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Natania A. S. Nogueira
nogueira.natania@gmail.com
Resumo: Inicialmente, tratados apenas como uma forma de lazer, hoje, as histórias em
quadrinhos inspiram uma gama variada de pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Um
dos gêneros mais populares dos quadrinhos, a superaventura, tem ganhado especial destaque.
Todo o discurso e toda a mitologia criada em torno dos super-heróis tornaram os comics uma
fonte particularmente rica para os estudos de gênero. Entre os ícones mais cultuados dos
quadrinhos está o Superman. No entanto, pouco ou quase nada se fala de sua contraparte
feminina, a Supergirl. Nossa proposta, então, é trazer à luz este personagem e analisar o
conteúdo de algumas de suas aventuras, publicadas entre 1959 e 1965. A partir da análise
deste material, estabelecer relações entre as representações femininas nos quadrinhos da
Supergirl e a dominação masculina estabelecida por meio da violência simbólica.
Introdução
A história das histórias em quadrinhos começou a ser escrita a partir do final do século
XIX, quando esta forma de arte sequencial passou a ser reconhecida e nominada como tal.
Esta história está permeada não apenas de personagens fictícios, mas, principalmente, envolta
nas mais diversas tramas, mudanças e crises que marcaram a sociedade ocidental durante todo
o século XX. Os quadrinhos foram campo fértil para a representação de anseios, valores,
paradigmas e estigmas das sociedades em que foram produzidos.
No início dos anos de 1940, as jovens heroínas eram decididas, tinham planos,
buscavam sua realização principalmente por meio de uma profissão. Eram independentes e
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Após a Segunda Guerra Mundial, as “mulheres de papel”, termo usado com muita
propriedade por Selma Regina Nunes Oliveira (2007), sofrem os efeitos do backlash. Elas não
deixam de ter seus poderes ou habilidades, mas passam a depender cada vez mais dos
personagens masculinos. As heroínas - como A Mulher Maravilha, Sheena e Miss Fury que
passavam para as leitoras e os leitores uma imagem de independência a autonomia - ou
sofrem uma releitura (são reinventadas) ou desaparecem. Segundo Oliveira, “durante a década
de 1950, o antifeminismo chegou ao auge nos Estados Unidos e foi negada a participação da
mulher na política, ao mesmo tempo em que aumentaram as pressões moralistas sobre a
mulher” (OLIVEIRA, 2007:34).
Novas super-heroínas surgem, nas décadas de 1950 e 1960, influenciadas por esta
onda de conservadorismo. Elas voltam a ser representadas como as mocinhas ingênuas que
povoaram o universo dos quadrinhos até a década de 1930. Mesmo a mais poderosa das
super-heroínas se vê sob a tutela de um homem ou, de certa forma rebaixada, em relação a ele.
É o caso da Supergirl, objeto do nosso estudo. Criada dentro deste contexto, esta personagem
é muitas vezes apresentada como a mulher mais poderosa da terra. Mas, ao mesmo tempo em
que aparece como a heroína audaciosa, é, também, a adolescente frágil, com conflitos
internos, dependente e insegura.
Levando em conta a dialética que norteia essas relações, um(a) autor(a) de histórias
em quadrinhos pode reproduzir uma modelo masculino de dominação ondem, de uma
perspectiva simbólica, o conflito estará constantemente presente. A dominação masculina
seria, assim, uma forma particular de violência simbólica que, por meio de significações,
impõe-se como legítima. Mas, onde há dominação há, também, formas de resistência a ela,
que se fazem presentes em toda relação de gênero e que acabam surgindo nas histórias em
quadrinhos, pois elas, mesmo as de superaventura são, ao mesmo tempo, construções e
leituras da realidade (REBLIN, 2012).
O ano de 1936 – com o surgimento de Sheena, a rainha da selva, por Will Eisner e
Jerry Iger - acena para o surgimento de uma nova mulher de papel: aventureira, independente
e sensual. Na década de 1940, as heroínas ganham superpoderes e a superaventura passa a ser
o gênero onde as mulheres conquistam um espaço cada vez maior. Mas, em 1954, quando é
publicado o livro de Fredric Wertham, A sedução do Inocente, acirra-se a perseguição contra
os quadrinhos e contra as super-heroínas.
Para se protegerem, as editoras criaram o Comic Code Authority (CCA), em 1954; uma
forma de autocensura, a fim de salvaguardar títulos e personagens. Como consequência, os
quadrinhos mudaram, os roteiros ficaram mais superficiais, muitos personagens, em especial
personagens femininas, como a Mulher Maravilha, sofreram mudanças visíveis em seu
comportamento. Se por um lado o selo de aprovação do Comic Code Authority tranquilizava
os pais quanto ao seu conteúdo, por outro representou um retrocesso para os quadrinhos,
enquanto expressão artística e das relações de gênero neles representadas.
Nessa primeira versão, temos uma mulher determinada com autoestima invejável.
Uma cópia feminina perfeita do Superman. Mas não poderia ser o contrário, pois ela foi assim
desejada. A parceira perfeita para o super-herói mais famoso dos quadrinhos. No entanto, esta
parceria dura pouco; uma única aventura com um desfecho heroico/trágico: a primeira
Supergirl morreu protegendo o Superman de um meteoro de kryptonita. Ele é importante
demais para morrer, por isso ela precisa se sacrificar em seu lugar. O fim trágico conquista a
simpatia do leitor. Afinal, a boa mulher não é a aquela que se sacrifica?
O encontro entre os primos dá início a uma nova fase das aventuras do Superman, que
passa agora a dividir espaço com a Supergirl. No entanto, num primeiro momento, a relação
entre eles é marcada pela desconfiança e pelo medo. Desconfiança do Superman com a
chegada de um membro da sua família do qual não sabia a existência. O medo e a insegurança
de Kara que não quer decepcionar o primo, por quem passa a nutrir, quase de imediato, uma
grande admiração. Neste momento e em muitos outros, a Supergirl representa, o ideal de
mulher que a sociedade dirigida pelos homens espera ver representada: obediente e devotada.
Figura 01
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A adoção representaria a criação de raízes, como ocorrera com o Superman. Por meio
da adoção, Kara poderia ser integrada à sociedade, mas sua origem Kryptoniana surge como
um problema, um obstáculo apontado pelo Superman logo que a conhece: ela não está pronta
para ser apresentada ao mundo. Ele sabe disso, ele viveu quase toda a sua vida na terra. Como
seu primo, como homem, ele sabe o que é melhor para ela. Kara então se oferece ao sacrifício
de viver entre estranhos e de não poder ter uma família. Segundo a moral cristã é pelo
sacrifício que a mulher se redime, uma vez que ela é a única responsável pela perda do
paraíso. Assim, dar-se de sacrifício pelo outro é o mínimo que se espera das mulheres
(OLIVEIRA, 2007: 194).
Como já vimos, Kara será colocada em um orfanato pelo Superman, que delega ao
Estado a obrigação de cuidar da prima. No entanto, mesmo distante, ele exercerá um grande
controle sobre a jovem, presa à promessa de guardar seu segredo escondendo sua origem
extraterrestre e vivendo uma vida que não é a sua. Como pater, Superman tem autoridade para
decidir o que é melhor para a jovem. Ela se consola com o fato de se considerar a arma
secreta do Superman.
Assim, o período em que vive como Linda Lee no orfanato é marcado pela solidão e o
medo de, de alguma forma, desagradar o primo. O peso da responsabilidade, do segredo, o
sacrifício da felicidade e a solidão são os preços que ela acredita ter que pagar para que seu
grupo familiar não seja ameaçado. Afinal, ela é uma estrangeira, em um mundo hostil e
desconhecido. Logo que chega é obrigada a se esconder sob uma falsa identidade, ou seja,
mentir para todos com quem irá conviver. Por viver uma vida que não é sua, Kara não se sente
membro de uma comunidade, de um grupo. Kara deseja uma amiga com quem possa ser ela
mesma, possa fazer confidências, enfim, possa partilhar suas aventuras. Meninas precisam se
relacionar com meninas.
As amigas do futuro, com as quais vive algumas aventuras, não podem suprir aquilo
que ela mais precisa e mais deseja: ser adotada e ter um lar. Kara está presa ao grupo familiar
atípico formado pelo primo, Superman, que insiste manter a sua existência em segredo e faz
com que a prima, por essa razão, deixe de desenvolver relações afetivas saudáveis com outras
pessoas. Kara é levada a acreditar que que ser adotada ou estabelecer relações de amizade
com indivíduos fora do circulo de amizades do Superman colocaria em risco a promessa feita
ao primo quando chegou à Terra: manter segredo sobre sua identidade para não comprometer
o segredo do próprio Superman.
Sua devoção e o bom trabalho que realizou durante o período em que esteve em
“treinamento” é recompensado com a declaração pública do Superman que a assume
publicamente como parte do seu clã e a acolhe em sua casa. Neste momento, Linda Lee já
havia sido adotada por um simpático casal, Fred e Edna Danvers, que lembra muito os Kents,
pais adotivos do Superman.
A forma como o enredo se desenvolve, iniciando com a tragédia da morte dos pais da
super-heroína, com sua chegada a Terra, sua vida solitária no orfanato, a adoção e depois o
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reconhecimento oficial da sua existência coloca Kara como uma personagem de romance que
precisa passar por sofrimento e privação até atingir a felicidade. Por ser virtuosa, ela é
recompensada. Aí podemos encontrar, novamente, o discurso paternalista do Superman. Ele
está dando a ela aquilo que ela deseja. Kara não conquista seu espaço ela o ganha, pois foi
uma “boa menina”, cumpriu bem sua obrigação.
Figura 02
O mostro Infinito. Supermoça. Star Álbum. Rio de Janeiro, EBAL, 1969, n. 13 p. 14.
condição de auxiliar, de arma secreta em dúvida. Ele chega a admitir que ela é superior. A
noção de hierarquia parece estar condicionada à força física, ao número de poderes que se
possui, pelo menos esta é a lógica contida no raciocínio do Superman, que chega a admitir sua
condição de inferioridade frente à prima com aparente tristeza e, por que não, uma pequena
dose de inveja. Kara também enfrenta a situação de uma forma curiosa. Ela se sente feliz em
ser mais poderosa, mas não se coloca numa posição hierarquicamente superior.
Figura 03
Supermoça. Star Álbum, Rio de Janeiro, EBAL, n. 11, 1969, p. 14. Aventura originalmente publicada
em Action Comics #282, em novembro de 1961.
Este novo episódio, no entanto, não dura muito, pois na verdade se trata de uma
brincadeira arquitetada pelo vilão Mr. MXYZTLK. Ele interfere nos planos da vilã e arqui-
inimiga da Supergirl, Lesla-Lar. Lesla Lar é uma cientista que vive na cidade engarrafada de
Kandor. Ela é uma gêmea exata da Supergirl, deseja dominar a Terra e derrotar o Superman
com a ajuda de Lex Luthor, trocando de lugar com a Supergirl e roubando seus poderes. Mas,
a Supergirl recupera seus poderes e continua imune à kryptonita verde, sofrendo apenas os
efeitos da kryptonita vermelha. No fim, o Superman retorna à posição de maior super-herói da
terra e ela retoma seu papel de ajudante.
Mas o que é ser ajudante do Superman? Como sua arma secreta, a Supergirl está
sempre pronta a auxiliar o primo quando ele precisa e a se sacrificar por ele se for necessário.
Mas se a mensagem que nos passa o enredo das aventuras que envolvem a dupla neste
período é de que a Supergirl é inferior por ser mulher e por ser pouco mais do que uma
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menina, mesmo tendo todos os poderes do Superman, por outro lado fica clara a necessidade
que o Superman tem de eventualmente contar com a sua “arma secreta”.
Como parceira do Superman, ela o auxilia nos momentos difíceis e é salva pelo primo
quando se vê em dificuldades. Ela é levada a acreditar na sua situação de subordinação, de
inferioridade. Reproduz uma imagem de obediência, recato, de devoção, de aceitação do seu
destino, seja ele bom ou ruim.
Qual o conceito de família que poder ser empregado na mitologia do Superman? Esta
é uma questão instigante. A ideia de família para muitos super-heróis dos quadrinhos envolve
uma série agregados. No caso da representação da Super Família (figura 04), até vilões e
animais de estimação foram a ela relacionados. O elo de união da Super Família que estamos
analisando, nos recorte que envolve a década de 1960, é o Superman. A Supergirl aparece ao
seu lado como parente de sangue. Temos os pais adotivos, os pais naturais, tios, animais,
amigos e vilões. Trata-se de uma família estendida, onde é possível identificar parentes
consanguíneos e agregados.
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Figura 04
No caso da Super Família talvez seja mais prudente classifica-la como grupo familiar,
uma vez que não são os critérios biológicos que a definem. Nessa família a liderança fica a
cargo do Superman, elo unificador, que assume o papel de pai social (pater).
De fato, o papel maternal dentro da mitologia do Superman, pelo menos no recorte que
estamos analisando é quase que nulo. A mãe de Kara, em Action Comics, # 252, possui apenas
três falas e, curiosamente, duas delas ocorrem quando ela está executando seu papel de mãe,
alimentando a filha e costurando seu uniforme. Coincidentemente o mesmo papel que Martha Kent
desempenhou na vida do Superman.
Na mitologia do Superman as mães não têm voz. Elas estão submetidas a um universo
patriarcal. A referência central é sempre o homem: o pai biológico, o pai adotivo, o primo
mais velho. As personagens femininas se espelham nestes referenciais. O silêncio das
mulheres nas histórias em quadrinhos não é diferente do silêncio das mulheres na História.
Michelle Perrot (2005) chama a atenção para o reforço do papel das mulheres do lar,
aquela que aquela que educa, limpa, costura e alimenta. A mulher, mesmo que tenha que
trabalhar, não pertence a si mesma, mas aos filhos e marido. A esposa, a mãe, é toda doação.
Não tem identidade própria fora da família, pois é a família que define seu papel na
sociedade.
Esse modelo, presente na sociedade norte americana nas primeiras décadas do século
XX, sofreu abalos com a crise de 1929 e com as duas guerras mundiais, mas, mesmo assim,
permaneceu sendo a célula mater da sociedade, conservando sua configuração, e os papeis
que, por um curto espaço de tempo tiveram que ser trocados, foram facilmente restabelecidos
(OLIVEIRA, 2007. p.84). Se por um lado as guerras ofereceram espaço para que as mulheres
assumissem outros papéis na sociedade ocidental, ocupando novos postos de trabalho,
tornando-se peça importante para o desenvolvimento social e econômico, por outro lado, o
retorno dos homens ao lar traria consigo a perda de muitas conquistas.
Nas décadas de 1950 e 1960 essa tensão pode ser percebida nos quadrinhos. A
independência feminina é questionada e o papel das mulheres dentro e fora da família é
cerceado. A fragilidade feminina é reforçada por discursos que maximizam o papel dos
homens em detrimento ao das mulheres.
A relação de Kara com os pais adotivos lembra muito a relação que estabelece com o
primo, de subserviência. Ela é uma filha perfeita, sempre prestativa, orgulho de sua família.
Sua mãe é uma dona de casa eficiente, o modelo da mãe zelosa. Eles aparecem muitas vezes
em situações cotidianas, típicas da classe média americana dos anos 1960. A mãe na cozinha,
o pai vendo televisão ou lendo jornal. Conhecem a identidade secreta da filha e apoiam sua
luta contra o mal, afinal, o Superman precisa de uma ajudante.
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Uma aventura, em particular, tem como centro da trama a opção do Superman pelo
celibato. Publicada nos Estados Unidos no ano de 1964 e no Brasil em 1970, na trama, Kara,
convencida de que o Superman não se casará nem com Mirian (Lois) Lane ou Lana Lang,
pretende encontrar uma namorada para o primo. Para a romântica Supergirl, um homem
precisa de uma mulher para casar e, assim, encontrar a felicidade.
Era o ideal do amor romântico, entendido como a origem da verdadeira felicidade, que
só poderia ser alcançada por meio do casamento, que era o lugar de realização do amor.
Filmes, jornais, folhetins e até histórias em quadrinhos foram formas de divulgação deste
ideal, que valorizava o casamento, como sendo o lugar onde tanto homens quanto mulheres
encontrariam a total realização.
Figura 05
Supermoça. Star Álbum, Rio de Janeiro, Supermoça. Star Álbum, Rio de Janeiro, EBAL, n.
EBAL, n. 15, 1970, p. 04 15, 1970, p. 05.
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Quando a Supergirl revela a ele seu plano, Superman argumenta que seu trabalho
como protetor da Terra não lhe permite se envolver em relacionamentos afetivos e que o
próprio fato de ser Kryptoniano reduz a possibilidade de poder um dia se casar. Ele precisa de
uma mulher que seja como ele, mas este tipo de mulher não existe. Na verdade, existe, pois a
própria Kara se enquadra neste perfil. Como é de origem Kryptoniana, ela seria a parceira
perfeita para o Superman.
O Superman deve cumprir as regras impostas não apenas pela sociedade em que foi
criado, mas também pela sociedade que representa. Ao mesmo tempo ele reafirma e justifica
sua virilidade. Este parece ser o ponto em questão de toda a narrativa. O Superman não se
casa ou não assume um relacionamento afetivo não porque não se sente atraído pelas
mulheres, mas porque ele não pode ou ainda não encontrou uma mulher que possa se
enquadrar no padrão que ele estabelece para si mesmo.
É curioso notar a facilidade com que o Superman se deixa conduzir pela jovem e
acaba se envolvendo romanticamente com algumas mulheres ao decorrer da narrativa. Ele
aceita o fato de que o casamento é importante e não se opõe aos planos da Supergirl. Ele
chega a encontrar a parceira ideal, uma versão mais velha da Supergirl que mora em outro
planeta. Mas a realização deste amor encontra obstáculos. A amada prefere sacrificar sua
felicidade a ter que privar a Terra do seu protetor. Mais uma vez o sacrifício feminino está
presente nas mulheres que povoam a mitologia do Superman.
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O Superman é um dos poucos super-heróis que possuem uma parceira de ação do sexo
feminino. Ela é sua prima, uma parente de sangue. Ele, pelo menos na época, não assume
compromisso amoroso com uma mulher, mas reafirma sua virilidade ao declarar seu interesse
pelo sexo oposto e chega até galantear com a prima. A Supergirl, por sua vez, é a
representação da moça virtuosa, que recebe a atenção de rapazes, que declara sua predileção
pelo sexo oposto, mas não ultrapassa os limites de um relacionamento platônico. Seus
namorados nada mais são do que os rapazes que por ela se interessam, que a cortejam e
deixam claro seu interesse em compartilhar de um relacionamento afetivo mais intenso. Ela
tem consciência deste interesse, ele lhe agrada, mas não evolui para um relacionamento
concreto. Mas ela valoriza o casamento como um ideal feminino, sua natureza sobre-humana
seu dever para com os mais fracos muitas vezes são utilizados como justificativa para não se
envolver romanticamente, assim como acontece com o Superman.
Para além do universo dos quadrinhos, nos Estados Unidos da década de 1960 o
casamento revelava-se incapaz de satisfazer completamente todos os cônjuges. Segundo Betty
Friedan, se por um lado havia entre as mulheres solteiras a convicção de que o casamento
lhes traria se não a felicidade, mas pelo menos a estabilidade, aumentava o número de
mulheres casadas que buscavam tratamento psiquiátrico insatisfeitas no casamento.
O ideal da felicidade conjugal começava a ruir. Talvez, por essa razão, tanto os
quadrinhos quanto outras mídias reforçassem a necessidade de se preservar a célula familiar.
As moças eram levadas a crer que um marido poderia substituir uma profissão, que a
realização pessoal estava na maternidade. Não apenas as moças, mas os rapazes também eram
bombardeados por um ideal de romantismo que resumia a felicidade à união matrimonial e
onde o relacionamento entre os cônjuges acabava resumindo-se em um pragmatismo raso.
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Considerações finais
Eles têm um potencial pedagógico (e aqui não me refiro à pedagogia como ensino
formal, mas como capacidade de repassar informação, difundir ideias) que em determinados
momentos tiveram um alcance muito maior do que o jornal e o cinema. Quadrinhos foram
feitos para meninos e meninas. Durante a década de 1950, as superaventuras passaram a ser
direcionadas para os meninos, enquanto que para as meninas eram indicadas personagens
mais infantilizadas. Mas, onde há regra há transgressão. As meninas também acabavam de
uma forma ou outra consumindo os quadrinhos de superaventura. Nesses quadrinhos, elas
passaram a encontrar o modelo feminino perfeito: a Supergirl.
Nos anos de 1970 esta situação de subordinação feminina foi aos poucos sendo
rompida. A mulher de papel, em especial a supermulher, começa a recuperar sua
independência a exemplo do que começa a acontecer com a mulher real. As heroínas mudam,
são reescritas e reinventadas. Alguns pontos icônicos, no entanto, permanecem. Certos mitos
são reproduzidos. O século XXI tem novas personagens e novos modelos de comportamento.
Mas são personagens como a Supergirl que nos fazem refletir acerca das mudanças e
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Referências
MOYA, Alvaro de. História da História em Quadrinhos. 2º ed. São Paulo: Brasiliense,
1996.
NETTO, Antônio Garcia de Miranda (et all). Dicionário de Ciências Sociais. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1987.
SAYÃO, Deborah Thomé Corpo, poder e dominação: um diálogo com Michelle Perrot e
Pierre Bourdieu. Perspectiva. Florianópolis, v.21, n.01, p. 121-149, jan./jun.2003
Quadrinhos
Links
Publicado na revista Labrys, Études Féministes/ estudos feministas - janvier / juin 2013
-janeiro / junho 2013, disponível em
http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys23/culturepop/natania.htm