo”. (Depoimento de Teresa Cony Aguiar a RSA)
Essas foram algumas visões dessa aventura de gravações dos depoimentos de uma pequena
parte dos profissionais de Geografia do IBGE que contribuíram de maneiras diversas para a
continuidade da história do órgão.

149
Parte III

Capítulo II - O Processo de Escolha da Carreira

O primeiro movimento no jogo de escolha profissional geralmente acontece no ambiente do ensino


médio, através de um professor que marcou fortemente o espirito do aluno, quer por sua conduta
profissional, quer por ter tido uma habilidade incomum de transmitir determinados conhecimentos
que passaram a ser os favoritos na visão do aluno.

Em alguns casos, esses profissionais do ensino, ao longo desses mais de sessenta anos, tiveram
um papel importante na determinação dessas escolhas. Alguns foram personalidades importantes
no ambiente acadêmico... outros, ilustres desconhecidos, porém todos participaram, direta ou
indiretamente, do processo de escolha da Geografia como opção profissional.

Uma parte dos geógrafos entrevistados reconheceram que o papel incentivador do professor de
ensino médio ou mesmo de primeiro grau (antigo ginásio) foi fundamental na aceitação da
Geografia como área de interesse futuro na escolha da profissão.

O exemplo mais dramático de nosso universo pesquisado pode, sem qualquer sombra de dúvida,
ser atribuído ao fascínio que o professor Fernando Antônio Raja Gabaghlia criou na mente de
Orlando Valverde no Colégio Pedro II. O exemplo da aula sobre Fronteiras do Brasil e a Obra de
Rio Branco ,que Orlando até hoje se recorda e que se viu mais tarde, quando professor também do
ensino médio..

“plagiando o Raja Gabaghlia, porque eram as palavras, os mapas na cabeça e tudo


mais, eu me lembro por exemplo de citações, por exemplo sobre a colonização
européia, essa coisa toda, ele citava obra, obras em francês, em inglês...”

Tal exemplo de recordação é altamente representativa da importância de um bom mestre para


incentivar vocações.

O papel do professor de Sociologia Nelson Menha na escola normal de Campinas foi também
fundamental na escolha profissional de Elza Keller...

“...eu fiz curso de normal, escola normal, tive um excelente para professor de
sociologia Nelson Menha, que tinha, tem diversos livros publicados, eu gostava muito
de Sociologia e na Geografia eu sempre desde o início meu interesse foi pela
Geografia Humana, então, daí não tendo curso de Ciências Sociais, talvez se
tivesse... eu teria feito em Campinas, e eu fui para a Geografia e História gostava
também de história bastante e por isso fui para a Geografia...vim para Rio estudar na
Faculdade Nacional de Filosofia... na universidade, evidentemente que o melhor
professor... e quem realmente me incentivou para a pesquisa geográfica foi o Francis
Ruellan...” (Depoimento de Elza Keller a RSA)

Na geração intermediária que ingressou no IBGE na década de 1950, os exemplos de Maria


Francisca Teresa Cardoso e José César de Magalhães foram os mais representativos desse
processo de influência ocorrida no segundo grau.

José César de Magalhães sentiu-se influenciado pelos ensinamentos de um professor de


Geografia, expedicionário da FEB, James Braga Vieira...

“...eu entrei para o Educandário Rui Barbosa e lá eu fiz o primeiro grau e segundo
grau na linguagem de hoje,...quem me influenciou foi o professor James Braga Vieira
da Fonseca... dizia ele que tinha chegado da Itália porque ele tinha participado da
Força Expedicionária Brasileira... ele tinha um modo de dar geografia que não era

150
decoreba... era uma geografia interpretativa... também tive um professor Faria... de
História que também era muito bom... embora não fosse tão comparativo como era o
Braga Vieira em Geografia...” (Depoimento de José César Magalhães a RSA)

E Maria Francisca, no Instituto Lafayette onde estudou todo o primeiro e segundo graus foi
influenciada por uma professora do antigo ginásio...

“ Eu tive excelentes professores de geografia e história no Lafayete, mas tive uma


para professora de Geografia no ginásio, não sei o sobrenome dela, só no meu
álbum... tem alguma coisa de Azevedo... lembrei... Maria Isabel Azevedo, era uma
ótima professora, devo ter sofrido um pouco de influência dela... mas eu sempre
gostei mais de Geografia...” (Depoimento de Maria Francisca a RSA)

Da geração que ingressou na década de 70, Miguel Ângelo Campos Ribeiro foi também
influenciado por quatro professoras, duas no ginásio Vanda Regina e Nilsa Bicudo, e mais duas no
segundo grau, Lia Cardoso em Geografia e Ana Barroso em História. Após formado, na década de
70, tornou-se colega de magistério das duas últimas no Liceu Nilo Peçanha em Niterói...

“...Tive, duas professoras, uma que era modelo da Casa Canadá... chamada Vanda
Regina... essa era o máximo para a mim, primeiro por causa do tipo dela... era
realmente elegante... essa dava sempre a Geografia tradicional, e uma outra também
a professora Nilza Bicudo, eram super exigentes essas professoras... mas tudo isso
dentro daquela geografia tradicional, aqueles trabalhos de geografia regional,
descrevendo as macrorregiões, fazendo aqueles trabalhos imensos localizando os
produtos, botava aqueles saquinhos com feijão, arroz, aquela coisa bem tradicional...
mas a Geografia vai me despertar mesmo no curso clássico, quando eu entrei no
segundo grau, que era dividido entre clássico e científico... tive uma professora que
realmente gostei... e foi ai que percebi que eu ia fazer Geografia.... chamava-se Lia
Cardoso... ela arrasava dando geografia, suas aulas realmente eram um verdadeiro
teatro... suas provas eram muito inteligentes, eram discursivas... em História também
tive outra ótima professora, pesquisadora da Casa Rui Barbosa, que é a Ana Barroso
então essas duas cadeiras eram assim brilhantes... por causa delas me decidi... Vou
fazer geografia e em 68 fiz o vestibular para UFF...” (Depoimento de Miguel Ângelo a
RSA)

Professores considerados como indutores de carreira sempre estiveram nas lembranças de seus
ex-alunos como foi o caso de Raja Gabaghlia nos anos 30, Manuel Maurício nos anos 50 e 60,
Luís Antônio Ribeiro nos anos 70 e 80 e Clóvis Dottori entre os anos 60 e hoje, pois continua
induzindo alguns alunos para a carreira.

Mas, se durante o segundo grau podemos caracterizar como incentivo a uma futura carreira ainda
não muito entendida pelo aluno, na universidade o apoio e estímulo de um professor, torna-se um
fator crucial no desenvolvimento profissional de certos alunos. O exemplo mais perfeito desse tipo
de professor na Geografia do Rio de Janeiro foi Francis Ruellan, com os seus 15 anos de
dedicação total à formação de legiões de geógrafos, entre 1940 até meados dos anos 60.

É claro que a figura de Pierre Deffontaines também deve ser lembrada, pois foi o fundador dos
cursos superiores de Geografia, tanto em São Paulo, quanto no Rio, da principal revista a RBG, e
da principal associação profissional a AGB, além de ter sido o primeiro professor do primeiro grupo
de profissionais que iniciou a pesquisa geográfica no IBGE no final dos anos 30, porém se
levarmos em consideração a “ escala de produção” Ruellan pode ser considerado o único “chefe
de escola” da Geografia do Rio de Janeiro, pois além da formação no nível da graduação, sua
influência foi também muito forte nos programas de especialização e de pós graduação dos
brasileiros em universidades francesas.

151
Em seu depoimento para a Memória Institucional do IBGE, Orlando Valverde que, juntamente com
Cristóvão Leite de Castro, são os únicos sobreviventes do período de Pierre Deffontaines contou
como era o ambiente universitário no final dos anos 30...

A minha turma de geografia na velha universidade do Distrito Federal era muito


pequena, nós começamos e éramos menos de dez: eu me lembro, eu, o fundador do
CNG o já engenheiro Cristóvão Leite de Castro, o Jorge Zarur que era estudante de
Direito, havia um outro rapaz também chamado Jorge, mas eu não me lembro o
sobrenome dele, cuja formação eu não me lembro, quatro professoras primárias,
havia um rapaz que também era professor primário: Armando Sampaio de Souza,
mas em pouco tempo houve uma lavagem naquilo e ficaram seis: Cristóvão Leite de
Castro, eu e Jorge Zarur, e os três professores, Armando Sampaio de Souza, Dilsa
Mota e Marlene de Souza.
Essa Universidade era uma coisa de novo estilo no Brasil, de estilo americano, foi por
inspiração do Anísio Teixeira, era moderna. Nós tivemos professores franceses que
davam aula em francês, graças ao francês do Pedro II eu me dei muito bem. Eu era
capaz de acompanhar as aulas, falar e escrever, o curso de francês como o de
português do Pedro II era muito bom, então eu acompanhei e lá havia quatro
professores muito bons, por exemplo, o Pierre Deffontaines foi meu professor de
Geografia Humana por três anos...
A minha primeira influência científica foi de Deffontaines porque mais que um
professor... ele era um estimulador da curiosidade e da pesquisa; ele levantava
problemas... o currículo do curso dele era tipicamente da escola de Vidal de la
Blanche, era a chamada Escola Possibilista... era como o homem se comportava
diante da natureza, então era, por exemplo, o homem e a montanha, o homem e o
frio, o homem e as ilhas, o homem e a floresta... (Depoimento de Orlando Valverde ao
grupo de Memória Institucional do IBGE)

Miguel Alves de Lima, um dos fundadores do IBGE, que exercendo a função de desenhista na
Seção de Estatística Territorial do Ministério da Agricultura, foi transferido para o novo órgão.
Somente se reconheceu como um futuro geógrafo quando teve aulas nos cursos de treinamento
de pessoal que Ruellan ministrava para os técnicos do IBGE, juntamente com seus alunos da
Universidade do Brasil, durante os anos 40, tornando-se assim um especialista em Geomorfologia
e indo se especializar na França antes de possuir um diploma formal de bacharelado...

“ O meu contato com o Ruellan... eu ainda era desenhista e ele precisava de um


rapaz que entendesse alguma coisa de francês... pudesse ler e falar em francês,
conhecesse um pouco de Matemática de Geometria Descritiva porque o Ruellan ia
fazer para o Batismo Cultural de Goiânia, um trabalho que era um diagrama em
perspectiva... a partir de um mapa. Ele pegou um mapa de 1:50.000 da área e esse
mapa vinha ia ser cortado quilometro por quilometro em linhas paralelas... ia ser
posto em perspectiva... ele poderia mostrar o relevo e a geologia ao mesmo tempo...
como era um mapa de 1:50.000, os pontos de fuga dessa perspectiva seriam muito
afastados, então as perspectivas tinham que ser calculadas... não podia ser
desenhada simplesmente... daí ele precisava de alguém que entendesse alguma
coisa de cálculo e entendesse francês, porque ele não falava português... passou o
tempo todo, quinze anos no Brasil sem falar português correntemente, foi aí que
Ruellan me capitulou para o trabalho de geografia... aprendi tudo com ele durante
anos...
Quando nós fomos mandados então para a França em 1947, tiramos o pessoal dos
Estados Unidos... e voltamos então a ter a visão da Europa... como nos tempos de
Deffontaines... a visão global da geografia da Europa... dos chefes de escola
geográfica da França...... quando eu fui para a Paris o Ruellan me recomendou a
André Cholley que me tratou excepcionalmente bem e eu o considerei o melhor
professor que tive...” (Depoimento de Miguel Alves de Lima a RSA)

152
Elza Keller também foi uma testemunha dessa fase da retomada francesa na Geografia do IBGE
em 1947...

“...eu fui para a França com bolsa dada pelo governo francês, por indicação do
professor Ruellan...nessa época fomos cinco Miguel, Geiger, Míriam, Heldio e eu,
fomos cinco... mas Miguel, que posteriormente fez curso de geografia, já era chefe
da Seção de Estudos e determinou os lugares, as faculdades para a qual nós
deveríamos ir... não foi decisão nossa absolutamente..., mas estava dentro das
possibilidades de cada um... Miguel era o Chefe da Seção de Estudos e tinha
inclusive uma posição de chefia já mais alta dentro do IBGE e ele fazia, já trabalhava
junto com Ruellan em excursões de renome na Geomorfologia e topografia junto com
Heldio também... o Miguel já vinha do Ministério da Agricultura, aquela seção da qual
se originou - você já sabe - o IBGE, então ele já era quase colega do Dr. Fábio, de
Christóvão, etc.
O Geiger tinha na época um interesse maior por Geomorfologia e foi para Grenoble
lá para os Alpes, Heldio foi para a Strasburg, Míriam para Lion e eu para Montpellier...
o meu caso foi muito particular, porque sou evangélica protestante e Montpellier,
aquela região do Languedoc tem muito protestante, Rulaan achou que eu ia me dar
bem, ele tinha essas coisas assim... uma impressionante sensibilidade e então me
escolheu Montpellier... na realidade em termos de especialização... na época da
Faculdade, eu ainda não tinha nada escolhido, sabia que eu gostava de Geografia
Humana , mas Montpellier não tinha nada de especial e eu talvez tivesse mais
aproveitamento em outra...”

- O seu orientador lá, quem era?

“ O meu orientador e professor principal do Departamento de Geografia de


Montpellier era um professor de geografia física, Professor Paul Marres, um
especialista em relevo cárstico e de fito-geografia, era um apaixonado por geografia,
fez muita excursão... o francês faz muito trabalho de campo, treinam muito os
estudantes para trabalho de campo, praticamente todo fim de semana, apesar das
dificuldades enormes de pós guerra... uma loucura verdadeira...e ele firme... eu
ficava junto dele e aprendendo nome de todas aquelas plantas da flora
Mediterrânea.... e os nomes científicos também, pegando amostras, prensando e
levando para classificar... aprendi todos os dados respeito de fito-geografia inclusive
as características ecológicas... e tudo isso que era realmente uma coisa que ele se
interessava muito...em termos de geografia geral, o tipo de geografia regional que se
aprende lá... para a nós foi extraordinário... na realidade... para a mim pessoalmente,
não sei se para o Geiger, Heldio e Míriam... mas acho que eles tiveram essa mesma
visão... na França foi onde aprendi Geografia... claro que já tinha muita coisa de
Ruellan estudada aqui, mas a experiência francesa teve uma importância enorme...
realmente deu um desembaraço grande de leitura de cartas... que é fundamental e
mais a introdução a cartografia, a prática de cartografia aplicada a geografia... foi a
minha efetiva formação de geografia...” (Depoimento de Elza Keller a RSA)

O terceiro grande incentivador universitário francês foi Michel Rochefort, nos anos 60 no contexto
do IBGE, e nas universidades brasileiras nos anos 70 e 80. O poder de influência de Rochefort
pode ser entendido pela grande quantidade de pesquisadores brasileiros que foram para a França
se pós-graduar durante os últimos 30 anos, sob sua orientação direta ou com sua indicação para
estudar nos vários laboratórios franceses em que ele tem voz ativa. Suas relações com o casal
Nilo e Lisia Bernardes na Segunda metade da década de 60 criaram condições para que o estudo
de redes urbanas se desenvolvesse no IBGE.

153
Um autêntico representante dessa fase no IBGE foi Roberto Lobato Corrêa que, estudou em
Strasburg por indicação de Rochefort e, posteriormente, também vai representar a fase seguinte
da Geografia americana estudando redes urbanas em Chicago com Brian Berry...

“ Olha eu devo meu crescimento profissional no IBGE a duas pessoas


fundamentalmente, primeiro Nilo Bernardes e depois a Lízia Bernardes, sobretudo a
ela. Com Nilo Bernardes eu comecei a trabalhar em Agrária e cheguei a fazer
trabalhos de campo, dois trabalhos de campo no sertão e agreste de Alagoas e
Sergipe e uma parte da Bahia em 62 e em 64 na região de Amargosa no agreste
Bahiano, aí comecei a trabalhar com Geografia Agrária, isso foi no período de 59 a
62. De certa forma, esse foi o período de meu interesse pela Geografia Agrária. Ainda
que eu fosse a campo em 1964 com Nilo Bernardes, meu foco de interesse já havia
mudado desde 1961, quando eu fui trabalhar com Lízia Bernardes e embora
trabalhando ainda em Geografia Agrária do Nordeste, paralelamente, eu já
acompanhava de perto e namorando, o que a Lízia fazia sob orientação do Michel
Rochefort, para definir a região de influência do Rio de Janeiro e depois as primeiras
áreas de influência do Nordeste para o Banco do Nordeste do Brasil, foi a partir daí
que começou meu interesse pela Geografia Urbana e isso eu devo a Lízia
Bernardes sem a menor dúvida...”
“A primeira unidade formalmente designada de Geografia Urbana no atual DEGEO foi
criada em 1968, o antigo Setor de Estudos de Geografia Econômica da Divisão de
Estudos Sistemáticos foi transformado em Setor de Estudos de Geografia Urbana, no
qual eu fui chefe de 1968 até 1973, quando fui para os Estados Unidos para o
mestrado em Chicago, substituído por Olga, Buarque, pois bem, nesse período (68-
69) então, é que nós fazíamos uma parte do trabalho que deu origem ao primeiro livro
Região Funcionais Urbanas. Trabalharam também nessa época os estagiários
François Bremeker, João Rua, Jacob Binstock, Carlos Alberto Serra e Luiz Antônio
Ribeiro que chegou depois. A minha relação com a Geografia Urbana se deu via
duas coisas... os estudos de Áreas de Influências das Cidades, que foi
eminentemente influência de Michel Rochefort e Lízia e depois através de uma
estadia minha na França, em Strasburg onde iniciei os estudos sobre as relações
cidade - campo e aí a influência foi de Raymond Dugrand através da leitura
sistemática de sua tese Villes et Champgnes en Bas Languedoc e que deu origem ao
trabalho de Pato Branco Cidade e Região no Sudoeste Paranaense. (Depoimento de
Roberto Lobato a RSA)

No que concerne ao período da influência da Geografia americana, Roberto Lobato Corrêa em


depoimento a revista Geosul explica com detalhes essa fase de sua vida profissional...

“...Envolvi-me com a “nova” Geografia. A idéia de elaboração de leis, de normas


sobre o comportamento da sociedade no espaço fascinou-me. Fiz algumas traduções
dos principais artigos publicados nos Annals of the Association of American
Geographers, no Economic Geography e no Professional Geographer. Em 1972, na
assembléia da AGB em Presidente Prudente apresentei um trabalho sobre um
método estatístico de definição da hierarquia urbana que foi alvo de enorme
discussão.
De certo modo como prêmio pelo meu interesse pela “nova” Geografia fui em 1973
fazer o mestrado na Universidade de Chicago sob orientação do professor Brian
Berry. E lá debrucei-me em cima de artigos e livros. Minha tese de mestrado, que
versava sobre as relações entre a rede de localidades centrais e densidade e renda
da população, tinha mais de uma dezena de análises de regressão.
Meu envolvimento com a “nova” Geografia estendeu-se de 1969-70 a 1975-76.
Publiquei alguns artigos no âmbito da “nova” Geografia: estão na Revista Brasileira
de Geografia e datam do período que foi a época de seu apogeu.” (Geosul 12-13,
1991-1992, p.29)

154
Nessa mesma época Olga Buarque de Lima também passou por experiências semelhantes,
trabalhando com Geografia da população no período de Rochefort e posteriormente sendo
orientada por J.P. Cole na Inglaterra em Geografia urbana. Em seu depoimento, Olga levanta um
ponto importante no processo de aprendizado e de “transferência” de conhecimentos que ocorreu
com os geógrafos da Velha Guarda para as gerações mais novas. Olga fala de profissionais como
pontos de referência nesse processo de transmissão do conhecimento...

“ Agora... o que eu acho importante em cada uma dessas passagens é você ver o
papel desses professores... eu não peguei Ruellan essa coisa toda eu não sei... mas
aqueles que eu assisti, Rochefort, o Cole, o Brian Berry... se bem que o Brian Berry
fez ponte direta com Faissol... Faissol é que repassava, pois ele não chegou a ficar
muito tempo no Brasil... o Cole ficou e orientou mais... mas de certa maneira, quer
dizer, o Rochefort fez uma passagem mais ampla... porque ele efetivamente ele deu
aulas para a um grupo de pessoas, quer dizer, aquilo... você tinha cursos específicos,
você tinha um acesso maior das pessoas aquele dado conhecimento... mas muito
importante também foram as pessoas escolhidas para repassar esses
conhecimentos, como repassadores que foram de um lado na geografia urbana a
Lisia e o Geiger na indústria, que repassaram para outros profissionais... e aí você vê
cada uma pessoa, cada um tem um escolhido do seu jeito, quer dizer, Fany com
Geiger, Roberto com a Lisia...” o próprio Faissol foi um grande repassador de
conhecimentos para um grupo...” (Depoimento de Olga Buarque de Lima a RSA)

Esses foram alguns exemplos que podem ser usados como referência no processo de escolha de
carreira nas fases iniciais do desenvolvimento da profissão. O próximo capítulo enfoca o efetivo
ambiente de trabalho na Geografia do IBGE.

155
Parte III

Capítulo III - Na Arena de Trabalho

Ultrapassados os “ritos de passagem” característicos da entrada na profissão, o aprendiz de


pesquisa se via num ambiente ainda não muito familiar, onde os acertos em seus primeiros
esforços dependiam, algumas vezes de certas “vantagens comparativas” trazidas de fora ou da
boa vontade e entusiasmo de seu “guru” na casa, fosse ele um professor estrangeiro, como nas
fases iniciais do órgão, ou um geógrafo de liderança forjado no grupo da Velha Guarda.

O comentário de Olga Buarque no final do capítulo anterior usando a expressão “repassador”


representa em grande parte o aspecto positivo desse ambiente. A questão central estava em
perceber quem, efetivamente era “repassador” em sua área de interesse.

Esse processo não era tão simples e direto, como possa parecer quando colocado assim em
termos teóricos. Uma grande pletora de pequenas e grandes questões conjunturais podiam
inviabilizar por um longo tempo a descoberta de um “repassador” ideal.

Problemas como grandes projetos de prazo curto, onde a qualidade final não podia ser
negligenciada, não era o ambiente ideal para formação de um aprendiz e muitos passaram por
essas traumáticas experiências, onde o erro, tão comum nas fases iniciais de um profissional,
podia nessas situações extremas abalar reputações em ascensão.

A audácia e o desassombro também eram bem vindos, principalmente nos períodos de


implantação do órgão. O exemplo do jovem de 19 anos, Pedro Geiger indo para as fronteiras da
Bahia com Goiás em 1943, juntamente com Alfredo Porto Domingues, na excursão da região do
Jalapão, comandada pelo cartógrafo Gilvandro Simas Pereira, mostra bem o que se quer dizer
com as palavras audácia e desassombro.

A importância do conhecimento de uma ou duas línguas estrangeiras era um outro fator decisivo
no processo de triagem natural que ocorria com os recém chegados. Os exemplos de Jorge Zarur
e Speridião Faissol dominando o inglês e por isso sendo, no caso do primeiro, escolhido para
trabalhar se pós-graduar nos Estados Unidos (mestrado em Winsconsin) e no segundo, para
trabalhar com Leo Waibel em 1945 e com Preston James em 1952, do qual resultou seu
doutoramento de 1956 em Syracuse. O alemão materno de Walter Alberto Egler garantiu uma
posição de influência no grupo seleto de Leo Waibel que só falava alemão e inglês.

Algumas línguas menos faladas também podiam garantir uma referência especial ao seu geógrafo
usuário. O exemplo da geógrafa nissei Mitiko Une, com o seu conhecimento da língua japonesa
garantiu-lhe o mestrado em climatologia na universidade de Tókio e quando de sua volta ao Brasil
era constantemente chamada para explicar as pesquisas do IBGE aos professores japoneses que
visitavam o órgão. A fluência em italiano da geógrafa Onorina Fátima Ferrari, adquirida nos anos
80, acabou não sendo muito utilizada no contexto do IBGE em virtude de sua precoce
aposentadoria em 1991.

É necessário entender que a língua franca da Geografia, no período compreendido entre 1935 e
1965 era o francês, e quem o dominava, em termos de escrita e fala era candidato natural aos
cursos de especialização que o IBGE, em convênios com o governo francês, garantia como
política de aperfeiçoamento de seu pessoal.

Nos anos 70, período da chamada Geografia quantitativa, a dobradinha inglês/estatística era
considerada fundamental para o sucesso absoluto do aprendiz.

A tênue fronteira entre a subserviência, necessária nas fases iniciais, e a autonomia a ser
conquistada a posteriori, foi sempre medida por um instrumento crucial o conhecimento técnico.
Certas habilidades também garantiam pontos preciosos para o iniciante. Os exemplos de Miguel

156
Alves de Lima e de Solange Tietzmann que evoluíram de desenhistas cartográficos para a carreira
de geógrafo e que, coincidentemente, tiveram ótimas ascensões para postos de direção, são
pontos de referência para um entendimento de que, suas habilidades no desenho e a
perseverança em continuar os estudos foram recompensadas ao longo de suas trajetórias
profissionais.

As tarefas enfadonhas do início da carreira deveriam ser filtradas pelo olhar de longo prazo
usando-se a máxima popular de que “nada é tão ruim que dure eternamente” e temperadas com
um entusiasmo contido, sem maiores vassalagens, para não dar a impressão de que estava muito
satisfeito, mas que entendia a necessidade do trabalho.
Neste campo, as maiores reclamações sempre vieram de profissionais que perceberam que seus
superiores hierárquicos, algumas vezes não sabiam o que pediam, gerando em muitos casos, uma
profusão de tabelas e mapas sem objetivos muito precisos, que muitas vezes eram descartados
logo depois.

Olga Buarque nos fala de uma geração massacrada que a antecedeu em seu ingresso na casa,
quando avaliava a atuação gerencial de Lisia Bernardes chefiando a última fase da Divisão de
Geografia antes de tornar-se Departamento em 1968...

“ Ela era entusiasmadíssima, aquilo passava... trabalhar com ela foi uma das
grandes coisas que me aconteceu... era um prazer trabalhar com Lisia, ela dizia eu
quero isso... ela não te amolava absolutamente, era apenas eu quero isso, o que
você tivesse de dúvidas você ia lá e perguntava... ela dava aquelas orientações todas
diretíssimas, extremamente objetivas, quer dizer., criou entusiasmo... até essa fofoca
de ter trocado os velhos pelos novos... de ter posto aquele pessoal mais moço nas
chefias de serviços da Divisão de Estudos Sistemáticos, foi importantíssimo...”

“ Foi o Roberto Lobato em geografia urbana, Edmon Nimer no clima, Olindina


Mesquita na agricultura, eu fiquei na área de população, quer dizer, então formou
técnica e gerencialmente... preparou o pessoal dessa geração que ingressou no final
dos anos 50... porque se você ver bem... a geração anterior... a nossa também foi um
pouco, mas a outra geração foi completamente massacrada, que dizer, a geração
que ingressou no início dos anos 50... quem é que ficou ali um pouco mais de
destaque, Aluísio Capdeville e a Hilda da Silva que morreu em Chicago, Maria
Francisca e mais a Rute Magnanini...mas a Rute Magnanini talvez fosse um pouco
entre as duas... não sei... mas de certa maneira a Rute Magnanini, Maria Francisca
que foram ótimas técnicas, mas você repara que elas nunca tiveram a força que elas
poderiam ter tido... ter um papel de destaque maior na área de pesquisa...”
(Depoimento de Olga Buarque a RSA)

A constatação de Olga possivelmente teve sua razão de ser, pois foi nos anos 50 que houve uma
maior demanda do IBGE por geógrafos, que pelo maior número envolvido, não tiveram as mesmas
chances dos anteriores, daí ser possível perceber uma nítida fronteira entre os poucos que se
destacaram e a maioria que era “normal”. Só que quase não existiram “normais” na Velha Guarda,
eram poucos, foram muito bem treinados e assumiram todos os cargos técnicos que foram sendo
criados ao longo da estrutura. Este sentimento de separação entre a minoria dos considerados
mais capazes e inclinados à liderança técnica e a maioria dos “normais”, somente pode ser
percebido ao final da década de 50 em diante, quando o contingente de pesquisadores aumentou.

Os exemplos de Deffontaines formando um grupo mínimo de fundadores, de Ruellan formando


efetivamente a geração da Velha Guarda em termos de grandes números, considerado o universo
em questão, somados ao papel representado por especialistas como Dansereau na Biogeografia,
Waibel na agrária, Preston James na colonização e Tricart na Geomorfologia, referenciaram-se a
estruturação de uma elite de profissionais que foi considerada quase como uma unidade, apesar
das lutas pelo poder e das preferências político partidárias que passaram a acontecer
principalmente após 1945.

157
O novo quadro funcional da Geografia do IBGE, a partir dos anos 50, não mais podia considerar
esse novo contingente de profissionais como homogêneo, gerando assim algumas dicotomias que
se acentuaram ao longo dos anos, acompanhando em paralelo, a progressiva decadência do
ensino universitário em formar pesquisadores, a não ser em poucos centros de excelência.

No entanto, ainda havia um processo paralelo de formação de pesquisadores que utilizava a


avaliação inter-pares, e que também garantia o acesso de qualquer geógrafo aos trabalhos e
metodologias utilizados pelos considerados líderes de suas especialidades. Esse processo era
representado por uma instituição chamada Associação dos Geógrafos Brasileiros e era por ela
que os geógrafos das novas gerações do IBGE podiam testar seus conhecimentos teóricos e suas
aptidões práticas através de variados modelos de aprendizado.

Uma reunião da AGB impunha aos organizadores uma logística muito sofisticada, pois envolvia,
além dos espaços tradicionais onde se realizavam as apresentações e os cursos especializados, a
preparação de uma pesquisa de campo em alguma área do conhecimento geográfico físico ou
humano, com todas as etapas possíveis que uma pesquisa requeria, portanto equipamentos e
pessoal treinado para auxiliar o pesquisador que coordenaria a pesquisa (geralmente um líder
inconteste em sua área, podendo ser dos quadros do IBGE ou de alguma universidade
considerada de primeiro nível) eram variáveis cruciais nessa logística.

Após os trabalhos de pesquisa de campo as equipes reuniam-se em espaços previamente


preparados para tabular os resultados, desenhar os gráficos e mapas, escrever os relatórios e
treinar as apresentações orais, sob a supervisão dos chefes de equipes, que por sua vez eram
supervisionados pelo coordenador geral da pesquisa. Esse tipo de treinamento garantia a todos
uma oportunidade de aprendizado de pesquisa, mesmo a aqueles considerados “normais”, que
podiam assim, equalizar seus conhecimentos com os mais capazes e aprender com eles.

Para os mais avançados, era dado oportunidade de serem avaliados por seus pares apresentando
trabalhos previamente aprovados por uma comissão de programa e que eram discutidos num
fórum semelhante às Tertúlias geográficas que ocorriam no âmbito do IBGE na década de 40.
Após a apresentação do pesquisador era dada a palavra aos sócios titulares que faziam a
avaliação e discutiam entre si e com o apresentador todos os aspectos técnicos do trabalho.

Obviamente, o neófito teria de mostrar sua determinação e perseverança no trato dos assuntos
técnicos exigidos ou a sua genialidade, se fosse o caso. Na maioria das vezes, o processo de
aceitação de um profissional por seus pares nas reuniões da AGB durava algumas assembléias, e
mesmo antes, o principiante tinha de participar na condição de ouvinte e ser treinado nas equipes
dos trabalhos de campo das assembléias, até que pudesse ser aceito como produtor de trabalhos
a serem apresentados nos fóruns de debate.

Roberto Lobato Corrêa exemplificou a sua trajetória como agebeano inicialmente vinculando-a à
sua “aceitação” preliminar na AGB carioca por um importante membro de sua diretoria e por
conseqüência sua entrada no Departamento de Geografia do IBGE como estagiário...

“ O mecanismo de ingresso foi o seguinte: em l958, 59, 60 a geografia no Rio de


Janeiro era muito limitada, a minha turma de 58 nós éramos sete alunos, a turma
seguinte, da sua orientadora Lia Osório, eram quatro alunos só, o número de
geógrafos estagiários do IBGE era mínimo, eu consegui através do Antônio Teixeira
Guerra me fazer conhecer, eu entrei para AGB em 58...”

- E apresentou trabalho...

“ Apresentei trabalho coisa nenhuma, eu ia a todas as e todas as conferências que a


AGB no Rio de Janeiro organizava aqui no Rio e acabei sendo conhecido e quando

158
solicitei para ser estagiário no IBGE, havia possibilidade. Você chegava com a
secretária da Divisão de Geografia e dizia: meu nome é fulano de tal, eu quero ser
estagiário porque estudo Geografia, estou começando o segundo ano... ela anotava e
dizia: olha quando tiver uma vaga a gente chama. Tá bem, um belo dia ligaram para
minha casa, olha tem uma vaga, está chamando você ir para lá...” (Depoimento de
Roberto L. Corrêa a RSA)

Portanto, o papel da AGB na democratização do conhecimento geográfico no IBGE sempre foi


fundamental para que não se ampliasse uma estrutura de “castas” entre os profissionais mais
jovens.

A importância da AGB é, de fato, motivo de recordações de muitos geógrafos. Orlando Valverde


escreveu sobre os primórdios da AGB carioca na publicação Terra Livre (Valverde, 1992) e fez
comentários sobre os modelos de atividade da agremiação no número especial de entrevistas da
Geosul...

“...Em 1962, a Assembléia de Penedo, que foi talvez a mais proveitosa, no tempo em
que Manuel Correia de Andrade era o presidente, eu fiz excursão ao baixo São
Francisco, encarregado de estudar a parte agrária; Aziz Ab’ Saber fez a parte da
Geomorfologia, e Caio Prado Jr. a parte econômica. O relator foi nada menos que o
Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, que fez um primor de exposição, com a
presença do Bispo de Penedo...” (Geosul 12-13, 1991-1992, p.240)

Speridião Faissol, embora não tendo muitas ligações com a associação, também reconheceu sua
importância e comentou sobre os períodos iniciais da AGB...

“...Na realidade eu sempre que faço excursão com os meus alunos, e vamos pelo
Vale do Paraíba, eu faço questão de passar em Lorena, Lorena foi onde foi criada a
AGB nacional, em 1945, não sei quando, eu era muito jovem, porque tinha a
geografia de São Paulo e a geografia do Rio de Janeiro, inimigos mortais, então não
tinha muita relação um com outro. O grupo do Rio e de São Paulo "Que loucura, o
que nós estamos fazendo? Estamos atrapalhando uns aos outros." Então resolveram
fundar a AGB nacional com, senão me engano, 10 sócios efetivos de São Paulo e 10
sócios efetivos do Rio de Janeiro, nós outros éramos chamados sócios
cooperadores, mas nem por isso deixamos de ter feito parte da Ata de Fundação da
Associação dos Geógrafos Brasileiros, acho que isso é importante, porque ela ia ter a
partir daquele momento um papel importante, quer dizer, os jovens geógrafos
também faziam parte da AGB e participavam. Você sente que nesse período a idéia
da AGB como pesquisa foi demais, a gente fez trabalho no Vale do Paraíba, fez
trabalho por todo o lado, havia muito trabalho de campo feito pela AGB mesmo,
levando alunos. Lembro-me que o José Veríssimo tinha uma turmas enormes, ele
levava todo mundo pelo Vale do Paraíba mostrando as coisas, etc, havia muito
trabalho de campo feito pela AGB. Na realidade acho que a AGB fez mais trabalho de
campo do que a universidade naquele momento. Depois ela foi refluindo para um
patamar mais ideológico e a universidade foi entrando para produzir mais, hoje a
universidade é muito mais importante que o IBGE em produzir geografia, isso a gente
tem que reconhecer com toda a relação afetuosa e afetiva que a gente tem com o
IBGE tem que reconhecer que hoje o campo de pesquisa da Geografia é na
universidade...” (Depoimento de Speridião Faissol a RSA)

Mas foi Roberto Lobato Corrêa que avaliou bem, quem efetivamente foi agebeano militante ou
apenas visitadores esporádicos das assembléias, além de mostrar sua lealdade à associação e
lamentar sua destruição no Rio de Janeiro no final dos anos 80...

- Relacionamento da geografia do IBGE e da AGB, um pouco dessa história (RSA.)

159
“...Olha a geografia, a geografia do Rio de Janeiro era fundamentalmente a geografia
do IBGE, primeiro que era o maior corpo de geógrafos existente... Hilgard Sternberg,
Berta Becker e Maria do Carmo nos anos 50 e 60 não eram agebeanos... a Maria do
Carmo nunca foi agebeana, o Hilgard muito menos e a Geografia do Rio de Janeiro
que era geografia ligada à AGB era do IBGE... eu ouvia a Lísia Bernardes falar dos
anos 50... da briga entre Rio e São Paulo que era briga entre discípulos de Haroldo
de Azevedo, Araújo, Penteado por exemplo professores da USP e geógrafos do
IBGE, Nilo, Lígia, Geiger, Orlando menos, mas também participava, Faissol nunca foi
agebeano, mas Nilo, Lígia, Elza, Alfredo esses participavam. Bom a partir dos anos
60, quando eu fui a primeira vez a AGB em 62, de 62 a 96 eu só faltei a três
AGBs...”(RLC)

-Uma você estava em Chicago...(RSA)

“ Uma em Chicago em 74, 92 eu não podia, Prudente, em 68 eu estava em Pato


Branco em pesquisa de campo, todas as outras eu fui e participei intensamente e
também não apenas eu todos os nossos colegas participavam eu acho que as
relações foram boas IBGE e AGB eram, IBGE era AGB Rio carioca, isso foi mudando
progressivamente a partir do começo dos anos 80 quando infelizmente no meu
entender na nova estrutura do DEGEO a AGB foi progressivamente ficando sem
lugar..., e o Departamento de Geografia da UFRJ nunca quis assumir a AGB...”(RLC)

- Ela ficou um período solta..(RSA)

“ ...ela ficou solta e foi apropriada por determinados grupos de esquerda é verdade,
mas não quer dizer que necessariamente, mas grupos que tiveram a intenção de
destruir a AGB Rio de Janeiro, e literalmente, de fato e de direito destruíram-na...”
(Depoimento de Roberto Lobato Corrêa a RSA)

Essas palavras de lamento tem sua razão de ser, vindas de um agebeano do final dos anos 50,
assim como o geógrafo José César de Magalhães que ingressou no IBGE em 1953 como
estagiário convidado por Jorge Zarur, também explicou sua entrada e a intensa participação na
associação entre os anos 50 e os 80...

“...em 54 me ofereceram uma proposta para a eu ser sócio cooperador da regional do


Rio de Janeiro e ai começou a minha vida na AGB... porque aí eu fui tesoureiro
alguns anos, depois fui duas vezes chefe da seção regional do Rio de Janeiro e ai
comecei a freqüentar as Assembléias que eram naquele tempo de quinze dias...
A AGB do Rio era muito ligada ao IBGE, enquanto que a de São Paulo era muito
ligada a USP, por isso ela sobrevivia. No Rio, quando acabou a influência dos
geógrafos do IBGE na AGB, a AGB do Rio acabou, até que quando eu soube a última
vez tinha um sócio pagante... e, modéstia a parte, eu sustentei essa AGB do Rio de
Janeiro desde 62 quando eu fui eleito Diretor da Regional até 78 quando, quando eu
fui eleito Presidente Nacional da Associação dos Geógrafos Brasileiros e realizei, por
uma questão sentimental, o Congresso de Fortaleza, meu pai era cearense então eu
disse... bom, vou conhecer a terra do meu pai, Baturité e aí em Belo Horizonte, na
assembléia da AGB de Belo Horizonte eu sucedi o Davi Márcio e fiquei de 76 a 78...
praticamente no IBGE... eu passei grande parte da minha vida cuidando, trabalhando,
pensando, comendo, almoçando, jantando e dormindo AGB. O Congresso de
Fortaleza que, modéstia à parte, acho que foi... se não foi em termos científicos, pelo
menos a parte administrativa nunca houve um igual...”

“... Na AGB eu tenho que dividir em duas partes: a minha participação na Seção
Regional do Rio de Janeiro e a minha parte, as vezes concomitante, com a AGB

160
nacional, que eu fui tesoureiro, fui secretário, fui participante da Comissão do Boletim
geográfico da AGB, eu como disse, fui duas vezes Diretor Regional, fiz uma série de
cursos, orientei uma série de cursos convidando grande parte dos geógrafos do IBGE
para dar as aulas, dei conferência em função da AGB no Fundão, na Universidade
Fluminense, foi aí que comecei a participar no plano nacional.

Em 60 comecei a participar da reunião de Mossoró, ai fui a de Mossoró em 60,


Londrina, 62 eu não fui porque minha mãe foi acidentada, mas eu mandei a minha
tese do Porto de Paranaguá que foi elogiada pelo Caio Prado Júnior. 1963 foi em
Penedo, 1964 foi em Poços de Caldas na era da revolução (entre aspas) e não se
podia dizer muita coisa e nós fomos orientados para a falar pouco, em 65 veio o
Congresso do Rio do qual eu trabalhei como Secretário, depois em 66 foi Franca, 67,
não, 66 Blumenau, 67 Franca, 68 Montes Claros, 69 foi Vitória que eu fui eleito
Diretor do Anais e 70 já foi a revisão dos estatutos lá em São Paulo e depois passou
de anual para a bienal e não tinha mais nome de Assembléia, passou a ser
Encontros, nas quais eu sempre que podia apresentava um trabalho relacionado a
energia, indústria, as estruturas portuárias, depois se não me engano foi em Franca e
muita participação no Conselho Diretor da Assembléia AGB nacional, mas a nossa
organização era muito fechada era quem elegia era o representante das
Universidades, o representante do IBGE...” (Depoimento de José César de
Magalhães a RSA)

Essas relações estreitas entre o IBGE e a AGB que foram altamente positivas nas fases iniciais
dos dois órgãos, e talvez um pouco burocráticas nos períodos intermediários dos anos 60 e ao
chegarem a década de 70 começaram a refluir. Percebeu-se um movimento por parte do IBGE, no
sentido de diminuir essas relações... o próprio José César reconheceu o processo...

“...eu fui até pintor de mesa da nossa salinha da AGB no DEGEO, o Faissol acabou
com ela... nós tínhamos nossa estante, nosso arquivo, fomos parar rapidamente
numa sala lá.... que depois ele pediu também... fomos parar em baixo da escada lá
naquela Seção de Estudos que ainda era no 7o andar... que depois fizeram um
puxadinho lá de madeira onde guardava-se os Boletins atrasados, para a vender, e
os atualizados lá...assim acabou a geografia no IBGE em questão de localização e ai
começou o processo de destruição...”

“...ela teve uma sede própria ali na Presidente Vargas, no período da Assembléia de
Maceió, mas durou pouco tempo... as brigas políticas afastavam os sócios e a sede
foi devolvida... ela foi para a UERJ... a um dois anos eu vim saber que o último
Diretor aqui do Rio estava dizendo que não era mais possível continuar porque
inclusive só tinha um sócio pagante... as pessoas realmente pensam assim ... se não
tem beneficio nenhum não pagam e não participam... só recebo um boletim e olhe
lá... vou ficar pagando para a que? Eu também não estou freqüentando... “
(Depoimento de José César de Magalhães a RSA)

Entretanto, apesar de reconhecermos o papel desses mecanismos de troca de experiências como


as antigas Tertúlias Geográficas e posteriormente as assembléias da AGB, os fatos indicam que
foram os projetos de trabalho que combinavam trabalhos de campo com textos escritos, (que
podiam ser apenas relatórios internos ou mesmo artigos e capítulos de livros, que em muitos casos
eram apresentados na Tertúlias e nas reuniões da AGB) os verdadeiros ambientes de formação
profissional para os geógrafos do IBGE desde suas fases iniciais.

No processo de co-orientação da tese de mestrado de Vera Cortes Abrantes que trabalhou com o
arquivo fotográfico de trabalhos de campo do IBGE (Abrantes, 2000) foi possível verificar a
importância dessas excursões, seus organizadores e alguns participantes (que também deram
depoimentos orais), na formação profissional dos geógrafos do IBGE e de professores
universitários, que ocasionalmente, também trabalhavam em regime de convênios com o órgão.

161
As informações contidas nos arquivos organizados por Vera Abrantes serviram também para
entendermos a importância dos trabalhos de campo e confronta-los com a documentação formal
gerada pelo IBGE através de suas publicações e relatórios (ver anexos trabalhos de campo).

Por esses arquivos foi possível perceber que a “ Velha Guarda” foi duramente treinada no
conhecimento do território brasileiro e que o seu saber geográfico foi moldado por essas
pesquisas, somando-se a um processo de treinamento geralmente realizado no exterior, onde os
pressupostos teóricos também eram ministrados por especialistas em suas respectivas áreas.

Entre 1941 e 1968, período coberto pelo arquivo de fotos de trabalho de campo do IBGE, foram
realizadas 170 excursões de campo na áreas de geografia, sendo que 76 nos anos 40, 34 entre
1950 e 1955, 23 entre 1956 e 1959 e 37 entre 1960 e 1968. A maioria delas gerou artigos e livros
escritos por seus participantes, principalmente na Revista Brasileira de Geografia e no Boletim
Geográfico.

Grandes projetos como a localização do novo Distrito Federal no interior do pais, a Carta do Brasil
ao milionésimo, as determinações de fronteiras estaduais, os estudos sobre o relevo do território,
os programas de colonização dirigida, o monitoramento do processo de ocupação humana do
território, os estudos de acompanhamento da agricultura e pecuária, os projetos de
dimensionamento das bacias hidrográficas, o entendimento dos grandes padrões espaciais da
cobertura vegetal nativa, os estudos para subsidiar os diferentes modelos de regionalização, o
acompanhamento da industrialização e da urbanização, além dos trabalhos de divulgação da
Geografia, como foi o projeto da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros ou as coleções da
Geografia do Brasil e os diversos Atlas que foram editados. Esses foram alguns dos resultados
desses trabalhos de campo, retratados nos documentos oficiais do IBGE e em alguns casos, em
documentação de outros órgãos federais e estaduais.

Os campeões desse monumental processo de reconhecimento do território brasileiro tornaram-se


evidentemente, os líderes dessa Geografia subsidiadora das ações governamentais no que tange
ao gerenciamento do território brasileiro, e foram os formadores das gerações de profissionais da
casa até o início da década de 80.

Evidentemente, que para compor um quadro como este, houveram muitos preços a pagar, e em
alguns casos... foram pagos com a vida de grandes profissionais que morreram no cumprimento
de suas funções técnicas, geralmente em trabalhos de campo em regiões afastadas, alguns dos
quais foram sepultados nesses locais, não havendo possibilidades técnicas do traslado dos corpos
para o Rio de Janeiro.

A lista, por critério cronológico é a seguinte:

06/08/1955 - José Veríssimo da Costa Pereira do IBGE , morre de ataque cardíaco no vôo entre
Benjamim Constant e Manaus, a serviço do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC),
atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

10/07/1957 – Roberto Galvão do IBGE, morre afogado no Rio Tocantins, no município de Tucuruí
(PA). Estava trabalhando para a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), atual Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), no
levantamento geomorfológico da calha do Tocantins para determinação da localização da futura
Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A embarcação em que estava bateu numa rocha submersa e
Roberto foi atirado para fora do barco, caindo num trecho muito turbulento. No barco não havia
corda suficientemente longa para retira-lo do rio. Seu corpo foi recuperado 4 dias depois e
enterrado em Tucuruí. A Câmara Legislativa de Tucuruí o homenageou, inaugurando uma escola
com o seu nome. A SPVEA também republicou seus trabalhos em obra especial.

162
28/08/1961 – Walter Alberto Egler ex-funcionário do IBGE, na época diretor do Museu Goeldi de
Belém, morre ao cair da Cachoeira Macacudra, no rio Jari, fronteira entre Pará e Amapá. O
trabalho objetivava o levantamento florístico do vale do Jari para o Museu Goeldi. Numa tentativa
de salvar a embarcação com todo o material coletado, Egler e outro companheiro ficaram a bordo,
além da área de segurança de queda. Seu companheiro conseguiu agarrar-se a uma árvore, mas
Egler não teve a mesma sorte. Em termos de homenagens, além das do IBGE, existe uma reserva
florestal do estado do Amazonas com o nome de Walter Egler no município de Rio Preto da Eva.

20/03/1979 - José Redondano Neto, geomorfólogo do projeto RADAM baseado em Goiânia, morre
em acidente aéreo com vários outros colegas de outras especialidades em levantamento no
estado de Goiás. O acidente ocorreu antes da absorção do RADAM pelo IBGE em 1985.

13/05/10980 – Grupo de geógrafas do Projeto RADAM e da Universidade Estadual do Rio de


Janeiro [UERJ], além de 2 pilotos da Líder Taxi Aéreo.

Amélia Alba Nogueira Moreira (geomorfóloga do IBGE cedida ao RADAM), Leda Baeta Neves e
Alcione Quiricco do RADAM e Marisa Baptista Machado (ex-estagiária do IBGE e na época
professora da UERJ) faziam levantamento da Geomorfologia do litoral entre Rio e São Paulo. A
aeronave, fretada pelo RADAM, desapareceu no trecho entre a Restinga da Marambaia e Parati e
nunca mais foi encontrada.

Duas suposições ficaram no ar. A primeira aponta para um possível teste de algum míssil militar
secreto que teria atingido o avião, mas que não poderia ser comentado, em função do nível de
sigilo envolvido. A segunda, é que o avião teria caído no mar sem explodir, e com isso, não
deixando vestígios na superfície.

Outros geógrafos não morreram em trabalho de campo, mas ainda estavam produzindo quanto
faleceram:

29/10/1975 - Hilda da Silva do IBGE (de câncer, quando fazia seu doutoramento em Chicago ) O
Boletim Carioca de Geografia da AGB do Rio de Janeiro, ano XXVI de 1976 foi publicado em sua
homenagem com quatro artigos de sua autoria, além de seu curriculum vitae e de uma
apresentação do diretor executivo da Seção Regional do RJ, José César de Magalhães Filho.

13/05/1980 - Ney Strauch do IBGE e Escola Naval (de câncer, quando ainda trabalhava no IBGE,
numa trágica coincidência, faleceu no mesmo dia do desaparecimento do Grupo do RADAM ).

09/08/1991 - O casal Nilo e Lisia Bernardes (de acidente de automóvel, indo para sua segunda
residência em Búzios (RJ), embora aposentados, ambos davam consultorias ).

15/05/1990 - Maria Regina Mousinho de Meis da UFRJ ( de ataque cardíaco em sua sala de
trabalho), trabalhou varias vezes em convênios técnicos com o IBGE.

09/10/1992 - Maria Therezinha de Segadas Soares da UFRJ (de ataque cardíaco), trabalhou em
alguns convênios com o IBGE e formou duas gerações de geógrafos urbanos, dos quais muitos
foram trabalhar no IBGE.

18/09/1995 - Aluísio Capdeville Duarte do IBGE e da PUC (de câncer).

22/03/1997 - Speridião Faissol do IBGE e da UERJ ( de ataque cardíaco ao voltar do Encontro de


Geógrafos da América Latina).

Esta, é apenas uma lista de referência, pois outros geógrafos faleceram também, e de certa forma
estão sendo lembrados por estes aqui citados.

163
No entanto, apesar das dificuldades e dos riscos envolvidos, muitas gerações de profissionais de
Geografia deram sua contribuição para a construção desse órgão complexo e heterogêneo que
subsidia as ações de governo e supre a sociedade brasileira com informações sobre o território,
sua população e sua economia.

A próxima parte apresentará um panorama das áreas de trabalho da Geografia do IBGE ao longo
desses anos, cotejando-as com algumas conjunturas que as alteraram. Novas metodologias,
saltos tecnológicos ou simples modismos entrelaçaram-se nesse longo período, criando novas
estruturas de pesquisas, novos trabalhos e novas lideranças.

164
Parte IV - As Práticas Profissionais da Geografia do IBGE e sua Representatividade

Introdução

Estamos considerando como praticas profissionais, as diferentes abordagens de trabalho nas


áreas de pesquisa geográfica que os geógrafos do IBGE adotaram ao longo do período de sua
existência. Para isso, é necessário que se entenda que a grande divisória que separa as práticas
profissionais dos geógrafos físicos, dos que trabalham com Geografia humana é, evidentemente,
um fator inibidor no diálogo profissional, por mais que se pregue o contrário.

Os processos de aprendizado na universidade, já nos primeiros anos, tendem a dicotomizar essas


duas áreas, inclusive com abordagens distintas quanto ao conhecimento matemático e estatístico,
que sempre foram mais cobrados nos segmentos da Geografia física do que na humana. A
exceção ocorreu durante a década de 70 no contexto dos métodos quantitativos, mas que não
chegou sequer a modificar a tendência conhecida, pois as experiências com a quantificação nos
anos 70 exigiam equipamento caro e mão de obra especializada, além de uma grande dose de
boa vontade por parte dos professores e dos alunos, já que ainda era difícil perceber que aqueles
métodos poderiam trazer grandes modificações no conhecimento geográfico fora do campo do
planejamento governamental.

No contexto do IBGE, talvez por conta da forte influência de Francis Ruellan, que era
geomorfólogo, mas que tinha por imposição de seu contrato do professor na Universidade do
Brasil, lecionar e transmitir qualquer campo do saber geográfico para seus alunos e para os
técnicos do IBGE, essa dicotomia não se fez sentir com intensidade, mas ainda assim era possível
perceber que os melhores “alunos” tendiam a se especializar em Geomorfologia. Heldio Lenz,
Pedro Geiger, Miguel Alves de Lima, Alfredo Porto Domingues, Lúcio de Castro Soares foram
alguns desses e apenas Pedro Geiger migrou para os estudos econômicos e sociais nos anos 50.

Um outro ponto importante a considerar, eram as atividades típicas de planejamento que o IBGE
sempre teve ao seu encargo, como no caso da regionalização. Conjunto de estudos que
normalmente envolvem as duas áreas, necessitando da experiência de um pesquisador eclético
que conheça perfeitamente os grandes traços físicos e humanos de uma região para poder realizar
o trabalho de recorte regional.

É possível argumentar que, por sua missão institucional o IBGE seus profissionais de Geografia
sempre tenderam mais ao ecletismo do que a especialização. Daí o grande poder da área de
regionalização, quando confrontada com os especialistas dos campos sistemáticos, principalmente
nas primeiras décadas de atividade. A força dos estudos sistemáticos na área de Geografia
somente toma força com Michel Rochefort nos anos 60 no campo da Geografia urbana, embora os
ensinamentos de Leo Waibel nos anos 50 em Geografia agrária também já orientavam os
geógrafos regionais nessa direção, mas é preciso assinalar que os grandes estudos orientados por
Waibel neste campo, ainda possuíam uma forte conotação regional, principalmente os vinculados
ao estudo do habitat rural.

Foram, fundamentalmente, os processos de industrialização e urbanização no sudeste brasileiro


nos anos 60, as grandes arenas de pesquisas dos geógrafos especialistas do IBGE.

Os próximos capítulos tratarão de dar uma visão panorâmica dos principais temas da pesquisa
geográfica trabalhos pelos profissionais do IBGE e analisar sua importância para a história do
pensamento geográfico brasileiro. Além disso, é nesta parte do trabalho, onde também se avaliará
a representatividade do trabalho geográfico e dos geógrafos em particular, perante outras
instâncias da instituição.

capítulo I descreve em linhas gerais cada um desses temas, sua relevância para a política federal
de gerenciamento do território e para a ampliação do conhecimento geográfico no Brasil, seus
principais responsáveis técnicos ou líderes de grupos de afinidades e os períodos de maior

165
relevância e suas relações com as conjunturas técnicas ou políticas da casa. O capítulo II reflete
as diferentes percepções da alta direção do IBGE sobre essas práticas profissionais, onde
mesclam-se admirações e restrições pessoais com diferentes enfoques de caráter político e
espistemológico decorrentes das variadas conjunturas por que passou o sistema de planejamento
brasileiro no período.

166
Parte IV

Capítulo I - Do Conselho Nacional de Geografia ao Departamento de Geografia: uma análise


de suas práticas profissionais

Os temas escolhidos para analisar as práticas geográficas no IBGE são considerados como uma
referência geral para a explicação das atividades do antigo Conselho Nacional de Geografia (CNG)
e do atual Departamento de Geografia (DEGEO), não sendo de maneira nenhuma uma lista
fechada.

Os nove grandes temas analisados:

1- Regionalização
2- Ocupação do Território e Habitat
3- Industrialização
4- Urbanização
5- Modernização da agricultura
6-Caracterizações Ambientais
6.1 – Geomorfologia
6.2 – Climatologia
6.3 – Biogeografia
7- Diagnósticos Sócio - Ambientais Integrados

Na parte final do capítulo foi introduzida uma avaliação das atividades de geoprocessamento.
Atividades essas que envolvem várias diretorias e que viabilizarão bases geo-referenciadas para
inúmeras áreas e pesquisas da agência, auxiliando nos planejamentos dos censos, campanhas
estatísticas, previsão de safras agrícolas, acompanhamento da evolução das malhas de setores
censitários, de bairros urbanos, distritos, municípios, micro e meso regiões, unidades federadas e
grandes regiões. Além de garantirem uma maior precisão cartográfica nas cartas editadas pelo
IBGE.

1 - Regionalização

Ao se observar panoramicamente a atuação da Geografia do IBGE verifica-se que os estudos de


regionalização sempre foram a razão de ser dessa área na casa. Analisando-se a cronologia
bibliográfica sobre o assunto é possível perceber que os processos de regionalização sempre
acompanharam a trajetória do órgão e determinaram inclusive as formas de apresentação tabular
dos censos.

O estabelecimento em 1938 pelo Conselho Nacional de Estatística de uma regionalização baseada


na divisão em uso pelo Ministério da Agricultura e que serviu como base para o censo de 1940 foi
o ponto de partida para os estudos de Fábio de Macedo Soares Guimarães objetivando definir uma
nova regionalização para o Brasil. Seu artigo publicado na RBG ano 3, n. 2 de abr. /jun. de 1941
tornou-se um clássico e sua definição para uma divisão única foi acatada pelo governo federal,
conforme nos informa os dados da cronologia dos atos administrativos e legais do IBGE.

1939 07 25 - Resolução n. 63 da AG/CNG - Determina o estudo da divisão regional do Brasil e das


suas unidades federadas e a elaboração de uma obra de divulgação sobre a região
amazônica em geral e o rio Amazonas em especial.

1941 07 14 - Resolução n. 72 da AG/CNG - Fixa o quadro de divisão regional doBrasil,para fins


práticos, promove a sua adoção pela Estatística Brasileira e dá outras providências.

1941 07 24 - Resolução n. 225 da AG/CNE - Manifesta o aplauso do Conselho à nova Divisão


Regional do Brasil fixada pelo Conselho Nacional de Geografia e dá providências a
respeito.

167
O artigo de Fábio de Macedo Soares analisou a necessidade de uma regionalização que tivesse
uso estatístico e que apresentasse um alto grau de estabilidade ao longo dos anos para fins de
comparabilidade espacial e por isso optou por uma divisão que desse preferência às
características naturais das regiões delimitadas, embora argumentando que já havia uma
tendência, ainda que incipiente, em definir regiões preferencialmente por critérios econômicos,
com na divisão do Conselho Técnico de Economia e Finanças adotado em 1939 por ocasião da
Conferência nacional de Economia (Guimarães, 1941:363-364).

O plano tabular do censo de 1940, primeiro censo organizado após a criação do Conselho
Nacional de Geografia (CNG) já apresentava no volume Brasil uma divisão em regiões fisiográficas
(Norte, Nordeste, Este, Sul e Centro-Oeste) mas suas unidades federadas ainda eram apenas
subdivididas em municípios.

Novas determinações da assembléia geral do CNG durante o início dos anos 40 orientaram
estudos para demarcação de zonas fisiográficas nas unidades da federação, regionalizando
conjuntos de municípios de características homogêneas.

1942 07 09 - Resolução n. 124 da AG/CNG - Sugere uma nova divisão das unidades federadas
em zonas fisiográficas, para uso da Estatística Brasileira, e baixa provisoriamente e
em segunda aproximação, a divisão regional do Brasil.

Esta resolução implicou em estudos de regionalização nas unidades regionais estabelecidas e o


resultado desses trabalhos resultou na coleção Divisão Regional do Brasil, que para cada região,
estabeleceu uma subdivisão em sub-regiões e zonas, que foram incorporadas aos planos
tabulares dos censos seguintes.

Nos censos de 1950 e 1960 as regiões fisiográficas foram mantidas, com alteração no nome de
uma região (Este foi substituída por Leste) mas cada unidade federada foi também subdividida em
zonas fisiográficas com os seus municípios correspondentes.

1945 07 13 - Resolução n. 143 da AG/CNG - Estabelece a divisão regional do país,mediante


agrupamento dos municípios brasileiros, e dá providências para a generalização do
seu uso.

Nos anos de 1967 e 1968 iniciou-se no âmbito da Divisão de Geografia os estudos para a
definição da nova regionalização em espaços homogêneos e polarizados (IBGE, 1967a e 1967b).
Além dessas obras, foi também organizado um estudo abrangente em convênio com o Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) para analisar a estrutura espacial brasileira, (IBGE,
1968b) coordenado por uma equipe que contava com Marília Veloso Galvão (que tinha assumido a
chefia da Divisão de Geografia e que estava sendo elevada a categoria de Departamento), Lysia
Bernardes (chefe anterior da Divisão de Geografia e que estava se transferindo para o IPEA, por
conta desse projeto), Pedro Geiger, Elza Keller, Speridião Faissol, além de terem contado com a
consultoria de Michel Rochefort nas fases iniciais do processo.

O Subsídios à Regionalização trabalhou com sete segmentos dos estudos geográficos passíveis
de serem regionalizados (Quadro Natural, População, Regiões Agrícolas, Indústrias, Transportes,
Atividades Terciárias e Centralidade) e praticamente envolveu todo o quadro técnico da Divisão de
Geografia por dois anos, servindo efetivamente de subsídios à institucionalização de uma nova
sistematização de regionalizações levada a efeito pela Geografia do IBGE a partir do final dos
anos 60.

Essas novas questões sobre regionalização estavam na pauta da Geografia do IBGE por conta
das recomendações definidas na XXIII Assembléia Geral do Conselho Nacional de Geografia

168
através da resolução 595 de 17 de junho de 1966 visando subsidiar uma regionalização que
substituiria as regiões fisiográficas.

O governo federal após o golpe militar de 1964 estava preocupado com a espacialização do
desenvolvimento econômico e via com grande interesse pesquisas que pudessem organizar o
território brasileiro ou dar subsídios para este processo.

No caso das duas obras consideradas como iniciadoras do processo, os textos introdutórios, o dos
espaços homogêneos escrito por Pedro Geiger, e o de espaços polarizados escrito a quatro mãos
por Roberto Lobato Corrêa e Fany Davidovich são peças reveladoras do pensamento geográfico
regional da segunda metade dos anos 60 (IBGE, 1967a, 1967b).

Os Espaços Homogêneos

O grupo de geógrafos que trabalhou com o esboço preliminar das regiões homogêneas foi
coordenado por Pedro Pinchas Geiger, com textos redigidos por Lysia Bernardes, Pedro Geiger e
Nilo Bernardes e foram revistos por Elza Keller, Fany Davidovich e Ruth Magnanini.

A definição e delimitação dos espaços homogêneos foi trabalhada por um conjunto de 13


geógrafos ( Lysia Bernardes, Pedro Geiger, Nilo Bernardes, Orlando Valverde, Speridião Faissol,
Marília Galvão, Edmon Nimer, Roberto Corrêa, Fany Davidovich, Aluísio Duarte, Ignez Barbosa,
Eugênia Egler, Olindina Mesquita).

A regionalização em espaços homogêneos servia para duas grandes vertentes a primeira


objetivando o planejamento governamental em áreas com as mesmas características, a segunda
garantindo uma perfeita compreensão espacial do território nacional através da divulgação dos
dados estatísticos pela inclusão dessa regionalização no plano tabular dos censos do IBGE. Nesse
período, ainda é possível perceber que a denominação de muitas micros apresentavam
características ambientais que as distinguiam, podendo ser componentes do relevo (Microrregiões
Encosta Ocidental Paulista, Chapadões do Paracatu, depressão Periférica Setentrional, Serra de
Baturité, Chapada Diamantina Meridional), vales de rios ( Microrregiões Médio Rio da Velhas, Alto
Solimões, Médio Amazonas, Baixo Jaguaribe, Baixo-Médio São Francisco), vegetação (
Microgerriões Campos de Guarapuava, Mata de Cataguases, Pantanais, Campos de Vacaria e
Mata de Dourados).

Para o recenseamento econômico de 1975, o Departamento de Geografia, possivelmente sobre


orientação direta de Speridião Faissol, elaborou uma regionalização em Mesorregiões
Homogêneas pelo processo de agregação de Microrregiões, que foi adotado pelos planos
tabulares posteriores e pela nova regionalização em Meso e Microrregiões Geográficas de 1992.
(Infelizmente esse material foi perdido no prédio da Rua Equador (Santo Cristo) em função de uma
infestação de inseticida por uma dedetização mal sucedida em 1985). Uma versão condensada em
inglês foi publicada no livro de contribuições do IBGE à 23a Assembléia da UGI em Moscou (IBGE,
1976c :5-16).

No final dos anos 80 foi iniciado outro processo de regionalização de espaços homogêneos sob
nova ótica, priorizando os centros urbanos e, de certa forma, justapondo-se aos trabalhos de
regionalização de espaços polarizados, pois suas denominações são, em muitos casos,
semelhantes. Alguns exemplos poderão ilustrar o problema. A antiga micro de São Paulo
Estâncias Hidrominerais Paulistas tornou-se micro de Amparo (centro sub-regional), a micro de
Encosta Ocidental da Mantiqueira Paulista tornou-se micro de São João da Boa Vista (centro sub-
regional), a micro de Médio Rio das Velhas tornou-se micro de Pirapora. O município de
Caraguatatuba que pertencia a micro Costa Norte Paulista tornou-se micro de Caraguatatuba e
assim por diante...

169
Os estudos dessa nova divisão iniciaram-se em 1987 sob a coordenação de Aluízio Capdeville
Duarte e a gerência de Onorina Fátima Ferrari e adotada pelo Sistema Estatístico Nacional em
1990, fazendo parte do plano tabular do recenseamento de 1991.

Trabalharam neste projeto 15 geógrafos, uma estatística, um engenheiro encarregado do


processamento de dados.
Os Espaços Polarizados

O trabalho precursor dos estudos sobre polarização foi orientado por Michel Rochefort e
coordenado por Lysia Bernardes em 1964 O Rio de Janeiro e sua Região (Bernardes L., 1964) e
testou sistematicamente em campo o método Rochefort de hierarquização de uma rede urbana e
delimitação de seu espaço de influência. O segundo grande projeto neste campo, reuniu um grupo
de 24 geógrafos, coordenados por Pedro Geiger, trabalhando com os espaços polarizados em
escala nacional, para elaborar o diagnóstico Esboço Preliminar de Divisão do Brasil em Espaços
Polarizados, também coordenado por Pedro Pinchas Geiger, com textos redigidos por Fany
Davidovich, Ruth Magnanini, Maria Francisca Cardoso, Roberto Lobato Corrêa, Maria Emília
Castro Botelho, Ignês Teixeira Guerra, Ceçary Amazonas, Írio Barbosa, Rosa Fucci, Luís Antônio
Ribeiro, Hilda da Silva, Jacob Binsztok, Eugênia Egler, João Rua, Sônia Alves de Souza, Elizabeth
Gentile, Marta Regina Brito, Olga Maria Buarque, Lenice Araújo, Edmon Nimer, Elisa Mendes de
Almeida, Carlos Alberto serra, Maria Tereza Bessa e Pedro Geiger (IBGE, 1967b).

A regionalização em espaços polarizados passou a suprir uma demanda do planejamento estatal


na definição de pontos no território que seriam mais dinâmicos que outros. A influência de Michel
Rochefort é claramente sentida nas primeiras fases neste segmento do trabalho geográfico
(IBGE,1967b) e também no projeto do Subsídios à Regionalização (IBGE, 1968b), onde o capítulo
de Centralidade foi desenvolvido por Roberto Lobato Corrêa (Corrêa,1968).

Na década de 70, a influência de Rochefort foi sendo gradativamente substituída pelos trabalhos
da escola anglo-americana. A mudança de enfoque é bem percebida, quando da edição do
segundo grande trabalho deste segmento, em escala nacional, o Divisão do Brasil em Regiões
Funcionais Urbanas (IBGE, 1972). Coordenado por Pedro Geiger nas primeiras fases das
formulações metodológicas, mas concluído por Elza Keller, que foi responsável pela
compatibilização dos estudos e dos mapeamentos finais e pelo texto introdutório. No projeto
trabalharam além de dos dois, mais sete geógrafos de várias especialidades como Amélia Alba
Nogueira (geomorfóloga), Dulce Alcides Pinto, Aluízio Capdeville Duarte, Hilda da Silva e Maria
Rita Guimarães (Regional), José César Magalhães (energia) e Fany Rachel Davidovich (urbana).

Os estudos sobre espaços polarizados tornaram-se prioritários durante meados da década de 70,
com estruturação de grupos de trabalho específicos, inclusive com proposições metodológicas
mais novas (IBGE, 1976 , 1976)∗. Os dois geógrafos que mais estudaram essas metodologias
foram Roberto Lobato Corrêa e Aluízio Capdeville Duarte coordenando uma equipe com uma
socióloga, Cléa Sarmento Garbaio e mais três geógrafos, Ney e Lourdes Strauch e Maria Thereza
Bessa de Almeida.

A ênfase da época eram os estudos baseados na teoria das localidades centrais de Walter
Christaller da década de 30 na Alemanha e retrabalhada por geógrafos ingleses e americanos,
mas com algumas leituras de franceses como o economista Charles Boudeville e o geógrafo
Etienne Juillard.

Este esforço metodológico, que pode ser avaliado no segundo artigo do grupo (IBGE, 1976b),
gerou a terceira fase da divisão de espaços polarizados brasileiros realizada pela Geografia do
IBGE o Região de Influência das Cidades, coordenado por Roberto Lobato Corrêa e tendo como
equipe técnica 14 geógrafos, Aluízio Capdeville Duarte, Agustinho Rocha, Ayrton Almada, Estácio


Uma versão em inglês desse trabalho foi incluída no livro de contribuições do IBGE a 23a
Assembléia Geral da UGI em Moscou, (IBGE,1976c).

170
Arruda, Helena Zarur Lucarelli, João Baptista de Mello, Lourdes Strauch, Lúcia de Oliveira, Luís
Alberto Nascimento, Maria Rita La Rocque, Maria Thereza Bessa de Almeida, Nilo David Mello,
Onorina Ferrari e Sulamita Hammërli e um economista Ruben Magalhães.

O trabalho, concluído em 1983, acabou sendo muito utilizado como referência em função de seus
mapas e suas tabelas de ordenação dos centros por muitas agências governamentais e
organizações privadas, mas somente foi publicado em co-edição com o Ministério de Habitação e
Urbanismo em 1987 (IBGE / MHU, 1987).

A última fase dos estudos de espaços polarizados data da década de 90 foi trabalhada por uma
equipe coordenada por Marília Carvalho Carneiro entre 1993 e 1997, quando se aposentou, e por
Luiz Alberto dos Reis Gonçalves, na fase final entre 1997 / 1998 e contou com uma equipe de 8
geógrafos (Aurélia Lopes da Silva, Cleber de Azevedo Fernandes, Eliane Ribeiro da Silva, João
Baptista ferreira de Mello, Luiz Carlos de Carvalho Ferreira, Maria Mônica Vieira C. O’Neill, Rogério
Botelho de Mattos, Solange Cardoso Barros, mais a assessoria computacional da Diretoria de
Informática do IBGE através da analista Viviane Narducci Ferraz que organizou os dados, gerando
as tabelas de ordenação dos centros urbanos. O trabalho está em fase de publicação, mas já é
possível ter acesso a ele na base de dados do IBGE.

A evolução dessas quatro fases na determinação das principais redes urbanas do Brasil mostrou a
transformação de um país ainda agrário na década de 60, para uma urbanização sustentada pela
industrialização na década de 70 e alcançando na década de 90, altos estágios de urbanização
comandada pelo setor terciário: com a expansão do comércio, pela proliferação dos centros de
compras (shopping centers) e pelo avanço do processo de franquia de produtos (franchising), que
ao estabelecerem essas novas redes de estabelecimentos, tornaram-se os carros chefe das
atividades de distribuição varejista, e pela ampliação do setor de serviços, onde as atividades
financeiras assumiram a liderança do segmento.

As Análises Regionais

Será igualmente importante abrir um espaço para a descrição dos trabalhos que, após o
estabelecimento do processo de regionalização, analisavam algumas características físicas,
humanas e econômicas das regiões estabelecidas.

A primeira coleção de análises denominou-se Divisão Regional do Brasil e foi elaborada entre
1948 e 1950 ( Centro Oeste-1948, Nordeste e Sul-1949, Leste e Norte-1950). Eram obras
pequenas que enfatizavam uma subregionalização nas regiões estabelecidas pelo estudo de Fábio
de Macedo Soares Guimarães e que não apresentavam nenhuma indicação de autoria pessoal.
Suas análises caracterizavam igualmente os aspectos físicos, humanos e econômicos desses sub-
espaços.

O segundo projeto de análises regionais, iniciou-se em 1959, mas já sobre outras bases, pois sua
estrutura editorial contemplava coordenadores de projeto (cada livro de uma região era um projeto
fechado) e equipes de autores que recebiam crédito autoral por capítulo organizado. De certa
forma essa coleção foi a primeira a ser realmente considerada como uma obra geográfica para o
grande público, principalmente para o segmento educacional de segundo grau e universitário.

Seu primeiro número de 1959, sobre a região Norte foi fortemente influenciado pelas informações
geradas ainda pela Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e foi organizado por Antônio Teixeira
Guerra, que além de estar no comando da Divisão de Geografia do CNG, era também um
especialista de Geomorfologia da Amazônia. A estrutura dos capítulos estava assim organizada:

Introdução- Arthur César Ferreira Reis, Fitogeografia da região amazônica- Félixberto Camargo e
Antônio Teixeira Guerra, Geologia, Relevo e Litoral- Antônio Teixeira Guerra, Clima- Marília
Velloso Galvão, Vegetação- Edgar Kuhlmann, Hidrografia- Lúcio de Castro Soares, Solos e
Utilizações Agrícolas- Antônio Teixeira Guerra e Orlando Valverde, População e Povoamento-

171
Catharina Vergolino Dias e Manuel Maurício de Albuquerque, Indústria Extrativa- Catharina
Vergolino Dias e Antônio Teixeira Guerra, Agricultura- Catharina V. Dias, Estrutura Econômica e
Regime de Propriedades- Catharina V. Dias e Carlos Goldemberg, Organização Social- Catharina
V. Dias, Transportes- Antônio T. Guerra e Energia- José César de Magalhães.

É interessante perceber que apesar de estar em pleno período da luta entre os grupos Zarur (já
falecido em 1957, mas substituído por Speridião Faissol na Direção do CNG) e Fábio, a
participação de Orlando Valverde numa co-autoria com Antônio T. Guerra é importante para
estabelecer separações entre os problemas de ordem pessoal e o institucional. Apesar das
inimizades, o trabalho era feito por quem possuía melhor qualificação. O exemplo de Catharina,
uma paraense que conhecia muito bem sua região no que dizia respeito aos aspectos de
ocupação econômica e ao ambiente cultural, mostra bem o aproveitamento da mão de obra
técnica daquela época no CNG.

O segundo volume da série, publicado em 1960, trabalhou com a região Centro Oeste e foi
organizada por Marília Vellozo Galvão e sua estrutura de capítulos estava distribuída da seguinte
maneira:
Introdução- Speridião Faissol, Geomorfologia- Pedro Pinchas Geiger, Hidrografia-Carlos C.
Botelho, Clima- Marília Galvão, Vegetação- Edgar Kuhlmann, População e Povoamento- Manuel
Maurício de Albuquerque, Pecuária- Maurício Coelho Vieira, Agricultura- Elvia Roque Stefan,
Indústria Extrativa- Elvia Roque Stefan, Energia- José César de Magalhães, Núcleos Urbanos-
Maria Magdalena Vieira Pinto, Brasília: a nova capital- Maria Magdalena Vieira Pinto e Transporte-
Ney Rodrigues Inocêncio.

O terceiro, de 1962, estudou a região Nordeste, analisando separadamente o espaço


correspondente ao Meio Norte e teve dois organizadores, Maria da Glória Hereda e Alfredo Porto
Domingues. Sua estruturação estava assim apresentada:
Introdução- Lindalvo Bezerra dos Snatos, Litoral – Interior- Celeste Rodrigues Maio e Alfredo Porto
Domingues, Hidrografia- Elvia Roque Stefan, Clima- Lindalvo Bezerra dos Santos, Vegetação-
Antônio Luís Dias de Almeida, José Henrique Millan e Maurício Coelho Vieira, Povoamento-
Manuel Maurício de Albuquerque, População- Marieta Mandarino Barcellos, Pecuária- Ney Julião
Barroso, Agricultura- Jorge Xavier da Silva, Ocupação Agrícola- Lilia Camargo Veirano,
Extrativismo Vegetal- Fany Haus Martins, Indústria Extrativa Animal- Maria da Glória Hereda,
Indústria Extrativa Mineral- Elvia Roque Stefan, José César Magalhães e Maria da Glória Hereda,
Energia- José Carneiro Felipe Filho, Estrutura Urbana- Lilia Camargo Veirano, Transporte- Ney
Rodrigues Inocencio.

A região Leste foi editada em 1965, já sob a chefia de Lysia Bernardes na Divisão de Geografia,
tendo como organizadores Maria Rita da Silva Guimarães e Aluízio Capdeville Duarte. A
estruturação dos capítulos era:

Relevo- Amélia Alba Nogueira, Hidrografia- Olindina Vianna Mesquita, Clima- Marília Veloso
Galvão e Edmon Nimer, Vegetação- Alceo Magnanini, População- Ariadne Soares Souto Mayor,
Povoamento- Dulce Maria Alcides Pinto, Organização Urbana- Olga Maria Buarque de Lima,
Formas de Povoamento Rural- Elvia Roque Stefan, Atividades Agropastoris- Aluízio Capdeville
Duarte, Extrativismo Vegetal- Maria Magdalena Vieira Pinto, Recursos Extrativos Minerais- Marília
Veloso Galvão e Aluízio Capdeville Duarte, Implantação Industrial- José César de Magalhães e
Grandes Eixos de Circulação- Haidine da Silva Barros.

Em 1968, já com Marília Veloso Galvão chefiando o novo Departamento de Geografia, a região Sul
foi editada em dois volumes separados, o Tomo I que enfocava a parte física foi organizado por
Delnida Martins Cataldo e Aluízio Capdeville Duarte e o Tomo II sobre a parte humana e
econômica coube a Aluízio Capdeville Duarte.

A estruturação do Tomo I estava assim distribuída:

172
Introdução- Nilo Bernardes, Geomorfologia- Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, Hidrografia-
Olindina Viana Mesquita, Clima- Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, Vegetação- Dora Amarante
Romariz e Solos- Dora Amarante Romariz.

O Tomo II estava dividido em:

Povoamento- Ariadne Soares Souto Mayor, População- Ruth Lopes da Cruz Magnanini, Atividades
Agrárias- Aluízio Capdeville Duarte e Armely T. Maricato, Atividades Industriais- Ignês Costa
Barbosa, Lourdes Manhães M. Strauch e Maria da Glória Hereda, Circulação- Eloísa de Carvalho
Teixeira e Redes Urbanas- Elza Coelho de Souza Keller.

A variedade de temas, inclusive com a introdução de alguns que refletiram as mudanças que
estavam ocorrendo na economia brasileira foi o principal legado dessa coleção, considerada como
um referencial bibliográfico importante nos cursos de Geografia durante as décadas de 60 e70.

A coleção seguinte, toda editada em 1977, foi a grande obra de referência da fase dos métodos
quantitativos, já comentada na Parte II, onde as duas correntes quantitativistas e não
quantitativistas empreenderam uma luta surda na estruturação dos sumários das regiões e que
acabou numa solução de compromisso onde sempre dois capítulos (agrária e urbana) teriam uma
análise fatorial e de grupamento visando explicar suas estruturas espaciais. A análise da agrária
trabalharia com a estrutura das microrregiões e a urbana com os municípios.

O planejamento e coordenação da coleção ficou sob a responsabilidade da chefe do


Departamento de Geografia (DEGEO) Marília Veloso Galvão que nomeou um grupo de geógrafos
da Velha Guarda como coordenadores temáticos de toda a coleção, Alfredo Porto Domingues,
Elza Coelho de Souza Keller, Lindalvo Bezerra dos Santos, Lúcio de Castro Soares, Maria
Magdalena Vieira Pinto e Pedro Pinchas Geiger.

A melhor prova dessa luta pode ser vista em dois exemplos de capítulos da coleção, um de
sistema urbano da Região Norte redigido por Catharina Vergolino Dias , uma geógrafa que nunca
se mostrou encantada com as novas técnicas, mas que nesse caso, trabalhou no sub-capítulo
Características Estruturais das Cidades utilizando uma análise fatorial para definir uma tipologia
urbana da região.

No caso do capítulo Atividade Agrária da Região Sul, a escolha de Orlando Valverde conflitou
diretamente com a orientação de que os capítulos de agrária teriam um sub-capítulo denominado
Organização Agrária ou equivalente que trabalharia com uma análise fatorial. Orlando não
escreveu tal sub-capítulo e Rivaldo Pinto Guimarães∗ o fez, mas não ganhou o crédito de co-
autoria no capítulo, como seria normal. O crédito de autoria dessa parte foi colocado nas notas de
referência (IBGE, 1977e, p. 403).

A importância dessa coleção se deveu em mesclar diferentes enfoques para explicar as profundas
modificações por que estava passando o espaço brasileiro na década de 70, mas infelizmente, o
estigma da quantitativa, somado ao grande tamanho dos volumes afastaram a maior parte do
público alvo, professores e alunos do nível superior.

Profissionais como a geomorfóloga Amélia Alba Nogueira, o climatólogo Edmon Nimer, o


especialista em energia José César de Magalhães trabalharam sobre seus assuntos em
praticamente todos os volumes (César só foi substituído por Rosa Fucci no volume do Nordedeste,
mas deu todo o apoio, pois Rosa era uma espécie de assistente sua). Isso representou para esses
assuntos, uma visão integral do Brasil, sem os riscos de gerar certos caleidoscópios de pontos de
vista, que pode ter ocorrido em assuntos que tiveram muitos autores nos cinco volumes.


O nome verdadeiro é Rivaldo Pinto de Gusmão

173
Alguns tornaram-se clássicos como o do Sudeste, principalmente pelos capítulos de População
organizado por Elza Keller, o de Indústria de Fany Davidovich e o do Sistema Urbano de Olga
Buarque de Lima e Roberto Lobato Corrêa.

A estruturação de sumários e de autores foi assim apresentada:


Região Norte
Relevo- Amélia Alba Nogueira, Clima- Edmon Nimer, Vegetação- Edgar Kuhlmann, Hidrografia-
Lúcio de Castro Soares, População- Elza Coelho de Souza Keller, Transportes- Myrian Guiomar G.
C. Mesquita, Energia- José César Magalhães, Atividade Agrária- Maria Elisabeth C. de Sá Távora
Maia, Indústria- Maria Teresa Bessa de Almeida e Elvia Roque Steffan, Sistema Urbano- Catharina
Vergolino Dias.

Região Nordeste
Relevo-Amélia Alba Nogueira, Clima- Edmon Nimer, Vegetação- Edgar Kuhlmann, Hidrografia-
Elvia Roque Steffan, População- Ruth Lopes da Cruz Magnanini, Transportes- Myriam G. C.C.
Mesquita, Energia- Rosa Maria Fucci, Atividade Agrária- Solange Tietzmann Silva, Indústria- Dulce
Maria Alcides Pinto e Mitiko Yanaga Une, Sistema Urbano- Hilda da Silva e Maria Emília T. de
Castro Botelho.

Região Sudeste
Relevo- Amélia Alba Nogueira, Clima- Edmon Nimer, Vegetação- Maria Terezinha A. Alonso,
Hidrografia- Carlos de Castro Botelho, População- Elza C. de Souza Keller, Transportes- Lúcia de
Oliveira, Energia- José César de Magalhães, Atividade Agrária- Elza C. de Souza Keller, Indústria-
Fany Rachel Davidovich, Sistema Urbano- Olga Maria Buarque de Lima e Roberto Lobato de
Azevedo Corrêa.

Região Sul
Relevo- Amélia Alba Nogueira e Gelson Rangel Lima, Clima- Edmon Nimer, Vegetação- Maria
Therezinha Alves Alonso, Hidrografia- Ruth Simões Bezerra dos Santos, População- Ruth da Cruz
Magnanini e Ariadne S. Souto Mayor, Transportes- Lourdes Manhães de M. Strauch, Energia-
José César de Magalhães, Atividade Agrária- Orlando Valverde (Rivaldo Pinto Guimarães∗),
Indústria- Armely Therezinha Maricato e Onorina Fátima Ferrari, Sistema Urbano- Aluízio
Capdeville Duarte.

Região Centro Oeste


Relevo- Amélia Alba Nogueira, Clima- Edmon Nimer, Vegetação- Lindalvo Bezzerra dos Santos,
Hidrografia- Ney Rodrigues Inocêncio, População- Elza C. de Souza Keller e Ruth L. da Cruz
Magnanini, Transportes- Ney Rodrigues Inocêncio, Energia- José César Magalhães, Atividade
Agrária- Olindina Vianna Mesquita, Indústria- Maria Theresa Bessa de Almeida, Elvia Roque
Steffan e Ayrton Teixeira Almada, Sistema Urbano- Maria Rita da Silva Guimarães.

A última coleção da Geografia do Brasil ficou inacabada em virtude de problemas de editoração


que atrasaram demasiadamente a publicação dos volumes do Nordeste e Sudeste, que tornaram-
se anacrônicos em relação aos dados do censo demográfico de 1991. Porém os volumes das
demais regiões foram editados a tempo.

Da mesma forma que a coleção da década de 60, as edições foram publicadas a medida que iam
sendo terminadas, a partir de um planejamento anual definido pelo DEGEO e tendo como
organizadora da coleção Solange Tietzmann Silva, na chefia do departamento. Cada volume teria
um coordenador geral e um encarregado das análises do quadro natural, pois havia após 1985,
um Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente (DERNA) enriquecido com técnicos
vindos do RADAM BRASIL, que foram incorporados ao IBGE nas primeiras fases do governo de
José Sarney.


O nome correto é Rivaldo Pinto de Gusmão.

174
O primeiro volume lançado foi o da Região Centro-Oeste coordenado por Aluízio Capdeville Duarte
em 1989 e tendo como coordenador das análises do quadro natural Trento Natali Filho, que iria
também coordenar os demais volumes, Região Sul (1990) e Região Norte (1991), e os não
publicados Nordeste e Sudeste.

O volume do Sul foi coordenado por Olindina Vianna Mesquita e o do Norte, na primeira fase por
Sulamita Machado Hammerli, que faleceu em 1990, sendo concluído por Olga Buarque de Lima.

O volume da Região Nordeste foi coordenado por Maristela de Azevedo Brito e o do Sudeste teve
dois coordenadores, Helena Zarur Lucarelli e Roberto Schmidt de Almeida. Ambos foram
concluídos entre 1992 e 1993, mas não entraram em processo de editoração nesses anos, em
virtude de problemas com a editoração do censo, e com isso tornaram-se defasados, quando
comparados aos dados do censo de 1991. Foi tentada uma atualização dos dados em 1994, mas
a falta de técnicos especializados para cuidar dos capítulos, em virtude da grande evasão para a
aposentadoria ocorrida nos anos 90, acabou por inviabilizar o projeto.

As análises regionais que enfocaram espaços uma escala de maior detalhe, podem ser
exemplificadas pelo detalhado trabalho de Jorge Zarur, em convênio entre o IBGE e o National
Planning Association, através do Inter-American Regional Resourses Project de Washington, sobre
a Bacia do Médio São Francisco, nos anos do pós-guerra (Zarur, 1947), o de Speridião Faissol
sobre o Mato Grosso de Goiás (Faissol,1952), os estudos da zona de influência da Cachoeira de
Paulo Afonso, em conjunto com técnicos do Ministério da Agricultura e coordenado no âmbito do
CNG por Lindalvo Bezerra dos Santos (IBGE, 1952), o de Carlos de Castro Botelho sobre a zona
cacaueira do sul da Bahia (Botelho, 1954) e pelo estudo de Orlando Valverde na zona da mata de
Minas Gerais (Valverde, 1958). Foram trabalhos clássicos, que envolveram vários segmentos da
Geografia e que ainda dão uma visão privilegiada das áreas estudadas.

2 - Ocupação do Território e Habitat

Considerado um tema prioritário para o IBGE durante a Segunda Guerra e nos anos 50, os
estudos sobre o habitat e o processo de ocupação rural foram gradativamente perdendo força
durante a década de 60 e totalmente abandonados nas décadas seguintes.

Discutir objetivamente o abandono dos estudos sobre habitat na Geografia brasileira não é uma
tarefa fácil, em virtude dos fortes componentes emocionais e ideológicos que sempre gravitaram
em torno de dois grupos de geógrafos: os agrários e os urbanos.

O problema é antigo e não somente brasileiro. Max Sorre já havia percebido que a noção de
gênero de vida, e suas conseqüências para os estudos do habitat na França do pós guerra,
encaminhavam-se para além do mundo rural em direção ao urbano, tanto é que explicitou os
quatro tipos de desenvolvimento do estudo do habitat : 1- habitat rural, 2- as formas de transição,
características originais do habitat urbano, 3- habitat urbano e 4- as formas mais evoluídas da
habitat urbano - as grandes cidades. (Sorre, 1949)

Para Max Sorre , o mecanismo das migrações também teria um papel crucial nos estudos futuros
sobre o habitat, pois grandes alterações já eram pressentidas por ele, em razão do forte processo
de industrialização por que o mundo estava passando no pós guerra.

Por hora, devemos ter em mente, que o aparente abandono dos estudos sobre habitat no Brasil,
tenha se dado mais em função de um fortalecimento dos estudos urbanos ( sistemas de cidades ),
que ocorreu após 1956, por influência de Michel Rochefort, do que por causa da efêmera
Geografia Quantitativa ( que conseguiu um feito importante, ser mais discutida do que efetivamente
trabalhada, em virtude da reconhecida inabilidade do geógrafo brasileiro médio em trabalhar com a
matemática e a estatística ). É válido também considerar, que o forte enfoque econômico adotado

175
por uma boa parte dos trabalhos de geógrafos agrários após a década de 60, também tenha
contribuído para esse abandono.

Apesar do caráter inescapavelmente polêmico da questão, é necessário considerar que os


geógrafos das décadas de 60 , 70 e 80 , quantitativos, marxistas, tecnocratas ou o nome que se
queira dar, viraram as costas para a Geografia Física, e que com isso, asfixiaram perigosamente a
mais importante tradição da Geografia legada pelos franceses - a relação Sociedade / Meio. Tal
situação somente veio apresentar modificação no final dos anos 80 e início dos 90, com a
emergência dos estudos ambientais ( assim mesmo, por estarem agregados aos dólares que
agências internacionais e ONGs estão acenando ).

Para trabalhar o conceito de habitat será necessário constituir alguns pré-requisitos básicos, e por
isso teremos que nos reportar a Vidal de La Blache ( 1845- 1918 ) fundador da moderna escola
francesa de Geografia humana e que estabeleceu que o meio natural era o principal elemento
nivelador e harmonizador de grupos sociais heterogêneos. Para uma avaliação mais profunda da
obra de Vidal de La Blache e da tradição vidaliana, o livro de Buttimer (1980) dá uma contribuição
inestimável no entendimento da evolução da relação sociedade / meio no contexto acadêmico
francês, desde o século XVIII.

No entanto, se o leitor estiver interessado no entendimento entre a ocupação humana e as


condições naturais desde a antigüidade até a renascença deve pesquisar no clássico de Clarence
J. Glacken, escrito nos anos 50, Traces of the Rhodian Shore, considerado o mais completo
trabalho sobre o assunto (Glacken,1967).

A concepção de Geografia Humana para Vidal de La Blache tinha a natureza como um fator
preponderante. Buttimer (1980:61) cita textualmente um discurso pronunciado em aula inaugural
na Universidade de Paris, que foi posteriormente publicado nos Annales de Géographie de 1913:

“A Geografia, que se inspira na idéia de unidade terrestre, tem como missão principal
averiguar como as leis físicas e biológicas que regem o mundo se combinam e se
modificam ao serem aplicadas à diferentes partes da superfície terrestre. Tem como
objeto de estudo especial a expressão mutável que, segundo sua localização, a
aparência da terra adota”.

A principal ligação feita por Vidal de La Blache entre a natureza e sociedade no espaço foi o
desenvolvimento do conceito de “Genre de Vie”, instrumento analítico que reconhece o mecanismo
de integração entre o meio e a organização social de um grupo, com vistas ao seu sustento
cotidiano. Do imenso trabalho de Vidal de La Blache em sistematizar e classificar espacialmente a
noção de gênero de vida, originou-se a tradição vidaliana que teve com principais representantes
Jean Brunhes, Albert Demangeon e Maximilien Sorre ( principalmente no que diz respeito a gênero
de vida e habitat).

Brunhes (1869-1930) enfatizava a importância de se estabelecer a criação de uma geografia do


trabalho como um objeto de análise mais objetivo para o entendimento do conceito de gênero de
vida. Tal ênfase pode ser percebida na sua obra de 1902, em sua tentativa de classificação dos
fenômenos que regem as atividades humanas: 1- fenômenos de ocupação improdutiva do solo (
casas e caminhos ) 2- fenômenos de domínio sobre plantas e animais ( campos de cultivo e
áreas de criação ) 3- fenômenos de economia destrutiva ( exploração mineral e atividades de
devastação da vida animal e vegetal ) , ver Brunhes (1962, cap. III,IV e V).

Para Buttimer (1980:86), a Geografia francesa deve a ele ...

“a primeira formulação explícita de orientação sistemática da Geografia Humana na


escola francesa, fórmula que, sem dúvida, inspirou as posteriores investigações de
Demangeon, Sorre e Deffontaines. Suas investigações substantivas sobre doenças,
ritmos de trabalho, tipos de habitação e cidades demonstraram a validade de uma

176
orientação desse tipo, e seus notáveis estudos de casos mostraram como essa
perspectiva podia enriquecer o trabalho regional.”

Albert Demangeon (1872-1940) introduz a abordagem funcional, em paralelo à morfológica, que


era corrente na época, para os estudos de habitat e povoamento (Demangeon, 1942). Seu sistema
classificatório de aglomerado, aldeia e cidades e seu índice estatístico de dispersão são utilizados
ainda hoje pelas agências censitárias em suas tarefas pré-definidoras ao planejamento de
logística de coleta de dados ( delimitação das unidades territoriais de coleta ). Sua preocupação
com os aspectos funcionais, indo além dos puramente morfológicos trabalhados pelos geógrafos
alemães com Schlüter, Gradmann e Meitzen, é percebida por suas reflexões sobre os efeitos da
tecnologia nas atividades humanas e seus reflexos espaciais na distribuição, densidade e limites
do povoamento em vários contextos geográficos.

Sorre (1880-1962) foi o que conseguiu sintetizar holísticamente as noções de gênero de vida e
habitat como o resultado final de uma ampla gama de relações entre aspectos físicos, culturais,
tecnológicos que rege a convivência humana.. Dos três, Sorre foi o que sentiu mais o poder da
mundialização do progresso. Seus trabalhos sobre migrações modernas, turismo, difusão de
doenças, espacialização de tecnologias e vida urbana dão um testemunho da grandeza de sua
contribuição para a Geografia (Sorre, 1949).

O estabelecimento de relações mais ricas entre espaços sociais restritos ( casa, aldeias, ) e
regiões, pode ser verificado na obra de Armand Fremont, que faz uma interessante costura
desses elementos, na segunda parte do livro denominada: Da Casa à Região ( Fremont,1980).

É com esse pano de fundo que se deve avaliar a influência dessas concepções da escola francesa
de Geografia no meio acadêmico brasileiro, no que diz respeito aos estudos de gênero de vida e
habitat. Muito embora, reconhecendo que não foi somente os franceses os que estudaram e
orientaram os pesquisadores brasileiros no tema.

No contexto do Conselho Nacional de Geografia do IBGE, as figuras mais importantes que


introduziram esse estudos, além do próprio Deffontaines entre 1935 a 1939, foram durante o início
dos anos 40, as do francês Francis Ruellan, dos alemães Leo Waibel e Gottfried Pfiffer além dos
americanos Robert Platt, Lynn Smith, Clarence F. Jones e Preston James ( Pereira, 1994: 440).

Dessas figuras, a mais importante foi Leo Waibel, sua vinda em 1946, trazido por influência de
Cristóvão Leite de Castro, em virtude de ótimas recomendações dadas por Fábio de Macedo
Soares Guimarães e Orlando Valverde, seus alunos em Winsconsin, pode ser entendida como
uma ação de planejamento do governo federal visando o conhecimento de novas áreas para uma
futura onda de colonização decorrente do pós guerra. Seu trabalho sobre habitat rural e núcleos de
população é parte de um artigo clássico, incluído no número especial de 50 anos da Revista
Brasileira de Geografia em 1988. A perspectiva morfológica da escola alemã é perfeitamente
sentida ( Waibel 1949).

Os americanos, Clarence Jones e Preston James também trabalharam com o tema colonização,
por ocasião de suas estadas no Brasil (1948 e 1949 respectivamente). Preston James estudou, em
períodos diferentes, o problema de colonização, uso da terra e gênero de vida. e ao voltar ao
Estados Unidos escreveu um artigo sobre os tipos de uso da terra no Nordeste brasileiro no
Annals of the Association of American Geographers , que posteriormente foi transcrito no Boletim
Geográfico ( James, 1960).

Essas matrizes de pensamento e de métodos de estudo, somadas ao trabalho de orientação que


esses geógrafos organizaram junto aos seus alunos brasileiros, criaram uma geração de
geógrafos do habitat e do gênero de vida, encarada aqui em seu sentido mais amplo, pois nesse
grupo encaixam-se os que trabalharam com o processo de colonização, alguns geógrafos
regionais, os agrários e alguns urbanos que se preocupavam com processos de ocupação em
periferias urbanas.

177
A Geografia do IBGE produziu uma grande quantidade de trabalhos que poderiam ser
classificados em cinco grandes grupos, além de um assunto muito especializado, que trabalha
com certas características do habitat para determinação de setores censitários nos
recenseamentos demográficos e agropecuário.
Os Estudos Clássicos sobre Habitat

Se levarmos em consideração o escopo dessa pesquisa, é possível reconhecer que foram poucos
os trabalhos que, explicitamente, trataram do tema, tanto no título quanto no conteúdo.

Nesse grupo, um dos que mais se enquadram é o de Antônio Teixeira Guerra, fruto de seus
trabalhos de campo no antigo Território do Rio Branco (atual Roraima) e que descreve os
diferentes tipos de habitação rural daquela região (Guerra, 1955). Merece também destaque o
trabalho de Nilo Bernardes (1957) por estabelecer os principais parâmetros para os futuros
estudos, discutindo sistematicamente as principais formas espaciais de habitat no contexto
brasileiro. Na década de 70, o trabalho de Írio Barbosa & Helena Mesquita (1978) identificou e
sistematizou visualmente os principais tipos de habitação rural no Brasil, sendo pois, um guia de
referência importante até hoje.

Os Estudos de Colonização e de Povoamento com Ênfase no Habitat e no Gênero de Vida

Esse conjunto congrega os trabalhos dos especialistas em processos de povoamento em geral e


de colonização em particular. Sem sombra de dúvida, o trabalho mais importante é o de Leo
Waibel, que explica o processo de colonização por europeus no Sul do Brasil (Waibel, 1949).

Os artigos de Speridião Faissol iniciam com o seu primeiro trabalho publicado na RBG, (Faissol,
1949) sobre uma colônia alemã -Uvá- na Região do Mato Grosso de Goiás, artigo que iniciou uma
série de mais quatro sobre o tema colonização (Faissol 1951, 1952 ), incluindo um, de cunho
didático, que explica os principais aspectos do processo de colonização (Faissol, 1952), além do
livro O Mato Grosso de Goiás, que será tratado no próximo conjunto.

Nilo Bernardes também aparece com três títulos (Bernardes,1950, 1952, 1967) sendo que um
deles (1952), tratando do mesmo assunto - colonização européia no Sul do Brasil - que Leo Waibel
havia estudado em 1949. O anterior (1950) tratou da colonização no município gaúcho de Santa
Rosa e o último, mais recente (1967), analisou o processo de colonização em Alagoas.

Roberto Lobato Corrêa iniciou sua carreira profissional no início da década de 60 com um trabalho
sobre a colônia alagoana de Pindorama (Corrêa,1963) e na década seguinte (Corrêa, 1970),
escreve um trabalho de resgate histórico e geográfico de uma área antes do processo de
colonização - o sudoeste paranaense.

O padrão clássico dos trabalhos sobre colonização enfatizando o Gênero de Vida, geralmente
consta de bons mapas de distribuição dos povoados e sedes de fazendas, aliado à boas
interpretações sobre as condições naturais e sobre os processos econômicos impulsionadores do
povoamento, além de algum resgate histórico que caracterize o espaço estudado.

Estudos Regionais com Ênfase no Gênero de Vida e Economia

É o mais eclético e amplo de todos. Abarca praticamente todo o território nacional e trata de uma
vasta gama de assuntos geográficos, mas mostra uma clara tendência para a relação entre a
geografia agrária e os processos de povoamento e de estruturação econômica que as
acompanham.

O típico estudo regional pode cobrir vários aspectos de um determinado espaço e alguns dos aqui
escolhidos são hoje considerados clássicos por sua abrangência e minudência dos assuntos
tratados. O artigo de Leo Waibel sobre as zonas pioneiras ( Waibel,1955), o livro de Speridião

178
Faissol sobre o Mato Grosso de Goiás (Faissol,1952), o artigo de Preston James no Annals of the
Association of American Geographers de 1953, transcrito no Boletim Geográfico (James, 1960), o
guia de excursão de Orlando Valverde sobre o Planalto Meridional do Brasil, para o XVIII
Congresso Internacional de Geografia de 1956 realizado no Rio de Janeiro (Valverde,1957), o
artigo de Nilo Bernardes sobre as bases geográficas do povoamento do Rio Grande do Sul
(Bernardes,1962) são alguns exemplos representativos desses clássicos do IBGE.

Destaque-se também a grande produção individual de Orlando Valverde abrangendo praticamente


todas as regiões do país, com trabalhos que cobrem diferentes tipos de vida econômica (Valverde,
1955, 1957, 1958, 1968, 1989),além de outros em co-autoria (Valverde e Mesquita, 1961;
Valverde e Dias, 1967).

Os Estudos sobre Gênero de Vida com Enfoque Cultural

No contexto da tipologia seguida, indubitavelmente, esse foi o grupo que mais causou dúvidas,
devido às amplas possibilidades de se classificar um trabalho tanto como estudo de habitat, quanto
como regional. Na medida do possível, foi dado como preponderante para sua inclusão no grupo,
que o trabalho se orientasse por um tema que o enquadraria nos estudos de gênero de vida,
como por exemplo: um espaço produtivo e o tipo de vida de seus ocupantes, uma atividade rural,
os valores e influências de determinadas culturas modificando ou sendo modificadas pelo espaço
estudado, além dos artigos de cunho didático/informativo a respeito do tema.

Os títulos de maior destaque foram dois artigos de Orlando Valverde, um explicando o que é
Antropogeografia (Valverde,1957), além do clássico trabalho sobre a fazenda escravocrata de café
(Valverde, 1967). Fora do campo geográfico, o grande clássico sobre o assunto é o livro de
Antônio Cândido (1964) , tratado de sociologia sobre o gênero de vida do caipira paulista e sua
transição para o mundo urbano, pesquisa realizada no município de Bofete (SP).

Além desses, também aparecem trabalhos que, ao estudarem um determinado espaço regional
orientaram suas pesquisas para um determinado setor produtivo ou atividade. ou para os aspectos
culturais advindos de grupos étnicos minoritários. Como no trabalho de Walter Alberto Egler sobre
a cultura fumageira do Recôncavo Bahiano ( Egler, 1952) e o de Orlando Valverde que trata da
influência da imigração italiana nas modificações dos processos agrícolas em alguma regiões
brasileiras e suas implicações no crescimento econômico do país (Valverde, 1959).

Estudos de Periferia Rural/Urbana

A principal razão da inclusão desse grupo de estudos, está nas preocupações de Max Sorre
(1948) sobre a necessidade de se criar uma nova tipologia de gêneros de vida, baseada nas novas
realidades da vida urbano-industrial.

Alguns dos pesquisadores que escreveram esses trabalhos, talvez não estivessem preocupados,
com esteve Sorre, com as questões ligadas à transição rural-urbana que estava tomando
velocidade e ampliando sua escala, no pós-guerra, mas mesmo assim, deixaram suas
contribuições para o que deveria ser o novo espaço de entendimento do gênero de vida e das
novas formas de habitat - a área periférica das metrópoles.

Nesse grupo destacam-se os trabalhos de Pedro Geiger e de alguns colaboradores sobre a


Baixada Fluminense (Geiger, 1952 e 1956, Geiger & Coelho,1956, Geiger & Santos, 1954), o de
Nilo Bernardes sobre atividades rurais em área montanhosa na cidade do Rio de Janeiro
(Bernardes Nilo, 1959), o de Lysia Bernardes sobre uso da terra na periferia de Curitiba (
Bernardes Lysia, 1956). Além desses, pode-se citar também o trabalho de Henrique Sant’ Anna
sobre a ocupação humana na atual região dos lagos no Estado do Rio de Janeiro (Sant’Anna,
1968), e o artigo de Edmon Nimer e Jacob Binsztok sobre o espaço rural periférico à cidade
capixaba de Castelo (Nimer & Binsztok, 1967).

179
As questões sobre loteamentos, mudanças de atividades agrícolas, cristalização de hábitos rurais
e resistências às mudanças são mais ou menos percebidas nesses trabalhos. As preocupações
de caráter social levantadas por Pedro Geiger e colaboradores ao estudar as articulações
econômicas que envolviam processos fundiários que já estavam ocorrendo na Baixada Fluminense
no início da década de 50 foram de grande relevância, ao anteverem espacialmente os problemas
que marcariam a área periférica da atual região metropolitana do Rio de Janeiro.

A Importância do Habitat no Planejamento dos Censos

A principal tarefa geográfica numa operação de censo demográfico insere-se na etapa de


planejamento e execução da base geográfica operacional. Isto é, a delimitação dos setores
censitários, passíveis de serem trabalhados pelos recenseadores ( agentes de coleta ). Nesse
procedimento, está embutido o estudo de Demangeon que levou à definição de um sistema
classificatório de aglomerados humanos e ao índice estatístico de dispersão das habitações, ver
Derruau (1964: 384-87).

A maior dificuldade desse planejamento é justamente uma conceituação objetiva de aglomerado e


assentamento que se situam em áreas rurais, já que na área urbana contínua, a delimitação dos
setores censitários é amarrada à existência de quarteirões e ao tamanho médio dos edifícios
multifamiliares.
No âmbito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é a principal agência do
governo federal encarregada das operações censitárias no país, a tarefa de conceituar e testar a
operacionalização das categorias de aglomerados rurais, para a otimização das operações de
coleta de dados nos respectivos domicílios, é sempre passível de alterações de censo para censo.

O trabalho de Olga Maria Buarque de Lima Fredrich (geógrafa) ; Sebastiana Brito (socióloga) e
Sonia Rocha (economista), publicado na principal revista de estudos estatísticos do IBGE, dá uma
idéia da complexidade desse problema vivido pelos recenseadores do censo demográfico de 1980
e três anos após o encerramento dos trabalhos de apuração, coloca em discussão o tema, para
que os planejadores dos próximos, possam se utilizar dos resultados dos estudos e dos debates
técnicos . (Fredrich, Brito, Rocha, 1983).

A principal questão em pauta no artigo é a sugestão de modificação da definição de aglomerados


rurais para fins censitários, por que nas palavras das autoras :

“... a conceituação adotada para o Censo de 1980 tem limitações que impedem uma
melhor caracterização do fenômeno pesquisado. Uma primeira limitação, que está
relacionada ao fato da definição legal de urbano e rural respeitada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística - IBGE, nos levantamentos censitários, nem sempre retrata a
realidade da ocupação urbana, se refere à não identificação entre os chamados
aglomerados rurais, dos assentamentos que são, na verdade, de natureza urbana, ou
seja, de áreas urbanizadas situadas fora dos perímetros urbanos definidos por lei. O
problema alcança maior expressão na periferia das cidades de maior tamanho e
dinamismo, cuja expansão ultrapassa, muitas vezes, os limites do perímetro urbano
legal.”

Outras limitações referentes às instruções para a conceituação de aglomerados rurais foram


também avaliadas: definição correta de tamanho e distância entre “casas de moradia”, dúvidas
quanto a definição de setor especial ( presídios, canteiros de grandes obras, etc. ...) e critérios de
composição da população envolvida ( sexo e percentual da População Economicamente Ativa -
PEA ).

A proposta deixada no artigo pelas autoras, vai desde os critérios de definição de cada tipo de
aglomerado por tamanho, densidade, repartição da PEA segundo setores de atividade. Além de
apresentar testes de campo no Estado do Rio de Janeiro e no Maranhão.

180
Nas justificativas as autoras colocam que...

“... No caso dos aglomerados isolados, o tamanho mínimo de 51 domicílios permitirá que
não se deixe de reconhecer e registrar a especificidade de adensamentos demográficos
que tem importância como ponto de convergência da população rural para a
comercialização de produtos e realização de serviços. Para o planejamento, é
imprescindível a identificação desses pontos que servem eficientemente, por exemplo à
logística de implantação de programas educacionais e de saneamento”.

Trabalhos como esse devem ser entendidos como uma das múltiplas faces do tema habitat, pois
gera subsídios para um entendimento melhor da distribuição espacial da população urbana e rural.

3 - Industrialização

A Geografia do IBGE enfocando o processo industrial em escala regional inicia sua atuação com o
artigo de um grupo de pesquisas coordenado por Pedro Geiger em 1963, mas que foi inicialmente
orientado por Michel Rochefort em 1961. O estudo trabalhava com o processo de industrialização
da região sudeste e é, sem sombra de dúvidas, o mais completo quadro da industrialização
brasileira no início dos anos 60. Além de Pedro Geiger, compunham o grupo nove geógrafos, Fany
Davidovich, Ignez de Moraes Costa, José Carneiro Felipe Filho, José César de Magalhães, Maria
Elisabeth Corrêa de Sá, Maria Lúcia Meireles de Almeida, Maria Luiza Gomes Vicente, Ney Julião
Barroso e Salomão Turnowski. Cabendo a Fany Davidovich a redação final do artigo, o que
garantiu uma alta qualidade ao texto, tornando-o um clássico na modalidade. Além disso, as fotos
dos arquivos do CNG dão uma incrível visão do processo de industrialização no início dos anos 60.

É importante frisar que estamos tratando de estudos que operavam na escala regional ou nacional,
evitando sempre que possível, trabalhos monográficos que enfocavam um centro muito
especializado. Modalidade muito comum nos congressos de Geografia. Mas alguma exceções
foram importantes, como no caso do trabalho de Milton Santos (na época professor da
Universidade da Bahia) que publicou na RBG um importante trabalho sobre localização industrial
na cidade de Salvador, a segunda metrópole nordestina, que no final dos anos 50 já possuía um
parque bem diversificado (Santos, 1958).

Uma outra exceção pode ser atribuída ao artigo de Fany Davidovich sobre a industrialização de um
centro periférico à metrópole de São Paulo no início dos anos 60, Jundiaí. (Davidovich, 1966) .

A década de 60 caracterizou-se por uma tentativa de ampliação das políticas de descentralização


industrial que visavam diminuir as desigualdades entre as regiões brasileiras, priorizando o
Nordeste via adoção de incentivos fiscais para implantação de parques industriais nas suas duas
maiores metrópoles, Recife e Salvador. Tais políticas gerenciadas pela Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) não deram ao longo daqueles anos, resultados que
pudessem ser sentidos claramente por suas economias.

No contexto das relações interdisciplinares que o IBGE tentou implementar nos anos 70 a
associação entre o geógrafo Pedro Geiger e o economista teuto-americano Werner Baer no
DEGEO, associação que acabou por gerar um dos melhores artigos de avaliação das políticas de
incentivo fiscais para a indústria no Nordeste brasileiro, mostrando sua ineficácia e indicando
claramente a persistência das desigualdades regionais apesar do grande volume de recursos
despendido na década anterior, (Baer, Geiger et alli, 1976).

A continuidade do interesse de Pedro Geiger pelos processos industriais que estavam em curso
em várias áreas do país, levou-o a estudar o processo de concentração geográfica dos
estabelecimentos industriais, juntamente com mais três colaboradoras a geógrafa Ciléia da Silva,
a socióloga Zélia de Morais e a economista Helena Castelo Branco (Geiger et alli, 1980).

181
Na mesma época, o interesse pelos processos de localização industrial na escala de região
metropolitana também levou outros geógrafos do IBGE a estudarem as relações entre localização
e migração de indústrias e suas estruturas de fluxos de matérias prima e de produtos finais entre a
região metropolitana alvo e as diversas escalas espaciais possíveis, local, estadual, regional e
nacional. Roberto Schmidt de Almeida e Miguel Ângelo Campos Ribeiro iniciaram seus estudos
pela região metropolitana de Recife (Almeida e Ribeiro, 1980) e Ribeiro deu continuidade ao
assunto trabalhando com a RM de Salvador para sua tese de mestrado em Geografia na UFRJ (
Ribeiro, 1982).

Durante toda a década de 90 esses dois autores dedicaram-se aos estudos de localização e de
tipologia industrial nas escalas regional e nacional. Foram trabalhadas as regiões Norte ( Almeida
e Ribeiro, 1995), Nordeste ( Almeida e Ribeiro, 1991a, b), Sudeste (Almeida e Ribeiro, 1993, 1995)
e na escala nacional, ao trabalharem no módulo Industrialização do Atlas Nacional do Brasil de
1992, resultou num artigo no número especial do Caderno de Geociências dedicado à algumas
análises do mapeamento do ANB. O objetivo principal desses trabalhos era verificar o grau de
concentração / diversificação do processo industrial brasileiro e compara-lo interregionalmente.
Mas esse tipo de análise mascarava muitos processos industriais que ocorrem em escalas mais
locais e que tradicionalmente não são estudados por técnicos do governo federal.

Um cenário alternativo a esses estudos foi tentado na Região Nordeste (Almeida e Ribeiro, 1991a)
e estava ligado aos padrões de localização dos pequenos e médios estabelecimentos de algumas
atividades industriais do segmento regional nordestino, fazendo uma comparação em dois
períodos de tempo (1970 e 1980). A principal preocupação era avaliar a dinâmica espacial dessas
indústrias que costumam compor o grupo de empresas do “circuito inferior” da economia urbana,
conforme estudado por Milton Santos em seu já clássico O Espaço Dividido (Santos, 1979), mas
analisando-as num contexto regional.

Foram analisados oito tipos de indústrias: Preparação de Fumo, Artefatos de Selaria, Fabricação
de Redes, Artigos Pirotécnicos, Óleos Vegetais, Farinha de Mandioca, Aguardente, Açúcar Bruto e
Rapadura, após um exaustivo trabalho de filtragem nos censos industriais de 70 e 80 e verificada a
evolução dos seus padrões espaciais de distribuição, que poderiam estar tendendo a
concentração, dispersão e a estabilidade no território nordestino.

Quando comparado aos convencionais trabalhos tipológicos que operam com os grandes gêneros
industriais, uma análise como essa abre grandes possibilidades de se entender o que fica fora de
foco em regiões de desenvolvimento incipiente.

Ainda no contexto dos estudos de estrutura industrial ocorridos na década de 90, o mais completo
trabalho interdisciplinar entre Geografia e Estatística foi levado a efeito por Evangelina Xavier G.
de Oliveira e Luisa Maria La Croix, a primeira, geógrafa da geração quantitativa e que sempre
trabalhou com essas técnicas, possuindo um amplo domínio sobre elas. A segunda, economista
que sempre operou no ambiente das estatísticas industriais do IBGE.

Com a denominação de Áreas Industriais: uma proposta de inovação na produção de estatísticas,


foi o resultado dessa combinação de saberes, gerando a proposta de uma espacialização, em
nível nacional, de áreas industriais: “recortes territoriais onde é significativa a atividade industrial, e
cuja estrutura produtiva é similar ou complementar, setorialmente, identificando-se conjuntos de
municípios vizinhos, por vezes não contíguos, ou municípios isolados, com perfil de especialização
específico.” (Oliveira e La Croix, 1994). O objetivo fundamental desse trabalho era de contribuir
com o Sistema Estatístico Nacional (SEN), gerando bases operacionais que agilizem a realização
da coleta e diminuam os custos de produção dos dados.

Os resultados palpáveis de uma trabalho como este deverão vir a tona com os novos bancos de
dados industriais que estão sendo gestados na Diretoria de Pesquisas em substituição aos antigos
censos industriais que foram interrompidos na década de 90.

182
4- Urbanização

O que se convencionou denominar de trabalhos ligados ao estudo da urbanização brasileira na


área de Geografia do IBGE, pode gerar alguma controvérsia, pois apresentam-se, as vezes,
misturados com os estudos de polarização e, em outros casos, com os de industrialização. Mas se
adotar-mos uma classificação bem livre, será possível traçar a trajetória desses trabalhos desde os
de Pierre Deffontaines sobre as cidades brasileiras (Deffontaines, 1944) até os estudos sobre a
constituição das Áreas Metropolitanas (IBGE, 1969) e os que analisaram os fatores que poderiam
compor as aglomerações urbanas brasileiras (Davidovich e Lima, 1975), (Davidovich e Cardoso,
1982), ( Lima Fredrich e Davidovich, 1982). Muito embora, as contribuições de Nice Lecoq Müller
(1968), Roberto Lobato Corrêa (1968 e 1989) no que tange aos estudos de redes urbanas e o de
Maurício Abreu (1994) que tratou dos trabalhos que operaram na escala intra-urbana são, sem
sombra de dúvidas, as melhores avaliações sobre o tema Geografia Urbana brasileira feitos até o
final do século XX.

O que importa aqui é dar ao leitor desta saga ibegeana um quadro de referência sobre as
principais linhas de trabalho da Geografia Urbana no IBGE, com os seus principais produtores.

O geógrafo francês Pierre Deffontaines foi o iniciador desses estudos em seu artigo A Geografia
Humana do Brasil (1939) no capítulo III, publicado na RBG n.1 v.2, p. 34-46, ao analisar as duas
maiores cidades do Brasil enfocando a posição e o sítio, o processo de ocupação do solo, o
microclima, as vias de comunicações e o abastecimento. No caso de São Paulo, Deffontaines
também analisa o critério função, em virtude de sua estrutura industrial que já se organizava nos
municípios periféricos São Caetano, Santo André e São Bernardo do Campo.

Ainda no campo do estudo de funções urbanas, Deffontaines produziu em 1938, um artigo para o
Bulletin de la Societé de Géographie de Lille , posteriormente traduzido por Orlando Valverde para
o Boletim Geográfico (Deffontaines, 1944), com o título de Como se Constituiu no Brasil a Rede de
Cidades que, apresenta uma classificação de cidades brasileiras de acordo com suas funções (as
reduções missionárias, aglomerações de origem militar, as cidades mineiras, as cidades nas
estradas: pousos, as cidades da navegação, ruínas de cidades pelas via férreas, cidades estações
ferroviárias e as bocas de sertão). No contexto americano Chauncy Harris e Edward Ullman
publicaram em 1945 The Nature of Cities que enfocava de maneira bem semelhante esse tipo de
classificação – cidades como localidades centrais, cidades como ponto de transbordo, cidades
como pontos de concentração de serviços especializados. A segunda parte tratou da estrutura
interna das cidades dentro dos conceitos da escola de sociologia urbana de Chicago (Harris e
Ullman, 1971).

Ainda sobre a questão do binômio sítio/posição, Deffontaines voltou a tratar do assunto


especificamente sobre o Rio de Janeiro, numa conferência pronunciada em 1959, devidamente
anotada por Lysia Bernardes e publicada no Beletim Geográfico 184 (Deffontaines, 1965).

Quando se pesquisa a estrutura de sumários da RBG verifica-se que o primeiro brasileiro a


estruturar um conjunto de quatro artigos sobre Geografia Urbana nos primeiros volumes da revista,
foi o engenheiro da Prefeitura do Distrito Federal Jeronymo Cavalcanti, numa composição
semelhante a do também engenheiro Moacir F. Silva que havia enfocado a Geografia dos
Transportes na escala de Brasil em 11 números consecutivos (RBG v.1 n.2 a v.3 n.4).

Jeronymo Cavalcanti inicia sua série com o artigo A Geografia e a sua influência sobre o
Urbanismo na RBG v.2 n.4 out./dez., 1940, continua na seguinte com A Geografia Urbana e sua
influência sobre o saneamento das cidades (RBG v.3 n.1 jan./mar. 1941), na RBG v.3 n.3 jul./set.
1941 apresenta A Geografia Urbana e sua influência no tráfego e finaliza a série na RBG v.4 n.1
jan./mar. 1942 com A Geografia Urbana e sua influência sobre o Urbanismo superficial e
subterrâneo. O primeiro tratou sobre as questões ligadas à posição e ao sítio e sobre as condições
morfológicas que beneficiam ou restringem a expansão urbana, os demais são artigos que

183
enfocam a distribuição espacial dos equipamentos básicos no contexto intra-urbano. Tráfego
(analisado sob o aspecto dos meios de transporte e da malha viária), saneamento (abastecimento
e esgotamento sanitário) e estrutura geológica e vegetação (suas relações com a engenharia civil
e o paisagismo).

Todos os artigos são ricamente documentados com fotos, plantas urbanas e arquiteturais e
desenhos. Esta série deve ser seriamente considerada como elemento de estudos nos cursos de
história da Geografia Urbana ou do Urbanismo atuais, para um melhor entendimento do que era
considerado pelos planejadores urbanos no final da década de 30 e início dos anos 40.

Durante o decorrer da década de 40 o estudo da Geografia Urbana esteve mais ligado aos
trabalhos monográficos sobre certos centros urbanos que mereciam destaque por alguma
característica específica os exemplos de Caxambú e Lambari trabalhados pelo engenheiro Virgílio
Correa Filho, assistente técnico do CNG nas RBG v.2 n.3 jul./set. 1940 e RBG v.9 n.4 out./dez.
1947, e o de Águas de São Pedro produzido por Sílvio Fróis de Abreu, consultor técnico do CNG
na RBG v.6 n.1 jan./mar. 1944, analisando o desenvolvimento dessas estâncias hidrominerais. A
construção de Goiânia, onde o CNG teve uma importante participação, inclusive organizando parte
da solenidade do batismo cultural da cidade, foi estudada por Aroldo de Azevedo, professor da
USP e editada na RBG v.3 n.1 jan./mar. 1941. Orlando Valverde também deu sua contribuição aos
estudos monográficos, através de sua segunda contribuição acadêmica na revista com os ensaios
sobre Pirapora e Lapa (RBG v.6 n.4 out./dez. 1944).

Na escala intra-urbana o trabalho de Everardo Backheuser (RBG v.6 n.1 jan./mar. 1944) sobre
comércio ambulante e as ocupações de rua no Rio de Janeiro apresenta-se como pioneiro neste
campo, e o de Moacir F. Silva sobre as redes de distribuição de energia para a iluminação pública
no Rio de Janeiro deu uma continuidade aos trabalhos anteriores de Jeronymo Cavalcanti (RBG
v.7 n.4 out./dez. 1945).

O mesmo Moacir F. Silva apresentou na RBG v.8 n.3 jul./set. 1946 o primeiro artigo enfocando a
questão da tipologia urbana como um resultado compósito de vários fatores como tamanho
populacional e função, utilizando uma vasta bibliografia americana e francesa e estabelecendo
comparações entre continentes. É claramente um precursor dos trabalhos desenvolvidos por
Speridião Faissol na década de 70, baseados na classificação de tamanho funcional gerada pela
técnica de análise fatorial.

Na segunda metade da década de 40, os estudos visando a transferência da capital do Brasil para
algum ponto do interior brasileiro geraram artigos que estavam mais vinculados aos aspectos
regionais do que propriamente o novo sítio, no entanto será importante citar os artigos de
Christóvão Leite de Castro sobre o processo (Castro, 1946 e 1947), pois geraram muita polêmica
no contexto das relações do IBGE com a Presidência da República.

Na década de 50 iniciam-se as contribuições de Pedro Geiger enfocando ainda um contexto peri-


urbano na Baixada Fluminense com o trabalho sobre loteamentos (Geiger, 1952), analisa com a
co-autoria de Ruth Lyra Simões (RBG v.16 n.3 jul./set. 1954) o processo evolutivo dessa área, e
em co-autoria com Myriam Gomes Coelho (Geiger e Coelho, 1956) ao tratar de estudos rurais, já
insere algumas questões relacionadas ao espaço peri-urbano.

Seus trabalhos de total ligação com a Geografia urbana e industrial podem ser percebidos nas
análises do processo de urbanização da Baixada Fluminense em seus setores da orla oriental da
Baía de Guanabara (Geiger, 1956 ) e na região setentrional (Geiger,1956).

Em 1963, Geiger edita pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais o clássico Evolução da
Rede Urbana Brasileira, o mais completo trabalho sobre o processo de urbanização brasileiro feito
nos anos 60. Com um sumário que abrangia tanto o processo, quanto a tipologia, mas que
também cobria todo o espectro das grandes aglomerações urbanas brasileiras em termos de
exemplos, além de um capítulo sobre a mais nova experiência urbana brasileira da época, Brasília.

184
Definindo as metrópoles nacionais e delimitando hierarquicamente suas respectivas redes, além
de correlacionar explicitamente as relações entre industrialização e urbanização, que começavam
a se delinear no Brasil no final dos anos 50 e início dos 60.

Para se ter uma avaliação aproximada de seu poder de produção geográfica, naquele período,
Nice Lecocq Müller (1968) ao avaliar o estado da arte ds estudos de Geografia Urbana no Brasil
durante o Simpósio de Geografia Urbana do IPGH, realizado em Buenos Aires em 1966, listou 10
trabalhos de Geiger realizados entre 1952 e 1963 e Roberto Corrêa (1968) ao avaliar os estudos
sobre redes urbanas no brasil até 1965 no mesmo Simpósio, detectou cinco que tratavam
especificamente do tema também escritos por ele entre 1957 e 1964.
O período compreendido entre 1956 e 1968 marca uma fase de intensos trabalhos na área de
Geografia Urbana. O XVIII Congresso Internacional de Geografia realizado no Rio de Janeiro
chamou a atenção da comunidade internacional da Geografia para uma agência de planejamento
estatístico e territorial que possuía uma equipe de profissionais de alto nível, formados por Pierre
Deffontaines nas fases iniciais, treinados Francis Ruellan desde 1940 e por Leo Waibel entre 1945
e 1950, a maioria com treinamento especializado em universidades no exterior (França e Estados
Unidos), além e de receberem freqüentemente visitas técnicas de pesquisadores especializados
(Emmanuel de Martonne, Pierre Dansereau, Clarence Field Jones, Preston James, Jean Tricart e
outros).

Um dos geógrafos que passou a trabalhar com a equipe do CNG nos estudos de urbanização foi
Michel Rochefort. Sua colaboração com Lysia Bernardes e Pedro Geiger na década de 60, deixou
um legado de formação de técnicos e de adoção de metodologias nos estudos urbanos e
industriais que ainda não foi totalmente substituído. O trabalho sobre a rede urbana do Rio de
Janeiro (Bernardes L.,1964) é, sem dúvida, a mais importante pesquisa feita nesse período,
usando os ensinamentos de Michel Rochefort ( 1957 ) no trato de questões sobre sistemas de
cidades, principalmente no que se referia aos processos de determinação da hierarquia urbana de
um espaço regional ou nacional, através da avaliação do setor terciário das cidades envolvidas. No
campo dos estudos das relações campo-cidade alguns geógrafos também foram importantes,
deste conjunto destacam-se três, dois que trabalharam sistematicamente no assunto: Maria
Francisca Thereza Cavalcanti Cardoso e Roberto Lobato de Azevedo Corrêa e a terceira, Elza
Coelho de Souza Keller que em 1969 publicou um artigo sobre as funções regionais e a zona de
influência da cidade de Campinas (RBG v.31 n. 2 abr./jun. 1969) e que também coordenou,
juntamente com Pedro Geiger, o primeiro projeto de delimitação das regiões funcionais urbanas de
1972.

A produção de Maria Francisca na Revista Brasileira de Geografia enfocando os estudos urbanos


inicia-se na década de 50, com um trabalho sobre a cidade de Cataguases - MG (Cardoso, RBG
v.17 n.4 out./dez 1955), após um período trabalhando com Geomorfologia, retorna as pesquisas
urbanas na década de 60 com dois trabalhos sobre área de influência de cidades médias
nordestinas Campina Grande (RBG v.25 n.4 out./dez. 1963) e Carauaru (RBG v.27 n.4 out./dez.
1965) e um específico de intra-urbana sobre a feira de Caruaru (RBG v.29 n.1 jan./mar. 1967). Na
década de 70 trabalha com planejamento de polos de desenvolvimento no Nordeste (RBG v.32 n.1
jan./mar. 1970) e no final da década em Minas Gerais, trabalhando com a técnica de mercados
mínimos para medir desequilíbrios intra-regionais (RBG v.41 n.3 jul./set. 1979). Maria Francisca
Cardoso trabalhou também na área de divulgação de assuntos geográficos e orientou a estrutura
de cursos de aperfeiçoamento durante o início dos anos 80, retornou à pesquisa geográfica,
trabalhando em análise regional e aposentou-se em 1991.

A vinculação de Roberto Lobato de Azevedo Corrêa com a Geografia Urbana, e em particular com
os estudos das relações entre cidades e suas regiões de influência, inicia-se na década de 60, no
contexto de pesquisas que adotaram o método de Michel Rochefort de avaliação de redes
urbanas. Em seu depoimento para esta pesquisa, Roberto explicita quem foram seus principais
orientadores e referências metodológicas...

185
“ Olha eu devo meu crescimento para profissional no IBGE a duas pessoas
fundamentalmente, primeiro Nilo Bernardes e depois a Lysia Bernardes, sobretudo a ela.
Com Nilo Bernardes eu comecei a trabalhar em Agrária e cheguei a fazer trabalhos de
campo, dois trabalhos de campo no sertão e agreste de Alagoas e Sergipe e uma parte
da Bahia em 62 e em 64 na região de Amargosa no agreste Bahiano, aí comecei a
trabalhar com Geografia Agrária, isso foi no período de 59 a 62. De certa forma, esse foi
o período de meu interesse pela Geografia Agrária. Ainda que eu fosse a campo em
1964 com Nilo Bernardes, meu foco de interesse já havia mudado desde 196l, quando eu
fui trabalhar com Lysia Bernardes e embora trabalhando ainda em Geografia Agrária do
Nordeste, paralelamente, eu já acompanhava de perto e namorando, o que a Lysia fazia
sob orientação do Michel Rochefort, para definir a região de influência do Rio de Janeiro
e depois as primeiras áreas de influência do Nordeste para o Banco do Nordeste do
Brasil, foi a partir daí que começou meu interesse pela Geografia Urbana e isso eu devo
a Lysia Bernardes sem a menor dúvida...” (Depoimento de Roberto Lobato Corrêa a
RSA).

Outra constatação sobre essas influências, foi também mostrada na epígrafe do seu segundo
artigo de avaliação da produção geográfica sobre redes urbanas (RBG v.51 n.3 jul./set.
1989:113)...

“A Monbeig e Rochefort que lançaram a semente. A Milton Santos, Lysia Bernardes,


Pedro Geiger e Elza Keller que, entre 1956 e 1964, fizeram-na germinar”

Sua produção pode ser avaliada de várias formas, mas ele mesmo foi o seu mais completo
avaliador, ao ter elaborado dois trabalhos de análise do “estado da arte” sobre o tema de redes
urbanas, um no final dos anos 60 (Corrêa, 1968) e outro no final dos anos 80 (Corrêa, 1989), outro,
de enfoque analítico sobre as diferentes abordagens dos estudiosos ao tema, e também
propositivo, ao elencar algumas linhas de pesquisas que, a seu ver, deveriam ser objeto de
estudos no futuro (Corrêa, 1988) e, coroando sua vida profissional, com a publicação do livro
Trajetórias Geográficas (Corrêa, 1997), uma coletânea de seus principais trabalhos em segmentos
de pesquisa da Geografia (Redes, Espaço Urbano, Região, Espaço e Empresa e Espaço, Tempo e
Cultura).

A principal característica da trajetória profissional de Roberto Lobato Corrêa na Geografia Urbana


brasileira foi sua total inserção nas quatro correntes metodológicas por que passou a Geografia
Urbana no IBGE, a “Tradicional” de inspiração francesa, dos anos 60, a de “Planejamento
Urbano”, também de inspiração francesa sob a orientação de Michel Rochefort, no final dos anos
60, a “Quantitativa” de inspiração anglo-americana dos anos 70 e a “Marxista” dos anos 80. Seus
principais trabalhos em cada dessas fases foram Cidade e Região no Sudoeste Paranaense (RBG
v.32 n.2 abr./jun. 1970) na fase “Tradicional”; Estudos Básicos para a Definição de Pólos de
Desenvolvimento no Brasil (RBG n.29 n.1 jan./mar. 1967) em co-autoria com Rubens de Mattos
Ferreira do EPEA, Fany Rachel Davidovich e Pedro Pinchas Geiger, na fase de “Planejamento
Urbano”; o capítulo Sistema Urbano do volume Região Sudeste de 1977 em co-autoria com Olga
Maria Buarque de Lima e sua tese de mestrado em Chicago, orientada por Brian Berry Variations
in Central Place System: ana analysis of the effects of population densities and income levels em
1974 na fase “Quantitativa” e Repensando a Teoria das Localidades Centrais na coletânea Novos
Rumos da Geografia Brasileira, organizada por Milton Santos em 1982, na fase “Marxista”.

Num de seus últimos trabalhos publicado na Território , Roberto retoma a questão da rede urbana
sob o novo contexto da globalização, analisando o papel complementar das pequenas cidades na
composição das redes urbanas e exemplifica certas áreas no Brasil. Uma linha de pesquisa
altamente promissora, tanto para trabalhos no âmbito do IBGE, quanto para pesquisas de futuras
teses universitárias(Corrêa, 1999).
Roberto Lobato Corrêa iniciou sua carreira no IBGE em 1959 e aposentou-se em 1993, atualmente
leciona na UFRJ.

186
Os estudos de redes no IBGE foi continuado nos anos 90 pela equipe do projeto Regiões de
Influência das Cidades e individualmente por Miguel Ângelo Campos Ribeiro, que havia colaborado
neste assunto no relatório do projeto Diagnóstico da Amazônia Legal para a Secretaria de
Assuntos Estratégicos em 1995 e elaborou sua tese de doutoramento, orientado por Roberto
Lobato Corrêa, sobre a rede urbana da Amazônia, trabalhando a justaposição de três tipos de
redes: a rede do centros de produção, a rede de centros de distribuição e a rede de centros de
gestão (Ribeiro, 1998). Miguel Ângelo Ribeiro aposentou-se em 1999 e atualmente leciona na
UERJ.

A área de análises sobre o processo de urbanização foi a arena de dois profissionais que
produziram dois tipos de trabalhos bem distintos, mas que geraram uma boa complementaridade
aos olhos dos outros técnicos da área de planejamento federal. O primeiro foi Speridião Faissol e
sua equipe, que geraram uma grande série de análises sobre a estrutura urbana brasileira,
apoiados em técnicas quantitativas as mais diversas, e o segundo foi Fany Rachel Davidovich, que
contribuiu enormemente com seus trabalhos e relatórios, que tendiam a explicar em termos mais
políticos do que técnicos os processos de urbanização, abrindo com isso canais de comunicação
mais efetivos entre as áreas de planejamento urbano situadas em agências como o SERFHAU ou
o Ministério de Urbanismo e o IBGE.

A produção técnica de Fany na RBG inicia-se em 1961, com um artigo em co-autoria com Pedro
Geiger Aspectos do Fato Urbano no Brasil, (RBG v.23 n. 2 abr./jun. 1961), transita pelos estudos
de Geografia industrial em 1966, participa do grupo de trabalho sobre a definição de pólos de
desenvolvimento (RBG v.29 n.1 jan./mar.1967), estuda os fluxos de bens e pessoas no processo
de regionalização urbana (RBG v.31 n.2 abr./jun. 1969), trabalha com redes urbanas no Nordeste
em dois momentos distintos (RBG v.33 n.2 abr./jun. 1971 e v.40 n.2 abr./jun.1978), juntamente
com Olga Buarque de Lima e Maria Francisca Cardoso elaboram o projeto de aglomerações
urbanas (RBG v.37 n.1jan./mar. 1975, v.38 n.4 out./dez. 1976, v.43 n.1 jan./mar 1981, v.44 n.1
jan./mar. 1982), elabora paralelamente, alguns trabalhos teóricos e de orientação de políticas
sobre o processo de urbanização, que a fizeram conhecida no ambiente de planejamento urbano
federal (RBG v.36 n.3 jul./set. 1974, v.39 n. 3 jul./set. 1977, v.40 n.1 jan./mar. 1978, v.45 n.1
jan./mar. 1983, v.48 n.3 jul./set. 1986, v.49 n.2 abr./jun. 1987, v.49 n.4 out./dez. 1987). Fany
ingressou no IBGE em 1943 e afastou-se em 1945 ao casar-se, retornou em 1960 e aposentou-se
pela compulsória em 1992, mas continua a produzir como consultora em diversas agências de
governo.

Os trabalhos da fase “ urbana” de Speridão Faissol e sua equipe, caracterizavam-se pela tentativa
de absorção dos métodos quantitativos, que foram mais explorados no contexto dos trabalhos
classificatórios de centros urbanos, ao correlacionar tamanho populacional com características
funcionais, gerando o fator tamanho funcional, muito citado nos trabalhos do período (Faissol,
1972).

O envolvimento de alguns geógrafos do IBGE com a Geografia Quantitativa sob a liderança de


Faissol, se deu através de Brian Berry, geógrafo norte-americano com especialização em
Geografia dos Mercados de Varejo (Berry, 1971) preocupado em estabelecer uma base
mensurável para Teoria dos Lugares Centrais definida em 1933 por Walter Christaller (1966) e
John P. Cole, geógrafo inglês especializado em métodos quantitativos, especialmente as análises
multivariadas que conjugavam conjuntos de variáveis demográficas e econômicas a um grupo de
lugares (cidades) e espacializavam as correlações que emergiam do algoritmo (Cole, 1972). Além
de Speridião Faissol, coordenador do Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM), Pedro P. Geiger,
Roberto Lobato Corrêa, Olga Maria B. de Lima, Hilda da Silva, Marilourdes L. Ferreira, Evangelina
Xavier G. Oliveira, foram os profissionais do IBGE que mais se dedicaram ao estudo dos novos
métodos, embora alguns outros tenham também utilizado essas técnicas, principalmente no
contexto dos estudos dos sistemas urbanos da coleção Geografia do Brasil de 1977. Olga e
posteriormente Evangelina, seguiram para Inglaterra, Roberto Lobato e Hilda da Silva foram para
os USA .( Hilda veio a falecer em Chicago no período do doutoramento em 1975).

187
A produção geográfica de Speridião Faissol sobre a urbanização brasileira foi muito extensa, além
disso, Faissol mostrou uma impressionante capacidade de, além de escrever, também organizar
congressos e simpósios para divulgar os métodos quantitativos na Geografia e de editar
coletâneas com trabalhos de pesquisadores ligados a essas técnicas.

A RBG 47 (1/2) jan./jun., 1985, lista 20 trabalhos sobre urbanização, migrações internas, teoria,
análise regional, desenvolvimento econômico, regionalização e divulgação dos métodos
quantitativos de autoria de Faissol, entre 1970 e 1978. Como exemplos de coletâneas também
organizadas por ele estão Urbanização e Regionalização: relações com o desenvolvimento
econômico (Faissol,1975), trabalho de seleção de artigos de geógrafos e economistas de renome
internacional como Berry, B. ; Perroux, F. ; Brown, L. ; Olsson, G. ; Lasuen, J. ; Dacey, M. e
Tendências Atuais na Geografia Urbano /Regional: teorização e quantificação (Faissol, 1978),
coletânea de artigos de 15 geógrafos e economistas brasileiros sob orientação de Faissol, que
organizou a estrutura dos capítulos que vão da teorização, passando pelas técnicas de análise
fatorial, análise de agrupamento, análise discriminante, correlação canônica, cadeia de Markov,
medidas de desigualdade e concentração e análise da difusão de inovações.

Outra área dos estudos urbanos que, embora não esteja enquadrada na escala de atuação de
uma agência do governo federal, que normalmente abrange o Brasil e suas macrorregiões, gerou
muitos subsídios para o planejamento urbano foi a pesquisa intra-urbana. Além dos quatro
trabalhos precursores de Jeronymo Cavalcanti e da atuação de Everardo Backheuser, com uma
série de 15 trabalhos no Boletim Geográfico sobre aspectos geográficos da cidade do Rio de
Janeiro, na década de 40, a primeira grande pesquisa realizada por um grupo da Divisão de
Geografia, sobre a área central do Rio de Janeiro, foi coordenada por Aluízio Capdeville Duarte em
1967, ainda no contexto das comemorações do 4o Centenário da Cidade ocorrido em 1965. O
grupo, composto de 13 pesquisadores colaboraram com 14 textos que explicavam as diferentes
funções dessa área do Rio de Janeiro e analisavam alguns processos de transformação urbana
ocorridos na década de 60.

Normalmente as incursões dos geógrafos da Divisão de Geografia neste assunto, restringiam-se


aos cursos de Geografia Urbana que tratavam da cidade do Rio de Janeiro (IBGE, 1965, 1968) e
ao livro didático de Ceçary Amazonas sobre a Guanabara (Amazonas, 1974).

No final dos anos 60, outro tipo de pesquisa obrigou a Geografia Urbana do IBGE a trabalhar numa
escala quase local para o estabelecimento das nove áreas metropolitanas brasileiras (RBG v.31
n.4 out./dez. 1969). Mais uma vez a liderança de Faissol se fez notar, e muitos projetos foram
desenvolvidos na escala intra-urbana, para subsidiar o segmento de estudos do processo de
metropolização e de aglomerações urbanas.

A melhor fonte para análise desses trabalhos realizados por pesquisadores do IBGE foi a revisão
feita por Maurício Abreu no final dos anos 80, apresentada no I Simpósio Nacional de Geografia
Urbana de 1989 em São Paulo e publicada na RBG v. 56 n. 1/4 (Abreu, 1994) O Estudo
Geográfico da Cidade no Brasil: Evolução e Avaliação. Apesar da estruturação dos tópicos
apresentados não se encaixarem totalmente nos propósitos desta pesquisa, seu rastreamento
bibliográfico foi de suma importância na avaliação dos estudos dos ibegeanos no que concerniu às
pesquisas intra-urbanas.

Foram detectados 158 trabalhos realizados por geógrafos do IBGE dentro e fora do contexto
editorial da casa, isto é, profissionais da agência escreveram, tanto em publicações editadas pelo
IBGE ou em co-produção, quanto em outras publicações, que também foram computadas, em
virtude deles estarem efetivamente trabalhando no órgão, por ocasião da publicação. Um exemplo
disso foram as teses de pós-graduação que foram editadas pelas respectivas universidades, mas
se foram realizadas por profissionais da casa, foram consideradas como trabalho da Geografia do
IBGE. Por outro lado, 50 trabalhos versando sobre os estudos intra-urbanos e de autoria de
profissionais de fora do IBGE foram verificados na bibliografia rastreada por Maurício Abreu, com
tendo sido publicados sob a chancela do IBGE, em revistas ou em edições monográficas.

188
Tal contagem foi importante para se acabar com a falsa impressão de que os estudos intra-
urbanos não eram considerados prioritários pela alta direção da agência, apesar de se entender
que esta escala de abordagem não seria o que normalmente se entenderia como objeto de análise
de uma agência de planejamento territorial do governo federal.

Durante as décadas de 70 e 80, muitos desses 158 trabalhos de pesquisadores do IBGE


contribuíram para o entendimento do processo de metropolização brasileiro ao teorizar sobre os
processos de estruturação intra-urbana, classificar os principais agentes modeladores do solo
urbano, públicos e privados e exemplificar suas ações (Bahiana, 1978, 1986), (Corrêa, 1976,1979,
1983 1983/84), (Almeida, 1980, 1982, 1986, 1987, 1997), (O’Neill, 1986), (O’Neill e Natal, 1988),
(Kossmann e Ribeiro, 1984), (Vetter e Massena, et al. 1979, 1981) e de estudar outros aspectos
vinculados a estrutura intra-urbana de nossas cidades, principalmente o Rio de Janeiro, como
renda da terra, mobilidade urbana, favelização, violência urbana, e aspectos culturais e perceptivos
(Mello, N. D. C., 1981), (Bezerra e Cruz, 1982), (Bezerra, Cruz e Bahiana, 1983), (Massena,
1976,1983,1986), (Mello, J.B., 1986/87).

Deste grupo, três personagens foram importantíssimos na orientação dessas pesquisas Roberto
Lobato de Azevedo Corrêa, que no DEGEO e na UFRJ, orientou a maioria dos pesquisadores que
desenvolveram teses e trabalhos internos sobre a estrutura interna das cidades, principalmente o
Rio de Janeiro, a segunda foi Olga Maria Buarque de Lima Fredrich, que trabalhou intensamente
no projeto de ecologia fatorial das metrópoles brasileiras e David Michael Vetter (economista do
Departamento de Indicadores Sociais do IBGE), que além de trabalhar complementarmente no
projeto de ecologia fatorial das metrópoles, orientou as pesquisas sobre a espacialização das
políticas públicas de implantação de infra-estrutura na área metropolitana do Rio de Janeiro.

5 - Modernização da Agricultura

A expressão modernização da agricultura tratará dos trabalhos de Geografia Agrária como um


todo, mas dará ênfase aos estudos empreendidos a partir da década de 60, onde a preocupação
com os processos de modernização das atividades ligadas ao mundo rural foram mais
explicitadas. Os trabalhos anteriores de Geografia Agrária, na maioria dos casos, foram tratados
no tópico de ocupação do território e habitat.

Foram trabalhos que iniciaram uma aproximação maior com questões teóricas como o modelo de
Von Thunen (Mesquita,1978), experimentaram técnicas estatísticas mais sofisticadas para estudar
questões como concentração, diversificação e combinação de culturas, e que na década de 70
testaram alguns dos programas de análise fatorial e análise de agrupamento.

Nos anos 80, novas orientações enfocaram um outro expectro de problemas ao analisarem os
efeitos do agribussines na concentração fundiária e tratarem com outra visão o acompanhamento
da ocupação predatória das atividades rurais em todos os estratos de renda dos produtores, sejam
eles ricos e tecnificados ou pobres e sem qualificação técnica. Além de se concentrarem no
acompanhamento da evolução dos Complexos Agro-Industriais , entidades de amplo escopo que
passaram a liderar as ligações entre o campo e a cidade, tanto na troca de insumos e maquinário,
quanto nas trocas de mão de obra e nos serviços de transporte, comunicações e assistência
financeira.

Ao trabalhos iniciais da Geografia do IBGE no campo das atividades rurais restringiam-se a


informar alguns fatos da evolução da produção brasileira como um todo ou por produto, como é
possível verificar nos trabalhos de Eloisa de Carvalho Teixeira (Teixeira, 1951, 1952, 1959).

O mais importante introdutor dos estudos agrários com cientificidade no IBGE foi Léo Waibel, ao
combinar as pesquisas sobre colonização e Biogeografia, que atuavam como estruturas
referenciais para se entender o processo de ocupação do território via atividade agrícola e de

189
colocar na arena de estudos o primeiro artigo sobre a teoria de Von Thünen (Waibel, 1948),∗ e de
publicar no Boletim Geográfico um artigo mais informativo e de comparações sobre o tema
(Waibel, 1955). Seu livro Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil (Waibel,1958) foi uma
espécie de síntese desses conhecimentos.

Seus melhores discípulos foram, por conseguinte, os melhores geógrafos agrários do IBGE entre
os anos 50 e início dos 60. Nilo Bernardes e Orlando Valverde.

Os trabalhos de Nilo concentravam-se nos processos de colonização de espaços do interior do


país, mas também estruturou um quadro geral da agricultura brasileira nos anos 50 (RBG, v.23
n.2, abr./jun. 1961). A obra do Orlando valverde no contextos dos estudos agrários foi mais
diversificada, iniciando com trabalhos vinculados aos processos de colonização e análise regional
(Valverde, 1944, 1948) e enfocando processos agrários específicos na segunda metade da década
de 50 (Valverde, 1955, 1957, 1958, 1959), além de no guia de excursão ao Planalto Meridional
tratar com muito detalhe as características agrícolas da região (Valverde, 1957).

Na década de 60, Orlando concentra-se nos aspectos conceituais e de exemplificação de alguns


temas de Geografia Agrária, como características de certas áreas rurais do nordeste (Valverde,
1961), conceituação de sistemas intensivo e extensivo, de “plantation” e de sistema de roças
(Valverde, 1961, 1967, 1968, 1968), além de produzir os dois volumes do livro Geografia Agrária
do Brasil (Valverde, 1964), resultado de suas pesquisas esboçadas em seu curso de Geografia
Agrária Geral e do Brasil ministrado na AGB do Rio de Janeiro em 1957 . Seu trabalho, juntamente
com Catarina V. Dias, sobre a rodovia Belém-Brasília, onde apresenta os processos de ocupação
agrícola em espaços cortados por estradas de integração na região Norte e Centro Oeste abriu as
primeiras pistas para a questão da importância do sistema urbano na Amazônia (Valverde e Dias,
1967). Posteriormente, no final dos anos 80, coordenando uma equipe multidisciplinar Orlando
volta ao tema, focalizando a Amazônia Ocidental através da rodovia Transamazônica (Valverde,
1989).

Ainda na década de 60, uma outra vertente de estudos foi iniciada por Elza Keller ainda na UNESP
de Rio Claro, ao orientar em 1964, um grupo de professores e alunos de especialização
principalmente quanto aos estudos de tipologia agrícola sob a orientação da Comissão de
Levantamento Mundial de Utilização da Terra da UGI e contando com o apoio metodológico de
Jerzy Kostrowicki da Polônia, que posteriormente presidiu a comissão. Os contatos de Kostrowicki
com Elza Keller resultaram em linhas de pesquisa que enfocavam preocupações com a qualidade
dos dados estatísticos a serem trabalhados nos futuros trabalhos. Em 1968 Elza Keller retorna ao
IBGE, após sua experiência de ensino em Rio Claro, mas fica conhecida como uma pesquisadora
que, nas palavras de Alexandre Felizola Diniz “lançou as bases de um movimento de profundas
mudanças na Geografia Agrária Brasileira” (Diniz, 1984: 84).

Com a chegada de Isaac Kerstenetzky à presidência do IBGE em 1970, o sistema estatístico da


casa iniciou uma série de ações que sistematizaram as informações do segmento agropecuário e
criaram outras campanhas, que acabaram por suprir de dados a área de Geografia Agrária do
agora Departamento de Geografia (DEGEO). A principal pesquisadora que comandou esse
processo de mudança nos trabalhos agrários foi Elza Coelho de Souza Keller, juntamente com
Solange Tietzmann Silva e Olindina Viana Mesquita que continuaram o projeto, posteriormente
tendo a colaboração dos geógrafos Rivaldo Pinto de Gusmão e Maristella de Azevedo Brito, da
economista Sonia Rocha e da socióloga Sebastiana Rodrigues de Brito, além de contarem com o
apoio técnico de pesquisadores como Ney Rodrigues Innocencio, Maria Elisabeth de Paiva Correia
de Sá, Luiz Sérgio Pires Guimarães, Dora Rodrigues Hees, Tereza Coni Aguiar, Maria do Socorro
Brito e Adma Hamam de Figueredo, somado às informações de Mitiko Une quanto aos aspectos
climatológicos vinculados às safras agrícolas.


O modelo de Von Thünen foi novamente discutido por Olindina V. Mesquita em sua tese de
mestrado na UFRJ em 1978 e publicada na RBG v.40 n.2, abr./jun.: 60-130, 1978.

190
Esse grupo desenvolveu linhas de trabalho em regionalização agrícola em escala nacional, no
contexto da obra Subsídios à Regionalização (Mesquita et all., 1968), regionalizações em escala
estadual (RBG v.32 n.1,jan./mar.: 3-42,1970), testou os métodos quantitativos em tipologia agrícola
(RBG v.32 n.4, out./dez.:41-86, 1970), (RBG v.36 n.1, jan./mar., 1974), além de terem trabalhado
com essas técnicas nos capítulos temáticos da coleção Geografia do Brasil de 1977. Pesquisas
sobre concentração de cultivos (RBG v.39 n.3, jul./set.: 137-143, 1977), armazenagem (RBG v.40
n.3, jul./set.: 52-130, 1978) e definiram proposições metodológicas sobre os estudos de
desenvolvimento rural (RBG v.43 n.3, jul./set.:419-447, 1981) e iniciaram grandes projetos
multidisciplinares em convênio com outras agências governamentais como a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), linha de pesquisa precursora dos grandes diagnósticos
sócio-ambientais que foram implementados na segunda metade dos anos 80 e durante a década
de 90 (IBGE, 1979).

As mudanças de orientação de enfoque dos trabalhos de Geografia Agrária ocorridas nos anos
80, puderam ser percebidas nos artigos e projetos que passaram a enfatizar os aspectos sociais
das fronteiras de ocupação ao longo das novas estradas de integração construídas na década de
70 . Problemas de qualificação da mão de obra rural (RBG v.46 n.1, jan./mar.: 5-78, 1984),
marginalidade rural (RBG v.46 n.2, abr./jun.:227-361, 1984), estudos comparativos entre inserção
tecnológica e marginalização de parte dos produtores rurais (RBG v.46 n.3, jul./set.:425-550, 1984,
RBG v.48 n.4, out./dez.:503-533, 1986).

A estrutura de dados do IBGE que o setor agropecuário oferece aos pesquisadores, com censos
agropecuários qüinqüenais (pelo menos até a década de 90), pesquisas mensais como o
Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), anuais como a Produção Agrícola
Municipal (PAM), Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), Produção da Extração Vegetal e da
Silvicultura (PEVS) e semestrais como a Pesquisa de Estoques (PE), além de pesquisas
específicas como o levantamento da soja, do leite, abate de animais, produção de couro, de ovos
de galinha e estimativas sobre a previsão e acompanhamento de safras. Em virtude disso foram
publicados muitos trabalhos de acompanhamento e evolução da agropecuária (RBG v.39 n.4,
out./dez.:3-65, 1977 , RBG v.44 n.1, jan./mar.: 3-49, 1982 , RBG v.40 n.3/4, jul./dez.:52-130, 1978 ,
RBG v. 41 n.4, out./dez.:105-116, 1979 , RBG v.49 n.1, jan./mar.:3-10, 1987 , RBG v.50 n.1,
jan./mar.:41-60, 1988).

No início dos anos 90, em função do convênio entre o IBGE (DEGEO) e a MAISON DE LA
GÉOGRAPHIE de Montpellier , sob o apoio técnico de Philippe Waniez e Hervé Théry as
geógrafas Dora Rodrigues Hees e Evangelina Xavier G. de Oliveira estiveram na França
mapeando e comentando os dados do censo agropecuário de 1985, produzindo uma espécie de
Atlas das Fronteiras Agrícolas do Brasil (Hess, Oliveira, Théry, Waniez, 1992).

No contexto atual do DEGEO apenas Hadma Hamman Figueredo ainda lidera as pesquisas
agrárias, trabalhando com as conseqüências ambientais e políticas da ocupação em áreas de
fronteiras de recursos (Figueredo, 1998) e orientando o mapeamento do tema, no Atlas Nacional
do Brasil, no qual é também coordenadora geral, a ser editado no fim do ano de 2000.

6 - Caracterizações Ambientais

Do conjunto de estudos que enfocaram o meio físico, escolhemos analisar os três segmentos mais
importantes, que propiciaram a geração de muitos trabalhos e garantiram o desenvolvimento
profissional de alguns geógrafos, como também de profissionais de outras especialidades,
principalmente geólogos, biólogos e engenheiros agrônomos.

A Geomorfologia, área da Geografia que trabalha com os processos formadores do modelado


terrestre e que estrutura as principais tipologias relativas ao relevo do território.

191
A Climatologia, campo que espacializa o conjunto de informações que a Meteorlogia nos apresenta
quotidianamente, e que apresenta quadros de referência sobre temperatura, pressão do ar, regime
de ventos, precipitações etc. tanto sob a forma de mapeamento, quanto sob a forma de textos
explicativos dos processos de médio e longo prazo que garantem uma dada classificação climática
mais geral.

A Biogeografia, segmento de estudos que trata da espacialização da cobertura vegetal e da


ocorrência de animais, que em combinação com especializações como Botânica e Zoologia
explicam uma grande parte de que se convencionou chamar de Meio Ambiente. Atualmente,
verifica-se uma grande sinergia com a Ecologia, que estuda em detalhes as relações entre os
seres vivos num dado segmento espacial.

Este conjunto de saberes foi, nas primeiras décadas de atuação do IBGE, altamente prestigioso,
tendo como iniciadores, profissionais como Emmanuel De Martonne com seu clássico Problemas
Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico (RBG v.5,n.4,p.523-550, out./dez.,1943), Alberto Ribeiro
Lamego, autor da coleção O Homem e ... (Lamego, 1945, 1946, 1948, 1963), além de mestres
estrangeiros que foram os principais formadores da primeira geração de profissionais como o
francês Francis Ruellan na Geomorfologia e o canadense Pierre Dansereau na Biogeografia.

Ruellan, além de produzir artigos que tornaram-se clássicos (Ruellan, 1944, 1949), formou
profissionais como Alfredo Porto Domingues ,que dominou com maestria os conhecimentos
integrados entre Geologia, Biologia e Climatologia tornando-se um dos mais completos geógrafos
físicos da casa. Seus trabalhos na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e sua série de artigos
sobre as características geológicas e morfológicas do estado da Bahia ( Domingues, RBG
v.9n.1, p.57-82, jan./mar. 1947; RBGv.9, n.2,p.185-248, abr./jun.1947; RBGv.10,n.2,p.255-287,
abr./jun.1948 ).

Antônio Teixeira Guerra, um dos supervisores geográficos da Enciclopédia do Municípios


Brasileiros e considerado um dos mais produtivos geógrafos do IBGE com 30 artigos na RBG, 45
no Boletim Geográfico, 12 artigos em publicações avulsas, como os Cursos de Férias para
Professores e autor do Dicionário Geológico-Geomorfológico ,obra editada nos anos 60 e
reeditada em 1999 por seu filho, também geomorfólogo, que também trabalhou no IBGE na
década de 70 e que atualmente leciona na UFRJ (Guerra, 1966). Amélia Alba Nogueira, autora de
todos os capítulos de Geomorfologia da coleção Geografia do Brasil de 1977 ∗ e Gelson Rangel
Lima que chefiou o Setor de Geomorfologia do DEGEO na década de 70.

São também da década de 70 a coletânea de comentários sobre 201 fotos do relevo brasileiro
organizado por Celeste Rodrigues Maio (Maio, 1973) e reeditada em 1980 e o compêndio
Fundamentos de Geomorfologia da professora da Faculdade de Rio Claro (atual UNESP) Margaria
da Maria Penteado (1974). Ambas as obras foram os principais instrumentos de estudo dos alunos
de Geomorfologia de muitas universidades brasileiras.

No campo da Biogeografia, o primeiro trabalho classificatório da vegetação brasileira foi elaborado


por Lindalvo Bezerra dos Santos no Boletim Geográfico como contribuição didática e que foi
considerado como a primeira tipologia apoiada nos aspectos fisionômicos das formações vegetais
brasileiras (Santos, 1943).

Na segunda metade da década de 40, a permanência no IBGE do canadense Pierre Dansereau


que, além de produzir trabalhos sobre Biogeografia (Dansereau, 1946, 1947, 1949) formou
profissionais como Edgar Kuhlmann (1951, 1952, 1954) e Dora Amarante Romariz (1953, 1974)
além de completar a formação de engenheiros agrônomos como Alceo Magnanini (1952, 1952,
1961, 1961), Walter Alberto Egler (RBG v.13,n.2,p.223-264,abr./jun.,1951;RBG,v.13,n.4,p.577-
590,out./dez.,1951) e Fernando Segadas Vianna (1964).


Geógrafa desaparecida em acidente de avião do Projeto RADAMBRASIL no litoral sul fluminense.

192
No campo da Climatologia, apesar de não ter havido um professor “visitante” que tivesse formado
profissionais por meio de cursos e treinamento específico, alguns geógrafos do IBGE dedicaram-
se a estudar aqui e no exterior o assunto.

Nos primeiros anos de estruturação do IBGE o estudo da Climatologia era feito por engenheiros
como José Carlos de Junqueira Schmidt e Jorge de Sampaio Ferraz que preocupavam-se com
métodos classificatórios e, paralelamente, caracterizavam algumas regiões brasileiras (Ferraz,
RBG v.1n.3, p.3-15, jul./set., 1939) , Schmidt ( RBG v.4n.3, p.465-500, jul./set., 1942 ; RBG
v.11n.1, p. 123-124, jan./mar, 1949). Na RBG v.1 n.3 há também um comentário na página 135, do
mesmo Jorge Ferraz sobre uma questão que continua atual: Aumentou a temperatura do mundo?

O primeiro geógrafo do IBGE a tratar do assunto foi Jorge Zarur, ao comentar a classificação
climática de Köppen (Zarur, RBG v.5 n.2, p.250-254, abr./jun., 1943).

Até a década de 50, período em que a Climatologia passa a ser estudada mais sistematicamente
por alguns profissionais da Geografia do IBGE, o mais importante produtor de artigos sobre o
tema, foi o paulista José Setzer, pedólogo do Departamento de Produção Vegetal do Estado de
São Paulo e professor da USP, que enfatizava as questões sobre precipitação e suas relações
com a produtividade agrícola (Setzer, RBG v.8 n.1, p.3-70, jan./mar., 1946 ; RBG v.8 n.3, p.317-
350, jul./set., 1946 ; RBG v.16 n.3, p.315-328, jul./set., 1954).

O primeiro grupo de especialistas em Climatologia no IBGE foi formado por Lysia Bernardes, que
na década de 60 abandonaria o tema e iria dedicar-se à Geografia Urbana (RBG v.13 n.3, p.473-
479, jul./set., 1951 ; RBG v.13 n.4, p.619-620, out./dez. 1951 ; RBG v.14 n.1, p.57-80, jan./mar.
1952), Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, que se tornaria um dos mais completos climatólogos
do Brasil, trabalhando com clima urbano (Monteiro, RBG v.13 n.1, p.3-46, jan./mar., 1951) e Ignez
Amélia Leal Teixeira Guerra, esposa de Antônio Teixeira Guerra, com uma incursão no tema
caracterizando o clima da Região Nordeste ( Guerra, Ignez RBG v.17 n.4, p.449-496, out./dez.
1955).

Nos anos 60, Marília Galvão durante seu estágio de especialização na França, conheceu o
trabalho classificatório de Henri Gaussen e Francois Bagnouls baseado nas relações entre clima e
vegetação. Os resultados desse processo foram divididos em dois tipos de atuação, o primeiro sob
a forma de um artigo sobre as regiões bioclimáticas do Brasil (Galvão, RBG v.29 n.1, p.3-36,
jan./mar., 1967) e o segundo, sob a forma de orientação profissional inicial de Edmon Nimer no
campo da Climatologia. Edmon Nimer tornou-se o mais importante climatólogo do IBGE, a partir da
segunda metade dos anos 60 até sua aposentadoria nos anos 90. Sua produção neste período foi
notável, com 12 artigos na RBG, principalmente por ser responsável por uma série que abordou a
climatologia de todas as regiões brasileiras entre o final de 1971 e todo o ano de 1972, e por todos
os capítulos de Clima da coleção Geografia do Brasil de 1977.

Outra faceta importante de Edmon Nimer foi sua capacidade de formar profissionais. Na década
de 70 o Setor de Climatologia, chefiado por ele era um dos mais dinâmicos do DEGEO,
destacando-se os estagiários Arthur A. P. Filho e Elmo Amador, este último transferiu-se para
lecionar na UFRJ, e após sua aposentadoria, atualmente trabalha em consultoria ambiental
monitorando o ecossistema da Baía de Guanabara, tema de sua tese de doutorado na UFRJ
(Amador, 1997). No início dos anos 70, Nimer auxiliou os dois na publicação de um artigo sobre
climatologia dinâmica na região nordeste (Nimer, E. ; Filho, A..; Amador, E. RBG v.33n.1, p.3-38,
jan./mar., 1971).

Nos anos 80, Nimer orientou a formação profissional de Ana Maria P. M. Brandão (Nimer e
Brandão, 1981)que, após terminar seu doutoramento na USP, aposentou-se do IBGE nos anos 90,
indo também lecionar na UFRJ.

Seu espírito de colaboração com o IBGE pode ser medido por seu auxílio à coleção Geografia do
Brasil do início dos anos 90. No volume do Sudeste, quando houve desistência do autor do

193
capítulo de Clima, Nimer, já aposentado, prontificou-se imediatamente a produzir um capítulo
sobre o tema, apresentando-o em tempo recorde em 1993, sem nenhuma exigência de qualquer
tipo.

O segmento dos estudos ambientais do IBGE sofreu duas grandes inflexões, uma na década de
60, com o crescimento dos estudos de Geografia Humana, principalmente nas áreas de agrária e
urbana e uma aparente queda de status que se configurou com mais clareza na década de 70. O
resultado dessa primeira inflexão foi a criação da Superintendência de Recursos Naturais e Meio
Ambiente (SUPREN) em 1975 e a separação dos profissionais de Geografia Física dos de
Humana que agora estariam na Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio-Econômicos
(SUEGE).

Uma das grandes linhas de trabalho da SUPREN foi organizar os estudos de ecologia animal do
cerrado do planalto central brasileiro, contando com a criação da Reserva Ecológica do Roncador
na periferia de Brasília e estabelecendo convênio técnico com a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA). Um dos produtos desse convênio foi o livro Fauna do Cerrado
organizado por Claudia Cotrim C. da Costa e colaboradores (IBGE, 1981) que apresenta uma lista
preliminar das aves, mamíferos e répteis da área estudada.

Foi também desse período, a publicação da obra de Jean Tricart Ecodinâmica (1977), comentada
por Luiz Roberto Tommasi na RBG v.39,n.4,p.215-223,out./dez. 1977 e que inicia uma
preocupação com as relações entre seres humanos e meio ambiente no sentido mais amplo,
enquadrando neste processo as principais correntes de Geografia Física.

7- Diagnósticos Ambientais e Sócio-Ambientais Integrados

A segunda grande inflexão ocorreu em 1985, com a absorção pelo IBGE, do Projeto
RADAMBRASIL com toda sua estrutura de pessoal e equipamentos, inaugurando uma nova fase
de trabalhos voltados para os grandes diagnósticos ambientais integrados. No início, a chamada
integração não ia muito além dos segmentos da Geografia Física e da Biologia, para pouco a
pouco incorporar também áreas da Geografia Humana como Urbana e Agrária, gerando um novo
conjunto de grandes trabalhos conhecidos como diagnósticos sócio-ambientais integrados como o
Diagnóstico Brasil, coordenado por Rivaldo Pinto de Gusmão (IBGE,1990), que acompanhou os
diferentes processos de ocupação do território brasileiro, estabelecendo relações com algumas
segmentos do meio ambiente, como no caso da poluição industrial.

Projetos de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas - PMACI I (IBGE, 1990) e
PMACI II (IBGE, 1994), coordenados por Irene Braga de Miguez Garrido Filha e Ailton Antônio
Batista de Oliveira e Teresa Cardoso da Silva, que avaliaram os impactos ambientais e sócio-
econômicos do asfaltamento de dois trechos da rodovia BR 364 entre os estados de Rondônia e
Acre. A análise sócio-ambiental dos módulos territoriais da Região Amazônica referentes ao
Programa Nossa Natureza realizado no período final do governo de José Sarney (não publicado) e
o Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal , coordenado por Antônia Maria Martins Ferreira
(IBGE, 1993) que estabeleceu uma regionalização de espaços identificados por suas
características ambientais. Além de distinguir áreas de conflito entre as ações humanas
(extrativismo e agropecuária) e a capacidade de sustentabilidade desses ambientes.

Para se ter uma medida da complexidade de interação entre as unidades departamentais do IBGE,
IPEA e USP em projetos integrados como os do PMACI I e II, deve-se verificar as páginas de
créditos (IBGE, 1990, p.5, p.131-132) e constatar que aproximadamente 220 profissionais tomaram
parte nas diferentes tarefas técnicas e administrativas que envolveram estes diagnósticos.

O processo de absorção do RADAMBRASIL foi altamente positivo para o segmento de Geografia


Física do IBGE, pois foram incorporadas equipes regionais sediadas em Belém (PA), Salvador
(BA), Goiânia (GO) e Florianópolis (SC) que contam com excelentes profissionais em

194
Geomorfologia, Pedologia, além de especialistas em áreas da Biologia e engenheiros agrônomos e
florestais. Foi no contexto de trabalho realizado anteriormente pelas equipes do RADAMBRASIL
nessas unidades regionais que o IBGE passou a se integrar mais com secretarias estaduais de
planejamento e de meio ambiente, realizando projetos de Geografia em escala estadual ou meso-
regional, como no caso do estudo do uso agrícola da terra no sudoeste de Goiás em convênio com
a EMBRAPA (IBGE, 1989) e do estudo geomorfológico da área de Rondonópolis –MT (IBGE,
1989).

O primeiro coordenado por Antônio José Teixeira Guerra (filho de Antônio Teixeira Guerra) antes
de sua transferência para a UFRJ, onde atualmente leciona. O segundo, coordenado por Válter de
Jesus Almeida e Wilson Duque Estrada Regis (IBGE, 1989). Na década de 90 a integração entre
os profissionais de Geografia humana e os de física foi finalmente alcançada com os projetos do
Programa Nossa Natureza na Amazônia, PMACI, Diagnóstico da Amazônia Legal, da áreas
periféricas de Brasília e da aglomeração de Goiânia no Centro-Oeste e na região sul com o projeto
de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina.

Além disso, os projetos de Atlas Nacional do Brasil, também tenderam a aproximar esses
profissionais, principalmente nas fases de planejamento, diminuindo as diferenças antes
percebidas. Para isso contribuíram geógrafas como Solange Tietzmann Silva, Maria Monica
O’Neill, Tereza Coni Aguiar, Hadma Hamann de Figueredo, Olga Schild Becker e Irene Garrido
Filha que ao coordenarem suas respectivas áreas de Geografia Humana, trabalharam para uma
suave integração com os pesquisadores da física e os do campo biológico.

As Atividades de Geoprocessamento

O contexto tecnológico e operacional onde se estabeleceram os projetos de geoprocessamento no


IBGE datam da década de 70 com as experiências de softwares como o SYMAP e SYNWU que
mapeavam superfícies pré-determinadas, onde eram plotados dados específicos. Foram muito
testadas áreas urbanas, com seus respectivos valores da terra (preços do m2 de terreno ou valor
do imposto territorial urbano). Os mapas construídos não possuíam muita precisão cartográfica,
mas davam uma boa noção espacial ou tridimensional do fenômeno.

Com o advento dos novos sensores colocados nos satélites militares americanos e soviéticos,
além das tecnologias derivadas da corrida espacial para garantia da localização dos artefatos
espaciais utilizados nas atividades de exploração do ambiente extra terrestre, foi concebida uma
rede virtual de coordenadas geográficas de grande precisão que era plotada por sistemas de
satélites que enviavam sinais eletromagnéticos e garantiam resposta quase imediata a
determinados aparelhos receptores que se deslocavam na superfície da terra. Estava criado o
Sistema de Posicionamento Global (GPS). Os sistemas iniciais vinculavam-se a navios (Imarsat) e
controlavam aviões. Posteriormente esses receptores diminuíram de tamanho e passaram a
garantir a qualidade das medições geodésicas e a influenciar decisivamente na precisão e
barateamento das campanhas geodésicas e cartográficas.

Esses sistemas são a base do que chamaremos em termos gerais de geoprocessamento.


Processos de determinação cartográfica (plotagem) de pontos e linhas que se inserem na rede de
coordenas geográficas e que podem ser referenciadas a qualquer tipo de informação guardados
em bancos de dados que possam referenciar esta informação a qualquer ponto da rede de
coordenadas (georreferenciamento). Essa a base operacional dos atuais Sistemas de Informação
Geográficas (SIG ou GIS em inglês).

A partir de 1994 as atividades de Geoprocessamento no IBGE atingiram um estágio que obrigou a


alta direção da casa a estabelecer um grupo de trabalho com integrantes das diretorias de
Geociências, Pesquisas e Estudos, Informática e Disseminação de Informações para avaliar o
desenvolvimento das tecnologias e estabelecer as diretrizes básicas dessas atividades para o
futuro.

195
As principais diretrizes que envolvem essas atividades no IBGE, foram descritas no documento
Geoprocessamento no IBGE redigido por este grupo de trabalho (IBGE, 1994).

Todos os estágios dessa evolução das práticas profissionais dos geógrafos e pesquisadores de
outras especializações, vinculadas às Geociências também foram, de certa forma, percebidas por
outros olhos. Olhos, na maioria dos casos, não acostumados com esse tipo de trabalho, e que
tiveram quase sempre de aprender a ver como funcionava esse campo.

Estamos nos referindo mais aos presidentes do IBGE, do que aos diretores que administraram a
área das Geociências, embora também, devido à grande heterogeneidade dos campos envolvidos,
sempre foi difícil ter um diretor que conhecesse profundamente a atuação de todos os
departamentos da diretoria.

No próximo capítulo será possível ter uma noção mais aproximada das impressões que foram
passadas por alguns presidentes e diretores sobre a atuação da Geografia e das ciências que lhe
são comuns no contexto do IBGE.

196
Parte IV

Capítulo II - As Diferentes Visões da Alta Direção do IBGE Sobre a Geografia

Sendo a Geografia uma área considerada atividade fim no contexto do IBGE e somente um pouco
mais “jovem” que a Estatística, sempre foi vista pelos geógrafos como uma das mais importantes
áreas da casa. Essa visão um tanto parcial, foi também misturada à posição da Cartografia, que
nos períodos iniciais era encarada pela alta direção da agência, como parte integrante do G do
IBGE.

O propósito de garantir ao censo demográfico de 1940 a base cartográfica necessária ao


deslocamento dos recenseadores, foi uma das razões de ser (e possivelmente a maior na ocasião)
da criação do Conselho Brasileiro de Geografia (incorporado ao Instituto Nacional de Estatística)
em 24 de março de 1937 pelo decreto 1527/37, devidamente acompanhada pelo decreto-lei
311/38 de 02 de março de 1938, que dispunha sobre a divisão territorial do país e que ficou
conhecido como Lei Geográfica do Estado Novo. Instrumento legal que obrigava aos municípios
cartografar seu território e enviar para a Secretaria do Diretório Regional de Geografia duas vias
autenticadas, dentro dos requisitos mínimos fixados pelo agora Conselho Nacional de Geografia
(decreto-lei 218/38 de 26 de janeiro de 1938).

Esses erros de enquadramento entre o que era Geografia, Cartografia e Geodésia nas fases
iniciais da agência, foram acrescidos dos problemas ocorridos entre a Geografia Humana e Física
nas décadas de 60 e 70 e que acabaram trazendo novas dúvidas, quando entrou em cena a
questão meio-ambiente e a incorporação do RADAMBRASIL ao IBGE em 1985.

Tais problemas podem ser percebidos quando analisamos alguns depoimentos de profissionais
que ocuparam cargos de alta direção no IBGE (presidentes e diretores de área onde a Geografia
se reportava).

No caso dos presidentes, à maioria dos casos, vinculou-se a não familiaridade com os métodos de
trabalho dos geógrafos e a sua efetiva função no organograma de trabalho do órgão, ou ao
confuso papel da Geografia, Geodésia e Cartografia nos discursos antigos dos artigos de memória
institucional que normalmente ficavam a disposição dos novos chefes, a isto pode também ser
acrescido os títulos de áreas departamentais, que causaram muitas dúvidas nos novos presidentes
e diretores.

Entender a diferença entre Departamento de Geografia e Departamento de Recurços Naturais e


Meio Ambiente, se durante o longínquo curso de segundo grau, o presidente em questão tinha
estudado Geografia Física e Humana dentro da mesma cadeira, não era muito simples para quem
vinha de outra área, como no caso dos economistas, estatísticos e cientistas políticos, campos de
onde vieram os 10 últimos presidentes da casa.

Além disso, havia a dificuldade de se entender os diferentes papéis da Geodésia e da Cartografia


no contexto da agência. Com a Geodésia apresentando dois corpos profissionais muito distintos,
um altamente matematizado, com relações internacionais sistemáticas e fortemente exigente de
tecnologia e outro constituído de profissionais que aprenderam o ofício no campo, durante as
campanhas de levantamento geodésico, na maioria dos casos com pouca escolarização formal.

A Cartografia parecia ser ainda mais complexa, pois misturavam-se áreas típicas de produção com
grupos altamente qualificados de engenheiros cartógrafos e de profissionais vinculados à arte
como os desenhistas de arte final e os cartógrafos que operavam na área de cartografia temática
para ilustração de atlas. Somava-se a isto questões de transição tecnológica, tanto no que se
refere aos contatos diretos com a Geodésia, quanto no que se refere à produção física das cartas,
incluindo aí a impressão das folhas em gráfica própria, altamente especializada.

197
Portanto, um presidente ou um diretor de área teriam de se adaptar rapidamente às peculiaridades
dessa diretoria altamente heterogênea, com demandas muito diferenciadas.

Além disso, é preciso entender que havia também os “notáveis” das “Velhas Guardas” em cada
área específica e que alguns deles ocupavam postos de decisão na estrutura hierárquica do IBGE,
além dos técnicos de assessoramento que poderiam esclarecer dúvidas e subsidiar decisões para
arbitramento. Um presidente novo e sua equipe deviam aprender os códigos não escritos da casa,
sob pena de sofrerem rejeição de parte do quadro profissional, ou de quase todo, como aconteceu
em alguns casos.

No contexto da Geografia, personagens importantes como Miguel Alves de Lima, Speridião


Faissol, Lúcio de Castro Soares e Ney Strauch foram guardiões corporativos de grande valor no
ambiente da presidência, por suas respectivas carreiras na alta direção da casa e liderança que
exerciam junto aos demais profissionais. Catharina Vergolino Dias foi outra profissional importante
nos contatos em Brasília, durante a década de 70, pois trabalhou como representante do IBGE nas
assessorias da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e no Ministério do
Interior durante os governos Médici e Geisel.

Eram profissionais com muito conhecimento, tanto técnico, quanto administrativo e político e que
sempre eram solicitados a darem opiniões e ajudarem nas decisões que envolviam a área da
Geografia. Na década de 80, o engenheiro Mauro Pereira de Melo foi outra figura chave no
contexto da criação da Diretoria de Geociências. Seus bons contatos com o segmento militar da
Cartografia no contexto da Comissão de Cartografia (COCAR) evitaram conflitos na condução da
coordenação cartográfica do país.

No contexto interno do IBGE outros personagens, ao longo de suas carreiras, tornaram-se


referências importantes ao ocuparem cargos de direção, onde as injunções políticas entre
diretorias e departamentos deveriam ser gerenciadas com muita diplomacia. O exemplo mais
representativo na década de 80 na Geografia foi Marilourdes Lopes Ferreira, que após assessorar
Speridião Faissol na Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio-Econômicos (SUEGE) e
na Diretoria Técnica nos anos 70, foi na década seguinte alçada a posição de Diretora Adjunta da
Diretoria de Geociências, ocupando durante um bom tempo este importante posto. As boas
relações institucionais da Geografia com as demais áreas do IBGE neste período, devem muito à
diplomacia de Marilourdes.

Em função desse quadro de referência foram tomados alguns depoimentos de presidentes,


diretores e diretores adjuntos que gerenciaram o IBGE nos últimos 30 anos e que puderam dar
seus testemunhos sobre a área onde a Geografia estava inserida.

Os Presidentes

Da linha dos 10 últimos presidentes iniciada por Sebastião Aguiar Ayres (04/04/1967-24/03/1970) e
seguida por Isaac Kerstenetzky (24/03/1970-29/08/1979), Jessé de Souza Montello (29/08/1979-
14/03/1985), Edmar Lisboa Bacha (10/05/1985-27/11/1986),Edson de Oliveira Nunes (06/01/1987-
13/04/1988), Charles Curt Müller (03/05/1988-18/04/90), Eduardo Augusto Guimarães (18/04/1990-
26/03/1992), Eurico Neves Borba (26/03/1992-15/06/1993), Silvio Augusto Minciotti (15/06/1993-
30/03/1994) e Simon Schwartzman (05/05/1994-31/12/1999) que passou o cargo para o atual
presidente Sérgio Besserman Vianna, foram tomados os depoimentos de Edson Nunes, Charles
Müller e Eurico Borba presidentes que tiveram um papel importante em decisões que envolveram a
Geografia. Eduardo Augusto Guimarães e Simon Schwartzman, presidentes que ficaram durante
um bom período ainda não puderam dar seus depoimentos por diferentes razões, Eduardo
Augusto ficou a frente da Secretaria do Tesouro Nacional, indo depois para a presidência da
BANESPA, preparar sua venda, funções que o impossibilitaram de prestar depoimento sobre sua
gestão. Simon Schwartzman ainda não pode ser contatado para seu depoimento, mas seus
escritos cobriram perfeitamente sua gestão, provavelmente a mais dinâmica e de maior impacto

198
dessas 10 últimas, em virtude das condições em que ele assumiu a casa em 1994 e pelo que
deixou de positivo à imagem do IBGE junto a seus funcionários e a sociedade brasileira em 1999.
Iniciaremos com a primeira parte do depoimento de Eurico Borba, enquanto Diretor Geral da
gestão de Isaac Kerstenetzky (falecido em 20/06/1991).

Gestão Isaac Kerstenetzky (por Eurico Neves Borba)

Essa fase foi muito importante, pois seria na gestão de Isaac, administrativamente controlada por
Eurico Borba, que seriam implementadas, na prática, as decisões sobre a nova estrutura
organizacional do IBGE criada em 1967 (Decreto-lei 161 de 13/02/1967), modificando sua
subordinação (deixando de se reportar à Presidência da República, como havia sido desde 1934)
e passando a ser uma Fundação subordinada ao Ministério do Planejamento.

O presidente anterior Sebastião Aguiar Ayres conduziu o planejamento da campanha censitária de


1970, mas coube à equipe de Isaac executar o processo de coleta no segundo semestre de 1970
e realizar as tarefas de apuração e divulgação.

Eurico conta como transcorreu, de seu ponto de vista o processo de montagem de um projeto de
modelagem de uma matriz de insumo-produto financiado pela Fundação Ford e BNDE e a ser
realizado por uma equipe coordenada por Isaac na PUC e na FGV, onde Isaac era pesquisador. E
a súbita mudança para uma nova fase com a nomeação de Isaac para o IBGE em 1970.

[Eurico Borba] “...nesse período tumultuado e rico na PUC desembocou nesse projeto de
uma grande pesquisa, então o Isaac concordou com a idéia de que não era fazendo um
curso de mestrado e sim fazendo uma pesquisa para termos condições financeiras de
trazer mais professores de horário integral, a pesquisa melhoraria o curso de graduação
e naturalmente dois, três anos depois, seria naturalmente o curso de mestrado,
doutorado, etc... então foi montado um projeto extremamente interessante, eram estudos
na área setoriais, agricultura, os tradicionais, primário, setor primário, secundário,
terciário, a parte demográfica, o setor externo, isso tudo se juntava... Isaac já falava...
temos que se simular uma matriz de insumo-produto, temos que fazer um modelo de
simulação econômico demográfico, isso tudo se fecharia então nesse grande modelo dos
estudos do setor primário, secundário, terciário, setor demográfico, setor externos, todos
os segmentos da sociedade. O BNDE deu esse dinheiro, foi assinado em janeiro de l970
e o primeiro desembolso dessa parcela foi feito, com esse primeiro desembolso da
parcela, em fevereiro de l970 o Isaac achou importante como coordenador do projeto, se
licenciar da Fundação Getúlio Vargas, nessa época o Professor Gudin e Jorge Oscar de
Melo Flores, telefonaram para o reitor para saber que história é essa da PUC estar
roubando o Isaac da Fundação ! O reitor ficou de olho arregalado, me chamou e nós
fomos fazer uma visita para o velho Gudin, foi a primeira vez que estive com o velho
Gudin, levei uma porção de livros para ele autografar e o Jorge Oscar de Melo Flores
nos explicava que nós não estávamos roubando o Isaac, o Isaac continuaria, mas ele ia
coordenar na PUC, claro dando uma carga de horário maior.

O Isaac disse: olha Eurico você tem que fazer uns contatos... pois isso tem que ter uma
amarração muito firme e preparou a minha viagem, eu tinha que ir a Fortaleza, lá na
Faculdade Federal de Fortaleza conversar, eu já não me lembro os nomes das pessoas,
mas era a idéia de acertar o convênio, de trocas de experiências com pessoas, uma rede
com a PUC e depois em Belo Horizonte, também em São Paulo com o Miguel
Coluassono que chefiava o Instituto de Pesquisas Econômicas.

Por conta disso saí eu visitando esses centros, Fortaleza, Belo Horizonte, São Paulo.... e
aí já era Semana Santa, peguei um avião um Electra em São Paulo e fui passar Semana
Santa com meus pais em Porto Alegre, minha mulher estava viajando junto, pegamos um
temporal danado e tal.... e aí eu abro o jornal e está assim: Isaac Kerstenetzky nomeado
Presidente do IBGE, eu virei para Henriqueta, minha esposa, e disse assim: acabou o

199
Projeto da PUC, aí fomos lá para Porto Alegre, voltamos... eu me lembro que voltamos
domingo de Páscoa e eu me lembro que a primeira coisa que fiz foi ligar para o Professor
Isaac, ele atendeu... e eu dizendo...: o como é que está? Vi o jornal, parabéns,
felicidades, o que o Sr. Precisar lá da PUC, o Sr. Sabe, conta com a gente...., ele disse:
eu preciso de você! Só pude responder... Professor Isaac, o Sr. já está saindo, e se saio
eu também, como é que fica na PUC ?... – Não se preocupe..., eu falo com o Reitor,
amanhã, você apareça lá no IBGE...- e deu o endereço Franklin Roosevelt e tal... Eu
quero começar no final da manhã... apareça no final da manhã, lá para ll:30.

Aí eu fui meio tonto para PUC, falar com Padre Ávila... o Padre Ávila... Meu filho, quem
sabe se pode dar um tempo lá e um tempo aqui... então eu muito atordoado, esperei, e
no final da manhã do dia seguinte estava lá... O Isaac disse olha: Eu quero você como
chefe de Gabinete porque eu não quero trazer gente de fora do IBGE agora... mas eu
estou aqui atordoado com essa estrutura... e a única coisa que eu posso fazer é nomear
você Chefe de Gabinete, e aí falou baixinho, nessa época todo mundo tinha medo de
telefones grampeados e de microfones ocultos, ele virou para mim e disse assim: Eu não
confio em ninguém, eu não confio em ninguém ...

Está bom, eu levei uma semana querendo continuar na PUC, afinal foram anos de
discussão de projetos, mas acabei saindo indo lá com o Isaac... ficou no meu lugar
Carlos Alberto Menezes Direito, hoje Ministro do Tribunal Superior...” (depoimento de
Eurico Borba à RSA).

A surpresa de Eurico e do próprio Isaac pela súbita nomeação foi explicada mais tarde
aos dois por Maurício Rangel Reis, secretário geral do Ministério da Agricultura e depois
Ministro do Interior no governo Geisel.

[RSA] O convite de Isaac ao IBGE veio de Veloso?

[Eurico Borba] “ O Maurício Rangel Reis foi quem lembrou o nome de Isaac ao Veloso
para livra-lo de uma confusão de hierarquia militar, porque tinha sido nomeado um
coronel e o coronel que durante muito tempo freqüentava o IBGE naqueles Conselhos
ligados a essa área de ...geodésia e cartografia... o Decreto de nomeação desse coronel
chegou a ser assinado pelo Veloso, e por conta de um problema de hierarquia militar... o
general daqui da região era o comandante do coronel... deu três berros lá porque não
tinha sido consultado, então criou-se um problema. Um problema para Veloso, que era o
Ministro do Planejamento, e que havia indicado o coronel, que por sua vez aceitou, mas
ele Veloso não tinha avisado ao general, então criou-se um problema de hierarquia
militar... o general estava bravo, o Veloso indeciso... mas quem vou colocar? Maurício
Rangel Reis levantou e disse: o Isaac. O Veloso disse, excelente, o Isaac... agora
mesmo... ele era amigo do Isaac e falou com o Médici por telefone e o Médici então pediu
o curriculum lá e tal e pediu para , para o negócio ser rápido e em 24, 48 horas... quer
dizer: o Isaac não teria sido lembrado se o general não tivesse berrado com o coronel... e
então o Isaac assumiu...
Nos primeiros meses não sentia-mos seguros... quando nós estávamos lá, só os dois e
queríamos conversar, nós dois saíamos para comprar jornal e íamos até o Aeroporto,
tomar um cafezinho para conversar, porque tínhamos medo de que nas tomadas tivesse
um microfone...”

[RSA} Quer dizer, tinha problemas internos da casa, além da questão militar?

[Eurico Borba] “E aí eu me lembro de uma reunião que o Isaac foi comigo... com o
pessoal do Departamento de Censos, nós estávamos para começar o Censo de l970, e
estava tudo atrasado. Então eu disse: Professor Isaac, não tem nenhum problema, eu
levanto a bola, se o Senhor não estiver de acordo o Senhor pode me esculhambar, mas

200
eu vou levantar as perguntas e o Senhor depois apazigua... comigo não tem problema, e
eu fiz as perguntas mais indiscretas possíveis... porquê que o Censo não estava ainda
todo esquematizado, naquela época em administração se usava muito “pert-cpm” então
eu havia aprendido na PUC e tal e perguntei, vem cá essa operação censitária você tem
um pert, e o Sebastião Reis que era o dono do Censo levantou da ponta, mas, se ele
pudesse teria me dado um tiro... Eu fiz o Censo de 40, 50, 60 eu sei todo o processo,
está aqui nessa pasta... todas as etapas, esta porcaria de métodos modernos só faz
complicar... eu fiquei calado, o Isaac ficou calado por uns instantes..., virou para ele e
disse: Eu só quis saber se tinha um elemento que a gente pudesse olhar, ao invés de
estar te consultando pelo telefone.

Eu disse: Olha Dr. Sebastião o Sr. desculpa, mas só que nós estamos no mês de abril,
ou maio e ainda não temos os questionários prontos, os questionários não foram
distribuídos, o esquema de distribuição que tem que utilizar Marinha, Aeronáutica, não
sei quem mais, o Serviço de combate a malária - SUCAM, nada disso ainda está pronto?
Eu fico preocupado. Como é que dia 1 de setembro os questionário estarão no campo?
Bom, na época teve um fato fantástico, tenho cópia desse material em casa, fui tirando
cópia, naquele tempo era termofax, tinha um decreto-lei 200 e um Decreto específico de
contratação de pessoal para o Censo e a gente pressionando para contratar pessoal,
nós precisamos de pessoal, nós precisávamos de computadores, então o coitado do
Chefe do Pessoal ficou tão aflito que dizia assim num despacho dizia assim: o Censo é
prioritário, na época se usava muito a expressão Segurança Nacional, é uma questão de
segurança nacional, portanto contorna-se a lei... e aí o Isaac rejeitava esses
expedientes... que contorna a lei coisa nenhuma...tem que ser dentro da lei.

Era um período extremamente dinâmico, que se trabalhava o tempo todo, numa tensão
danada, denúncias de corrupção, denúncias de comunistas escondidos debaixo das
mesas, cada pessoa que você admitia tinha que ter uma ficha do SNI ...Isaac então dizia
para o Veloso... Ministro tem coisas que a gente tem que admitir amanhã, não vou
esperar duas semanas, três, não mas o SNI tem uma regra. Tem uma regra para o dia a
dia, mas para o Censo não pode ter regra, aí tivemos que vir à Brasília, para conversar
com o Chefe do SNI na época, que era o general Carlos Fontoura, as apresentações
foram feitas, vê como são as histórias, pelo irmão do Presidente Figueiredo, que era o
escritor Guilherme Figueiredo... que era muito amigo do Clóvis Zobaran Monteiro... que
era um advogado do IPEA e que depois foi para o IBGE... era chefe de gabinete lá em
Brasília e o Zobaran foi lá no Guilherme Figueiredo e disse: Olha tem esse problema do
Professor Isaac... se encarrega de ver lá com o Eurico de cuidar dessa história... então
fomos a Brasília junto com Guilherme Figueiredo, Zobaran foi recebido por General
Fontoura para explicar que nós não podíamos esperar e se tivesse algum comunista
escolhido...depois a gente veria... O general deu aprovação... então resolvemos esses
problemas. Então o ano de l970 foi tomado, tem outras coisas para contar, mas foi
tomado basicamente pelo Censo. O Censo tinha que sair, já o ano de l970...”

[RSA] - Só uma pergunta. Em 70, vocês já pegaram o Censo mais ou menos sendo
preparado, quer dizer, já havia um planejamento anterior...

[Eurico Borba] “ Sim, havia um planejamento do questionário, o estava atrasado era a


parte operacional. O Isaac inclusive na Fundação Getúlio Vargas tinha trabalhado muito
com Manoel Antônio, no Censo Agropecuário, com Rodolfo Wenshe no Censo Industrial,
com Lira Madeira no Demográfico, então o Isaac como já era uma referência muito
conhecida... pois era consultor do IBGE desde a década de 50, já tinha trabalhado no
Censo de 60 como consultor, já sabia como estavam as coisas e estava acompanhando,
o problema era operacional, rodar questionário, empacotar questionário, contratar
recenseador, supervisor, treinar...”

[RSA] - Mandar para o campo, logística de distribuição de questionário no campo...

201
[Eurico Borba] “Exato... no ano de 197l, o Censo então coletado é um ano onde se
começou então a repensar então o IBGE...que já havia virado Fundação em 1967, mas
ainda não era efetivamente uma Fundação”

Sobre a visão de Isaac a respeito da Geografia, Eurico conta que nos primeiros tempos de
reformulação dos cursos da PUC, a percepção de Isaac sobre a Geografia não era nada boa, mas
que esta visão mudou quando começou a trabalhar no IBGE...

[RSA] - Deixa eu só colocar um negócio interessante, você vai perceber que o IBGE
como um órgão que tem geografia, estatística e cartografia ao mesmo tempo... é um dos
poucos órgãos no mundo que tem isso, e que de uma certa maneira, as pessoas acham
interessantíssimo, a maioria das pessoas que lidam com planejamento territorial no
sentido amplo... de outros governos, de outros países, que lidam com isso, dizem
mesmo. Vocês não devem acabar com esse modelo, porque é um modelo muito
interessante, aonde tem geografia que define a história do território, demografia, o Censo
Demográfico que conta a população, a cartografia que faz a representação do território, e
a geodesia que faz as medidas desse território juntos é algo que muito poucos países,
acho que só o Canadá tem alguma coisa parecida...

[Eurico Borba] “ Espanha tem algo assim também. Bom, então com duas ou três
semanas de IBGE... o Isaac pegou essa concepção lá de l935, 36, tinha alguma coisa de
importante. Bom, depois, aí eu estou falando de maio, junho, o Isaac virou para mim e
disse assim: Eu não me esqueço, estávamos caminhando lá no Aeroporto Santos
Dumont..., antes tínhamos almoçado lá no Hotel Aeroporto e depois nós caminhávamos
até lá conversando ele disse: Eurico os únicos que tem formação acadêmica para
conversar qualquer coisa séria no IBGE são os geógrafos...”

[RSA] - Que naquela época eram exatamente a elite de formação acadêmica... a Velha
Guarda

[Eurico Borba] “ E os únicos que eu estou podendo conversar são os geógrafos, então
era Faissol, Miguel Alves de Lima, era o Pedro Pinchas Geiger, era a Lysia que não
estava no IBGE estava servindo ao IPEA, o Isaac fez tudo para a Lysia voltar, o Lysia
não quis voltar, Marília Galvão, tinha uma outra que depois foi estudar na Inglaterra, fez
pós graduação? Olga ...?...”

[RSA] - Era Olga Buarque de Lima...

[Eurico Borba] “ Tinha uma outra senhora também, assim mais ruiva, de óculos∗, bom era
um pessoal todo que tinha feito seu mestrado, doutorado no exterior, Estados Unidos e
França, então isso fascinava o Isaac, porque do lado da estatística ele tinha pessoas que
muitas vezes não tinham nem curso superior, tinham feito o Censo de 40, 50, 60 e
estavam lá, por exemplo, o rapaz da área industrial, o Florentino, era uma pessoa
excelente, ele sabia a estrutura de produção da Wolkswagem, da Carrocerias Marco Polo
lá de Caxias do Sul, de cabeça, mas ele não tinha curso superior, bem ou mal ele tinha
primeiro ou segundo grau.

Havia muitos outros assim, e todos obtiveram diploma de estatístico por conta de uma lei
que você levava lá um papel dizendo que você tinha participado do Censo como
entregador de lanche e virava estatístico provisionado.

Na área de demografia você tinha o Lira Madeira que já era um outro grupo diferenciado
dentro da estatística que vinha de uma tradição do antigo demógrafo italiano Giorgio


Eurico se refere a Fany Davidovich

202
Mortara, que veio fugido do Mussolini e ficou aqui e dizem que o Censo de 40 que foi
muito bom, foi ele que fez, e que criou a ENCE e que teve uma tradição grande de formar
estatísticos principalmente da área de probabilidade e se esgotou ali nos anos 70 que
depois por a ENCE é uma escola isolada, não podia ter mestrado, não sei o quê e aquilo
ficou formando bacharéis o nível foi caindo... o IBGE não podia admitir... esses
problemas da porcaria da gerência do pessoal do serviço público... então o Isaac
começou a ficar entusiasmado com o pessoal da geografia, Faissol e Miguel Alves de
Lima com certeza foram os que mais privaram da intimidade do Isaac, Geiger também, a
Olga, Marília, também e muito do que se discutiu da reforma do IBGE, se deve a
participação desse pessoal, e aí a idéia do Isaac de uma geografia, de uma ciência
insepulta, ou morta mudou... e aí vai uma observação minha, minha Eurico eu via três
grupos de geógrafos, talvez quatro, vamos assim descrever: l. o grupo liderado pelo
Faissol que era a geografia quantitativa, mas na formação dos geógrafos, poucos eram
geógrafos com idade de 50 anos de idade estavam dispostos a aprender matemática,
estatística, o Faissol fez isso, outro era um grupo liderado por Miguel Alves de Lima que
era um grupo ainda da geografia, eu vou usar essa expressão, porque não parece
conveniente você corrige como achar conveniente também, geografia tradicional,
descrições de territórios, descrições das cidades...”

[RSA] - O Miguel Alves de Lima ele é um geomorfólogo , quer dizer, é um profissional


que trabalha com descrição da superfície, de todo o relevo e tal, e talvez isso tenha
influenciado você...

[Eurico Borba] “ Quando eu fui para Brasília em 75, eu pedi um assessor de geografia e
mandaram a Catarina Vergolino Dias, que hoje é uma grande amiga, uma irmã mais
velha, mas Catarina era seduzida pela metodologia do mapa, ela ia para uma reunião
comigo e queria levar mapas, para na frente do Ministro começar a desenhar, onde
estava a indústria, onde é que estava a poluição, onde é que estava a corrente
migratória, porque no mapa o pessoal vê, daqui pode codificar, eu digo, não Catarina,
você tem que levar tabelas, você tem que levar pequenos relatórios, uma, duas páginas,
tabelas, gráficos, aquilo não entrava na cabeça dela, gráfico, a tabela era o mapa
desenhado...”

[RSA] - Não entrava mesmo, é tradição cartográfica mesmo, que é uma tradição do
Miguel Alves de Lima... aprendida com Francis Ruellan

[Eurico Borba] “ Um terceiro grupo, era o grupo do meio ambiente que hoje são os
precursores do meio ambiente do IBGE que era a geografia física, então tinha um chefe
de gabinete do Miguel que era uma pessoa simpaticíssima, baixinho, o Lúcio de Castro
Soares, então ele me mostrava com muito orgulho os artigos dele na Revista Brasileira
de geografia de l940, 50, 60 os ventos de tal lugar, as marés, os mangues, a floresta, era
uma camarada excelente, se a gente pegar um livro da época tem lá. IBG -
Superintendente - Miguel Alves de Lima, Chefe de Gabinete Lúcio de Castro. Então esse
era o grupo, esse grupo me ajudou muito lá quando eu fiz a Reserva Ecológica do
Roncador, e o quarto grupo, é um grupo que eu diria assim: dos magoados, que era um
grupo de pessoas que foram maltratadas pela revolução, ou tiveram brigas
metodológicas com os outros grupos internos e foram segregados, então para o exemplo
eu estou falando do Valverde, que é uma pessoa que quando foi à Brasília me visitar lá
por conta da Reserva Ecológica do IBGE me pareceu uma das pessoas de melhor
qualidade, inteligência e tal, e tinha o Edgar o Kulhman por exemplo... então esse outro
grupo de descontentes o Kulhman, o Orlando Valverde que estavam ressentidos.
Catarina tentou recuperá-los, não foi possível porque, eu nunca fiz isso na minha vida
acadêmica, mas vejo que até hoje se repete, você repele, o Faissol repelia esse pessoal,
não aceitava, o Miguel Alves de Lima repelia esse pessoal, na área de geografia física
eles também não entravam... e eles por sua vez estavam ressentidos com a situação
nacional...

203
[RSA] - Existia um problema sério no IBGE é que nesse período a geografia física l970
quando eu entrei no IBGE a geografia física estava em baixa por alguma razão que até
hoje nunca consegui decifrar bem, geografia humana e a geografia urbana
fundamentalmente era a força e aí não sei se aí teve o dedo também de Lysia Bernardes,
etc. e tal...

[Eurico Borba] “ Lysia Bernardes era outra que o Isaac tinha a maior admiração por ela...”

[RSA] - Exatamente, então o que você percebe é que quando eu entro no IBGE e aí eu
entro pensando no contexto de geografia física, já que eu era escalador, eu era um cara
de montanha... então eu entro na geografia imaginando trabalhar em geografia física e eu
percebo que no DEGEO a geografia física está em baixa... quem está forte é geografia
humana e quem está forte na geografia humana é geografia urbana e onde eu acabo
trabalhando e onde eu acabo ficando... e começo a perceber que havia pessoas muito
poderosas na geografia física como Alfredo Porto Domingues, como Miguel Alves Lima,
como a própria Catarina que conhecia muito de geografia física... mas esse divórcio era
forte, eu me lembro que grande parte de que se fazia de geografia no IBGE era geografia
humana e na geografia humana no IBGE eram geografia urbana e agrária...além do
grupo da geografia regional que solicitava apoio dessas duas.

[Eurico Borba] “ Mas aí deixa eu contar o lado que eu sei de alguma coisa de bastidores,
eu estava te comentando das patotas, os grupos, que até hoje você percebe na
academia, eu não sei fazer isso, a gente sofre com essa história, mas acontece as
pessoas ficam mais amigas, tem conversinhas especiais, segregam, nomeiam quem vai
para Congresso, protege aquele grupo que vai fazer o mestrado, tudo por aí... o artigo na
revista tem sempre prioridade, então esses grupos começaram a ficar muito claros
delineados já em l970, mas o Isaac com aquela soberania dele, soberania não, aquele
espírito sobranceiro dele pairando sobre esses problemas ele achava fantástico
conversar com o Miguel, conversar com o Lúcio, com Faissol, com Geiger, e tem mais
um grupo que não são especificamente de geógrafos, mas que conviviam com geógrafos
por conta do antigo IBG e que é preciso ser considerado que é o pessoal de geodesia e
cartografia, que no passado tinha uma força vamos dizer assim romântica Dalmi, que
morreu em Brasília é um grande amigo que eu guardo assim na memória, Dalmi em l939
sai do marégrafo de Torres no Rio Grande do Sul e de cem em cem metros com aquela
régua e tal, vai levando a linha de nivelamento que eu vi em l97l chegar no marégrafo de
Torres e essa linha que saiu em 39 do marégrafo de Torres chega em l97l no marégrafo
de Belém, Belém do Pará, com Clóvis lá do Ceará e o Dalmi presente com uma diferença
de apenas 42cm, a pé, esse pessoal de geodesia era então assim o carisma o Dalmi
conta a história o Alírio Hugueney de Matos que nós homenageamos em l978 um
velhinho fazendo noventa anos, nós fizemos uma base lá em Mato Grosso, numa
cerimônia à noite, Base Alírio de Matos, o velho não podia falar, estava com falta de ar,
oxigênio no velho para não morrer ali nos nossos braços, esse pessoal era o romântico,
então, escutavam a BBC para calcular a hora oficial para ter observação das estrelas,
latitude, longitude com rádio de galena, porque era período de guerra, as baterias se
desgastavam rapidamente, então faziam rádio de galena para pegar a hora do meridiano
de Grenwich para acertar os seus cronômetros e pegar os seus sextantes lá no interior
do Mato Grosso e marcar as posições, era um pessoal fantástico, romântico, e tal, então
foram heróicos na década dos 40, na década de 50, na década de 60... Che Guevara os
abençoa, porque como surgiu a idéia de terrorismo na América Latina... os militares
perceberam que era preciso mapear, e para mapear tem que ter o apoio geodésico e
apoio geodésico toma dinheiro, eles nunca tiveram tanto dinheiro na vida como esse
período, os primeiros rastreadores de satélites que foram funcionar no mundo foram nos
Estados Unidos e depois no Brasil, porque tinham que pegar ali fronteira da Bolívia, Peru,
aquele negócio todo porque os comunistas iam entram por ali, então o exército precisava
para fazer mapas na escala de l:25.000, l:l0.000, mas aí o IBGE tinha que mapear a

204
escala de l:50.000, então eles foram os primeiros rastreadores de satélites aquilo era um
treinamento no Panamá, no Canal do Panamá, dinheiro a beça, então naquela época se
compara ou caminhão, caminhonete, rádio, tudo, barraca, eu dormi no interior do Mato
Grosso em barracas americana, se puxava o zíper por causa dos mosquitos era uma
beleza...Era rede barraca, ficava balançando e deixava, era uma beleza, fiz tudo isso
pela maior glória de Deus e grandeza do IBGE, então o pessoal de geodesia e
cartografia na década de 70, tiveram um grande impulso por conta das guerrilhas... Por
conta de um trabalho para o Ministério, tive que mapear as barragens no Brasil e
Professor Isaac numa vez estava conversando comigo e eu disse: Professor Isaac, mas
o esse dado aqui em escala de l:50.000 principalmente é um dado importante para
barragens, para estradas também, ele disse: Eurico isso é importante, no dia seguinte
teve uma palestra dele na Escola Superior de Guerra, o Isaac disse: Porque o dado
geodésico para nós e essa carta l:50.000 vale tanto como uma informação demográfica e
econômica porque pode mostrar aqui as curvas de nível para construir uma barragem,
construir uma estrada e seus cursos alternativos...”

[RSA] - Eu imagino como os militares adoravam...

[Eurico Borba] “ Eu ficava passando, os militares adoravam, mas os Isaac numa dessas
reuniões da Escola Superior de Guerra... um coronel lá levantou e disse assim: Se um
dado econômico social for contra os objetivos permanentes da revolução o Senhor não
acha que esse dado tem que ser escondido da população, não das outras autoridades e
tal, que precisa saber, mas da população? O Isaac ficou branco e disse: Essa é a
diferença entre um estado democrático e um estado totalitário, ele pensou, vou sair
daqui preso...
Então voltando ao grupo quer não era geógrafo, mas de geodesia e cartografia teve
muita força e era um grupo muito unido e disciplinado e com uma produção enorme...”

[RSA]- Até hoje a geodesia, a geodesia brasileira é uma das melhores, quer dizer é uma
das melhores das Américas, ela só não é melhor do que os Estados Unidos pois o
Estados Unidos tem um esquema geodésico muito grande, é muita gente, recursos, mas
ela é extremamente, por exemplo, essa parte de GPS ela foi a primeira a implantar no
Brasil, a implantar muito bem implantado no IBGE hoje é matéria comum...

[Eurico Borba] “ Então esse grupo de geodesia e cartografia nunca nos deu problema, na
época do Censo, fazer mapas censitários eles respondiam com bastante eficiência,
bastante rapidez, estavam preocupados na produção de mapas temáticos e aí tinham
uma ligação com o pessoal da geografia muito grande... Mas na época começou uma
brigalhada danada, Projeto Radam e o INPE sobre as primeiras fotografias de satélite e a
imagem de Radar, então havia uma confusão Miguel Alves de Lima dizia que o Projeto
Radam era uma porcaria, era um blefe, tinham um engenheiro agrônomo baiano,
esqueço o nome dele agora...tinha esse engenheiro agrônomo que eu me esqueço o
nome que dizia que o IBGE poderia acabar com o Censo Agrícola porque com imagem
de Radam e imagem de satélite, fotografia com alta altitude, de alta altitude, faria
previsão de safra...”

[RSA] - Naquela época se imaginava isso...

[Eurico Borba] - Mas aí imaginar que o Censo Agropecuário no Brasil... que é um negócio
muito mais complexo, se limita a prever safra é outra história...
O Isaac ficava uma fera com essa história, Miguel Alves de Lima alimentava dizendo que
o Projeto Radam era uma porcaria, que o radar, nunca me esqueço dessa explicação,
que o radar era na vertical, quando era inclinado as elevações...”

[RSA] - As elevações apareciam sombras, davam sombreamento...

205
[Eurico Borba] “ Então a parte de altimetria nunca era correta, que o dentro da mata
Amazônia tinham verdadeiras montanhas, com mais de quatrocentos, quinhentos
metros, aí vinha o Lúcio dizia que tinha andado lá por dentro que era verdade...”
[RSA] - Isso aí tem uma história muito interessante que em l974 eu fui num Congresso de
geografia em Belém e o pessoal do Radam trouxe uma nova visão da geomorfologia da
região Amazônica, a região Amazônica era conhecida como uma planície Amazônica,
então era tudo plano, e ninguém se discutia, era plana, etc., e chega o Radam e mostra
que não, é plana em termos, quer dizer: existem elevações, etc., e tal, então vamos ter
que discutir a classificação de como nós vamos denominar essas elevações dentro de
uma área que é em média planície, e aí isso causa um transtorno louco para todos os
caras, geógrafos de geografia física que sempre falavam de planície Amazônica e
planície é zero a dez metros, quer dizer, então a idéia é essa de zero do nível do mar a
dez metros, e os caras não: tem planície, tem montanha de cento e tantos metros, cento
e dez, duzentos metros, e isso foi um caos total em l974, porque a geografia clássica,
geomorfologia clássica anterior definia a Amazônia como planície e ninguém queria
largar disso e os caras diziam, não é assim e etc. e tal e aí tem toda uma discussão
técnica sobre o radar do Radam era bom ou não era, se servia para mapeamento ou
não... e o Miguel Alves de Lima possivelmente era um desses partidários que era contra
...

[Eurico Borba] Já Isaac descobrindo que os geógrafos tinham um nível acadêmico


superior, eu estava falando com ele, na área da estatística tinha o Ovídio que era um
advogado que virou estatístico, tinha aquele da Indústria que você trabalhou com ele, era
um velhinho fantástico, Florentino uma figura fantástica eu estava falando isso, ele sabia
a estrutura da produção da Wolkswagem, da Marco Polo, tudo de cor...”

[RSA] - Ele se identificava com os questionários de tabulações especiais a mão, ele


sabia exatamente o que podia e o que não podia fazer, marcava um “X” na tabulação...

[Eurico Borba] “ Mas não tinha nível superior, o Rudolph Wenshe sabia fazer as coisas e
tal, mas era um quadradão ali da turma, formada no campo desde a década de 40, 50,
60... então o Isaac começou a conversar muito com Miguel Alves de Lima, com Faissol
que tiveram uma influência muito grande nessa transformação do IBGE toda, nessa
mesma época o Isaac começa a perceber, estamos já falando em 7l que tinha que trazer
gente de fora e tinha que mandar gente para o exterior, para fazer mestrado e
doutorado...”

[RSA] - Continuar o que a geografia sempre fez, aquela história de mandar pessoal para
o exterior existe desde a década de 40... a geografia sempre teve essa política de,
sistematicamente, mandar pessoas para o exterior para fazer especialização, pós
graduação, etc., e tal...

[Eurico Borba] “ l97l, 72 começaram vocês chegar no IBGE...”

[RSA] - 73 foi o período de contratação em massa, 72, 73 foi o período forte em


contratações...

[Eurico Borba] “ Nesse período foi Sônia, Madalena, Jane, Maristela, essa turma toda,

Eurico Borba também fala da questão da urbanização no Brasil e no processo de estruturação das
“áreas metropolitanas” , mas imaginando ser uma questão do início dos anos 70, quando, na
verdade, o problema já estava na pauta dos geógrafos do IBGE desde meados da década de 60,
inicialmente conduzido por Lysia Bernardes sob a orientação de Michel Rochefort e,
posteriormente, por Faissol, Geiger, Marília Galvão, Fany e uma equipe denominada Grupo de
Áreas Metropolitanas (GAM) no qual trabalharam, além de Faissol e Marília as geógrafas Olga

206
Maria Buarque de Lima e Elisa Maria J. Mendes de Almeida. O grupo já havia publicado na RBG
v.31n.4, p. 53-128, out./dez. 1969 um artigo que estabelecia os critérios para identificação e
delimitação das futuras áreas metropolitanas, para que fosse preparado um levantamento
estatístico especial a ser aplicado durante a campanha censitária de 1970.

Mas como Isaac e Eurico, que chegaram em meados de 1970 no IBGE, provavelmente somente
tiveram conhecimento desses estudos bem depois, quando o Ministério do Planejamento fez
solicitações a respeito do problema.

[Eurico Borba] “ ...o governo começou a se preocupar com o problema da urbanização, aí


também houve esses acasos felizes, l9..., eu já não sei a data correta, 7l, 72, começou a
se discutir regiões metropolitanas e aí, eu estou falando discussão a nível de governo,
executivo, quais os critérios para delimitar uma região metropolitana e aí...o Veloso tocou
um telefone para Isaac... eu me lembro nós estávamos numa reunião, em que as
primeiras PNAD estavam sendo discutidas... ele saiu, me chamou assim, chamou o
Faissol e eu tenho absoluta certeza que o Faissol chutou... aquele negócio, ele percebeu
a importância do negócio, o Isaac disse assim: O Veloso quer uma resposta para uma
reunião com o Presidente Médici se nós temos critérios para fazer Região Metropolitana,
o Faissol, quando? Nós podemos fazer... aí eles viraram acham que madrugada, no
sábado, no domingo, e tal, eu me lembro que tinha negócio de número de ligações
telefônicas, número de passagens de ônibus, foi para definir as áreas... e logo depois,
vocês colocaram na praça e até foi uma edição multiplicada por dois ou três da Revista
Brasileira sobre Região Metropolitana, uma capa verde, e aquilo saiu, foi enviado uma
mala direta e o Veloso começou a gostar da idéia...”

[RSA] - Já existia no DEGEO, por conta do Faissol, já existia um grupo chamado, quando
eu entrei em l970, já existia um grupo chamado GAM que era Grupo de Áreas
Metropolitanas, em que ele já estava preocupado com isso, porque que ele tinha
conhecido nos Estados Unidos a história das Standard Metropolitan Statistical Area
(SMSA) é um termo específico de definição de áreas metropolitanas e de definições
estatísticas de áreas metropolitanas nos Estados Unidos. Ele tinha percebido esse
processo no Bureau of Census dos Estados Unidos, tinha visto que isso era
extremamente importante para o Governo Americano em termos de planejamento para
transporte, integração, telecomunicações, etc. e tal... O DEGEO já estava trabalhando
com isso em períodos anteriores, mas dentro de outros contextos... e aí você vê como o
negócio tem ligação, Lysia Bernardes apresenta a idéia de que a rede urbana brasileira
estava se modificando... a população urbana brasileira estava crescendo, estava
começando a sobrepujar a população rural, coisa que na década, no Censo de 60
começa a mostrar isso, mais o Censo de 60 foi um Censo problemático... que não pode
fornecer bons dados para esse tipo de pesquisa imediatamente... os geógrafos urbanos
do IBGE já haviam percebido que estava acontecendo, mas sem certeza estatística...
em 70 esse negócio ocorre e já é mais visível em outras áres do governo. Porém, as
primeiras discussões aconteceram entre 60 e 70, a Lysia Bernardes começa a perceber
isso através dos estudos do francês Michel Rochefort sobre rede urbana, estudos de
redes urbanas, quando ela chefiava a Divisão de Geografia após 1964 e o Faissol pega
essa idéia em 1868... quer dizer, a Lyzia vai para o IPEA, sai do IBGE vai para o IPEA e
o Faissol pega esse mote... ele vai aos Estados Unidos, como ele tinha muito mais
ligação com os Estados Unidos, ele tinha feito doutoramento nos Estados Unidos e
começa a perceber que nos Estados Unidos essa questão é importante, etc. e tal, ele
pega a tecnologia e todo o aparato estatístico, que isso era feito nos Estados Unidos e aí
que de uma certa maneira começa a história, um pouco capenga, começa a história da
Geografia Quantitativa que no fundo, no fundo, não é a geografia quantitativa é muito
mais uma visão de um indivíduo que está numa área, numa agência de governo de
planejamento, dele começara perceber o que é importante para municiar o planejamento
de governo e aí, a história de geografia quantitativa acaba surgindo muito em função de

207
uma questão de o Faissol perceber essa questão, isso aí que você está mostrando
exatamente esse ponto...

[Eurico Borba} “ Mas tinha brigas internas grandes, por exemplo eu me lembro o Miguel
Alves de Lima, foi uma ou duas, várias vezes... ele dizia para o Isaac e para mim... o que
esse grupo que estava fazendo... não era Geografia... eles não estão fazendo
Geografia... e Catarina, que era muito mais livre no falar, amiga do Faissol, o pessoal
gostava muito dela, eu me lembro lá, me lembro lá em casa em Brasília os dois
praticamente se atracavam porque ela dizia assim ... você está traindo a Geografia, você
está fazendo mal feito o trabalho que sociólogo, economista, demógrafo... você não tem
formação específica para isso... nossa formação é para conhecer o território, a ocupação,
escrever, descrição... então as brigas eram sérias e aí eu acho que nessa das áreas
metropolitanas o Faissol forçou um pouco a barra, o Faissol percebeu que ele poderia
ser para o Ministério do Planejamento, um instrumento de planejamento... o Veloso só
aceitou porque achava que era um serviço que o IBGE estava prestando bom e que tinha
o aval do Issac. O que o Isaac pedia para o Faissol, ele sempre dizia assim: você testou
isso com o Lira Madeira? Testou isso com fulano e tal? Ele nunca deixava de falar isso,
mas sempre falava isso e as vezes o Faissol ficava magoado e vinha se queixar para
mim: o Isaac pensa que eu vou fazer uma coisa dessa? - Eu digo não, é uma coisa
importante e tal. Eu falo lá e a o Lira Madeira, Valéria Mota Leite que trabalhava nesse
histórico, na área de economia estavam chegando outros, a Maristela várias vezes
checou coisas do Faissol... Um outro ponto da época foi a divisão em Meso Regiões... o
Veloso sempre falava muito bem do trabalho de Micro Regiões Homogêneas e logo
depois dessa Lei o Faissol saiu correndo atrás e publicou Brasil em Meso Regiões ...”

[RSA] Este processo de regionalização em microrregiões homogêneas inicia-se em


1967/1968 e foi coordenado, primeiramente por Lysia Bernardes como chefe da Divisão
de Geografia e de 1968 em diante por Marília Galvão que assume o Departamento de
Geografia. O processo de regionalização em mesorregiões foi trabalhado por Faissol em
73/74 para ser adotado nos censos econômicos de 1975...

[Eurico Borba] “ Antes de você ir... deixa eu contar esse último fato... uma coisa
importante para se estabelecer um contraste: Aí o IBGE teve uma função fundamental na
definição das áreas metropolitanas e toda vez que esse problema de urbanização
aparecia o IBGE era chamado, eu me lembro o Jorge Franciscone ficava uma fera...
porque o Franciscone tinha sido nomeado para coordenar o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano, e aí era o Veloso... que dizia para o Roberto Cavalcante, que
dizia para o Franciscone, Jorge Franciscone, já checou com o IBGE? Isto é, era o IBGE
que batia o martelo nessa história..., porque aí a palavra final que tudo que se tratava de
urbanização passou a ser do IBGE...

Da questão das áreas metropolitanas, Eurico passou a relembrar o processo administrativo do


IBGE na gestão de Isaac, com a restruturação administrativa da casa e a luta de Isaac com outras
agências de planejamento econômico...

[Eurico Borba] “ Bom, mas então voltando ao Isaac sobre sua relação com o
Departamento de Geografia e com os geógrafos do IBGE lá nos anos 70. Com a criação
do IBGE a Lei 5878 em maio de 73 eu passei a Diretor Geral foram criados a Diretoria
Técnica, a Diretoria de Informática, a Diretoria de Formação, a Diretoria de Geodesia e
Cartografia, a Diretoria de Divulgação e a Diretoria de Administração, a Diretoria Técnica
foi entregue ao Amaro Monteiro e tinha Superintendências Estatística Primárias,
Estatísticas Derivadas, Estudos Geográficos e Sócio Econômicos e Recursos Naturais, aí
já estava começando a surgir efeito a política voltada para o médio e longo prazo do
velho Isaac...de contratar gente já com alguma formação, mestrado e doutorado e
garantir aos funcionários do IBGE idas ao exterior para cursar aperfeiçoamento e fazer

208
então mestrado e doutorado e aí nos anos de 74, 75. Foi um trabalho muito grande de
estruturação do novo IBGE, o quadro de pessoal os critérios de promoção, verdade seja
dita, o Ministro Veloso e o Mário Henrique Simonsen que estava no Ministério da
Fazenda nas época nunca negaram nada ao Isaac... sempre foi possível nós garantirmos
o nosso orçamento... em termos legislação se cita sempre a Lei 5878, mas se esquece
de duas leis muito importantes, uma dela foi implementada com bastante vigor e a outra
ficou no papel por dificuldades políticas que nós vamos mencionar aqui. Uma diz respeito
ao plano de formação estatística e geográfica e cartográficas, estabelecendo
periodicidade, abrangência e tal, isso foi implementado e tudo bem, e a outra é o
problema da coordenação do sistema estatístico nacional que é confuso, porque na
época como se falava muito já em geodesia e cartografia, geografia, estatísticas
primárias, estatísticas derivadas como uma única unidade de estudos e reflexão sobre o
Brasil, nós começamos a ter oposições muito sérias que pouca gente sabe..., que foi
muito pouco explorando... Enquanto o IBGE, principalmente o lado da geografia por seus
estudos de urbanização, metropolização, vários artigos sendo publicados na Revista
Brasileira de Geografia era mais conhecido nas esferas de governo, e os primeiros
resultados sobre Censo Demográficos de l970 também ajudaram... Por outro lado, no
campo entre a Economia e a Estatística... depois as primeiras tentativas de construção
da tabela de relações intersetoriais, as tabelas de insumo-produto e depois a idéia da
construção do Índice Nacional de Preços do Consumidor, o restrito e o ampliado, até oito
salários mínimos e até trinta salários mínimos, que partiu daquela grande pesquisa o
ENDEF - Estudo Nacional de Despesa Familiar realizado em 74 e 75..., veja como isso
tudo era encadeado... treinamento de pessoal, formação de pessoal, reestruturação da
estrutura do IBGE, nova legislação, tudo isso sendo feito, visando a criação daquele
grande instituto que seria o instituto capaz de escrever e interpretar o país em todos seus
aspectos relevantes ao planejamento, essa era a idéia do velho Isaac.

Quando essa idéia começa a transparecer e os nossos adversários só foram perceber


isso lá pelos idos de 74, 75 nós começamos a sofrer elegantemente um bloqueio, de um
lado por conta do IPEA e do BNDES, que foram reclamar com o Ministro Veloso que o
IBGE nos termos da legislação e é importante que vocês vejam isso na 5878, na Lei das
Informações Geográficas e Cartográficas e Estatística e na Lei do Sistema Estatístico
Nacional, que se fala a cada momento de propósito... Eu e Professor Isaac redigimos
isso com cuidado auxiliado pelo Clóvis Zobaran Monteiro... compete ao IBGE coletar,
sistematizar, analisar e divulgar informações, quando eles perceberam que nós
queríamos isso, analisar também... o Isaac disse para o Veloso isso numa reunião estava
presente o Élcio Costa Couto que era o Secretário Geral do Ministério, Presidente do
IPEA e que virtualmente deu um pulo da cadeira. Isaac isso é uma traição, você nunca
disse isso para mim. O Isaac disse assim: Veloso o IPEA está com seus dias contados,
o futuro do IBGE é fazer isso tudo e fazer grandes convênios com as Universidades,
grandes convênios com o Centros Internacionais para fazer análise de dados, para
fazer estudos prospectivos para avançar teorias sociológicas, econômicas, o Veloso deu
uma risadinha e disse: Isaac você continua um professor e o Élcio Costa Couto deu um
pulo da cadeira: Isaac você é um traidor, você quer acabar com o meu instituto... então
elegantemente nós fomos sendo bloqueados nessa pretensão de expansão do IBGE...

Até l976, 77 quando começamos apurar o ENDEF, quando começamos a colocar as


primeiras tabelas na matriz de insumo-produto para fora e começaram os primeiros
resultados do PNADs consistentes, anuais, começamos com os primeiros testes do
INPC, de IPCA até esse momento 76, 77... a hegemonia intelectual dos geógrafos se
fazia sentir de uma forma muito marcante, os principais interlocutores do Professor Isaac
continuavam a ser os geógrafos, mas a partir de 76, 77... começa a vir um outro grupo de
pessoas inteiramente diferente... bem formada e de doutorados, para trabalhar no
segmento entre Estatística e Economia... a Maristela Santana por exemplo na área de
economia, o José Burle de Figueiredo, o Ramonaval, a Teresa Cristina, a Jane Souto, a
Sônia Rocha, a Madalena Cronenberg, todo esse pessoal, economistas, sociólogos

209
começam a chegar ao IBGE... e aí começa uma interação muito interessante e muito fácil
com o trabalho que os geógrafos vinham desenvolvendo. Quando em l978 se eu não me
engano, houve um problema interno com o Amaro da Costa Monteiro, ele deixou de ser
Diretor Técnico, quem assumiu foi o Faissol a aceitação foi tranqüila e a liderança dele foi
tranqüila, quando nós saímos em l979... já estávamos extremamente bem programados,
já estávamos bem adiantados para os estudos para o Censo Demográfico de 80 e
Faissol liderou aquilo dialogando tranqüilamente com economistas, com sociólogos,
engenheiros agrônomos, etc....”

[RSA] Ao Faissol é creditado a famosa matriz de quatro mil municípios de migração,


porque ele queria uma matriz de migração inter-municipal na medida do Censo de 80 que
pudesse mensurar migração interna no Brasil no nível, na escala de município e ele
conseguiu isso realmente as duras penas ele conseguiu bancar esse projeto... que
infelizmente quase não foi utilizada e acabou saindo do censo de 91...

[Eurico Borba] “ Eu acho que tem várias coisas que a gente podia chamar a atenção para
um problema de publicaçõe... como o IBGE divulgou na área de geografia,
geomorfologia, geografia física, inúmeros só os trabalhos sobre cerrado que o IBGE fez
naquele período...”

[RSA] - Existe um ponto interessante que sempre é colocado contra Isaac e Eurico, o
término do Boletim Geográfico e o término do IBGE como área formadora do corpo
docente de Geografia, através dos cursos de professores de primeiro e segundo graus e
de professores universitários. A área que ministrava esses chamava-se de divisão
cultural e vinha desde seus primeiros da década de 40... eu não sei se você lembra
disso... e o IBGE nesse período terminou com essas duas atividades, uma foi o Boletim
Geográfico que era uma revista paralela a Revista Brasileira de Geografia e o outro era
esses famosos cursos de formação de professores...

[Eurico Borba] “ Curso de formação de professores eu nem, me lembro não tenho a


menor idéia..”

[RSA] - Você não lembra como isso acabou?

[Eurico Borba] “ Não, não me lembro nem do tema... de ele ter existido. O Boletim
Geográfico eu me lembro e posso estar errado, mas o primeiro repique que me dá na
memória é que Miguel Alves de Lima e Faissol juntos é que sugeriram a Isaac o
término... que não viam mais sentido na publicação e que era importante fortalecer a
Revista Brasileira de Geografia, eu acho que o único que se opôs a isso foi o Lúcio de
Castro Soares, que se não me engano ele era o editor... mas o outro aspecto eu não me
lembro...
Eu queria fazer uma menção ainda a um outro problema... como surgiu os Recursos
Naturais dentro do IBGE, quer dizer, dentro da visão da grande instituição capaz de fazer
a descrição do país e capaz de analisar todos os problemas sociais, econômicos...No
início dos anos 70 já estava presente a discussão do problema ecológico, Clube de
Roma, essas coisas e nós conhecíamos bem porque Paulo de Assis Ribeiro foi professor
da PUC e era muito amigo nosso, gostava muito do Isaac, e o Paulo Assis Ribeiro era um
verdadeiro pioneiro nessa área dos problemas ambientais e já tinha criado cursos, escrito
coisas sobre os problemas ecológicos e então o Isaac convidou-o para ele ser o primeiro
Superintendente, ele ficou no IBGE. Ele ajudou muito na redação do texto da exposição
de motivos da Superintendência e ficou conosco não mais que seis meses, porque logo
depois surgiu um câncer no pulmão e ele faleceu logo depois... e aí nós tivemos
dificuldades até o final do mandato do Isaac de encontrar uma pessoa com liderança
intelectual capaz de levar a frente o projeto de recursos naturais, quem sucedeu o Paulo
de Assis Ribeiro foi o Wanderbilt Duarte de Barros que é excelente pessoa, depois foi ser
superintendente do Jardim Botânico até recentemente quando faleceu, era um ótimo

210
botânico, mas o problema e que a visão setorializada versus a visão do Isaac que era
uma visão integrada, quer dizer, o Isaac dizia: o Paulo de Assis Ribeiro poderia
conversar com o Censo Industrial e verificar através de um cruzamento de dados que
produtos que utiliza o seu processo produtivo que estão a poluir atmosfera e dali sair
amostras e etc. e tal...mas isso o Wamderbilt não conseguia fazer, por ter uma visão
muito setorizada da questão...

Além isso, os geógrafos reagiram muito mal, e aí foram todos... reagiram mal à
Superintendência de Recursos Naturais o Miguel Alves de Lima, Faissol, Catarina, todos
eram contra dizendo: isso é bobagem, isso novo nome para o que nós fazíamos na
década de 40 em geografia física... Isaac e eu uma vez falando disso já estávamos tão
preocupados com o andamento dos recursos naturais... que o Wanderbilt não conseguia
mobilizar gente, naquela época em l974, 75, não tinha gente com formação específica
em recursos naturais, tinham curiosos, tinham pessoas que acreditavam, que existiam
problemas, que gostavam e tal, mas não tinham formação específica... Então,
conversando com o Isaac resolvemos, entregar o problma para velha guarda e
chamamos o Kuhlman entregamos os recursos naturais, que chegou a um determinado
momento não sabia o que ia fazer com aquilo por falta de gente... você pega por
exemplo, publicações do ano de 78, 79 da área de recursos naturais eram uns livrinhos
assim sobre orquídeas do Brasil, árvores do Brasil...”

[RSA] - Ou os trabalhos do Assis Ribeiro que foram publicados....

[Eurico Borba] “ Foram publicados pós-mortem, trabalhos dele, e mas aí todos os


geógrafos foram contra a idéia de recursos naturais, achavam que aquela história deveria
estar sendo colocada a nível de Departamento no máximo do Departamento de
Geografia Física revitalizada etc....”

[RSA] - Mas eles achavam como que essa área de geografia física seria revitalizada?
Porque como você fala, dá a impressão que o divórcio havia terminado... quer dizer,
quando eu entrei em l970... havia um divórcio bastante grande entre a geografia humana
e física e a geografia física era alijada completamente e era considerada menor... e
acredito que esse ponto, acredito que seja uma relação de poder, em que Eurico e Isaac
imaginam em 76, 75, 76, um rejuvenescimento, ou uma recriação de uma área de
geografia física que continuava sendo desconsiderada pelos geógrafos que estavam no
poder...isso deve ter batido de frente com esses geógrafos...

[Eurico Borba] “Mas em 1973, com a Lei, já estava lá a Superintendência de recursos


naturais...”

[RSA] - Mas não podia ser uma recriação de geografia física, e sim uma visão integrada
de meio ambiente, inclusive poluição, de ocupação, de população...

[Eurico Borba] “ E esse pessoal não pegava, o Paulo Assis Ribeiro pegava...”

[RSA] - Por exemplo, esse é um ponto extremamente interessante para mim porque eu
tento entender qual foi a razão do divórcio... que até hoje não é muito explicado...o
divórcio se dá na década de 60, uma separação entre física e humana... um divórcio que
é estranho, porque todos os geógrafos da velha guarda foram formados dentro da
geografia física, quer dizer, foram formados dentro da Geomorfologia e dentro da
Biogeografia, da Climatologia...

[Eurico Borba] “ O Faissol me conta que jovem, bem jovem no IBGE... saiam naqueles
carros de excursões pelo interior e ele me disse uma vez porque que mudou de área, ele
disse que chegou o momento, sei lá depois da quinta ou sexta excursão,,, se viu que não

211
tinha mais graça, era aquele negócio de ver solo, planta. Geomorfologia, não sei o quê e
eu fui fazer outra coisa dentro da geografia...”

[RSA] O contexto em que o Paulo Assis Ribeiro pensava foi o que vingou... você não
pode separar a física da humana, até porque todas as atividades humanas tem a ver
dentro da física e algumas coisas físicas tem a ver dentro da humana... as coisas ficam
interligadas... mas eu acho que havia uma questão de poder, havia uma questão de
liderança... que nunca foi devidamente discutida...

[Eurico Borba] “ E aí a área de ecologia que poderia ser o vetor recuperador de geografia
física, talvez não tivesse a força, o élan da época, não sei, mas veja bem, só para ficar
claro, a idéia de, são três idéias que vamos discutir aqui, primeiro os geógrafos todos, a
corrente Miguel, a corrente Faissol, dizendo que esse troço de ecologia era geografia
física com outro nome, e que o IBGE já vinha fazendo isso desde l940, depois o Paulo de
Assis Ribeiro tinha uma outra visão que era capaz de integração com demografia, com
censos econômicos, etc. e terceiro eu Isaac por conta, do contraste entre o pensamento
de Paulo e de Wamderbilt... e aí não é uma crítica ao velho Wanderbilt, ele teve uma
grande contribuição, mas não era a visão que se queria... que nós voltamos à idéia de
entrega para o pessoal de geografia física, mas aí nós saímos em 79 o negócio
degringolou e ...”

[RSA] - E aí é que entrou um negócio interessante, esse é o ponto onde entra o discurso
do Edson Nunes, onde ficava a história Radam e onde o Radam se enquadra direitinho
dentro dessa estrutura do IBGE e onde ficou claro até hoje esse problema, você tinha um
divórcio entre geografia física e geografia humana e o Radam entra, não por
necessidade, por vontade, a coisa acontece... e ele será o mecanismo moderno da
geografia física... e isso é um negócio que até hoje é muito mal digerido por alguns
geógrafos humanos, alguns geógrafos humanos acham que estamos perdendo poder, eu
acho que não, eu acho que muito pelo contrário, acho que a geografia só vai poder
caminhar se integrar-se à geografia física e a outras ciências do meio ambiente, geologia,
biologia, climatologia... gostem ou não... são os famosos diagnósticos integradores, que
estão fazendo a geografia andar, os grandes diagnósticos, onde, Amazônia legal,
gerenciamento costeiro, Carajás, os rimas, etc., então esse é o caminho... vocês
pensaram grande para 1975, mas pensaram certo...

[Eurico Borba] “ Mas aí quando eu sai com o Isaac em setembro de 79, nós
imaginávamos que a situação da geografia estava bem equacionada e aí, a liderança de
pessoas no IBGE não só o Faissol na geografia, quando o IBGE tinha determinados
líderes bons, em determinadas áreas aquela área ia para frente... e foi o que eu não
encontrei em l992, em l992 ficava berrando nos corredores. Cadê a velha guarda? E não
encontrava ninguém. Mas eu acho melhor falar 92 num outro dia. “

Gestão Edson de Oliveira Nunes

O próximo presidente, por ordem cronológica, a dar seu depoimento para esta pesquisa foi Edson
Nunes, que ficou 16 meses no cargo, em substituição aos 18 meses de Edmar Bacha. Sua gestão
foi fortemente conturbada por movimentos sindicais que instituíram um regime de greves tão
sistemático, que acabou por gerar uma crise, culminando com saída de Nunes e estabelecendo
uma intervenção do Ministério do Planejamento através de Celsius Lodder que fica até a posse de
Charles Curt Muller.

A importância do papel de Nunes no IBGE inicia-se muito antes de sua posse em janeiro de 1987.
Edson Nunes foi um dos principais articuladores do programa de governo de Tancredo Neves,
convertido tragicamente em governo de José Sarney e acompanhou de perto a gestão de Edmar

212
Bacha no IBGE, principalmente no que concerniu às articulações da montagem da Comissão de
Reforma Administrativa (CRA), que acabou sendo parcialmente implementada em sua gestão.
Nunes também foi um espectador privilegiado do processo de absorção do Projeto
RADAMBRASIL pelo IBGE em 1985, acompanhando as discussões entre Ministérios e
influenciando nas decisões.

Iniciaremos com sua vida acadêmica no IUPERJ e sua ida para o doutoramento de Ciência Política
na Universidade da Califórnia em Berkeley, pois é em Berkeley que se estruturam os laços de
companheirismo com uma elite de profissionais que viriam a representar papéis importantes no
governo brasileiro da Nova República e após...

[Edson Nunes] “ Carreira é uma coisa rápida e biográfica é isso, pois não. Minha carreira
é o seguinte: eu me matriculei, eu sou um homem do interior, veio estudar em Niterói,
para a fazer vestibular de medicina, cansou-se da medicina, foi fazer direito, achou muito
fácil, cansou-se do direito e resolveu simultaneamente fazer ciências sociais, daí para a
frente oscilou entre as duas, se formou nas duas, fiz mestrado em ciências políticas e aí
me alojei definitivamente na profissão...”

[RSA]- Esse mestrado de ciências políticas foi feito onde?

[Edson Nunes] “ Foi no IUPERJ...que eu comecei em l972... lá no IUPERJ eu tive uma


experiência, que talvez seja parecida no futuro com outras coisas, mas que o IUPERJ
estava passando por uma fase muito interessante nos institutos semelhantes do Brasil,
tipo CEBRAP que era a institucionalização dos institutos de pesquisa fora da estrutura
estatal, você tinha o CEBRAP também no mesmo processo... e era o governo militar
havia uma pletora de recursos, o FNDCT, o FNDCT com bastante recursos e IUPERJ
começou a se institucionalizar e fizemos um braço de pesquisa no IUPERJ e eu era o
coordenador desse braço de pesquisa eu fui o coordenador, o diretor, o nome que tenha
de pesquisa do IUPERJ de 72 até 78...
O meu preceptor, ou orientador, ou mentor, era orientador de teses o professor Vanderlei
Guilherme dos Santos, me ajudou fazer essa área e montamos então o braço não
acadêmico do IUPERJ...
Fiz uma tese de mestrado preocupado com isso, como é que é essa coisa de ter um
instituto que é acadêmico que faz mestrado e doutorado, e faz pesquisa aplicada... a tese
de mestrado. Divisão Social do Trabalho Intelectual... pensando nisso...na instituição, são
carreiras acadêmicas e são essas pesquisas aplicadas, a banca era formada pelo
Professor Vanderlei Guilherme dos Santos, pelo professor Edmundo Campos e pelo
Professor Simon Scchwartzman, cujo me mandou refazer a tese toda, leu disse: não tá
bom, você escreve bem, escreve rápido, faça outra...assim fiz...
Depois disso eu fui para os Estados Unidos fazer doutorado de ciência política, passei
um ano em Chicago, e o resto do tempo em Berkeley, fazendo doutorado em Berkeley,
acabei o processo, em quatro anos e meio eu consegui matar a charada do doutorado
com tese e tudo...
A estadia em Berkeley durou até 84, 85 por aí... muito agradável porque Berkeley e
Stanford se mostraram duas Universidades fantásticas, Universidades irmãs, com um
programa conjunto de estudos latinos americanos e junto com alguns professores de
Berkeley chamado Albert Fishllow, outro chamado John Worth que é um historiador
especialista, um brasilianista, outro chamado David Collier, outro chamado Hilgard
Stemberg que era um geógrafo brasileiro... que era professor em Berkeley, nós
montamos um programa de estudos brasileiros que conseguiu um apoio financeiro
substantivo de uma organização - possivelmente eu vou lembrar do nome durante - mas
cujo o executivo era o Keneth Maxwell que é um historiador, também brasilianista... que
saiu de Portugal, etc., gostou do projeto, a organização era a Mellon Fundation... e
tivemos três anos de um programa de economia política do Brasil... esse programa foi
muito interessante e eu fiquei acabando o doutorado e trabalhando como coordenador do
programa que deu uma experiência muito boa nos Estados Unidos, que de novo eu

213
trabalhava numa área para-acadêmica, tinha meu escritório, no centro de estudos latino-
americanos e trabalhava com essas pessoas, trouxemos vários professores brasileiros
no período que conheci na academia brasileira, e latino americana, trouxemos o Didier
O´Donnel que estava na Argentina e depois veio para o Brasil, trouxemos o Roberto da
Mata para a lecionar, trouxemos Fernando Henrique Cardoso e Ruth Cardoso foi um
programa muito ativo e recebemos vários visitantes e firmamos um convênio com o
IUPERJ que deu início a coisa que hoje é comum no Brasil, que eram os estudos
sanduíche, os estudos sendo as bolsas sanduíches ou bolsas de aperfeiçoamento... e
recebemos vários para profissionais interessantes, Maria Hermínia Tavares de Almeida,
teve um tempo conosco, Andréa Calabi teve associado ao Centro, quando acabava sua
tese de doutorado, José Antônio Lavareda que estava acabando... sanduíche foi com o
IUPERJ no grosso, Lavareda que hoje é um analista do Fernando Henrique Cardoso
esteve conosco, ou seja, foi um programa muito de sucesso e aí formou-se nesse
programa uma ligação entre vários amigos, Andréa Calabi estava lá, Paulo Zagen que
hoje é Diretor do Banco Central... também dividia a sala conosco, Gerald Hayes que fez o
doutorado em Busines Administration e hoje é membro do Conselho de Reforma do
Estado, sócio da CONCENP junto com Calabi, também esteve lá fazendo o doutorado,
Vanilda Paiva esteve por lá, o René Dreifus*** andou por lá, ou seja, foi uma época,
muito rica e com esses recursos, nós fizemos, publicamos um livro nós estados Unidos
John Worth e eu Tom Bogadshulth publicamos no Brasil, fizemos conferências isso
estreitou muito os laços numa comunidade de cientistas sociais, o Fishllow é muito amigo
de Edmar Bacha, e daí deu-se por conseqüência que fizemos um livro que está publicado
nos Estados Unidos onde existe, no qual existem artigos de Pedro Malan e Régis Bonelli,
Pércio Arida, André Lara Resende, Andréa Calabi, eu próprio, com Bárbara Guedes que
é uma moça que hoje é uma professora da Universidade da Califórnia em Los Angeles,
Roberto da Mata, certamente... um grupo de professores brasileiros, etc., etc.
E essa estadia nos Estados Unidos, principalmente a fase que eu era coordenador do
programa de estudos brasileiros com recursos e atividades, me permitiu fazer uma séria
de atividades em San Francisco eu fazia programa de rádio, fazia atividades e ao mesmo
tempo montamos essa rede de relações, porque Pércio Arida estava no MIT fazendo
alguma coisa, o André estava não sei onde, ou seja, estabeleceu-se uma rede de
conexões que acabou-se mostrando uma máfia, no bom sentido... meio de Berkelry, meio
de doutorando no exterior cuja... no grosso entrou no poder em l5 de março de l985...
portanto eu voltava dos Estados Unidos em dezembro de 84 numa situação muito
esdrúxula, o IUPERJ já não me reconhecia mais, eu já tinha passado, não conhecia o
pesquisador, não existia essa figura que era eu... então eu vim para a ser um pária, eu
não era... nem professor, nem pesquisador e era PHD em hora imprópria... o grosso das
pessoas do IUPERJ não tinham acabado o doutorado e também não me queriam porque
eles não tendo acabado... como é que eu ia entrar no lugar deles, quer dizer, ficou uma
situação esdrúxula, que foi resolvida, quando a partir de dezembro, novembro, dezembro
de 84, ficou claro a montagem do governo, João Sayad seria o Ministro (Planejamento) e
esses mesmos amigos que acabei de falar eles estavam todos envolvidos na mesma
coisa, então começamos a fazer reuniões informais sem a menor noção, nenhum de nós
entendia onde é que era o governo, o quê que era Brasília...”

[RSA] - Como era Brasília...

[Edson Nunes] “ Onde era Brasília, nós sabíamos, governo é uma coisa de militar
corrupto que tem umas mansões muito grandes e que nós vamos lá e não sabemos o
que fazer, eu me lembro de várias e várias reuniões na casa de Calabi em São Paulo,
montando para a cá e para a lá, dá-se o homem, o Tancredo se elege, vamos nós para a
Brasília, em março, em começo de março... não tínhamos dinheiro para a ir, a FIPE
pagava hotel de todo mundo... bancava todo mundo, estamos lá e todos sentados no
meio fio no dia quatorze vendo, o Tancredo ser enterrado, começou um governo no qual
o João Sayad na área de planejamento era o Ministro, Andréa Calabi era o Secretário
Geral e eu era o secretário Geral Adjunto, e nosso pânico com o setor público era

214
absoluto, nenhum de nós tinha vivido com o governo exceto Andréa que tinha trabalhado
com Serra e Sayad no governo de Montoro em São Paulo, eles tinham um pouco de
noção lá...”

[RSA] - Mas aí é uma noção de São Paulo, não uma noção de Brasília...

[Edson Nunes] “ E a gente chegava lá com medo, tinha medo das Secretárias, medo dos
Assessores e ao mesmo tempo tinha recomendações de Delfim deixou recomendação de
dois ou três, o outro falava de dois ou três, ou seja, tivemos que entender uma Brasília
que para a nós era incompreensível, estávamos muito medrosos, mas ao mesmo tempo
tínhamos que tocar o barco, e chegamos ainda a um governo que não imaginávamos...
tínhamos imaginado o governo Tancredo e tínhamos o governo Sarney, complicado,
conflitivo com a Fazenda...
E a minha carreira então que tinha sido voltada para uma atividade para- acadêmica,
ficou claramente para-acadêmica... eu me sentei na cadeira de Secretário Geral
Adjunto... que tinha, por um lado, obrigação de supervisionar o IPEA, órgão do qual eu
morria de medo, porque o IPEA para a mim era um mito, como é que eu podia falar
alguma coisa para o Régis Bonelli, para o Eustáquio Reis, para a aquela gente que para
a mim eram amigos de praia... mas ao mesmo tempo tinha por eles um respeito... tinha
que supervisionar o IPEA, tinha alguma supervisão com relação ao IBGE, mas que ficou
com Edmar Bacha, portanto estava distante e fizemos uma divisão de trabalho na
Secretaria Geral, Andréa Calábi gostava daquilo que seria as áreas duras de governo
(hard) indústria, finanças e etc., e ele não gostava das coisas que chamava de soft que
era Ministério da Cultura, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Educação,
todas essas coisas ficavam por minha conta, então eu cuidava do orçamento de quatro
ou cinco Ministérios, Andréa cuidava das coisas importantes na cabeça dele, isso me deu
uma convivência permanente com um grupo de cientistas que já eram meus amigos por
causa de Ciência e Tecnologia... tudo uma convivência com o pessoal de Ciência e
Tecnologia, por causa de Cultura, Educação e fui aprendendo nesse processo, perdendo
medo, ganhando medo, etc., entrando nessa carreira par-acadêmica, dá-se aí uma
primeira aproximação com o IBGE... quando começam as discussões sobre o Projeto
Radam...”

[RSA] - A vinda do Projeto Radam para o IBGE ?...

[Edson Nunes] “ Não, não, isso foi posterior... na época o que corria, era a extinção do
Radam, mesmo... havia e não lembro... para a te falar a verdade, não lembro de onde
surgiu isso... mas me lembro que havia a idéia de extinguir o Projeto Radam...”

[RSA] - Ele era do Ministério de Minas e Energia...

[Edson Nunes] “ Minas e Energia, eu não sei porque cargas ... ele estava na Bahia, ele
estava sediado na Bahia... eu não sei porque cargas d’água alguém encasquetou que
tinha que fechar o Radam... outros achavam que tinha que incorporar o Radam ao
Ministério de Ciência e Tecnologia, e outros achavam que tinha que incorporar o Radam
ao IBGE.
Meu contato, porque o meu contato acontece: é o seguinte eu tinha relação com o
pessoal do IBGE que era o Bacha, Edmar Bacha e meu querido amigo, meu fraterno
amigo, meu irmão Régis Bonelli que era o Diretor Geral de Edmar Bacha, então eu tinha
com isso a melhor relação possível, e... mas como Secretário Geral Adjunto, encarregado
das áreas soft, portanto, Ciências e Tecnologia, portanto, Radam o que quer que seja, o
Andréa Calábi ou o João Saiad, olha Edson isso é um problema, você cuida aí desse
Radam, com a seguinte coisa não me arranje problema com Renato Archer, faça o que
quiser, mas não me arranje problema com Renato Archer, tá ali um menino, eu já não
era um menino, eu tinha 36 anos por aí eu estou fazendo cinqüenta anos esse ano, eu

215
tinha por aí, tá ali um menino ainda apavorado pelo governo e tem esse negócio de
Projeto Radam, e não criar confusão com Renato Archer que é um mito e com o
secretário geral dele Luciano Coutinho que era um homem muito doce, mas um homem
muito competente.
Bom eu não sabia o que era o Radam e aí comecei a perguntar as pessoas o quê era
Radam e a cada vez que eu me informava eu ficava mais assustado, porque primeiro eu
comecei a ser procurado por coronéis, capitães, generais, cartógrafos de toda natureza,
foi pedindo audiência, audiência para a falar comigo e os generais, os coronéis e tudo
mais e ainda me mandavam falar ainda com gente da Aeronáutica porque tinha
aerofotogrametria, tinha interpretação de imagem de satélite, etc., e me diziam eles são
bons, são competentes, mas são muito indisciplinados, são desordeiros e indisciplinados,
você tem, nós temos que botar no IBGE, mas tem que discipliná-los e eu ficava com
medo, eu já estava com medo de estar em Brasília, já estava com medo da burocracia,
com mais medo eu estava dos militares, eu tinha sido devidamente preso em 68...
aquelas coisas todas, ficava assustado com isso, por outro lado tinha o pessoal do
Luciano Coutinho, que também não entendiam bem que porcaria de Radam era essa,
mas me procurava e dizia: o Edson pelo amor de Deus, para com esse negócio de
Radam, o Renato quer isso, o Renato Archer, quer...”

[RSA] - Qual era a idéia do Renato Archer sobre o Radam, o quê ele imaginava?

[Edson Nunes] “ Botar no CNPq, eu acho que era isso, botar como um dos Institutos do
CNPq...”

[RSA] - É como seria uma espécie de INPE, um desses Institutos...

[Edson Nunes] “ INPE, um desses Institutos, e tinha o grupo da CPRM que não queria lá
o Radam, mas achava que não podia acabar com o Radam, não pode acabar com o
Radam. Bom, primeira convicção que eu tive não pode acabar com o Radam, essa eu
firmei fácil, segunda convicção que eu firmei, é de que não podia entregar para o Renato
Archer, engraçado, eu gosto do Renato Archer, sempre gostei, gostava, sempre gostei
dele ...”

[RSA] - Mas você achava que seria a criação de mais um outro órgão...

[Edson Nunes] “ Primeiro criar um órgão onde eu acho que não devia criar, segundo que
não era um órgão acadêmico como os outros de Institutos do CNPq, tá certo, não tinha a
ver com os outros de pesquisa de ponta do CNPq, terceiro porque eu me identifiquei com
alguns militares, eu acho que era atração desenvolvimentista dos militares... nessa época
eu me dava com dois grupos de militares, lidava com o SNI e com a Divisão de
Segurança e Informação... que tinha um coronel lá que andava conversando conosco e
era direita clara...visitava, falava sobre as greves e tinha que me prestar contas, e me
prestava contas porque... o Ministro não queria falar com ele, o Secretário não falava
com ele, lá eu falava com o coronel... e adorava a informação dele, ele me dava mapas
de greves... que me dava para a fazer análise política... onde é que estava as tensões no
Brasil e eu incentivei o homem adoidado que ele tinha uma máquina enorme, eu disse:
coleta isso aí para a saber onde está o conflito, como é que é, era uma bela sociologia,
pena que acabou... Mas ele não sabia fazer uso disso, ele me dava isso e ao mesmo
tempo queria botar umas escutas em fulano e beltrano, mas um outro lado do Exército
me encantou, os cartógrafos me encantaram num certo sentido, primeiro que achei
gente, um povo que eu não conhecia, era um povo muito suave, muito suave, e parecia
profissional, parecia um povo muito correto e ao mesmo tempo eles me diziam uma coisa
que eu não imaginava ouvir da boca de militares, eles diziam... Edson não entregue para
a Renato Archer que ele é sócio de uma firma de aerofotogrametria eles tem um avião,
eles não sei das contas... o governo brasileiro vai perder o controle sobre as coisas
fundamentais, esse Radam indisciplinado como é... tem um equipamento... um hardware

216
que tem que estar na mão da Secretaria de Planejamento... Nós militares fizemos
reuniões - me convidaram para a algumas, eu fui... reuniões estratégicas do alto coturno
militar... eles concordaram, eles achavam que o Radam era um instrumento de
planejamento, como instrumento de planejamento não podia ficar no Exército, não podia
ficar em ligar nenhum, tinha que ficar na Secretaria de Planejamento da Presidência da
República...

[RSA] - E os militares sabem dessas coisas...

[Edson Nunes] “ E é o seguinte, e os militares falando claro, falando claro contra de um


Ministro de Estado, e eu... mas que diabo de briga, mas o que é pior é o seguinte... eu
tentava falar com o Calabi sobre isso e ele dizia: Edson, não me enche a paciência, isso
é um problema é seu. Eu pedi audiência ao Ministro João Sayad, João eu vou te explicar,
- não, não me venha com esse Radam, eu tenho inflação, não me venha com isso Edson
Nunes.
E de vez em quando ele me chamava: Edson... o Renato está uma arara com você, aí eu
falei: você não quer me ouvir... seja o que for... consegui navegar no meio desse conflito
e, de fato, consegui fazer... o que eu acho que os cartógrafos do Exército queriam... fui
visitar o Radam e ali fiquei encantado com aquele negócio, eles armaram um show,
obviamente eles armaram um show, eu fiquei encantado...”

[RSA] - Não, eles são muito bons, eu os conheci em 74 em Belém e, o que eles
apresentaram sobre a Amazônia era realmente muito bem fundamentado... eram
técnicos muito bons...

[Edson Nunes] “ Fiquei encantado com o show, fiquei encantado com eles, encontrei lá
morando em Salvador, meu velho amigo Juca Edson Farias no Projeto Radam, que eu
conversei, conversei, conversei e tomei a decisão, convenci a SEPLAN tomar a decisão
e os coronéis, generais, ajudaram... que o Radam ia para o IBGE... Aí fomos a reuniões
de comando, eles ficaram agradecidos, etc., e aí comecei a fazer a interação com o
IBGE, Edmar Bacha... assim como o João Saiad estavam se lixando para o Radam...
claro, estávamos ás vésperas de fazer o plano cruzado, e parte do plano cruzado era
organizado na cozinha da minha casa lá em Brasília, nós morávamos juntos, tinha de um
lado o plano cruzado, do outro o orçamento, etc.
Comecei a tratar com o Régis... e o Régis Bonelli foi elegantíssimo, preciosíssimo...
entendido que era uma decisão da SEPLAN fazer isto... Régis começou a me trazer ao
Rio para as reuniões de Conselho Diretor do IBGE, para as primeiras conversas sobre a
preparação da entrada do Radam...e ao chegar aqui percebi que já havia um complô de
Radam com a área de Geociências, já estava armado... e Dr. Mauro Mello, que era
Diretor de Geociências na época... ele tinha a confiança de Edmar, tinha confiança de
Régis... e conversando com eles eu entendi que Mauro queria o Radam, ou seja... que
IBGE achava bom o Radam. Bom... aí foi só resolver problemas menores, menores para
o IBGE, grande para as pessoas, plano de carreira, salários, mudança, bom de fato acho
que operamos bastante bem a transferência, não achei que tinha tido grandes conflitos...
e nós estávamos particularmente interessados na época em manter o rádio funcionando
e manter o software equipado e a equipe organizada... não sei o quanto tivemos sucesso
nisso... não é da minha época no IBGE, mas esse foi o meu primeiro contato mais
freqüente no IBGE e com essa área de Geociências e meio ambiente, no qual eu vou
voltar mais tarde quando eu for Presidente...

[RSA] - Aí ainda era Edmar Bacha...

[Edson Nuners] “ Era Edmar Bacha, Edmar Bacha...”

[RSA] - Ele ficou quanto tempo?

217
[Edson N unes] “ É, 85-86, um pedaço de 86... Aí começa o plano cruzado, eu me ocupo
muito do plano cruzado, me ocupo, eu tinha de fato a área de Ciência e Tecnologia e
cultura e Educação e o plano cruzado me botou de novo na área soft, enquanto os outros
cuidavam das indústrias caiu para a mim, caiu para a mim o monitoramento de preços,
de planos de saúde, mensalidades escolares, essas coisas que tem a ver com a
população...

Edson Nunes também explica um outro tipo de relação que também teve de articular com a área
de Geociências na questão da distribuição dos royalties do petróleo da bacia de Campos
explorado pela Petrobrás, cabendo à áreas de Geografia e Geodésia do IBGE, a definição dos
municípios do Estado do Rio de Janeiro, que se enquadrariam nas projeções geodésicas das
áreas de produção em alto mar, e teriam direito a participar da divisão dos royalties. A partir de
informações geradas pela Geodésia o DEGEO listou os municípios que receberiam essa dotação...

[Edson Nunes] “com o Edmar a situação começou a ficar muito difícil, já tinha havido
algumas situações esdrúxulas antes... e uma delas foi a discussão da distribuição do
royalties do petróleo... e aí eu tive de novo um longo contato com o Mauro para a gente
inventar uma forma de se atender ao Senador Nelson Carneiro e ao Presidente da
República... que é o seguinte: nós queremos dar royalties para a todo mundo no Estado
do Rio, vocês inventem um negócio que dê royalties para a todo mundo... bom...
conseguimos... só que Niterói ficou fora, nós fizemos o diabo, a coisa ficou pior do que se
imagina, senti o Presidente e o Senador... Niterói ficou fora... era uma confusão, aí tinha
uns algoritmos... Everardo Maciel era o Subchefe da Casa Civil que discutia conosco... e
Niterói não entrava, e Niterói não entrava de jeito nenhum... porque tinha as
mesoregiões, inventamos regiões de fronteiras das mesosregiões, regiões onde passam
os dutos, regiões afetadas, regiões produtoras, só que Niterói não é nenhuma dessas, só
que Niterói é a capital, mas não tinha critérios... a graça da piada disso foi Valdenir
Bragança, Prefeito de Niterói... descobriu que eu era de Niterói... talvez por conta de
inimigos ou amigos meus disseram que Edson é de Niterói... Valdenir não fez só isso, ele
descobriu o endereço de minha mãe... e levou minha mãe para uma passeata em Niterói
pelos royalties e mamãe foi... e ele dizia: ele pegou pior do que isso... ele foi para a
televisão de braços dados com ela e disse: e aqui estou de braços dados com a mãe de
um dos responsáveis pelo não enquadramento de Niterói na lista do IBGE, ou seja, é
uma piada, bom, seja o que for...
No caso da saída do Bacha...eu acompanhei esse desenlace mais ou menos de
perto...esse papel triplo de secretário, diplomata do João Sayad junto com Chico Lopes,
etc., o cruzado já tinha deslanchado, eu já tinha cumprido a tarefa de montar a base de
informações e estava lá no IPEA... que isso é outra história... e nessa confusão o Edmar
sai do IBGE...e é engraçado que ele sai... e aí é engraçado ele não foi demitido de fato...”

[RSA] - Ele pede para a sair...

[Edson Nunes] “ Eu não entendi direito isso, se eu tiver que recuperar de fato, se eu tiver
que recuperar não me parece que eu consiga entender porque ele precisava sair... a
única coisa que eu imagino é que o IBGE ia ficar ingovernável para a ele, eu acho que o
desserviço do IBGE pode ter sido talvez este...”

[RSA] - Essa informação é importante... com todas as pessoas que eu falo, as pessoas
tem uma mágoa absurda de Edmar Bacha no IBGE e eu sou o único cara que... entrei
em 70 e que digo: gente porque vocês tem tanta raiva do Bacha, se ele ficou tão pouco
tempo? Se o tempo dele, ele não gastou quase tempo nenhum no IBGE, ele ficou o
tempo quase todo lá cuidando da história do plano cruzado, e aí é a história da CRA as
pessoas sempre lembram da história da Comissão de Reforma Administrativa que
acabou você tendo que tendo que gerenciar o negócio, complementar o processo, etc., e
tal e aí sabe? Até hoje...

218
[Edson Nunes] “ Você quer que eu fale disso? ...”

[RSA] - Sim, é importante.. porque você vai contar a sua entrada no IBGE...

[Edson Nunes] “ Não eu acompanhei antes, eu acompanhei antes...”

[RSA] - E aí as pessoas falam mal do Bacha, e eu acho que o Bacha andou muito pouco
e muito pelo contrário, é aquela história... ele até tentou tecnicamente defender o IBGE
dessas questões todas, se foi bom ou se foi mal, fica muito estranho...

[Edson Nunes] “ Aí você vai mexer numa série de conversas eu não sei se a gente
consegue no seu tempo... primeiro: na saída do Bacha a sensação que eu tenho que ele
saiu por ser leal a tecnocracia do IBGE, caso contrário não conseguiria administrar, cujo
o cálculo eu acho que está errado, mas ele já tinha perdido a capacidade de
administrar... por conta da reforma administrativa, por conta de outras coisas e ele, talvez
esse negócio aí foi a gota... ele já não estava mais para mandar... pelo seguinte: é que
esta fase do IBGE... é vital para a você entender a história do IBGE no período pelo
seguinte: nessa fase houve uma alta exposição do IBGE porque o Bacha era Presidente,
e porque o Bacha é o pai do cruzado, houve uma coisa que é o seguinte... houve uma
promoção do IBGE e o IBGE foi promovido ao status que ele nunca teve no aparato
político, tecnocrático brasileiro, após Vargas...promovido a quê? A consorte do plano
cruzado...”

[RSA] - E que acompanhava tecnicamente essa questão de índice de preços...

[Edson Nunes] “ Consorte do plano cruzado e responsável pelo sucesso e insucesso do


plano cruzado, então o IBGE ganha a dupla tragédia ou responsabilidade que ao mesmo
tempo tem Presidente como artífice do plano e de ter o seu índice como referência, ora o
IBGE lhe faltou nisto, ele talvez tenha faltado ao IBGE nisto...
Eu me lembro, por exemplo, na noite que teve um programa de televisão do Brizola
metendo o cacete no cruzado, eu me lembro que nós estávamos juntos na sala do Saiad,
Saiad ligou para o Doutor Roberto Marinho, Doutor Roberto precisamos responder,
assim. E Doutor Roberto disse: hoje à noite etc., trouxemos Maria da Conceição Tavares,
Conceição chora na televisão, armamos aquele circo e ela... Edmar mostra os números...
Edmar mostra o gráfico... aquelas coisas... ou seja, Edmar Bacha ficou no coração do
governo.
Bom, um governo associado à vários problemas de salário, controle estatais de salário
de pessoal, greves, ou seja, a coisa natural de uma nova República... então acho que aí
o IBGE ficou promovido a esta posição infortunadamente... eu chamo isso de uma
politização indesejada, uma politização indesejada... se prematura ou não... uma
politização do IBGE que foi promovida pelo Executivo, pelo Governo Federal, promovida
por azar...
Como o Edmar não queria ficar em Brasília, só queria ficar no Rio de Janeiro, só lhe
sobrava o IBGE, que demoramos a conseguir, demoramos a conseguir, fazer a
nomeação, demoramos, demoramos, demoramos, e Edmar no IBGE cujo o Presidente
de fato... era Régis Bonelli, e Edmar fazendo plano cruzado, etc., e ao mesmo tempo
estamos começando no Brasil as discussões sobre Reforma Administrativa, o novo
Estado, a nova coisa, o IBGE entra na Comissão de Reforma Administrativa... ao mesmo
tempo que nós estamos tomando dinheiro do Banco Mundial... chamava-se Empréstimo
para a Modernização do Estado Brasileiro...”

[RSA] - Já se pensava a questão...

[Edson Nunes] “ Reforma administrativa era um grande tema, e aí entra, conforme eu


disse o IBGE entra torto na reforma administrativa... a reforma do IBGE que era uma
coisa consentânea com a idéia de um grande processo de reforma, ou seja, nós

219
tínhamos feito uma intervenção na moeda, tá certo? Íamos fazer intervenção nas
estruturas estatais, por isso tomamos empréstimo do banco, vamos fazer um negócio
bonito, o detalhe... eu tinha ido a Washington... falado com as pessoas, já tínhamos
armado um belo circo... e o IBGE se apresenta muito mal, o IBGE apresenta porcamente
o projeto, o IBGE propõe no projeto de reforma administrativa a compra de aparelhos de
ar refrigerado, fazer um prédio para a Delegacia de Goiânia...
Na época ser gestor público era cuidar de inflação, isto era o fundamental, inflação e
conjuntura, inflação e conjuntura, o Brasil o Brasil era refém da conjuntura, o IBGE refém
da conjuntura... a comissão de reforma administrativa do IBGE, do ponto de vista da sua
ligação com o setor público como um todo, foi muito fraca e o processo de reforma
administrativa do IBGE, foi uma pirotecnia pensada internamente, para a te falar a
verdade eu acho, para a te falar a verdade não, eu tenho a mais absoluta certeza, nem o
Edmar prestou atenção a isso, eu também não entendia o assunto...eu era muito novo e
pouco conhecido no IBGE”

[RSA] - Sim... mas você também tinha um livro importante, quando você entrou no IBGE
as pessoas lembraram daquele livro - que você foi editor...

[Edson Nunes} “ Aventura sociológica, você acha? Pessoas no IBGE?”

[RSA] - Eu me lembro que eu falava no livro.. e as pessoas também falavam, quer dizer,
eu estou falando na área da geografia, na geografia humana...

[Edson Nunes] “ É interessante você falar isso porque esse livro é produto da reflexão do
para- acadêmico, Aventura Sociológica a rigor, publicada lá em 73-74, e depois Ruth
Cardoso fez a Aventura Antropológica, a Aventura Sociológica era uma tentativa de
achar um papel significativo para o pesquisador que não fosse professor, tá certo? Tinha
lá Cláudio Moura Castro, tinha Simon Schwartzman...”

[RSA] - Aliás o artigo do Simon Schwartzman sobre evasão de talentos é incrível nesse
livro, ele... as pessoas podem ter restrições... uma boa parte do IBGE tem, não gosta
dele, tem medo dele, mas tem que se reconhecer que ele efetivamente é uma
capacidade... talvez tenha sido o único Presidente do IBGE que tenha um conhecimento
da casa no nível técnico e que tenha um feeling da história muito bom...

[Edson Nunes] “Bom, a minha premonição é que depois do Isaac, Simon vai ser o
próximo mito ibgeano...”

[RSA] - Possivelmente, embora as pessoas não gostem, ainda não viram o resultado...

[Edson Nunes] “ Simon vai ser possivelmente o melhor Presidente da história do IBGE,
ele vai ser quase tão longevo quanto o Isaac, que é raro ser um longevo, e o seguinte o
Simon tecnicamente é um cão de trabalhador, se o outro não fizer ele vai e faz
pessoalmente...”

[RSA] - É ele tem essa qualidade, ele é um cara que... se ninguém faz, ele faz, ele vai
sozinho...

[Edson Nunes] “ A sensação que eu tenho de que o próximo mito Ibgeano vai ser Simon,
assim que se acalmarem com ele, aliás com razão.

[RSA] - E sua chegada no IBGE ?

[Edson Nunes] Bom, então eu entro ali no IBGE, encontrei IBGE numa situação muito
estranha, para a mim, eu estou ainda, você repara, o seguinte nós estamos em 86, eu só
acabei o doutorado em novembro de 84, estou com um ano e meio de mundo, eu tenho

220
medo ainda... essa gente toda para a mim é mito... então quando eu era Vice Presidente
do IPEA eu não vinha aqui falar com Eustáquio para a deixar claro para a ele que eu não
queria interferir.... que o INPES para a mim era um sonho, INPES era um lugar intocável,
que o INPES fizesse estava certo... nós promovemos todo mundo, nós acertamos com o
Andréa Calabi... acertamos as carreiras de todo mundo que podia ali, que não eram
promovidos, etc., a gente acertou em dois anos, fez um acerto geral...
Colocada essa questão, eu cheguei no IBGE, fiquei um tempo até assumir
completamente... o Régis me dizia, Edson, Eduardo Augusto, se você tiver o Eduardo
Augusto lá na, como é que chamava Diretoria de Pesquisa? Se tiver o Eduardo Augusto
lá na Diretoria de Pesquisa não vai haver problemas, você pode manter o Mauro que é
uma pessoa que você aprendeu a conhecer, etc., etc., você tem o Alexandre, que a
gente acha que é competente e você pode, e eu digo e Informática? Bom, Informática eu
tenho uma pessoa que era o Paulo Tafner, então, se você conseguir manter o Eduardo,
eu acho que você toca a área de Pesquisa da Casa... que já dá uma dá uma indicação
de como é que eles percebiam o IBGE, o IBGE era a área de Economia...”

[RSA] - Naqueles tempos... sem dúvida a área de estatística era encarada como
subsidiadora da economia...

[Edson Nunes] “ O IBGE era a área de economia... então eu venho para a esse negocio
com extrema confiança em Mauro Melo, Mauro tinha sido de extrema, serventia, de
extrema serventia na absorção do Radam, ele queria, tinha os conflitos que ele me
confessava, ele não escondia os conflitos, etc., Mauro foi de extrema serventia, Eduardo
Augusto, me disseram que era a coisa que eu tinha que ter e aliás era verdade, Eduardo
foi precioso, mas nesse tempo o IBGE estava muito disfuncional porque ele tinha uma
área de economia com a qual eu não estava satisfeito, eu não estava satisfeito com a
minha entrada... eu não estava satisfeito claramente com duas questões principais: eu
não estava satisfeito a) com a idéia da reforma administrativa que estava andando na
Casa, eu não entendia, e que entendia não gostava; b) eu não estava satisfeito com a
concepção de informática no IBGE... eu não estava satisfeito com a concepção de
Informática... porque o IBGE como uma organização baseada numa ideologia que eu
achava velha e era a ideologia do Centro de Processamento de Dados (CPD), ideologia
do CPD me desagrada totalmente porque ela te coloca como refém do analista de
sistemas... ela te coloca refém do homem do CPD...”

[RSA]- De um grupo pequeno de analistas...

[Edson Nunes] “ Por quê é que eu não gostava disto? Em l979, eu morava na Califórnia
quando o Steve Jobs fez um computador e eu comprei o miserável em 78-79, então eu
tinha aprendido a idéia da independência intelectual, da sua base de dados, do seu texto,
do trabalho feito por você...”

[RSA] - E no IBGE?

[Edson Nunes] Era mais complicado do que eu imaginava... eu tinha uma encrenca com
a informática que eu não consegui resolver suficientemente... tinha uma coisa na reforma
administrativa que eu não consegui... mas não precisei, eu só não prestei mais atenção
com a reforma, eu me desliguei... tinha, a reforma falava umas coisas, eu dava uma força
para um jornal, etc....mas eu me desliguei da reforma administrativa, tentei informatizar,
não tinha muita ajuda não...
Aí eu comecei a me dar conta, que estava presidindo uma organização disfuncional, e
onde é que eu comecei a falar da Geografia, onde é que comecei a mudar de idéia... o
Hélio Jaguaribe em conversas comigo dizia: Edson Nunes eu estou convencido que você
tem quatro organizações na mão, você devia fazê-las agora.... Você tem uma gráfica,
você tem um instituto de pesquisa e censo, você tem um instituto de geociências e você
tem um negócio de economia, indicadores sociais, divida essa bodega em quatro

221
organizações, propõe ao governo quatro organizações. A gráfica ela presta serviço ao
Brasil todo, ela não precisa ser capturada, tá certo? A geografia e o seu meio ambiente,
tem um nicho especial, o censo é o bureau do censo que qualquer país civilizado tem, e
isto aqui de sociais e economia, são os indicadores sociais... eu achei que o Hélio estava
com um belo ponto, mas eu fiquei pensando o seguinte: Como é que eu divido isto? O
Hélio insistia muito, viu como eu respeito o Jaguaribe? Me parecia que ele tinha razão...
Só quer eu achava que tinha que tirar a gráfica, depois eu percebi que não podia tirar a
gráfica, e aí passei por conta dos segmentos do Banco Mundial... fui de novo com
Lampreia para Washington, uma coisa qualquer que era continuidade disto e tinha lá uns
coquetéis na casa do embaixador brasileiro em Washington, mas antes tinha passado
por Berkeley onde eu tinha tido um encontro... e uma longa conversa com Hilgard
Stemberg e com o assessor dele, um homem cujo o nome eu não lembro, um homem de
barba, tem cara meio que indiano, um homem de barba que foi parar no Banco Mundial...
lá e eu descrevi para ele a particularidade do estado brasileiro em que o bureau de
censos brasileiros era doido... porque ele tinha já cinqüenta anos e ele mistura a
cartografia até mesmo geociências e o que é pior estava fazendo aerofotogrametria, etc.,
etc... e ele diz... o Senhor tem o Instituto do futuro na mão, o Jaguaribe está errado, esse
povo está errado... e começou a me contar uma história sobre estatística geo-
referenciada...mapas em computador... bom o que eu tinha dado com Radam... porque
eu tinha visto e lidado com essas coisas todas...
O negócio fez assim na minha cabeça... E ele continuou a dizer... Doutor você tem o
órgão do futuro... ele já é multidisciplinar, mantenha-o, a sim, ele disse... o homem
trabalhava no meio aqui na Amazônia com tribos, mas ele usava umas coisas de satélite
para achar as tribos e tinha uma telemetria qualquer, que acha onde é que os caras se
moviam, ele começou a me contar sobre vegetais, tribos, vegetais, satélites... aquele
negócio veio para a minha cabeça.... eu disse esse homem tá certo, e ele me contava,
ele falava assim: a profissão do futuro não é nem a sua, não a minha... é esse negócio aí
que o Brasil fez sem saber...
Rapaz, esse homem fez uma encrenca no Banco Mundial... eu saí de lá tarado com o
IBGE...”

[RSA] - Você sabe o nome dele não?

[Edson Nunes] “ Não faço a menor idéia, eu devia saber não é isso?”

[RSA] - Esse cara é fundamental...pelo menos em termos históricos...

[Edson Nunes] “ Eu sai de lá tarado com o IBGE, ele disse: Você é um cagão, porque
eles só fizeram isso sem saber... então isso que você está querendo dividir... nós
estamos querendo juntar no mundo inteiro... e não conseguimos, a Polônia não quer, o
fulano não quer, os Estados Unidos não, ninguém quer, e você já tem uma agência que
pode definir o geo-referenciamento..., você tem satélite, você tem geógrafo, antropólogo,
você tem sociólogo, rapaz, você está montado...
Eu gostei tanto... achei que ele estava certo, achei tanto que os economistas não iriam
entender... e ele disse: tira os economistas desse lugar, você pode até deixar eles
fazerem um negócio qualquer, agora se você quer separar... manda, essa gente para
outro lado, manda os economistas para a outro lado, mas faça essa coisa que você está
imaginando, nós estamos falando para a você... uma coisa que você já tem...
E de fato eu voltei encantado, aí que a minha atenção para a geografia... que nunca tinha
sido clara, ela era para o causa da cartografia, por causa do Mauro Melo, por causa do
Coronel Carvalho, por causa do Carvalho, por causa do Trento, as minhas percepções
pré-disciplinares...
Eu tinha que lembrar o nome desse homem, esse homem é um antropólogo de geografia
econômica de Berkeley, assessor de Hilgard -, ele disse o geo-referenciamento é o
futuro, é a fronteira do futuro, é meio ambiente, estatística geo referenciada, recursos
naturais, planeta como um todo, e aí antropologia e ciência política com as fronteiras, eu

222
achei aquilo uma maravilha, voltei para cá... Mas... por outro lado, o IBGE não entendia
nada o que estava falando...
Bom... o Mauro, eu não sei se o Mauro entende... mas acho que ele percebeu o que eu
dizia... ele gostou, que aí tentamos dar, fazer algumas coisas eu acho que tentamos tirar
o atraso da Revista Brasileira de Geografia, não sei o quanto fizemos... mas aí comecei a
visitar Lucas, visitar Lucas e aí...
Aníbal Teixeira já era Ministro, eu levei Aníbal lá para a ver as coisas, eu estava
convencido desse negócio, eu estava convencido de duas coisas: que e tinha que ir na
linha desse homem, e que eu tinha que refazer o IBGE...
Eu percebi uma coisa... que eu fingi que não vi... e até dei uma força que é o seguinte...
que Mauro Melo estava montando uma independência tecnológica por conta dele, eu
fingi que não vi e gostei, pelo seguinte eu já estava, você veja só, eu estou juntando
vários pedaços, como eu já vinha zangado com a DI, quando eu vi que Mauro estava
fazendo e ele estava com a base, ele está com a base estatística, ele está com a base
geográfica, ele tá transferindo dados para a lá, ele está com o Radam, ele está com
satélite, eu fiquei imaginando o seguinte: o IBGE vai sair de Mauro Melo no futuro... e se
eu puder acirrar a competição, não está mal...
O conflito para a mim... mais relevante que emergiu... e que eu dei muita força para ele
tomar rumo... foi do Mauro com Paulo Tafner, do Mauro da Geociências com a DI, o
Mauro se preparou para a ser o IBGE do B, botou no programa do Banco Mundial
máquina para a ele... começou a montar uma DI paralela e eu torcia para que desse
certo, não deu tempo, tá certo? Este conflito principal ...”

[RSA] - Eu acho que acabou acontecendo por outras razões, por razões tecnológicas
hoje você tem, programas específicos, possibilidades de isso acontecer sem grandes
problemas dentro da DI...

[Edson Nunes] “ Se ele já tivesse começado a montar, eu acho o seguinte: ele estava
informado da minha idéia de dividir..., e acho que informado disso, ele começou a correr
mais para a montagem de sua DI paralela...

[RSA] - Eu vou entrevistá-lo quinta-feira, quinta-feira minha entrevista é com é ele, então,
porque é um profissional muito competente... tem muito poder e é um sujeito
tecnicamente que conhece muitas coisas, então...

[Edson Nunes] “ Ele me impressionava muito e ele me tranqüilizou muito, com relação ao
exército porque ele convivia, por um lado ele me tranqüilizou com relação aqueles
homens do qual eu tinha medo, por outro lado eu percebi que quando a situação dele
ficou ruim... ele dizia o seguinte... é mas eu tenho a UERJ, ou seja, aquele homem que
eu via, com aquele enorme poder... se contentava em ser um professor universitário, isso
para a mim é um charme, as pessoas não gostam muito do nome...”

[RSA] Algumas pessoas não gostavam... eu sempre gostei muito dele, eu sempre o
considerei muito técnico... conhece bem as coisas, conhece o seu afair, sabe exatamente
como trabalhar e nunca criou muito problema com a Geografia... a relação dele com as
pessoas que conhecem o seu trabalho sempre foi muito boa...

[Edson Nunes] “ Engraçado que na época... algumas pessoas achavam que o Mauro era
um homem de direita, eu pensei assim um tempo, depois eu comecei a perceber que era
um homem corajoso... essa concepção toda do Mauro me impressionou pelo seguinte..
ele nunca foi um Diretor vassalo...”

[RSA] - É verdade, ele sempre foi um profissional muito técnico, muito profissional no que
ele sabia...

223
[Edson Nunes] “ Nunca foi um Diretor de fazer gracinha para a ninguém, de fazer um
agrado indevido... também nunca escondeu os conflitos, eu acho interessante esse
negócio dos caras esconder o conflito... tem diferença sim, tem tal e tal diferença... eu
gostei dele, ele me ajudou a entender umas coisas da época do Isaac... que para a mim
também eram mitológicas... e que ele me ensinou que não eram nada de mitológicas...
eram uma porção de bobagens...”

Gestão de Charles Kurt Muller

O outro presidente a prestar depoimento foi Charles Curt Muller, professor e chefe do
Departamento de Economia da UNB em Brasília que substituiu Edson Nunes após a breve
passagem do interventor Celsius Lodder no IBGE.

A importância de Charles Muller no IBGE deve-se ao fato de ter incentivado o estudo das
estatísticas ambientais, objetivando montar no futuro uma estrutura de contabilidade ambiental
para o país. Charles também preocupou-se com as estatísticas agrárias e, quando foi diretor da
Diretoria da Agropecuária e Geografia (DAG) tentou montar um centro de estudos interdisciplinar
de Agropecuária...

Sua gestão durou 23 meses... um longo período, considerando-se as turbulências sindicais da


época...

Sua timidez e economia de palavras sempre foram conhecidas na casa... o que pode ser
percebido no depoimento...

[RSA] - Como aconteceu sua vinda da UNB para o IBGE ?

[Charles Muller] “ Bom, eu fui convidado para a Diretoria do IBGE pelo senhor Edmar
Bacha, fui nomeado Diretor, ele me convidou, eu aceitei e fui Diretor da Diretoria de –
como era mesmo? – Diretoria de Agropecuária, Recursos Naturais e Geografia...”

[RSA] - Conhecida como DAG, agora o senhor acompanhou a montagem dessa


estrutura... ou já foi anterior, quer dizer...

[Charles Muller] “ Não, eu recebi essa estrutura, quer dizer, a Diretoria já estava
constituída e quando entrei lá o Edmar já disse, já me alertou que haveria um processo
de reexame, digamos, da estrutura do IBGE, achava-se que daquela forma que estava
montado o IBGE não era orgânico, queria se organizar em duas grandes linhas, uma
área de cultura de estatística, uma área no campo, justamente a geografia, da
cartografia, recursos naturais, etc., Geociências, que apelidamos depois... então, quando
assumi a DAG já sabia que alguma coisa iria se modificar, provavelmente sairia a área de
estatística, como Diretoria de Estatística... mas não sabia bem o que iria acontecer na
outra área, havia até uma luta interna no IBGE mas na linha do pessoal da cartografia
versus geografia, recursos naturais, etc., mas no final a idéia parece que foi caminhando
no sentido da concepção dessas duas grandes áreas que mencionei antes, Estatísticas e
Geociências, isso também depois foi um pouco modificado, vamos dizer, com a
incorporação do Radam...”

[RSA] - A incorporação do Radam se deu junto a sua gestão ou já, tinha se dado...

[Charles Muller] “ Na minha gestão como presidente não..., mas eu já era Diretor da
DAG, quando essa questão foi decidida a nível mais alto pela Presidência junto com o
Ministério de Planejamento... o Radam estava terminando a sua missão original o
mapeamento da Amazônia, o levantamento de recursos naturais da Amazônia, etc.,e

224
estava tentado se constituir com uma organização separada...,mas o governo na época
não viu isso com bons olhos, uns achavam que o Radam tinha que ser ou dissolvido ou
então ser incorporado a uma Agência federal, aí pareceu lógico que essa Agência fosse
o IBGE, já a tempos o IBGE possuía uma área de recursos naturais que estava
desfalcada de pessoal.., um dia fui chamado pelo Edmar Bacha, que me disse... o
Ministro Saiad, eu decidimos que fazer um esforço no sentido de ver se incorporamos o
Radam ao IBGE e aí tomei o bonde já andando... estava meio que deslanchado...”

[RSA] - Eu me lembro que o Edson Nunes conta um pouco dos bastidores dessa questão
porque era uma questão também complicada de entender como é que o Radam se
encaixaria, então foi preciso um pouco de entendimento até por conta de que havia
naquela época um pesadelo enorme que era inflação, haviam preocupações maiores...

[Charles Muller] “ O Radam era um órgão caro, havia gente no governo que queria que
simplesmente ele acabasse, alegando que já tinha cumprido sua missão e deveria se
extinguir, etc., e o grupo Radam infelizmente estava querendo se fortalecer, ser
independente de alguma forma, e a saída que se encontrou foi a de incorporar ao IBGE e
teve um certo grau de lógica, não foi uma coisa aleatória...”

[RSA] Bom, quando o senhor entra na DAG, o senhor começa a tentar uma restruturação
e, efetivamente, acontece uma restruturação...
Um memorando seu ao presidente Edmar Bacha... propondo a reestruturação da DAG
em duas Superintendências... a SUEGER que era Superintendência de Recursos
Naturais e Meio Ambiente e da Superintendência de Estudos Geográficos, SUPEG, além
da criação de um Centro de Estudos Agrários (CENAG) que seria organizado... e aí
peguei também a informação de volta do Edmar Bacha falando sobre a questão do
CENAG, quer dizer, dando apoio a questão do CENAG e negando a questão da SUPEG
porque era realmente pequeno, quer dizer, a área de Geografia ainda não tinha estrutura
de pessoal suficiente para a virar Superintendência... e fala sobre a SUPREN que é a
questão da incorporação do Radam... já estava mostrando que o processo estava dando
certo... que a incorporação do Radam, principalmente naquelas estruturas regionais...
que eu acho que esse foi o ponto principal do fortalecimento do IBGE, e a história das
regionais e que o Radam veio dar uma outra força...

[Charles Muller] “ O Radam também entrou no IBGE também depois que viu que não
podia se tornar independente mas uma organização separada, tentou entrar uma espécie
de uma outra Diretoria, Diretoria funcionava na Bahia e tal, mas o Edmar sempre resistiu
muito a isso... havia na época um plano de reestruturação da casa... você lembra? –
Seminários e Trabalhos...alguma coisa assim...”

[RSA] Comissão de Reforma Administrativa CRA

[Charles Muller] – Isso com resultado da CRA é que surgiu a estrutura de hoje...
Diretorias produtoras de informação etc.

[RSA] - Bom, eu também tenho um documento, esse documento não está assinado aqui,
mas possivelmente foi pessoal da área de Solange Tietzmann que era chefe da Divisão
de Estudos Agrários do DEGEO na época, que ficou preocupada com a idéia o Centro, aí
eu não sei porque passou pela cabeça que achava que o Centro de estudos Agrários iria
acabar coma Divisão de Estudos Rurais e aí elas fazem um arrazoado solicitando, quer
dizer, pedindo para a que se mantivesse, etc., e como efetivamente aconteceu, o
Departamento de Estudos Agrários efetivamente continua e aí como é que foi essa
questão? O senhor lembra, tem alguma lembrança?

[Charles Muller] “ Eu tenho uma vaga lembrança, mas, eu me lembro que na verdade
desapareceu a coisa quando se decidiu tirar da, enfim, separar a área de estatística da

225
área de Geociências, então, a partir de Estatísticas Agropecuárias saiu de lá e junto com
ela tinha essa parte não tanto de Estudos Rurais, mas parte de análise dos dados e
preparava inclusive material paras as reuniões da CEPAGRO essas coisas e por isso
desapareceu essa idéia e ficou a área de geografia com seu núcleo de Estudos
Agrários...”

[RSA] - É, porque era, é engraçado a geografia, a geografia agrária no caso... era a única
área que possuía uma relação direta com a área de estatística na medida que a pesquisa
de Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), as pesquisas agrícolas
anuais de agricultura e pecuária, além do Censo Agropecuário... municiavam muito essa
área, então eles sentiam como os analistas de uma parte estatística...

[Charles Muller] “Na verdade... eu até hoje acho que essas duas Diretorias, Geociências
e de Pesquisas deviam trabalhar muito mais ligadas, mais articuladas do que estão até
hoje... a gente nota.... principalmente com o envolvimento que tive depois que sai da
Presidência... esse seria o ideal, mas isso não existe ainda... cada um quer o seu
domínio...”

[RSA] - Quer o seu domínio, quer a brasa para sua sardinha...

[Charles Muller] “Tentei, uma consultoria que o IBGE me solicitou... sugeri na área... a
consultoria foi na área de Informações Ambientais... eu tentei mostrar que essas áreas
tinham de trabalhar juntas, falar de Meio Ambiente sem falar de espaço, geografia, não é
possível e, mas há essa dificuldade...”

[RSA] - Por falar nisso, como é que estão os encaminhamentos dessa questão de uma
contabilidade de Meio Ambiente, contabilidade Ambiental, como é que está isso, que o
senhor foi uma pessoa importante nesse processo...

[Charles Muller] “ Bom, essa parte eu comecei a me interessar por ela já na Presidência,
inclusive porque sofríamos muita pressão de órgãos como o Banco Mundial, das Nações
Unidas e tal... senti que se o Brasil entrasse nesse campo, mas é a coisa está indo muito
devagar, um assunto complexo e exige envolvimento de recursos... são os casos no
momento...”

[RSA] - Quer dizer, é necessário uma rede de coleta muito mais sofisticada do que se
tem hoje...

[Charles Muller] “ Exato, e seria fundamental esse trabalho conjunto... mas mão é
simples... está muito devagar...”

[RSA] - O que eu sinto hoje no caso... e ainda sou funcionário do IBGE, é que, por
exemplo, no caso do Censo 2000 as relações inter-diretorias foram muito mais intensas,
eu não sei se isso foi resultado de um processo que Simon Schwartzman começou a
tentar... dar uma organicidade maior e obrigar as áreas a se comunicarem melhor, é claro
que também hoje e aí também por obra e graça do Simon ele conseguiu botar um
sistema de comunicação por rede, que dizer, a rede toda funcionando e aí você tem uma
possibilidade de comunicação maior, eu acho que ainda seja, ainda não é o paraíso,
mas...

[Charles Muller] “ Eu sinto isso também, eu sou da Comissão do Censo 2000 e a gente
sente que a uma articulação muito maior no que tange ao Censo... é sem dúvida muito
maior...”

226
[RSA] - Eu entrei em 70 e eu percebi que tanto o de 75, 80, 85, as relações eram muito
estanques, cada um se relacionava dentro do próprio Censo mesmo, quem era Indústria
só ficava com Indústria, que era Agropecuária ficava com Agropecuária...

[Charles Muller]“ Eu me lembro, trabalhei na preparação para o Censo de l990... a área


de Estatística queria da área de Geociências só mapas, - não chateiem, o resto é nosso,
hoje a gente vê o trabalho muito mais articulado...”

[RSA] - Exatamente, não sei se também a nova geração, quer dizer, eles perceberam,
bom, aí a Reforma Administrativa. Sobre a Reforma Administrativa, fala-se no famoso
memo PR-45, aqui já é uma resposta dos técnicos das Divisões do IBGE, do DEGEO,
Regionais e Estudos Urbanos, porque nesse período as áreas Regionais e Estudos
Urbanos estavam de um lado e a questão da Agrária, da Agropecuária que era a DIRUR
estava do outro, e havia aquela questão do Centro, não sabia se ia ficar, etc... e nessa
resposta dos técnicos... levantam a questão do memorando da Presidência 45... que no
fundo era o memorando da CRA, quer dizer, o memorando da Reforma Administrativa, e
aí eles dão algumas, dão respostas, ou dizem assim: reclamam, salário, problemas de
intercomunicação, quer dizer, o grosso da questão estava nessa questão de
intercomunicação entre áreas, sentiam que havia muita dificuldades entre Diretorias, etc.,
o senhor lembra mais ou menos desse período como a coisa se deu?

[Charles Muller] “ Me lembro não, mas distante a coisa, porque a coisa foi se
encaminhando de outro jeito, a gente percebia muito claramente que na área que acabou
sendo de Geociências, havia tendência, havia pressão da parte dos técnicos juntamente
para formação de duas áreas separadas uma área mais de Geografia e Recursos
Naturais e outra na área mais de Cartografia...”

[RSA] - É, isso também é pouco falado essa questão, mas havia muitos problemas de
aceitação...

[Charles Muller] “ Mas havia muita conversa também... , eu me lembro de reuniões que a
gente tinha com os técnicos dos dois lados cada um dizendo: não, nós queremos
separação, achamos que é diferente o que temos que fazer, etc., mas depois com a
Reforma Administrativa tudo evoluiu no sentido de formar uma união desse dois
grupos...”

[RSA] - Nesse período, por exemplo, a figura de Mauro Pereira de Melo foi importante
nessa articulação...

[Charles Muller] “ Sim, ele conseguiu, ele tinha, influência grande junto ao Presidente
Edmar Bacha, e depois com o Edson Nunes... e ele era muito, muito articulado e tinha
aparentemente uma certa liderança, um certo domínio sobre essas áreas... pelo menos
os técnicos da sua área, caminhavam juntos...”

[RSA] - Exato, ele tinha uma liderança, tinha a mão forte...

[Charles Muller] “ A liderança dele era muito forte, ele quando decidiu formar essas duas
áreas ele investiu tudo no sentido de não permitir qualquer tipo de fração, fracionamento,
essa coisa, quis se manter junto a área de Geociências...”

[RSA] - E ai, e por um lado a história de tentar ganhar confiança, tanto do pessoal de
Geografia quanto do pessoal de Meio Ambiente que sempre foi uma coisa difícil,
justamente porque havia essa separação, claro que é uma separação funcional clara,
quer dizer, o geodesista e o cartógrafo eles fazem mapas e eles pensam no processo da
feitura do mapa, mas nesse ponto Mauro era o que conseguia pensar, ele dizia: mapa é

227
importante para esse pessoal de Geografia trabalhar, e esse pessoal de Meio Ambiente
trabalhar, então vocês tem que trabalhar junto porque...

[Charles Muller] “ Ele até conduzia a coisa por inverso, para a mim, mapas são
instrumentos para a outras áreas fazer análise e tal, mas ele quase que montava a coisa
de ponta a cabeça, dizia: começa conosco, os outros que se adeqüem... ele tinha uma
visão muito forte da importância da área... mas enfim...”

[RSA]- O interessante nisso tudo é que no depoimento ele diz assim: hoje olhando
retrospectivamente eu acho que eu errei na medida de tentar uma integração maior, eu
acho que a Cartografia devia ser separada, quer dizer, ele volta idéia anterior... no
entanto, claramente naquele momento ele tentava viabilizar politicamente uma idéia de
organicidade maior de sua diretoria...

[Charles Muller] “ É, em termos de comando e poder e tal, que ele fez bastante... lógico,
funcional, quer dizer, colocando Cartografia no centro... o resto atrelado a ela, com isso
ele dominava toda área...”

[RSA] E de uma certa maneira era isso, porque a área, as pessoas reclamavam muito
quando eu o defendia nessa questão, mas eu dizia assim: senhores, olha só, Cartografia
e Geodésia é a área na Geociências a mais, a que está dando salto tecnológico maior
agora... quer dizer, a troca de equipamentos, a introdução do idéia do GPS, a luta para
fazer mapas de Censos, mapas extremamente fidedignos, com uma acuidade cartografia
muito boa, que agora nesse Censo de 91 está sendo isso, quer dizer, a base operacional
do Censo ela está recebendo cartas melhores... quer dizer, o entrevistador, o que sai a
campo ele recebe o mapa extremamente fiel... antigamente não, era na base dos
croques... as informações eram muito pouco fidedignas... ele lutou muito para cartografar
a base operacional do censo... eu me lembro disso, e eu na época eu dizia: gente, não
adianta vocês tentarem brigar com o Mauro nessa situação, ele vai ter que resolver
primeiro essa área, para depois tentar uma integração... ele saiu antes, aí entrou o Sérgio
Bruni e o Sérgio Bruni efetivamente conseguiu, ele conseguiu dar um equilíbrio melhor
entre as áreas, quer dizer, nenhum Chefe de Departamento se sentiu muito melhor do
que o outro, pelo menos nessa questão, acho que o Sérgio Bruni conseguiu esse
equilíbrio... e depois entrou o Trento Natali que acompanhou esta mesma visão de
integração...

[Charles Muller] “As áreas estão mais equilibradas agora...”

[RSA] Bom, aí agora... o senhor como Presidente, como é que foi a sua visão do
período... com aqueles movimentos sindicais todos... eram momentos extremamente
conturbados... isso eu percebi bem, nas entrevistas de Edson Nunes e Eurico Borba que
sofreram realmente pressões horrorosas da área sindical e...

[Charles Muller] “ É, foi uma fase extremamente complicada...e tínhamos muitos outros
problemas”

[RSA] - Era a questão da economia em si que estava muito...candente?

[Charles Muller} “ Sim, mas era um governo fraco também, o Sarney, estava totalmente
desmoralizado, como você falou, o movimento sindical muito atuante, sendo atuante... às
vezes havia muito barulho para coisas minúsculas... uns poucos fazendo baderna e
tentando dominar a maioria... eu porém me considero sortudo comparado com as
agruras de Eurico Borba...”

[RSA] - Sem dúvida, sem dúvida e do próprio Edson...

228
[Charles Muller] “ Tivemos greves, mas foram mais civilizadas... o Edson também pegou
um período muito ruim...foi o primeiro a sofrer o processo...”

[RSA] - É, o Edson pegou o período inicial das coisas ruins... que foi aquele que as
entidades sindicais no IBGE começaram a perceber que nós estamos livres, nós vamos
poder virar a mesa, não vai dar nada...

[Charles Muller] “ É, foi fim de governo militar, estavam percebendo que poderia haver
mais contestação...”

[RSA] - Exatamente, e depois entrou aquele período, o período de dois anos do Collor e
período de dois anos do Itamar, foram períodos de embate: eles diziam: o que nós
podemos forçar... quer dizer, eu acho que essa foi uma visão e no seu caso... na sua
trajetória como Presidente naquele período... como você sentiu o clima? ...

[Charles Muller]“ É, houveram momentos difíceis... bem nós tivemos, duas ou três
greves, nós tivemos duas greves complicadas, mas pelo menos foram greves que deram
origem a um processo de negociação... e que se resolveram sem maiores conflitos...
maiores conseqüências, diferentemente do que ocorreu com o Edson...”

[RSA] - Com o Edson e com o Eurico depois...

[Charles Muller] “ Com Eurico depois foi ainda pior... no sentido de contestação pela
contestação...”

[RSA] - Bom, eu acho que no nosso caso...especificamente é mais ou menos isso...

[Charles Muller] “ É porque eu já na Presidência já dei essa situação resolvida, já tinha as


duas grandes áreas produtivas... Mauro Melo ainda estava na área de Geociências,
achei que não deveria substituí-lo...”

[RSA] - O seu período de Presidência foi 98...?

[Charles Muller] “ Maio de 98 até março de ... transição de governo Collor...

[RSA] - 92 a 95 foi DAG...?

[Charles Muller] “ 95 a 97 por aí foi DAG aí trabalhei com técnico no IBGE, aí fui
conduzido à Presidência, fiquei até...”

[RSA] - Foi em 89...?

[Charles Muller] “ Não, foi maio de 88, até março de 90...

[RSA] Professor, eu acho que foi perfeito, se o senhor quiser alguma declaração, alguma
coisa final, deixa eu mais ou menos também colocar esse material ele passará a ser
acervo da área de Memória Institucional do IBGE, quer dizer, eu utilizo isso na tese e eu
me transferi para essa área de Memória Institucional justamente para formar o acervo da
memória dos presidentes da casa...

[Charles Muller] “ É interessante ter um acompanhamento dessas ações e políticas da


casa...”

[RSA] - Esse acompanhamento... eu estou tentando inclusive fazer um acompanhamento


das ações dos Presidentes... e suas vinculações aos governos... Presidência...

229
Ministérios... por exemplo... qual eram as demandas principais do governo e o que o
IBGE podia dar além das atividades e as suas missões normais, é isso aí...

[Charles Muller] “ Muita coisa... eu acho interessante também ressaltar no que tange a
área de Geociências, o grande problema em toda a minha vida, tanto na gestão, tanto na
DAG e depois na Presidência... foi o problema de localização física da área e espaço
para trabalhar isso foi...muito problemático para a Geografia principalmente...”

[RSA] - O senhor pegou aquele período do Parathion, daquele...

[Charles Muller] “ Peguei, quer dizer, peguei depois, já tinha havido a transferência das
pessoas foi na minha gestão da DAG que conseguimos aquele prédio na Praça da
Bandeira... mas havia uma pressão muito forte do Régis Bonelli ...que era Diretor Geral e
queria a todo custo, já tinha sido feita limpeza... a recuperação daquele prédio lá na –
como era o nome dela? ...”

[RSA] - Rua Equador...

[Charles Muller] “ Rua Equador exatamente... ele queria a todo custo voltar para lá e
havia pressão... descontentamento muito grande na área Geografia para isso... e eu acho
que o Simon fez uma grande coisa, quer dizer, ele arriscou... e colocou quase todos na
Av. Chile...”

[RSA] - Deu um salto no escuro..., mas foi um salto de qualidade...

[Charles Muller] “ Deu um salto no escuro, mas com aquele prédio lá de Mangueira... não
havia mais condições de trabalho lá...”

[RSA] - Porque Mangueira tornou-se área perigosa...

[Charles Muller] “ Eu me lembro bem de Mangueira... eu ficava abismado cada vez que
eu ia lá, como é que podem colocar uma área técnica, científica no meio da favela com
aqueles tiroteios...”

[RSA] - No meio de uma favela não era exatamente o problema... no início a favela era
só favela, depois ela virou um campo de batalha do tráfico de drogas... chegaram a
cogitar e imaginar a botar vidros a prova de balas naquele lado que ficava para a favela...

[Charles Muller] “ Faço uma idéia...”

[RSA] - O Simon nesse ponto teve duas ações muito poderosas... a primeira foi essa
retirada do prédio e a segunda foi a questão da rede de informática, quer dizer, ele
investiu num período de vacas muito magras do governo, ele conseguiu investir muito
nesse processo de intercomunicação da Casa...
[Charles Muller] “ Isso foi muito importante...”

[RSA] - Eu acho que foi a parte mais importante...

[Charles Muller] “ O IBGE é um organismo enorme... ele tem uma área de atuação muito
grande, não é aquela coisa empírica de bilhetinho e carta e tal...”

[RSA] -Ou memorando interno.., ok Professor, foi muito bom, precisando qualquer coisa
eu entrarei em contato com o senhor...

230
Gestão Eurico Neves Borba

Cronologicamente, o próximo presidente entrevistado, foi novamente Eurico Borba, agora na


posição de 19o presidente da casa e o 6o após Isaac Kerstenetzky. Foi uma conturbada gestão de
15 meses que iniciou-se com uma greve, na qual seu Diretor Geral Aníbal Villanova Villela, com
menos de dois meses de trabalho, se demitiu, ao ser barrado por um piquete na entrada do prédio
da presidência. O que dá uma medida das condições políticas que ocorriam em 1992 no IBGE.

Apesar dessas convulsões, a gestão de Eurico foi notabilizada por ter conseguido encaixar o IBGE
no sistema de agências de Ciência e Tecnologia, regido por uma política salarial em que o sistema
avaliativo pauta-se por titulações acadêmicas e por verificações de produtividade vinculadas ao
ambiente acadêmico. O que causou muita contestação nos meios científicos, principalmente nos
fóruns da SBPC.

Sendo uma agência basicamente voltada à coleta e armazenagem de dados, apenas uma
pequena porção de seus funcionários poderiam enquadrar-se num sistema de Ciência e
Tecnologia, com carreiras de atividade fim, que possuíssem toda a linha de cursos de graduação e
pós-graduação em todos os níveis. Sua maioria esmagadora de funcionários concentram-se nos
níveis do ensino fundamental ( 8a série) e no segundo grau incompleto.
Portanto, foi uma vitória política, mas que custou muito caro a Eurico, pois apesar disso, o
funcionário médio já não enxergava mais o velho Eurico, Diretor Geral da gestão Isaac, tão querido
pela rede de coleta daqueles tempos. Eurico era agora mais um, na longa lista de presidentes de
um ano e meio, como eram conhecidos no IBGE desses novos e conturbados tempos.

[RSA] - Professor Eurico então pode começar a nos explicar como foi o processo de
convite para o IBGE de 1992 e depois toda a sua fase até a saída...

[Eurico] “ Bem desde que nós saímos do IBGE, Isaac e eu em l979, eu Eurico, eu sempre
nutria um sonho, uma idéia de voltar ao IBGE um dia. Como o Isaac sempre falava de
uma forma muito categórica que não gostaria de voltar, ele brincava com a idéia de que
não se deve voltar ao local do crime, eu imaginava voltar como Presidente. Eu trabalhei
na campanha do Doutor Tancredo, naquela comissão para o plano de ação do governo
COPAG, junto com Cristóvão Buarque que hoje é o governador do Distrito Federal, com
o Everardo Maciel que hoje está na Secretaria da Receita Federal e eu, e junto com
Serra, com Celso Furtado... evidente que Serra e Celso Furtado, Hélio Beltrão eram um
nível mais ligado ao Doutor Tancredo, e eu e Everardo e o Cristóvão Buarque eram um
nível mais operacional, para ceder material, fazer a triagem do material, classificar esse
material, receber determinados grupos, comissões, promover alguns seminários para
elucidar e aprofundar determinados pontos, e o Doutor Tancredo pedia coisas
específicas sobre saúde, política de migrações...”

[RSA] Esse processo levou quanto tempo?

[Eurico] “ Começou em setembro, outubro de l974 e se findou na véspera da posse. Eu


me lembro que estava lá empacotando vários documentos que deveriam seguir para
vários ministros, eu estava sem camisa, inclusive Doutor Tancredo foi lá, se despedir e
cumprimentar a todos nós e dali ele seguiu para missa e depois indo para casa sentiu-
se mal e foi hospitalizado, na véspera da posse, a COPAG durou todo esse período. Eu
não recebi nenhum convite formal naquela época, apenas uma brincadeira que o Doutor
Tancredo nos recebia para um despacho duas vezes por semana em Brasília às sete e
meia da manhã depois de ele ouvir aquele Globo café da manhã, sete meia ele recebia, e
lá ele ficava até oito e meia, quinze para as nove, geralmente apareciam lá umas outras
pessoas, Doutor Ulisses sempre estava lá, o Fernando Henrique Cardoso, aquele
pernambucano Fernando Lira que foi Ministro da Justiça depois, o Afonso Camargo e
geralmente era eu que estava mais organizado, sabendo dos vários documentos que
haviam chegado de vários colaborações, resultados de vários seminários, de vários

231
encontros, contatos com militares, com políticos, com empresários, com delegações
regionais, ele recebia de tudo, do índio ao engenheiro florestal, os odontólogos fazendo
campanha de flúor na água, nós tínhamos que fazer um relato prévio, que a percepção
política da importância e exclusividade o Doutor Tancredo rapidamente intuía que ali
tinha um, algum material a ser aprofundado... e uma vez então Doutor Tancredo por volta
de janeiro, um pouco antes de ele fazer aquela viagem a Europa e Estados Unidos, e ele
indo para o elevador ali no hall, estava o Fernando Henrique, o Afonso Camargo, o
Fernando Lira, eu e o Cristóvão, eu estava ainda passando uns dados para ele e ele
passou a mão nos meus ombros e disse assim: Doutor Borba o nosso homem das
informações, e como ele não havia feito ainda nenhum convite para ninguém, todos
brincaram, Eurico você foi o primeiro nomeado, sabiam a minha intenção, do meu desejo
de voltar ao IBGE eu disse: espera um instantinho, pode ser SNI e aí ficou... depois ele
ficou doente, houve aquele problema todo e não houve convite, houve convite para o
Bacha, um bom amigo que eu tenho, um conhecido de longa data, feito pelo Sayad, com
o qual eu não tinha nenhum contato, o Bacha me convidou para ser o Diretor
Administrativo, eu disse: Bacha eu estava disputando com você a Presidência... e ele
argumentou... mas o Bonelli vai como Diretor Geral, e eu queria você como Diretor
Administrativo que é uma coisa importante. Eu disse não.... Essa fase de Diretor
Administrativo isso já passou... aí Marcos Maciel me convidou para trabalhar na
Secretaria Geral do MEC o Everardo Maciel era o Secretário Geral eu fiquei como
Secretário Geral Adjunto e aí passou-se esse período todo...”

[RSA] - De uma certa maneira é nesse ponto que tem uma inflexão de Eurico Borba hoje
na educação, em administração...

[Eurico] “ Eu sempre estava muito ligado a PUC, nunca deixei a PUC, eu sempre fiquei lá
como professor horista, alternando com professor de horário integral. Bom... no Ministério
da Educação eu fiquei até l987, em 87 eu voltei para PUC do Rio de Janeiro, como vice
reitor, e fiquei lá 87, 88, 89, 90, 9l o primeiro movimento em direção a minha volta ao
IBGE, aconteceu em 92... se deu na virada Collor... houve um zumbido que não chegou a
se concretizar, chegou ao Mário Covas, chegou ao José Richa uma pergunta do Eurico
para o IBGE e com aquela história do PSDB eu já era membro fundador do PSDB, o
PSDB não colaborava com o governo Collor... os dois o Covas e o Richa ligaram para
mim eu disse: não... isso é problema do partido, eles disseram não, o partido fala é de
Presidente do Banco do Brasil e Ministro, mas o IBGE é uma coisa mais técnica fica a teu
critério... mas não houve contato nenhum, não houve nenhuma sondagem nem nada, e
aí foi o Eduardo Augusto, convidado pela Zélia, foi para o IBGE, eu continuei na PUC...”

[RSA] - E aí já estava, já tinha começado aquele processo dentro do IBGE, o processo de


greves... porque se dá com Edson Nunes, tem todos os Presidentes, entra Eduardo
Augusto, foi o que ficou mais tempo...

[Eurico] “ E havia um processo também de sucateamento, vamos dizer assim, do


funcionalismo público por parte do governo Collor... um mal entendimento que seria o
funcionalismo público... uma forma de penalização global, leste-oeste, norte-sul, todos
eram incompetentes, todos eram vagabundos, todos eram potencialmente corruptos, isso
foi extremamente desagradável e deixou mossa que até os dias de hoje estão aí...”

[RSA] - A começar com a debandada enorme de pessoas para a aposentadoria, o


processo começa nesse período...

[Eurico] “ Bom, eu acompanhava o IBGE de longe, vários amigos, amigas lá dentro,


começa a perceber isso de várias pessoas que estavam se aposentando, indo embora...
a minha volta ao IBGE em 92 foi uma coisa interessante... e aí eu digo isso sem
nenhuma tristeza, sem nenhuma mágoa, eu acho que é uma constatação que precisa ser

232
feita, eu realmente estava muito bem na PUC como vice reitor, presidindo uma comissão
inteiramente importante de Planejamento Econômico e Acadêmico... estava dando
aulas, estava escrevendo algumas coisas e fazia consultoria por fora na área
empresarial, quando um antigo companheiro dos anos 70... que chegou a ficar conosco
no IBGE uns seis meses, mas eu o conhecia antes porque era o Diretor de Administração
do Ministro Veloso no antigo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Carlos
Messias Barbosa, ocupava a mesma posição que o Marcílio no Ministério da Economia,
era o Diretor de Administração, um velho servidor oriundo do Banco do Brasil, da melhor
qualidade, sabia de tudo, honestíssimo, organizado... e uma tarde em meados de
março... ele me toca o telefone... e eu tinha muito contato com ele porque me ajudava
liberar verbas para o sistema católico de ensino para as Universidades Católicas que
tinham convênios, então ele estava sempre contigenciado verbas, então era um processo
de convencimento de universidades que estavam precisando, um direito que nós
tínhamos... e o Messias ajudava muito...então eu pensei que era até sobre um assunto
de liberação de verbas para as Universidades Católicas, não só a PUC do Rio como as
outras, a PUC era a que tinha a maior parcela de verbas... e aí o Messias disse: Eurico
manda o teu curriculum pelo fax agora, - eu disse que curriculum? - teu curriculum,
manda pelo fax agora, eu disse Messias para quê? Ele disse: Porque o Eduardo
Augusto saiu do IBGE e não se acha gente para o IBGE e eu me lembrei do teu nome, o
Ministro viajou, mas deixou instrução que quer o teu curriculum...”

[RSA]- Isso ainda era governo Collor?

[Eurico] “ Governo Collor, março de 92, antes do escândalo, aí, sexta feira... final de
semana o Messias mesmo me liga e disse assim: Na outra sexta-feira o Ministro vai aí na
PUC dar aula inaugural, já estava programado, e ele quer que você o procure, porque ele
vai te convidar para ser Presidente do IBGE, eu parei e disse: Messias, a gente tem que
conversar essa história, porque eu sabia dos problemas todos de salários, de greve, de
falta de recursos para pesquisas... Censo de 90 que tinha sido realizado em 9l, um
Censo problemático... ele disse: não tem nada que conversar, você sempre quis voltar
para o IBGE e se mandou o curriculum é porque você estava querendo...
Então, realmente eu fiquei assim parado... mas então o que me parece... esses cargos
geralmente são muito procurados e principalmente nessa fase da República é uma briga
de foice, todo mundo procura dez, quinze padrinhos para ser nomeado alguma coisa e o
IBGE é um título que honra qualquer pessoa... mas eu acho que não tinha ninguém
mesmo querendo... tanto que o Chefe de Assessoria Econômica do Marcílio que hoje
está como empresário em São Paulo, ele telefonou depois e disse: Eurico você é doido
porque resolveu carregar uma mala pesada sem alça...
Então lá fui eu... comecei a telefonar para algumas pessoas, a primeira que fui conversar
foi com Jane, Teresa Cristina, Sônia estava afastada, estava no IPEA e elas me
contaram alguns detalhes... e na outra sexta-feira o Marcílio chega olha para mim e diz:
aqui não dá para conversar, tinha muita gente lá na PUC, Marcílio estava numa projeção
assim de liderança muito grande... e disse hoje de tarde as seis horas lá no Ministério da
Fazenda, então sexta-feira no antigo Ministério no Gabinete do Ministro que ele mantém
no Rio o Marcílio vira para mim diz assim: olha Eurico... eu queria que você voltasse ao
IBGE para transformar o IBGE naquilo que o IBGE foi no tempo do Professor Isaac,...
um convite colocado nesses termos, eu fiquei emocionado, realmente fiquei emocionado
e é irrecusável... eu disse: olha Marcílio tudo bem, mas me parece que existe problemas
sérios lá de nível de salários e problemas de contas atrasadas e, um apoio, não é só uma
vontade administrativa, uma vontade política...ele disse: olha eu darei todo apoio
necessário, mas tem umas limitações legais, os funcionários do IBGE são regidos pelo
regime jurídico único eu não posso fazer nada fora da legislação, eu disse: sim, mas você
poderia considerar nós voltarmos ao regime CLT, poderia considerar, isso dentro dessa
moldura institucional legal que você tem que trabalhar. Ele respondeu: vou ver o que é
possível... E eu aceitei e aí tomei posse em Brasília...”

233
[RSA] - Isso é um ponto interessante Eurico, haveria possibilidade de volta a um regime
CLT...

[Eurico] “ Mais isso foi várias vezes tentado e eu deixei alguma coisa engatilhada
formalmente lá dentro nesse sentido...”

[RSA] - E isso se fala agora com essa idéia de agência executiva ...

[Eurico] “ Logo, uma das primeiras coisas que eu fiz em abril... logo com duas semanas
de IBGE eu chamei o João Geraldo Piquet Carneiro, que tinha sido um dos pais da
reforma administrativa do Brasil, foi o homem que assessorou aquele grupo de hospitais
Sarah Kubitschek em contrato de gestão, ele é muito amigo meu, ex-aluno da PUC
também com a sua esposa Maria Helena que era chefe de Gabinete do Presidente do
IBGE lá em Brasília, e eu pedi para ele e ele disse: olha tudo bem, vou fazer os
primeiros estudos, não vou cobrar nada, mais você está comprando uma parada
complicada...e eu duvido que abram a brecha só para o IBGE...
O Marcílio me nomeia, eu assumo em Brasília em 27, ou 28 de março e vou em frente,
não recebi nenhuma pressão política, então nomeei Teresa Cristina Diretora Técnica, a
Jane Chefe de Gabinete, avisei que ia tirar o diretor da Geodésia e Cartografia Mauro
Melo e trouxe o Sérgio Bruni - que está atualmente como, no planejamento do Simon,
trouxe o Aníbal Vilela de fora, e começamos a trabalhar, eu fiquei estarrecido
basicamente com os níveis de salários com a desorganização hierárquica do IBGE... um
certo deboche institucionalizado, por falta de disciplina profissional... de uma certa
nobreza de atitudes como profissionais... além disso havia uma dívida enorme, uma
determinada época, um ano depois, por volta de fevereiro de 93 eu tive o desprazer de
receber o Presidente da IBM me entregando uma carta extremamente constrangido
dizendo: olha vocês devem a IBM US$ 8 milhões de dólares, 8 milhões de dólares é
dinheiro em qualquer lugar do mundo, e nós vamos suspender toda assistência técnica
do IBGE e retirar equipamentos, nós devíamos a EMBRATEL, nós devíamos a Light, nós
devíamos a posto de gasolina, nós devíamos a empresa de turismo, nós devíamos
alugueis pelo interior do Brasil, olha era, eram vinte e tantos milhões de dívidas... eu ia
para casa preocupadíssimo, pensando... eu vou ser preso, eu vou ser julgado pelo
Tribunal de Contas como sendo o maior imbecil da paróquia...
A PNAD de l992, depois a PNAD de 93 nós tocamos confiando na Virgem Santíssima,
em crédito, milagre de Nossa Senhora...”

[RSA] - E Censo quando você pegou, eu me lembro você levou um susto louco...

[Eurico] “ O Censo era uma coisa totalmente cheio de indefinições... eu fiquei


apavorado... então olha, foi um período extremamente complicado, porque eu assumi no
finalzinho de março, passa o mês de abril e maio, dia 29 de maio dia do IBGE os
companheiros entram em greve, eu fiquei lá quatorze meses e meio, cinco meses em
greve, e uma greve que no primeiro momento eu tentei enfrentar até com a polícia, fui
procurar polícia estadual, chefe do Estado Maior da Polícia Militar, me disseram: não, o
Senhor toca o telefone e nós mandamos para lá, temos que garantir que as portas
fiquem aBerthas, ninguém pode bloquear as portas, aí eu telefonei no primeiro dia, no
segundo, no sétimo, no décimo nono dia, as portas estão bloqueadas, mas aí o
camarada disse: tem tumulto? Eu disse: não tem tumulto, mas estão bloqueadas, não, só
podemos intervir se tiver tumulto.... Aí eu peguei um taxi, desci, fui lá no QG da polícia,
chamei o Coronel Nazareth, tinha mais esse chefe do Estado Maior, um outro Coronel, ai
eu disse para eles: vem cá, mas o que é esse tumulto, eu tenho, eu Presidente do IBGE
que dar um bofetão num grevista, me atracar e gerar o tumulto para que vocês façam a
intervenção e abram as portas do IBGE? e os cretinos disseram simplesmente o Senhor
é que sabe, o Senhor é que está no local, a decisão é sua...

234
Eu tenho a pior impressão do serviço público sindicalizado hoje em dia... por conta dessa
experiência, e depois eu vi aquelas greves de Petrobrás, Eletrobrás, de tocar fogo em
rede de transmissão, derrubar aquelas torres de transmissão, Petrobrás, impedindo a
saída das refinarias... eu vi que não tinha jeito mesmo...

[RSA] - O Doutor Vilela saiu rapidamente por causa disso...

[Eurico] “ O Vilela foi impedido de entrar, ficou possuído de tal fúria, indignado, pediu
demissão e foi embora, perdemos a colaboração de uma figura fantástica... Bom, então o
quadro de falta de dinheiro, de funcionários extremamente decadentes em termos de
salários, é uma falta de respeito pagar o que se paga ao funcionário público, aquela falta
de apoio de serviço médico, todas as reivindicações são mais do que justas, a maneira
de proceder é que é condenável...
Eu posso te dizer e para tua tese as opiniões precisam ser confrontadas... eu não tenho
certeza que a minha conclusão seja a mais correta... hoje tenho uma ótima impressão, de
longe... pelo o que estou vendo... do que o Simon está conseguindo atualmente em
termos de produzir informações, de divulgar as informações... mas mesmo com o
sucesso atual do Simon... o que o IBGE se desagregou e perdeu de massa, massa
intelectual de tal maneira que é uma entidade com muitos problemas estruturais...mas eu
acho que o IBGE e o Simon de certa forma está dando sinais de soerguimento...
Mas as atividades de um grande centro de estudos brasileiro integrado... no seu aspecto
geográfico, meio ambiente, indústria, comércio, serviços, demografia, fazendo Censo
com periodicidade, qüinqüenal, os econômicos decenal, demográfico, as pesquisas por
amostra, as pesquisas anuais, as pesquisas mensais, informações conjunturais, acho
que essa idéia se perdeu...”

[RSA] E preciso entender que...existem duas situações muito dramáticas... como eu vivi a
década de 80 no IBGE, posso dizer com certeza... durante toda a década de 80,
praticamente não entrou ninguém, ninguém novo, portanto, a casa já apresentava um
forte envelhecimento da massa profissional e quando se chega no início dos 90...
acontecem as debandadas maciças, quer dizer, as pessoas saindo, saindo... se já
estávamos com problemas anteriores, você imagina como isso vai afetar a casa... não há
realmente como repor profissionais qualificados em tempo hábil... não tem mais massa
profissional... o que ainda segura é a transição tecnológica... pois com os novos
computadores... poucas pessoas podem produzir bem... mas mesmo assim ainda temos
um déficit enorme...

[Eurico] “ Bom mas vamos agora a questão da geografia como é que eu encontrei,
encontrei a geografia extremamente, eu vou usar o termo, talvez não seja muito correto,
mas o que me ocorre no momento, esvaziada... do grupo de geógrafos ativos o que
conheço é você... o César Ajara era o Chefe de Departamento, eu não conhecia esse
rapaz, mas tinha sido admitido lá no meu tempo, mas eu não me lembrava dele... único
que eu conhecia era você...
Fui uma vez lá, no prédio da Praça da Bandeira vocês tinham problemas de ar
condicionado, lembra? Era um inferno... era um calor, eu acho que poderia pensar
alguma coisa com quarenta graus...”

[RSA] Aliás deixa eu registrar isso, porque houve dois fatos importantes.. para o
geógrafo do DEGEO você foi a figura que nos tirou de Parada de Lucas... havia quase
que uma luta, quase que pessoal, embora eu achasse que o Mauro tivesse razão no
sentido administrativo do termo...pois ele queria a Diretoria de Geociências toda junta... e
o prédio da época que garantia essas condições era o de Parada de Lucas... mas
claramente um grande, uma grande massa de pessoal não gostava daquela história de
parar a 40 quilômetros do centro da cidade... e isso levou também a um outro conjunto de
pessoas a pedir aposentadoria por se sentir deslocado, alijado, colocado num lugar
longe, etc.

235
Quando Eurico Borba entra... essa questão fica muito clara... quer dizer, Eurico tira
Mauro que era considerado o sujeito que estava enterrando a geografia... eu não acho
exatamente isso... mas essa era a idéia que passava... Eurico então nos coloca na Praça
da Bandeira junto com Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente, mas num
prédio em que efetivamente era um prédio pequeno para os dois Departamentos e com
esses problemas de infra estrutura... em que o ar condicionado era apenas um dos
problemas...

[Eurico] “ Eu me lembro lá daquele inferno, agora quanto a questão dessa área que cobre
a Geografia, o pessoal de Recursos Naturais e Meio Ambiente e o pessoal de Geodesia
e Cartografia, e aí talvez é o problema da continuidade... sempre existiu uma
incompreensão sobre a heterogeneidade do IBGE...
Bem, quando o Isaac saiu... eu fiquei mais duas semanas ou três semanas com o Jessé
passando o material para ele... teve um Diretor Geral dele que durou duas, três semanas
e foi embora,... e o Jessé em Brasília numa reunião... com aquele com ar de dono do
mundo... virou e disse assim, depois de visitar a Reserva Ecológica do Roncador... eu
não entendo essa história de IBGE com reserva ecológica, tratando de meio ambiente,
tratando de geografia, de geodesia, de cartografia, o IBGE tem que fazer Censo, tem que
fazer estatística, eu por mim entregava isso tudo para s universidades, entregava
geodesia e cartografia para o Exército, entregava geografia para s universidades, a
ENCE eu entregava da Federal do Rio de Janeiro e nós íamos tratar de fazer Censo,
vamos tratar de fazer Censo... aí eu digo, ah é uma idéia... virei as costas e fui me
embora... no dia seguinte nem apareci no IBGE e voltei para PUC minha casa de
origem...
Depois com o meu querido amigo Bacha, foi a mesma coisa... depois de ter me
convidado para Diretor Administrativo ele teve uma conversa com o Isaac, teve uma
conversa comigo, ele e Bonelli, e depois eu e Isaac, ele e Bonelli...
Numa conversa sobre o IBGE, o Bacha... com mais delicadeza evidente... mas tinha a
mesma idéia... essa história do Roncador em Brasília... o melhor é doar... vou doar para
Universidade de Brasília e acabar com Meio Ambiente, a Geografia é um troço histórico,
e a gente tem que ficar vivendo com a Geografia...
Então eu não sei... no caso do Edson Nunes, eu não sei ...

[RSA] -Com o Edson Nunes já foi uma outra situação... já havia um outro pensamento,
porque... inclusive o episódio do Radam veio com Edson Nunes, Edson Nunes conta
muito bem o episódio... e aí é aquele negócio... ele teve sorte porque como todos eram
economistas e estavam preocupados com conjuntura nacional... que era realmente
terrível na época... não havia no centro de poder ninguém se preocupando com
Geociências... então todas essas coisas que ele dizia, essas que não eram de
economia... passavam para as mãos do Edson... e foi onde ele conseguiu acertar a
história da vinda do Radam e que eu acho que foi um ponto positivo... porque aí ressurge
a idéia de meio ambiente dentro de outras bases, com mais tecnologia... por mais que o
geógrafo humano ainda não goste muito, ele agora já começando a entender dessa
integração que teve que ser feita, que é irreversível...

[Eurico] “ Mas o, então encontrei todas essas áreas muito atemorizadas, acovardadas,
geodesia e cartografia,. meio ambiente, Radam, Radam estava acovardado em Salvador,
com um prédio, estavam sendo postos para fora pela Petrobrás a todo momento, eu tive
que uma tarde sair correndo, ir lá no Presidente da Petrobrás, esse aí o Joel Renó, que
me recebeu muito bem, eu olha aqui: eu tenho um mandato de despejo, você segura
essa história por favor ele riu e tal, deu uns telefonemas, quando eu saí de lá ainda não
estava nada certo assim... veja eu estou te contando... como era o negócio naquele
período... da gente correr para o Presidente de Embratel, para Presidente de Petrobrás,
para segurar despejo, Embratel para não desligar as linhas do computador, do contato,
porque eles não recebiam a meses... então era esse ambiente da época.

236
Na Geografia eu só conhecia você... o chefe do DEGEO, César não conhecia...não
lembrava dele... então eu vi a geografia fazendo coisas importantes... como os
diagnósticos de algumas áreas da Amazônia... mas internamente...eu não via nem a
geografia, nem a geodesia, nem recursos naturais, nem meio ambiente, se impondo
perante uma Marta Maia lá da PNAD, perante uma, um pessoal da demografia, perante o
pessoal de contas nacionais, a Lúcia, então...”

[RSA] - Bom... porque aí tem uma parte interessante, nessa fase... geografia e recursos
naturais estavam começando a tentar se entender... e aí talvez tenha muito desse
aspecto de fechamento às outras diretorias... primeiro porque tinha sido uma gerência
muito forte do Mauro... com uma ênfase muito grande em resolver questões da
cartografia, por exemplo, havia uma prioridade um... a primeiríssima prioridade da DGC
era dar um salto de tradição tecnológica na área de cartografia e geodésia,
principalmente cartografia, com as famosas estações de trabalho, quer dizer, você teria
que começar, digitalizar toda a malha geodésica brasileira e a geodesia passando para o
GPS, quer dizer... transição tecnológica pesada, com poucos funcionários qualificados...
esse período foi um período realmente bastante pesado para o Mauro Melo que tinha que
gerenciar, arranjar dinheiro para essa transição...e uma parte que englobava geografia
e meio ambiente que eram estavam começando a se entender e se articular... coisa difícil
porque o Radam vinha com uma tecnologia e uma metodologia de gavetas, quer dizer,
eram especialistas, cada um na sua e eles passavam textos, a cada seu trabalho, passa
o texto para o outro, o outro arquiva, e coloca no diagnóstico, não havia muita gente com
uma visão generalista, alguém que fizesse depois um copidesk integral, etc., etc., a única
pessoa que tinha essa capacidade no Radam era Teresa Cardoso que estava em
Brasília, tinha sido da Universidade da Bahia, essa era uma pessoa que era líder e
possuía muito conhecimento técnico e político.....

[Eurico] “ Tinha apelido essa menina?

[RSA] - Não sei, eu tive pouco contato com ela mais, era uma senhora bem baiana...
morena... altiva... muito bem articulada, e ela ...

[Eurico] “ Então eu estou confundindo com outra, que do Radam também geógrafa que
estava no IBGE e baixinha...”

[RSA] Não essa é Antonia, essa foi a segunda, vamos dizer, segunda liderança, todas
duas geógrafas, de geografia física, todas duas especializadas em geomorfologia, mas
que começaram a perceber que seria necessário um discurso integrado... só que a
Teresa Cardoso tinha muito mais tarimba, tinha estudado no exterior, quer dizer, uma
pessoa senior, a seria por assim dizer a futura liderança... nos diagnósticos integrados...
mas ainda com muita dificuldade... mas de qualquer forma... também não está mais no
IBGE...

[Eurico] “ Mas aí deixa eu te contar uma história que é importante. Então nessa área de
geodesia, cartografia e tal, eu acho que fiz muito pouco... não houve tempo para fazer a
recuperação mínima das condições ambientais de trabalho no IBGE, e nos nove meses
que efetivamente se trabalhou, os outros cinco foram greves...”

[RSA] Mas tem um ponto interessante que as pessoas lembram de Eurico Borba e aí... é
claro que tanto na cartografia como na geodesia as pessoas não irão lembrar bem...
porque você convidou o Sérgio Bruni... e ele, vamos dizer, equilibrou os poderes dentro
da DGC, o que de uma certa maneira foi bom... a cartografia e geodésia, mesmo não
gostando muito e perdendo poder... começaram a ter vinculação... um diálogo maior com
meio ambiente e geografia... O Bruni de uma certa maneira foi uma pessoa que teve uma
questão positiva... que foi equilibrar poderes dentro da DGC...

237
[Eurico] “ Eu acho certo, uma série de pontos pontos positivos...”

[RSA] Tinha uma parte que eu acho que teve um problema dele, que eu acho
principalmente que ele era um profissional muito vinculado com a área de botânica e
então ele dava uma força muito grande nessa parte específica da botânica... mas de uma
certa maneira olhando hoje... não era grave...
E olhando de hoje... claramente ele foi um sujeito que equilibrou a diretoria O próprio
Trento Natali Filho que é hoje Diretor de Geociências... ele sentiu isso, ele diz mesmo...
no tempo do Mauro... o Mauro tinha até por razões de profissão, e até por razões de
estratégia ele tinha problemas na cartografia e na geodesia que eram problemas muito
pesados... mas ele dava uma força muito grande a essas áreas... e isso fazia com que,
tanto meio ambiente, quanto a geografia ficassem sem muito apoio... e a questão da
mudança para Lucas só agravou as relações...

[Eurico] “ O que eu quero dizer é o seguinte: o Sérgio Bruni foi um trator e uma das
coisas que ele conseguiu... isto é abriu caminho... eu fui lá depois com o Almirante César
Flores da Secretaria de Estudos Estratégicos foi o diagnóstico econômico e geográfico
da Amazônia... então nós chegamos a entregar a primeira parte praticamente toda parte
de Amazônia Legal e tínhamos iniciado Nordeste e Região Centro Oeste e nós íamos
fazer as cinco regiões, e pelos estudos uma metodologia extremamente rigorosa
abrangente que envolvia o pessoal de meio ambiente e pessoal de geografia...”

[RSA] - Foi neste período é que já estava havendo um nível de integração melhor entre
meio ambiente e Geografia, aí meio ambiente eu falo o DERNA específico que era o
Departamento junto ao nosso prédio e mais as unidades regionais que eram as DIGEOs
que eram espalhadas em vários estados...

[Eurico] “ Mas Roberto deixa eu te contar duas coisas que eu acho que é importante...
quando eu falei em geografia esvaziada junto com geodesia e cartografia que eu
encontrei em 92, 93, nas exposições que eu fiz na Escola Superior de Guerra, na
Secretaria de Estudos Estratégicos, para o Ministro Marcílio, Paulo Hadad, para Yedda
Crusis eu sempre dizia que aqueles dados coletados, sempre forçando a idéia do IBGE
como um grupo integrado, com uma visão integrada de Brasil eu dizia sempre e não
estava fazendo jogo de palavras eu estava convencido que a situação atual do IBGE 92,
93 que o único grupo, a única ciência que tinha capacidade de fazer a união, de fazer a
síntese explicativa do território e da sua população era o grupo da geografia, então eu
explicava lá Censos, estatísticas contínuas, estatísticas mensais, estatísticas
conjunturais, estruturais, Censos, PNADs, geodesia, cartografia, modelos de simulação,
índices de preços, contas nacionais, explicava aquilo tudo e dizia o seguinte essa história
toda tem que ser fechada em cima de um território e explicado porque a ocupação,
porque esse tipo de ocupação, porque esse tipo de vida, isso aqui se chama geografia e
o grupo de geografia, então, eu dizia isso não da boca para fora, nem jogo de palavras,
eu estava convencido que era preciso dar a um grupo do IBGE a função, de começar a
pensar globalmente de forma interligada e interdisciplinar que havia se perdido naqueles
doze anos após a saída do Isaac... e a minha volta em 92, e quando surgiu esse projeto
diagnóstico geográfico e econômico que se fez a Amazônia Legal e quando eu sai de lá
estava se fazendo o Nordeste e Centro Oeste, a idéia era se fazer Sul-Sudeste, eu
verifiquei outra coisa, dei a maior força e prioridade... tudo a que o Sérgio Brunes pediu
eu atendi nesse sentido... e porque a geografia juntamente com esse grupo da área de
meio ambiente se não tivesse um projeto importante encomendado de fora do IBGE eles
sempre ficariam como linha auxiliar do demógrafo, do economistas, do INPC, da PNAD,
faça isso, ilustra aquela carta, prepare a base do Censo, sempre o empregadinho de
segunda categoria perante os estatísticos, os economistas que estavam ali manobrando
o filé mignon do IBGE... então eu verifiquei, conversei muito com Teresa Cristina que
apoiou, com Jane que apoiou, que a gente tinha que descobrir esse projeto que tinha

238
uma abrangência nacional, teria uma importância evidente perante a mídia a Rede
Globo em chamou naquele café da manhã, para explicar o diagnóstico da Amazônia, foi
feita a reportagem também naquele Globo que aparece domingo de manhã, Globo Rural,
saiu uma notinha no Fanestástico, saiu uma notinha no Jornal Nacional, Bandeirantes,
Marília Gabriela fez duas entrevistas comigo, uma delas especificamente sobre esse
diagnóstico, então era alguma coisa importante que a mídia, que o governo, uma agência
governamental importante como a Secretaria de Estudos Estratégicos estava dando, isso
levantaria a moral, levantaria a responsabilidade do grupo de geografia e a
responsabilidade do grupo de recursos naturais e meio ambiente provocando essa
integração e esse grupo não seria simplesmente o grupo de segunda categoria dentro do
IBGE perante os economistas, os estatísticos, etc., e tal, tratando daquele filé mignon... “

[RSA] Se bem que tem um outro ponto interessante também... é que nesse período... os
economistas e estatísticos, estavam com grandes problemas, com problemas específicos
operacionais de suas áreas, e aí nós sentimos que todo Presidente que entrava... suas
preocupações primeiras eram: Censo de 91 tem que fechar... e nada acontecia, definição
de Censos econômicos como o Agropecuário o Industrial... era todo um problema... em
que as pessoas... as chefias da área de estatística... percebiam claramente que eles já
não tinham mais gente para fazer os Censos econômicos... e aí começa a aparecer um
papo estranho... de que não, não é preciso fazer mais Censos, nós vamos ter que fazer
um tipo de pesquisas menores, etc., etc. e isso, mas isso foi muito mal levado em termos
de marketing... mal feito, mal levado, eu acho até que deva ser assim... mas isso foi mal
explicado ao usuário, então o usuário começou a cobrar pesadamente e esse, aí todo
esse período depois da sua saída... a entrada do Sérgio Mincioti, até a entrada do Simon,
foi justamente num período onde grande parte da população tinha aceito uma desculpa
de que Collor tinha destruído o IBGE e com esse álibi do Collor ter destruído o IBGE,
muita coisa do IBGE, que não era apenas pelo Collor e sim de uma estrutura ou
gerenciamento, ou de pessoal, etc., etc., ele já não podia mais levar e ele teria que
explicar o que ele iria fazer, eu acho que esse é um ponto chave no IBGE... que o único
que foi detectar exatamente essa questão e dizer, bom, onde é que eu posso abrir uma
cunha nisso aí foi o Simon naquele na CONFEST, CONFEGE...
No caso geografia e meio ambiente eles estão continuando nessa linha de fazer
diagnósticos integrados, alguns geógrafos humanos não gostam, acham isso um trabalho
menor, eu pelo contrário, acho que isso é um trabalho que minimamente se dá
sobrevivência... porque se você consegue articular bem com um geógrafo físico, com um
biólogo, e com geólogo, você terá um discurso mais amplo, menos segmentado, mas
isso você tem que aprender a fazer... por exemplo, agora o Departamento nas áreas de
meio ambiente lá da DIGEO de Santa Catarina... estão trabalhando em segmentos do
gerenciamento costeiro e o trabalho que foi feito, gerenciado por uma geógrafa do
Departamento de Geografia e por grupos de geógrafos lá de Santa Catarina, foi
extremamente positivo... foi muito bem aceito e todo mundo está aplaudindo e etc., então,
existe, agora, claro que o IBGE a geografia do IBGE... ela sofreu perda de massa muito
mais que substancial... ela, hoje tem quinze pessoas com nível operacional, que você
pode pedir qualquer coisa, a poucos anos atrás trabalhava com cem, cento e sessenta...
é uma grande diferença...

[Eurico] “ Esses quinze hoje qual é a formação acadêmica, esgotou...”

[RSA] - São todos mestres e alguns já começando a ser doutor, eu acho que já tem uns
cinco, seis já no doutoramento...

[Eurico] “ Mas todos, não tem garotada de trinta anos...”

[RSA] - Não, não, é tudo na faixa de quarenta, eu sou o mais velho tenho cinqüenta e
três, o mais novo deve estar com quarenta e três mais ou menos nessa faixa, é esse o
grupo hoje ainda faz a Geografia do IBGE andar...

239
[Eurico] “ É a geografia que desaparece dentro de dez anos...:”

[RSA] - Se não menos, porque com essa, por exemplo a informação que tem agora é que
em dezembro saíram cem pessoas do IBGE... dessas cem pessoas muita gente era da
área de geociências... se aposentaram... pegaram o plano de desligamento... com essas
saídas, cada vez mais fica distante a possibilidade de reposição, a reposição que deveria
ter sido feita na década de 80 e como ela não foi feita... já teve um concurso, agora a
pouco tempo teve um concurso, entraram três, dois já foram embora... questões de
salário, adaptação ao trabalho... porque sentiram que, não havia possibilidade de tempo
para um período de formação... eles preferem ir para outro lugar...

[Eurico] “ Eu sempre digo que se isso, aprendi com o velho Lira Madeira e com Valéria
Mota Leite, se não tivermos uma geração de estatísticos, de demógrafos que tenha feito
pelo menos um Censo, eles não terão condições de comandar o segundo, eu quero
saber no ano 2000, quem é que vai fazer o Censo do ano 2000, vai ter a Valéria e mais
um ou dois que fizeram o Censo de 90...”

[RSA] - Não... esse ano eles até já começaram direito... aí eu digo de novo e louvo o
Simon... ele montou uma equipe para o Censo do ano 2000 e resolveu começar cedo, o
negócio, começou a planejar cedo, dizem, eu não estou lidando com o problema, que as
coisas estão se dando muito bem porque de novo está havendo uma integração muito de
geociências, estatística, as pessoas estão podendo sentar a mesa e discutir
perfeitamente o quê é possível fazer, está havendo consultoria de fora, as pessoas estão
indo para o exterior aprender e a trabalhar principalmente com tecnologia nova,
mapeamento automático, etc., ao que me parece pelo menos em termos de
planejamento, vai se parecer com um planejamento daquele Censo de 80 que se
começou que vocês começaram a montar e que em 79 vocês tiveram que abortar o
negócio, mas ao que me parece. Bom mestre Eurico, eu acho que com isso, deu bem
para perceber como as coisas estão e o quê, qual foi a sua colaboração nesse, nessas
duas fases que foram...

[Eurico] “ Eu queria só no final dizer alguma coisa também que me esqueci, que nós no
tempo de Isaac tentamos, não fomos muito felizes, não houve continuidade, foi alguma
coisa assim exploratória, pontual, extremamente desestruturada que eu pensei em fazer,
e não tive tempo, não foi levada a tempo... que eu acho que é fundamental que é o IBGE
basicamente ter uma interação maior, formal, institucionalizada com os departamentos
das universidades boas do Rio de Janeiro, Federal Fluminense, Federal do Rio de
Janeiro, PUC do Rio de Janeiro, talvez com a USP, talvez com a UNICAMP, como
algumas outras poucas no Brasil, quer dizer o Departamento de Geografia, de Economia,
Sociologia, etc., ter essa ligação com o IBGE, pode ser estágio e pode ser elemento de
despertar vocações que aceitem ser heróicos funcionários públicos trabalhando no IBGE,
então essa é a saída...”

[RSA] - Houve uma experiência disso, que foi até um a experiência muito boa foi o
Laboratório de Gestão do Território (LAGET)... um convênio entre a Universidade Federal
do Rio de Janeiro e o IBGE e que deu muitos frutos...

[Eurico] “ Não teve um rapaz... Egler que...”

[RSA] Exatamente... a Bertha Becker, o Claúdio Egler, o Roberto Lobato de Azevedo


Correa, que trabalhou no IBGE desde os anos 60, que depois foi para a Universidade, se
aposentou... ele trabalhou durante muito tempo no Laget... a Fanny Davidovich também...
eles fizeram parte desse convênio... mais tarde houve uma outra tentativa... por parte da
Marilourdes Lopes Ferreira, que era diretora adjunta da Geociências do IBGE... de fazer

240
uma integração com outras universidades para um atlas do Estado do Rio de Janeiro
mas não foi bem sucedida...

A Gestão Simon Schwartzman

Três documentos servem de sinalizadores para as ações empreendidas pelo último presidente do
IBGE que gerenciou a casa entre maio de 1994 e dezembro de 1998. O primeiro foi sua carta de
intenções chamada O Presente e o Futuro do IBGE apresentada em dezembro de 1994, onde faz
uma ampla avaliação da missão institucional da casa, apresenta um balanço das atividades entre
maio e dezembro de 1994, explica as condições de funcionamento da agência, traça as
estratégicas para os próximos anos e levanta questões sobre o futuro do IBGE, acenando com o
projeto de contrato de gestão. São 28 páginas onde Simon expõe claramente os problemas da
agência, principalmente os afetos ao funcionalismo que o compõe, além dos problemas
concernentes ao equipamento de trabalho propriamente dito.

O segundo documento foi sua carta de transmissão de cargo da presidência do IBGE em 25 de


janeiro de 1999 ao economista e historiador Sérgio Besserman Vianna atual presidente.

Simon faz um balanço de sua administração, mostrando o que foi melhorado e apontando os
problemas que ainda não puderam ser sanados... e o maior deles é ainda o de pessoal
qualificado...

O terceiro trata-se de uma apresentação sobre os institutos de pesquisa do governo federal,


preparado no contexto de uma reunião técnica com os dirigentes de instituições federais de
pesquisa em novembro de 1994.

Nele. Simon discute os problemas que os principais institutos de pesquisa governamentais


apresentavam na ocasião e delineia o modelo de contrato de gestão em termos de controle e
avaliação, gestão administrativa, financeira e patrimonial, política de pessoal e questões relativas
ao desenvolvimento de carreiras de pesquisa e ao processo de transição necessário entre os dois
regimes (Regime Jurídico Único) e o de Contratos de Gestão.

Esses foram os principais referenciais que nos interessam para entender a posição de Simon
Schwartzman quanto às áreas de Geociências.

Tanto quanto os outros presidentes, Simon também inicia o mandato com muitas restrições à
essas áreas, restrições essas que vão, ao longo de sua gestão, suavizando-se, a medida em que
o papel dessas áreas passa a ser compreendido mais amplamente. Essas mudanças positivas
podem ser percebidas através de uma série de ações que implementaram uma forte ampliação do
aparato tecnológico de trabalho, em termos de computação gráfica e de redes de comunicação.

Os Diretores

O segundo grupo de depoentes foram alguns diretores que gerenciaram as áreas onde a
Geografia se localizou. Foram tomados os depoimentos de elementos formadores da “velha
guarda”, como Miguel Alves de Lima e Speridião Faissol, que tiveram cargos de alta direção no
período do CNG. Mas o que vamos registrar aqui são os depoimentos de profissionais que
assumiram posições de direção após a década de 80, e participaram das políticas de integração
das áreas de Geografia, Cartografia/Geodésia e Meio Ambiente... que dão o perfil atual das
Geociências na agência...

O primeiro depoente foi o engenheiro cartógrafo Mauro Pereira de Melo, primeiro diretor de
Geociências do IBGE e principal articulador da integração em as áreas que compunham a diretoria

241
(Geodésia, Cartografia, Geografia, Recursos Naturais, Meio Ambiente e o ambiente informacional
que daria suporte às áreas, além das unidades regionais que também produziam trabalhos
específicos em seus espaços de atuação). Atualmente Mauro Melo é professor na Escola Nacional
de Ciências Estatísticas (ENCE) e na UERJ, onde leciona no curso de Engenharia Cartográfica.

A Gestão de Mauro Melo na DGC

[RSA] - Professor Mauro pode começar a contar um pouco da sua trajetória pessoal e
funcional dentro do IBGE ?

[Mauro] “ Bom, a minha inserção na Cartografia se dá exatamente na passagem para a


Universidade ao início do curso de Engenharia Cartográfica na UERJ, ainda tive o
privilégio de cursar Engenharia Cartográfica com um curriculum que era denso em
geografias...naquela ocasião e tive o privilégio de ter alguns professores geógrafos de
grande expressão... Alfredo Porto Domingues foi meu professor em algumas cadeiras
para exemplificar...”

[RSA] Essa era a primeira turma de cartografia no IBGE? Já era, terceira turma..

[Mauro] “Era a terceira turma, a minha foi a terceira turma, a turma que saiu em 70, mas
então, quer dizer, a minha experiência profissional vem de trabalhos na área de
topografia inicialmente... na Distribuidora de Energia Elétrica na Light, eu trabalhei com
cartografia, uma coisa bastante desconfortável durante muito pouco tempo... e venho
logo para o IBGE, como estagiário exatamente em janeiro de 68, acho que no momento
de transição do IBGE... daquela época em que se terminava a Geografia do Brasil, os
capítulos regionais... se estava a meio curso do Atlas Nacional do Brasil e de uma série
de Atlas como o do Ceará, do Amapá... e também se iniciavam os trabalhos dos
subsídios a regionalização... eu fui estagiar no Departamento de Geografia... não na
Cartografia... participando desses diferentes projetos, elaborando cartogramas... no caso
da Geografia do Brasil, trabalhando maciçamente na elaboração da documentação
cartográfica... No projeto dos Subsídios à Regionalização... criando os mapas de
correlações... inclusive, participando de várias das discussões dos geógrafos nesse
processo... e no projeto do Atlas Nacional também... eu digo que tive uma visão
privilegiada... exatamente com esse convívio de cartógrafo e geógrafos, quer dizer,
cartógrafos de boa expressão no IBGE como Rodolfo Pinto Barbosa e Ari de Almeida e
os grandes geógrafos do IBGE que participaram desses projetos.... Ao mesmo tempo
que eu me enriquecia naturalmente com essa participação em termos de geografia... já
na década de 70, para a fazer a pós graduação... fui para a área de Geodésia... e me vi
envolvido profundamente com, na área de Geodésia... fui no momento seguinte para o
INPE e aí outra felicidade... participei do grupo que implantou a estação de recepção da
imagem do primeiro satélite de sensoriamento remoto, que veio a se transformar no
Landsat e os estudos primeiros de aproveitamento de imagens... no momento seguinte...
comecei a trabalhar efetivamente com cartografia... quando de meu retorno ao IBGE...
fui para a área de Geodésia... fui trabalhar numa Divisão de Levantamentos que estava
sediada em São Paulo... onde as preocupações básicas eram concluir o levantamento
gravimétrico dessa área, na definição do Sistema Geodésico Brasileiro e treinamento de
equipes para astronomia, medição de bases, supervisão e lidando naquela ocasião com
algumas tecnologias também de ponta... e a entrada do mapeamento na Amazônia que
era o grande desafio que nos acuava... já de longa data... a tarefa foi também uma visão
privilegiada em termos de IBGE... porque éramos as primeiras turmas a entrar na
Amazônia com objetivo de mapeamento mais preciso, aliás no Bico do Papagaio na
região de Xambioá em 1974 com a equipe da Quarta Divisão de Levantamento de São
Paulo onde estava lotado e participei dos projetos de cartografia ao longo da década de
70, através das Divisões de Levantamentos, Superintendência de Geodesia onde

242
posteriormente, fui Superintendente ao final da década de 70 até assumir a Diretoria de
Geodésia e Cartografia no início de 80.
A todo instante buscamos uma aproximação com a área de Geografia até porque os
Atlas estavam incluídos na programação de trabalho do DEGEO e víamos aí uma
oportunidade também de crescimento do próprio pessoal da cartografia.
O cartógrafo, nesse período da década de 80, tinha muito pouca visão geográfica...
aquela formação anterior de meados da década de 60 até o final da década de 60... ela
foi rompida num ponto qualquer... eu não sei precisar na década de 70... onde se perdeu
a visão geográfica da cartografia e a formação cartográfica se voltou mais para a questão
cadastral... quer dizer, a visão do engenheiro geógrafo do século anterior, quer dizer,
houve uma regressão aí em termos da visão cartográfica, e nós vimos na aproximação
com o DEGEO principalmente na elaboração de Atlas uma reaproximação da cartografia
com a geografia... e tivemos a felicidade de realizar alguns Atlas... naquele momento até
com entidades externas ao IBGE.
Como foi o caso da EMBRAPA na Região de Carajás, muito pouca participação até da
geografia e mais da cartografia e logo depois os Atlas estaduais que estavam
contratados e precisavam de um apoio maior como Maranhão, Roraima, Piauí.
Eu acredito que isso voltou a colocar um pouco a cartografia num eixo geográfico, nova
visão geográfica e algum envolvimento com alguns mapas temáticos, também com a Cia.
Vale do São Francisco, Desenvolvimento do Vale do São Francisco, a SUDENE e aí saiu
o Atlas do Nordeste, o mapa regional do Nordeste nesse processo, quer dizer, a nossa
tentativa ganhar uma aproximação maior da geografia até no sentido de reforçar a
questão do papel do IBGE que era até todo instante questionado...éramos chamados de
caixa preta e tudo mais...
A grande oportunidade que nós vimos em avançar nesse sentido foi com a absorção do
Projeto Radam, quer dizer, na época o Projeto Radam Brasil estava totalmente
desassistido a ponto de ser definida sua extinção no final do Governo Figueiredo... quer
dizer, a intenção do Governo era realmente extinguir o Radam... quando nós interferimos
através da Comissão de Cartografia...
Na ocasião através do Presidente da Comissão o Pécora, Flávio Pécora, interferimos, ele
conseguiu reverter esse quadro produzindo um Decreto que transferiu o Radam à
Secretaria de Planejamento e num segundo momento estudar absorção por parte do
IBGE... isso já veio acontecer no Governo Sarney... no Governo Sarney é que veio
acontecer a oportunidade de absorver realmente o Radam... e foi num momento crítico
para o IBGE... em que se rediscutiu o IBGE como um todo, papel, organização e tudo
mais... realmente foi uma temeridade absorver um projeto dessa importância naquele
instante em que nós não tínhamos nem claro que papel ele teria num novo IBGE...”

[RSA] No depoimento do Edson Nunes ele coloca bem as dificuldades que foi de
entender qual era a escala do Radam, quer dizer, todo mundo sabia que era um grupo
muito importante e pessoas muito qualificadas e ninguém conseguia entender escala da
junção de Radam com IBGE qual era a possibilidade...

[Mauro] “ O que nós buscávamos ali era uma valorização da visão ambientalista da
geografia... o] evidentemente, não na forma que vinha sendo tratada no IBGE em termos
de SUPREN que eu acho que tinha muito pouca valorização da visão geográfica, da
questão dos Recursos Naturais, principalmente da exploração dos elementos da
natureza...”

[RSA] - E haviam muito poucos geógrafos que pudessem fazer, você tinha o Nimer como
um líder de climatologia, você tinha o Alfredo na geomorfologia eram poucos os
especialistas... houve uma tentativa da adaptação do Aluísio Capdeville Duarte que era
um geógrafo da área de regionalização... do César Magalhães que era especialista de
energia..., mas foram situações de cunho pessoal, fruto de conflitos no DEGEO, e não
uma decisão estratégica... o exemplo do grupo do Orlando Valverde... também foi
resultado de conflitos de poder no DEGEO... a SUPREM não tinha uma organicidade

243
naquele período...do início dos anos 80... eu acho que o Radam veio e deu
organicidade...

[Mauro] O que buscávamos era exatamente uma integração maior, não só da área de
Recursos Naturais... a objetividade ao trabalho que era feito na área da SUPREN... mas
ao mesmo tempo também tentar fazer o que o Projeto Radam, trazendo inclusive
algumas tecnologias novas já voltadas para geoprocessamento, funcionasse como um
catalisador dos interesses dos geógrafos e houvesse uma aproximação maior entre a
área humana e a área física numa geografia de integração... não se tinha naquele
momento ainda, o discurso holístico que veio perdurar já pelo meados, para o final do
ano de 86, 87 isso tudo correu a reboque, quer dizer, correu a reboque não, correu
distante daqueles nichos que se discutia a criação de uma área de ambiente no âmbito
da área da SEPLAN o que veio ocorrer em 87...
A grande vantagem que tivemos com a absorção do Radam foi a oportunidade de
sentarmos à mesa de discussões com uma proposta concreta do ordenamento territorial
integrado...pois inicialmente, os diagnósticos territoriais eram todos com viés
ambientalista ...”

[RSA] - A experiência de Carajás, a experiência Projeto Nossa Natureza...

[Mauro] “Exatamente... esses trabalhos foram importantes... nós absorvemos nessa


época a idéia de integração... até como uma forma de costurar o pensamento humano,
físico, aí, quer dizer, tentando costurar o binômio natureza sociedade de uma forma mais
integrada... sob a ótica da geografia e sempre buscando esclarecer essas interfaces
entre os diversos subsistemas que compõem a natureza e a sociedade. Eu acho que os
diagnósticos deram um pouco mais de trabalho inicialmente em escala Brasil... mas eu
acho que foram um marco...”

[RSA] Houve até umas escalas interessantes... no contexto mesorregional... no âmbito do


Projeto Nossa Natureza, houve a construção daqueles quatro módulos iniciais que foi
Xingú-Iriri, Rio Negro-Uatumã, Roraima e Periferia de Carajás...

[Mauro] “ Periferia de Carajás é último...”

[RSA] Que aí foi uma tentativa de tentar trabalhar uma escala dentro da Amazônia, uma
escala intermediária... foi interessante ...

[Mauro] “ Foi um desafio... tínhamos de adquirir essa experiência em termos de


Amazônia...”

[RSA] - Quantos projetos foram desenvolvidos naquele período ?

[Mauro] “ Tivemos o ZOPot zoneamento de potencialidades... PMACI I e II que


monitoravam a ocupação ao longo da BR 364 e controlavam as áreas indígenas de
Rondônia e Acre...”

[RSA]- Teve o Diagnóstico Brasil também...

[Mauro] “ Sim... o Diagnóstico Brasil foi um marco nos trabalhos... pois abrangeu todo o
país... foi escolhido para a tentar essa aproximação entre o pessoal do Radam e do
IBGE...
Esse texto, até hoje orienta pesquisas no terceiro grau... como o Brasil lá fora...
ele orienta as pesquisas de ocupação do território... Eu acho que ele ficou interessante,
embora até hoje não tenha sido plenamente entendido...”

[RSA] Plenamente valorizado como deveria ser...

244
[Mauro] “ Na área de planejamento... principalmente na área governamental, a área
acadêmica dá o valor merecido... o nosso problema é que a área governamental ainda
não se percebeu a importância daquele tipo de abordagem...”

[RSA] - Porque ele organizou um quadro de referência importante... dali era possível
fazer muita coisa...

[Mauro] “ Exatamente... ela dava a sinalização para políticas regionais... não era um
instrumento clássico para planejamento... foi aí a ruptura que nós tentamos fazer naquele
instante... antes do discurso neo-liberal do planejamento indicativo e do planejamento
determinativo dos militares da fase anterior... ali nós estávamos buscando modelos para
a definição de políticas regionais...”

[RSA] - Claro... por exemplo... foi o primeiro trabalho na escala de Brasil que apresenta
uma preocupação com poluição... e aí poluição vista num nível mais geral, visão
nacional, ele me serviu muito, por exemplo, para trabalhar no módulo de Rio Negro-
Utumã.... principalmente na questão de poluição local de Manaus em função da
industrialização...

[Mauro] “ Eu acho que foi o primeiro trabalho que juntou renda familiar com poluição...”

[RSA] - Renda familiar com poluição, com industrialização, a parte de agrária, a questão
da poluição em função de uso do solo... uso de defensivo agrícolas... mau uso do
insumos no campo... etc....

[Mauro] “ Isto tudo num processo único... problemas da regularização fundiária da


década de 70 a 80, início da década de 80, está tudo lá... é um trabalho que realmente
acho que não foi entendido, aquilo ali deveria ser cíclico, é um tipo de trabalho que deve
ser repetido, há ciclos qüinqüenais, decenais, mas ele deveria ser até para a dar uma
avaliação das políticas, relação política de governos anteriores...”
“ E aí Schmidt é bom deixar claro que o grande sinalizador disso tudo foi um projeto
desenvolvido no âmbito do DEGEO ainda isolado, ainda Diretoria Técnica que foi Brasil:
Uma Visão Geográficados anos 80. Ele foi um inspirador nessa linha de trabalho, aquela
forma de acordar o Brasil...”

[RSA] Analisar algumas conjunturas, analisar alguns problemas em determinados


segmentos... com isso, se evita a história do sistemático quebradinho, quer dizer, que é
muito difícil de trabalhar na escala de Brasil...
Percebo que este era o grande problema que incomodava o pessoal do Radam... pois
eles sempre trabalharam dentro dessa característica do levantamento sistemático em
nível local... isto é de 1:50.000, 1:100.000 e aí você não vai conseguir cobrir o Brasil todo
rapidamente...

[Mauro] “ Eu digo que essa linha, eu vivo repetindo para a eles ainda hoje que essa
abordagem deles leva ao dilema de Jorge Luís Borges vai em escalas cada vez maiores
até chegar em 1:1 e a informação se torna inútil para muitos e apenas relevante para uns
poucos... Quando você lembra o Nossa Natureza... ele foi uma tentativa de mostrar a
esse pessoal que havia um limite de escape... não fazia sentido ir à escala maior...
quando a escala menor muitas vezes poder resolver seu problema... é o mesmo
processo da amostragem na estatística... quando nós aproveitamos aquelas quatro áreas
do zoneamento no Projeto Nossa Natureza... já era uma espécie de pré
zoneamento...regional... porque cada área dessa apresentava problema distinto no
contexto da Amazônia... então elas foram selecionadas até para se ganhar tempo no
processo de domínio do trabalho...”

245
[RSA] - Para não ter de reinventar a roda...

[Mauro] “ Exatamente, e colocar a coisa numa visão pragmática também...”

[RSA] - Coisa que o governo precisa... porque o governo precisa daquele pequeno
período de tempo que é... quatro anos, três anos... ele precisa daquilo para a responder
alguma coisa ali...

[Mauro] Embora muitas vezes eu sinto um choque ainda quando alguém ainda fala de
geografia oficial como uma coisa fascista...”

[RSA] Essa foi uma expressão muito marcante na década de 80.. virou um xingamento...
um professor na banca de qualificação argumentou que: mas afinal de contas... você
tem uma preocupação muito grande com a palavra geografia oficial e não é geografia
oficial o que é feita pelo governo?
Eu respondi... depende da ênfase que se dá a expressão... geografia oficial de estado é
uma coisa... agora a conotação que se deu... é que era uma geografia feita não para a
sociedade, mas para o grande capital, para o estado, ou para o militar, etc., etc... e eu
acho que não... na medida que ela efetivamente em algumas situações ocorreu porque
éramos um órgão do governo foi assim no período do Estado Novo, no de Juscelino, nos
governos da era militar... e nos períodos posteriores... o trabalho apresenta situações
muito semelhantes... na era Sarney, Collor... e que eu não consigo inclusive ver tantas
diferenças entre o que Geisel pediu numa determinada situação ou o próprio Itamar
possa ter pedido em outra...

[Mauro] “ E o que possa ser pedido hoje...”

[RSA] - O que possa ser pedido hoje ou daqui, ou no próximo...

[Mauro] “ Na verdade, na verdade, isso que é chamado geografia oficial, cartografia oficial,
estatística oficial na verdade é aquele conjunto de informações que eu chamo de
estratégicas básicas para informar os processos de gestão do estado, não é governo...”

[RSA] Não é governo de fulano ou de um partido... é subsídio ao planejamento da máquina


de governo... que representa a sociedade...
O IBGE... é uma agência de subsídios a planejamento, ele não é uma agência de
planejamento, ele subsidia planejamento, ele dá dados...

[Mauro] “ Ele informa todos esses processos...”

[RSA] - Ele informa, ele passa, exatamente, ele pode dar informação bruta, ele pode dar
uma informação trabalhada, ele pode fazer um diagnóstico, um trabalho específico, mas ele
não planeja necessariamente , ele subsidia planejamento, é uma situação diferente...

[Mauro] “ E aí se leva à distorção de hoje, de querer ver o IBGE como uma organização
social, não como uma agência do estado... porque uma organização social é essencialmente
privada, quer dizer, grupos privados estarão dispondo de uma informação antes dela estar
disponível... É um equívoco isso, o IBGE é e continuará sendo uma agencia do governo
federal e servirá à sociedade brasileira via estrutura de governo... certas informações serão
sigilosas pois são são informações estratégicas...”

[RSA] Bom... como é que você vê a Diretoria de Geociências para o futuro ?

[Mauro] “ O modelo geociências de nosso período teria de ser mudado... ele não tem
condições de funcionar no ambiente de hoje... eu optaria por um outro modelo... que, veja
bem... não é um retorno ao passado... mas eu voltaria a isolar a Geodésia e Cartografia...

246
mantendo as questões das estruturas setoriais vinculadas a esse núcleo cartográfico e faria
um outro movimento... que é o movimento DERNA, DEGEO e a área de estatísticas
sociais... quer dizer, se me fosse dado alguma decisão nesse instante... eu redesenharia o
IBGE com essas duas Diretorias e uma terceira ocupada exatamente com a questão
Levantamento e Produção Estatísticas, até porque a área lá do DEISO eu não sei qual é o
nome hoje...”

[RSA] - DEISO hoje está na área da Demografia...

[Mauro] “ O que eu digo é que seria recuperar a idéia da geografia da população, quer dizer,
eu teria isolada essa parte de Recursos Naturais, Geografia, Estatística e Indicadores
Sociais...”

[RSA] - Os dados que servem para esse tipo de trabalho...

[Mauro] “ E fortaleceria gradualmente um nicho de geografia da população aqui nesse grupo


e aos poucos ir roubando a parte de demografia para este contexto...”

[RSA] -Bom... lembremos que a demografia é quem planeja o Censo Demográfico..., é ela
que faz determinado tipo de pergunta... e levanta o custo desse tipo de pergunta... se ela
efetivamente vale a pena... é a ligação entre o que se gostaria de que fosse perguntado... do
que é efetivamente levantado e usado pelos usuários... e o custo que isto implica...

[Mauro] “ Para a produção das estatísticas objetivas... aí, as respostas de média moda e
variância tem que ser dadas pelo esse grupo de demografia... agora as análises ... vamos
chamar de espacial no sentido que vem sendo dado hoje... para a mim ela é mais
geográfica... eu não vejo na Geociências hoje... não vejo nesse momento espaço para a
eles nessa forma... mas percebo que é importante manter um núcleo que acumule, organize,
sistematize esse conhecimento entre demografia e espaço... e aí é trabalho sistemático
mesmo... de informações dessas áreas para combinar com os processos naturais... para
que essa visão social não fique deslocada do ambiente...”

[RSA] Como ficaram os estudos de estatísticas ambientais...

[Mauro] “ Isso ainda não aconteceu até agora... quer dizer, o IBGE não consegue levar para
frente pois necessita de muitas outras visões... Um problema semelhante se dá com a
pesquisa de Padrão de Qualidade de Vida... que é a qualidade de vida apenas vista pelo
ângulo do saneamento e da salubridade da população.... com isso, ficamos na velha
antropometria... quando na verdade, teríamos que ver a questão da qualidade de vida... pela
inserção do indivíduo no meio no ambiente físico perfeito... e para isso ser medido, é preciso
produzir estes indicadores de qualidade de vida ligados às estatísticas ambientais..., isso é
que precisa ser produzido a médio prazo... eu tenho impressão que esse nicho garantiria à
geografia um grande papel... ela conseguiria respostas melhores no sentido das estatísticas
ambientais, dos indicadores de qualidade de vida e um eixo de indicadores sociais mais
coerente com as questões ambientais... porque a análise geográfica baliza isso melhor do
que análise estatística ...”
“ Em suma o que eu gostaria de resgatar são as três linguagens básicas que dão conta da
questão territorial, a visão do território enquanto modelo gráfico, a questão do território
enquanto uma dinâmica temporal que é o caso da estatística e a dinâmica do território do
ponto de vista espacial... a visão da dinâmica e aí completa o território... o território na sua
dimensão espaço geográfico organizado acontecendo no tempo... hoje ainda o corte é muito
temporal...isto é um corte seco no tempo que é o que caracteriza exatamente a linguagem
estatística... portanto, a recuperação desses três idiomas... é que dará realmente a visão
territorial que cabe a um órgão como o IBGE produzir...

247
Gestão Sérgio Bruni na DGC

O próximo diretor a dar o seu depoimento foi Sérgio Bruni, administrador público da área de
ciências, com experiência no CNPq, Museu Emílio Goeldi, Ministério da Educação, Instituto de
Desenvolvimento Florestal, Jardim Botânico.

Foi a primeira experiência de um administrador público numa área técnica de Geociências, sem
bem que a experiência de Sérgio Bruni tem uma forte componente nos segmentos dos estudos
botânicos, isto é em gerenciamento desses segmentos.

Após o período de adaptação e de entendimento da complexa heterogeneidade das diversas áreas


de especialização da casa (Geodésia, Cartogarfia, Geografia, Meio Ambiente, além dos problemas
inerentes às unidades regionais sediados em alguns estados), Sérgio iniciou um processo de
equilíbrio de poder entre essas áreas, evitando assim futuros conflitos entre departamentos e
incentivou a ampliação de diagnósticos integrados, como forma de acelerar essa integração
interna.

Sua atuação no Conselho Diretor , principalmente durante a saída de Eurico Borba e na


conseqüente gestão de Sílvio Minciotti., o primeiro presidente do IBGE vindo da iniciativa privada,
foi importante...mas granjeou-lhe muitos inimigos em outras diretorias.

Foi durante essa gestão que Sérgio Bruni incentivou o processo de implantação do projeto de
Regiões de Influência das Cidades, projeto caro e de logística bastante complexa pois interage
diretamente com a rede de coleta, através de seus chefes de agências que respondem às
questões concernentes à pesquisa; interage também com a Diretoria de Informática, que prepara o
ambiente computacional para a geração dos bancos de dados e a posterior classificação das
hierarquias de redes urbanas e do mapeamento final.

Um projeto dessa magnitude, não sairia se a influência de Sérgio Bruni sobre o presidente Minciotti
não fosse forte. E se o presidente não vislumbrasse o REGIC como um projeto típico de ampliação
de mercado para o IBGE no campo dos subsídios às consultorias e governos municipais.

A rápida passagem de Minciotti no IBGE (nove meses apenas, pois desincompatibilizou-se com o
serviço público para candidatar-se a deputado federal pelo PSDB de Santo André, e perdendo, foi
trabalhar na direção da FEPASA em São Paulo) não impediu a continuidade do projeto, que foi
terminado na gestão Simon Schwatzman, quando Sérgio também já havia saído do IBGE e
retornado à presidência do Jardim Botânico, onde está até agora.

[RSA] Gostaria que o senhor descrevesse sua carreira até sua chegada no IBGE

[Bruni] “...Eu fui estudar economia em Brasília e fiz pós graduação na área de
administração pública na França, no Instituto Nacional de Administração Pública e depois
aqui no Brasil na Fundação Getúlio Vargas, na Escola Brasileira de Administração
Pública e meu primeiro emprego público foi no CNPq, concurso 1976 se não me engano
e entrei como analista Júnior no CNPq, naquela ocasião fui supervisionar os estudos
sócio econômicos do CNPq na Amazônia isso durante cinco anos e isso já como
supervisor do para programa do CNPq para a Amazônia, pouco depois eu fui trabalhar
no Museu Emílio Goeldi onde fui vice diretor...”

[RSA] - Isso em que época mais ou menos?

[Bruni] “ Isso em 83, em dois anos no Museu Goeldi foi um experiência muito rica porque
eu saia do CNPq de uma situação macro da Amazônia onde era cômodo... porque eu
simplesmente avaliava o programa, projetos de atividades científicas... e peguei o estudo
num momento de grande dificuldade econômica, dificuldade de contratação de
pesquisadores e até dificuldade no seu relacionamento entre o governo Federal, no caso

248
do próprio CNPq, com o Instituto de Pesquisas da Amazônia. O INPA foi criado depois do
Goeldi, muito tempo depois... mas em alguns momentos... ele passou em algumas áreas
de conhecimento... a se sobressair muito mais do que o próprio Goeldi, não no que
tange as coleções, porque o Goeldi realmente tem coleções fantásticas não se pode
comparar... mas na capacitação de pessoal, as pós graduações oferecidas, variação de
novos projetos etc....”

[RSA] - As relações com o esquema internacional de pesquisas...

[Bruni] “ Exatamente, e capacitação, de captação também de recursos, quer dizer, foram


pouco mais agressivas... o Goeldi era um Instituto mais clássico, então foi uma
experiência muito interessante... porque essa vice diretoria acabava de ser criada e eu
fui o primeiro a ocupá-la, então na verdade a relação que se pretendia naquele momento
era que tivesse uma vice diretoria que fosse a vice diretoria executiva, operacional da
Divisão, se tivesse um Diretor Geral que ficasse mais com a relação política, a
articulação no setor empresarial, etc., então foram dois anos muito interessantes onde
pude inclusive participar de uma reformatação do Goeldi para a estrutura que hoje ele
tem, por exemplo, acoplando um Departamento hoje de Museologia que não se tinha na
época, uma área de função técnica científica que não se tinha... estruturando melhor o
Departamento, criando um Centro de Documentação da Amazônia, foi uma experiência
muito interessante... depois dessa experiência e de outra na Secretaria de educação e
Cultura de Roraima... eu fui ser diretor do IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal hoje extinto, hoje IBAMA, a espinha dorsal do IBAMA, passei alguns anos lá no
IBDF e foi uma experiência muito interessante porque a gente criou um colegiado
composto também por professores universitários, pesquisadores de institutos de
pesquisas, representantes de organizações não governamentais que passaram a orientar
a ação da Diretoria, então, o que hoje o CONAMA faz na escala de Brasil... naquele
tempo já se fazia aquele sistema... foi um embrião o CONAMA... de forma que pela
primeira vez o CONAMA/IBDF pode ter um colegiado onde os diversos seguimentos que
trabalhavam no setor vegetal podiam opinar... então foi um trabalho muito interessante, o
Presidente na ocasião era o Jaime Santiago que era um economista sergipano de muito
bom nível, muito ligado ao então Presidente José Sarney e isso facilitava muito a
operação se pode estruturar uma série de projetos novos, se estruturou o laboratório de
produtos florestais do hoje IBAMA... se iniciava naquele momento com grande esforço...
uma política de qualificação de recursos humanos... e pudemos enviar para o exterior
diversos pesquisadores... depois eu fui para o MEC, para o Ministério de Educação eu
fui ser subsecretário de primeiro e segundo grau quando o Marco Maciel assumiu passei
um ano e meio trabalhando basicamente com educação básica... Posteriormente... já no
Rio de Janeiro, após cursar a Escola Superior de Guerra fui dirigir o Jardim Botânico...,
quando iniciou então o governo Collor eu pedi demissão do Jardim Botânico fui ser
professor da Escola Superior de Guerra e foi criado então uma disciplina que era Ciência
Tecnologia e Meio Ambiente onde eu fiquei como responsável por uns dois anos... nesse
período então Eurico Borba recebeu convite do Ministro Marcílio Marques Moreira para a
assumir a Presidência do IBGE e me convidou assumir a Diretoria de Geociências, eu
pedi a ele que a documentação que ele tinha sobre o assunto, primeiro para a entender
se eu teria algum tipo de competência para a entrar naquela questão... ele me passou os
dados e as áreas que estavam na Diretoria eram áreas que tinham uma certa
proximidade com que eu já havia gerenciado..., Recursos Naturais e Meio Ambiente onde
eu trabalhava a cerca de vinte anos... tinha a área de Geografia... onde tanto no Goeldi
ou no próprio MEC... mal ou bem de algum maneira eu conhecia o tipo de trabalho feit,
no próprio CNPq, tinha área de cartografia e geodésia... na cartografia eu era usuário,
mas na geodésia eu desconhecia o tipo de trabalho... conhecia a literatura... mas nunca
trabalhara... e a área de estruturas territoriais na verdade era uma área de suporte a
Censo e a base de dados geodésicos era uma mais operacional...
Bom... eu aceitei o desafio... e fui trabalhar na DGC... e a primeira medida que eu tomei
foi pedir a todos os chefes de Departamentos que ali estavam... que permanecessem em

249
seus cargos... não tinha nenhuma idéia de levar uma estrutura de fora para a operar
numa organização tão complexa... felizmente a maior parte atendeu, um só por uma
questão pessoal que era o Túlio que era o Chefe da Cartografia já estava acordado com
a presidência ida dele para Porto Alegre... era uma questão pessoal, familiar... os demais
permaneceram e um coisa que eu defrontei no primeiro momento.... que se observava
claramente... era que o eixo grande da política da DGC naquele momento... era a
modernização tecnológica da cartografia... e era um projeto bem dispendioso... não que
não fosse relevante... mas eu achei que tinha que ser dado um certo balanceamento as
demais áreas, que claramente estavam em baixa prioridade... outra coisa que me
preocupou muito foi o atraso do cronograma de publicações... A DGC estava com muitas
dificuldades de serem editoradas e impressas na própria gráfica do IBGE os frutos de
suas pesquisas... a ênfase absoluta era o Atlas que era relevante, importante ninguém
nega o mérito, só que a DGC tinha outras linhas de trabalho... na própria área de
Geografia de Recursos Naturais, por exemplo, tinham textos prontos com cinco anos de
espera para editar...se não começássemos a encaminhá-los iam ficar obsoletos...”

[RSA] Isso ainda é problema muito sério no IBGE, e é um problema antigo... pois são
áreas situadas em diretorias diferentes... as áreas de produção, as áreas de editoração
numa Diretoria e a área de publicação em outra, então é um negócio extremamente
complicado de se definir prioridades...

[Bruni] “ Exatamente, isso, então as primeiras ações enfocaram dois pontos básicos, o
primeiro foi instituir reuniões de colegiados, e tentar dar uma balanceada nas dotações
dos departamentos... a segunda foi valorizar mais as unidades regionais que estavam...
na minha avaliação...em posição muito secundária... dentro da Diretoria. Essa
valorização foi possível graças ao empenho do Ministro do Planejamento o Beni Veras
que garantiu os recursos financeiros para esta equalização da diretoria.

[RSA] E aí tinha um situação que historicamente sempre foi um complicador... a tradição


de áreas regionais em cada estado na estrutura do IBGE era na área de estatística e não
na área de geociências... com a chegada do Projeto Radam... eles sempre tiveram
unidades regionais importantes... eram unidades quase autônomas para decidir
determinados tipos de trabalho com governo local etc. e tal... e isso era completamente
fora da tradição da antiga geociências que possuía uma estrutura muito centralizada nos
departamentos e no diretor... este choque de filosofia de trabalho criou muitas
dificuldades entre a DGC e o pessoal do Radam lotado nas regionais... de uma certa
maneira o pessoal do Radam lotado no Rio conseguiram minimizar essa situação... mas
você chegou no ponto justamente de transição... e o processo de autonomia foi
cautelosamente incorporado...

[Bruni] “ Isso, eu acho que era um ponto importante, quer dizer, eles tinham o
orçamento... os programas aprovados pela Diretoria... mas não havia uma real
integração das regionais de geociências aos departamentos da sede... agora...um ponto
que foi muito importante... na minha avaliação... era o pouco que se conhecia dos
trabalhos da Diretoria de Geociências externamente ao IBGE...”

[RSA] - E dentro do IBGE também...

[Bruni] “ Também dentro do IBGE... mas dentro do IBGE... mais ou menos alguém já
sentia um vasos comunicantes já se estruturando...mas fora... era um desconhecimento
muito grande... a estratégia que se montou foi de se tentar criar uma pequena estrutura
de suporte de comunicação para não depender da comunicação da Presidência do
IBGE... que tinha objetivos muito mais macros... e com isso... se deu realmente uma
divulgação muito grande à DGC... diversos produtos foram amplamente divulgados...a
ponto do próprio mapa de áreas de conservação ambiental da Amazônia ter sido lançado
na sala de trabalho do presidente da República... enfim.. o livro Geografia e Meio

250
Ambiente e a Questão Ambiental no Brasil terem sido lançado na Reserva do IBGE com
o Ministro do Planejamento presente... e com reportagem especial no programa de TV
Bom Dia Brasil... na Bahia quando se lançava lá a Bacia do Paraguaçú... houve reuniões
com os Secretários de Estado de Planejamento e de Meio Ambiente...etc., quer dizer, a
tentativa de se fazer um pouco marketing institucional... coisa que o IBGE tem muito
pouca...”

[RSA] Muito pouca experiência disso...

[Bruni] “ E pouco interesse, não diria só inexperiência não...”

[RSA] Aí tem também uma outra questão de tradição da Casa, uma tradição negativa e
que é o seguinte: não gostamos da imprensa... você tem mesmo dentro da DPE, quer
dizer, da área de Estudos e Pesquisas muita gente ainda que não gostou da atitude do
Isaac de ter trazido índice de preços para o IBGE... por que o índice nos coloca na
imprensa todo os mês... para o bem ou para o mal...o índice de preços do IBGE ele é
efetivamente o melhor índice de preços do Brasil... a melhor cobertura de pontos de
venda, porque ele tem infra estrutura toda, tem gente, tem tudo montado... pode-se
criticar os tempos de inflação, as greves... etc. e tal... mas tecnicamente ele é o melhor
índice... ele mede melhor o movimento de consumo da população urbana... pois mede as
nove áreas metropolitanas e mede mais de trinta mil produtos, então efetivamente ele é o
melhor... mas ainda tem pessoas em postos de decisão na casa que acham que o IBGE
deveria só fazer Censo... isso ainda gera um propaganda negativa...
Portanto... essa área de Geociências começando a mudar... a mostrar seus trabalhos... e
todo esse acoplamento ao Radam foi muito positivo... pois ficou durante muito tempo
sem uma explicação para a dentro da Casa e para a fora...

[Bruni} “ Com certeza, um ponto importante também que me parecia era o Presidente da
instituição entender o que se fazia intra muros na Diretoria... num determinado momento
algumas pessoas, alguns dirigentes da própria Diretoria de Geociências me procuraram...
porquê não o IBGE se dividido em duas grandes áreas, dois grandes Institutos, Instituto
Nacional de Geociências e o Instituto Nacional de Estatística por exemplo... e terem um
protocolo de intenções, um convênio, etc., onde eles operassem consorciadamente em
determinadas vertentes... eu era contra naquele momento... porque eu achava que o
IBGE tinha acabado de entrar num plano de carreira de ciência e tecnologia, o Presidente
havia mudado... o ex-presidente Eurico Borba era um conhecedor histórico do IBGE,
pessoa que acompanhou o Isaac... e o Silvio Minciotti , que estava chegando... tinha uma
visão completamente distinta, quer dizer, ele era um grande gerente... de empresas que
se utilizavam dos dados”

[RSA] - Tinha sido usuário de dados e também produtor....

[Bruni] “ Exatamente ele vinha com a visão crítica por ser usuário de determinadas
vertentes da própria Instituição, mas também era um doutor na área de gestão, um
grande consultor de empresa em São Paulo, continua sendo hoje, uma visão de que o
CDDI, por exemplo, deveria vender produtos de uma maneira correta a nível de mercado
e que esse lucro deveria ser reinvestido na produção das atividades de divulgação dos
produtos da Instituição, uma visão completamente distinta... então naquele momento o
próprio Sílvio me perguntou isso, eu disse: olha, eu não acho que é o mais adequado...
eu diria hoje o seguinte: passado bom tempo... já tem cinco anos que eu não estou no
IBGE... então eu acho que quando a gente tem uma visão pouco mais distanciada do teu
objeto, você pode analisar melhor... eu acho que foi um erro histórico meu, naquele
momento, talvez fosse o grande momento de ter se criado o Instituto de Geociências e eu
iria o seguinte: seria hoje um dos grandes institutos brasileiros, porquê? Primeiro, ele tem
um produto integrado que nenhuma outra instituição brasileira pode ter, pois cobre da
Geodésia à Geografia. Segundo, tem um capacidade instalada que ninguém instalaria do

251
dia para a noite. Terceiro, tem recursos humanos de bom padrão... que se poderia até se
especializados em determinadas vertentes... mais ainda do que se tem feito. Quarto,
cada dia mais políticas nacionais e mesmo ditames internacionais tratam da questão de
desenvolvimento sustentado, etc., etc...a área de Geociências tem tudo que se poderia
tratar desse instituto em nível de total qualidade... além do que ele poderia servir de
suporte à Instituições Governamentais e Instituições privadas... vou lhe dar um exemplo:
o IBAMA tem uma meia centena de Parques Nacionais, se tiver três ou quatro que
tenham planos de manejo vigentes são muitos... ninguém melhor do que o Instituto
Nacional de Geociências para ser o órgão, que poderia realizar isso... não fazer os
cinqüenta ao mesmo tempo.. mas seria o mais capacitado para a tarefa no médio
prazo...”

[RSA] - Montar uma política de plano de manejo específico só para o segmento de


parques nacionais...

[Bruni] “ Até regionais, por exemplo, formando grupos, pegasse um Parque da região lá
do Norte, da Amazônia, Parque Amazônico, chama alguém da Universidade do
Amazonas, da Universidade do Pará, participação da EMBRAPA...”

[RSA] - O gerenciamento poderia ser feito pela área local de Belém, de Goiânia...

[Bruni] “ Exatamente, ele estaria o quê? Formando equipes, etc., no que tange ao Projeto
SIVAM por exemplo, com certeza ele estaria lá com outro status... com muito mais
operação, com muito mais força operacional...”

[RSA] - Engraçado, você falando nisso me lembra muito... isso faz uma volta ao ciclo, nós
voltaríamos ao que o IBGE foi antes... na década de 40..., Conselho Nacional de
Estatística e Conselho Nacional de Geografia... duas estruturas, os seus Conselhos
Diretores, separados... só se teve efetiva fusão em 67 com a Fundação IBGE na gestão
do Aguiar Aires e depois na do Isaac... o IBGE volta a ser único, mas aí a preocupação
maior naquele período passou a ser estatística mesmo...

[Bruni] “ Pois é, mas você vê, hoje em dia as coisas mudaram... Por exemplo eu sempre
achei que a CPRM não tinha a menor infra-estrutura em relação ao IBGE em termos de
interdisciplinalidade e de equipamento instalado para tentar adentrar com uma
perspectiva de mercado... o IBGE tinha isto na mão... e nós deixamos passar... talvez
naquele momento, quer dizer, o que me levou a não andar com essa idéia... já que o
Silvio colocava a questão para a discussão... é que nós acabávamos de entrar num plano
de carreira novo Ciência e Tecnologia...”

[RSA] - Aliás, que foi muito complicado...

[Bruni] “ Complicadíssimo... eu participei das reuniões, o IBAMA não entrou... e diga-se


de passagem e o IBGE ficou quase fora também... mas esse era o primeiro ponto, o
segundo ponto é que havia também um dificuldade um pouco grande porque na ocasião
a Diretora de Pesquisa do IBGE era uma pessoa muito difícil de você se relacionar, eu
tentei com retumbante insucesso... várias aproximações sucessivas, mas não consegui
êxito... o grupo era muito hermético, era muito fechado, nada novo os empolgava... eu
ficava preocupado... meu Deus, esse é um órgão com aquela história... se você tem que
conhecer o Brasil, procure o IBGE... se você tem a base de dados que se tem... o
conhecimento do Brasil que se tem, você tem que inovar... não pode ficar na mesmice...

[RSA] A Diretoria de Pesquisas, a área de estatística naquele período... eles realmente


tinham muitos problemas... grandes mudanças ocorreram tanto no corpo técnico que
planejava as pesquisa, quanto na rede de coleta... as vinculações entre DPE e rede são
vitais... e se o Diretor... como no caso Teresa Cristina... se ela não tivesse uma boa

252
relações com a rede de coleta... e efetivamente não tinha... quer dizer, então o quê
acontecia? podia criar pesquisa novas... mas se você não tivesse essa aderência à rede
... não era possível avançar nos trabalhos... esse era um dos inúmeros problemas que
somente foram resolvidos com a gestão do Simon...
O próprio Eduardo Augusto na gestão do Collor... fez uma mudança estrutural na rede
de coleta... que em termos teóricos é perfeitamente lógico..., só que ele fez num tempo
curto... e em termos de política de pessoal... no pior momento que se podia fazer... e aí
era aquele período já Collor, que se dizia que o funcionalismo público deveria ser
drasticamente enxugado... então o quê aconteceu? Quando você tem uma mudança
pesada na rede, numa situação onde funcionários estão sem referência... a maioria
tomou a decisão... eu vou sair, o Collor vai chegar vai botar todo mundo na rua, etc. e tal,
nessa hora... quebrou-se uma boa parte da rede de coleta, sem querer... e não foi má
intenção do Eduardo Augusto... num nível lógico precisava haver uma reforma da rede,
só que ela foi feita num período horroroso... quer dizer, mais um razão para a que
entenda o nível de problemas que a DPE estava enfrentando... isso sem contar o período
que você enfrentou... eu acho que você pegou menos, não pegou o período das greves
iniciais... porque foi no período Edson Nunes. Edson Nunes, começa num período de
Edson Nunes... mas pegou o período do Eurico... a grave pela greve....

[Bruni] “ E eu peguei uma coisa mais grave ainda, foi o seguinte: quando o Sílvio saiu o
IBGE eu fui nomeado Presidente interino durante esses quarenta e cinco dias e quarenta
e dois dos quarenta e cinco foram de greves, bom, a Casa, então a Secretaria de
Administração Federal SAC, através do gabinete do general Romildo Caim determinava
que cortasse o ponto e punisse com o rigor da lei, quarenta e três dias depois... os
companheiros dos Sindicatos conseguiram tomar um cafezinho com pão de queijo no
Palácio Jaburu com o então Presidente Itamar Franco que através de assessores me
determinou que abonasse o ponto e eu disse que não faria... felizmente três dias depois
eu fui substituído pelo Simon e pelo que eu soube foi abonado o ponto... eu já havia dito
ao Simon quando ele chegou que eu ficaria um mês, um mês e meio que era o período
que eu estaria vindo aqui para o Jardim Botânico, estava negociando a saída do Jardim
Botânico do IBAMA para a transformação do Instituto, então foi o período que eu fiquei...
mas foi a única grande mágoa que eu guardei, foi, puxa, mandam eu cortar, então quem
atende o governo é punido... o negócio é completamente incoerente...”

Sérgio Bruni, durante seu longo depoimento, levantou várias questões que interferiram em sua
gestão ou que ele viu como importantes no gerenciamento da Diretoria de Geociências, ou na
posição do IBGE perante o grupo de institutos de pesquisa do governo federal. Alguns pontos de
maior destaque foram a incorporação do RADAM, a manutenção da Reserva Ecológica do
Roncador em Brasília (até por que, sendo Sérgio um profissional ligado à área Botânica, a
existência da Reserva era um fato positivo em sua visão...) e a sua preocupação de divulgar
sistematicamente os produtos concluídos, além do problema de alocação física dos departamentos
de Geografia e de Meio Ambiente num mesmo local que garantisse a acessibilidade e a
intercomunicação entre seus técnicos com relativo conforto...

[Bruni] “A Reserva é uma coisa interessante... o que eu achei assim muito produtivo
nesse período, primeiro foi ter possibilidade de você operar com diversas vertentes e
com perspectivas novas na Instituição e o trabalho da Reserva é um deles... segundo,
de você fazer realmente uma congregação de esforços em cima de um só objetivo
operacional que era revisar os produtos antigos, criar novos... e apresenta-los enfim...
com bom padrão técnico científico... terceiro, a melhoria da própria rede física dos
departamentos... eu achava que... por pior que se tivesse, pelo menos na Praça da
Bandeira estaríamos num ponto mais ou menos focal... mas havia sempre uma política
que argumentava... em época de grandes contenções sempre vinha aquela história... traz
o povo para a Lucas, eu sempre fui contra, eu achava que se devia levar para um local
de melhor acesso...”

253
[RSA] - Isso foi um grande problema para o pessoal lotado em Parada de Lucas... e aí
era de novo aquele negócio de prioridade... como o Mauro Melo tinha suas prioridades
focadas na cartografia... é claro que ele via como lógica toda a Geociências ir para a
Lucas, porque ele sabia que a Cartografia não iria sair de lá...

[Bruni] “ Que era um horror, diga-se de passagem...”

[RSA] - E aí era um problema... o local tinha espaço, poderia ser ampliado com novas
construções..., mas era um local de acessibilidade muito ruim...

[Bruni] “ E outra coisa... quem trabalhava, trocando informações e reuniões com os


outros órgãos, universidades... tinham grandes dificuldade, não se tinha a Linha
Vermelha naquele período..., eu sempre falava com o Eurico...temos que tentar dar um
jeito de concentrar esse IBGE num canto só... mas esse era um problema sério... que
demanda muito dinheiro... com a regionais também, eu fui a Bahia negociamos lá com o
vice-governador, depois com o governador Paulo Souza um pequeno terreno no centro
administrativo, mas aí era tanta burocracia para a se conseguir autorização para a se
construir que não se avançava nada... em outros estados era o mesmo problema... o
IBGE só tinha prédio próprio na regional no Ceará... mas que era muito pequeno... o
resto todos eram alugados, eu sempre achava aquilo um absurdo... a sede do IBGE
também... só é parcialmente própria, outras dependências são alugadas... mas olha, é
um negócio tão complicado, ou a gente opera o dia a dia em vários projeto ou a gente vai
ficar só na rede física... outra coisa também que era importante... era de se tentar
efetivamente melhorar um pouco a questão salarial que estava um horror, a única saída
que se tinha era o próprio plano e carreira de ciência e tecnologia, eu falei com o Eurico,
com o Sílvio bastante tempo e dois tiveram muita habilidade para a num consenso
colocar isso...”

[RSA] - O Eurico, disse que até hoje ele tem essa questão apertada na garganta... um
dado que ele deu para a comissão que estava avaliando... o número de profissionais com
Mestrado e Doutorado... era necessário que tivesse mestrado, doutorado... e o IBGE
tinha tão poucos.... que ele disse que até hoje o pessoal dessa comissão deve estar
querendo mata-lo por ele ter forçado essa situação... conseguir levar um órgão de nove
mil pessoas que só devia ter vinte doutores...

[Bruni] “ Por aí... mas o Eurico e Silvio, os dois o mérito é deles... souberam conduzir
com habilidade essas negociações... os dois tiveram méritos que a administração do
IBAMA não teve... e que tinha mais gente qualificada com titulação, e que não consegui
levar... aí você vê, um órgão pequenininho como o Jardim Botânico... não levamos nem
um ano mas conseguimos... agora... temos mais doutores do que o IBGE que o próprio
IBAMA junto... é verdade...”

Um outro ponto que Sérgio também lembrou foi a importância do projeto de Regiões de Influência
das Cidades, que ele acompanhou na gestão de Sílvio Miciotti...

[Bruni] “ Você quer ver um estudo que eu achava que era fundamental... que eu fiquei
encantado foi aquela questão da influência das cidades...o Regic... eu me lembro...”

[RSA] Exatamente, que aquele é um estudo que faz parte das atividades de
regionalização que o IBGE tem de fazer dentre de sua missão institucional... que sempre
foi feito, quer dizer, ele começou a ser feito em final da década de 60, mas havia
estruturações anteriores que é uma, de uma certa maneira tradição francesa de um
francês chamado Miguel Rochefort que introduziu esse tipo de estudo no início dos anos
60... e depois foi institucionalizado... então aquilo é um tarefa institucionalizada... que
possui um potencial enorme para o planejamento urbano.... comércio , serviços...

254
[Bruni] “Cada vez mais num mundo globalizado... um tipo de trabalho como aquele é
fundamental... eu sempre me pergunto: meu Deus o céu... o próprio governo não sabe a
importância daquilo... os INSS da vida, o Banco do Brasil, Caixa Econômica... que
potencial que isso tem...

[RSA] - Acabaria com aquelas discussões entre IBGE e INSS podendo trocar serviços...
a Receita Federal eu me lembro que, a Receita esteve lá, pediu uma série de trabalhos
vinculados ao projeto....Aí você tem razão, de novo a idéia de que faltou marketing na
Casa... para que ela possa junto ao governo, junto as próprios órgãos mostrar o que ela
pode fazer, o que ela faz...

[Bruni] “Exatamente... não precisa cobrar dinheiro, pode-se trocar serviços... estou
precisando de tal coisa, a Receita, você apreende não sei quantos micros eu estou
precisando, vamos fazer uma troca? Na Caixa Econômica... a mesma coisa... pode ser
bom para o dois... até porque vão utilizar um trabalho que em tese é acadêmico....”

[RSA] - É um trabalho de planejamento de governo... esse é outro ponto que tem sempre
que ficar claro... o IBGE foi criado como um órgão de planejamento de governo... e é um
órgão da área executiva de governo... quer dizer, não é um órgão acadêmico em si... ele
é um órgão de planejamento no qual um segmento acadêmico sempre trabalhou...

[Bruni] “ E nessa perspectiva que ele está vivendo nessa quadra... eu acho que o futuro
presidente vai ser fundamental para a sobrevivência ou não da Instituição... eu acho que
estamos num momento de sobrevivência... eu continuo achando que não se deve
esquartejar o IBGE... mandar a ENCE para a Universidade... ou a Reserva... a casa
pode ganhar muito com essa diversidade....”

[RSA] - Dos presidentes que entrevistei... o Edson Nunes foi muito claro... a diversidade é
uma grande vantagem... e havia em Brasília pessoas em posição de decisão que
entendiam isso... ele coloca muito essa questão... uma dessas pessoas que estavam em
Brasília que podiam advogar o caso do IBGE era o Hugo de Almeida, consultor da
Secretaria de Assuntos Estratégicos... era um caso clássico... como ele conhecia todos
os meandros do poder...ele podia dizer numa reunião ministerial: não, não é assim que
vocês estão pensando.... a coisa funcionou assim... e isso está aí por causa disso, disso,
disso... o próprio Simon quando chegou... ele achava que essa área toda de geociências
e Geografia podiam acabar... não precisava mais nada disso, etc., etc. e modificou o seu
ponto de vista no decorrer, no dia a dia das operações da casa...

[Bruni] “ Eu relatei isso para a ele..., ele ia modificar, realmente... ele tinha umas idéias
pré concebidas... eu falei... dispa-se dessas idéias, você vai ver.. a prática vai provar que
a coisa é bem diferente... realmente, a última conversa que eu tive com ele, ele tinha dois
focos, uma era questão do herbário e da Reserva... ele ainda tinha questionamentos...
tão somente isso... havia também a preocupação com a Geodésia... e também era
minha... era uma área que conhecíamos pouco.. mas também muito importante para as
outras atividades do IBGE.. eu acho que ele também percebeu isso...”

255
Gestão de Trento Natali Filho na DGC

O último dos diretores da DGC a dar seu depoimento para esta pesquisa foi Trento Natali Filho, o
primeiro geógrafo a assumir a DGC com a saída de Sérgio Bruni. Geomorfólogo que veio do
RADAMBRASIL, que aliava um bom conhecimento técnico de Geomorfologia, com uma mineira
diplomacia, além de possuir boa liderança no corpo técnico que veio do Radam.
Suas ações diplomáticas junto às regionais e aos demais membros de sua equipe, o qualificaram
para assumir a DGC entre 1995 e 2000. Atualmente exerce tarefas técnicas no Departamento de
Recursos Naturais e Meio Ambiente.

[RSA] - Bom, Trento Natali Filho, a importância do seu depoimento como Diretor da Diretoria de
Geociências a partir de quando?

[Trento] Assumi a Direção da Diretoria de Geociências em outubro de 1995, substituindo o Sérgio


Bruni que hoje está na Presidência do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

[RSA] Uma coisa importante é que você é o primeiro geógrafo de formação na área de geografia
física, de Geomorfologia assumindo a Diretoria de Geociências, isso é um ponto fundamental se
nós lembrarmos que a Diretoria de Geociências mesmo numa situação pré Diretoria de
Geociências foi dirigida por um economista que foi o professor Charles Muller que ainda não era
Geociências específica, tinha o nome de Diretoria de Agropecuária e Geografia (DAG), depois ela
se assume como Diretoria de Geociências integral com um cartógrafo, engenheiro cartógrafo o
professor Mauro Mello, depois é assumida por um administrador público que foi o professor Sérgio
Bruni e agora é assumida por um geógrafo de formação em geografia, esse é um ponto
fundamental.

[Trento] “ Isso, eu sou de Belo Horizonte, Minas Gerais, estudei toda a minha época desde o pré
escolar até a Universidade, me formei em geografia na Universidade Federal de Minas Gerais...
naquela época foi a primeira turma do campus universitário da Pampulha que era um lugar lindo,
maravilhoso, para quem gostava da natureza era um atrativo ainda maior pelo fato de você estar
estudando e poder fazer um trabalho de campo no próprio campus universitário... e quando eu
estava terminando a Universidade eu tinha duas possibilidades, ou seja, ofertas de trabalho, uma
eu fazia estágio o IGEA, Instituto de Geociências Aplicadas de Belo Horizonte e eles me
ofereceram uma bolsa de estudo para que eu fosse para a França para a trabalhar com o
Professor Jean Tricart, num curso de pós graduação em Strasburg, porquê? Eu tinha optado pela
área da geografia física e fiz a minha monografia nessa parte de geografia física... o meu
orientador foi o professor Getúlio Vargas Barbosa, já falecido... que era exatamente especialista
na geografia física, nessa mesma semana por incrível que pareça.... o próprio professor Getúlio...
que na época era o Diretor do Radam me convidou para a que eu fosse trabalhar em Belém, no
Radam, foi uma fase muito difícil que eu tinha duas opções excelentes.... que eu tivesse que
decidir em uma semana e eu acho que tinha uma vontade muito grande de lidar junto da paisagem
e da natureza a minha opção foi pela Amazônia... eu fui para o Radam em l974... e não me
arrependo disso em hipótese alguma... conheci bastante a Amazônia... tive muita oportunidade de
trabalho de campo, sobrevôo, helicóptero, barco, onde eu comecei a desenvolver a minha parte
profissional...a parte técnica... pudemos desenvolver com isso uma metodologia específica
utilizando imagem de radar para a um mapeamento das feições do relevo da Região Amazônica,
eu acho que tivemos bom êxito nisso, tanto que o projeto que na época somente cobria a
Amazônia... se estendeu todo o Brasil e concluímos o mapeamento do relevo do território
nacional...”

[RSA]Eu tenho um depoimento nesse caso aí a dar... em l974, houve um Congresso de Geógrafos
em Belém do Pará, um Congresso grande organizado pela AGB... a professora Lízia Bernardes
era Presidente da AGB na época... e esse Congresso foi fundamental para os estudos de
Geomorfologia do Brasil... porque pela primeira vez a equipe do projeto Radam apresentou uma

256
série de trabalhos... que deixaram os antigos geógrafos que tinham a noção de relevo da
Amazônia à moda antiga completamente sem referências... quer dizer, todas as referências
anteriores, passaram a servir apenas para os grandes quadros morfológicos... nas escalas de
maior detalhe... tudo tinha mudado... eu fui Presidente de duas mesas nessas áreas... e a
sensação era estranhíssima... o pessoal do Radam falava em elevações... em áreas com
morfologias que ninguém conhecia anteriormente... e as demais pessoas... atônitas... mas é
planície?... Não, não é planície nesse sentido que vocês imaginam, etc., etc... realmente foi um
marco nas modificações específicas que apareceram nesse período.

[Trento] “ É interessante citar como exemplo... nós temos aqui na parede, um mapa das unidades
de relevo do Brasil... ele foi praticamente o fechamento que coroou todo esse trabalho... na época,
o professor Getúlio teve um para problema de saúde, e não pode mais continuar no projeto e eu
assumi a Diretoria de Geomorfologia do Radam e foi partir daí que se concluiu o mapeamento de
todo o Brasil e o resultado está aqui... que eu acho que é um produto de referência em termos de
Brasil... que foi publicado pelo IBGE... então, essa experiência do Radam ela me deu uma
bagagem do ponto de vista prático muito grande, talvez o mestrado que eu fosse desenvolver na
França não me daria... eu passei a conhecer além do território a parte de campo, as técnicas e sua
utilização de trabalhar com sensores remotos... saber traduzir a imagem de radar, tanto em avião,
quanto principalmente em satélite e saber manter contato institucional com várias instituições
produtoras de informações que mapeavam o território nacional, logicamente que eu já tinha um
conhecimento do IBGE, conhecia alguns geógrafos do IBGE e até que em l986 eu tive a
felicidade... porque eu me sinto bastante confortável em dizer isso, porque eu gosto do IBGE, visto
a camisa do IBGE e acho que foi uma opção bastante interessante o fato do Radam ter se
incorporado ao IBGE...”

[RSA] - Bom, agora iniciaremos então a sua trajetória no caso, como geógrafo do IBGE na fase em
que haviam duas áreas específicas que cobriam a geografia... uma área de geografia física que
era o Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente e uma área de geografia humana que
é a área do Departamento de Geografia... como o geógrafo Trento viu essa divisão... e como os
grandes projetos de integração... começaram a fazer efetivamente uma incorporação do grupo
Radam com o grupo antigo IBGE, principalmente da geografia física...

[Trento] “ Bom, então quando chegamos no IBGE em 86 a SUPREN, Superintendência de


Recursos Naturais e que a geografia também estava ligada, naturalmente, pelo fato de eu
desenvolver um trabalho naquela área eu assumi um Divisão na época que era de Geomorfologia
que tinha o pessoal que trabalhava na área de geografia física, também existia as outras Divisões,
geologia, de solos, de vegetação que eram um pouco aquela continuidade das outras nossas
divisões que trabalhávamos com o quadro natural do Radam... então não houve uma perda de
continuidade do trabalho que desenvolvíamos no Radam, agora, logicamente que essa era visão
setorial, uma visão cartesiana até... do estudo da natureza, entendendo-se a geografia como um
todo, aquilo era uma coisa que analisava uma parte desse conhecimento... nós éramos
especialistas em determinado tipo de levantamento... sem que a gente tivesse muito aquela
preocupação de entender o processo e adinâmica dessa natureza, para a que a gente pudesse ver
exatamente a relação entre a sociedade e natureza...
A presença do Departamento de Geografia ao nosso lado... nos daria toda oportunidade para a
que isso efetivamente acontecesse... na minha avaliação isso... mas naquele momento isso não
vinha acontecendo... tinha alguns para problemas internos de relacionamento...que por mais que a
gente tentasse eles não foram solucionados... no curto prazo como deveria acontecer... e eu acho
que com o passar do tempo... vimos essas duas áreas um pouco separadas.... mas isso foi
superado.... elas começaram a ter uma articulação, começaram a se juntar, primeiro até pelo
contato mais direto com as pessoas, uma afinidade muito pelo pessoal da área de geografia que
forçou um pouco o processo integrador... eu acho que o grande incentivador, o caminho onde a
gente conseguiu fazer que essas coisas acontecessem foram os projetos integrados, ou seja, foi
durante a feitura dos grandes projetos como Diagnóstico Brasil, PMACI, Nossa Natureza e o
Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal, que forçaram naturalmente essas interrelações...

257
Os geógrafos que naturalmente se destacaram neste processo foram a Adma Haman, o Cesar
Ajara, a Olga Becker, a Teresa Cony pelo DEGEO...a Teresa Cardoso e a Antônia pelo DERNA
.... foram esses gerentes que fizeram a integração acontecer para que se pudesse garantir para a
Amazônia, um referencial sobre a ocupação do território, visto de maneira mais ampla... as coisas
aí começaram a se encaixar... nesse entendimento da geografia, na evolução desses processos
que se dão entre o homem e a natureza...hoje uma das linhas de trabalho da diretoria continua
sendo os diagnósticos integrados... pois temos hoje tanto no Departamento de Recursos Naturais
quanto no DEGEO pessoal qualificado para a exatamente fornecer essa análise e esse
entendimento sobre ocupação do território... atualmente estamos trabalhando com uma série de
instrumentais e softwares específicos para a análise geográfica que permitem que facilite o nosso
poder de análise dessas informações... mas esse instrumental não trabalha só... se não temos
uma pessoa que saiba utilizar a tecnologia e que saiba as combinações de técnicas a serem
utilizadas... nada se resolve... por isso, o papel do geógrafo experiente e conhecedor do território
nesse momento está sendo fundamental... por que esse tipo de análise é uma demanda muito
grande do governo federal ...”

[RSA] -Falando agora em lideranças técnicas... por exemplo, me lembra muito a liderança de
Teresa Cardoso no caso do grupo da Bahia e depois ela fazendo uma espécie de ligação esses
grupos de física e humana com as agências governamentais que faziam, que começaram a fazer
essas demandas tanto no governo Sarney eu acompanhei bem... e depois no governo Collor...
gostaria que você contasse um pouco sobre a liderança da Teresa Cardoso, como é que foi a
relação dela entre Radam e IBGE, como é que funcionou isso...

[Trento] “ Eu acho que a Teresa Cardoso na realidade ela é pioneira nesse processo, porque ela
já começou a sentir essa necessidade dessa relação homem natureza dentro do grupo do Radam,
talvez por conta de seu trabalho na Universidade da Bahia, que sempre trabalhou com os grupos
de física e humana bem ligados... no Radam, a dificuldade inicial de Teresa foi grande... porque
como eu te falei o grupo Radam era muito setorial, eram geólogos estudando a geologia pela
geologia... ela lutou muito para se perceber a necessidade de um entendimento desse processo...
a Teresa deu esse impulso no Radam de Salvador principalmente... e com a ida para o IBGE eu
acho que houve efetivamente um somatório para a que essas coisas efetivamente pudesse
acontecer... naquela época o governo tinha como um programa... uma meta a alcançar... o
zoneamento ecológico econômico da Amazônia Brasileira, então esse entendimento foi
fundamental para que a metodologia que nortearia os diagnósticos integrados fosse
desenvolvida... o papel pioneiro de Teresa foi importante... mas a equipe técnica que se
conscientizou e foi atrás disso também foi fundamental...

[RSA] - Uma outra questão seria... Trento Natali Filho como Diretor de Geociências e a
estruturação do IBGE na gestão do Professor Simon Schwartzman... que praticamente foi o que
você pegou... como é que você vê a situação anterior... já que você tinha uma boa visão do
funcionamento da DGC... principalmente no período de Sérgio Bruni... gostaria que você mais ou
menos comentasse um pouco em termos... de grandes projetos da Geociências... como é que isso
funcionou, principalmente nessa área entre geografia como no sentido geral... estaremos sempre
falando no DERNA, DEGEO como um todo....mas também das áreas em que acabamos não
falando muito que são as áreas das unidades regionais... DIGEOs... que são extremamente
importantes e são muito pouco conhecidas do pessoal de fora... mesmo dos ibegeanos... como é
que funciona esse esquema... seria talvez importante inicialmente explicar um pouco como é a
estrutura da Geociências no caso DIGEOs, DERNA, DEGEO e depois entrar um pouco nessa sua
visão bem particular de Trento Natali Filho dessa mudança, principalmente da mudança Sérgio
Bruni, Trento e da mudança do antigo Presidente que foi, antes do Simon o Sílvio Minciotti...

[Trento] “ Olha Roberto... quando viemos para o IBGE, tínhamos uma expectativa que iríamos dar
continuidade ao nosso trabalho... que seria o levantamento e a atualização das informações sobre
recursos naturais do território nacional... e sinceramente falando... na gestão do Mauro Melo eu
não senti um apoio muito grande da para que essas pesquisas pudessem ser continuadas... além
disso tínhamos dificuldade de relacionamento com o pessoal de geografia humana... era uma

258
coisa que a gente não sentia muita firmeza de onde a gente estava pisando e até onde a gente
poderia avançar... nossa visão era que estávamos um pouco amarrados na gestão do Mauro... não
digo em hipótese alguma que ele prejudicou a área... mas eu acho que as oportunidades
poderiam ter sido maiores... A chegada do Sérgio Bruni de certa forma nivelou um pouco isso,
porque o Sérgio Bruni tinha um certo interesse muito grande pela parte de meio ambiente e visto o
meio ambiente tanto a parte física como a parte social econômica... que a geografia vinha
desenvolvendo esses projetos integrados... e eles começaram a tomar vulto efetivamente na
gestão do Sérgio Bruni... e aí eu acho que a coisa caminhou... um outro fato importante foi a
possibilidade de desenvolver esses projetos mais centrados nas nossas unidades regionais... isso
permitiu que se descentralizasse um pouco as nossas atividades... e eu acho que isso foi um fator
fundamental no próprio Departamento de Geografia que não tinha muitos elos de ligação com nas
unidades regionais...já que era todo centralizado aqui, começou a participar de trabalhos
envolvendo pessoas nas unidades regionais...”

[RSA] - Seria bom abrir um parênteses para a você explicar um pouquinho o que seria essas
unidades regionais que foram de uma certa maneira foram trazidas do Radam e o IBGE assumiu e
como é que foi positivo isso para a estrutura de geografia do IBGE...

[Trento] “ Perfeito... na realidade essas unidades regionais... são as antigas agências do Radam,
porque o Radam anteriormente ele tinha sede em Salvador e as unidades regionais do Radam
estavam em Belém, Goiânia e em Florianópolis e isso passou a se integrar ao IBGE como
unidades de geociências... separadas para a atuação de diferentes áreas geográficas, ou seja,
Belém e parte de Goiânia tratava da Região Amazônica, Florianópolis tratava da Região Sul,
tratava como eu digo do levantamento, do mapeamento, da atualização com o pessoal qualificado
em todas as áreas desse levantamento, então era as áreas de atuação de cada um, essa
distribuição operacionalmente ela era bastante favorável e você não precisava deslocar um
contingente de técnicos do Rio de Janeiro para a fazer um trabalho num a outra Região,
logicamente isso acontecia no caso da geografia física e das especialidades a ela vinculadas...pelo
fato, por exemplo, da geografia humana não ter pessoas vinculadas nessas unidades regionais,
esse trabalho estava concentrado aqui... quando se iniciava um trabalho na Amazônia, equipe de
geografia humana se acoplava ao pessoal da unidade regional e esse levantamento era feito...
então como eu disse operacionalmente tecnicamente isso foi bastante favorável e continua sendo
favorável essa descentralização das atividades, tanto que hoje nós temos projetos na Amazônia
que são especificamente desenvolvido pelo pessoal de lá e assim por diante em termos de Brasil...

[RSA] - Existe agora um processo que se iniciou no ano de l997 contratação de novos geógrafos
existe para projeto, existe algum planejamento para colocar geógrafos da dita geografia humana
ou mesmo da geografia física nessas áreas de DIGEOs ou não ainda...

[Trento] “ Roberto eu acho que a gente vai ter que chegar lá... hoje ainda não temos uma unidade
regional completa, vamos dizer assim, um espelho... mesmo que pequeno do Departamento de
Geografia.... Mas temos consciência que isto terá de ser feito...por exemplo, foi desenvolvido um
trabalho sobre gerenciamento costeiro em Santa Catarina... e a Teresa Cony do DEGEO passou
grande parte do trabalho lá... e as pessoas da regional do sul que se juntaram nessas equipes...
alguns gostariam de dar continuidade nos estudos de geografia humana...até pelo interesse de
alguns geógrafos lá colocados nessa parte das análises integradas sentiram a necessidade de
ampliar seus conhecimentos... então eu acho que seria o ideal, vamos dizer assim, que a gente
tivesse acoplado a essa equipe de recursos naturais das unidades regionais uma equipe do
Departamento de geografia, não apenas para a análise dos dados sócio econômicos, mas para o
treinamento desses profissionais no desenvolvimento desses trabalhos integrados...”

[RSA] - Para a integrar efetivamente as metodologias...

[Trento] “Eu não sei se vamos conseguir nesse momento... mas há uma expectativa que nos
próximos anos vá se efetuar contratações... inclusive também de geógrafos de humana para as
unidades regionais...”

259
[RSA] Quando... antes de iniciar o curso de doutoramento.... eu estava representando o
Departamento de Geografia... substituindo o César Ajara que estava de licença na Escola
Superior de Guerra... no período em que iniciou a nova gestão do Professor Simon... as pessoas
passaram uma idéia de que o Professor Simon não gostava de geografia, não gostava de
geociências, etc... eu não tive particularmente essa impressão naquele momento... mas eu não vivi
no centro das decisões... por isso eu gostaria de uma análise sua... na medida em que você foi...
no caso... escolhido por ele, Simon, para assumir a Diretoria de Geociências... qual é a interface
hoje entre Diretoria de Geociências- Trento Natali Filho com a Presidência do IBGE- Simon
Schwartzman...?

[Trento] “ Eu assumi a Diretoria de Geociências com um desafio muito grande, porque o Professor
Simon quando me convidou ele nitidamente colocava para a mim o seguinte: Trento a Diretoria de
Geociências para a mim é uma grande caixa preta, você tem que me mostrar o quê que é o que
vocês fazem e me convencer de que isso efetivamente é importante para o IBGE como um todo...
eu não acredito que eu já tenha lavado a Diretoria com “Omo” e a tenha tornado uma caixa
extremamente branca... mas eu acho que na situação de hoje ela já não é tão preta, já posso
considerar um cinza claro...começando a graduar para umas tonalidades de branco... o que se
procurou foi explicar nosso trabalho... trazer a direção do IBGE... não apenas do professor Simon,
mas todas as áreas da Diretoria, traze-los aqui, mostrar efetivamente o quê a gente faz, quais são
os nossos produtos, como é que esses produtos são importantes em vista das interfaces com as
outras áreas de produção do IBGE... quer dizer, não é simplesmente uma carta topográfica em si e
se esgota aí não... são informações fundamentais para o que o IBGE trabalhe em todas as suas
áreas de produção e de conhecimento... foi um processo lento com certeza, mas o Professor
Simon ele é um entusiasta, ele se interessa, ele quer conhecer, ele quer cada vez mais se
aprofundar... e hoje o desafio que se coloca é o seguinte: ele já conhece suficientemente a
Diretoria para a dizer que não é uma caixa preta... o nosso desafio hoje é modernizar os nossos
processos de produção, porque sabemos disso... e você conhece bastante a Diretoria... nós temos
áreas que a gente opera com equipamentos de vinte anos atrás, laboratório da Cartografia é um
exemplo disso, quer dizer, sabemos que já a algum tempo nós temos tecnologia mais avançadas
que permitiriam acelerar esses processos de produção... acelerar a nossa linha de trabalho e
também não apenas acelerar... mas como colocar no mercado... para a sociedade... novos
produtos em outras mídias.... o que facilita tremendamente nosso processo de atualização desses
dados, e é por aí que a gente está trabalhando...”

[RSA] - Outra coisa que eu gostaria de saber de você, como é que foi a aceitação do CD-ROM do
Diagnóstico da Amazônia, como é que se deu, como se deu o processo e como é que foi a
aceitação dele?

[Trento] “ No começo se criou uma expectativa muito grande, porque na realidade o CD-ROM ele é
o produto de todas as informações geradas do Diagnóstico da Amazônia Legal... nós tínhamos no
início uma dificuldade muito grande na divulgação de nossos produtos, porque eram mapas
enormes e a cada vez que se tinha que plotar um mapa daqueles para um outro usuário...
tínhamos que pintar um especialmente... com a mídia de CD ela facilitou muito, a divulgação e a
disseminação dessa informação...num primeiro momento nós produzimos cerca de quinhentos
CDs, praticamente esgotados... teve realmente uma aceitação muito grande... e eu acho
fundamental... mas que ainda não está devidamente explorado no CD é a possibilidade... que
tratado como sistema de informação geográfica você utilizar as análises e derivar uma série de
outros resultados, isso ainda não está bem explorado... isso realmente tem uma utilidade muito
grande... e com um treinamento específico...qualquer geógrafo poderá trabalhar com isso...”

[RSA] - O relacionamento hoje l997-l998 do IBGE e da área Diretoria de Geociências com a


Secretaria de Assuntos Estratégicos, continua, ou terminou após o grande Diagnóstico da
Amazônia Legal... como é que está?

260
[Trento] “ Roberto, a nossa vinculação maior com a Secretaria de Assuntos Estratégicos se deu no
momento em que o governo Collor... na realidade a Secretaria que definia questões de política, de
zoneamento, de ocupação, teve uma liderança forte...o Eliezer Batista estava a frente disso... e aí,
houve uma alocação razoável de recursos para a esse programa... na entrada já do governo
Fernando Henrique essa tendência começou a mudar... essa posição da Secretaria, da SAE como
gestora desse programa de zoneamento começou a se esvaziar... essa parte está se
convertendo toda para o Ministério do Meio Ambiente... então hoje temos uma vinculação maior
com muito maior com o Ministério do Meio Ambiente para a esses segmentos de políticas de
ocupação do território... não houve desentendimentos... apenas a SAE modificou suas prioridades
e o governo reorientou esses projetos... que nós trabalhamos... para o MMA... o gerenciamento
costeiro de Santa Catarina já foi sob a orientação do MMA...”

[RSA] - Eu me lembro... na década de 70 quem cuidava... era o Ministério do Planejamento e na


década de 80 início da década de 90 foi a Secretaria de Assuntos Estratégicos e agora Ministério
do Meio Ambiente, faz esse trabalho...

[Trento] “ E lógico, que junto com a Secretaria de Assuntos Estratégicos nós continuamos nossos
projetos ligados aos municípios de fronteiras... são informações que tradicionalmente são divididas
com eles...”

[RSA] - A questão seria essa, quer dizer, quem está hoje cuidando da ocupação do território...?

[Trento] “ Hoje é o Ministério do Meio Ambiente...”

[RSA] Esperemos que continue havendo demanda para o trabalho do IBGE nessa área....
Trento eu acho que nós chegamos efetivamente ao final da nossa entrevista que foi extremamente
esclarecedora, nesse aspecto, e principalmente no aspecto atual do relacionamento da geografia...
foi bom, de uma certa forma apagar um pouco aquele idéia de que as Geociências vão acabar...

[Trento] “ Eu acho que essa expectativa na realidade não existe, nós tivemos a algum tempo atrás
uma discussão sobre questões organizacionais das agências de governo no futuro... toda essa
reforma administrativa, para a onde o IBGE vai caminhar daqui para a frente... várias instituições
de governo estão discutindo essas questões...a tendência vigente deverá ser as agências
executivas com algumas facilidades... mas em momento algum... em nenhuma instância da
direção do IBGE pensou-se em fazer duas organizações distintas entre estatística e geociências...
é o IBGE indissolúvel porque uma das poucas instituições a nível internacional que congrega
essas duas áreas que eu acho que não tem nenhum motivo porque dissociar isso daí...”

Trechos selecionados do depoimento de Marilourdes Lopes Ferreira, antecedidos de breves


comentários para situar a questão...

Finalmente, para que se possa estabelecer um contraponto com essas visões de profissionais que
assumiram o cargo de diretor. Vamos trabalhar com alguns trechos do longo depoimento de
Marilourdes Lopes Ferreira, uma geógrafa da área urbana e regional, que ao longo de sua carreira
no IBGE assumiu o posto de diretora adjunta, tanto na Diretoria Técnica na gestão de Speridião
Faissol no final dos anos 70, quanto nas décadas de 80 e 90, em diversas ocasiões, na Diretoria
de Geociências com Mauro Melo, Sérgio Bruni e Trento Natalli.

Marilourdes viu surgir no Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM) as pesquisas utilizando-se os


métodos quantitativos, quando agregou-se ao grupo de Speridião Faissol, no final dos anos 60 e
acompanhou-o até sua aposentadoria em 1982.

Sua experiência com os meandros da casa, aliada ao seu bom relacionamento com as demais
diretorias, sempre foram aproveitados pelos diretores de Geociências, o que se configurou numa

261
enorme bagagem de informações, imprescindíveis para a estruturação da memória institucional da
Geografia dos anos 70 em diante.
Serão pinçados alguns assuntos polêmicos, tanto no que diz respeito aos estudos quantitativos da
década de 70, ao relacionamento humana x física na Geografia ibegeana do período de criação da
SUPREM por Eurico Borba no final dos anos 70, na chegada do pessoal do Projeto Radam e o
processo de integração dessas duas estruturas técnicas nos projetos de diagnósticos integrados
dos anos 90.

Após sua aposentadoria em 1995, Marilourdes leciona atualmente Análise Regional na Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE.

[RSA] Sobre sua formação e estudos na UFRJ e sua entrada no IBGE... com direito a
rejeição de Speridião Faissol pelas mulheres geógrafas... apesar de todas as suas
assistentes e colaboradoras serem mulheres muito competentes...

[Marilourdes] “ ...Na UFRJ daquele período... no Departamento de Geografia...... devo a


minha formação basicamente a Maria do Carmo e Bertha Becker, não porque elas
sempre foram minhas professoras..., elas foram muito mais do que minhas
professoras...elas me ajudaram a tomar decisões, quando eu não imaginava o que eu ia
fazer, a Maria do Carmo dizia... não vamos lá... quem me obrigou a fazer o mestrado foi
Bertha, eu estava sem emprego... enfim, a participação delas... e depois o Faissol...”

[RSA] - E a sua entrada aqui, no IBGE...

[Marilourdes] “ A minha entrada aqui foi uma coisa interessante... a Professora Maria
Luiza, da Geomorfologia era chefe de Departamento na UFRJ e recebeu lá o papel no
IBGE solicitando candidatos ao estágio.... ela recebeu o papel do IBGE... e olhou nossos
históricos...e fez nossa inscrição... éramos um grupo de quatro ou cinco...não me lembro
bem... mas eu não sabia que ela tinha me inscrito... então eu estou chegando na
Universidade num belo dia, ela falou assim: o quê você está fazendo aqui? Eu disse...
vim estudar... Ela: não... você tem uma entrevista marcada no IBGE, mas eu digo: o quê
que é isso? Não...eu lhe escrevi, vá já para lá, aí eu fui... aí eu cheguei com aquela saia
xadrez aqui no meio da perna... com chinela, rabo de cavalo, camiseta... aí eu entro na
Secretaria e vejo todos eles bonitinhos, arrumadinhos... e Alcione, a secretária do
DEGEO, me dizendo: O quê você quer? Eu digo: me disseram que eu tinha que vir ser
entrevistada.... Com essa roupa você não entra minha filha. Eu digo: Eu não tenho outra,
eu só tenho essa, ou eu entro com essa, ou eu não entro, mas foi a Maria Luiza Castelo
Branco que encontrei lá... e que tinha ido conversar com Marília Galvão... que conseguiu
que eu fizesse a entrevista... eu estava embaixo do braço com o livro de álgebra
booleana...naquela época fazíamos uns cursos comuns na Universidade.. mas haviam
cursos avulsos... que você podia optar por seus substitutos, então eu fazia informática,
aqueles cursinhos lá da COPE, essas coisas doidas todas e eu fazia matemática, uns
cursos que eles ofereciam de lógica matemática, e aí isso já é 1969 e a questão da
quantificação já estava na Universidade... nós fazíamos estatística... embora na minha
origem eu nunca tenha sido muito voltada para a essa coisa da ciência exata, eu sempre
tive certa atração pela aquela coisa do uso disso como ferramenta, eu nunca seria uma
estatística, uma matemática, eu sempre fui atraída pelo uso da estatística... o fato de
estar com aquele livro debaixo do braço, deixou a Professora Marília encantada porque
eles achavam, ah você faz Estatística...?, eu digo: é eu faço estatística... eu nunca vou
esquecer...
Me perguntaram onde gostaria de trabalhar... aí eu disse: olha eu acho que eu queria
uma coisa assim na área de Geomorfologia, porquê? Porque eu estava lendo naquela
época da estatísticas, na geografia física a aplicação era mais imediata... então tinha a
ver com aquele momento que eu estava vivendo, e aí anotaram e fiquei esperando ser
chamada....

262
Quando eu fui chamada, a Professora Marília me chama e: olha você foi classificada lá
para o GAM ... vai para o grupo de área metropolitana, eu digo, mas isso tem a ver com
que eu estudo? ... não tem... mas estamos precisando de uma pessoa como você, com
o seu perfil... você é uma pessoa que já está envolvida com essa coisa, com matemática,
com estatística... estamos começando um trabalho de definição das regiões
metropolitanas... e eu fui para a sala do Faissol... eu entro na sala do professor Faissol...
depois de passar pela barreira da Elisa Mendes de Almeida... o homem estava de cabeça
baixa escrevendo... e eu digo assim: professor... O quê é? A Professora Marília
mandou eu vir aqui procurar o senhor.... Para a que? ... sem olhar para a minha cara....
Ah! eu fui selecionada para a ser sua estagiária.... Não quero, pode ir embora, diga para
a Marília que eu não quero, eu quero os homens... eu não quero mulher, mulher para a
me dar problemas...? Eu estou cheio de mulher aqui perto de mim, eu não gosto de ficar
com essas mulheres todas... nós precisamos trabalhar e vocês não trabalham, vocês
namoram, e vocês tem filhos... eu quero homens, eu já falei para a Marília, eu não quero
você.... Eu virei para a ele e falei... não pedi para a trabalhar com o Senhor, me
mandaram aqui... e ele... e ainda por cima é desaforada... eu saí e fui lá falar com
Marília... não se preocupe minha filha... e coisa tal... mas não tem nada não, você vai
ficar aqui, e aí me botaram lá com a Elisa Mendes de Almeida... com quem fiquei acho
que cerca de dois meses... a gente começava o estágio por volta de meio dia e saí cinco,
seis horas da tarde. Bom, eu chegava meio dia, e chegava o almoço deles...aí me
chamavam na sala da Marília, Professor Faissol, Professor Geiger, eles sentavam lá e
começavam...nos primeiros dias fiquei assustada... perguntavam o que é uma matriz, o
que é universo... depois a Elisa me disse: olha eles estão testando você porque o
Professor Faissol não está convencido...a Marília quer porque quer... que você fique no
grupo, o Faissol não está convencido que você tenha tanta competência assim... e ele
não quer uma mulher, então eles estão te testando então é melhor você estudar, e eu
digo: mas exatamente o quê que eu tenho que estudar. Ah! análise fatorial... eu sei que
eu fiquei um mês, eu sei que estudei muito, na verdade eu não trabalhei nada, em termos
de trabalho, até porque acho que não me deram trabalho, eu só estudava para a poder
responder as perguntas deles... a Marília terminava a sabatina e dizendo: está
convencido Faissol? Ainda não. E aí foi, foi aí que também se estabeleceu a minha
relação com Faissol... eu digo assim: O Faissol aqui no IBGE é a pessoa definitiva em
termos definitivos na minha vida, mas eu devo muito a Marília também, foi a Marília que
me identificou sendo capaz, foi a Marília que brigou para a que eu ficasse, foi a Marília
que fez com que eu participasse da vida do Departamento ainda muito, muito, muito
precocemente, são formas de ligação diferentes... quer dizer: com o Faissol eu passei a
ter uma relação de pai e filha e eu aprendi absolutamente tudo, mas se eu cheguei perto
do Faissol...foi porque Marília fez com que isso acontecesse, eu devo muito ela ...”

[RSA] - Também a parte administrativa essa você também aprendeu com ela com
Marília...

[Marilourdes] “ Não, não, a parte administrativa eu aprendi sozinha porque eu saí, eu saí
do IBGE em agosto de 1971 da forma que você conhece bem... toda aquela confusão e
demandas não atendidas pelo o Professor Miguel Alves de Lima superintendente da
época...”

O episódio a que Marilourdes faz referência, aconteceu no período de transição dos processos de
contratação dos novos funcionários, que agora seriam admitidos pelo regime da lei da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), substituindo o antigo regime de funcionalismo público
que, no caso do IBGE, vigiu até 1967 quando o órgão transformou-se em Fundação. Entre 1967 e
1973, praticamente não aconteceram contratações de pessoal de fora (estagiários). O processo de
contratações enfocou prioritariamente o pessoal antigo que optou pelo novo regime de CLT
(alguns funcionários optaram por continuar como funcionários públicos e foram transferidos para
outras agências do governo).

263
Para os estagiários da época, esse processo foi demorado (três anos) e sem definições muito
claras sobre quem seria realmente contratado pela nova Fundação IBGE, o que causava um
grande desconforto aos estagiários mais antigos, pois os colocava num limbo administrativo muito
estranho... não eram mais estagiários, pois já haviam sido ultrapassados os seus tempos
regulamentares de estágio, mas continuavam recebendo por serviços prestados numa rubrica de “
auxílio financeiro”.

As tentativas de um esclarecimento por parte da administração, sempre foram empurradas para


frente sob o argumento que tivessem paciência, que tudo iria se resolver... Um grupo mais
decidido resolveu contestar o poder de Miguel Alves de Lima avisando que iriam colocar o caso na
justiça do trabalho... a resposta do IBGE veio rápida, os doze estagiários que estavam com seus
prazos já vencidos, isto é, já estavam no último período de seus respectivos cursos, foram
desligados do IBGE. Nesse grupo inclusive estava uma estagiária grávida e que mesmo assim foi
desligada...
O grupo entrou na Justiça do Trabalho e, é claro, ganhou a causa... Marilourdes foi a única
recontratada e fez uma grande carreira na casa.

[Marilourdes] “ Lembro que era o Professor Miguel Alves de Lima o Secretário Executivo
na época e não admitia contestações... o Professor Miguel sempre foi muito rígido... até
hoje eu amo... adoro o Professor Miguel, mas foi ele que me botou na rua... e quase que
não volto... porque ele não queria que contratasse alguém que tinha entrado na justiça
contra o IBGE... brigou com o Faissol por causa disso... mas hoje ele me ama também,
essas coisas não tem nada a ver com pessoas... são filosofias...”

[RSA] - São períodos interessantes da história da geografia do IBGE...

[Marilourdes] “ Saí daqui com um compromisso com o Faissol, você lembra que saímos
daqui proibidos de voltar, senão seríamos enquadrados na Lei de Segurança Nacional...
aí Faissol estava viajando na época e eu fiquei prevenida... ele viajou porque ele sabia
que aquilo ia acontecer e viajou... para a não estar aqui... e foi isso... mais do que sair
que me afetou muito... essa perda de confiança... sabe, uma cosia afetiva... Como é que
ele pode fazer isso comigo?
Porque ele me chamou... ele disse que eu deveria sair... que eu não deveria assinar o tal
papel... que ele com certeza ia me contratar... eu dizia para a ele... eu não acredito
nisso... hoje faz com um, amanhã faz com outro... eu não acredito nessa situação... e aí
ele some e ainda bota a gente na rua e diz que a gente não pode entrar mais e aí eu
fiquei furiosa da vida com isso...”

[RSA] - Engraçado... eu me lembro dessa fase... eu estava trabalhando com Roberto


Lobato Corrêa... e o Lobato de fato foi procurar Faissol e realmente o Faissol não
estava... e ele aí ficou mais apavorado... ele não sabia o que estava acontecendo nos
bastidores... você perde o referencial... que no caso seria a pessoa do Faissol... que
poderia por conta da questão...mas pelo visto também não pode... ou não quis tomar
partido...

[Marilourdes] “ Porque ele vai embora numa hora dessas ?... ele sabe o que está
acontecendo, ele era o chefe do grupo lá do GAM... Marília e ele eram quem decidia as
coisas no DEGEO.... como é que ele faz isso comigo? Como é que ele me chama...
pede, fala com Nazaré... fala comigo... e na hora H ele vai embora... eu disse um monte
de palavrões, então eu fiquei muito revoltada com isso quando a Alcione diz: arruma
tudo... eu não vou levar nada daqui, eu não quero nada desse lugar, vou me embora...

[RSA] - E como foi o processo de volta ao IBGE?

[Marilourdes] “ Xavier me chama para a me colocar como monitora no curso da PUC que
ele estava dando, não era com ele, ele soube que a professora Lucy Galego precisava, e

264
ela gostava de mim, soube que eu tinha saído do IBGE... e aí pintaram essas situações e
eu fui fazendo... e o Faissol volta, me liga e aí - eu tinha tido com Faissol essa liberdade
de pai para a filho mesmo, entendeu? Com respeito, mas dizendo o que pensa, e aí
briguei muito com ele.... Mas minha filha você não pode pensar isso de mim, você vem
aqui. Eu não posso ir aí, se for aí vou ser presa...”

[RSA] - Você também dramatizava mesmo... Alcione com os cachorros...


[Marilourdes] “ Eu sempre fui assim, ainda hoje sou muito emotiva e briguenta...”

[RSA]- Como o Faissol tratou o caso...?

[Marilourdes] “ Aí eu fui lá encontrei com ele na porta do IBGE da Beira Mar... Vamos
entrar. Eu digo: eu não entro. Mas minha .... Não entro...o senhor quer falar comigo, o
senhor diz o que quer. Só quero que me prometa uma coisa. Eu e Nazaré, vocês não
vão assumir compromisso de emprego com ninguém... Mas eu digo: o senhor pensa o
quê, que a gente vai ficar de braços cruzados... não vai trabalhar, esperando o quê?
Você não precisa trabalhar, você sabe que se precisar eu pago, eu pago a vocês duas,
mas eu não quero que vocês assumam nenhum compromisso...pois eu vou trazer vocês
de volta.... E aí foi... o processo foi passando... nesse período Bertha me chamou e me
obrigou a fazer o mestrado...”

[RSA] - Você foi a primeira turma, também? Não, foi a segunda turma....

[Marilourdes] “ Exato, da segunda turma... a primeira foi da Maria Helena, fui da turma da
Lia Osório... foi aí que eu conheci Lia, minha turma foi, eu, Lia, Maria Luiza Castelo
Branco... que ainda não era do IBGE...”

[RSA] - E o retorno ao IBGE ?

[Marilourdes] “ Eu volto para o IBGE em janeiro de 74, aí eu já estou formada eu já estou


fazendo mestrado, já estava fazendo mestrado... e na época já havia um novo modelo no
IBGE com a reforma do Professor Isaac, o IBGE vira Fundação, aquela estrutura de
Diretoria Técnica, Diretoria de Geodésia e Cartografia, Diretoria de Formação, Diretoria
de Informática... um modelo, modernizador... e o Faissol vira então Superintendente de
Estudos Geográficos e Sócio Econômicos da Diretoria Técnica... e aí ele tem uma vaga
para um profissional de nível superior de geografia... ele chama a mim e a Nazaré era as
duas que ele tinha pedido para a não se comprometessem com trabalho nenhum... e diz:
eu tenho uma vaga no IBGE e uma vaga para o mestrado em Ohio Sate (Columbus), eu
quero que a Marilourdes, que já está fazendo mestrado aqui... seja contratada agora e
Nazaré vai fazer o mestrado em Ohio e quando terminar o mestrado você volta para a ser
contratada no IBGE... e ele que manda Nazaré para Ohio e que a Nazaré lá encontrou o
Zola, casa e vai para a Iugoslávia, agora está vivendo em Portugal... e aí eu venho para o
IBGE para a Diretoria Técnica, Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio
Econômicos... quando eu chego aqui a Diretoria tem uma estrutura de
Superintendências, Superintendências de Estudos Geográficos e Sócio Econômicos,
Superintendência de Estatísticas Primárias e a Superintendência de Recursos Naturais e
Meio Ambiente...

Após sua volta para o IBGE, Marilourdes trabalhou diretamente com a equipe de Speridão Faissol
no desenvolvimento de técnicas quantitativas, dentro do contexto de trabalho do IBGE na gestão
de Isaac / Eurico que era montar uma estrutura de dados e de técnicas de análise que organizasse
as informações sócio-econômicas da casa, indo muito além dos dados censitários.

Nesse contexto foram criados departamentos que dariam conta das informações de emprego e
rendimentos, nutrição, despesas domiciliares, além de pesquisas mistas que avaliariam o

265
comportamento da economia e da sociedade nos períodos intercensitários. Além disso, o IBGE
investiu pesado em seu parque de informática. e com isso, os equipamentos e programas estavam
disponíveis para serem testados pelo grupo do Faissol, que era uma dos muitos grupos técnicos
do IBGE que estavam trabalhando com esses novos dados. Mas isso não caracterizava uma
aceitação automática de todo o corpo técnico do DEGEO aos novos métodos quantitativos e é
sobre isso que Marilourdes depõe agora...
Logo após, ela levanta algumas questões polêmicas sobre a questão que envolveu o divórcio entre
a área humana e física na Geografia do IBGE e dá sua opinião sobre o papel do RADAM no
processo de incorporação ao IBGE...

[RSA] - Qual é sua visão sobre a aceitação dos geógrafos do DEGEO aos métodos
quantitativos?

[Marilourdes] ...” No Departamento de População, após a morte do Lira Madeira, vem o


Nelson do Vale Silva e incrementa muito o uso desses modelos na área geográfica e ele
que vai incrementar isso... no Departamento de Geografia é o Geiger... sai a Marília, aí
vem o Geiger e aí você tem alguns experimentos com esses métodos... só que eu de
verdade... somente o grupo do Faissol era quem utilizava essa ferramentas muito
pesadamente... o Departamento de Geografia nunca incorporou essa linha de trabalho...
quer dizer, não é essa linha de trabalho... ele nunca incorporou esta ferramenta
sistematicamente... eventualmente alguém usava para a alguma coisa, mas isso nunca
foi a tônica do Departamento... quem utilizava isso era o grupo de pesquisa do Faissol...
nunca o Departamento de Geografia...”

[RSA] - É essa minha sensação... uma das questões de minha pesquisa está nisso...
boa parte do Departamento percebe que os métodos quantitativos estão sendo
estudados e utilizados... mas não sabe utilizar e ficam quietinhos... esperando a onda
passar... e quando chega 1978 a onda começa passar... e aí dão Graças a Deus... agora
está chegando outra coisa, essa outra coisa trará problemas também, mas aí é uma
outra fase...

[Marilourdes] “ E é uma coisa complicada Roberto... porque mesmo na Universidade... a


área humana social nunca incorporou bem isso, mas a área física incorpora
perfeitamente isso... mas no IBGE a área física não incorporou nada... e quando tem
essa coisa da criação da Superintendência de Recursos Naturais por obra e graça da
vontade do Eurico... isso é criado não por uma questão filosófica, não tem filosofia nem
conceito por trás disso... teve a vontade pessoal de criar...”

[RSA] - A vontade pessoal do Eurico preocupado com a idéia do Meio Ambiente... eu


suponho que ele já devia estar com uma visão...

[Marilourdes] “ Ele cria e aí tira esse segmento da física e bota lá, mas é um segmento
que nunca incorporou coisa alguma... de lado nenhum... Não tinha incorporação, nem de
uma visão mais política da análise do quadro de recursos naturais... era o mais formal do
formal... naquela linha, quer dizer... mesmo a Universidade que poderia ter menos
recursos para se informatizar... foi incorporando essas técnicas...”

[RSA] Isso foi um problema exclusivo da Geografia do IBGE naquele período....? A


mudança de eixo de pesquisas para o Meio Ambiente...? Ou para você essas coisas só
começam efetivamente a se estruturar quando vem o Radam, após 1985?

[Marilourdes] “ Eu tenho uma visão muito pessoal, eu não acho que meio ambiente se
estruturou com Radam... e eu te digo... a análise ambiental que ainda é feita... se alguma
é feita... não é feita pelo pessoal do Radam... se é o pessoal do Radam... o pessoal faz
lobby do Radam, porque o Radam não é mais ambiental...e nunca foi...”

266
[RSA] - Ele levanta dados...

[Marilourdes] “ Ele não levanta dados... quer dizer, na verdade... o pessoal quando vem
para o IBGE... o que faz o Radam enquanto projeto... é levantamento de informações
sobre recursos naturais, levantamentos sistemáticos de recursos naturais, quando ele
veio para o IBGE, mantém-se as mesmas premissas... e aí você tem uma briga enorme,
de desentendimentos enormes... porque o IBGE não entendia que ele devia fazer isso e
o Radam entendia que era isso que deveria ser feito dentro do IBGE... aí cria-se uma
figura... mas isso é muito recente... já é geociências... que dá idéia de sistematização...
que era uma maneira de ficar no meio do caminho na verdade... se você olhar o estatuto
da Casa, se você olhar a legislação da Instituição ao IBGE... cabe sistematizar e
coordenar informação sobre ocorrência e distribuição de recursos naturais... isso que
parece menor para a muita das pessoas... é na verdade a essência que daria força para
o IBGE como órgão coordenador... porque diferente da estatística... na estatística o IBGE
é responsável pela coleta...na área de meio ambiente o IBGE é uma questão parecida
com a CPRM... não é responsável pela coleta de dados de recursos naturais, porque
existem outros órgãos capazes de fazer... e que existem para fazer... em termos de meio
ambiente os outros órgãos deviam faze-lo sob uma coordenação do IBGE... para a que
essa informação não de dispersasse e tivesse um tal formato, um tal arranjo... não é
necessário estar fisicamente no IBGE a organização dela... o que eu sempre chamei de
diretório... de tal forma que qualquer um pudesse acessar para os seus trabalhos... o
trabalho nobre nesse processo, que é estabelecer os grandes padrões... como
normatizar... fazer o que se fez no passado... como na cartografia ...se estabelecer
padrões, você estabelecer princípios, tipologias, classificações, ter isso como padrão e
trabalhar e supervisionar no sentido de que isso fosse o mais utilizado pela maior parte
dos órgãos produtores... se o IBGE pudesse ser um gerente dessa grande base, e esse
seria o grande papel...
A análise ambiental a geografia faz... os segmentos do DERNA fazem... mas se você
olhar cada dia a Divisão de Estudos Ambientais está menor... porque eles não olham
essa questão... e ninguém olhou... em nenhuma gestão, nem no Mauro, nem do Sérgio,
nem agora mesmo do Trento... não olham essa dimensão da análise ambiental... e ela na
verdade é como meio que periférica...”

[RSA] - Como tratamento da informação, como gerenciamento da informação, você acha


que ainda não foi contemplada ?...

[Marilourdes] “ A prova mais clara disso é o projeto de estatísticas ambientais que se


iniciou por volta de 9l, 90 por idéia que sai daqui da direção de geociências... comigo e
com Mauro Melo... depois incorpora o Gil, a Estael... para que aquele pessoal
desenvolvesse um projeto... apresenta-se esse projeto num encontro de um grupo da
OEA.... A OEA se apropria desse projeto... o Brasil que era o único país que estava
apresentando... faz com que outros países membros passem a utilizar como o Chile está
utilizando, Peru vem utilizando.... e o projeto pára no IBGE... e até hoje não consegue
deslanchar... e agora ele passou a ser uma coisa da DPE... então, é um pouco a nossa
dificuldade de lidar com os dados... e não investimos nisso... nós não soubemos lidar
com isso... e eu me incluo nisso porque eu fui direção nesse tempo todo... como nós não
soubemos tratar a análise ambiental, a questão ambiental como essência... e a de
recursos naturais nessa linha da coordenação, da supervisão...”

O último ponto a ser abordado, vincula-se ao papel dos departamentos que compuseram a
estrutura da Diretoria de Geociências dentro do contexto de reforma administrativa por que passou
o IBGE após 1986 e a validade dos projetos técnicos vinculados aos grandes diagnósticos
integrados que vieram a serem realizados pela diretoria nos anos 90...

267
[RSA] - Mas como é que você vê o processo de estruturação dos grandes diagnósticos
que a meu ver... foi a ferramenta... que de uma certa maneira... deu a integração na DGC
entre o DERNA e o DEGEO...

[Marilourdes] “ Duas coisas... quando a Diretoria de Geociência é implantada... não se


tem mudanças de verdade e eu acho... e olha... eu que participei do processo de reforma
acho que esse foi o grande pecado...agregou-se as novas estruturas... mas cada uma
continuava sendo exatamente o que era antes...”

[RSA] - Só para a documentar... a reforma que você fala foi essa do Edmar Bacha,
reforma administrativa do Bacha que foi instalada pelo Edson Nunes...

[Marilourdes] “ Exato...reforma administrativa do Bacha que foi implantada em 87... na


verdade ela é assinada pelo Bacha ele faz questão... esse é um outro pecado... quer
dizer, o processo de reforma ele tem aquele momento de levantamento de informações...
de todos os membros... e todos os servidores foram convocados... cada um escreveu o
que bem quis... e tem o momento que se instala os fluxos de trabalho... já é 86 em 87 o
Bacha sai... e aí ele assina precocemente um novo modelo... na verdade a única coisa
que nós tínhamos naquele momento era uma estrutura... a macro estrutura que temos
hoje foi estabelecida pelos diretores da época sentados na sala com Bacha... um grupo
de reforma é que vai dar ordem interna a aquilo que eles já tinham decidido... naquele
momento eles decidiram que haveria uma Diretoria de Geociências, eu lembro muito bem
quando me chamaram para o grupo de reforma... eu fui para o grupo de reforma por
sugestão da Fany Davidovich... nessa época eu estou no DEGEO a Solange Tieztmann
era a Chefe do Departamento e a Fany era representante do DEGEO na nova estrutura...
e aí ela sugere que eu participe do grupo... e eu lembro que a primeira coisa que eu disse
nesse grupo... que eu queria deixar marcado que eu era contra a idéia da Diretoria de
Geociências e que a gente estava recebendo aquilo pronto... que o nosso papel era só
dar o melhor arranjo interno possível... e o arranjo interno possível... a única briga que
tivemos na verdade foi dentro do DERNA.... para a não ter a Divisão Temática que eles
queriam, porque o resto ficou como já estava... DEGEO-DEGEO, e não se juntou
coisas... e você não mudou filosofias, não havia modelo de geociências, por mais boa
intenção que se tivesse...”

[RSA] - Você acha que, por exemplo, a grande luta da Teresa Cardoso que se dá dentro
do contexto IBGE... mas ao que parece... já ocorria num contexto anterior ainda do
Radam... e a idéia de que o Radam... o antigo Radam e agora o atual IBGE... deveria
continuar fazendo levantamentos sistemáticos em escalas cada vez mais detalhadas...
Teresa tinha um pouco desse pensamento... mas ela sabia das dificuldades de se
absorver uma idéia dessas... em virtude dos altos custos desse levantamento...

[Marilourdes] “ Teresa? Não sei, eu sempre achei que a Teresa Cardoso lutava por seu
método... na medida que ela estabeleceu qual era o modelo para a fazer para os
diagnósticos, ela era dona do modelo... ela desenvolveu o modelo e aí... estabelecia-se
uma divisão... um grupo que adorava Teresa e que só dava um passo se a Teresa
mandasse... e um outro grupo que era oposição... que odiava Teresa... cada vez que ela
mandasse faziam-se de mortos... mas eu não sei, o que dizer quanto a isso... o que
posso afirmar quando estava na Diretoria em 87... o DERNA vivia o auge desses
projetos de diagnósticos...”

[RSA] - É, mas aí ainda sem, com uma visão de diagnóstico a la Radam, quer dizer,
aquele particionamento... as famosas gavetas... é o que era feito antes, era a subdivisão
em nichos temáticos, as gavetas, as gavetas de geomorfologia...

[Marilourdes]“ Não sei se era a la Radam, ou não era... era um modelo de diagnóstico
temático que coincide com o momento em que a sociedade inteira trata a questão

268
ambiental... era o grande tema, a grande questão... que podia ser percebida em várias
escalas nacional, internacional... aquela brigalhada, todo mundo tem que fazer
planejamento ambiental, zoneamento ambiental, e se fazia zoneamento para o ponto do
ponto... não é verdade?
Quando vem a Diretoria de Geociências começamos a perceber o tamanho do
envolvimento nesses assuntos... por exemplo... existia um grupo no Ministério era um
grupo interministerial acho que era o CONAMA – Comissão Nacional do Meio Ambiente...
que eu lembro era dirigida por um cara chamado Ícaro, que eu nunca esqueço por causa
da revista... e nós fomos para lá em Brasília... e aí tinha as pessoas mais estranhas do
mundo... e a Teresa já era nessa época assessora, considerada expert... isso sempre
incomodou alguns... eu gosto muito da Teresa, acho uma profissional excelente... o
problema é que a Teresa é um pouco de quebrar as hierarquias... ela podia estar em
qualquer posição...”

[RSA] - Ela era do Governo Brasileiro, em Brasília na época... um ministro ou general


chamando...

[Marilourdes] “ O General me chamou... realmente isso incomodava essa coisa da rigidez


hierárquica do IBGE... hoje um pouco um pouco menos...”

[RSA] - Ela era uma espécie de consultora “ad hoc” para qualquer coisa em Brasília
sobre meio ambiente, qualquer ministério...

[Marilourdes] “ Isso acabou... hoje por exemplo, você pega um modelo Simon é um pouco
isso... ele não quer muito essa amarração hierárquica... se você for chamado por sua
competência técnica...pode ir, você vai, ele não quer saber... e garante a liberdade
acadêmica... mas na época o IBGE ainda tinha a imposição da hierarquia...”

[RSA] - Imposição da hierarquia burocrática...

[Marilourdes] “ Então o estilo de Teresa criava conflitos com a hierarquia... dividia muito...
o próprio Mauro... na época... era uma coisa que ele reagia muito... era essa
independência da Teresa... e ele descobria que ela estava em Brasília... mas como está
em Brasília? Porque não era nossa prática...eu... do ponto de vista pessoal sempre olhei
isso com uma certa boa vontade na medida que Teresa sempre colaborou muito e
conhecia todos os atalhos de Brasília...”

[RSA] - Se isso adianta... e faz a coisa andar, só melhora...

[Mariloures] “ A única coisa que eu discordava era como se negociava essas coisas
porquê? Porque que era sempre a Amazônia? Porque alguém gritou que era Amazônia?
Mas será que é Amazônia? Será que não tem problemas da mesma ordem ou mais sério
do sul ou nordeste? Era enorme o volume de informações sobre a Amazônia...se
listarmos tudo que se fez, tudo que se fez no Rio de Janeiro pelo DERNA...mais da
metade, é Amazônia...”

[RSA] - Amazônia e um pedaço da Bahia, Nordeste e uma parte do Sul...

[Marilourdes] “ Amazônia é fundamentalmente... o sul é uma coisa mais recente, quando


se começa, na verdade o sul ele já é uma obra do final da gestão do Mauro, mas eu acho
já foi com Bruni... de um pouco abrir essa coisa para outras áreas do Brasil... o Bruni via
muito bem o problema... não é possível que fiquem só, zoneamento das potencialidades
de recursos naturais, já tinha feito todos os pedaços, tem para programa nossa natureza,
aquelas coisas todas, vocês participaram muito disso, aí tem zoneamento das
potencialidades da Amazônia... Catarina faz aquele trabalho, e aí vem o diagnóstico da
Amazônia e começa tudo de novo, porque o tal zoneamento da potencialidades que

269
deveria servir de base para o tal diagnóstico não serve de base... você começa tudo de
base... e o que é pior com a mesma fonte de dados primária... você não tem uma fonte
nova, e a mesma fonte, você apenas troca de nome...”

[RSA] - Mas você acha que, por exemplo, a vontade política de... não sei se foi Mauro,
ou se foi Presidente de época de formar a Geociências em função de ter ganho o
Radam... e aí já dava estrutura...

[Marilourdes] “ No caso do Bacha... acho que não, na verdade... o Bacha ele sempre se
perguntou o quê a geografia fazia dentro do IBGE e recurso natural...

[RSA] - Atualmente o Professor Simon pergunta também... a história de produtos...

[Marilourdes] “ Eu lembro que eu estava no Departamento, você lembra bem isso já é


gestão Bacha mas ainda estrutura, a gente passa um período, toda gestão de 85 a 87...
estamos sob direção Bacha, mas com a estrutura ainda do Jessé, e aí discutia-se nessa
época porque essa DAG foi um arranjo, arranjo para a deixar o Professor Amaro
Monteiro como diretor, então pegaram a Agropecuária, Geografia e Recursos Naturais...”

[RSA] - Que ali entrou o Charles Muller depois...

[Marilourdes] “ Depois assumiu o Professor Muller com o Bacha entra o Professor Muller
que é um dos grandes admiradores dos estudos geográficos... aliás esse é o Presidente
que você tem que entrevistar para a saber o que ele pensa da geografia... porque esse
pensa geografia... tem uma outra visão das coisas... no momento que estávamos
discutindo a possibilidade da geografia ser uma Superintendência fizemos um documento
questionando a decisão do Bacha em considerar muito pequeno o número de pessoas
na Geografia do IBGE... Ele me chama e pergunta assim para a mim: - aí eu passo a
conhecer o Bacha - Porque ele diz assim: Quer dizer que você não está gostando da
minha direção? Eu digo para a ele: olha, eu gostaria de dizer que eu não estou gostando,
o fato é que eu não estou vendo... que é muito pior... você veio, falou, falou, falou e agora
está todo mundo parado... esperando alguma coisa acontecer... e nós não sabemos que
é. Aí começamos a discutir geografia ele disse: mas você acha que a geografia tem
mesmo volume para a ser uma Superintendência? Você acha que é isso que muda? Eu
digo: eu não acho que isso muda, se é uma Superintendência, ou se é uma Diretoria, o
que eu acho o que deve mudar é a maneira de vocês olharem a produção da geografia e
entendê-la no contexto do IBGE... aí conversou muito comigo, aí disse: está bom...nós
vamos ao assunto... aí o Muller me chama... o Bacha conversou com você, ele gostou
muito... eu, ele e o Eduardo lemos a sua carta...aliás essa carta passou a ser um outro
marco para a mim, porque esse grupo passou a me conhecer... e eu sempre digo para as
pessoas que é preciso ter gente em algum momento que se arrisque, eu podia ter levado
uma chamada... mas eu não disse nada, eu disse o seguinte, você não tem que
desrespeitar, e eu respeito as hierarquias e sempre respeitei, agora você não tem que
ficar calado...se você tem algo de consistente a dizer vá em frente... o Bacha e ele me
dizia assim: olha Marilourdes o que mais recebi nessa caixa de sugestão, foram
denúncias anônimas e essas eu não respondo... você me mandou um documento
assinado e eu acho que eu tenho que conversar....

Essas foram algumas das visões da alta direção do IBGE sobre o trabalho que a Geografia
realizou e realiza dentro de sua missão institucional. Em termos gerais as impressões foram
positivas, principalmente quando passam a serem entendidos alguns tipos de trabalho que
garantem a qualidade dos produtos da casa, como no caso da regionalização, dos diagnósticos
integrados, dos atlas e das obras de cunho didático, que foram um marco importante no papel do
IBGE como agente disseminador do conhecimento sobre o território brasileiro.

270
Para que esses produtos fossem construídos, foram necessários organizar processos de
treinamento visando a qualificação profissional desses geógrafos e é sobre essas ações que a
parte V tratará. Cobrindo no capítulo I as ações de treinamento de seu pessoal técnico via cursos
de especialização e de pós graduação no exterior e no Brasil.

O capítulo II tratará de apresentar a outra face desses processos, mostrando o IBGE como
disseminador dos estudos geográficos para o grande público alvo da Geografia, os professores de
todos os níveis de ensino. Processo que iniciou-se ainda nos anos 30 e que morreu
melancolicamente nos anos 70 por falta de vontade política dos dirigentes da casa.

271
Parte V - Os Processos da Qualificação Profissional

Introdução

Os dois pontos mais importantes dessa parte tratarão das políticas de aperfeiçoamento de pessoal
num sentido amplo, pois no caso da Geografia do IBGE, ela pode ser analisada sob dois aspectos
bem distintos, o primeiro, que vê o IBGE como indutor da melhoria da qualificação profissional de
seus servidores, através de políticas de conveniamento com instituições de ensino superior, tanto
no exterior como no próprio Brasil, além de ações de treinamento específico, geralmente
entabuladas entre a casa e agências do exterior, mediadas por acordos de cooperação técnica dos
mais diversos.

O segundo, que enfoca o papel disseminador do IBGE, através das políticas de cursos de
aperfeiçoamento de professores em todos os níveis de ensino, do fundamental ao superior. E para
que isso se efetivasse, foi necessária a conjunção dessas duas políticas de qualificação
profissional num contexto maior, que englobava formação altamente qualificada de seu corpo
técnico, para que esse grupo pudesse realizar trabalhos inovadores na Geografia Brasileira, e que
os resultados desses trabalhos fossem repassados para o público alvo, que eram os formadores
de opinião mais qualificados da época, os professores.

Esse processo de repasse também tinha de ser bem trabalhado, pois algumas vezes
encontramos um bom percentual de ótimos pesquisadores, mas péssimos divulgadores de suas
pesquisas. Para evitar esse tipo de problema, novamente as boas relações entre a casa e o
sistema universitário brasileiro ajudaram no processo de reconhecimento de quem possuía
aptidões didáticas e de comunicador, para que se especializasse nessa tarefa. Além disso, era
preciso também organizar textos que traduzissem o caráter técnico das pesquisas e as
expusessem numa linguagem inteligível aos professores do curso fundamental. Isso também foi
motivo de especializações e de políticas de alocação de técnicos mais adaptados a essas tarefas.
Essa literatura está devidamente documentada no sistema de bibliotecas do IBGE, atualmente sob
a gerência do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI).

É importante registrar que havia, por parte do governo Vargas, entre 1931 e 1945, uma grande
preocupação com a Educação, e particularmente, com o nível superior de ensino, segmento
formador de profissionais qualificados. A dupla de mineiros, Milton Campos e Gustavo Capanema
deu uma organicidade nunca vista ao setor educacional, em todos os níveis.

O IBGE, foi uma das instituições, fora do âmbito específico da educação, que nesse período,
contribuiu enormemente para a modernização do ensino no país. A Primeira Conferência
Nacional de Educação, realizada em 1941 no Rio de Janeiro, foi organizada pelo Ministro Gustavo
Capanema, na qual o IBGE, além de ter dado uma importante participação nos trabalhos técnicos,
através de seus geógrafos e estatísticos, também editou uma obra em dois volumes, com as
principais teses apresentadas no encontro (IBGE, 1941).

Durante as décadas de 40 e 50, os congressos de Geografia e Estatística em escala nacional


apresentavam sempre seções que enfocavam questões da educação, com maior ou menor
ênfase.

Cabe observar, que só este assunto já seria um grande manancial de futuras pesquisas de
mestrado e doutorado, tanto no que concerne à história do pensamento geográfico, quanto aos
estudos educacionais. Portanto, está aberta uma grande linha de futuros trabalhos aos que se
disponham a detalhar esses processos e avalia-los com espírito crítico.

272
Parte V
Capítulo I - A Importância das Relações com as Universidades no Exterior e no Brasil

O contexto de criação do Conselho Nacional de Geografia do IBGE coincidiu com outro processo
político-administrativo que foi a estruturação do sistema universitário no Brasil, no qual as posições
de São Paulo, com a USP e Rio de Janeiro, com a UDF e depois com a UB, ocupavam os
primeiros postos em termos de aparato administrativo e técnico.

As principais figuras dessa estruturação foram Milton Campos e Gustavo Capanema, os primeiros
ministros da Educação e Cultura dos dois primeiros governos de Vargas (1930-1937 e 1937-1945).

Coube a Milton Campos estruturar a legislação para que se pudesse dar corpo às modificações
que seriam implementadas posteriormente por Capanema. Todas essas políticas foram
diligentemente dissecadas por Simon Schwartzman, Helena Maria Bomeny e Vanda Maria R.
Costa em Tempos de Capanema ( Schwartzman, .... 2000) principalmente nos capítulos que
exploram o conflituoso processo de estruturação da UB e a conseqüente extinção da UDF no final
dos anos 30.

Porém, o que nos interessa agora é voltar à figura de Pierre Deffontaines (1894-1978), para fixa-lo
como o primeiro profissional de treinamento do grupo que viria a ser o núcleo inicial do futuro
Conselho Brasileiro de Geografia (CBG) em 1937, logo modificado para CNG em 1938.

Os processos de transferência de Deffontaines tanto da França para São Paulo em 1934, quanto
de São Paulo para o Rio de Janeiro em 1935 já foram analisados na parte II do trabalho, além de
terem sido motivo de pesquisa de Marieta de Morais Ferreira (1998) e de também terem sido
abordados nas pesquisas de Schwartzman, Bomeny e Costa (2000) sobre Gustavo Capanema,
inclusive com a publicação de uma correspondência de Deffontaines à Capanema datada de 1934,
prestando contas de seu trabalho na USP, antes de seu retorno para a UDF no Rio de Janeiro. Na
carta Deffontaines menciona seu retorno em 1936... ( Schwartzman, .... 2000, p.341).

Após sua transferência para o Rio de Janeiro em 1935/36, Deffontaines inicia o curso na UDF e
possivelmente, o treinamento paralelo para o grupo organizado por Christóvão Leite de Castro.
Nesse grupo estavam, além do próprio Christóvão, os futuros geógrafos Orlando Valverde e Fábio
de Macedo Soares Guimarães (contratados em 1938), Jorge Zarur (contratado em 1939) e José
Veríssimo da Costa Pereira e Lúcio de Castro Soares (contratados em 1940).

Este treinamento nunca foi devidamente comprovado em termos de documentação, pois


possivelmente estava embutido nas tarefas do curso de Geografia da UDF, mas o período é
lembrado, tanto por Christóvão Leite de Castro, quanto por Orlando Valverde. No caso de
Christóvão as lembranças são...

“....Deffontaines era realmente, na época, o maior expoente da cultura geográfica em


termos de geografia humana... ele nos auxiliou a formar o primeiro grupo de
profissionais de geografia que iriam organizar o CNG... e através do Conselho
Nacional de Geografia produziu trabalhos muito interessantes sobre geografia
humana no Brasil, publicados pela Revista do Conselho... a Revista Brasileira de
Geografia que ele ajudou a criar.... assim como a Associação dos Geógrafos
Brasileiros... É por isso que e digo que um dos feitos mais notáveis, mais
impressionantes, mais válidos... do Conselho Nacional de Geografia foi exatamente
essa modernidade na metodologia da geografia brasileira, e aí está um exemplo
disso. O Conselho nessa linha... procurou então formar técnicos de modernidade. Foi
trabalho muito interessante, realizado pelo Conselho, compreendendo: a formação de
geógrafos, propriamente ditos, quer dizer, geógrafos cientistas; a formação de
engenheiros geodésicos para levantamento de coordenadas geográficas; e a
formação de cartógrafos. O Conselho aplicou-se, de maneira muito dedicada, muito
objetiva na formação desses técnicos modernos. O Conselho reuniu um grupo

273
expressivo da ordem de uns vinte rapazes, das Universidades, que se interessaram
em fazer a carreira geográfica. O Conselho proporcionou a eles, aqui no Brasil,
estudo no campo com professores sobretudo franceses, mas também alemães, -
vieram Deffontaines, Francis Ruellan, Clarance Jones, Leo Waibel e outros - esses
rapazes depois do ensino prático com esses professores... foram mandados ao
exterior para fazer cursos em universidades especializadas, universidades
americanas, francesas, alemãs; e o Conselho conseguiu formar um grupo de
geógrafos modernos, que desenvolveram trabalhos interessantes que a Revista de
Geografia publicou em grande quantidade. Além dos geógrafos, o Conselho formou
também engenheiros para levantamentos de coordenadas geográficas, engenheiros
geodesistas e cartógrafos para o preparo moderno de mapas do Brasil. Co Conselho
de Geografia, aliás, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, constituiu-se
então com maior produtor de mapas impressos no Brasil...” (depoimento de
Christóvão Leite de Castro à equipe da Memória Institucional).

Orlando Valverde conta um pouco de sua experiência como aluno de Pierre Deffontaines na UDF...
e explana também as primeiras ações oficiais de treinamento de pessoal do CNG. Aquelas ligadas
aos interesses americanos no contexto da Segunda Guerra, que envolveram muitos segmentos,
dos quais os estudos geográficos de Planejamento Regional foram um deles, como no caso das
atividades culturais, analisado por Antônio Pedro Tota ( 2000).

“...A minha turma de geografia na velha Universidade do Distrito Federal era muito
pequena, nós começamos e éramos menos de dez: eu me lembro, eu, o fundador do
CNG o já engenheiro Cristóvão Leite de Castro, o Jorge Zarur que era estudante de
Direito, havia um outro rapaz também chamado Jorge, mas eu não me lembro o
sobrenome dele, cuja formação eu não me lembro, quatro professoras primárias,
havia um rapaz que também era professor primário: Armando Sampaio de Souza,
mas em pouco tempo houve uma lavagem naquilo e ficaram seis: Cristóvão Leite de
Castro, eu, Jorge Zarur, não, ficamos cinco e duas professoras primárias, ou melhor
três: Armando Sampaio de Souza, Dilsa Mota e Marlene de Souza que eram também
professoras primárias. Essa Universidade era uma coisa de novo estilo no Brasil... de
estilo americano... foi por inspiração do Anísio Teixeira, era moderna.... Nós tivemos
professores franceses que davam aula em francês... e graças ao francês do Pedro II
eu me dei muito bem. Eu era capaz de acompanhar as aulas, falar e escrever, o
curso de francês, como o de português do Pedro II eram muito bons... então eu
acompanhei bem...e lá havia quatro professores muito bons, por exemplo... Pierre
Deffontaines que foi meu professor de Geografia Humana por três anos, depois ele
foi substituído por assistentes mais antigos brasileiros...”

“...A minha primeira influência científica foi de Deffontaines... porque mais que um
professor... ele era um estimulador da curiosidade e da pesquisa... ele levantava
problemas... o currículo do curso dele era tipicamente da escola de Vital de La
Blache, era a chamada Escola Possibilista francesa... era como o homem se
comportava diante da natureza, então era, por exemplo, o homem e a montanha, o
homem e o frio, o homem e as ilhas, o homem e a floresta, era isso... e ele influiu até
certos autores que escreveram depois como em publicações do IBGE O Alberto
Ribeiro Lamego escreveu quatro livros: O Homem e o Brejo, O Homem e a Restinga,
o Homem e a Guanabara e o Homem e a Serra...”

“...Bem, o fato é que então o Conselho nacional de Geografia cresceu de um forma


extraordinária e isso muito pouca gente sabe... o IBGE através do Conselho Nacional
de Geografia, foi a primeira instituição do mundo a fazer planejamento regional fora
de ambiente universitário, do mundo... para fins de administração; o Canadá fez dez

274
anos depois... porque antes eram as universidades dos países mais avançados que
faziam... “

“... Mas o fato é que Christóvam Leite de Castro desenvolveu a geografia, a


cartografia, criou a seção de Cartografia... que depois se tornou Divisão, ampliou-se
extraordinariamente, com a Cartografia veio a Aerofotogrametria e depois até as
imagens de satélite; criou-se a Geodésia para levantamentos geodésicos, a
geodésia-cartográfica, de maneira que a partir de 1947 começou-se a publicar folha
da Carta ao Milionésimo... e depois as folhas topográficas... no início a produção era
pequena... era coisa de três folhas por ano... mas foi crescendo e chegou a alcançar
200 folhas topográficas por ano, coisa que nenhuma repartição do governo jamais
conseguiu...”

“...Também no campo da geografia ele mandou para os Estados Unidos e para


outros países, levas de jovens geógrafos, o primeiro a ir foi Jorge Zarur para o
Estados Unidos em 42... A primeira leva do Conselho de Geografia foi a minha,
fomos cinco: o Fábio de Macedo Soares Guimarães, que era chefe da divisão, da
seção de estudos de geografia; eu; o Lúcio de Castro Soares; Lindalvo Bezerra dos
Santos e José Veríssimo da Costa Pereira. Nós fomos primeiro para a Universidade
de Winsconsin, nos Estados Unidos, para o curso de verão, depois tinha um curso,
era um curso mais curto... depois quando chegou o semestre de inverno... Lúcio e
Lindalvo foram para Chicago, o Veríssimo foi para Nothwesten... e o Fábio e eu
ficamos em Winsconsin... lá eu permaneci praticamente 14 meses... mas nenhum de
nós dois tirou mestrado ou coisa que valha... nós fomos lá para aprender matérias
que iríamos aplicar no planejamento regional e não fizemos os cursos sistemáticos
de geografia regional que eram”. indispensáveis a obtenção do mestrado... estudava-
se geografia do Extremo Oriente, eu tirei o curso de África com o Waibel e o de
América Central... mas o mais importante mesmo era o curso de leituras de Geografia
Tropical e tínhamos só nós dois...Fábio e eu... era o chamado special course, um
curso especial...que era uma verdadeira aula particular de leitura e debates com
Waibel... um dos maiores geógrafos deste século... porque Waibel foi discípulo da
maior plêiade de geógrafos da primeira metade deste século e do fim do século
passado... além disso ele tinha uma experiência de sete anos de pesquisa de campo
na África e cinco na América Central... era um pesquisador exepcional...então nós
obtivemos convite do Leite de Castro para que ele viesse para o Brasil e ele aqui
ficou de 1946, do fim de 46, até 1950, quase cinco anos...”
( depoimento de Orlando Valverde à equipe da Memória Institucional)

A fase de relacionamentos intensos entre a Geografia do IBGE e as universidades americanas


durou somente o período da Segunda Guerra. (A resolução 185 do Diretório Central do CNG
documenta a ida dos geógrafos para as universidades americanas)∗ Em 1947, reatavam-se as
relações do IBGE para esse tipo de treinamento, com o governo francês, com a ida de um grupo
de geógrafos que já haviam sido devidamente preparados por Francis Ruellan, que havia
subtituído Deffontaines que havia voltado à França em 1939.

Ruellan ao chegar em 1940 assume, além do posto de professor na UB, a função de Consultor
Técnico do CNG, e de uma maneira mais oficial, dá continuidade ao treinamento de geógrafos


1945 /04/ 03 - Resolução n. 185 do DC/CNG - Dispõe sobre o estágio de técnicos nos Estados
Unidos da América.

275
para o IBGE, assim como foi desenvolvido por Deffontaines nos anos 30, porém agora com mais
estrutura e mais tempo disponível.
Os métodos que visavam o aperfeiçoamento do corpo técnico do IBGE, assim como sua
ampliação foram habilmente conduzidos por Ruellan sob a supervisão de Christóvão Leite de
Castro. Seguiam duas linhas distintas, a primeira visava o reconhecimento de novos talentos ainda
na universidade e para isso se utilizava as experiências, tanto de Ruellan, quanto de alguns
técnicos do IBGE que também lecionavam nos cursos de Geografia da época e tinham sido alunos
de Deffontaines (a escolha de Elza Keller por José Veríssimo da Costa Pereira e posteriormente a
confirmação de Ruellan na indicação ao curso de especialização em Montpellier em 1947 explicam
esse processo).

A segunda objetivava o treinamento de funcionários do CNG no próprio contexto de trabalho e o


melhor exemplo dessa linha pode ser verificado pela descoberta por Ruellan de Migel Alves de
Lima, um desenhista técnico que veio transferido do Ministério de Agricultura no processo de
montagem inicial do CNG em 1937, mas que durante a permanência de Deffontaines não aparece
em nenhuma atividade geográfica do CNG. Sua descoberta como geógrafo se dá no contexto dos
treinamentos de Ruellan dentro do CNG.

Em seu depoimento Miguel Alves de Lima explica como se deu a descoberta...

“ O meu contato com o Ruellan ainda foi, eu ainda era desenhista e precisava de um
rapaz que entendesse alguma coisa de francês, pudesse se comunicar em francês,
conhecesse um pouco de matemática de descritiva porque o Ruellan ia fazer... um
diagrama perspectivo de Goiania...que poderia mostrar o relevo e a geologia ao
mesmo tempo, como era um mapa l:50.000 os pontos de fuga dessa perspectiva
seriam muito afastados, então a perspectiva tinha que ser calculada... não podia ser
desenhada... daí ele precisava de alguém que entendesse alguma coisa de cálculo e
entendesse francês, porque ele não falava francês...”

Seu empenho nesse treinamento rendeu-lhe posições de chefia na estrutura do CNG e a ida para
a Universidade de Paris em 1947 para ser treinado por André Cholley e Jean Tricart, mesmo não
tendo feito o curso formal de Geografia... titulação que lhe foi oferecida pelo próprio Cholley a ser
tirada na UP... se o IBGE renovasse sua bolsa por mais um ano...

“...quando nós fomos para a França, eu tomava os cursos que podia... pois não
sabíamos quanto tempo íamos ficar... o André Cholley que era meu professor tutor...
e o meu instrutor de geografia física era o Jean Tricart, mas tinha curso de geografia
regional do Georges Chabot, tinha a geografia de gente da melhor qualidade...eu
procurava me informar sobre todas as coisas... saber mais... estava ansioso, porque
eu não sabia quanto tempo ia ficar ali... quando o Chollay me chamou ao gabinete
dele... recomendou-me que renovasse a minha bolsa, pelo menos por mais um ano...
ele dizia... para a você fazer o curso regular aqui.... Eu mandei uma carta para o
IBGE dizendo: olha eu não pedi nada, mas o para professor Cholley me chamou e
me disse isso... de modo que queria saber se posso ficar. A resposta foi um não...
tem muita gente mais para a ir para a Europa, não pode ficar não, e eu tive que vir
embora...”

Miguel Alves de Lima só vai tirar seu diploma formal na década de 50 na segunda Universidade
do Distrito Federal, que incorporou a antiga Faculdade de Filosofia do Instituto La-Fayette,
posteriormente transformada em Universidade do Rio de Janeiro, nos anos 60 em Universidade
do Estado da Guanabara, e atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro ( Sampaio, 1999).

276
O IBGE e as Universidades Cariocas

O núcleo de universidades cariocas formadoras de geógrafos profissionais que passaram a


trabalhar no IBGE foram a Universidade do Brasil, absorvendo a UDF em 1938, a Pontifícia
Universidade Católica criada em 1949, o Instituto La-Fayette criado em 1941 , a Universidade
Santa Úrsula em 1945 e a Faculdade de Niterói em 1951, transformada em Universidade Federal
Fluminense em 1965.

Um exemplo da importância que se revestia a relação entre o IBGE e as Universidades, pode ser
entendida pela Resolução 156 de 18 de abril de 1944 do Diretório central do CNG, que formulou
apelo ao Ministro da Educação e Saúde , Gustavo Capanema, sobre os estudos que estavam
sendo realizados e que enfocavam a reforma do ensino superior, solicitando em seu artigo 1 que
fosse contemplada na reforma... “a separação entre os cursos de Geografia e de História nas
Faculdades de Filosofia, de modo a se possibilitar a formação de geógrafos habilitados
convenientemente nos trabalhos especializados, de gabinete e de campo, de que tanto carece a
geografia nacional, no seu aparelhamento atual.

No artigo 2, o CNG também levanta questão sobre a necessidade de haver uma uniformidade nos
currículos dos cursos de Geografia na escala de Brasil, para que os estudos teóricos e práticos
estivessem espacialmente equilibrados na federação.

A resolução também aborda a conveniência do restabelecimento do curso de geógrafo na Escolas


de Engenharia “...em virtude da falta desse técnicos no país, a criar-lhe embaraços no
desenvolvimento dos trabalhos geográficos, e sugere dar-se ao diplomado nesse curso o título de
‘engenheiro geodesista’

Essa resolução expressa muito bem quais eram as preocupações da alta direção da agência na
formação de quadros altamente especializados, no que poderíamos chamar hoje de Geociências
num sentido amplo, querendo iniciar uma ruptura entre o que seria o ensino de formação de
professores de Geografia e História e o que poderia vir a ser a formação de um bacharel
especializado, nos mesmos moldes da engenharia.

Em 1945 o CNG iria novamente se pronunciar sobre o processo de formação de seus quadros
técnicos, que necessariamente envolvia o sistema de ensino superior, organizado pelo Ministério
da Educação, mas que normalmente acatava, na medida do possível, as demandas de agências
federais de muito prestígio como no caso do IBGE. A resolução 183 do diretório central mostra
isso.

1945 03 26 - Resolução n. 183 do DC/CNG - Cria uma Comissão Especial para estudar as
indicações aprovadas pelo X Congresso Brasileiro de Geografia no sentido da
regulamentação da profissão de geógrafo e da criação da Faculdade de Geografia e
Cartografia.

A maior ligação IBGE / Universidades, sempre se deu com a UB (atual UFRJ) por conta de
interesses comuns em pesquisa geográfica. O Centro de Pesquisas de Geografia do Brasil, criado
em 1952 por iniciativa do professor Hilgard Sternberg como órgão vinculado à cadeira de
Geografia do Brasil, foi o primeiro centro de pesquisas universitário que preparou uma série de
pesquisadores durante seus cursos de graduação e que depois foram absorvidos pelo CNG.

As figuras de Hilgard O´Relly Sternberg, juntamente com Francis Ruellan, são de fundamental
importância nessa relação IBGE/UB. Enquanto a influência francesa era garantida por Ruellan,
Hilgard possuía uma vinculação forte com a geografia física americana... sua especialização inicial
foi a Geomorfologia, tendo se doutorado em 1956 pela Louisiana State University e em 1958 pela
Universidade do Brasil. Foi vice presidente da União Geográfica Internacional entre 1952 a 1960 e
coordenou o 180 Congresso Internacional de Geografia no Rio de Janeiro em 1956. Após uma

277
carreira como professor catedrático na Universidade do Brasil (atual UFRJ) entre 1944 a 1968,
transferiu-se para a University of California, Berkeley tornando-se professor titular entre 1964 a
1988, passando então a emérito com cargo vitalício.

Seus professores mais destacados, além de Pierre Deffontaines (nos primeiros anos), Francis
Ruellan que ministrou aulas e orientou pesquisas durante 18 anos e do próprio Hilgard Sternberg,
foram o engenheiro Victor Ribeiro Leuzinger e o médico Josué de Castro.

O evento de maior envolvimento entre o IBGE e a Universidade do Brasil aconteceu no Congresso


Internacional de Geografia de 1956, quando Hilgard Stenberg, que já ocupava uma vice-
presidência na diretoria da União Geográfica Internacional (UGI), conseguiu o apoio do IBGE para
a realização desse congresso no Rio de Janeiro∗.

Essa parceria foi, sem dúvida alguma, a mais bem sucedida entre essas duas instituições na
década de 50.

A próxima grande ação dessa relação positiva, começou a ocorrer na década de 70, com a criação
do curso de Mestrado, onde um grande grupo de geógrafos do IBGE trabalhando no Departamento
de Geografia, na Superintendência de Recursos Naturais e Meio Ambiente e depois da segunda
metade dos anos 80, profissionais do Departamento de Recursos Naturais (DERNA) voltaram a
universidade para pós-graduarem-se, ampliando assim a produção geográfica brasileira com suas
dissertações e artigos correlatos.

Entre a segunda turma do mestrado iniciada em 1973 (a primeira foi composta apenas com
professores da própria universidade) e o ano de 2000, 35 geógrafos e alguns profissionais de
carreiras congêneres que trabalhavam no IBGE, passaram pelo mestrado da UFRJ, dos quais 29
defenderam suas dissertações.

Nos anos 90, inicia-se o próximo importante passo neste processo de qualificação profissional dos
geógrafos do IBGE, com o início das atividades do curso de doutorado em Geografia. De 1994 até
2000, seis profissionais ligados à Geografia ingressaram no curso de doutoramento da UFRJ,
sendo que três já defenderam suas teses: Miguel Ângelo Campos Ribeiro sobre a rede urbana da
Amazônia, Adma Haman de Figueiredo sobre a política de ocupação do território da Amazônia e
Eli Alves Penha sobre a Geopolítica do Atlântico Sul. Um funcionário já aposentado da Diretoria de
Informática, Murilo Cardoso também dedicou-se à pesquisa sobre o uso das técnicas de
Geoprocessamento e, entre 1995 e 2000, produziu suas dissertações de mestrado e doutorado
sobre o tema.

Um outro ponto importante na parceria, pode ser visto também pelo mecanismo que garantia a ida
de geógrafos do IBGE para lecionarem no curso de mestrado como professores visitantes.
Profissionais como Speridião Faissol, Pedro Geiger, Olga Buarque de Lima, Roberto Lobato
Corrêa lecionaram durante alguns anos nessas condições. Lysia Bernardes, embora já estivesse
afastada do IBGE na década de 70, também contribuiu como professora do curso, passando sua
experiência na formação dos novos mestres, muitos dos quais eram funcionários do IBGE.

Mas não era somente a UFRJ a única a suprir de profissionais de Geografia o IBGE. A atual UERJ
(antigo Instituto La-Fayette) formou profissionais do calibre de Alfredo Porto Domingues e Miguel
Alves de Lima. Sendo que Miguel foi um professor e chefe do departamento de geografia até sua
aposentadoria. Edgar Kulhman e Speridião Faissol também lecionaram na UERJ, Kulhman até
1990, quando se aposentou e Faissol continuou lecionando até seu falecimento em 1997.


Uma boa descrição histórica pode ser lida no capítulo referente ao Departamento de Geografia no Anuário
do Instituto de Geociências editado em comemoração dos 75 anos de fundação da universidade (UFRJ,
1995).

278
O curso de Geografia da Universidade Santa Úrsula criada na década de 40 também contou com
geógrafos ibegeanos ilustres como Salomão Serebrenick e Carlos Delgado de Carvalho, mas foi
sendo paulatinamente substituído pelo curso da PUC-RJ na década de 50 em diante, onde
lecionaram os ibegeanos Jorge Zarur, Fábio de Macedo Soares Guimarães, Nilo Bernardes,
Aluísio Capdeville Duarte entre outros.
Em Niterói, na Faculdade fundada em 1951, que posteriormente foi federalizada na atual
Universidade Federal Fluminense (UFF), lecionaram dois ibgeanos ligados à Geografia Física,
Antônio Teixeira Guerra até 1968, quanto faleceu, e Gelson Rangel Lima, até sua aposentadoria
em 1992. Ambos foram líderes no processo de encaminharem alunos com inclinação para a
pesquisa, para um estágio no IBGE e alguns tornaram-se profissionais da casa.

É importante ressaltar que somente a UFRJ possuía, até a década de 90, uma infra-estrutura que
garantia a iniciação à pesquisa geográfica no Estado do Rio de Janeiro. Somente a USP em São
Paulo dispunha de condições semelhantes ou melhores, em virtude de seu tamanho e da grande
demanda garantida por todo um sistema de ensino do próprio estado e de regiões vizinhas.

Portanto, a tendência natural do principal fluxo de profissionais de Geografia para o IBGE,


vinculou-se majoritariamente, na graduação e quase totalmente no mestrado e doutorado, aos
cursos da UFRJ. Apenas Irene Garrido Filha (Geografia Regional 1983) e Ana Brandão
(Climatologia 1996) realizaram seus cursos de doutoramento na USP.

Nos próximos anos poderá acontecer uma variação nesta relação, em virtude do aparecimento de
cursos de pós-graduação na UFF e na UERJ, mas por enquanto a hegemonia da UFRJ ainda é
inconteste.

O IBGE e as Universidades do Exterior

No contexto dos relacionamentos entre a Geografia do IBGE e algumas universidades do exterior,


os processos foram bem diferentes, pois na maioria dos casos a relação se estabelecia via
indicação de um professor importante que estava em período de pesquisas no IBGE.

Relações como, indicações para alguns profissionais do IBGE irem estagiar ou cursar matérias
específicas em universidades onde esse professor possuía liderança acadêmica era o mais
comum, mas também houve processos em que os interlocutores eram agências de governo. O
exemplo de Jorge Zarur e dos cinco geógrafos que seguiram para os Estados Unidos em 1945 foi
um desses casos. Mais recentemente, as relações entre o IBGE e as agências de fomento à
pesquisa francesa (CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique e ORSTOM – Institut
Français de Recherche Scientifique pour le Développement en Coopération) estabeleceram
ligações de pesquisa durante os anos 90 que envolveram três pesquisadores franceses e cinco
pesquisadores do IBGE em projetos de organização de bancos de dados georefernciados para
mapeamento automatizado que resultaram numa série de publicações, CD-ROMs, Atlas, além do
recebimento de equipamentos de computação gráfica e permuta de dados.

No segundo caso, não houve vinculação com universidades francesas, como aconteceu no
exemplo americano, onde universidades como Winsconsin, Chicago e Northwestern tiveram um
papel importante no treinamento dos geógrafos do IBGE, muito embora o controle do programa
estivesse sob a responsabilidade das agências federais de inteligência americana.

Na área de Geodésia e Cartografia esse tipo de relação sempre foi comum, com agências
governamentais montando cursos especializados ou estágios para o aprendizado de novas
técnicas ou manipulação de equipamentos.

No contexto do período de liderança acadêmica de Francis Ruellan, suas indicações


provavelmente eram negociadas com outros professores que se achavam em algumas

279
universidades específicas, como no caso de André Cholley em Paris e Jean Tricart, primeiro em
Paris, depois em Strasbourg, onde também lecionou Etienne Juillard. Portanto, no caso francês, o
que valia era o professor orientador que organizava o programa de treinamento e orientava na
escolha dos cursos. Os cinco geógrafos que foram em 1947 (Miguel Alves de Lima – Paris I, Pedro
Geiger – Grenoble, Elza Keller – Montpellier, Heldio Xavier – Strasbourg e Míriam Mesquita –
Lyon) receberam indicação específica de Ruellan.

Durante toda a década de 50 e parte de 60, Ruellan orientou a ida de geógrafos do IBGE para a
França. Processo que foi continuado por Michel Rochefort, principalmente na segunda metade dos
anos 60. Embora não existam informações exatas, é provável que entre 25 a 30 geógrafos do
IBGE tenham ido para alguma universidade francesa nesses 20 anos para diversos tipos de
treinamento ou para se pós-graduar como foi o caso de Catarina Vergolino Dias, que foi tirar seu
doutoramento em Strasbourg em 1968.

Um outro processo muito comum era a intermediação de um aluno que estava fazendo o curso, no
processo de indicação de um próximo pesquisador do IBGE através de dois tipos de ações, a
primeira orientando o futuro candidato sobre o professor que o orientava, a segunda, dando boas
indicações sobre o candidato ao professor que iria orientar. Um exemplo desse tipo pode ser
percebido pelas ações de Hilda da Silva e Ceçary Amazonas que estagiaram com Maurice Le
Lannou em Lyon no período de 60-61 e que indicaram as próximas candidatas Olga Buarque de
Lima e Elisa Maria Mendes de Almeida para o período 64-65. (informação verbal de Olga Maria B.
de Lima).

Alguns outros exemplos de pesquisadores do IBGE em universidades francesas foram o casal


Carlos de Castro Botelho e Maria Emília Botelho (Strasbourg 59-60), Edna Mascarenhas Sant`Ana
(Bordeaux 61-62), Gelson Rangel Lima (Bordeaux 61-62), Irene Garrido Filha (Caen 62-63), Linton
Ferreira de Barros ( Paris I 56-57).

Percebe-se que a universidade de Strasbourg foi um importante centro de treinamento de


pesquisadores do IBGE em virtude da liderança de Jean Tricart na Geomorfologia e de Etienne
Juillard na Humana. As lideranças de Le Lannou e Andrè Gilbert na universidade de Lyon
também garantiram a ida de muitos pesquisadores ibegeanos.

No contexto das universidades de língua inglesa, o primeiro geógrafo do IBGE no pós guerra, que
foi para uma universidade dos Estados Unidos por convite pessoal de um professor que tinha
vindo pesquisar no Brasil na década de 50, para tirar o doutorado foi Speridião Faissol, convidado
por Preston James da Universidade de Syracuse no Estado de New York em 1956. Ney Strauch
também foi para os Estados Unidos neste período, mas retornou antes.

Roberto Lobato Corrêa, Hilda da Silva e Olga Buarque de Lima foram geógrafos que estiveram nos
dois sistemas, na década de 60 no francês e na de 70 no americano ou britânico, Roberto
(Strasbourg 64-65 - especialização e Chicago 73-74 - mestrado), Hilda (Lyon 60-61 -
especialização e Chicago 73-75 – mestrado e parte do doutorado) e Olga (Lyon 64-65 -
especialização e Nottinghan na Inglaterra 73-74 - mestrado).

A influência das universidades de língua inglesa no IBGE ficou mais acentuada durante o período
dos métodos quantitativos ocorrido na década de 70 principalmente. Além dos três citados acima,
outros pesquisadores também se pós-graduaram em universidades americanas, Ieda Siqueira e
Maria Alice Lanari foram para Pen State onde se doutoraram. Evangelina Xavier G. de Oliveira e
Olga Schield Becker estudaram em Londres na London School of Economics. Mas, como se pode
perceber, não houve possibilidade de sequer se igualar ao volume de treinamento que foi
ministrado pelo sistema francês de pós-graduação.

Ao analisarmos a trajetória de aperfeiçoamento dos geógrafos, percebemos sem sombra de


dúvida, que a Geografia foi a área do IBGE que mais preparou seus pesquisadores. Portanto, é

280
possível entender as palavras de Isaac Kerstenetzky ditas para Eurico Borba logo nos primeiros
meses de sua gestão.

“...Eurico os únicos que tem formação acadêmica para conversar qualquer coisa séria no
IBGE são os geógrafos...” (depoimento de Eurico Borba à Roberto Schmidt de Almeida)
Mas, além de preparar seus servidores, a Geografia do IBGE também ajudou a disseminar pelo
Brasil seus métodos de pesquisa, suas descobertas sobre os processos físicos e sócio-
econômicos de estruturação do território. Este foi um processo que perdurou por aproximadamente
40 anos e foi responsável pela ampliação dos conhecimentos geográficos sobre o Brasil em
milhares de professores dos três níveis de ensino, fundamental, médio e superior. Esta nova saga
será contada no capitulo II.

281
Parte V
Capítulo II – O IBGE Como Disseminador da Geografia no Brasil

A primeira alusão sobre o que se tornaria mais tarde o grande processo de disseminação dos
conhecimentos manipulados pelos profissionais do IBGE, pode ser verificado na resolução n. 22
de 30/12/1936 da Assembléia Geral do Conselho Nacional de Estatística que estabelece o
incentivo aos órgãos do Instituto objetivando a propaganda para a criação em cada município, de
uma biblioteca, um museu e um arquivo.

Esse tipo de ação, partindo de um órgão que estava se estruturando fisicamente em todos os
municípios da federação, era claramente uma ação de conteúdo político inegável. Pois
consubstanciaria sua ação de capilaridade em todo, ou na maior parte do território nacional sob
dois aspectos: o primeiro pela captação direta no próprio município, das informações estatísticas
colhidas por um agente do governo federal, que prestava contas diretamente a Presidência da
República através de uma cadeia hierárquica que não passava necessariamente pelas lideranças
locais e estaduais . O segundo abordava o fluxo inverso, isto é, uma agencia do governo federal
ligada diretamente à Presidência da República poderia criar espaços de difusão das ações de
governo diretamente no núcleo espacial das ações políticas, o município. Novamente, nesses
casos, a intermediação das lideranças locais seria mínima, quando não fosse nula.

As justificativas eram perfeitamente embaladas num envoltório técnico-cultural, o conhecimento de


nossa realidade estatística e a disseminação desse conhecimento para a sociedade.

Paralelamente a essas ações de disseminação de conhecimento numa escala mais geral, o IBGE
empenhou-se também em atividades que visavam um público mais específico, os formadores de
opinião das gerações futuras, o corpo docente dos três níveis de ensino.

O processo inicia-se ainda na segunda metade da década de 30, com os cursos de informação
sobre a importância do censo ao corpo docente do ensino fundamental do Rio de Janeiro, como
preparativo para as operações censitárias de 1940. Cursos em que a participação do próprio
Teixeira de Freitas era fundamental para divulgação da campanha.

Em nível mais técnico, o IBGE também iniciou cursos orientados para clientelas mais
especializadas como especialistas de saúde, militares, administradores educacionais, profissionais
que geralmente tinham que operar com estatísticas em seus respectivos órgãos.

Algumas resoluções tomadas pelas instâncias deliberativas e executivas do órgão nos primeiros
anos de atividade mostram isso .

1938 04 13 - Resolução n. 04 do DC/CNG - Autoriza a Secretaria Geral a permitir o estágio em


seus serviços, mediante condições que estabelece.

1939 12 07 – Resolução n. 82 da JEC/CNE – Exprime solidariedade a uma iniciativa da


Associação Brasileira de Educação ( organização de cursos de férias aos
professores primários sobre aspectos estatísticos e geográficos do Brasil).

1940 02 16 - Resolução n. 86 da JEC/CNE - Delibera sobre o adiamento da Sessão Ordinária das


Assembléias dos Conselhos Nacionais de Geografia e de Estatística e sobre o
"Curso de Aperfeiçoamento" a cargo do Instituto.

1942 07 03 - Resolução n. 112 da AG/CNG - Organiza o Curso de Informações, anexo às sessões


da Assembléia.

1942 12 02 - Resolução n. 117 do DC/CNG - Determina a realização de reuniões de geógrafos e


professores de geografia.

282
1946 06 03 - Resolução n. 243 do DC/CNG - Institui o segundo Curso de Informação Geográfica,
destinado aos professores de geografia do ensino secundário.

1946 07 11 - Resolução n. 180 da AG/CNG - Organiza os Cursos de Férias destinados aos


professores de Geografia.

1946 07 12 - Resolução n. 183 da AG/CNG - Institui um Serviço de Excursões de Estudos,


destinado a facilitar o conhecimento das paisagens brasileiras pelos interessados.

1946 07 12 - Resolução n. 184 da AG/CNG - Promove a realização de cursos de Informação


Geográfica nas unidades da Federação.

1946 07 12 - Resolução n. 187 da AG/CNG - Sugere a criação da cadeira de Geografia Regional


nas Faculdades de Filosofia e renova a recomendação quanto à separação nessas
Faculdades dos cursos de Geografia e de História.

Em 1940, Gustavo Capanema, o poderoso ministro da Educação e Saúde do Governo Vargas,


organizou e presidiu a Primeira Conferência Nacional de Educação e a Primeira Conferência
Nacional de Saúde. No âmbito da Conferência Nacional de Educação, o IBGE produziu uma obra
em dois volumes, que tornou-se um marco no processo de difusão dos conhecimentos estatísticos,
geográficos e cartográficos para o mundo do ensino, institucionalmente falando. A obra chamava-
se O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Educação (Elucidário apresentado à
Primeira Conferência Nacional de Educação) e apresentava dois volumes. O primeiro consiste
numa série de artigos de intelectuais de primeira linha como Fernando de Azevedo, Alceu de
Amoroso Lima, Afrânio Peixoto, Alberto Torres, Pe. Leonel Franca, Francisco Campos, Anísio
Teixeira, Teixeira de Freitas, Carneiro Felipe, Delgado de Carvalho, Everardo Backheuser, Jorge
Zarur e outros. Além de textos especiais de Getúlio Vargas sobre educação, transcrição de um
parecer de Rui Barbosa sobre reforma do ensino fundamental na segunda metade do século XIX
(parte introdutória de um parecer da relatoria da comissão de instrução pública da Câmara dos
Deputados apresentado em 1882).

A estrutura da coletânea estava dividida em seis grupos de estudos: políticos e filosóficos,


administrativos, sociais, pedagógicos, técnicos e estatísticos.

O segundo volume apresentava o arcabouço jurídico-administrativo que o IBGE organizou desde


sua fundação até 1940 sobre questões relativas à educação. O volume estava organizado em 24
seções que cobriam questões como normalização das estatísticas educacionais, resoluções e
pareceres sobre ortografia, grafia da toponímia nos mapas, organização de cursos de férias,
ensino de Geografia, normalização de atividades didáticas, formação de quadros técnico-
profissionais, divulgação cultural, organização de bibliotecas, arquivos e museus, exposições e
outros. Foi sem dúvida, a melhor compilação das resoluções e pareceres dos órgãos deliberativos
e executivos do IBGE, enfocando as relações da casa com o sistema educacional brasileiro (IBGE,
1941).

Essa obra, assim como o livro de Fernando de Azevedo A Cultura brasileira (Azevedo, 1943) foram
marcos fundamentais na função disseminadora do IBGE quanto aos aspectos educacionais e
culturais que estivessem vinculados às funções técnicas de sua missão institucional.

No contexto do CNG as atuações de disseminação dos conhecimentos geográficos também se


davam por canais técnico-culturais como suas publicações periódicas: o Boletim Geográfico (BG) e
a Revista Brasileira de Geografia (RBG).

A primeira grande ação de interesse técnico que cobria, tanto os pesquisadores da casa, quanto o
público de fora, foi a instituição das Tertúlias, estabelecida pela resolução 117 de 02 de dezembro

283
de 1942 do diretório central do CNG, determinando a organização de reuniões técnicas entre
geógrafos do IBGE e professores de geografia.

O BG n. 2 do ano 1 de 05/1943 apresenta um texto de Everardo Backheuser na seção Comentário


do Mês sobre o processo de organização das Tertúlias Geográficas (Beckheuser, 1943). Nele o
autor levanta as origens dessas reuniões enfocando as atividades da Sociedade de Geografia do
Rio de Janeiro na década de 20 (Backheuser cita 1926) quando propôs que nas reuniões da
sociedade houvesse uma ..

.”...ordem do dia de ‘comunicações e debates’. Houve algumas tentativas de


comunicações geográficas, afogadas, porém, em abundante messe de outras
literárias ou sociais.... .... O debate ao tema proposto, que seria o interessante, isso
não ocorria nunca. Os corajosos comunicantes de legítima geografia (dois ou três!)
cansarm. Cansaram e debandaram.
As atuais Tertúlias nada tem, portanto, a ver com aquela nobre e dolorosa
experiência. São outra cousa. Tudo novo: o aspecto dos legionários, a indumentária
intelectual, as armas luzidias de operosidade múltiplice, a urdidura elegante na
realização...” (p. 6-7).

O termo tertúlia segundo o Dicionário Etmológico de Antônio Geraldo da Cunha, designa reunião
familiar, agrupamento de amigos, assembléia literária, sua origem em nossa língua vem do
Castelhano, mas suas origens são incertas... (Cunha, 1982).

As experiências de Backheuser nos dois períodos testemunham o grande salto de qualidade que a
Geografia no Rio de Janeiro deu com a institucionalização do CNG, juntamente com a criação dos
novos cursos formais de Geografia nas Faculdades de Filosofia. A figura de Francis Ruellan como
organizador intelectual dessas reuniões também foi registrada por Backheuser e sempre lembrada
por todos ao profissionais que conviveram naqueles tempos heróicos de implantação da pesquisa
geográfica sistemática no Brasil.

O ambiente das Tertúlias Geográficas foi a primeira grande arena de discussão técnica entre
profissionais, que podia ser assistido por qualquer interessado em Geografia. Portanto foi uma
ação bem clara de disseminação dos conhecimentos geográficos que ocorreu na década de 40.

Um outro tipo de ação, foram os cursos de informações geográficas que se instituíram desde a
década de 40 e que atingiram seu ápice nas décadas de 50/60, inclusive passando a ser objeto de
publicação sistematizada na década de 60 e início da década de 70.

A estrutura organizacional do CNG nas três primeiras décadas de sua existência primeiramente,
comportou um Serviço de Geografia e Estatística Fisiográfica, composto de quatro seções e uma
área específica denominada Carteira de Intercâmbio e Publicidade que cuidava das publicações. A
partir de agosto de 1943, dois cursos são organizados e os nomes de seus orientadores científicos
passaram a constar da contracapa do BG: Rudolf Langer como orientador do curso de Cartografia
e Francis Ruellan do de Geografia (BG, ano 1, n. 5 ago.1943). Posteriormente, a estrutura do CNG
passa a comportar divisões, com uma divisão de pesquisas, chamada Divisão de Geografia (DG) e
uma cultural, Divisão de Documentação de Divulgação (DDD) que era encarregada da
disseminação dos conhecimentos geográficos. Era responsabilidade dessa divisão a organização
dos cursos de informações, voltados para o aperfeiçoamento do corpo docente de Geografia.

Atividades como organização de concursos de monografias foram também levadas a efeito pelo
CNG como estratégia de disseminação da Geografia. O concurso de monografias de Aspectos
Municipais de 1942 foi uma dessas atividades. Seus resultados foram matéria de publicação na
seção Noticiário do BG ano 1, n.1 de abril de 1943 nas páginas 81-83. O primeiro prêmio coube a
Víctor Antônio Peluso Júnior, de Santa Catarina com a monografia Lages, a Rainha da Serra.
Peluso trabalhou na Campanha de Coordenadas Geográficas do CNG entre 1939 a 1946, por ter
sido formado como Engenheiro-Geógrafo pelo Instituto Politécno de Santa Catarina em

284
Florianópolis no ano de 1928. (GeoSul, 1991-1992, Entrevista com Victor Antônio Peluso Jr. p. 7-
22).

No que diz respeito aos cursos de aperfeiçoamento realizados pelo CNG, um outro testemunho foi
dado por Milton Santos, em seu depoimento para a revista GeoSul números 12/13 de 1991/1992.
Quando perguntado sobre seus primeiros contatos com a AGB, Milton explicou que...

“...o meu primeiro contato com a AGB, na verdade, é resultante do fato de que em
Ilhéus enquanto eu ensinava também advogava um pouco... ...eu ganhava algum
dinheiro que me permitia ir para o Rio de Janeiro todas as férias, o que, aliás, era um
hábito do pessoal do cacau já que Salvador não tinha tanta importância. Eu
freqüentava sistematicamente aqueles cursos de especialização do Conselho
Nacional de Geografia. Em muitos verões freqüentei aquelas aulas e foi ali que
conheci a AGB...” (GeoSul, 1991-1992, Entrevista com Milton Santos. p.185-186).

Em seu depoimento para esta pesquisa, Milton corrobora esse fato de ter ampliado seus
conhecimentos de Geografia através dos cursos de férias que o CNG organizava...

[Milton Santos]“ Como você sabe, eu sempre fui autodidata, universitário, Faculdade
de Direito da Bahia, Jornalista, Professor de Geografia... e acaba por ser uma arma
da adaptação as novidades do mundo... sou autodidata... nesse sentido é que o
IBGE aparece na minha vida... o IBGE surgindo para mim quando da necessidade
que eu senti... num dado momento de melhorar a minha formação geográfica... e,
claramente, foi uma instituição que considerei fundamental para minha formação...
primeiro porque organizava aqueles famosos cursos de férias. Esses cursos de
férias onde, trabalhando com colegas experientes...você realmente praticava
Geografia... era possível realizar aqueles trabalhos de geografia. Além disso, havia a
RBG, uma revista muito mais empírica na sua contribuição... e o Boletim Geográfico...
trazendo para o Brasil em português, trabalhos muito importantes para a
Geografia...feitos por geógrafos do exterior...”

[RSA] - Fazendo das traduções fundamentais da época...

[Milton Santos] “ Foi uma época extraordinária e ainda hoje, cada coleção do BG é
inestimável... O IBGE conseguiu ser uma casa aberta... e seus artigos e traduções
não eram exclusivas de um país, ainda que a França tivesse uma certa prioridade...”

[RSA]- A famosa hegemonia francesa da época...

[Milton Santos] “Sim... mas havia artigos de Pierre Deansereau, canadense, artigos
de autores americanos, poloneses, ingleses, alemães, eu creio que essa relação com
o IBGE ela se fortalece... No meu caso, se dá num tempo onde havia lazer para
cultivar relações pessoais e dessa maneira, vindo de Ilhéus... onde era Professor
Secundário para o Rio de Janeiro... isso me permitia que, além do contato formal da
sala de aula... houvesse contatos pessoais, sociais, intelectuais, e se tornava em
muitos casos relações de amizades que eram fortalecidas também pela AGB, porque
eu vi que nessa fase não se pode separar...IBGE e AGB...”
(depoimento de Milton Santos a Roberto Schmidt de Almeida).

A importância dos cursos do IBGE ministrados nos dois períodos de férias escolares (julho e
janeiro) ficou tão forte, que a casa decidiu estabelece-los em caráter permanente e publica-los na
década de 60. A resolução 606 de 20/06/1961 do Diretório Central do CNG definiu as normas para
essa atividade.

A extensa listagem dessa bibliografia pode ser pesquisada no volume Publicações Editadas Pelo
IBGE v. 2 monografias (IBGE, 1988) ou nos sistemas de recuperação das bibliotecas do IBGE:

285
internamente pelos sistemas Micro Isis e Orto Docs e na Internet, na página do IBGE, no menu de
opções Biblioteca (um hiperlink que abre as opções de acesso aos bancos de dados do acervo
bibliográfico do IBGE).

Para fins de exemplo, serão analisados alguns exemplares desses cursos que alcançavam os três
níveis de ensino da época: ensino secundário, ou antigo ginásio (atual 5a a 8a série), o ensino
médio (atual 2o grau) e o nível superior.

- Curso de Informações Geográficas de julho de 1961 para professores do ensino secundário.


De acordo com o regimento publicado nas páginas 5-6, o curso era dado preferencialmente para
professores residentes no Estado da Guanabara e nos municípios fluminenses, cabendo as vagas
excedentes aos candidatos dos demais estados ou territórios, mesmo assim sem direito a bolsas
de estudo e à excursão.

O curso constava de 16 aulas ministradas entre 21 e 26 de julho. A aula de apresentação foi


ministrada por Orlando Valverde, diretor da Divisão Cultural e o programa estava assim dividido:

1- Didática da Geografia (4aulas) Prof. Maurício Silva Santos


2- Geografia Física (3 aulas) Prof. Alfredo José Porto Domingues
3- Geografia Humana (4 aulas)
População (2 aulas) Prof. Aluízio Capdeville Duarte
Cidades (2 aulas) Profa. Lysia Bernardes
4- Geografia Econômica (5 aulas)
Geografia Agrária (3 aulas) Prof. Orlando Valverde
Geografia das Indústrias (2 aulas) Prof. Pedro Geiger

Como complemento às aulas foi realizada uma conferência do Prof. Dárdano de Andrade Lima
sobre Vegetação do Nordeste.

Foram ainda realizadas visitas técnicas ao Museu da Divisão Cultural e à exposição dos trabalhos
feitos pela Divisão de Geografia para a Reunião Pan-Americana de Geografia que seria realizada
em Buenos Aires em agosto.
Dos 50 alunos inscritos, 32 eram da cidade do Rio de Janeiro, 5 e cidades do Estado do Rio, 9 de
Minas Gerais, 3 de São Paulo e 1 da Bahia.
Dos cariocas, 9 tornaram-se pesquisadores do IBGE, ingressando na casa na década de 60.
Edmon Nimer, Edna Mascarenhas (Sant’Ana ), Elisabeth Fortunata Gentile, Maria Elisabeth Correa
de Sá (Távora Maia), Maria Luiza Braga Behrensdorf, Miguel Guimarães de Bulhões, Maria
Therezinha Alves Alonso, Ney Julião Barroso e Olga Maria Buarque de Lima.

- Curso de Férias para Aperfeiçoamento de Professores de Geografia do Ensino Médio de Janeiro


/ Fevereiro de 1965

A súmula das 29 aulas e seus respectivos professores estava assim descrita:


- O Brasil Físico - Prof. Orlando Valverde
- Os solos e a Reforma Agrária - Profs. Valdemar Mendes e Jakob Bennema
- O Brasil Político-Exploração e Conquista - Prof. Artur César Ferreira Reis
- Brasil Social - Prof. José Artur Rios
- Brasil Humano – Prof. Artur Hell Neiva
- Brasil Humano-Alimentação - Prof. Manuel de Souza Barros

286
- Brasil Econômico-Agricultura - Prof. Tiago da Cunha
- Os Problemas da Agricultura Brasileira - Prof. Aluízio Capdeville Duarte
- Tipos de Propriedades Rurais no Brasil - Prof. José Artur Rios
- Brasil Econômico-Pecuária - Prof. Hugo Mascarenhas
- Brasil Econômoico-Indústria - Prof. José Gonçalves Carneiro
- Brasil Econômico-Extrativismo Vegetal - Prof. Lúcio de Castro Soares
- Extrativismo Mineral - Prof. Glycon de Paiva
- Recursos naturais Básicos – Prof. Sylvio Fróes de Abreu
- Recursos Naturais-Conservação dos Solos - Prof. Antônio Teixeira Guerra
- Recursos Naturais do Brasil-Sua Utilização - Prof. Sylvio Fróes de Abreu
- Recursos Naturais do Brasil-Conservação - Profa. Catarina Vergolino Dias
- Relevo da Guanabara - Prof. Antônio Teixeira Guerra
- Geografia do Estado da Guanabara - Profs. Antônio Teixeira Guerra e Pedro Geiger
- Uso do Atlas-Considerações Gerais - Prof. Antônio Teixeira Guerra
- Utilização do Atlas Geográfico Escolar - Prof. José César de Magalhães
- Leitura de Cartas Físicas - Prof. Alfredo José Porto Domingues
- Organização e Leitura de Cartas de Geografia Humana - Prof. José César de Magalhães
- Leitura de Cartas Econômicas - Prof. Pedro Geiger
- Perfis e Blocos Diagramas - Profs. Antônio Teixeira Guerra e Alfredo José Porto Domingues
- Projeção de Filmes Geográficos - Profa. Catarina Vergolino Dias
- Projeção de Diapositivos Didáticos - Profa. Catarina Vergolino Dias
- Utilização de Fotos Aéreas na Geografia - Prof. Carlos de Castro Botelho
- Didática especial de Geografia - Prof. Maurício Silva Santos

A publicação além de apresentar os textos integrais de todas as aulas apresenta também as


provas aplicadas, os currículos dos professores com seus respectivos endereços residenciais para
uma posterior troca de correspondência.
Lista também todos os alunos por estado e cidade, apresentando um relatório de aproveitamento
com suas respectivas notas, além de aspectos administrativos e legais como resoluções do
Diretório Central do CNG sobre a atividade, inclusive com a prestação de contas, distribuição de
publicações e agradecimentos aos outros órgãos que colaboraram.

- Curso de Geografia Para Professores do Ensino Superior de julho de 1967.


A estruturação deste curso neste período acompanhava o esquema francês de organização do
aprendizado de Geografia, com um bloco inicial de Geografia Física, um intermediário enfocando
as regiões brasileiras e um final que mesclava atividades cartográficas com pesquisas econômicas
e físicas.
Sua súmula de aulas estava assim organizada:

Geografia Física
- As Novas Classificações Bioclimáticas e suas Aplicações no Brasil - Prof. Edmon Nimer
- Movimentos de Massa - Prof. Jorge Xavier da Silva
- Erosão Acelerada e Movimento nas Encostas - Prof. Gelson Rangel Lima

287
Geografia Regional
- Amazônia - Prof. Speridião Faissol
- Nordeste - Prof. Alfredo José Porto Domingues
- Sudeste - Prof. Pedro Pinchas Geiger
- Centro Oeste - Prof. Carlos de Castro Botelho
- Sul - Prof. Nilo Bernardes

Geografia e Planejamento
- As Pesquisas Aplicadas de Geografia nos Problemas Rurais e Urbanos - Profa. Hilda da Silva
- Utilização da Geografia Física no Planejamento - Profa. Amélia Alba Nogueira Moreira
-
Cartografia
- Os Estudos Regionais Geográficos e a Cartografia - Prof. Rodolfo Pinto Barbosa
- O Método Cartográfico - Prof. Rodolfo Pinto Barbosa

Trabalhos Práticos
- Elementos de um Mapa - Prof. Ary de Almeida
- Interpretação de Aspectos Físicos do Mapa - Prof.Antônio Teixeira Guerra

No mesmo modelo dos anteriores, a publicação detalha todas as aulas, os professores, os alunos,
as provas, o aproveitamento discente e os aspectos legais e administrativos do curso.

- Curso de Geografia Para Professores do Ensino Superior de Janeiro de 1970

Este curso apresenta a transição que começa a existir entre a Geografia francesa clássica
representada pela Fisica, a também francesa Geografia de redes urbanas introduzida por Michel
Rochefort e a ainda incipiente Geografia Quantitativa representada nas duas primeiras
conferências de Pedro Geiger e Speridião Faissol.

Sua estruturação estava assim organizada:

Conferências

Modelo da Estrutura Espacial do Brasil


Pedro Geiger
Métodos Quantitativos na Geografia
Speridião Faissol
A Geografia na Nova Universidade
Nilo Bernardes

Relações Geografia Cartografia

Carlos de Castro Botelho


Leitura e Interpretação de Cartas
Amélia Alba Nogueira
Interpretação de Cartas
Elza Coelho de Souza Keller

Geografia Física

Estrutura Geral do Globo


Gelson Rangel de Lima e Alfredo José Porto Domingues
Novos Conceitos e Perspectivas na Climatologia
Edmon Nimer
Novos Conceitos na Vegetação do Nordeste e da Região Norte

288
Miguel Guimarães de Bulhões
Bases Ecológicas do Conservacionismo no Brasil
Alceu Magnanini

Geografia Humana

Regionalização
Lysia Maria Cavalcanti Bernardes
Redes Urbanas
Lysia Maria Cavalcanti Bernardes
Base econômica das Cidades
Elza Coelho de Souza Keller
As Relações Cidade-Campo
Hilda da Silva
O Poder Dinamizador da Função Industrial
Olga Maria Buarque de Lima
Áreas Metropolitanas do Brasil
Elisa Maria Mendes de Almeida

Anexos

Algumas considerações a respeito da bibliografia sobre Biogeografia


Edgar Kuhlmann
Bibliografia sobre Climatologia
Lucy Pinto Galego
Bibliografia sobre Geografia da População
Elza Coelho de Souza Keller
Sugestão para um programa de Geografia da População
Elza Coelho de Souza Keller
Questionário para uma pesquisa sobre população
Aluízio Capdeville Duarte

Numa primeira análise, de caráter geral, sobre esses exemplos é possível observar a altíssima
qualidade que se revestiam esses cursos, tanto pelos seus professores, considerados os melhores
do Brasil, quanto por sua organização didática e administrativa, aliado ao grande poder financeiro
e político do IBGE que podia organizar uma logística de excursões de vários dias, convocar outras
organizações públicas e privadas a prestar colaborações materiais e financeira e, além disso,
editar volumes tão detalhados, tanto em termos de aulas, o que pressupunha uma grande prática
de redação de seus professores, quanto em termos de organização administrativa, pois envolvia
várias áreas do IBGE nesse campo.

Uma outra questão, era a transparência dos cursos onde o aproveitamento dos alunos era exposto
aos pares, que podiam mais tarde, analisar a possibilidade de contratação ou convites para
atividades profissionais aos melhores alunos.

É possível verificar que alguns dos melhores professores do sistema de ensino superior carioca
foram bons alunos desses cursos, além de professores que vinham de outros estados e que
também se tornaram profissionais de renome.

Um outro ponto importante está vinculado às ligações do IBGE ao sistema de ensino de Geografia
no Rio de Janeiro, principalmente nos níveis médio e superior, onde profissionais de ensino de
Geografia como Maurício Silva Santos e Clóvis Dottori eram regularmente convidados para

289
exercerem as atividades didáticas desses cursos. O que garantiam um alto nível de qualidade nos
trabalhos práticos e no planejamento das futuras aulas desses alunos.

A composição do corpo docente do curso de aperfeiçoamento de professores do ensino médio de


1965 (ministrado em jan./fev de 1964) é simplesmente fantástica, pois estão ali os melhores
mestres da época como Artur Rios, Glycon de Paiva, Roberto Accioli, Artur Neiva, Fernando
Segadas Vianna, Hugo Mascarenhas, Artur César Ferreira Reis, lado a lado com pesquisadores
altamente experientes como Orlando Valverde, Speridião Faissol, Alfredo Porto Domingues, Lúcio
de Castro Soares, Pedro Geiger e dos expoentes da nova geração da época, Catarina Dias,
Carlos Botelho, José César Magalhães Filho e Aluízio Capdeville Duarte.

Na estruturação do curso para professores do ensino superior de 1970, também é clara a


preocupação de mesclar com os melhores profissionais da época, a apresentação da variedade de
enfoques que a Geografia estava exposta naqueles tempos de transição.

Infelizmente, essas atividades tão importantes para a disseminação da Geografia do IBGE na


sociedade, foram melancolicamente abandonadas no final da década de 70 e nem Eurico Borba,
um dos mais importantes personagens da alta direção do IBGE do tempo de Isaac Kerstenetzky,
ambos professores do ensino universitário, se lembra de ter dado fim a essas atividades...

[RSA] - Existe um ponto interessante, que sempre é colocado contra Isaac e Eurico, o
término do Boletim Geográfico e o término do IBGE sendo um curso formador de
professores, de professores de primeiro e segundo graus e de professores
universitários que tinham cursos específicos numa área que chamava de divisão
cultural, eu não sei se você lembra disso... e o IBGE nesse período terminou com
essas duas atividades, uma foi o Boletim Geográfico... que era uma revista paralela a
Revista Brasileira de Geografia... e o outro era esses famosos cursos de formação de
professores...

[Eurico] “ Curso de formação de professores eu nem, me lembro não tenho a menor


idéia..”

[RSA] - Você não se lembra como ele acabou ? ...

[Eurico] “ Não, não me lembro nem do tema de ele ter existido. O Boletim Geográfico
eu me lembro.. mas posso estar errado... mas o primeiro repique que me dá na
memória é que Miguel Alves de Lima e Faissol juntos... é que sugeriram ao Isaac o
término da revista... que não tinha mais sentido... e que era melhor fortalecer a
Revista Brasileira de Geografia, eu acho que o único que se opôs a isso foi o chefe
de gabinete do Miguel... o Lúcio de Castro Soares... mas o outro aspecto eu não me
lembro...
(depoimento de Eurico Borba a Roberto Schmidt de Almeida).

A sexta e última parte trata do período crítico por que passou a Geografia do IBGE no início dos
anos 90, com a perda de uma grande parte seu maior patrimônio... seus pesquisadores...

O capítulo I mostra o quadro de transição nas pesquisas e na composição de seu pessoal técnico.
O capítulo II apresenta algumas opções na agenda de trabalho da Geografia e analisa o futuro do
órgão no contexto de uma agência executiva orientada por contratos de gestão.

290
Parte VI - Apogeu, Crise e Futuro da Geografia Ibegeana nos 90

Introdução

Crise do Serviço Público ou Crise da Geografia ? A Grande Diáspora de 1991

A discussão que perpassou toda a década de 90, nos foros sobre Pensamento Geográfico
Brasileiro ou nas rodas sociais dos profissionais do planejamento, onde misturam-se geógrafos,
sociólogos, arquitetos urbanistas, economistas, estatísticos, historiadores e cientistas políticos,
referenciava-se a uma questão... A sucessão de acontecimentos que ocorreram no IBGE a partir
do ano de 1991. Foi uma crise do serviço público ou foi uma crise da Geografia?

As respostas para essas questões não são simples, pois envolvem problemas específicos,
relacionados com a atuação da Geografia de Planejamento de Governo no contexto da esfera
federal no final dos anos 80 e início dos 90. Envolvem também querelas metodológicas,
misturadas com problemas de subida ou descida de status entre as lideranças da Geografia
Humana e Física, perante os demandantes de projetos da época ( Secretaria de Assuntos
Estratégicos e Ministério do Meio Ambiente, por exemplo).

Além disso, é possível somar algumas antigas querelas ideológicas sobre o papel do Estado no
planejamento, que acabavam por gerar mais confusão do que soluções, pois se o IBGE, como
órgão sempre ligado à esfera de planejamento em escala ampla, tendo ficado sob a tutela direta
da Presidência da República desde os anos 30 até 1967 quando, tendo se transformado em
Fundação, passou para a esfera do Ministério do Planejamento, sempre esteve sob as
determinações governamentais de âmbito federal, tanto nos períodos de regime discricionário,
quanto nos períodos mais livres.

Portanto, imaginar grandes mudanças na postura dos tecno-burocratas do governo federal, que
sempre foram acostumados a conhecer com antecedência, uma ampla gama de problemas, que
sequer estão no menu de preocupações do cidadão comum, e que sempre se sentiram guardiões
de determinados conhecimentos e técnicas, é imaginar o improvável. O exemplo da determinação
da malha municipal é bem esclarecedor. A decisão de dar autonomia a um distrito, elevando-o à
município, reestruturando a malha territorial do país, era anteriormente, um processo técnico, do
qual o IBGE era o principal agente organizador, representando o poder executivo federal, definindo
o ritmo da fragmentação da malha territorial do país. Após a Constituição de 1988, o órgão passa a
ser apenas um observador aflito do processo descontrolado de repartição territorial, que agora foi
transferido para as esferas legislativas estaduais e municipais.

Aflito, porque ainda cabe ao IBGE, informar oficialmente a população residente de cada município,
para fins de recebimento dos recursos financeiros do Fundo de Participação dos Municípios que o
governo federal distribui. O processo de criação de novos municípios, que antes podia ser
planejado com antecedência pelos técnicos do IBGE, evitando-se desmembramentos em períodos
próximos das campanhas censitárias, agora exige do IBGE uma agilidade incrível, além da criação
de barreiras técnicas contra operações de suborno aos responsáveis das agências e escritórios
estaduais, sempre sujeitos à fortes pressões políticas para aumentar o quantitativo das populações
de certos municípios.

Poderíamos descrever muitos outros problemas resultantes das modificações que ocorreram no
papel do governo federal, principalmente os vividos pelos funcionários mais antigos que
trabalharam sobre vários conjuntos de “tipos de governo”, o ciclo ditatorial de Vargas, o
“politicamente mineiro” de Juscelino, o longo ciclo ditatorial dos militares, o indeciso ciclo da Nova
República e o enlouquecido período Collor/Itamar.

Foi, principalmente, sob o duplo governo Collor/Itamar que a crise conhecida como a Grande
Diáspora Ibegeana aconteceu. Primeiramente, através de um “canto de sereia” conhecido como o
retorno dos contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que no

291
IBGE, vigoravam desde o inicio da década de 70, para o Regime Jurídico Único (RJU) em 1990.
Em seguida, por um “pirotécnico” processo de disponibilidade de servidores, que somente serviu
para acirrar os ânimos entre servidores e chefias, pois todos os colocados em disponibilidade
voltaram aos seus postos... (aliás, as chefias que sensatamente resolveram cumprir corretamente
as regras da disponibilidade, e que no final sofreram o constrangimento do retorno de funcionários
que, na maioria dos casos, eram merecedores do afastamento).

Finalmente, em virtude da clara desagregação administrativa do governo Collor, ampliada por


insistentes boatos sobre nova legislação de tempo de serviço e aposentadoria, principalmente no
que dizia respeito às remunerações futuras dos aposentados... a crise precipitou-se. Entre
dezembro de 1990 e outubro de 1991, houve uma verdadeira drenagem de funcionários do IBGE,
com 1069 aposentadorias, sendo 329 profissionais de curso superior e destes 45 eram geógrafos.
Se levarmos em consideração que as áreas onde esses profissionais trabalhavam (Departamento
de Geografia e Departamento de Recursos Naturais) apresentavam na época uma lotação de
aproximadamente 115 geógrafos, é possível perceber a dimensão do estrago.

E ainda estamos falando em termos numéricos somente, pois se levarmos em conta, que desses
45 geógrafos, uns 20 poderiam ser considerados como os mais produtivos em suas
especialidades, sendo que alguns deles ocupavam cargos de gerência de projetos ou posições de
direção na ocasião. O que, claramente, tornou muito mais grave o processo.

No caso específico do Departamento de Geografia, o problema ainda apresentava agravante, em


virtude de uma transferência de localização. O DEGEO havia sido transferido da Av. Franklin
Roosevelt no centro da cidade, para as instalações de Parada de Lucas, no subúrbio da Linha da
Leopoldina, distante 20 km do centro pela congestionada Av. Brasil. A transferência havia ocorrido
no final de 1988 e uma boa parte dos geógrafos não se conformavam com a nova situação. Por
isso, é possível conjeturar que alguns dos precocemente aposentados de 1991, tenham tomado a
decisão premidos pela situação de localização, ou tendo colocado a questão como mais uma
variável de decisão na escolha da aposentadoria em 1991.

O fato resultante desses inúmeros mecanismos, foi um forte desalento profissional que se
configurou no final de 1990 e que se materializou em 1991 em diante com as maciças levas de
solicitação de aposentadorias.

Além disso, é importante considerar que, em função da crise do Serviço Público brasileiro, não
houve um processo de renovação dos quadros técnicos nas agências de grande porte, como no
caso do IBGE.

Até 1998, apenas um concurso público foi organizado para preenchimento de vagas de Geografia.
Foram abertas 4 vagas, das quais apenas duas foram devidamente ocupadas, pois os dois outros
aprovados desistiram do cargo por questões salariais.

As formas de solução encontradas pelo IBGE para contornar essa grave crise, passaram
necessariamente pela incorporação de tecnologia, que pode garantir uma boa produção, apesar
do reduzido número de técnicos. A agregação sistemática de programas de mapeamento
automático, bancos de dados geo-referenciados, pacotes de programas estatísticos, editores de
textos e organizadores de planilhas de cálculo , além de programas de desenho e de tratamento
de imagens, aumentaram enormemente a produtividade do corpo técnico da casa em geral e dos
geógrafos em particular.

O exemplo mais recente desse aumento de produtividade pode ser conferido pelo projeto Atlas
Nacional do Brasil, organizado no conjunto DEGEO/DERNA durante um ano e seis meses,
constando de 134 pranchas, 13 corpos de texto e envolvendo aproximadamente 20 profissionais
de vários departamentos da DGC.

292
Todo o processo de composição e mapeamento foi organizado em estações de trabalho ligadas
em sistemas de rede, suportadas por servidores de grande capacidade de armazenamento e de
transmissão de dados. A impressão final também está vinculada a um moderno sistema gráfico do
CDDI, que imprimirá as folhas dos mapas num procedimento automático, já montando o volume
em quantidades definidas pela tiragem estipulada anteriormente, mas podendo aumenta-la ou
reduzi-la conforme a conveniência.

Todo este aparato tecnológico chegou ao IBGE na segunda metade dos anos 90 e já ajudou a
casa a respirar mais aliviada no que se refere ao futuro de seu corpo técnico, pois os que ficaram
incorporaram rápida e eficientemente essas novidades, não mais encaradas como maldição...
como nos tempos dos métodos quantitativos da década de 70... mas como ferramentas de
produtividade, que estão ajudando a implementar o Plano Geral de Informações Estatísticas e
Geográficas (PGIEG) de 1992.

Tais modificações podem ser percebidas no Relatório Anual do IBGE de 1995 nas palavras do
presidente Simon Schwartzman no texto de apresentação O Espelho do Brasil e no contexto da
Diretoria de Geociências, através do Relatório de Atividades 1997 e Plano de Trabalho para 1998
do Departamento de Documentação e Informação (DEPIN) que acompanha toda a produção dos
departamentos vinculados à DGC.

Em ambas as publicações, a preocupação com a implantação de equipamentos e tecnologias que


venham a aumentar a produção, contando com um número cada vez menor de pesquisadores é a
tônica.

A questão do quantitativo de profissionais vinculados aos trabalhos da Diretoria de Geociências


pode ser também verificada nas tabelas preparadas pela assessoria técnica da DGC em 1998
(anexos: quadros e tabelas – Lotação de pessoal 97-98), para subsidiar um planejamento de
preenchimento de novas vagas para a diretoria nos próximos anos∗.

O capítulo I descreverá um pouco do processo de transição por que passou a Geografia do IBGE
nos anos 90, tanto no contexto de suas atribuições institucionais (regionalização por exemplo),
quanto no campo de integração com os demais vetores do conhecimento que envolvem as
Geociências.

O capítulo II conjeturará sobre os prós e contras que acompanham o projeto estratégico de


transformação do IBGE numa agência executiva gerida por um sistema de contratos de gestão.
Enfatizando a área onde a Geografia se inserirá.


A informação que corre, ainda sem confirmação oficial, especula que mais de 200 vagas serão
abertas por concurso público, entre 2000 e 2001 para o IBGE. É possível que algo entre 15 e 20
geógrafos possam ser contratados.

293
Parte VI
Capítulo I - O Quadro de Transição da Geografia do IBGE nos anos 90

Apesar dos problemas ocorridos nos primeiros anos da década de 90, impactando fortemente seu
quadro de pesquisadores, a Geografia do IBGE mostrou-se, dentro das limitações impostas pela
conjuntura, capaz de navegar nesse ambiente conturbado, estruturando um quadro de transição,
que apontou positivamente para trabalhos que garantiram a continuidade de sua missão
institucional.

A questão da incorporação de novas tecnologias de mapeamento e do aprendizado na utilização


de programas de Sistema de Informações Geográficas pode ser percebida por duas importantes
variantes. A primeira externa, conduzida através de um convênio com a Maison de Geographie de
Montpellier e conduzida sob o apoio técnico de Philippe Waniez e Hervé Théry, que introduziram a
cultura da plataforma Aplle em computação gráfica para mapeamento e tratamento de imagem. A
segunda, conduzida internamente tanto pela Diretoria de Informática, quanto pela Diretoria de
Geociências (DGC) na utilização de programas gráficos no ambiente Windows em máquinas PC.
Além disso, o esforço na digitalização das malhas territoriais em sistemas cartográficos de
precisão levado a cabo pela DGC, somado aos esforços de utilização dos novos programas de
computação gráfica adquiridos pelo IBGE nos anos 90, além da incorporação de redes de
teleprocessamento mais eficientes, geraram um caldo de cultura altamente positivo ao
desenvolvimento dos projetos de Geografia, compensando a redução de pessoal.

O exemplo mais marcante aconteceu no campo dos estudos de regionalização, onde o projeto de
Regiões de Influência de Cidades (REGIC), que por sua complexidade técnica e tamanho,
envolvendo várias diretorias, foi terminado, apesar do afastamento precoce, por aposentadoria, de
sua coordenadora em 1997. A coordenação foi assumida por Luiz Alberto dos Reis Gonçalves, um
dublê de cartógrafo e geógrafo, que encerrou os trabalhos em 1998. É fundamental registrar
também o empenho da analista de sistemas da Diretoria de Informática Viviane Narducci Ferraz no
projeto de elaboração da arquitetura do banco de dados e no apoio computacional para os testes
de mapeamento de fluxos entre os centros urbanos.

Geógrafos como Maria Monica Vieira Caetano O’Neill, Rogério Botelho de Mattos e Cléber de
Azevedo Fernandes deram também uma importante contribuição nas questões operacionais
ligadas à computação gráfica que envolveram as fases finais do projeto.

A participação de geógrafos como Miguel Angelo Campos Ribeiro e o próprio Rogério Botelho de
Mattos, que utilizaram em suas teses o material do REGIC, serviram fundamentalmente para testar
na prática a qualidade dos dados do projeto.

Um outro ponto importante vincula-se aos estudos de revisão das regiões homogêneas (que
atualmente são chamadas de regiões geográficas) iniciado por Maria Luiza Castelo Branco ao
assumir a chefia do DEGEO em 1999. Reatando os laços de pesquisa com a universidade, através
da consultoria de Lia Osório Machado da UFRJ.

No campo dos diagnósticos integrados, o trabalho coordenado por Teresa Cony Aguiar juntamente
com a equipe da Divisão Regional Sul, lotada em Santa Catarina, apresentou uma nova
abordagem ao estudos de gerenciamento costeiro, incorporando variáveis sociais e econômicas
ligadas ao território, que influenciam as atividades e meio ambiente da linha costeira e da porção
marítima junto a costa.

Estudos de avaliação do sistema urbano em cooperação com equipes do IPEA de Brasília também
foram levados a efeito ainda na gestão de César Ajara e continuados na de Maria Luiza.

Finalmente, o grande esforço do Atlas Nacional do Brasil, organizado em tempo recorde sob a
gerência de Adma Haman de Figueiredo, em conjunto com equipes do Departamento de Recursos

294
Naturais, podem exemplificar o esforço de um reduzido grupo de profissionais da Geografia que
não se deixou abater pelos reveses que ocorreram no início da década.

295
Parte VI
Capítulo II - O Futuro da Geografia no IBGE no Contexto de Uma Agência Executiva com um
Contrato de Gestão

Este capítulo final navegará nas águas traiçoeiras da especulação, pois o contexto que
ambientaria o IBGE como uma agência executiva do governo federal gerida por um sistema de
contratos de gestão, ainda apresenta-se em estágio embrionário.

A palavra “embrionário” é importante no contexto e não deve ser confundida com “utópico”, como
alguns imaginam. O processo futuro de operação do IBGE como uma agência executiva não tem
nada de utópico, muito pelo contrário, é o enquadramento ideal para as atividades de uma
organização do tipo do IBGE se encaixaria num contexto de serviço público brasileiro no início do
século XXI.

Sendo o IBGE uma agência altamente heterogênea em suas funções nos campos das
Geociências, da Estatística e da Economia, a utilização de contratos de gestão para segmentos
específicos de suas atividades seria altamente produtivo no que diz respeito a prazos e tipos de
produtos ou serviços particulares em áreas tão diferenciadas em seus métodos de trabalho.

Tais contratos reduziriam os constrangimentos de certas áreas viverem de verbas das campanhas
censitárias, onde os gestores se obrigam a estruturar gastos não vinculados com suas atividades,
para cobrir custos de áreas que não são contempladas com verbas suficientes. Os contratos de
gestão poderiam perfeitamente, garantir um fluxo de verbas que ficaria unicamente sob
responsabilidade da área que o solicitou, obrigando-a ao cumprimento do contrato com o nível de
qualidade necessário, acabando com um ambiente de despreocupação gerencial quanto ao final
dos projetos, pois se a verba veio de outra área, nebulosamente oculta em firulas contábeis, acaba
se materializando a frase popular “Filho feio não tem pai” gerando toda sorte de abandonos em
projetos muitas vezes custosos, que nascem e desaparecem melancolicamente, sem que haja
responsáveis.

Na publicação IBGE e o Projeto Agência Executiva: documentos técnico-setoriais para o


planejamento estratégico (IBGE, 1999) o texto de apresentação faz um breve retrospecto do
processo desencadeador da criação de uma agencia executiva.

“O primeiro passo formal no sentido da transformação do IBGE em Agência Executiva


foi dado internamente com a criação da Comissão de Reforma Institucional –CRI,
em maio de 1998, sendo esta formada pelos Diretores-Adjuntos, por um Secretário-
Executivo , e por técnicos das diferentes áreas técnicas e administrativas, pessoal e
individualmente convidados a participar. Sua missão precípua foi preparar o Plano de
Ação que deveria integrar o Protocolo de Intenções a ser firmado com o Ministério
do Planejamento e Coordenação- MPO, à época seu Ministério Supervisor. O referido
Plano de Ação foi elaborado ao longo dos meses de junho e julho, tendo passado,
em função das discussões internas, por diferentes versões, fixando-se finalmente na
versão que foi tornada oficial quando da assinatura do Protocolo de Intenções. Trata-
se de um Plano de Ação em formato algo diferente do que vinha sendo formal e
genericamente sugerido pelo Ministério da administração Federal e Reforma do
Estado- MARE, tendo em vista particularidades do IBGE; este tipo de adaptação teve
a natural aceitação dos gestores do Projeto Agências Executivas, junto à Secretaria
de Reforma do Estado, deste Ministério.”

A publicação descreve quatro macroprocessos que fazem parte da missão institucional do IBGE,
sendo que três deles enfatizam as áreas finalistas de suas atividades. Produção e análise das
informações estatísticas e coordenação/consolidação das informações estatísticas (Diretoria de
Pesquisas-DPE); Produção e análise das informações geográficas e coordenação/consolidação
das informações geográficas (Diretoria de Geociências-DGC); Documentação e disseminação de
informações (Centro de Documentação e Disseminação de Informações-CDDI).

296
O quarto enfocou uma área comum entre as Geociências e as Estatísticas com o macroprocesso
Estruturação e implantação de um sistema de informações ambientais (Diretoria de Pesquisas-
DPE e Diretoria de Geociências-DGC). Esse macroprocesso é o que mais se anuncia promissor
para o IBGE nas próximas décadas, pois as novas tecnologias que cruzam informações
georeferenciadas em bancos de dados relacionais gerenciadas por super-servidores de alto poder
de computação utilizando o processamento paralelo e tendo como interface final programas de
mapeamento e análise, serão as que darão o tom da pesquisa nas primeiras décadas do século
XXI.

Com isso, será possível, se não solucionar, pelo menos avançar bem numa grande questão que
sempre criou dificuldades para os estatísticos e economistas, que sempre tentaram, mas não
conseguiram colocar em prática, a organização de um sistema estatístico nacional que pudesse
levar em conta os dados ambientais, com relativa eficiência e rapidez. Principalmente em países
tropicais de grande extensão territorial e com grandes diferenciações ambientais.

É possível que este “Santo Graal “ do planejamento governamental, possa vir a ser encontrado
com a viabilização do acoplamento positivo dessas tecnologias que demandam alto poder de
processamento. A velocidade em que está ocorrendo as mudanças na área de informática, nos
permite visualizar para a próxima década a chegada de equipamentos que viabilizem essas
tarefas, hoje ainda estacionadas na área de experimentos de pequena escala.

No caso da participação da Geografia nesse trabalho, ainda teremos problemas com a pouca
especialização profissional dos geógrafos nesse campo, principalmente no que se refere ao
domínio da programação em bancos de dados de grande porte, área bem mais problemática do
que a que opera com manipulação de imagens e mapeamento.

Portanto, a perspectiva de melhoria profissional para o início do século XXI, apesar de ser
trabalhosa, é perfeitamente viável, se o IBGE continuar a trilhar o caminho rumo a sua
estruturação como uma agência executiva do governo federal, com condições de gerenciamento
de seus recursos orçamentários, devidamente controlada por um contrato de gestão.

297
Conclusões

Apesar de extensa bibliografia que cobriu a atuação do governo brasileiro, após a Revolução de
1930 até os nossos dias, ainda estão para serem explorados, inúmeros temas e instituições que
contribuíram para a constituição da “Era Vargas”. Ciclo este, que o atual Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso afirma, talvez açodadamente, estar fechando.

O IBGE, sem dúvida alguma, é uma dessas instituições que, pelo seu tamanho e complexidade
administrativa, reserva ainda em seus documentos e na memória de alguns de seus funcionários,
partes importantes da História da República no que tange às configurações da estrutura territorial
brasileira, seu correto mapeamento, e sua estruturação estatística, principalmente as demográficas
e econômicas, que passaram a ter, nos últimos anos, um relevante papel no processo de
autoconhecimento que o brasileiro médio tem hoje sobre seu país.

Sendo uma agência que possuía a capacidade de capilaridade, Isto é, de estender-se até ao mais
longínquo município com sua agência de coleta e, ao mesmo tempo, participar das altas decisões
governamentais em termos de gerenciamento do território. Por si só, já lhe garantiu um papel
ímpar perante outras instituições da República.

Sua tecnoburocracia foi uma das mais complexas da Era Vargas, pois no IBGE mesclaram-se
áreas técnicas, as mais diversas, das quais a Geografia foi apenas uma delas.

O que caracterizou a importância da Geografia perante as outras áreas, durante os primeiros


períodos da instituição foi sua capacidade de formar profissionais que conheciam muito bem o
território nacional e que possuíam bagagem intelectual para interpretar esse conhecimento
adquirido empiricamente, através dos numerosos trabalhos de campo.

Além disso, é importante assinalar o forte apoio garantido por mestres estrangeiros, que formaram
as duas primeiras gerações de profissionais, transformando-as nas principais lideranças
acadêmicas e gerenciais da instituição nos anos 50, 60 e 70. Foi neste cadinho de metodologias,
que algumas técnicas inovadoras foram testadas, tanto no campo do mapeamento, quanto na
regionalização ou nos estudos sistemáticos (Climatologia, Sistemas Urbanos, Agrária,
Industrialização e outros). Novas áreas foram desveladas (Amazônia, Pantanal, Cerrado, Meio
Norte) e foi através da Geografia do IBGE, que o país teve seu primeiro estudo sistemático em
nível municipal, com a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Paralelamente, a Cartografia da
instituição também mapeou todo o território na escala de 1:1.000. 000, em consonância com as
determinações da União Geográfica Internacional. Em se tratando de um espaço com mais de 8
500 000 km2, e possuindo mais de 3 000 municípios, percebe-se a magnitude dos desafios
enfrentados.

O que se pretendeu com este trabalho foi sistematizar as transformações por que passou a
Geografia do IBGE ao longo dos seus primeiros 60 anos, mesclando duas fontes principais, a
documentação oficial e as lembranças de alguns de seus profissionais. No campo do documento
foi possível recuperar alguns exemplos da vasta gama de temas que a Geografia trabalhou ao
longo do período. Principalmente na parte concernente às práticas profissionais, onde alguns
temas foram analisados à luz das publicações editadas pela instituição.

No campo da memória, foi possível através dos testemunhos orais, acompanhar a trajetória dos
trabalhos geográficos sob outra ótica, agora temperada pelos humores ou idiossincrasias de cada
um. Pactos de lealdade, criticas ferinas ou análises sensatas foram percebidos nos depoimentos,
pois neste campo, as emoções, por mais disfarçadas que possam estar, acabam aflorando com as
lembranças... um projeto de deu certo ou não, a evolução de amizades ou inimizades entre
colegas, questões ideológicas de época são alguns dos temperos que podem acompanhar e
ampliar os conhecimentos de uma pesquisa documental.

298
No contexto das práticas geográficas do IBGE ao longo desses 60 anos, a busca de uma relação
entre documento e memória foi tentada, sempre que possível, pois a preocupação fundamental da
pesquisa era uma avaliação dos trabalhos geográficos no período em questão. Tendo sempre
como referência um determinado contexto temporal que o ambientava (fases de governos, tipos de
gerenciamento da casa, moda metodológica ou técnicas de pesquisa do momento). Por isso, o
capítulo que serve de pano de fundo cronológico foi colocado na introdução para servir de carta de
navegação no mar de acontecimentos que estruturaram as práticas geográficas no IBGE.

Além disso, a visão diferenciada de alguns componentes da alta direção da casa, também serviu
como contraponto às visões dos geógrafos, servindo também como aferição da qualidade dos
projetos, principalmente os mais recentes.

Um outro ponto, infelizmente pouco explorado por razões de tamanho da pesquisa, foi a parte que
cuidou dos processos de qualificação profissional dentro e fora do IBGE. Apesar de pequeno,
mostrou as possibilidades da relação documento / memória, ao aferir a singularidade do processo
de aperfeiçoamento dos geógrafos, numa casa de estatísticos. Além de mostrar também a
importância da disseminação da Geografia para outros segmentos fora da instituição,
principalmente os formadores de opinião mais privilegiados, os professores.

A análise das crises por que passou o IBGE no início dos anos 90, sua superação e alguns
prognósticos quanto a seu futuro, conclui o trabalho, tentando mostrar confiança nas
possibilidades de suplantar as adversidades inerentes á redução de seu quadro funcional através
da ampliação da qualificação técnica dos que restaram e do aumento da eficiência profissional. O
lançamento em 2001, da terceira edição do Atlas Nacional do Brasil organizado em 15 meses, é o
exemplo cabal que a Geografia do IBGE ainda continua ativa.

299
O Futuro da Memória Institucional do IBGE

A melhor maneira de se concluir uma pesquisa não é da-la por encerrada após uma avaliação
acadêmica formal e sim mostrar os novos caminhos que se abriram e planejar as etapas
seguintes.

O principal mérito de uma pesquisa como essa foi perceber que o IBGE como área de estudo é
ainda um campo pouco explorado. E o que é surpreendente, é um campo vastíssimo, que
possivelmente nem os próprios ibegeanos tenham uma pálida noção da imensidão desse campo, e
da infinidade de possibilidades que estão abertas aos olhos de pesquisadores de vários
segmentos do conhecimento.

Se historiadores das Ciências Sociais ou das Ciências Matemáticas tiverem curiosidade e audácia
para pesquisar a evolução das pesquisas que o órgão coordenou ou executou em seus mais de 60
anos de existência terão um oceano de informações a serem organizadas. Se antropólogos ou
sociólogos resolvessem trabalhar com a complexa estrutura familiar criada pelos diferentes
processos de contratação de pessoal nesses mais de 60 anos, com certeza teriam no IBGE um
painel interessante da sociedade brasileira, onde mesclaram-se processos que se estendem do
mais puro nepotismo até a criação ou re-criação de famílias moldadas por condicionamentos do
ambiente de trabalho ou da vida social que se estruturou em paralelo. Passando pelos concursos
públicos, dos mais técnicos, aos que objetivaram a contratação de grandes contingentes de
funcionários que seriam dispensados pelo final das campanhas censitárias. Enfim, um quadro que
exemplificaria muito bem as colocações de Edson Nunes, em sua tese de doutoramento em
Berkeley, sobre as práticas do clientelismo e do insulamento burocrático (Nunes, 1997).

Se estudiosos da administração pública se debruçarem sobre as grandes re-estruturações que a


agência sofreu em sua existência, certamente teriam material para inúmeros case studys, que
iriam enriquecer o painel da já complexa administração pública brasileira.

Neste sentido é importante que se continue o trabalho de desvendamento dessa organização


singular que, por sua heterogeneidade de atuações e complexidade técnico-administrativa, situa-
se na escala mundial, num pequeno grupo de agências governamentais consideradas como
modelo na estrutura de planejamento de um país de grandes dimensões.

Nossa contribuição à continuidade desse processo de desvendamento do IBGE ao mundo


acadêmico em geral e aos geógrafos das gerações futuras em particular, será apresentar as fases
seguintes de continuação do projeto de história oral da agência, detalhando as etapas previstas
entre 2000 e 2001 e apontando possibilidades de abertura de linhas de pesquisas para os
períodos posteriores.

Para isso, foram feitas adaptações no texto que serviu de base para o planejamento do projeto de
história oral do IBGE inserido no Plano Estratégico 2000-2003 do órgão.

Planejamento 2000 - 2001


Projeto História Oral do IBGE

Introdução

Objetivando dar continuidade aos esforços iniciais empreendidos pela equipe coordenada pela ex-
servidora Icléia Thiesen Magalhães Costa no âmbito do Projeto Memória do IBGE, que
objetivavam formar um acervo de depoimentos orais dos servidores do órgão, foram incorporadas
a este acervo, nos anos de 1999 / 2000 mais 28 duplas de fitas (original e cópia) referentes a três
(3) ex-presidentes, seis (6) ex-superintendentes, diretores e adjuntos das áreas vinculadas à

300
Geografia, sete (7) ex-chefes de departamento e da antiga divisão de Geografia e 15 geógrafos
que coordenaram projetos e chefiaram setores operacionais da área de Geografia.
Todos estes depoimentos já estão devidamente transcritos em Word 6.0/95, estando em fase de
limpeza de texto e verificação de fidelidade.

Existe ainda o depoimento do geógrafo Milton Santos (devidamente transcrito), que embora não
tenha pertencido aos quadros do IBGE, participou com muita freqüência dos cursos de
aperfeiçoamento realizados pelo IBGE nos anos 50.

Foram redigitadas em Word 6.0/95 os quatro (4) depoimentos que já haviam sido gravados no
início dos anos 90, no contexto da fase inicial do Projeto História Oral do IBGE: Aluízio Capdeville
Duarte (falecido em 1995), Cristóvão Leite de Castro, Gelson Rangel Lima e Orlando Valverde.

Previsão para 2000 - 2001

Para o período compreendido entre 2000 e 2001 estão previstos os depoimentos de:
- Ney Alves Ferreira, atual coordenador do Arboreto do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico
do Rio de Janeiro, ex-superintendente da SUPREN.
- Eduardo Augusto de Almeida Guimarães, atual presidente do Banespa e ex-diretor de Economia
e ex-presidente do IBGE entre 1985 e 1992.
- Gilberto Scheid ex-chefe do Serviço Gráfico (SERGRAF), atualmente consultor da área editorial
do IBGE.

Gravação em Vídeo Digital e Som

Para o ano 2000/ 2001 na área de Memória Institucional, no que concerne ao Projeto História Oral
do IBGE será possível a ampliação do acervo sob dois aspectos.

Uso do vídeo digital acoplado a gravação sonora dos novos depoimentos

No contexto de ampliação do escopo do Projeto de História Oral do IBGE foi efetivada a


participação de dois técnicos do CDDI no V Encontro Nacional de História Oral em novembro de
1999 na cidade de Belo Horizonte, onde foi muito discutida a introdução e adaptação de novas
midias no processo de captação de depoimentos orais. A questão da gravação em vídeo está
tornando-se cada vez mais acessível, em virtude do barateamento das novas câmeras, apesar da
incorporação de novas tecnologias digitais e de abolição de fontes de luz de alta potência, além da
constante miniaturização dos equipamentos.

Tais inovações estão facilitando o uso de câmeras de vídeo, junto aos gravadores de som de fita
cassete, ainda os garantidores de um suporte plenamente utilizado pelos profissionais de
transcrição de fitas. Portanto, atualmente já está sendo possível dispor de dois tipos de gravação
de um depoimento, um de som tradicional, em fita cassete (que é utilizado para a transcrição) e um
outro de vídeo e som digital, que garante um testemunho fiel das expressões faciais do depoente e
que confere uma maior fidedignidade ao depoimento.

Levando em consideração que o uso da gravação em vídeo neste contexto, ainda é recente, pois
os vídeos tradicionais, geralmente feitos em equipamentos profissionais, exigem espaço especial e
um forte suporte de iluminação que, além de caro, costuma gerar um estresse no depoente,
tornando-o geralmente dispersivo ou irritado, implicando quase sempre na interrupção do
depoimento. Deve-se, portanto iniciar no biênio 2000/2001 os trabalhos de captação de novos
depoimentos utilizando equipamento de vídeo digital, juntamente com os tradicionais gravadores
de som.

Regravação parcial em vídeo digital de alguns dos antigos depoimentos

301
Seria importante também, aproveitando o acervo de depoimentos já existente, voltar a alguns dos
depoentes e gravar em vídeo algumas partes mais interessantes de seu antigo depoimento,
principalmente aquelas fortemente vinculadas com as transformações que o IBGE sofreu ao longo
dos anos (alterações administrativas e tecnológicas, grandes projetos, etc...).
Considerando-se que já existe a transcrição desse material, não seria difícil a implementação
desse processo de regravação.

Organização do Acervo de Transcrições

Para que se possa em futuro próximo disponibilizar para a pesquisa histórica os acervos de
gravações e de transcrições desses profissionais, será prioritário para o biênio 2000/2001, o início
da organização de um arquivo desse material contendo fichas de entrevistas, termos de
compromisso, termos de cessão (com e sem restrições), além de pequenos verbetes que
esclareçam a área de atuação de cada depoente e sua importância específica na organização das
pesquisas do IBGE.

Construção do Banco de Dados Biográficos

Como material complementar ao acervo de depoimentos, será possível também iniciar no ano
2000 a organização de um banco de dados biográficos dos técnicos que coordenaram pesquisas e
produziram material relevante para o IBGE.
A vinculação entre o curriculum vitae do profissional, informações de sua ficha funcional e os
dados disponíveis no acervo bibliográfico da Biblioteca do IBGE, gerarão um conjunto de
informações que poderão fazer parte de um futuro dicionário biográfico dos técnicos do IBGE, nos
moldes do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro editado pelo Cpdoc da Fundação Getúlio
Vargas, guardadas as devidas proporções entre os dois projetos.

Pesquisa de fichas funcionais e currículos (Arquivo do Roncador)

Por ocasião da visita técnica feita entre 29/11 e 03/12 de 1999 ao arquivo histórico do IBGE na
Reserva Ecológica do Roncador no Distrito Federal, foi analisada a possibilidade de iniciar um
processo de sistematização das informações funcionais dos antigos funcionários do CNE e CNG,
pesquisando os documentos concernentes a estas áreas, que estão arquivados em caixas sem
especificações detalhadas. Seria possível treinar um funcionário do arquivo histórico para, em
tempo parcial, pesquisar informações funcionais, copiar currículos ou separar listagens de pessoal
(para promoção, pagamento etc...) que possam ampliar o acervo de dados anteriores a Fundação
IBGE.

Pesquisa de fichas funcionais e currículos (Arquivo da Av. Franlkin Roosevelt)

No âmbito da sede ( Av. Franklin Roosevelt 194 2o ) também existe um arquivo de servidores
aposentados ( material que no caso da DGC, foi transferido de Parada de Lucas). Não se tem
certeza se todas as diretorias fizeram o mesmo, ou se foi uma medida específica da DGC. Em todo
o caso, será também necessário fazer pesquisas sistemáticas nesse arquivo.
Áreas do IBGE a serem priorizadas para coleta de depoimentos orais

Em virtude da maioria dos depoimentos estarem centrados na DGC será necessário iniciar
paralelamente alguns depoimentos de referência nas outras diretorias e na Rede de Coleta.

Diretoria de Pesquisas e Estudos (DPE) – Duas prioridades deverão servir de base para o início da
coleta de depoimentos e da pesquisa de fichas funcionais e de currículos. Ex-diretores,
coordenadores de pesquisas (Pnad, Pof, Endef, Indices de preços etc...)

Diretoria de Informática (DI) – Ex-diretores , coordenadores da área de Bancos de Dados,


responsáveis pela compra de equipamentos de informática e os atuais gerentes de redes.

302
Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) – Ex-coordenadores, ex-chefes
de biblioteca, ex-chefes de atendimento, coordenadores de novas mídias.

Diretoria de Planejamento e Controle (DPC) – Ex-diretores, ex-delegados e chefes de Deres e


Dipecs. Paralelamente, efetuar treinamento para coleta de depoimentos nas SDDIs. Antigos chefes
de agências, coordenadores de equipes de pesquisas especiais deverão ter seus depoimentos
colhidos, preferencialmente por servidores locais treinados nos procedimentos de coleta de
depoimento oral.

Diretoria de Geociências (DGC) – as áreas ainda não cobertas pela pesquisa, Geodésia /
Cartografia e grupos de pesquisa dos Digeos.
Apenas os ex-diretores de Cartografia Miguel Alves de Lima e Mauro Pereira de Melo já fizeram
seus depoimentos, mas levando-se em conta que o enfoque da pesquisa feita não enfatizava suas
ações prioritárias nas áreas de Geodésia e Cartografia, será necessário realizar novos
depoimentos principalmente com Mauro Melo e ex-chefes do Decar. Assim como colher
depoimentos dos antigos funcionários da área de Geodésia que realizaram campanhas de
levantamento topográfico.

Presidência (PR) – Apesar de haver sido coletado os depoimentos de alguns ex-presidentes, o


enfoque ficou restrito a visão parcial do titular do cargo aos trabalhos da área de Geografia em
particular e um pouco ao gerenciamento da DGC no quadro do IBGE.

Portanto, para que tenhamos uma boa visão dos diferentes enfoques que cada ex-presidente
imprimiu na casa, será necessário uma nova rodada de depoimentos, se possível em vídeo / som
e também uma possível mesa redonda com os ex-presidentes, para que se tenha uma visão mais
abrangente possível da atuação do órgão, principalmente no que concerne às novas pesquisas
que ampliaram a imagem do IBGE na sociedade brasileira.

Material e Recursos Humanos Necessários

Considerando as atuais restrições orçamentárias por que passa o IBGE, um projeto de História
Oral do órgão pode ser desenvolvido em módulos priorizáveis, evitando-se grandes dispêndios.
Seriam discutidas as prioridades de áreas, levando-se em consideração a importância para a
história do IBGE ( áreas antigas e que apresentaram grandes mudanças ao longo do tempo
poderia ser uma das considerações para uma hierarquia de prioridades). A questão idade dos
possíveis depoentes também deve ser considerada, priorizando os aposentados mais idosos.

Material de gravação

Em termos de equipamento, possivelmente o item mais caro foi a filmadora digital Sony, que
apresenta a possibilidade de migrar diretamente para computadores que possuam placas de
captura de vídeo, o material gravado dos depoimentos.

A gerência da Divisão de Bibliotecas e Acervos Especiais, onde está alocado o Projeto de História
Oral do IBGE dispõe de dois computadores Apple Power Mac G4 que dispõem de placas de vídeo.
Nesses computadores estão sendo realizados os testes de migração de imagens gravadas e o
treinamento dos profissionais responsáveis pelas gravações dos próximos depoimentos∗.


É importante ter em mente que o uso de filmadora digital para gravação de depoimentos orais, ainda é uma
prática não corriqueira, sendo necessário um período de treinamento e adaptação para que se tenha plena
certeza das vantagens da técnica. Por isso é necessário a realização de testes iniciais com o equipamento
para que se tenha habilidade necessária no manuseio do equipamento.

303
Será também necessário verificar a compatibilidade das fitas VHS, já existentes no acervo do
IBGE, aos equipamentos de reprodução das novas fitas digitais e avaliar o custo de
compatibilidade (se houver).

O uso do dos gravadores de fita cassete continuará a ser considerado prioritário, pois é com eles
que o processo de transcrição de fitas se realiza. O CDDI ainda dispõe de alguns gravadores e
possivelmente, não será necessário novos gastos em equipamentos de gravação de som.
Somente fitas do tipo cassete AS (super avilin) deverão ser adquiridas na medida do
desenvolvimento do projeto ( o custo de uma fita AS 90 de uma boa marca está em torno de
R$5,00).

Material de Transcrição de Fitas

Dois equipamentos são fundamentais no processo de transcrição de fitas gravadas, um gravador


dotado de botão ou pedal para facilitar o progresso e paralisação da fita e um computador simples
dotado de um editor de texto considerado padrão (o Word 6.0/95 é o mais comum). Com eles o
texto é transformado em arquivo .doc e armazenado em disquetes ou em HDs, sendo também
possível sua transformação em arquivo HTML para uso na Internet.

Arquivos de disquetes são também necessários para a guarda e o arquivamento físico dos
disquetes. No caso de grandes quantidades de arquivos .doc é importante considerar o uso de
mídias de armazenamento de grande capacidade como CD-ROM , Zip Drive ou fitas DAT.
Considerando que o CDDI possui áreas de informática que dispõem dessa tecnologia, não será
necessário adquirimos tais equipamentos e sim as mídias correspondentes (disquetes, CD-ROMs
ou fitas).

Recursos Humanos Necessários

Para a consecução do Projeto de História Oral do IBGE seria necessário uma equipe composta de
três responsáveis e um assistente encarregados da organização das listas de depoentes, dos
roteiros de depoimentos junto às áreas técnicas do IBGE, da condução dos preparativos para as
gravações e das gravações propriamente. Além disso, são também responsáveis pelo controle de
qualidade das transcrições, acompanhando o processo de verificação de fidedignidade e da
copidescagem dos textos. Gerenciam também o controle de qualidade dos arquivos de fitas e de
midia magnética (disquetes, CD-ROM) e de papel, se houver. São também responsáveis pelo
treinamento de técnicos de outras áreas do IBGE, nos procedimentos de coleta de depoimentos
orais e na pesquisa de documentos históricos do órgão em suas áreas de atuação.

Um técnico com experiência em arquivo e com prática de transcrição de fitas de som encarregado
das transcrições e do arquivamento desses documentos, além de também poder auxiliar na
organização e/ou manutenção dos arquivos da área de Memória Institucional do IBGE.

Um pesquisador com habilitação em História, para organizar a documentação histórica da casa


utilizando uma linha de tempo que contemplasse todas as gestões de presidentes e de diretores e
superintendentes das principais áreas de atuação do IBGE. Pesquisa esta, que iria dar
continuidade ao projeto de Cronologia, que lista os principais instrumentos jurídico-administrativos
que regeram o órgão desde sua fundação. Seria também responsável pela pesquisa documental
das principais biografias dos técnicos da casa, estruturando um patamar mínimo de informações
funcionais que servisse de base para o Banco de Dados Biográficos do IBGE.
Independentemente da realização total desse planejamento, ficam aqui marcadas as principais
realizações de um grupo de profissionais da Geografia, que muito contribuiu para a ampliação da
eficiência do planejamento governamental brasileiro e para a difusão do conhecimento geográfico
na sociedade, nos 60 anos de atividades da maior agência de informações territoriais do Brasil.

Esperemos que essas realizações nunca morram.

304
Bibliografia

ABLER, Ronald, ADAMS, John S., GOULD, Peter. Spatial organization. Englewood Cliffs - New
Jersey: Prentice-Hall, 1971. 587 p.

ABRANTES, Vera Lucia Cortes. Fragmentos de memória das pesquisas geográficas de campo no
IBGE (1939-1968): imagens e representações numa abordagem da história oral. Rio de
Janeiro, 2000. 156 p. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Documento) - UNI-RIO.

ABREU, João Capistrano de. A geografia no Brasil. Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro,
p. 5-17, 1904.

ABREU, Maurício de Almeida. A Apropriação do território no Brasil colonial. In: CASTRO. Iná Elias
de , GOMES, Paulo Cesar e CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.) Explorações Geográficas, Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997, p. 197-245.

____. Sobre Milton Santos e sobre a crescente auto-estima da geografia brasileira. In: SOUZA,
Maria Adélia Aparecida de (Org.). O mundo do cidadão : um cidadão do mundo. São Paulo:
Hucitec, 1996. p. 35-48.

____. Estudo geográfico das cidades: evolução e avaliação. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 58, n. 1-4, p. 21-122, jan./dez, 1994.

____. Sobre a memória das cidades. Território, Rio de Janeiro, no 4, p. 5-26, jan./jun, 1998.

Ab’SABER, Aziz. O Pantanal mato-grossense e a teoria dos refúgios. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, t. 2, p. 9-58, 1988. Número especial

ALBERTI, Verena. História Oral : a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro : FGV, 1989. 197 p.

ALMEIDA, Roberto Schmidt de. Onde estão os realmente pobres na Área Metropolitana do Rio de
Janeiro no início dos anos 80? In 4o. ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS, Rio de
Janeiro, Associação dos Geógrafos Brasileiros, Anais, 1980, p.128-132.

____. Atuação Recente da Incorporação Imobiliária no Município do Rio de Janeiro: tendências


espaciais vigentes e alternativas futuras, Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, Programa
de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ, 1982, 135p.

____. A Promoção Imobiliária no Município do Rio de Janeiro; aspectos espaciais do fim da


década de 70 e tendências futuras. Revista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.1 n.4, 1986,
p.67-85.

____.O IBGE e a evolução da idéia de desenvolvimento no Brasil. Revista Geográfica, México, n.


120, p. 5-26, jul./dec. 1994.

____. Repensando a questão do habitat no Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
v. 57, n. 4, p. 4-17, jul./set. 1995.

____. Novas Visões sobre a Complexidade da Segregação Sócio-Espacial Urbana no Final dos
Anos 90. Revista de Pós-Graduação em Geografia, Rio de Janeiro, UFRJ, a.1 v.1, p.64-93,
1997.

____. CRUZ, Jana M. e FURLANETTO, Diva. Promoção Imobiliária e Espaço Residencial da


Classe Média na Periferia Metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 49, n. 2, p. 27-56, abr./jun. 1987.

305
____, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Padrões de localização espacial e estrutura de fluxos dos
estabelecimentos industriais da Área Metropolitana de Recife. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, p. 203-264, abr./jun. 1980.

____, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Análise da organização espacial nordestina através de uma
tipologia de centros industriais. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 5-
32, abr./jun. 1991.

____, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Os pequenos e médios estabelecimentos industriais


nordestinos: padrões de distribuição e fatores condicionantes. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 53, n. 1, p. 5-49, jan../mar., 1991.

_____, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Análise da Organização Espacial da Indústria Brasileira


Através de Uma Tipologia de Centros Industriais., Cadernos de Geociências, Rio de Janeiro, IBGE,
vol. especial,dez.1991,pp 69 - 82.

____, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Os sistemas de transporte na Região Norte: evolução e


reorganização das redes. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 51, n. 2, p. 33-98,
abr./jun. 1989.

_____ , RIBEIRO, Miguel Angelo C. Algumas Questões sobre a Industrialização Brasileira e seus
Impactos Ambientais em dois Espaços Macrorregonais in MESQUITA, Olindina e TIETZMANN
SILVA Solange (orgs.) Geografia e Questão Ambiental, Rio de Janeiro, IBGE,1993, pp. 49-84.

______, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Algumas Questões Sobre a Industrialização e seus Impactos
Ambientais nas Regiões Sudeste e Norte do Brasil, Revista Geografica, México, IPGH, n0 121,
ene./jun., 1995, pp. 157-174.

______, RIBEIRO, Miguel Angelo C. Análise da Organização Espacial da Indústria na Região


Sudeste”, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, IBGE, vol. 55, n. 1-4, jan./dez. 1993, pp
61 - 108.

AMADEO, Douglas, GOLLEDGE, Reginald G. An introduction to scientific reasoning in geography.


New York : Wiley & Sons, 1975. 431 p.

AMAZONAS, Ceçary. Geografia da Guanabara, Rio de Janeiro, IBGE, 1974, 100p.

ANÁLISE espacial. Rio de Janeiro : Instituto Pan-Americano de Geografia e História, Comissão de


geografia, 1960. 34 p. (Textos básicos, 3).

ANDRADE, Manuel Corrêa de. O Pensamento Geográfico e a Realidade Brasileira. Boletim


Paulista de Geografia, São Paulo, n. 54, p. 5-28, jun. 1977.

______. Entrevista com o Professor Manuel Correia de Andrade, Geosul, Florianópolis, n. 12/13,
ano VI, 2o sem. 1991, 1o sem. 1992, p.131-168.

ANUCHIN, V. A. A Propósito do Objeto da Geografia Econômica (Respostas às Questões de M. I.


Al’Brut). Seleção de Textos, São Paulo, AGB Regional de São Paulo, n. 1, p.1-15, dez. 1976.

ARAÚJO, Regina Célia. Manual do Candidato – Geografia, Brasília, Fundação Alexandre de


Gusmão, 1995. 178p.

ASPECTOS da geografia carioca. Rio de Janeiro : Associação dos Geógrafos Brasileiros :


Conselho Nacional de Geografia, 1962. 284 p.

306
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. Rio de Janeiro, IBGE, Recenseamento Geral do
Brasil (1940), Introdução, Vol. I, Tomo I, 1943, 535 p.
(novas edições foram organizadas posteriormente, Ex.: 4a.ed. São Paulo : Melhoramentos,
1964. 803 p.).

____ (Org.). As ciências no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro : UFRJ, 1994. 2 v. v. 1. 461 p.

BACKHEUSER, Everardo. Tertúlias Geográficas, Boletim Geográfico, ano 1 n.2, maio, 1943, p. 5-
8.

BAER, Werner. A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro :


FVG, 1975. 429 p.

BAHIANA, Luis Cavalcanti C. Agentes modeladores e uso do solo urbano. In: Anais da Associação
dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, 1978. v. 19. p. 53-62.

____. Contribuição ao estudo da questão da escala na geografia : escalas em geografia urbana.


Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1986. 200 p.

____.. Teoria, metodologia e história do pensamento geográfico : flagrantes de um século de


reflexão em periódicos selecionados. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 54, n.
3, p. 63-90, jul./set. 1992.

BALANDIER, Georges. El desorden : la teoria del caos y las ciencias sociales. Barcelona : Gedisa,
1993. 237 p.

BALLESTEROS, Aurora Garcia. Geogafia y Marxismo. Madrid : Complutense, 1986. 289 p.

BARBOSA, Livia. Igualdade e meritocracia. Rio de Janeiro : FGV, 1999. 215 p.

BARTON, Thomas F., KARAN, P. P. Leaders in American Geography. New Mesilla, New Mexico :
New Mexico Geographical Society, 1992. 259 p.

BASE territorial – Censo 2000 : mapeamento censitário : atividades e conceitos básicos. Rio de
Janeiro : IBGE, 1997. 64 p .

BECKER, Bertha K. A geografia e o resgate da geopolítica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de


Janeiro, v. 50, t. 2, p. 99-126, 1988. Número especial.

BENCHIMOL, Jaime Larry, TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cobras, lagartos & outros bichos. Rio de
Janeiro : Ed. da UFRJ : FIOCRUZ, 1993. 225 p.

BENEVIDES, Maria Vitória M. O governo Kubitschek : desenvolvimento econômico e estabilidade


política. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1976. 294 p.

BERDOULAY, Vincent. La formation de L’École Française de Geographie 1870-1914. Paris :


Bibliothéque Nationale, 1981. 244 p.

____. Des mots et des lieux : la dynamique du discours géographique. Paris : CNRS, 1988. 106 p.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar : a aventura da modernidade. São Paulo :
Companhia das Letras, 1982. 452 p.

307
BERNARDES, Lysia Maria C. Problemas de utilização da terra nos arredores de Curitiba. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 269-276, abr./jun. 1956.

____. (org.) O Rio de Janeiro e sua Região, Rio de Janeiro, IBGE, 1964, 147p.

____. Hierarquia urbana e polarização no Brasil. In: Simpósio de Geografia Urbana, Rio de Janeiro
: Instituto Panamericano de Geografia e História, Comisión de Geografia, 1968, p.207-210.

____, SOARES, Maria Terezinha S. Cidade e região. Rio de Janeiro : Biblioteca Carioca, 1987.
159 p.

BERNARDES, Nilo. A colonização no Município de Santa Rosa (RS), Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v.12, n. 3, p.383-392, jul./set.,1950.

____. Leo Waibel, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.14, n. 2, p.75-77, abr./jun.,
1952.

____. Notas sobre a ocupação da montanha do Distrito Federal. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 363-388, jul./set. 1959.

____. Características Gerais da Agricultura Brasileira em meados do Século XX. Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 363-420, abr./jun. 1961.

____. O espaço econômico brasileiro. Rio de Janeiro : Colégio Pedro II, 1966. 149 p. Curso de
Altos Estudos

____. Bases geográficas do povoamento do estado do Rio Grande do Sul. Boletim Geográfico (do)
IBGE, Rio de Janeiro, v. 171, n. 20, p. 5-38, 1963.

____. O pensamento geográfico tradicional. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro v. 44,
n. 3, p. 391-414, jul./set. 1982a.

____. A influência estrangeira no desenvolvimento da geografia do Brasil. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, p. 519-527, jul./set. 1982b.

BERRY, Brian J. L. Um paradigma para a geografia moderna. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 34, n. 3, p. 3-18, jul./set. 1972.

_____. Geografia de los centros de mercado y distribucion la por menor. Barcelona, Vicens-Vives,
1971. 191 p.

____. The human consequenses of urbanization. New York : St. Martin’s Press, 1973. 205 p.

____, MARBLE, Duane F. Spatial analysis : a reader in statistical geography. Englewoods Cliffs,
New Jersey : Prentice-Hall, 1968. 512 p

____, HORTON, Frank E. Geographic perspectives on urban systems. Englewoods Cliffs, New
Jersey : Prentice-Hall, 1970. 564 p.

BEZERRA, Vera D’Avilla , CRUZ, Jana M. Imigração e Favelas: o caso do Rio de Janeiro, Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 44, n.2, p. 357-367, abr./jun. 1982.

____, CRUZ, Jana M. , BAHIANA, Luís C. C. Periferização Urbana no Brasil: um projeto de estudo
nas áreas metropolitanas, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 45, n.1, p. 51-92,
jan./mar., 1983.

308
BIBLIOGRAFIA brasileira de geografia. Rio de Janeiro : IBGE, 1990. 279 p. v. 1: Periódicos 1951-
1983. (Obras de referência da biblioteca do IBGE, n. 12).

BIDERMAN, Ciro, COZAC, Luis Felipe L., REGO, José Marcio. Conversas com economistas
brasileiros. Rio de Janeiro : Editora 34, 1997. 447 p.

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro : o ciclo ideológico do


desenvolvimento. 2. ed. rev. Rio de Janeiro : Contraponto, 1995. 480 p.

BOM MEIHY, José Carlos Sebe. A colônia brasilianista : história oral de vida acadêmica. São
Paulo : Nova Stella, 1990. 285 p.

____. Manual de história oral. São Paulo : Loyola, 1996. 126 p.

____. (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo : Xamã : USP, 1996. 278 p.

BOMENY, Helena M. B. Três Decretos e um Ministério: A Propósito da Educação no Estado Novo,


in PANDOLFI, Dulce (Org.), Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, cap. 8, 1999, p.
137-166.

BOSCHI, Renato, DINIZ, Eli. Burocracia, clientela e relações de poder : um modelo teórico. Dados,
Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 18-35, 1978.

BOTELHO, Carlos de Castro. Aspectos Geográficos da Zona Cacaueira da Bahia, Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 17-32, abr./jun. 1954.

BOTIING, Douglas. Humboldt y el cosmos : vida, obra y viajes de un hombre universal 1769-1859.
Barcelona : Serbal, 1991. 264 p. Reseña.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo : Perspectiva, 1974. 361 p.

____. O poder simbólico. Rio de Janeiro – Lisboa, Bertrand Brasil - Difel , 1989. 311 p.

BOUTIER, Jean, JULIA, Dominique. Passados recompostos : campos e canteiros da história. Rio
de Janeiro : Ed. da UFRJ : FVG, 1998. 350 p.

BRANCO, Carlos Castelo. Introdução à revolução de 1964 : agonia do poder civil. Rio de Janeiro :
Artenova,1975. 235 p.

BRASIL. Coletânea de leis e decretos relativos ao Conselho Nacional de Geografia. Rio de Janeiro
: SERGRAF do IBGE, 1952. 92 p.

BRASILEIRO, Ana Maria, MELLO, Diogo L., SILVA, Fernando Rezende. Desenvolvimento e
política urbana. Rio de Janeiro : IBAM, 1976. 302 p.

BRAUDEL, Fernand. O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo. São Paulo : Martins Fontes, 1983.
2 v.

BRAY, Silvio Carlos. A visão do mundo de Pierre Deffontaines e a ideologia da cultura brasileira.
Geografia, Rio Claro, v. 18, n. 2, out. 1993, p.53-67.

BRIOSCHI, Lucila Reis, TRIGO, Maria Helena B. Relatos de vida em ciências sociais :
considerações metodológicas. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 39, n. 970, p. 631-637, jul. 1987.

309
BRITO, Maristella de Azevedo, MESQUITA, Olindina Vianna, Expansão Espacial e Modernização
da Agricultura Brasileira no Período 1970-1975, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
v. 44, n.1, p. 3-50, jan./mar. 1982.

BRITO, Maria do Socorro, SILVA, Solange T. O Papel da Pequena Produção na Agricultura


Brasileira, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 44, n.2, p. 191-262, abr./jun. 1982.

BRITO, Sebastiana Rodrigues de. , INNOCÊNCIO, Ney R. , GUIMARÃES, Luiz Sérgio,


Organização Agrária e Marginalidade Rural na Médio Tocantins-Araguaia. Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 46, n.2, p. 227-361, abr./jun. 1984.

____, _____, ____. O Trabalhador Volante na Agricultura. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 46, n.1, p. 5-78, jan./mar. 1984.

BROC, Numa. Les séductions de la nouvelle geographie. In: CARBONELL, Charles-Olivier, LIVET,
Georges. Au Berceu des Actes du Colloque de Strasburg (11 -13 / 10 / 1979) L’Histoire en
France au Début du XXe Siecle. Université des Sciences Humaines de Strasbourg, 1980, p.
247-263.

____. La geographie des philosophes : géographes et voyageurs français au XVIIe Siècle. Paris :
Ophrys, 1974. 595 p.

BRUNHES, Jean. Geografia humana. Rio de Janeiro : Fundo de Cultura, 1962, 507 p.

BUNGE, Willian. The geography : an opinion. The Professional Geographer, v. 25, n. 4, p. 331-337,
nov. 1973.

BURKE, Peter. A escola dos annales 1929-1989 : a revolução francesa da historiografia. São
Paulo : Unesp, 1990. 154 p.

BUTTIMER, Anne. Sociedad y medio en la tradición geográfica francesa. Barcelona : Oikos - Tau,
1980. 242 p.

____. Creativity and context. Lund : Lund University Press, 1983. 275 p.

____. The practice of geography. London : Longman, 1983. 298 p.

CAMARGO, Aspásia. História oral : técnica e fonte histórica. Rio de Janeiro : CPDOC : FGV, 1981.
184 p.

____. Os usos da história oral e da história de vida : trabalhando com elites políticas. Dados,
Campus, v. 27, n. 1, p. 12-34, 1984.

____. História oral e política. In: MORAES, Marieta (Org.). História oral. Rio de Janeiro : Diadorim :
Finep, 1994. 235 p.

____. Do Federalismo Oligárquico ao Federalismo Democrático, in PANDOLFI, Dulce (Org.).


Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, cap. 3, 1999,
p. 39-50.

____. Carisma e Personalidade política: Vargas, da Conciliação ao Maquiavelismo. In: D’ARAUJO,


Maria Celina (Org.). As Instituições Brasileiras da Era Vargas , Rio de Janeiro, ed. Uerj / FGV,
1999, p. 13-34.

CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa : memórias. Rio de Janeiro : Topbooks, 1994. 1417 p.

310
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 2. ed. São Paulo : T. A. Queiroz,
1981. 318 p.

____. Desequilíbrios regionais e concentração industrial em São Paulo 1930-1970. Campinas :


UNICAMP : P.N.P.E : Global, 1985. 415 p.

CAPEL, Horacio. Filosofía y ciencia en la geografía contemporánea. Barcelona : Barcanova, 1981,


345 p.

____. La física sagrada. Barcelona : Serbal, 1983. 223 p.

CARDOSO, Ciro Flamarion , VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da história : ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro : Campus, 1997 508 p.

CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. São Paulo : Paz e Terra, 1975.
267 p.

CARDOSO, Maria Francisca T. C. Atividades terciárias. In: SUBSÍDIOS à regionalização. Rio de


Janeiro : IBGE, Divisão de Geografia, 1968. p. 171-176.

CARDOSO, Míriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento : Brasil JK-JQ. Rio de Janeiro : Paz e
Terra,1978. 459 p.

CARLOS, Ana Fani Alessandri (org.) Ensaios de Geografia Contemporânea: Milton Santos Obra
Revisitada, São Paulo, Hucitec, 1996. 332p.

CARVALHO, Carlos Delgado de. Geografia : sciencia da natureza. Revista da Sociedade


Geográfica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 32, p. 12-36, jul.,1927.

____.Geografia do Brasil. Geografia Geral. Rio de Janeiro : Garnier, 1913. t. 1,


415 p.

____. Evolução da Geografia Humana, in O IBGE e a Educação, Rio de Janeiro, IBGE, v.1 p. 469-
484.

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem e teatro de sombras. Rio de Janeiro, Ed. da
UFRJ : Relume Dumará, 1996. 435 p.

CASTELLS, Manuel. Problemas de investigación en sociología urbana. Buenos Aires : Siglo


Veintiuno, 1975. 278 p.

____. La cuestion urbana. Buenos Aires : Siglo Veintiuno, 1974. 430 p.

____. La ciudad y las masas : sociologia de los movimientos sociales urbanos. Madrid : Alianza,
1986. 306 p.

CASTRO, Antônio Barros, SOUZA, Francisco Eduardo P. A economia em marcha forçada. Rio de
Janeiro : Paz e Terra, 1985. 217 p.

CASTRO, Christovam Leite de. Conselho Nacional de Geografia, Organização e Realizações, in


VIII Congresso Científico Americano da União Pan Americana , Washington, 10 a 18 /05/1940,
Anais, seção Historical and Geographical Research, p. 295-313.

311
_____. A transferência da capital do país para o planalto central. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 567-572, out./dez. 1946.

____. A mudança da capital á luz da ciência geográfica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro.v. 9, n. 2, p. 279-285, abr./jun. 1947.

CENTRALIDADE – Regionalização. Rio de Janeiro : Instituto Pan-americano de Geografia e


História, Comissão de geografia, 1968. 93 p. (Textos básicos, n.1).

CHAPPELL Jr. , John E. Relations between geography and other disciplines. In: KENZER, Martin
S. On becoming a professional geographer. Columbus, Ohio : Merrill, 1989. p. 17-31.

CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: FERREIRA, Marieta de Moraes.,


AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro : FGV, 1996. p.215-218.

CHEIBUB, Zairo Borges. Diplomacia, diplomatas e política externa : aspectos do processo de


institucionalização do Itamaraty. Rio de Janeiro, 1984. 297 p. Dissertação (Mestrado em
Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, 1984.

CHRISTALLER, Walter. Central Places in Southern Germany, Englewood Cliffs, Prentice-Haal,


1966, 230p.

CHORLEY, Richard J. Nuevas tendencias en geografia. Madrid : Instituto de Estudios de


Administracion Local, 1975. 506 p.

CHRISTOFOLETI, Antonio (org.). Perspectivas da Geografia, São Paulo, 1982, 318 p.

______. O conhecimento geográfico no Brasil : considerações de um geógrafo. Geografia, Rio


Claro, v. 17, n. 2, p. 107-115, out. 1992.

CIORAN, Emile M. História e utopia . Rio de Janeiro : Rocco, 1994. 142 p.

CLASSIFICAÇÃO funcional das cidades. Rio de Janeiro : Instituto Pan-Americano de Geografia e


História, Comissão de geografia, 1969. 77 p. (Textos básicos, 2).

CLAVAL, Paul. Evolución de la geografía humana. Barcelona : Oikos-Tau, 1974. 452 p.

____. La geographie comme genre de vie : un intinéraire intellectuel. Paris : L’Harmattan, 1996. p.
144.

COLE, John P. Geografia Quantitativa, Rio de Janeiro, IBGE, 1972, 120p.

CORDANI, Umberto G. Geociências. In: SCHWARTZMAN, Simon (Coord.). A capacitação


brasileira para pesquisa científica e tecnológica. Rio de Janeiro : FGV, 1996. p. 239-262.

CORREA, Roberto Lobato. Os estudos de redes urbanas no Brasil até 1965. In: SIMPÓSIO DE
GEOGRAFIA URBANA (Buenos Aires), Rio de Janeiro : Instituto Panamericano de Geografia e
História, Comisión de Geografia, 1968. p. 173-206.

____. Concentração bancária e os centros de gestão do território. Revista Brasileira de Geografia,


Rio de Janeiro, v. 51, n. 2, p. 17-32, abr./jun. 1989.

312
____. Localização Inicial do migrante na cidade: o caso do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO
NACIONAL DE GEÓGRAFOS, Belo Horizonte, Associação dos Geógrafos Brasileiros. Resumo
de Comunicações e Guias de Excursões. 1976, p. 112-120.

____. Os Processos Espaciais e a Cidade. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 41,
n. 3, p. 100-110, jul./set. 1979.

____. A Produção e a Organização do Espaço Urbano. Espaço & Sociedade, Rio de Janeiro, v.7
n.1, p.111-123, 1983/1984.

____. Meio Ambiente e a Metrópole, in MESQUITA, Olindina V., SILVA, Solange T. Geografia e
Questão Ambiental, Rio de Janeiro, IBGE, 1993, p.25-30.

____. Hinterlândias, hierarquias e redes : uma avaliação da produção geográfica brasileira. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 51, n. 3, p. 113-137, jul./set. 1989.

____. Os centros de gestão e seu estudo. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 51, n.
4, p. 109-119, out./dez. 1989.

____. Geografia brasileira : crise e renovação. In: MOREIRA, Rui (Org.). Geografia : teoria e crítica
: o saber posto em questão. Petrópolis : Vozes, 1982.

____. Da “nova geografia à “geografia nova”. In: MOREIRA, Rui (Org.). Geografia e sociedade : os
novos rumos do pensamento geográfico. Petrópolis : Vozes, 1980. p. 5-12.

____. Região e Organização Espacial, São Paulo, Ática, Série Princípios, n. 53, 1986, 93 p.

____. A Rede Urbana, São Paulo, Ática, Série Princípios, n. 168, 1989, 96 p.

____. A periodização da rede urbana da Amazônia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de


Janeiro, v. 49, n. 3, p. 39-68, jul./set. 1987.

____. Centralidade. In: SUBSÍDIOS à regionalização. Rio de Janeiro : IBGE, Divisão de Geografia,
1968. p. 179-190.

____. Cidade e região no sudoeste paranaense. Revista Brasileira de Geografia, Rio de janeiro :
IBGE, v. 32, n. 2, p. 3-155, abr./jun. 1970.

____. Repensando a teoria dos lugares centrais. In: SANTOS, Milton (Org.). Novos rumos da
geografia brasileira. 4. ed. São Paulo : Hucitec, 1996. p. 50-65.

____. Globalização e reestruturação da rede urbana : uma nota sobre as pequenas cidades.
Território, Rio de Janeiro, n. 6, p. 43-53, jan./jun. 1999.

COSTA, Icléa Thiesen Magalhães. Memória institucional do IBGE : em busca de um referencial


teórico. Rio de Janeiro : IBGE, 1992. 40 p. (Documentos para disseminação)

____. Memória institucional do IBGE : um estudo exploratório-metodológico. Rio de Janeiro, 1992.


Tese (Mestrado) - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992.
166 p.

____. Memória institucional : a construção conceitual numa abordagem teórico-metodológica. Rio


de Janeiro, 1997. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 1997. 286 p.

313
COSTA, Joaquim Ribeiro. Manual do Agente Municipal de Estatística: instruções práticas,
sugestões e conselhos. Rio de Janeiro, IBGE, 1960.

COSTA, Wanderley Messias. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. São Paulo : Contexto,
1988 302 p.

COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura. Rio de Janeiro : Record,
1999. 517 p.

____. Memória viva do regime militar. Rio de Janeiro : Record, 1999. 391 p.

____. Cronologia do IBGE. Rio de Janeiro : IBGE/CDDI/DIBIS, 1998. v. 1-2. Em meio magnético –
documento Word .doc

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etmológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1982, 839p.

CUNHA, Euclides da. Os sertões : a Campanha de Canudos. 31. ed. Rio de Janeiro : Francisco
Alves, 1982. 415 p.

D'ARAUJO, Maria Celina, CASTRO, Celso. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro : FGV, 1997. 493 p.

DANSEREAU, Pierre. Os planos da Biogeografia, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,


v. 8, n. 2, p. 189-210, abr./jun. 1946.

_____. Notas Sobre a Biogeografia de uma parte da Serra do Mar, Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 497-520, out. /dez. 1947.

_____. Introdução à Biogeografia, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 3-


92, jan./mar., 1949.

DAVIDOVICH, Fany. Aspectos Geográficos de um Centro Industrial: Jundiaí em 1962. Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, p. 329-374, out. /dez. 1966.

____, FREDRICH, Olga Maria B. L. Análise de aglomerações urbanas no Brasil. Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 38, n. 4, p. 106-130, out. /dez. 1976.

____. Um foco sobre o processo de urbanização do estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 333-371, jul./set. 1968.

DAVIES, Wayne K. D. (Ed.). The conceptual revolution in geography. London : University of


London Press, 1972. 416 p.

DEFFONTAINES, Pierre. Exemples de méthode U.T.O. appliqué au Brésil. Revue de Pédagogie


Catholique de L'Union des Trois Ordes de L'Enseignement, Lille, n. 3-4, p. 72-74, mar./avr.
1935.

____. La joie dans l'education. U.T.O, Lille, n. 8, p. 1-3, oct. 1936.

____. Le réseau des villes: comment il s'est constitué au Bresil. Bulletin de la Société de
Geographie de Lille, Lille, n. 9, p. 321- 348, dec. 1938.

____. Geografia humana do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 1, (n.1, p.19-
67, jan./mar.), (n.2, p.20-56, abr./jun.), (n.3, p.16-59,jul./set.), 1939. Reimpressão do capítulo I
no n. 50 especial, t. 1, 1988.

314
____. Como se constitui no Brasil a rede das cidades. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de
Janeiro, v. 14, n. 2, p. 41-148, 1944.

____. Meditação geográfica sobre o Rio de Janeiro. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de Janeiro,
v. 24, n. 184, p. 58-59, 1965.

DEMANGEON, Albert. Uma Definição da Geografia Humana, in CHRISTOFOLETTI, Antônio,


Perspectivas da Geografia, São Paulo, 1982, p. 49-58.

_____. Problémes de géographie humaine. Paris : Armand Colin, 1942.

DERRUAU, Max. Tratado de geografía humana. Barcelona : Vicens-Vives, 1969. 681 p.

DIAS, Catharina Vergolino. Marabá : centro comercial da castanha. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 383-428, out./dez. 1958.

____. Aspectos geográficos do comércio da castanha no médio Tocantins. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, n. 21, n. 4, p. 517-532, out./dez. 1959.

DIAS, José Luciano de Mattos. Os engenheiros do Brasil. In: GOMES, Angela de Castro (Coord.).
Engenheiros e economistas : as novas elites burocráticas. Rio de Janeiro : FGV, 1994. p. 13-
81.

____. Registro oral, história e grandes organizações. In: FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.).
Entre-vistas : abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro : FGV, 1994. p.98-123.

DINIZ, José Alexandre Felizola. Geografia da Agricultura, São Paulo, Difel, 1984, 278p.

DINIZ, Eli. Crise, reforma do estado e governabilidade. Rio de Janeiro : FGV, 1997. 227 p.

____. Empresário, estado e capitalismo no Brasil 1930-1945. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978.
301 p.

____. O status do funcionário no órgão e o envolvimento na organização. Tese (Mestrado) T/ 416


s. Rio de Janeiro : FGV, 1987. 282 p.

DOMINGUES, Alfredo José P. Contribuição a Geologia da Região Centro-Ocidental da Bahia,


Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 57-82, jan./mar. 1947.

____. Contribuição ao Estudo da Geografia da Região Sudoeste da Bahia, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 185-248, abr./jun. 1947.

____. Contribuição a Geologia do Sudoeste da Bahia, Revista Brasileira de Geografia, Rio de


Janeiro, v. 10, n. 2, p. 255-287, abr./jun. 1948.

____. Estudo Sumário de Algumas Formações Sedimentares do Distrito Federal, Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p.443-464, jul./set. 1951.

____. Contribuição a Geomorfologia da Área de Folha Paulo Afonso, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p.27-56, jan./mar. 1952.

315
____. Provável Origem das Depressões Observadas no Sertão do Nordeste, Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p.305-315, jul./set. 1952.

____. Maciço do Itatiaia, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p.463-471,
out./dez. 1952.

____. O Planejamento Geográfico e a Participação do CNG. Revista Brasileira de Geografia, Rio


de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 217-220, abr./jun. 1964.

____, LIMA, Gelson R. , ALONSO, Terezinha A . , BULHÕES, Miguel G. Serra das Araras: os
movimentos coletivos do solo e aspectos da flora, Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 33, n. 3, p.3-51, jul./set. 1971.

____, KELLER, Elza Coelho de S. Bahia, Rio de Janeiro, IBGE, 1958, 310p. “Guia da Excursão n.
6, realizada por ocasião do XVIII Congresso internacional de Geografia”.

____, NIMER, Edmon, ALONSO, Maria Therezinha A. Quadro natural. In: Subsídios à
regionalização. Rio de Janeiro : IBGE, 1968. p. 11-36.

DOMINGUES, Heloisa M. Bertol. A Geografia e o Exótico Brasileiro, in I Encontro Nacional de


História do Pensamento Geográfico, Rio Claro, Unesp, Anais das Mesas Redondas, 1999. p.33-
42.

DOUGLAS, Mary. Cómo piensan las instituiciones. Madrid : Alianza Universidad, 1996. 202 p.

DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses : estado e industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de


Janeiro : Paz e Terra ,1985. 415 p.

DREIFUSS, René Armand. 1964 : a conquista do estado. Rio de Janeiro : Vozes, 1981. 814 p.

____. A internacional capitalista : estratégias e táticas do empresariado transnacional 1918-1986.


Rio de Janeiro : Espaço e Tempo, 1986. 497 p.

DUARTE, Aluísio Capdeville (org.). Área Central da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
IBGE, 1967, 158p.

____. Hierarquia de localidades centrais em áreas subpovoadas : o caso de Rondônia. Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 135-146, abr./jun. 1977.

DUNBAR, Gary S. (Ed.). Modern geography: an encyclopedic survey. New York : Garland, 1991.
219 p.

ECO, Humberto. Como se faz uma tese em ciências humanas. Lisboa : Presença, 1977. 267 p.

EGLER, Walter Alberto. A zona pioneira ao norte do rio Doce. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 223-264, abr./jun. 1951.

____. Aspectos gerais da cultura do fumo na região do recôncavo da Bahia. Boletim Geográfico, v.
10, n. 111, p. 679-688, nov./dez. 1952.

ENCONTRO comemorativo do centenário de Teixeira de Freitas. Rio de Janeiro : IBGE, 1994. 80


p. (Documentos para disseminação. Memória Institucional, n. 2).

ENTREVISTA. Geosul : Revista do Departamento de Geociências do Centro de Ciências


Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 6, n. 12/13, 2. sem. 1991/1.
sem. 1992.

316
ESCOLAR, Marcelo. Crítica do discurso geográfico. São Paulo : Hucitec, 1996. 175 p.

ESTUDOS para a geografia da indústria no Brasil sudeste. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 25, n. 2, p. 155-272, abr./jun. 1963.

EVANS, Peter. A tríplice aliança. Rio de Janeiro : 1980. 292 p.

FAISSOL, Speridião. O mato grosso de Goiás. Rio de Janeiro : - IBGE, CNG, 1952. 267 p.

____. Migrações Internas no Brasil e suas Repercussões no Crescimento Urbano e


Desenvolvimento Econômico, Rio de Janeiro, IBGE, 1973, 144p.

____. Cinqüenta anos de geografia : Entrevista. Revista GeoUERJ, Rio de Janeiro, n. 1, jan. , p.
79-94, 1997.

____. Memória : Speridião Faissol. Cadernos de Geociências, Rio de Janeiro, n. 15, jul./set. ,p.
165-181, 1995.

____. A geografia quantitativa no Brasil : como foi e o que foi? Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 21-52, out./dez. 1989.

____. A geografia na década de 80 : velhos dilemas e novas soluções. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 23-67, jul./set. 1987.

____. Planejamento e geografia : exemplos da experiência brasileira. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, t. 2, p. 85-98, 1988. Número especial

____. Problemas geográficos brasileiros : análises quantitativas. Revista Brasileira de Geografia,


Rio de Janeiro, v. 34, n. 1 a 4, p. 3-271, jan./dez, 1972.

____. Tendências Atuais na Geografia Urbano-regional: teorização e quantificação, Rio de Janeiro,


IBGE, 1978, 301p.

____. Urbanização e Regionalização: relações com o desenvolvimento econômico (organizador),


Rio de Janeiro, IBGE, 1975, 247p.

____. O espaço, território, sociedade e desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro : IBGE, 1994.
308 p.

FAORO, Raimundo. Os donos do poder : formação do patronato político brasileiro. São Paulo :
Globo, 1973. 632 p.

FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História, São Paulo, Brasiliense, 1987, 456
p.
_____. O Estado Novo no Contexto Internacional. In PANDOLFI, Dulce (Org.) Repensando o
Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, cap. 1, 1999, p.11-20.

317
FERNANDES, Bernardo Mançano. Questões teórico - metodológicas da pesquisa geográfica em
assentamentos de reforma agrária. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, v. 75, p. 83-130 ,
dez. 1998.

FERREIRA, Conceição Coelho, SIMÕES, Natércia. A evolução do pensamento geográfico. Lisboa


: Gradiva, 1986. 387 p.

FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Entre - vistas : abordagens e usos da história oral. Rio de
Janeiro : FGV, 1994. 172 p.

____. História Oral e Multidisciplinaridade. Rio de Janeiro : Diadorim : FINEP, 1994. 157 p.

____. Diário pessoal, autobiografia e fontes orais : a trajetória de Pierre Deffontaines. In:
INTERNATIONAL ORAL HISTORY CONFERENCE, 10., 1998, Rio de Janeiro. Proceedings...
Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, 1998. v. 1. p. 379-386.

____, AMADO, Janaína. Usos a abusos da história oral : apresentação. Rio de Janeiro : FGV,
1996.

FIGUEIREDO, Adma Hamam de. A divisão da floresta : uma reinterpretação do mapa político da
Amazônia brasileira. Rio de Janeiro, 1998, 321 p. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998.

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro : Forense - Universitária, 1987. 412 p.

FOURQUET, François. Les comptes de la puissance : histoire de la comptabilité nationale et du


plan. Paris : Encres, 1980. 462 p.

FREDRICH, Olga Maria B. L., BRITO, Sebastiana R. de, ROCHA, Sônia. Conceituação e
operacionalização da categoria de aglomerados rurais como situação de domicílio para fins
censitários. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro : IBGE, v. 44, n. 173/174, p. 199-
225, jan./jun. 1983.

FREIRE, Francisco Romero Feitosa. Pró-censo : algumas notas sobre os recursos para o
processamento de dados nos recenseamentos do Brasil. Rio de Janeiro : IBGE, 1993. 53 p.
(Documentos para disseminação. Memória Institucional, n. 3).

FREITAS, Mário Augusto Teixeira de. A redivisão política do Brasil. Rio de Janeiro : IBGE, 1948.
128 p.

____. Teses Estatísticas, in Teixeira de Freitas : pensamento e ação. Rio de Janeiro, IBGE, 1994.
p. 17 - 76. (Documentos para disseminação. Memória Institucional, n. 1).

____. Instituto Nacional de Estatística (Integra do discurso do ato de instalação do INE em


29/05/1936) In: Teixeira de Freitas : pensamento e ação. Rio de Janeiro, IBGE, 1994, p.103-
130. (Documentos para disseminação. Memória Institucional, n. 1).

____. Os cinco últimos septênios da evolução estatística brasileira 1943. In: Teixeira de Freitas :
pensamento e ação. Rio de Janeiro, IBGE, 1994, p. 113-130. (Documentos para disseminação.
Memória Institucional, n. 1).

FREMONT, Armand. A região, espaço vivido. Coimbra : Almedina, 1980. 275p. Edição original
1976.

318
FRIEDMANN, John. From knoledge to action : the dialetics of planning. Princeton N.J. : Princeton
University Press, 1985. 386 p.

____. Planning in Latin America : from technocratic ilusion to open democracy. Los Angeles :
School of Architeture and Urban Planning, Univesity of California, 1986. 123 p. (Discution Paper,
B 8612).

GALVÃO, Marília Velloso, FAISSOL, Speridião. Divisão regional do Brasil. In: WOOD, Harold.
Regionalización. Rio de Janeiro : Instituto Pan-Americano de Geografia e História, Comissão do
Rio de Janeiro, 1969. p. 244-255.

GALVÃO, Roberto. Introdução ao conhecimento da área maranhense abrangida pelo plano de


valorização econômica da Amazônia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 17, n.
3, p. 239-300, jul./set. 1955.

GARRIC, Robert. Nos réunions de methódes. Les Équipes Sociales, Paris, n. 4, avril. 1924, p. 49-
51.

GEIGER, Pedro Pinchas. Loteamento na Baixada da Guanabara. Anuário Geográfico do Estado do


Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.5, 1952, p.95-101.

____. Ensaios sobre a Baixada Fluminense. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de Janeiro, v. 10, n.
110, p. 571-579, set./out. 1952.

____. A região setentrional da Baixada Fluminense. Revista Brasileira de Geografia, Rio de


Janeiro, v. 18, n. 1, p. 3-69, jan./mar. 1956.
____. Urbanização e industrialização na orla oriental na Baía de Guanabara. Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 495-522, out./dez. 1956.

____. Ensaio para a estrutura urbana do rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 2, n.1, p. 3-46, jan./mar, 1960.

____. Aspectos das dimensões espaciais da industrialização no Brasil. In: ANAIS da Associação
dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, 1978. v. 19. p. 105-132.

____. Divisão do Brasil em micro-regiões homogêneas. Rio de Janeiro : IBGE, 1968. 564 p.

____. Evolução da rede urbana brasileira. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais, Ministério da Educação e Cultura, 1963. 465 p.

____. Industrialização e urbanização no Brasil, conhecimento e atuação da geografia. Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, t. 2, p. 59-84, 1988. Número especial.

____. In memorian Nilo e Lysia Bernardes. Revista Geográfica [do] IPGH, México, n.114, p. 111-
118, jul./dec. 1991.

____, SANTOS, Ruth Lyra. Notas sobre a evolução da ocupação humana na Baixada Fluminense.
Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 291-313, jul./set. 1954.

____, COELHO, Míriam Gomes. Estudos rurais da Baixada Fluminense 1951-1953. Rio de Janeiro
: IBGE, 1956. 211 p. (Biblioteca geográfica brasileira. Série A , n. 12).

319
_____, SANTOS, Ruth Lyra dos. Notas sobre a Evolução da Ocupação Humana na Baixada
Fluminense, Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, v. VIII, tomo I (1953-
1954),p. 233-264,1956.

GEORGE, Pierre Oscar Léon. Géographie Agricole du Monde, Paris, Presses Univertaires de
France (P.U.F.), 1946a, 432p.

_____. Géographie Sociale du Monde, Paris, P.U.F., 1946b, 398p.

_____. Géographie de L’énergie, Paris, Libraire de Médicis, 1950, 376p.

_____. Les Grands Marchés du Monde, Paris, P.U.F., 1953, 402p.

_____. Géographie de la Consommation, Paris, 1963, 419p.

_____. Alguns Problemas do Estudo Geográfico da População, in Visita de Mestres Franceses, rio
de Janeiro, IBGE, 1963, p.23-38.

_____. Pamorama du Monde Actuel, Paris, 1965, 298p.

_____. Conferências no Brasil, Rio de Janeiro, IBGE, 1970, 76p.

GERARDI, Lúcia Helena O . e SILVA, Barbara-Christine N. Quantificação em Geografia, São


Paulo, Difel, 1981, 161 p..

GLACKEN, Clarence J. Traces on the rhodian shore : nature and culture in western thougth from
ancient times to the end of the eighteenth century. Berkeley : University of California Press,
1967. 763 p.

GOLDENSTEIN, Lídia. Repensando a dependência. São Paulo : Paz e Terra, 1994. 173 p.

GOMES, Angela de Castro. (Coord.). Engenheiros e economistas : novas elites burocráticas. Rio
de Janeiro : FGV, 1994. 147 p.

GONÇALVES, Jayci de Mattos Madeira. IBGE : um retrato histórico. Rio de Janeiro, IBGE, 1995.
61 p. (Documentos para Disseminação. Memória Institucional, n. 5).

GOULD, Peter. The geographer at work. London : Routledge & Kegan Paul, 1985. 325 p.

____, WHITE, Rodney. Mental maps. London : Pelican Books, 1974. 204 p.

GOULD, Stephen Jay. Seta do tempo ciclo do tempo : mito e metáfora na descoberta do tempo
geológico. São Paulo : Companhia das Letras, 1991. 221 p.

GOUVEIA, Gilda. Portugal burocracia e elites burocráticas no Brasil. São Paulo : Paulicéia, 1994.
318 p.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel : a política e o estado moderno. Rio de Janeiro : Civilização


Brasileira, 1978. 444 p.

____. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo : Círculo do Livro, 1981. 220 p.

GREGORY, Derek. Ideología, ciencia y geografia humana. Madrid : Oikos-Tau, 1984. 302 p.

320
____, MARTIN, Ron, SMITH, Grahan. Geografia humana : sociedade, espaço e ciência social. Rio
de Janeiro : Jorge Zahar, 1996. 310 p.

GRUPO da geografia das indústrias. Estudos para a geografia das indústrias do Brasil sudeste.
Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 155-272, abr./jun. 1963.

GUERRA, Antônio Teixeira. Dicionário Geológico-Geomorfológico, Rio de Janeiro, IBGE, 1966,


411p.

____. Estudo Geográfico do Território do Acre, Rio de Janeiro, IBGE, 1955, 294p.

____. Estudo Geográfico do Território do Amapá, Rio de Janeiro, IBGE, 1954, 361p.

____. Estudo Geográfico do Território do Rio Branco, Rio de Janeiro, IBGE, 1957, 255p.

_____, GUERRA, lgnez Amélia L. T. Recursos Naturais do Brasil, Rio de Janeiro, IBGE, 1975,
217p.
____, ____. Subsídios para uma nova divisão política do Brasil. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 169-208, abr./jun. 1960.
GUIMARÃES, Alberto Passos, Divisão do Distrito Federal em Quadros Urbanos, Suburbano e
Rural, Para Fins Censitários, Rio de Janeiro, IBGE, 1951, 26p.

____. As Favelas do Distrito Federal e o Censo Demográfico de 1950, Rio de Janeiro, IBGE, 1952,
47p.

GUIMARÃES, Fábio de Macedo Soares. Divisão regional do Brasil. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 318-373, abr./jun. 1941. Reimpressão no v.. 50, t. 1,
1988. Número especial.

____. Divisão Regional do Brasil, Rio de Janeiro, IBGE, 1942, 48p.

____. O planalto central e o problema da mudança da capital do Brasil. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 471-542, out./dez. 1949.

GUIMARÃES, Luiz Sérgio Pires. Notas Sobre os Principais Acontecimentos na Agricultura


Brasileira no Primeiro Semestre de 1979: conseqüências sociais da seca no Nordeste, Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 41, n. 4, p. 90-99, out./dez. 1979.

GUSDORF, Georges. De l’histoire des sciences à l’histoire de la pensée. Paris : Payot, 1977. 367
p.

GUSMÃO, Rivaldo Pinto de. Estudo da Organização Agrária da Região Sul Através de uma
Análise Fatorial, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. 33-52, jan./mar.
1974.

_____. Contribuição a Metodologia do Estudo de Concentração em Geografia Agrária, Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 3, p. 137-143, jul./set. 1977.

____. Os Enfoques Preferenciais nos Estudos Rurais no IBGE, Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p. 142-146, jan./mar. 1978.

321
____. (coord.) Diagnóstico Brasil : a ocupação do território e o meio ambiente. Rio de Janeiro :
IBGE, 1990. 170 p.

HAGGETT, Peter. Locational analysis in human geography. London : Edward Arnold, 1971. 339 p.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. 305 p.

HARRIS, Chauncy D. , ULLMAN, Edward. The Nature of Cities in MAYER, Harold and KOHN,
Clyde F. Readings in Urban Geography, Chicago, The University of Chicago Press, 8 th
impression, p. 277-286, 1971.

HARVEY, David. Explanation in geography. London , Edward Arnold, 1969, 619 p.

______. Social Justice and the City, London, Edward Arnold, 1973, 437p.

HASENBALG, Carlos, SILVA, Nelson do Valle. Estrutura social, mobilidade e raça. Rio de Janeiro :
Vértice, 1989. 373 p.

HEMERLY, Jorge Antônio Morrot. A Revista Brasileira de Geografia e a Produção Geográfica no


Brasil (1939-1950), Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, tese de
mestrado, 1996, 97 p.

HEES, Dora Rodrigues. Transformações Técnicas e Relações de Trabalho na Agricultura


Brasileira. Revista Brasileira de Geografia, v.45,n.1,p.3-50, jan./mar., 1983.

_____. A Evolução da Agricultura na Região Centro Oeste na Década de 70. Revista Brasileira de
Geografia, v.49,n.1,p.197-257, jan./mar., 1987.

_____. A Apropriação do espaço agrário pela Pecuária no Centro Oeste, Revista Brasileira de
Geografia, v.50,n.1,p.41-60, jan./mar., 1988.

_____, OLIVEIRA, Evangelina X.G., THÉRY, Hervé, WANIEZ, Philippe. As “Fronteiras” Agrícolas
do Brasil: segundo o censo agropecuário de 1985, Montpellier, 1992, 16p. (edição bilingüe
português/francês).

HISTÓRICO - Atividades 1936-1976. Rio de Janeiro : IBGE, 1976. 19 p

HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo : Martins Fontes, 1995. 317 p.

IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil 1930-1970. São Paulo : Civilização
Brasileira, 1971. 276 p.

IBGE. Vultos da Geografia do Brasil, Rio de Janeiro, 1940a, 23p. (coletânea das ilustrações
publicadas na RBG).

IBGE. Vultos da Geografia do Brasil, Rio de Janeiro, 1942, 47p. (coletânea das ilustrações
publicadas na RBG – edição especial comemorativa do batismo cultural de Goiânia).

IBGE. Exposição Nacional dos Mapas Municipais, Rio de Janeiro, 1940b, 62p.

IBGE. A Localização da Nova Capital , Rio de Janeiro, IBGE, 1948a, 91 p.

322
IBGE. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Educação: elucidário apresentado à
Primeira Conferência Nacional de Educação, Rio de Janeiro, 1941, 2v. v.1- 847p., v.2-382p.

IBGE. Resoluções do Diretório Central do CNG, Rio de Janeiro, 1951, 603p.

IBGE. Resoluções da Assembléia Geral do CNG, Rio de Janeiro, 1951, 568p.

IBGE. Estudos da Zona de Influência da Cachoeira de Paulo Afonso, Rio de Janeiro, IBGE, 1952,
411p. (vários autores do CNG e do M.A.).

IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Rio de Janeiro, IBGE, 1957-1964, 36v. Reedição
em CD-ROM, 18 cds. Rio de Janeiro, IBGE, 2000.

IBGE. Divisão Regional do Brasil – Centro Oeste, Rio de Janeiro, IBGE, 1948b, 60p. (sem
definição de autores).

IBGE. Divisão Regional do Brasil – Sul, Rio de Janeiro, IBGE, 1949a, 107p. (sem definição de
autores)

IBGE. Divisão Regional do Brasil – Norte, Rio de Janeiro, IBGE, 1949b, 78p. (sem definição de
autores)

IBGE. Divisão Regional do Brasil – Leste, Rio de Janeiro, IBGE, 1950a, 103p. (sem definição de
autores)

IBGE. Divisão Regional do Brasil – Nordeste, Rio de Janeiro, IBGE, 1950b, 116p. (sem definição
de autores)

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Centro-Oeste, , Rio de Janeiro, IBGE, 1950c, 452p.

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Norte, Rio de Janeiro, IBGE, 1959, 422p.

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Meio Norte e Nordeste, Rio de Janeiro, IBGE, 1962,
562p.

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Leste, Rio de Janeiro, IBGE, 1965, 486p.

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Sul, Tomo I, Rio de Janeiro, IBGE, 1968, 211p.

IBGE. Geografia do Brasil – Grande Região Sul, Tomo II, Rio de Janeiro, IBGE, 1968, 371p.

IIBGE. Aspectos da Geografia Carioca, Rio de Janeiro, 1962, 172p.

IBGE. Curso de Informações Geográficas, Rio de Janeiro, 1962, 83p.

IBGE. Classificação de Cargos, Enquadramento e Relações Nominais, Rio de Janeiro,


Departamento de Imprensa Nacional, 1962, 237 p.

IBGE Grupo de Geografia da Indústrias. Estudos para a Geografia das Indústrias do Brasil
Sudeste, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.25,n.2, p. 155-272, abr. /jun. 1963.

IBGE. Guia de Uma Excursão pelo Estado da Guanabara, Rio de Janeiro, 1965, 79p.

IBGE. Curso de Férias Para Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Médio, Rio de Janeiro,
1965, 357p.

323
IBGE. A Área Central da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1967, 158p.

IBGE. Curso de Geografia da Guanabara, Rio de Janeiro, 1968, 189p.

IBGE. Curso de Geografia Para Professores do Ensino Superior, Rio de Janeiro, 1968, 232p.

IBGE. Curso de Geografia Para Professores do Ensino Superior, Rio de Janeiro, 1970, 182p.

IBGE Grupo de Trabalho do DEGEO. Áreas de Pesquisa para Determinação de Áreas


Metropolitanas, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.31,n.4, p. 53-127, out/dez
1969.

IBGE. Esboço Preliminar de Divisão do Brasil nas Chamadas “Regiões Homogênas”, 2 vol. Rio de
Janeiro, jan. 1967a, sem numeração.

IBGE. Esboço Preliminar de Divisão do Brasil em Espaços Polarizados, Rio de Janeiro, jan.
1967b, sem numeração.

IBGE. Divisão do Brasil em Micro-Regiões Homogêneas, 4vol. , Rio de Janeiro, 1968a, v.1, 279p.
v.2, 280-795p. v.3, 796-1315p. v.4, 1316-1578p.

IBGE. Subsídios à Regionalização. Rio de Janeiro, IBGE, 1968b, 217p.

IBGE. Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas, Rio de Janeiro, 1972, 112p.

IBGE. Tipos e Aspectos do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 10a ed., 1975, 506p.

IBGE. Grupo de Estudos de Regionalização. Proposição Metodológica para e Revisão da Divisão


do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
v.38, n.2, p. 100-129, abr./jun. 1976a.

IBGE. Grupo de Estudos de Regionalização. Avaliação da Metodologia Proposta para a Revisão


da Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v.38, n.3, p. 3-30, jul../set. 1976b.

IBGE. Geographic Contribuition to 23rd General Assembly of IGU- Moscow , Rio de Janeiro, 1976c,
147p.

IBGE. Região do Cerrado: uma caracterização do desenvolvimento do espaço rural, Rio de


Janeiro, 1979, 336p.

IBGE. Regiões de Influência das Cidades, Rio de Janeiro, IBGE / MHU,1987,


209 p.

IBGE. Fauna do Cerrado: lista preliminar de aves, mamíferos e répteis, Rio de Janeiro, 1981, 222p.

IBGE / Fundação Nacional Pró-Memória. Mapa Etno Histórico de Curt Nimuendaju, Rio de Janeiro,
1897, 93p.

IBGE. Um Estudo do Meio Físico com Fins de Aplicação ao Planejamento do Uso Agrícola da
Terra no Sudoeste de Goiás, Rio de Janeiro, 1989, 212p.

IBGE. Contribuição ao Estudo da Geomorfologia da Área de Rondonópolis com Fins ao Uso da


Agrícola da Terra, Rio de Janeiro, 1989, 83p.

324
IBGE. Divisão Regional do Brasil em Mesorregiões e Microrregiões Geográficas, 2vol. Rio de
Janeiro, 1992, v.1, 135p. v.2 tomo1, 124p. v.2 tomo2, 302p.

IBGE. Plano Geral de Informações Estatísticas e Geográficas – PGIEG (Proposta), Rio de Janeiro,
1992, 167p.

IBGE / IPEA. PMACI I Diagnóstico Geoambiental e Sócio-Econômico: área de influência da BR-


364 trecho Porto Velho / Rio Branco, Rio de Janeiro,1990, 132p.

IBGE. Estudos e Pesquisas do IBGE: Uma Síntese, Rio de Janeiro, 1993, 57p.

IBGE. Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal: Nota Técnica, Rio de Janeiro, IBGE / Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), 1993, 16p.

IBGE / IPEA. PMACI II Diagnóstico Geoambiental e Sócio-Econômico: área de influência da BR-


364 trecho Rio Branco / Cruzeiro do Sul, Rio de Janeiro, IBGE, 1994, 144p.

IBGE. Geoprocessamento no IBGE. Rio de Janeiro, dez. 1994, 47p.

IBGE. IBGE e o projeto agência executiva. Documentos técnico - setoriais para o planejamento
estratégico. Rio de Janeiro , IBGE, 1999.

IBGE. Brasil 500 anos de povoamento, Rio de Janeiro, IBGE, 2000, 231p.

INNOCÊNCIO, Ney Rodrigues, OLIVEIRA, Tereza Maria R. Transformações Técnicas e Relações


de Trabalho na Agricultura Brasileira em Äreas de Nível mëdio de Modernização. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 45. n.3/4, p. 263-310, jul./dez.1983.

____. Organização Agrária e Marginalidade Rural

JAMES, Preston Everett. O Problema da Colonização Permanente no Sul do Brasil. Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 1. n.4, p. 70-84, out./dez.1939.

____. Tipos de uso da terra no nordeste do Brasil. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de Janeiro,
v. 18, n. 156, p. 353-377, maio/jun. 1960. Transcrição de Annals of the Association of American
Geographers, v. 43, n. 2, Jun.1953.

_____. A Bacia do São Francisco: um sertão brasileiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 11, n.1, p. 119-122, jan./mar.1949.

JONES, Clarence Field. A Fazenda Miranda em Mato Grosso. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 12, n.3, p. 353-370, jul./set.1950 e v. 12, n. 4, p. 587-588, out./dez.,1950.

JOHNSTON, Robert J. The future of geography. London : Methuen, 1985. 345 p.

KAYSER, Bernard. Geógraphe : entre espace et development. Toulouse : Press du Mirail,


1985. 415 p.

KELLER, Elza Coelho de Souza. As funções regionais e a zona de influência de Campinas.


Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 3-39, abr./jun. l969.

____. Mapeamento da Utilização da Terra. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 31,
n. 3, p. 151-160, jul./set. l969.

____. Tipos de Agricultura no Paraná: uma análise fatorial. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 32, n. 4, p. 41-86, out./dez. l970.

325
KIDDER, Louise. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo : EPU, 1987. 465 p.

KOSSMANN, Hortense, RIBEIRO, Miguel Ângelo C. Distribuição Espacial das Cadeias de Lojas do
Comércio Varejista no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 46,
n.1, p.197-218, jan./mar. l984.

KUHLMANN, Edgar. Aspectos Gerais da Vegetação do alto São Francisco, Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 13, n.3, p.465-472, jul./set. 1951.

____. Vegetação Campestre do Planalto Meridional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 14, n.2, p.181-198, abr./jun. 1952.

____. A Vegetação de Mato Grosso: seus reflexos na economia do estado, Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 16, n.1, p.77-122, jan./mar. l954.

____, SILVA, Zélia L. Subsídios aos Estudos da Problemática do Cerrado, Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 42, n.2, p.361-381, abr./jun. 1980.

____, ____. Alteração da Cobertura Vegetal do Sul da Bahia, Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 45, n.3/4, p.393-418, jul./dez. 1983.

____, ____, ENEAS, Yara S. Cobertura Vegetal da Região do Cerrado: carta de cobertura vegetal,
Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 45, n.2, p.205-231, abr./jun. 1983.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo : Perspectiva, 1975. 262 p.

____. La tensión esencial : estudios selectos sobre la tradición y el cambio en el ámbito de la


ciencia. Madrid : Fondo de Cultura Económica, 1982. 380 p.

LA BLACHE, Paul Vidal de. As Características Próprias da Geografia, in CHRISTOFOLETTI,


Antônio (org.) Perspectivas da Geografia, São Paulo, Difel, 1982, p.37-48.

LACERDA, Aline Lopes de. A “Obra Getuliana” ou como as imagens comemoram o regime,
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 7 no 14, 1994 p. 241-263.

LACOSTE, Yves A Geografia Serve Antes de Mais Nada para Fazer a Guerra, Lisboa, Iniciativas
Editoriais, 1977. 153p. ( Cópia não autorizada, sem indicação de editora e ano, 135p.
possivelmente editada no Rio de Janeiro em 1980 ).

LAKATOS, Imre, MUSGRAVE, Alan. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo :


Cultrix : Universidade de São Paulo, 1979. 343 p.

LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e o brejo. Rio de Janeiro : IBGE, Conselho Nacional de
Geografia, 1945. 403 p . (Setores da evolução fluminense, n. 4).

____. O homem e a restinga. Rio de Janeiro : IBGE, Conselho Nacional de Geografia, 1946. 224 p.
(Biblioteca geográfica brasileira. Livro, n. 2).

____. O homem e a Guanabara. Rio de Janeiro : IBGE , Conselho Nacional de Geografia, 1948.
294 p. (Biblioteca geográfica brasileira. Série A, n. 5).

_____. O homem e a serra. 2. ed. Rio de Janeiro : IBGE, Conselho Nacional de Geografia, 1963.
454 p. (Biblioteca geográfica brasileira. Livro, n 8).

326
LAW, John. Organizing modernity. Oxford : Blackwell, 1994 342 p.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas : Unicamp, 1994. 553 p.

LIMA, Olga Maria Buarque. População. In: Subsídios à regionalização. IBGE, Divisão de
Geografia, 1968. 208 p. p. 37-58.

LITERATURA econômica : a memória da produção do IPEA. set. 1989. 652 p. Número especial.

LIVINGSTONE, David N. The history of science and the history of geography : interactions and
implications. History Science, v. 22, n. 4, p. 134-148, 1984.
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer (Org.). Manoel Maurício de Albuquerque : mestre - escola bem
amado historiador maldito. Rio de Janeiro,Jorge Zahar, 1987. 234 p.

LOUREIRO, Maria Rita. Os economistas no governo. Rio de Janeiro : FGV, 1997. 201 p.

LOWENTHAL, David. The past is a foreign country. Cambridge : Cambridge University Press,
1985. 568 p.

MACHADO, Lia Osório. Origens do pensamento geográfico no Brasil : meio tropical, espaços
vazios e a idéia de ordem 1870-1930. In: CASTRO, Iná E., GOMES, Paulo C. C., CORRÊA,
Roberto L. Geografia : conceitos e temas. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1995. p. 309-353.

______. Emplacement of Ideas: the development of geographical thougth in Brazil in the early 20th
century, Finisterra, XXXIII, 65, 1998, p.195-207.

_____. As Idéias no Lugar. O Desenvolvimento do Pensamento Geográfico no Brasil, in I


Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico, Rio Claro, Unesp, Anais das Mesas
Redondas, 1999. p.1-12.

MACHADO, Mônica Sampaio. Uma Contribuição à História Institucional da Geografia Carioca in I


Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico, Rio Claro, Unesp, Eixos Temáticos, vol.
1, 1999. p.147-151.

MAGNANINI, Alceo. As Regiões Naturais do Amapá, Revista Brasileira de Geografia, Rio de


Janeiro, v. 14, n. 3, p. 243-304, jul./set. 1952a.

_____. A Situação Atual da Biogeografia no Brasil: suas características e problemas, Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 377-408, out./dez. 1952b.

_____. Notas Sobre a Vegetação-Clímax e seus Aspectos no Brasil, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 235-243, jan./mar. 1961a.

_____. Aspectos Fitogeográficos do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 23,
n. 4, p. 681-690, out./dez. 1961.

MAGNANINI, Ruth da Cruz. Estrutura Profissional do Nordeste e Leste Meridional, Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 474-480, jul./set. 1962.

MAIMON, Dália, GEIGER, Pedro P., BAER, Werner. O impacto regional das políticas econômicas
no Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 3, p. 3-53, jul./set. 1977.

MAIO, Celeste Rodrigues. Geomorfologia do Brasil: fotos e comentários, Rio de Janeiro, IBGE,
1973, 201p.

327
MALAN, Pedro S. et al. Política econômica externa e industrialização no Brasil 1932/1952. Rio de
Janeiro : IPEA / INPES, 1977. 95 p. (Relatório de Pesquisa, n. 36).

MARTIN, Geoffrey J. The life and thought of Isaiah Books. Connecticut : Hamden, 1980, 487 p.

MARTINS, Carlos Estevan. Tecnocracia e capitalismo : a política dos técnicos no Brasil. São Paulo
: Brasiliense, 1974. 368 p.

MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós 64. São Paulo : Paz e Terra,
1985. 384 p.

MARTONE, Emmanuel de. Problemas morfológicos do Brasil tropical atlântico. Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 523-550, out./dez. 1943. Reimpressão no v. 50, t. 1,
1988. Número especial.

MASSENA, Rosa R. O Valor da Terra Urbana no Município do Rio de Janeiro, Revista Brasileira
de Estatística, v.37 n.148, p. 483-536, out./dez., 1976.

_____. O Impacto do Metrô sobre a Alocação dos Recursos Públicos em Infra-Estrutura Urbana no
Estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 45, n.1, p. 111-
122, jan./mar., 1986.

_____. A Distribuição Espacial da Criminalidade Violenta na Região Metropolitana do Rio de


Janeiro, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 285-330, jul./set., 1986.

MASSEY, Doreen. New directions in space. In: GREGORY, Derek, URRY, John (Org.). Social
relations and spatial structures. London : The Mac Millam Education, 1985. p. 87- 112.

MATTOS, Regina. Introdução à geografia : geografia e ideologia de Nelson Werneck Sodré.


Revista de Cultura Vozes, v. 74, n. 4, p. 315, maio, 1980. Resenha.

MATZNETTER, Josef. O Sistema Urbano no Norte e Nordeste do Brasil e a Influência das Novas
Estradas, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 43, n.1, p. 99-122, jan./mar., 1981.

MAYER, Harold M., KOHN, Clyde F. Readings in urban geography. Chicago : The University of
Chicago Press, 1959. 625 p.

MAYHEW, Bruce H., LEVINGER, Roger L. On the emergence of oligarchy in human interaction.
American Journal of Sociology, New York, v. 81, n. 5, p. 1017-1049, mês 1976.

McLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutemberg : a formação do homem tipográfico. São Paulo :


Nacional, 1972. 274 p.

MELLO, Nilo David C. Mobilidade Residencial na Cidade do Rio de Janeiro: um estudo de


estratificação sócio-espacial. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1981. 151 p.

MELLO, João Batista. O Rio de Janeiro dos Compositores da Música popular Brasileira 1928/1991:
uma introdução à Geografia Humanística. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, Programa
de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1991. 301 p.

MENDOZA, Josefina, JIMENDEZ, Júlio, CANTERO, Nicolas Ortega. O Pensamiento


Geográfico. Madrid : Alianza, 1982. 530 p.

328
MESQUITA, Myriam Gomes Coelho. Aspectos geográficos do abastecimento do Distrito Federal
em gêneros alimentícios de base. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2,
p. 165-190, abr./jun. 1959.

MESQUITA, Olindina Vianna. O modelo de Von Thunen : uma discussão. Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 60-130, abr./jun. 1978.

____, SlLVA, Solange T., MAlA, Maria Elisabeth C. S. T. Regiões Agrícolas. In: Subsídios à
regionalização. Rio de Janeiro : lBGE, Divisão de Geografia, 1968. p. 59-128.

____, ____. Regiões Agrícolas do Paraná: uma definição estatística. Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, p. 3-42, jan./mar. 1970.

____, GUSMÃO, Rivaldo P. , SILVA, Solange T. Proposição Metodológica para o Estudo de


Desenvolvimento Rural no Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 38, n. 3, p.
93-115, jul./set. 1976

____, _____, _____. Modernização da Agricultura Brasileira, Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 3-65, out./dez. 1977.

MEZAN, Renato. Freud, pensador da cultura. São Paulo : Brasiliense, 1985. 652 p.

____. Escrever a clínica. São Paulo : Casa do Psicólogo, 1998. 477 p.

MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil. São Paulo : Difel, 1979 382 p.

___. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1988. 184 p.

MIGUEL, Jesús M. de. Auto/Biografias. Madrid : Centro de Investigaciones Sociológicas, 1996. 197
p. (Cuadernos metodológicos, n. 17).

MONBEIG, Pierre. O estudo geográfico das cidades. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de Janeiro,
v. 1, n. 7, p. 113- 137, 1943.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueredo. O conflito metodológico na geografia atual : um apelo à


filosofia da ciência. In: ANAIS da Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, 1978. v. 19.
p. 133-148.

____. Notas para o Estudo do Clima do Centro-Oeste Brasileiro, Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 3-46, jan./mar. 1951.

____. Geografia no Brasil 1934-1977 : avaliação e tendências. São Paulo : Instituto de Geografia
da Universidade de São Paulo, 1980. 204 p. (Série teses e monografias, n. 37).

___. Travessia da crise : tendências atuais na geografia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 50, t. 2, p. 127-150, 1988. Número especial.

MORAES, Antônio Carlos Robert. Contribuição para uma História Crítica do Pensamento
Geográfico: Alexandre Von Humbold, Karl Ritter e Friedrich Ratzel, São Paulo, USP,
Dissertação de Mestrado, Departamento de Geografia, 1983, 508 p.

____. Ideologias Geográficas, São Paulo, Hucitec, 1991, 156 p.

____. Historicidade, Consciência e Construção do Espaço: Notas para um Debate, Métodos em


Questão, n. 18, São Paulo, USP IG, 1983, 14p.

329
____. COSTA, Wanderley Messias da. Geografia e o Processo de Valorização do Espaço in
SANTOS, Milton (org.) Novos Rumos da Geografia Brasileira, São Paulo, Hucitec, 1982. p. 111-
130.

MOREIRA, Rui (org.) Geografia e Sociedade: Os Novos Caminhos do Pensamento Geográfico,


Revista de Cultura Vozes , ano 74, v. LXXIV, n. 4, maio, 1980, 79p.

____. (org.) Geografia : Teoria e Crítica : O Saber Posto em Questão. Petrópolis : Vozes,1982. 197
p.

MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira 1933-1974. São Paulo : Ática, 1977. 303
p.

MOTOYAMA, Shozo (Ed.). Tecnologia e industrialização no Brasil. São Paulo : UNESP, 1994. 450
p.

MOTTA, Fernando C. Prestes. As formas organizacionais do estado. Revista de Administração de


Empresas, Rio de Janeiro, FGV, v. 28, n. 4, p. 15-32, out./dez. 1988.

MOTTA, Marly da Silva. Economistas : intelectuais e "mágicos". In: GOMES, Angela de Castro
(Coord.). Engenheiros e economistas : novas elites burocráticas. Rio de Janeiro : FGV, 1994. p.
82-140.

MOURA, Gentil de. A geografia nacional. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
São Paulo, n. 15, p. 208-218, ago., 1910.

MÜLLER, Nice Lecocq. Evolução e estado atual dos estudos de geografia urbana no Brasil. In:
SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA URBANA, 1968, Rio de Janeiro, Instituto Panamericano de
Geografia e História Comisión de Geografia,1968. p.13-58.

NIETHAMMER, Lutz. Conjunturas de identidade coletiva. In: ANTONACCI, Maria Antonieta,


PERELMUTTER, Daisy. Ética e história oral. São Paulo : PUC, 1997. p. 119-144. (Projeto
história, n. 15)

NlMER, Edmon. Circulação Atmosférica do Nordeste e suas Conseqüências: o fenômeno das


secas, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 1964.

____. Circulação Atmosférica do Brasil: contribuição ao estudo da climatologia do Brasil, Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 232-250, jul./set. 1966.

_____. Análise Dinâmica da Precipitação Pluviométrica na Região Serrana do Sudeste do Brasil,


especialmente na Serra das Araras, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 33, n. 3,
p. 53-162, jul./set. 1971.

_____. Climatologia da Região Sul do Brasil: introduçào à climatologia dinâmica; subsídios à


geografia regional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 33, n. 4, p. 3-65,
out./dez. 1971.

_____. Climatologia da Região Sudeste do Brasil: introdução à climatologia dinâmica; subsídios à


geografia regional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 34, n. 1, p. 3-48,
jan./mar. 1972.

_____. Climatologia da Região Nordeste do Brasil: introdução à climatologia dinâmica; subsídios à


geografia regional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 34, n. 2, p. 3-51,
abr./jun. 1972.

330
_____. Climatologia da Região Norte do Brasil: introdução à climatologia dinâmica; subsídios à
geografia regional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 34, n. 3, p.124-
153, jul./set. 1972.

_____. Climatologia da Região Centro_Oeste do Brasil: introdução à climatologia dinâmica;


subsídios à geografia regional do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 34,
n. 4, p.3-30, out./dez. 1972.

_____. Descrição, Análise e Interpretação Conceitual do Sistema de Classificação de Climas de C.


W. Thornthwaite, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 1, p.87-109, jan./mar.
1977.

_____. Um Modelo Metodológico de Classificação de Climas, Revista Brasileira de Geografia, Rio


de Janeiro, v. 41, n. 4, p.59-89, out./dez. 1979.

____. Subsídio ao Plano de Ação Mundial Para Combater a Desertificação: programa das Nações
Unidas para o meio ambiente – PNUMA, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 42,
n. 3, p.612-637, jul./set. 1980.

____. Algumas Considerações a Propósito do Balanço Hídrico e Clima das Áreas de Pirenópolis,
Formosa e Luziânia: áreas periféricas ao Distrito Federal, Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 45, n. 2, p. 233-241, abr./jun. 1983.

____. Descrição, análise e interpretação conceitual do sistema de classificação de climas de C. W.


Thornthwaite. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 1, p. 87-109, jan./mar.
1977.

____, BINSZTOK, Jacob. Castelo e suas relações com o meio rural : área de colonização italiana.
Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 29, n. 4, p. 44-77, out./dez. 1951.

____, FILHO, Arthur A. P., AMADOR, Elmo S. . Análise da Precipitação na Região do Cariri
Cearense: contribuição ao estudo da climatologia dinâmica no nordeste brasileiro, Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 3-38, jan./mar. 1971.

____, BRANDÃO, Ana Maria P. M. Instruções e Tabelas para Computação da Evapotranspiração


Potencial e Balanço Hídrico Ano a Ano a Partir de Valores Mensais, Revista Brasileira de
Geografia, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 267-282, abr./jun. 1981.

NORA, Pierre, LE GOFF, Jacques. História : novos objetos. Rio de Janeiro : Francisco Alves,
1995. 235 p.

NUNES, Edson de Oliveira. Tipos de capitalismo. Instituições e ação social : notas para uma
sociologia política do Brasil contemporâneo. Dados, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 18-35, 1985.

____. A gramática política do Brasil : clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro : Zahar
: ENAP, 1997. 146 p.

OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984.
297 p.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República, São Paulo, Brasiliense, 1990.

_____. A Conquista do Espaço: Sertão, Fronteira e Região no Pensamento Brasileiro, in I Encontro


Nacional de História do Pensamento Geográfico, Rio Claro, Unesp, Anais das Mesas
Redondas, 1999. p.47-60.

331
_____. Vargas, os Intelectuais e as Raízes da Ordem, In: D’ARAUJO, Maria Celina. As Instituições
Brasileiras da Era Vargas. Rio de Janeiro, Ed.Uerj / FGV, 1999, p. 83-96.

O’NEILL, Maria Mônica C. Condomínios Exclusivos : um estudo de caso, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 63-81, jan./mar.,1986.

_____, NATAL, Marília C. Mobilidade Residencial: alguns comentários. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, p. 125-131, abr./jun.,1988.

OSZLAK, Oscar. La teoria de la burocracia estatal. Madrid : Paidos, 1984. 365 p.

PENHA, Eli Alves. A criação do IBGE no contexto da centralização política do Estado Novo. Rio de
Janeiro : IBGE, 1993. 123 p. p. 124. (Documentos para disseminação. Memória institucional, n.
4).

PENTEADO, Margarida Maria. Fundamentos de Geomorfologia, Rio de Janeiro, IBGE, 1974, 180p.

PEREIRA, José Veríssimo da Costa. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. As
ciências no Brasil. São Paulo : Melhoramentos, 1955. p. 349-461.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A sociedade estatal e a tecnoburocracia. São Paulo : Brasiliense,
1980. 318 p.

PERLMUTTER, Daisy, ANTONACCI, Maria Antonieta (Orgs.). Ética e história oral. São Paulo :
PUC, 1997. 293 p. (Projeto história, n. 15).

PHILO, Chris. História, geografia e o “mistério ainda maior” da geografia histórica. In: GREGORY,
Derek, MARTIN, Ron, SMITH, Graham. Geografia humana : sociedade, espaço e ciência social.
Rio de Janeiro : Zahar, 1995. p. 260-298.

PHILBRICK, Allen K. Principles of areal function of organization in regional human geography.


Economic Geography, Worcester, v. 58, n. 1, p. 299-336, jan. 1957.

PINTO, Dulce Maria Alcides. Indústrias. In: Subsídios à regionalização. Rio de Janeiro : IBGE,
1968. 208 p. p. 129-156.

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho : algumas reflexões sobre a ética na


história oral. In: ANTONACCI, Maria Antonieta, PERELMUTTER, Daisy. Ética e história oral.
São Paulo : PUC, 1997. p. 13-50. (Projeto História, n. 15).

PRADO Jr., Caio. Aires de Casal : o pai da geografia brasileira, e sua corografia brasilica. In:
PRADO Jr, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1945. 462 p.

PROPOSIÇÃO metodológica para a revisão da divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas.


Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 38, n. 2, p. 100-129, abr./jun. 1976.

PUBLICAÇÕES editadas pelo IBGE. Rio de Janeiro : IBGE, 1984. v. 1: Periódicos.

PUBLICAÇÕES editadas pelo IBGE. Rio de Janeiro : IBGE, 1985. v. 2: Monografias. REVISTA
BRASILEIRA DE GEOGRAFIA 1939-1983 : sumários e índices. Rio de Janeiro, v. 47, n. 1/2, p.
3-313, jan./jun. 1985.

QUADRO natural. In: SUBSÍDIOS à regionalização. Rio de Janeiro : IIBGE, 1968. 252 p. p. 11-36.

QUEIROZ, Maria Isaura P. de. Relatos orais : do “indizível” ao “dizível”. Ciência e Cultura, São
Paulo, v. 39, n. 3, p. 272-286, mar. 1987.

332
RAMON, Maria Dolors G., FONT, Joan Nogué, MAS, Abel Albet. La prática de la geografía en
Espanha. Barcelona : Oikos-Tau, 1992. 250 p.

REIS, Fábio Wanderley. Avaliação das ciências sociais. In: SCHWARTZMAN, Simon. A
capacitação brasileira para a pesquisa científica e tecnológica. Rio de Janeiro : FGV, 1996. p.
93-122.

REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, v. 50, t. 2, 1988, 150 p. Número especial.

RIBEIRO, Miguel Angelo C. Padrões de localização e estrutura de fluxos dos estabelecimentos


industriais na Região Metropolitana de Salvador. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 44, n.4, p.591-637, out./dez., 1982.

____. A Complexidade da Rede Urbana Amazônica: três dimensões de análise. Rio de Janeiro,
Instituto de Geociências da UFRJ, Tese de Doutorado, 2v. , 1998, . v.1 335 p, v.2 205p.

____. 1997

ROCHEFORT, Michel. Métodos de estudo das redes urbanas. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio
de Janeiro, v. 19, n. 160, 1959, p. 3-18.

____. A organização urbana da Amazônia média. Boletim Carioca de Geografia, v. 12, n. 3-4,
1959, p. 15-29.

____. Redes e sistemas : ensinando sobre o urbano e a região. São Paulo : Hucitec,1998. 174 p.
(prefácio de Maria Adélia Aparecida de Souza).
ROMARIZ, Dora Amarante. Mapa da Vegetação Original do Estado do Paraná, Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 597-612, out./dez. 1953.
_____. Aspectos da Vegetação do Brasil, Rio de Janeiro, IBGE, 1974, 60p.

ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. 406 p.

_____. Os sinais do tempo : história da terra e história das nações de Hooke a Vico. São Paulo :
Companhia das Letras, 1992. 387 p.

_____. A ciência e a filosofia dos modernos. São Paulo : UNESP : Istituto Italiano di Cultura, 1992.
389 p.

ROSTOW, Walt W. The stages of economic Growth : a non - comunist manifesto. Cambridge
Mass. : Harvard University Press, 1961. 415 p.

ROUDINESCO, Elisabeth. História da psicanálise na França : a batalha dos cem anos 1925-1985.
Rio de Janeiro : Zahar, 1988. v. 2. 835 p.

____. Jacques Lacan : esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo :
Companhia das Letras, 1994. 548 p.

RUELEAN, Francis. Orientação Científica dos Métodos de Pesquisa Geográfica, Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p.51-60, jan./mar. 1943.

_____. Os Métodos Modernos de Ensino da Geografia, Rio de Janeiro, IBGE, Biblioteca


Geográfica Brasileira, publicação n. 2, série B, 1943, 36p.

_____. As Normas de Elaboração e da Redação de um Trabalho Geográfico, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 559-572, out./dez. 1943.

333
_____. O Trabalho de Campo nas Pesquisas Originais de Geografia Regional, Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p.35-50, jan./mar. 1944.

_____. Um Novo Método de Representação Cartográfica do Relevo e da Estrutura Aplicado à


Região do Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p219-234,
abr./jun. 1944.

_____. A evolução geomorfológica da baia de Guanabara e das regiões vizinhas. Revista


Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.6,n.4,out./dez.,1944. Reimpressão no v. 50, t. 1, 1988.
Número especial.

_____. As Aplicações da Fotogrametria aos Estudos Geomorfológicos, Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p.309-353, jul./set. 1949.

_____. A Vocação do Planalto Central do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.
18, n. 3, p.413-421, jul./set. 1956.

SANGUIN, André-Louis. Vidal de La Blache : un génie de la geografie. Paris : Belin, 1993. 395 p.

SANT’ANNA, Henrique Azevedo. A ocupação humana na região Araruama - Cabo Frio : notas de
excursão. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, p. 55-76, jul./set. 1968.

SANTOS, Lindalvo Bezerra dos. Aspecto Geral da Vegetação do Brasil, Boletim Geográfico, Rio de
Janeiro, ano 1,n.5, p. 68-73, ago., 1943.

SANTOS, Milton. A Cidade de Jequié e sua Região, Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 1, p. 71-110, jan./mar. 1956.

____. Zonas de Influência Comercial no Estado da Bahia in Estudos de Geografia da Bahia,


Salvador, Universidade da Bahia, 1958, p.23-30.

____. Localização Industrial em Salvador. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 20, n.
3, p. 245-276, jul./set.. 1958.

____. Geografia e Desenvolvimento. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p.


539-550, out./dez. 1959.

____. A cidade nos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1965. 177 p.

____. Aspects de La Géographie et de L’Économie Urbaine des Pays Sous-Développés, Paris,


Centre de Documentation Universitaire (CDU), 1969, 192p.

____. Les Villes du Tiers Monde, Paris, Ed. Marie Therese Génin, Librairies Techniques,
Géographie Economique et Sociale, tome X, 1971, 304p.

____. L’Espace Partagé, Paris, Ed. Marie Therese Génin, Librairies Techniques, 1975, 289p.

____. Relações Espaço-Temporais no Mundo Subdesenvolvido, Seleção de Textos , n. 1, p.17-23,


São Paulo, AGB Regional de São Paulo, dez. 1976.

____. Spatial Dialectics: The Two Circuits of Urban Economiy in Underdeveloped Countries,
Antipode, v. 9, n. 3, p. 49-59, dec. 1977.

____. Planning Underdevelopment. Antipode, v. 9, n. 3, p. 86-97, dec. 1977.

____. Por Uma Geografia Nova, São Paulo, Hucitec, 1978. 236p.

334
____. O Espaço Dividido, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979, 345 p.

____. Alguns problemas atuais da contribuição marxista à geografia : redação preliminar. In:
SANTOS, Milton (Org.). Novos rumos da geografia brasileira. São Paulo : Hucitec, 1982. p.
131-139.

____. Novos rumos para a geografia brasileira. In: SANTOS, Milton (Org.). Novos rumos da
geografia brasileira. São Paulo : Hucitec, 1981. p. 209-219.

_____. Reformulando a sociedade e o espaço. In: MOREIRA, Rui. Geografia e sociedade : os


novos rumos do pensamento geográfico. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, v. 74, n. 4, p. 37,
maio 1980.

_____. Sobre geografia nova, nos periódicos. In: MOREIRA, Rui. Geografia e sociedade : os novos
rumos do pensamento geográfico : idéias e fatos. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, v. 74, n.
4, p. 54, maio, 1980.

____. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional, São Paulo,
Hucitec, 1994, 190 p.

____. A natureza do espaço : técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo : Hucitec, 1996 307 p.

____. Modo de produção técnico - científico e diferenciação espacial. Território, Rio de Janeiro, n.
6, p. 5-20, jan./jun. 1999.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Fronteiras do estado mínimo : indicações sobre o híbrido
institucional brasileiro. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (Coord.). O Brasil e as reformas
políticas. Rio de Janeiro : José Olímpio, 1992.

____. A elite invisível : exploração sobre a tecnocracia federal brasileira. Revista do Serviço
Público, Brasília, v. 110, n. 1, p. 28-47, jan./mar. 1982.

SARDENBERG, Carlos Alberto. Aventura e agonia : nos bastidores do cruzado. São Paulo :
Companhia das Letras, 1987. 363 p.

SCHAEFER, Fred K. Exceptionalism in Geography : a metodological examination. In: ANNALS of


the Association of American Geographers, n. 43, 1953. p. 226-249.

SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo : Companhia das Letras, 1996. 645 p.

SCHWARTZMANN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro : Campus, 1982. 421
p.

____. (Org.) Estado Novo, um Auto-Retrato . Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982,
623p.

____. Os institutos de pesquisa do governo federal. (Documento preparado para discussão com
dirigentes de instituições federais de pesquisa) [online]. Rio de Janeiro, nov. 1994. Disponível:
http://www.fbds.org.br/simon/relat.htm

____. O presente e o futuro do IBGE. (Documento de referência da instituição no oitavo mês de


gestão). Rio de Janeiro, dez. 1994. Disponível: http://www.fbds.org.br/simon/relat.htm

____ (Org.). Ciência e tecnologia no Brasil : a capacitação brasileira para a pesquisa científica e
tecnológica. Rio de Janeiro : FGV, 1996. 409 p.

335
____. Transmissão de cargo da presidência do IBGE ao Dr. Sérgio Besserman Vianna. (Integra do
discurso de transmissão). Rio de Janeiro, jan. 1999. Disponível:
http://www.fbds.org.br/simon/relat.htm .

____, BOMENY, Helena Maria B. , COSTA, Vanda Maria R. Tempos de Capanema, Rio de
Janeiro, Paz e Terra/FGV, 2000, 435p.

SENRA, Nelson de Castro. A coordenação da estatística nacional : o equilíbrio entre o desejável e


o possível. Rio de Janeiro, 1998, 176 p. Tese (Doutoramento) - Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia, Escola de Comunicação da UFRJ, 1998.

SEYFERTH, Giralda. Os Imigrantes e a Campanha de Nacionalização do Estado Novo. In


PANDOLFI, Dulce (Org.), Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, cap. 12, 1999, p.
199-228.

SILVA, Hilda da. Transportes. In: SUBSÍDIOS à regionalização. Rio de Janeiro : IBGE, Divisão de
Geografia, 1968. p.159-168.

SILVA, Solange Tietzmann, MESQUITA, Olindina Viana . Regiões agrícolas do Estado do Paraná;
uma definição estatística, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, p. 3-42,
jan./mar. 1970.

____, O Impacto Desigual da Modernização da Agricultura do Oeste do Paraná, Revista Brasileira


de Geografia, Rio de Janeiro, v. 46, n. 3/4, p. 425-550, jul./dez. 1984.

____.(Org.). Brasil : uma visão geográfica nos anos 80. Rio de Janeiro : IBGE, 1988. 353 p.

____.Os estudos de classificação na agricultura : uma revisão. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 42, n. 1, p. 3-30, jan./mar. 1980.

SILVA, Teresa Cardoso da. Entrevista, Geosul, v. 12, n. 23, p. 145-166, 1997.

SIQUEIRA, Sonia Apparecida de. Constituição da memória como fato social : visão de mundo e
comportamento cotidiano. In: WEHLING, Arno et al. Memória social e documento : uma
abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro , 1997. p.115-130. Dissertação (Mestrado em
Memória Social e Documento) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997.

SKIDMORE, Thomas. Brasil : de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1975. 512 p.

___. Brasil : de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988. 608 p.

SOARES, José Carlos de Macedo. Atividades do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 1939.

SOARES, Lúcio de Castro. Delimitação da Amazônia para fins de planejamento econômico.


Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 163-210, abr./jun. l948.

SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à geografia : geografia e ideologia. 1. ed. Petrópolis : Vozes,
1976. 304 p.

SORRE, Maximilien. La Notion de Genre de Vie et sa Valeur Actuelle, Annales de Géographie, 57,
p. 97-108, 193-204, 1948.

______. Les Fondements de la Géographie Humaine: fondements biologiques, fondements


tecniques e l’habitat, 4 v., Paris, Armand Colin, 1949.

336
______. La Geographie Psychologique: l’adaptation au milieu climatique et biosocial, Paris,
Presses Universitaire de France, 1954, 412p.

______. Les Migrations des Peuples: essai sur la mobilité géographique, Paris, Flammarion, 1955,
386p.

______. L’homme sur la Terre: traité de géographie humaine, Paris , Hachette, 1961, 423p.

SOUBIRATS, Eduardo. O intelectual na crise contemporânea. Folha de São Paulo, São Paulo, 13
fev. 1988. Folhetim, fl. B, p. 8-9,

SOUZA, Maria Adélia Aparecida de (Org.). O mundo do cidadão, um cidadão do mundo. São Paulo
: Hucitec, 1996. 519 p.

STEPAN, Alfred. Os militares : da abertura à nova república. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1986.
285 p.

STRAUCH, Lourdes Manhães de Mattos. Educação e comportamento espacial. Revista Brasileira


de Geografia, Rio. de Janeiro, v. 42, n. 1, p. 31-51, jan./mar. 1980.

STRAUCH, Ney. Contribuição ao estudo das feiras de gado. Revista Brasileira de Geografia, Rio
de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 101-110, jan./mar. 1952.

SUBSÍDIOS à regionalização. Rio de Janeiro : IBGE , 1968. 252 p.

SZAMOSI, Géza. Tempo e espaço : as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro : Zahar, 1988. 327 p.

SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1993. 278 p.

TAVORA, Juarez. Uma Vida e Muitas Lutas, volume 2: A Caminhada no Altiplano, Rio de Janeiro,
José Olímpio, 1974, 311p. 3 v.

TEIXEIRA, Eloisa de Carvalho. O Trigo no Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
v. 13, n. 4, p. 591-608, out./dez. 1951.

_____. A Produção de Batata Inglesa no Sul do Brasil, Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 14, n. 3, p. 354-362, jul./set. 1952.

_____. A Produção Agrícola do Brasil em 1957. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.
21, n. 2, p. 195-220, abr./jun. 1959.

THEODORSON, George A. Estudios de ecología humana. Barcelona : Labor, 1974. 2 v.

THÉRY, Hervé. Brésil / Brasil / Brazil, ( un atlas chorématique ), Paris / Montpellier, Fayard / GIP
RECLUS, 1986. 212 p.

____. Le Brésil. Paris : Masson, 1989. 426 p.

THOMPSON, Paul. A voz do passado. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992. 385 p.

THOMSON, Alistair. Recompondo a memória : questões sobre a relação entre história oral e as
memórias. In: ANTONACCI, Maria Antonieta, PERELMUTTER, Daisy. Ética e história oral. São
Paulo : PUC, abr. 1997. Projeto História, n. 15.

337
TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos : propostas metodológicas. In: FERREIRA, Marieta de
Moraes, AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro : FGV, 1996.

TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, 235p.

TRICART, Jean Léon Francois. Tipos de planícies aluviais e de leitos fluviais na Amazônia
brasileira. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 3-40, abr./jun. 1977.

____. Tendências Atuais da Geomorfologia in Visita de Mestres Franceses, Rio de Janeiro, IBGE,
1963, p.1-22.

____. Ecodinâmica. Rio de Janeiro : IBGE, Suprem , 1977. 145 p.

____, CARDOSO DA SILVA, Teresa. Estudos geomorfológicos da Bahia e Sergipe. Salvador :


Fundação para o Desenvolvimento da Ciência da Bahia, 1968. 167 p.

TRINDADE, Eduardo M. A grande missão da geografia. Revista da Sociedade Geográfica do Rio


de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 28, p. 128-137, jul. 1923.

UNE, Mitiko Yanaga. As Enchentes da Bacia do Mearim na Década de 70: uma avaliação das
causas e conseqüências, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, n. 3, p. 5-40,
jul./set. 1988.

____. Pimenta do Reino no Estado do Pará: uma avaliação dos efeitos da tecnologia sobre a
produtividade, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, p. 75-98, abr./jun.
1988.

URBAN, Teresa. Saudade do Matão : relembrando a história da conservação da natureza no


Brasil., Curitiba : Ed. UFPR, 1998. 371 p.

UFRJ Instituto de Geociências. Anuário do Instituto de Geociências , v. 18, P.79-135.

UFSC Departamento de Geociências, Entrevistas, Geosul 12/13 1991/1992, UFSC, Florianópolis,


247 p.

VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa. Rio de Janeiro : Zahar, 1978. 142 p.

VALVERDE, Orlando. Divisão Regional do Vale do São Francisco. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 179-217, abr./jun. 1944.

____. Excursão à Região Colonial Antiga do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 477-533, out./dez. 1948.

____. O Uso da Terra no Leste da Paraíba. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 17,
n. 1, p. 49-90, jan./mar. 1955.

____. Planalto meridional do Brasil : guia de excursão, n. 9. CONGRESSO INTERNACIONAL DE


GEOGRAFIA, 18., 1957, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro : IBGE-CNG / UGI, 1957a. 340
p.

____ Antropogeografia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.19, n 4, p. 357-360,


jul./set. 1957b.

_____. Geografia Econômica e Social do Babaçu no Meio Norte. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 381-420, out./dez. 1957c.

338
_____. Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 20, n. 1, p. 3-82, jan./mar. 1958.

____. A velha imigração italiana e sua influência na agricultura e na economia do Brasil. Boletim
Geográfico, v. 19, n. 161, p. 145-167, mar./abr. 1961. Transcrição dos Cadernos da Indústria,
Rio de Janeiro : SESI, n. 1, 1959.

_____. A Geografia Agrária como ramo da Geografia Econômica. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 430-432, abr./jun. 1961.

_____. Geografia Agrária do Baixo Açu. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3,
p. 455-493, jul./set. 1961.

____. Conceitos de sistema agrícola intensivo e extensivo. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 23, n. 4, p. 718-720, out./dez. 1961.

____. Geografia Agrária do Brasil, Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,
Ministério da Educação e Cultura, 2 v.1964, v.1-395p. v.2- 276p.

____. A fazenda de café escravocrata no Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.
29, n. 1, p. 37-81, jan./mar. 1967.

____O sistema de roças no Brasil e novas perspectivas econômicas para os trópicos úmidos : o
exemplo da Amazônia. Boletim Geográfico [do] IBGE, Rio de Janeiro, v. 27, n. 203, p. 100-101,
mar./abr. 1968.

____. Estudos de Geografia Agrária, Petrópolis, Vozes, 1985, 266 p.

____. (org.) A Organização do Espaço da Transamazônica. Rio de Janeiro, IBGE, 2vol. 1989, v1,
258p., v2, 224p.

___. Pré-história da AGB carioca. Terra Livre, São Paulo, n. 10, p. 117-122, jan./jul. 1992.

____. Entrevista com o Professor Orlando Valverde, Geosul, 12/13, ano VI, Florianópolis,
1991/1992, p. 224-247.

____, DIAS, Catharina Vergolino. A Rodovia Belém – Brasília: um estudo de Geografia regional,
Rio de Janeiro, IBGE, 1967, 350p.

____, MESQUITA, Myrian Gomes Carneiro. O Sistema de Roças no Brasil e as Novas


Perspectivas Econômicas para os Trópicos Úmidos: o exemplo da Amazônia, Boletim
Geográfico, 17 (203), p. 100-111, mar/abr, 1968.

VETTER, David, MASSENA, Rosa R. Espaço, Valor da Terra e Eqüidade dos Investimentos em
Infra-Estrutura do Município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
v. 41, n.1/ 2, p. 32-71, jan./jun. 1979.

___________________, FREDRICH, Olga B. Lima, PINTO, Dulce Alcides. A Proposição dos


Benefícios das Ações do Estado em Áreas Urbanas: seus determinantes e análises através da
ecologia fatorial. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 43, n. 4, p. 457-476,
out./dez. 1981.

VIANNA, Fernando Segadas. Os diferentes tipos de vegetação do Brasil e suas possibilidades de


explotação e utilização. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 231-244,
abr./jun. 1964.

339
VIANNA, Luiz Werneck et al. Corpo e alma da magistratura brasileira. Rio de Janeiro : Revan,
1997.

VILLELA, Annibal V. Empresas do governo como instrumento de política econômica. Rio de


Janeiro : IPEA, 1984. 216 p. Relatório de Pesquisa, n. 47,

____, SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945. Rio
de Janeiro : IPEA, 1975. 454 p.

VOLDMAN, Danièle. Definições e usos. In: FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO, Janaína.
Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro : FGV, 1996. p. 74-95.

WAHRLICH, Beatriz de Souza. A reforma administrativa na era Vargas. Rio de Janeiro : FGV,
1983. 276 p.

WAIBEL, Leo Heinrich. A teoria de Von Thünen Sobre a Influência da Distância do Mercado
Relativamente à Utilização da Terra, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1,
p. 3-40, jan./mar. 1948.

____. A Lei de Thünen e sua Significação para a Geografia Agrária, Boletim Geográfico [do] IBGE,
Rio de Janeiro, v.13 n.126, p. 273-294, mai./jun. 1955.

____. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. Rio de Janeiro:IBGE,1958, 307 p.

____. Princípios da colonização européia no sul do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 11, n. 2, p. 159-222, abr./jun. 1949. Reimpressão no no 50 especial, tomo 1, 1988.

WANIEZ, Philippe et al. As “fronteiras” agrícolas do Brasil, segundo o Censo Agropecuário de


1985. Rio de Janeiro : IBGE ; Montpellier : GIP/RECLUS/ ORSTOM, 1992. 42 p.

WARF, Barney. Geographers and government employment. In: KENZER, Martin S. On becoming a
professional geographer. Columbus, Ohio : Merrill Publishing, 1989. p. 113-124.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Org. por H.H. Gerth e C. Wrigth Mills. Rio de Janeiro :
Guanabara, 1979. 289 p.

____. El politico y el cientifico. Madrid : Alianza, 1984, 233 p.

____. Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. Os pensadores : Max Weber. São
Paulo : Abril, 1974. 270 p.

WEST, Robert C. Pioneers of modern geography : translations pertaining to german geographers


of the late nineteenth and early twentieth centuries. Geoscience & Man, Baton Rouge, v. 28,
1990. 188 p.

WHITE, Hayden. Meta - história : a imaginação histórica do século XIX. São Paulo : Edusp, 1995.
515 p.

WRIGTH, John Kirtland. Geography in the making : the american geographical society 1851-1951.
New York : The American Geographical Society, 1952, 437 p.

ZARUR, Jorge. A geografia no Curso Secundário, in O IBGE e a Educação, Rio de Janeiro, IBGE,
v.1 p. 497-540.

____. Geografia : ciência moderna ao serviço do homem. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 3, p. 313-326, jul./set. 1944.

340
____. A bacia do médio São Francisco : uma análise regional. Rio de Janeiro : IBGE, Conselho
Nacional de Geografia, 1947. 187p.

____. Geografia e Cartografia para fins censitários . Rio de Janeiro, IBGE, Serviço Nacional de
Recenseamento, 1951. 37p.

____. Precisão e Aplicabilidade na Geografia . Rio de Janeiro, Colégio Pedro II, Tese de Cátedra,
1955. 153p.

ZUSMAN, Perla Brígida. Sociedades geográficas na promoção do saber ao respeito do território :


estratégias políticas e acadêmicas das instituições geográficas na Argentina [1879-1942] e no
Brasil [1838-1945]. Tese (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Integração da América
Latina, Universidade de São Paulo, 1996. 209 p.

341

You might also like