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DIGNIDADE HUMANA E CONHECIMENTO: UM RELATO

PEDAGÓGICO DO ESPAÇO PRISIONAL FEMININO

RODRIGUES, Vanessa Elisabete Raue Rodrigues. Universidade Estadual de Ponta Grossa.


vanessarauerodrigues@gmail.com
OLIVEIRA, Rita De Cássia da Silva. Universidade Estadual de Ponta Grossa.
soliveira23@uol.com.br

RESUMO
O relato trata projeto permanente intitulado “Outubro Rosa” e desenvolvido no Centro
Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos Nova Visão. O objetivo central do projeto
foi promover a reflexão das mulheres encarceradas referente a percepção de identidade de
gênero e a vigilância de sua saúde, por meio de palestras, rodas de conversa e oficinas, com
participação de diversos profissionais.

Palavras-chave: Prisão. Mulheres. Educação.

1 INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho trata do relato de um projeto permanente desenvolvido,
anualmente, no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos Nova Visão,
implantado nos espaços prisionais no município de Guarapuava. Uma destas instituições
penais, a qual a educação escolar foi implementada nos últimos três anos, é mista e atende, em
média, 35 mulheres em regime fechado provisório. A partir desse atendimento educacional,
foram identificadas discriminações do gênero feminino com implicações relacionadas desde o
espaço físico até às características prioritariamente masculinas no atendimento. Diante desta
consideração, foram investidas possibilidades de reestabelecer uma parcialidade da dignidade
perdida das mulheres nos ambientes prisionais por meio de projetos que atendam a
especificidade feminina.
Nesta direção, nasce o Projeto “Outubro Rosa”, tendo como objetivo central promover
a reflexão das mulheres encarceradas referente a percepção de identidade de gênero e a
vigilância de sua saúde. Embora, o movimento Outubro Rosa já aconteça internacionalmente,
simbolizando a luta contra o câncer de mama, a frente deste trabalho foi fortalecida pela
necessidade de se pensar no gênero feminino, privado de liberdade, que enfrenta tantos tipos
de violências dentro e fora dos espaços de segregação.
Para tanto, de 2016 a 2017, foram desenvolvidas atividades multifacetadas, como
palestras, rodas de conversa e oficinas, buscando identificar as lutas e enfrentamentos

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históricos da mulher na sociedade, além de compreender a identidade feminina e seus desafios
no ambiente prisional como higiene e identificação de doenças. As ações, neste sentido, foram
multidisciplinares, com a participação dos profissionais da instituição prisional e voluntários
na área de Saúde, Educação, Estética, entre outras.
Dentre as várias constatações, seja pelo acompanhamento nas atividades ou pela
avaliação das mulheres encarceradas, a ação permitiu observar que é possível dinamizar o
ambiente prisional com o propósito educativo de construir uma concepção de isonomia no
tratamento às mulheres. Este processo, empodera as mulheres de seu próprio corpo e
sentimentos, fazendo-as identificar suas fragilidades frente à tutela prisional e apontando a
adoção de práticas permanentes e de adesão como possibilidade de melhoria das condições do
próprio encarceramento.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
As violências geradas nas e pelas mulheres encarceradas se dá por vários motivos,
muitos deles antes mesmo da prisão. As relações familiares, de maternidade, quebra de
vínculos e dependência financeiras e emocionais são fatores que consolidam condições que
levam à prisão e grande parte são mantidas dentro dela. Além disso, “a prisão de mulheres
carrega em si o âmago histórico e cultural de uma sociedade moralista, que abre espaço
somente ao homem pela sua liberdade de pensar, decidir e ser presa.” (FALCADE E
ASINELLI-LUZ, 2016, p. 24)
Os dados gerados pelo Ministério da Justiça em 2014 apresentam um perfil de
mulheres presas como muito jovens, com filhos, responsáveis pelo sustento das suas famílias,
com baixa renda e pouca escolaridade, advindas de uma população sem acesso à saúde ou
qualquer outra possibilidade de dignidade. (BRASIL, 2014).
Falcade e Asinelli-Luz (2016, p. 16) apontam pelas suas pesquisas, que, desde muito
cedo, as mulheres presas são “excluídas do cuidado materno e paterno, da infância em função
do trabalho precoce, das relações de afeto pela violência doméstica, do prazer da vida pelo
prazer da droga.” A ausência nos direitos sociais fundamentais da mulher é redimensionada
na prática prisional. Deste modo, as ações educativas foram pensadas em dois pilares que se
articulam num atendimento que prevê a reflexão nas mazelas enfrentadas fora e dentro do
ambiente prisional: Saúde e Educação.
O atendimento à saúde corresponde à informação e a garantia do acesso a exames,
principalmente, no caso de ocorrências durante a tutela do Estado. A Saúde é uma
característica do próprio título da proposta de trabalho, observando que o câncer da mama é
um dos mais comuns a serem detectados no Brasil, ficando somente depois do câncer de pele.

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Além disso, é o que mais causa mortes, sendo comprovadas no ano de 2013, último dado de
divulgação do Ministério da Saúde, a quantidade de 14.206 mulheres. O acesso à investigação
diagnóstica é um direito da mulher e a rápida avaliação facilita a detecção da doença, fato que
pode garantir melhores possibilidade de cura. (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2015)
Quanto à Educação, entendendo seu objetivo na prisão como restauração de direitos,
reparação de danos prisionais e possibilidade de prevenção ao crime, a proposta foi promover
palestras quanto aos direitos da mulher, empoderamento da mulher e redes de apoio à
superação da violência contra a mulher. (BRASIL, 2008)
A escola pode e deve, ao reconhecer, as condições de vulnerabilidade da mulher presa
desenvolver atividades que atendam combatam um cotidiano rígido e estigmatizante como o
prisional. Os espaços de trocas que a educação proporciona valida relações fundantes na
mudança de pensar e agir da educanda presa. (FALCADE; ASINELLI-LUZ, 2014)
Entende-se, desta forma, que as desigualdades prisionais não irão mudar por conta de
ações pontuais como estas. Mas, se as pessoas mudarem seu agir para lutar contra as
desigualdades, esta ação terá cumprido seu objetivo.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
As ações visaram promover a reflexão das mulheres encarceradas referente à
percepção de identidade de gênero e vigilância de sua saúde. Para tanto, foram desenvolvidas
palestras para chamar a atenção para o câncer de mama e a importância do diagnóstico
precoce, compreendendo que refletir sobre a saúde trata-se de uma ação de empoderamento
feminino. Nesta direção, por meio de rodas de conversa, foi procurado identificar as lutas e
enfrentamentos históricos da mulher na sociedade contemporânea, tratando da identidade
feminina e suas especificidades.
Pensando em discutir os tipos de violências dentro e fora dos espaços da prisão, foram
oferecidas palestras com o grupo de Pedagogia do Patronato Municipal com o título
“Empoderamento da mulher contemporânea”, com o grupo da Secretaria Municipal da
Mulher abordando “Direitos e Rede de Apoio para superação da violência contra mulher” e
com os profissionais da Ordem dos Advogados sobre “A mulher e os direitos sociais”, além
de orientações jurídicas da Vara de Execuções Penais.
Ainda tem tempo, foram organizadas ações de atendimento à saúde que correspondem
à informação e a garantia do acesso a exames. Para tanto, foram disponibilizados, pela equipe
de saúde da instituição prisional, os exames laboratoriais e a orientação, inicialmente, com
uma palestra com a equipe do Sistema de Informação em Saúde (SIS) e o grupo de

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professores da escola. Após a palestra foram feitas coletas de sangue para exames com vistas
a possíveis diagnósticos de Hepatite e coleta de material para os Exames Preventivos referente
a Citologia Oncótica. Num segundo momento, foram abordadas as temáticas referentes ao
Autoexame de mama, ao Planejamento familiar e aos Métodos contraceptivos.
Com vistas a refletir sobre a especificidade feminina e a garantia da dignidade
humana, foram promovidas ações de embelezamento como oficinas de cortes de cabelo,
tratamento de pele (pés e lábios) e unhas. Para tanto, foram desenvolvidas as oficinas “Cabelo
Moldura do Rosto” com auxílio de uma cabelereira voluntária, a qual fez cortes e penteados
nas mulheres presas. Ainda neste sentido, duas oficinas também receberam esforços como
“Os pés também falam: harmonização e alma” o qual ministrou a técnica de massagem nos
pés; e “Lábios de Seda” com escolha de cores e cuidados com os lábios.
No término do mês das atividades, em cada ano, foram desenvolvidas duas avaliações.
A primeira tratou da avaliação das mulheres participantes quanto à potencialidade das
abordagens na construção de seu projeto de vida fora da prisão; e a segunda, tratou da
autoavaliação destas, observando a sua dedicação para que o trabalho atingisse o objetivo
previsto. Das quinze avaliações que retornaram após a aplicação no ano de 2017, 70%
consideravam que utilizariam os conhecimentos dentro da prisão e quando estivessem em
liberdade.
Quanto aos temas que foram satisfatórios, 20% definiram que os temas de saúde e
jurídicos são mais importantes no ambiente prisional. O restante dos 80% se dividiram entre
artesanato, embelezamento, empoderamento social, direitos e rede de atendimento social e
saúde mental. Foram unânimes nos relatos das mulheres, tanto em 2016 como 2017, que
ações como estas são muito importantes para o esclarecimento e poder decisório nas opções
de suas vidas dentro e fora da prisão. Nos relatos apresentados foram citados exemplos desta
melhoria nas escolhas de suas opções amorosas, buscas de retomadas de vínculos familiares,
reconhecimento de seu corpo, adesão de exames e vacinas ofertadas pelas instituições
prisionais, além da melhor elaboração de seu discurso frente às possibilidades “de voz” que
lhe são dadas nas audiências jurídicas.
A finalização das atividades promoveu um resultado escolar, também, muito
satisfatório. Muitas alunas que não frequentavam as aulas e outras que não tinham aderido a
matrícula retornaram aos bancos escolares da instituição pela participação das ações do
projeto. Este fato permitiu compreender que há uma necessidade de se mudar a prática
cotidiana escolar para que o estigma da evasão ou abandono seja superado. Mostrar que estes
espaços não são controladores, mas de transformação e emancipação representou uma
finalidade alcançada ao longo destes dois anos.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto “Outubro Rosa” foi desenvolvido com o objetivo de promover a reflexão
das mulheres encarceradas referente a percepção de identidade de gênero e a vigilância de sua
saúde. Tal ação previa reestabelecer uma parcialidade da dignidade perdida das mulheres nos
ambientes prisionais por meio de atividades como oficinas, palestras e rodas de conversa.
Tratou de um trabalho pontual que demonstrou ser possível dinamizar o ambiente
prisional com o propósito educativo de construir uma concepção de isonomia no tratamento às
mulheres. Além da maior adesão nas práticas de saúde e educacionais no ambiente prisional,
esta ação, de cunho educativo, conseguiu alcançar as mulheres no seu empoderamento frente
ao próprio corpo e sentimentos, observando o posicionamento frente as escolhas de vínculos
amorosos e familiares. Ademais, os discursos nas avaliações revelaram que as participantes
conseguiram identificar suas fragilidades frente à tutela prisional, apontando a necessidade de
adoção de práticas permanentes para a melhoria das condições do próprio encarceramento.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Levantamento Nacional de informações Penitenciária Infopen Mulheres.


Brasília: Ministério de Justiça, 2014.

FALCADE, Ires Aparecida. ASINELLI-LUZ, Araci. A escola como espaço de (re)


socialização e (re) inserção social para mulheres em privação de liberdade. In: ______. (orgs)
O espaço prisional: estudos, pesquisas e reflexões de prática educativas. Curitiba: Appris,
2014.

_______. Discriminação de gênero no sistema penitenciário: implicações vividas. In: ______.


(org) Mulheres invisíveis: por entre muros e grades. Curitiba: JM Editora e livraria jurídica,
2016.

INSTITUTO NACIONAL DE CÃNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Câncer de


Mama: é preciso falar disso. -3.ed.- Rio de janeiro, Inca, 2015.

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