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aVaLiaçãO de

POLÍTicas PÚBLicas:
REFLEXÕES ACAdÊMICAS SoBRE o
dESENVoLVIMENTo SoCIAL E o CoMBATE À FoME

1. introdução e temas transversais

2. transferência de Renda

3. assistência social e territorialidades

4. segurança alimentar e nutricional

5. inclusão produtiva
Presidenta da República Federativa do Brasil
Dilma Rousseff
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tereza Campello

Secretário Executivo
Marcelo Cardona

Secretário de Avaliação e Gestão da Informação


Paulo de Martino Jannuzzi

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


Arnoldo Anacleto de Campos

Secretário Nacional de Renda de Cidadania


Luis Henrique da Silva de Paiva

Secretária Nacional de Assistência Social


Denise Colin

Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza


Tiago Falcão
Transferência de Renda

Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO
DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO:
Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de
Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.
Transferência
de renda
© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na
experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.

Coordenação Editorial: Kátia Ozório


Equipe de apoio: Victor Gomes de Lima, Valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes
Diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe
Bibliotecária: Tatiane Dias
Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia Valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro
Vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.


Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvol-
vimento social e o combate à fome, v.2: Tranferência de renda -- Brasília, DF:
MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.

ISBN: 978-85-60700-68-4

108p.

1. Política social, Brasil. 2. Desenvolvimento social, Brasil. 3. Po-


líticas públicas, avaliação, Brasil. I. Secretaria de Avaliação e Gestão
da Informação.

CDU 304(81)

Abril de 2014

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome


Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação
Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340
CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501
http://www.mds.gov.br

Central de Relacionamento do MDS: 0800-707-2003


FICHA
TÉCNICA

Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvol-


vimento Social e o Combate à Fome

Organizadores
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula

Agradecimentos
Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-
cipar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos.
Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo
e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-
dos, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de
seu nome.
Pareceristas
Alberto Albino dos Santos Lucélia Luiz Pereira
Alcides Fernando Gussi Luciana Maria de Moura Ramos
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Aldaíza Sposati Luís Otávio Pires Farias
Alexandro Rodrigues Pinto Luiz Rafael Palmier
Ana Maria Segall Corrêa Marconi Fernandes de Sousa
Andrea Butto Marcos Costa Lima
Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra Mariana Helcias Côrtes
Bruno Barreto Mariana López Matias
Carla Cristina Enes Marina Pereira Novo
Crispim Moreira Marta Arretche
Daniela Sherring Siqueira Marta Battaglia Custódio
Dirce Koga Milena Bendazzoli Simões
Eduardo Cesar Leão Marques Neuma Figueiredo de Aguiar
Eduardo Salomão Condé Onaur Ruano
Elizabete Ana Bonavigo Paula Montanger
Elza Maria Franco Braga Paulo de Martino Jannuzzi
Fabio Veras Soares Pedro Antônio Bavaresco
Fátima Valéria Ferreira de Souza Pedro Israel Cabral de Lira
Fernanda Pereira de Paula Rafael Guerreiro Osorio
Frederico Luiz Barbosa de Melo Renata Mirandola Bichir
Haroldo Torres Renato Francisco dos Santos de Paula
Igor da Costa Arsky Rodrigo Constante Martins
Jeni Vaitsman Rômulo Paes de Sousa
Juliana Picoli Agatte Sergei Suarez Dillon Soares
Júlio César Borges Silvia Maria Voci
Júnia Valéria Quiroga da Cunha Simone Amaro dos Santos
Kyara Michelline França Nascimento Simone de Araújo Góes Assis
Leonor Maria Pacheco Santos Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade
Letícia Bartholo Walquiria Leão Rego
Transferência de Renda

Luana Simões Pinheiro


bolsa Família, deZ anos de tRaJetÓRia

avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

Luis Henrique Paiva1


Letícia Bartholo2
Transferência de renda

1 DouToR EM SoCIoLoGIA E PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS E SECRETÁRIo


NACIoNAL DE RENDA DE CIDADANIA Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE à FoME (MDS).

2 MESTRE EM DEMoGRAFIA PELA uNIvERSIDADE ESTADuAL DE CAMPINAS E SECRETÁRIA NACIoNAL ADJuNTA


DE RENDA DE CIDADANIA Do MDS.
Tendo recentemente completado dez anos, o Programa Bolsa Família (PBF) afirmou-se
como um dos pilares da proteção social não-contributiva, apresentando avanços cé-
leres e impactos positivos para a sociedade brasileira. A ampliação do direito à renda,
já previsto constitucionalmente na Seguridade Social, o aumento da frequência e a di-
minuição da evasão escolar entre as crianças e adolescentes beneficiários, tal como o
apoio à estruturação do próprio Sistema Único de Assistência Social (SUAS) são alguns
exemplos dos bons resultados obtidos desde a instituição do Programa.

Nascido sob embates de distintas perspectivas sobre transferência de renda, o


Programa foi alvo de uma série de críticas, como a de que o repasse direto de ren-
da aos mais pobres poderia produzir efeitos negativos no engajamento produtivo
dessas famílias. No terreno das condicionalidades, conviveram críticas antagôni-
cas: de um lado, os defensores do direito à renda mínima afirmavam que condicio-
nar a recepção de um benefício financeiro à comprovação da frequência escolar e
do acompanhamento de saúde seria, em essência, não uma ampliação de direitos,
mas sua restrição; de outro, foram também fortes as afirmações que contestavam
a capacidade do Programa em acompanhar as condicionalidades, sugerindo que
controles haviam sido afrouxados, o que limitaria seu papel ao alívio imediato da
pobreza, sem a perspectiva de sua superação entre as gerações.

Talvez tenha sido este ambiente de crítica e acompanhamento constante por parte
da sociedade um dos fatores mais importantes para a evolução do Bolsa Família.
Em relação à transferência de renda, o Programa reajustou suas linhas de entrada
em 2006 e 2009. Instituiu, em 2010, a chamada regra de permanência, que pos- 11
sibilita a manutenção das famílias no Programa pelo prazo mínimo de dois anos,
ainda que sua renda mensal per capita varie acima dos R$ 140,00 definidos para
entrada no Programa, até o limite máximo de ½ salário mínimo. Com essa medida,
objetivou-se fornecer alguma segurança às famílias pobres que conseguem aces-
sar condições para melhorar seu rendimento monetário.

No ano de 2011, novos aprimoramentos no contexto do Brasil sem Miséria: a meta de


atendimento do Programa alcançou 13,8 milhões de famílias e os valores dos benefí-
cios sofreram reajuste médio de 19%, com maior impacto sobre os benefícios variá-
veis (que tiveram reajuste de 45%), pela constatação da maior prevalência da pobreza
entre os mais jovens. Também sob este argumento, o limite de benefícios variáveis
por família foi ampliado de 3 para 5 e estendido a gestantes e nutrizes. Como medida
complementar à regra de permanência, foi criado o retorno garantido, pelo qual as
famílias que se desligam voluntariamente do Programa por terem saído da situação de
pobreza têm a garantia de retorno imediato, caso retornem a esta situação.

Também nesse contexto, os recursos do Governo Federal de reforço à gestão do


PBF repassados a municípios, estados e ao Distrito Federal foram ampliados em
82%. Hoje, são destinados R$ 560 milhões anuais para apoio à gestão descen-
tralizada, que são repassados aos municípios e estados, conforme seu Índice de
Gestão Descentralizada (IGD), indicador que avalia a qualidade do Cadastro Único
e do registro de condicionalidades feito pelos municípios.

Em 2012, o Bolsa Família passou a contar com um novo benefício (benefício de


superação da extrema pobreza), destinado às famílias que continuavam com renda
familiar per capita igual ou inferior a R$ 70 após o recebimento dos benefícios
“tradicionais” do Programa. Trata-se de um típico benefício do tipo top up, que
complementa a renda familiar até que ela atinja um determinado patamar – no
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
caso, a superação do valor de R$ 70 por pessoa.

Inicialmente, o benefício foi voltado para famílias nesta situação que tinham em sua
composição crianças entre 0 e 6 anos, como parte integrante das iniciativas da Ação
Brasil Carinhoso3. Ainda em 2012, esse benefício foi estendido para famílias com
crianças e adolescentes com idade de até 15 anos e, no início de 2013, o benefí-
cio alcançou as famílias beneficiárias independentemente da presença de crianças.
Dessa maneira, houve um forte aumento no orçamento de benefícios do Programa
(que saltou de R$ 15 bilhões em 2010 para praticamente R$ 24 bilhões em 2013),
voltado para famílias em situação de extrema pobreza. De maneira sucinta, a trajetó-
ria do PBF em sua dimensão principal, de transferência de renda, logrou em manter o
poder aquisitivo dos valores de seus benefícios financeiros, ampliou o investimento
nas crianças – parcela da população sobre representada na pobreza – e garantiu,
às famílias pobres, a segurança para que procurem oportunidades de engajamento
produtivo sem o risco de não mais poder contar com o Programa.

Na dimensão das condicionalidades, também houve avanços importantes. A melho-


ria da verificação de seu cumprimento pelas famílias se deu em paralelo à constru-
ção de um modelo de gestão que afirma direitos sociais e se contrapõe à perspec-
tiva punitiva. Entre 2006 e 2013, a proporção de crianças entre 6 e 15 anos com
acompanhamento de frequência passou de 62,8% para praticamente 95,0% e o
número de famílias acompanhadas pela área de saúde, de 33,4% para 73,4%.

Essa evolução ocorreu sob um mecanismo de acompanhamento que não objetiva


retirar do PBF as famílias que descumprem condicionalidades, pois enxerga o des-
cumprimento como um sério indicativo de vulnerabilidade social. Com as novas
regras de 2012, uma família só terá o benefício cancelado após ter uma atenção
do Poder Público durante 12 meses, que deve, a partir da identificação da situação
de suspensão do benefício da família, fazer o acompanhamento socioassistencial
e registrá-lo no Sistema de Condicionalidades (Sicon). Essa estratégia evita o des-
ligamento imediato da família que está em situação de vulnerabilidade.
Transferência de Renda

Vale lembrar também que há motivos de descumprimento que não repercutem


nos benefícios, tais como a falta de oferta do serviço, motivos de saúde ou fatores
impeditivos do deslocamento à escola. Ainda, os efeitos por descumprimento po-
dem deixar de ser aplicados se o município, além de realizar o acompanhamento
sócio assistencial, solicitar a interrupção temporária dos efeitos do descumpri-
mento no Sicon. Ou seja, as famílias que não cumprem seus direitos sociais bási-
cos são vistas como as que mais merecem atenção do poder público e não como
as que devem ser deixadas à margem do sistema de proteção social. Este novo
modelo de gestão de condicionalidades explica a baixa proporção de cancelamen-
tos por descumprimento das condicionalidades: em março de 2014, apenas 407
famílias das cerca de 14 milhões, ou 0,003% tiveram o benefício cancelado ( ou 3
em cada 100 mil famílias).Para seleção e acompanhamento de seu público, o Bolsa

3 Conjunto de ações do Brasil em Miséria direcionadas para a primeira infância.


Família conta com o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico), que hoje funciona de forma on line em nos municípios brasileiros.
Com a nova versão, lançada em dezembro de 2010 e implementada sobremaneira
a partir de junho de 2011, o poder público consegue mapear variadas dimensões
de vulnerabilidades que atingem os 40% mais pobres da população brasileira,
para além da limitação de acesso à renda monetária. No fim de 2013, 89% das
cerca de 23 milhões de famílias cadastradas já estavam com dados atualizados
na nova versão. Para essas famílias, tem-se um leque amplo de informações, hoje
utilizado por praticamente todos os programas que compõem o Brasil sem Miséria
e outros, como as tarifas sociais de telefonia, energia elétrica e de envio de cartas.

Diversas pesquisas acabaram demonstrando a boa evolução do Programa. Na Edu-


cação, trabalhos como os de Glewwe & Kassouf (2008) e Silveira Neto (2010) já
haviam apontado para impactos do Programa Bolsa Família na frequência escolar.
Por sua vez, a segunda rodada da Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família
– AIBF (BRASIL/MDS, 2012) também detectou impacto sobre a taxa de aprovação –
demonstrando que, no médio prazo, a maior frequência dos alunos do Programa às
aulas acaba trazendo resultados positivos para o próprio desempenho escolar. Na
saúde, a AIBF detectou impacto na vacinação em dia, para algumas vacinas, bem
como na saúde materna (as mulheres grávidas do Programa tiveram, em média, 1,6
consultas de pré-natal a mais do que as não beneficiárias de mesmo perfil).

Não há evidência de que o programa tenha tido qualquer impacto sobre a fecundi-
dade das mulheres, aumentando seu número de filhos. Estudos como os de Signo- 13
rini e Queiroz (2011) apontam, ao contrário, que o impacto observado sobre a fe-
cundidade, de pequena magnitude, é negativo. Nesse aspecto, a AIBF evidenciou
aumento no do uso de métodos contraceptivos pelas beneficiárias do Programa, o
que pode derivar da ampliação da capacidade feminina de tomada de decisão so-
bre sua vida reprodutiva. Há ainda, nesta pesquisa, outros indicativos de aumento
do poder decisório das mulheres no domicílio.

Outro possível efeito indesejado, de redução do trabalho, também já foi desmen-


tido por vários estudos: não foi encontrada redução significativa da oferta de tra-
balho pelos beneficiários. As duas rodadas da AIBF chegam à mesma conclusão
– a primeira, inclusive, aponta para um discreto aumento da oferta de trabalho
nos homens (BRASIL/MDS, 2009). Outros estudos sugerem uma redução também
muito discreta no número de horas trabalhadas pelas mães, o que pode ser uma
consequência positiva do Programa (como sugerem Soares e Satyro, 2009), em
contextos de vínculos laborais precários e escassez de oferta de serviços públicos
de cuidado de crianças Potenciais efeitos sobre a formalidade encontrados na se-
gunda rodada da AIBF (BRASIL/MDS, 2012), ainda que de magnitude relativamen-
te pequena, devem continuar a ser acompanhados, especialmente em função da
adoção nos últimos anos, pelo MDS, de medidas para evitá-los.

A despeito dos bons resultados, o PBF é um programa jovem, que não pode pres-
cindir de aprimoramento, a fim de fazer frente a novos desafios, muitos deles
derivados de sua própria estruturação. Sem dúvida, a capacitação de gestores e
técnicos locais, a promoção da intersetorialidade e o fortalecimento dos meca-
nismos de apoio à gestão descentralizada são aspectos ainda desafiadores, cujo
atingimento tende a reforçar o percurso exitoso do Programa. Os textos seguintes,
na medida em que explicitam lacunas e necessidades de melhorias na gestão do
PBF, contribuem nessa direção.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Assim, tem-se no texto de Veloso o reconhecimento da importância do Cadastro
Único como tecnologia social propiciadora de ações mais efetivas no enfrenta-
mento da pobreza. O autor ressalta o contexto de crescente associação entre tec-
nologia e política pública, no qual a gestão social e a gestão da informação passam
a caminhar juntas. Nesse cenário, refere-se ao CadÚnico como instrumento tecno-
lógico que contribui para ampliação do exercício de direitos sociais e a consolida-
ção da cidadania. No entanto, Veloso também explicita a insatisfação dos usuários
do CadÚnico com as limitações da utilização gerencial das informações cadastrais,
para fins de planejamento e implementação de políticas públicas.

De certo, o autor aponta uma importante lacuna à concretização do potencial do


Cadastro, que persistiu no biênio 2010-2011 e somente foi atenuada em 2012. Tal
insuficiência não derivou de problemas de capacitação ou repasse de informações
aos usuários do Sistema de Cadastro Único, mas sim da inexistência de funciona-
lidades de tabulação ou extração de microdados na versão do Sistema implantada
a partir de 2010. Apesar dos avanços acima mencionados, esta versão ainda não
conta com todas as possibilidades de relatórios de informação existentes na ver-
são anterior e, durante 2010 e 2011, municípios e estados ficaram sem ferramenta
de manejo dos dados das famílias cadastradas.

Em 2012, porém, o MDS atenuou esta insuficiência da nova versão, por meio da implan-
tação do sistema de Consulta e Extração de Dados do Cadastro Único (CECAD). O CECAD,
hoje acessível a todos os gestores municipais e estaduais do CadÚnico e da Assistên-
cia Social, permite compor relatórios a partir de diversas variáveis do Cadastro Único e
extrair relação identificada das famílias com base em características definidas. No en-
tanto, a solução estrutural ainda está em desenvolvimento e baseia-se na implantação
de ferramenta de Business Inteligence, que permitirá consulta e extração de relatórios
pré-formatados e parametrizados pelos gestores e técnicos dos três níveis da federação.

Tal implantação certamente requererá uma estratégia de capacitação muito bem


desenhada, que permita a disseminação do uso da ferramenta. Felizmente, a com-
posição de boas estratégias de capacitação tem sido uma marca da gestão do Bol-
Transferência de Renda

sa Família e do Cadastro Único: somente entre 2010 e 2012, foram formados mais
de 20 mil entrevistadores e 12.000 operadores do Sistema de Cadastro Único
em todos os municípios brasileiros. Em decorrência da rotatividade de técnicos
municipais que trabalham com o tema, tal como dos aprimoramentos do Cadastro
Único, essas capacitações são continuamente ofertadas.

O modelo de capacitação adotado para o preenchimento dos formulários do Novo


Cadastro Único foi efetuado com participação essencial das coordenações estadu-
ais do PBF e Cadastro Único. Os estados indicaram ao MDS um conjunto de 561
técnicos com disponibilidade para atuar como multiplicadores da informação para
os municípios, os quais foram formados em curso presencial de 40 horas, minis-
trado diretamente por técnicos do MDS. O sucesso da estratégia levou a Senarc a
utilizar o mesmo modelo, a partir de 2012, também para a formação de multiplica-
dores de gestão, os quais repassam aos municípios orientações sobre as regras e
procedimentos envolvidos no desenho e implementação do PBF e Cadastro Único.
Este novo curso, já implantando, visa suprir também a necessidade de dissemi-
nação de informação aos profissionais envolvidos na gestão local do PBF, o que
ainda é um desafio, conforme apontam os três outros estudos desta seção, dedi-
cados sobretudo ao tema das condicionalidades. Medeiros e Machado notam, por
exemplo, que, em todos os municípios paraibanos onde realizaram o trabalho de
campo, os profissionais envolvidos cotidianamente com o PBF referem-se às con-
dicionalidades fundamentalmente no âmbito da frequência escolar.

Por sua vez, Monnerat e Nogueira, analisando a implementação da condicionalida-


de de saúde no Rio de Janeiro, apontam depoimentos de profissionais de saúde
que se referem ao atendimento das famílias pobres como função exclusiva da
área de assistência social e outros que interpretam o não comparecimento dessas
famílias aos serviços de saúde como resultado da “falta de punição” presente na
gestão de condicionalidades do Bolsa Família. No trabalho de campo que embasa
o estudo de Silva e Guilhon, feito em 13 municípios do Maranhão, as autoras tam-
bém identificaram a presença da leitura punitiva das condicionalidades entre os
profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, tal como entre os
representantes do conselho de controle social do Programa.

Esses dois estudos indicam, portanto, que a perspectiva educativa e de ampliação


de direitos, presente na estratégia desenhada pela gestão federal do PBF para
as condicionalidades, pode não ter ressonância ampla entre os profissionais en-
volvidos em sua gestão local. De fato, esse é um aspecto que deve ser objeto de
análise da gestão federal, a fim de que possam ser planejadas e conduzidas ações
de formação dos gestores locais que reafirmem a dimensão das condicionalidades 15
como esfera de fortalecimento dos direitos sociais.

Vale lembrar, contudo, que a proteção social brasileira edificou-se, por séculos, sobre
uma perspectiva conservadora e restritiva de direitos: aos cidadãos, produtivos e contri-
buintes, a garantia do seguro social; aos pobres ou incapazes, o locus da caridade e do
voluntarismo. Ainda que esse itinerário tenha sido rompido em direção à maior abran-
gência da proteção social, que tem na Constituição de 1988 um marco e no Bolsa Famí-
lia um dos pilares de sua concretização, romper esse constructo conservador absorvido
culturalmente é, e certamente será por mais algumas décadas, um dos maiores desafios
não somente do Bolsa Família, mas do Estado e da sociedade brasileira.

Monnerat e Nogueira, como Medeiros e Machado, chamam também atenção para as


insuficiências nas estruturas de gestão do PBF nos municípios, em termos de equipa-
mentos de trabalho, de recursos humanos e da prática intersetorial. Medeiros e Macha-
do notam, por exemplo, a ausência de planejamento de ações de acompanhamento
das famílias que descumprem condicionalidades nos municípios pesquisados. Ainda,
tendo em vista a escassez de pessoal para realizar visitas domiciliares, estas acabam
ficando restritas às famílias com indícios de problemas cadastrais. De certo, a escassez
de recursos humanos e de infraestrutura hoje presente nas gestões municipais do PBF
deriva da própria consolidação recente do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Espera-se que os ganhos de institucionalização do SUAS, como a aprovação da nova
LOAS e a ampliação dos recursos aportados para a gestão por meio do IGD SUAS, além
do próprio aumento do IGD Bolsa Família, possam contribuir para sua superação.

Se isso provocará o fortalecimento da gestão do Bolsa Família nos municípios,


não necessariamente levará a ganhos de intersetorialidade. Por isso, é central o
investimento no diálogo federal entre os ministérios do Desenvolvimento Social,
da Saúde e da Educação, que leve ao desenho de ações conjuntas capazes de
induzir as esferas subnacionais à adoção do compartilhamento da gestão do PBF
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome minimamente entre estes setores. A intersetorialiedade no Bolsa Família, mais do
que uma necessidade prática, é um componente de sua estrutura, do qual depen-
de seu funcionamento adequado e sua evolução.

Outro aspecto fundamental está na ampliação da oferta de serviços públicos às


famílias mais pobres, cuja necessidade o Bolsa Família tem sido capaz de desvelar
por meio do acompanhamento de condicionalidades. Ao estimular seus beneficiá-
rios à utilização de serviços básicos de assistência social, saúde e educação, o PBF
provoca pressões sobre a oferta de serviços, explicitando ao poder público sua
insuficiência. Tal como as regras do PBF induzem as famílias à busca pelo acesso
a seus direitos sociais básicos, espera-se que os dados de acompanhamento de
condicionalidades, sistematizados em nível federal, contribuam para induzir o Es-
tado à ampliação e à melhoria da qualidade dos serviços.

Assim, não só pela importância de contar com informações que permitam acom-
panhar o acesso dos beneficiários do PBF a seus direitos, mas também de conse-
guir avaliar a adequação de oferta de serviços, é importante garantir o envio dos
registros de acompanhamento de condicionalidades pelos municípios. É o que o
Governo Federal busca estimular por meio do Índice de Gestão Descentralizada
Municipal (IGD-M), ao vincular o montante de recursos repassados à gestão local
também ao grau de informação sobre acompanhamento de condicionalidades.

No entanto, deve-se sublinhar que o IGD é um indicador cujo objetivo é mensurar


a qualidade e o comprometimento de municípios e estados com a gestão do Bolsa
Família, e não a qualidade dos serviços de educação e saúde ofertados, tampouco
o impacto das condicionalidades sobre as condições de vida das famílias. O IGD
mede a capacidade de municípios em cadastrar a população de baixa renda e
registrar a frequência escolar e as consultas de saúde do público beneficiário. Os
impactos das condicionalidades na situação dos beneficiários são mensurados em
outras avaliações, como a própria AIBF. Imputar ao IGD, um indicador de processo,
a responsabilidade de medir a melhoria das condições de vida das famílias do PBF,
como fazem Silva e Guilhon, é, portanto, um equívoco basilar.
Transferência de Renda

De fato, como afirmam as autoras, é fundamentalmente importante avaliar o com-


prometimento do Estado na oferta dos serviços de saúde e educação, de boa qua-
lidade, e da disseminação da informação para que, beneficiários e não benefici-
ários, possam acessá-los. Porém, ainda que os dados do IGD possam contribuir
para identificar escassez de oferta desses serviços, a responsabilidade por esta
avaliação e pelo atingimento desta meta não pode ser atribuída ao Programa Bolsa
Família. Em outros termos, o direcionamento de atribuições de políticas sociais
diversas a um programa social específico leva à armadilha de incutir uma perspec-
tiva restritiva ao próprio Sistema de Proteção Social brasileiro.

De todo modo, dissensos são parte da construção das políticas públicas e, felizmente,
o Bolsa Família tem provocado diversas pesquisas e reflexões contributivas para o
bom debate sobre seu aprimoramento, tal como os estudos que compõem esta seção.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sumário Executivo


– Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família. Brasília: MDS, 2009.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sumário Executivo


– Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família – 2ª rodada (AIBF II). Brasília: MDS,
2012.

GLEWWE, P.; KASSOUF, A. L. The Impact of the Bolsa Escola/Familia Conditional Cash
Transfer Program on Enrollment, Grade Promotion and Dropout Rates in Brazil.
ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, 2008.

SIGNORINI, B.; QUEIROZ, B. (2011). The impact of Bolsa Familia on beneficiaries’ fer-
tility. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar. (Texto para Discussão no. 439). Disponível em:
<http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20439.pdf>.

SOARES, S.; SÁTYRO, N. O Programa Bolsa Família: desenho institucional, impactos e


possibilidades futuras. Brasília: Ipea, 2009. (Texto para Discussão n° 1.424).

17
SUMÁRIO
e o Combate
e o Combate à Fome
à Fome

1. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O SISTEMA 20


ÚNICO DE SÁUDE: DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO
Social

DAS CONDICIONALIDADES EM UM MUNICÍPIO DE


GRANDE PORTE
Social
o Desenvolvimento

2.
o Desenvolvimento

CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: 40
Desafios à gestão do Programa Bolsa Família
em municípios paraibanos

3. O BOLSA FAMÍLIA (BF) NO CONTEXTO DA 60


sobre

PROTEÇÃO SOCIAL: significado e realidade das


sobre

condicionalidades e do Índice de Gestão


acadêmicas

Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão


REFLEXÕES acadêmicas

4. A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA 84


PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA
avaliação de políticas públicas: contribuições


Transferência de Renda
19
pRoGRama bolsa Família e o sistema único
de sÁUde: desaFios da implementação das
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
condicionalidades em Um mUnicípio de
GRande poRte

Giselle Lavinas Monnerat - Faculdade Serviço Social - uERJ

Juliana França Nogueira - uFF


Transferência de renda
Introdução
Este artigo analisa1 a implementação das condicionalidades do Programa Bolsa
Família - PBF no setor saúde, tendo em vista dimensionar dificuldades e possibili-
dades, de modo a contribuir com a qualificação de seu processo de operacionali-
zação. Cabe salientar que há poucos estudos que abordam diretamente o tema em
questão e este artigo pretende, de alguma forma, contribuir para sanar tal lacuna.

O Programa Bolsa Família (PBF), criado 2003, por meio da Lei n. 10.836, de 9 de
janeiro de 2004, tem como objetivo instituir um programa nacional de transfe-
rência de renda para as famílias pobres. Este Programa exige como contrapartida
que as famílias beneficiárias mantenham vínculos de adesão à escola e unidades
de saúde como uma estratégia de melhorar o acesso aos direitos sociais básicos.

Busca-se aqui identificar como o setor saúde do município do Rio de Janeiro vem
se comportando diante das requisições postas pelo PBF em termos da criação de
estratégias gerenciais e da organização dos serviços de atenção básica para de-
senvolver as ações relativas às condicionalidades da saúde.

A perspectiva de análise do processo de implementação se mostrou adequada aos


objetivos da pesquisa visto que possibilita focar os fatores que interferem negati-
va ou positivamente nos resultados de operacionalização de uma dada política ou
programa social, contribuindo assim para o dimensionamento de elementos vin-
culados às condições de sua sustentabilidade, tais como capacidade institucional,
estrutura de incentivos e possibilidade de continuidade das ações, bem como os 21
pontos críticos em relação ao alcance dos resultados (DRAIBE, 2001).
Programa Bolsa
A aproximação empírica, através de um estudo de caso, se traduz em uma exigên- Família e o Sistema
cia da investigação proposta, uma vez que as atribuições relacionadas à imple- Único de Sáude:
mentação das condicionalidades do PBF no setor saúde recai sobre os municípios, desafios da
implementação das
entes responsáveis pela oferta de ações de atenção primária em saúde na esfera
condicionalidades
local de governo desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entende-
em um município de
-se que a execução do Programa Bolsa Família exige mudanças na organização dos grande porte
serviços de saúde, o que torna o nível local um ‘espaço’ privilegiado de análise dos
rumos do programa de transferência de renda brasileiro.

A escolha do município do Rio de Janeiro busca contemplar a complexidade que


caracteriza a execução do Programa Bolsa Família, assim como a estruturação de
sistemas municipais de saúde em grandes centros urbanos, haja vista o reconhe-
cimento de enormes dificuldades de acesso aos serviços sociais nesses contextos.

O Rio de Janeiro contabiliza uma população em torno de 6,3 milhões de habitantes


segundo dados do censo 2010 (IBGE, 2010). As grandes dimensões geográficas e
enormes desigualdades sociais existentes no município tornam ainda mais com-
plexa a tarefa de colocar em prática o PBF, tanto no que se refere ao cadastramento
das famílias quanto ao acompanhamento das condicionalidades que, por sua vez,

1 Este artigo é parte dos resultados da pesquisa Programa Bolsa Família: um estudo avaliativo
da implementação das condicionalidades da saúde em um município de grande porte, financiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico em parceria com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome (Edital MCT/CNPq/MDS-SAGi nº36/2010 - Estudos e Avaliação das
Ações do Desenvolvimento Social e Combate à Fome).
exige um mínimo de coordenação intersetorial. A complexidade do desenvolvi-
mento de políticas públicas e sociais no Rio de Janeiro também se traduz no fato
deste município ter mais de um milhão de seus habitantes residindo nas 1020
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome favelas. A renda per capita no município é de 596,65 reais, com um percentual de
miseráveis de 14,572, índice menor do que o apresentado pelo estado do Rio de
Janeiro que é de 19,45% (IBGE, 2000).

A gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família no setor saúde no Rio


de Janeiro necessita de estudos para maior entendimento acerca dos dilemas que
interferem nos baixos índices de acompanhamento das famílias. Sobre este ponto,
vale registrar que os dados de cobertura das “famílias perfil saúde totalmente acom-
panhadas” para a primeira vigência de 2011 era de 35,1%, percentual abaixo da
média do estado, cujo índice para o mesmo período esteve em 46,9%. Já o índice
para o Brasil era de 70,2% (MDS, 2011).

Diante da dimensão do município e das condições de viabilidade da pesquisa,


elegeu-se como campo de pesquisa a Área Programática 2.2, uma das 10 áreas
em que se divide o município, abarcando duas Regiões Administrativas (a VIII e
a IX RA’s) constituídas pelos seguintes bairros: Praça da Bandeira, Tijuca, Alto da
Boa Vista, Maracanã, Vila Isabel, Andaraí e Grajaú. Nesta Área Programática, com
população total de 356.036 habitantes, verifica-se um enorme contingente popu-
lacional vivendo em favelas3.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com gestores e profissionais da Se-


cretaria Municipal de Saúde que participam da operacionalização do PBF em oito
unidades básicas de saúde, seja nas de tipo ‘tradicional’4 ou nas unidades que tra-
balham com a metodologia da Estratégia Saúde da Família. As entrevistas tiveram
como referência um roteiro integrado por perguntas abertas e fechadas, elaboradas
com base no quadro teórico e nos objetivos da pesquisa, cuja intenção foi recons-
truir o processo cotidiano de implementação das condicionalidades da saúde.

A formação dos profissionais de saúde entrevistados é variada, isto é, há médicos


(pediatra, cardiologista e geriatra), assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas,
odontólogo, técnicos e auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saú-
de. Os depoimentos foram gravados com a autorização dos entrevistados que as-
Transferência de Renda

sinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado conforme os


preceitos da ética na pesquisa social5. Os entrevistados foram referidos no corpo
do trabalho de modo genérico para evitar qualquer identificação. Realizaram-se
trinta e quatro entrevistas em profundidade, as quais foram transcritas na íntegra.

2 Considerando-se R$ 80,00 por pessoa ao mês em julho de 2001 (PNUD/IPEA/Fundação João Pinheiro/
IBGE, 2003.

3 Podem-se citar algumas favelas como: Barro Preto, Vila Cabuçu, Barro Vermelho, Morro do
Encontro, Morro do São João, Morro da Matriz, Morro dos Macacos, Pau da Bandeira, Parque Vila Izabel,
Alto Simão, Favela do Metro, Morro Andaraí, Morro Jamelão, Morro da Cruz, dentre outras.

4 O termo ‘tradicional’é usado apenas para diferenciar das unidades que trabalham na lógica
da Estratégia saúde da Família.

5 Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ - Parecer 040-2011.


DESENVOLVIMENTO
Nos anos 1990, a maioria dos programas de transferência de renda desenvolvi-
dos por diversos municípios brasileiros apostou na combinação de ações assis-
tenciais e estruturais. Em razão disso, observa-se a recorrência de programas que
apresentam em seu desenho a exigência de contrapartidas com o argumento de
promover processos de inclusão social, pelo menos das gerações futuras. Acom-
panhando essa tendência, o PBF exige das famílias beneficiadas o cumprimento
de uma agenda de compromissos. As chamadas condicionalidades se traduzem na
obrigatoriedade de inserção de crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes em
determinados programas de saúde e a matrícula e freqüência das crianças, ado-
lescentes e jovens na escola.

Para os idealizadores do Programa Bolsa Família a exigência de contrapartida é


a chave para criar processos de autonomização das famílias pobres. A legislação
pertinente explicita que a gestão das condicionalidades deve englobar os três
níveis de governo, sendo entendida como um conjunto de ações que vai desde
o acompanhamento do cumprimento das contrapartidas até o registro, por parte
dos municípios, das informações acerca do monitoramento realizado. A União, os
Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem contribuir para que as famílias
beneficiárias tenham condições de cumprir a agenda de compromissos, além de
criar estratégias para evitar que estas permaneçam em situação de descumpri-
mento das condicionalidades previstas no Programa. As famílias em situação de
não cumprimento das condicionalidades estão sujeitas a: bloqueio do benefício 23
por 30 dias; suspensão do benefício por 60 dias e cancelamento do benefício. As
Programa Bolsa
famílias estão preservadas de qualquer sanção quando ficar comprovado que o Família e o Sistema
cumprimento das condicionalidades foi prejudicado em razão de problemas rela- Único de Sáude:
tivos à oferta de serviços por parte dos municípios. desafios da
implementação das
No caso das condicionalidades da saúde, se por um lado, tais exigências têm po-
condicionalidades
tencial de facilitar o acesso de camadas da população que dificilmente consegui- em um município de
riam chegar aos serviços de saúde, por outro, coloca dúvida sobre a capacidade de grande porte
os serviços de saúde absorver adequadamente, em termos de quantidade e quali-
dade, o aumento de demanda resultante da implementação do Programa. Também
não se podem desconsiderar as condições de vida (material e subjetiva) das famí-
lias pobres para atender as várias requisições impostas pelas condicionalidades.

Não há dúvida, portanto, que tais questões dependem de vários fatores que se
complementam, tais como: capacidade de indução dos níveis supranacionais para
proceder à necessária reorganização dos serviços; capacitação dos profissionais
envolvidos; grau adequado de coordenação intersetorial; amadurecimento das
relações intergovernamentais, capacidade institucional e política do nível local,
controle social, dentre outras questões.

A exigência de contrapartidas é um ponto central do desenho do PBF e, notada-


mente nos primeiros anos de sua operacionalização, se traduziu em uma questão
bastante polêmica nas discussões acadêmicas e políticas sobre o Programa. De
uma parte, se reconhece que as condicionalidades têm potencial de pressionar
a demanda sobre os serviços de educação e saúde, o que, de certa forma, pode
representar uma oportunidade ímpar para ampliar o acesso de um contingente
importante da população aos circuitos de oferta de serviços sociais. Entretanto,
de outra parte, a obrigatoriedade de contrapor um dever ao direito social foi for-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome temente questionada por diversos estudiosos da área, haja vista o entendimento
de que à medida que o direito social é condicionado ao cumprimento de obrigato-
riedades, os princípios clássicos de cidadania estão ameaçados (LAVINAS, 2000).

Esta autora afirma também que a contrapartida condiciona o direito constitucional à


assistência ao cumprimento de exigências numa situação em que os potenciais benefi-
ciários já estão em situação bastante vulnerável. Ainda que reconhecendo os riscos da
cobrança de contrapartidas, Silva (2001) tematiza a contrapartida como uma possibili-
dade de combinação do compensatório com o estrutural, considerando que, por exem-
plo, é a própria exigência de manter crianças na escola que pode permitir minimizar os
efeitos do trabalho infantil sobre as oportunidades de escolaridade de crianças e jovens.

No entanto, é preciso registrar que a contrapartida exigida não se configura em ter-


mos de contribuição financeira tal como no passado meritocrático de nossa políti-
ca social. Ao exigir contrapartida dos beneficiários, os programas de transferência
de renda introduzem a difícil escolha entre romper com a noção de direito incon-
dicional à medida que os compromissos tornam os beneficiários corresponsáveis
pela superação de suas dificuldades e adotar a estratégia de exigir contrapartidas
com a perspectiva de atacar, de uma só vez, várias dimensões da pobreza. Desse
modo, é forçoso levar em conta que esta última perspectiva pretende suprir uma
deficiência de longa data, atendendo a um conjunto de carências pouco conside-
rado no rol de políticas e programas sociais brasileiros.

Num outro plano de análise, Medeiros (2007) afirma que as condicionalidades de


saúde e educação já são algo que os pais devem fazer com ou sem o benefício. Nes-
se caso, a discussão sobre a necessidade de cobrar condicionalidades é importante
porque tem como pano de fundo questões políticas e éticas. O autor sinaliza que:

“As condicionalidades em parte atendem às demandas daqueles


que julgam que ninguém pode receber uma transferência
do Estado – especialmente os pobres – sem prestar alguma
contrapartida direta. As condicionalidades seriam algo
equivalente ao “suor do trabalho”; sem essa simbologia, o
Transferência de Renda

programa correria o risco de perder apoio na sociedade. Esta


característica não é uma idiossincrasia do Bolsa Família, pois
aparece também em vários programas implementados em outros
países”. (MEDEIROS et al., 2007, p. 18).

A cobrança de condicionalidades tem sido, via de regra, instituída independente-


mente de avaliações objetivas da relação-custo benefício destas ações. Sobre isso,
Monnerat assinala que:

“A adoção de condicionalidades em programas de transferência


de renda somente é válida quando entendida e implementada
como estratégia de ampliação do acesso aos serviços sociais
e políticas de emprego e renda, não sendo, portanto, o mero
reflexo de uma visão restrita do direito social” (2007, p. 1460).
Importa salientar que há consenso entre os estudiosos do assunto de que a obri-
gatoriedade de contrapartidas não pode se transformar numa forma de punição
das famílias beneficiárias. Na atualidade, provavelmente em razão da contínua e
enorme expansão do Programa, o debate acadêmico condicionalidade versus di-
reito social vem dando lugar à reflexão sobre o processo de implementação do
PBF e seus impactos sobre a pobreza e a desigualdade social no país, assim como
sobre as reais oportunidades geradas em termos de acesso aos serviços sociais.

O alcance do PBF em termos de público beneficiário – já é o maior programa de trans-


ferência de renda da América Latina – e a novidade relacionada à sua concepção e
desenho operacional, têm atraído a atenção de formuladores e estudiosos vinculados
tanto à área social como econômica. A operacionalização do PBF desafia as formas de
gestão mais cristalizadas nas instâncias governamentais e exige um nível de diálogo
com outras áreas de política jamais requisitado por outros programas sociais no país.

Do ponto de vista social e político, as opiniões contrárias ao PBF também arrefece-


ram. As críticas de que o Programa é assistencialista não aparecem mais na mídia,
indicador de que a aceitação e legitimidade social com relação à transferência
direta de renda para a população pobre já é algo em construção entre nós. Com
efeito, dada a expansão do PBF na atualidade, grande parte da população conhece
ou convive com alguma família beneficiária do Programa, proximidade que des-
mistifica preconceitos e leva a formação de um pensamento de que, diante das
agruras da pobreza, em sã consciência, não é possível ser contrário ao PBF.

Ademais, os dividendos eleitorais provocados pelo Programa traduzidos especialmen- 25


te no tamanho da popularidade do ex - presidente Lula, na sua reeleição e no fato de
Programa Bolsa
ter feito seu sucessor, são fenômenos políticos fortemente atribuídos à criação e exe-
Família e o Sistema
cução do Bolsa Família, programa central na política social brasileira nos últimos anos. Único de Sáude:
Na esteira destes acontecimentos, verifica-se que além do Bolsa Família estar im- desafios da
implementação das
plantado na maioria dos municípios brasileiros, o cálculo político realizado pelos
condicionalidades
atuais governantes em favor do Programa vem apontando para a tendência de
em um município de
replicar essa ‘receita de sucesso’ nos níveis subnacionais de governo. São os ca- grande porte
sos dos governos do município e do estado do Rio de Janeiro que recentemente
iniciaram a execução de programas de transferência de renda com condicionalida-
des utilizando orçamentos próprios6. Como ambos os governos são politicamente
alinhados à gestão federal, os programas criados se articulam ao PBF, buscando
potencializar os benefícios das famílias já atendidas pelo programa federal.

6 O programa Cartão Família Carioca, criado pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro, tem
por objetivo retirar da linha da pobreza cerca de 100 mil famílias beneficiárias do programa federal
Bolsa Família residentes na cidade do RJ, que vivem atualmente com menos de R$ 108 por mês por pessoa.
Os valores a serem recebidos variam de acordo com a renda per capita e o número de beneficiários por
domicílio. Para receber o complemento, é exigido das famílias que cada criança em idade escolar mantenha
frequência mínima de 90% nas aulas, além da participação de pelo menos um dos responsáveis nas
reuniões bimestrais da escola. Os alunos que melhorarem seu desempenho escolar ao longo do bimestre
receberão um bônus de R$50 (até R$ 200 por ano). O Programa Renda Melhor é parte integrante do Plano
de Erradicação da Pobreza Extrema no estado do Rio de Janeiro e tem como objetivo assistir com benefício
financeiro as famílias que vivem com menos de R$ 100 per capita por mês. O auxílio varia de R$30 a R$300, de
acordo com a renda e as características de cada família e está sendo implantado em vários municípios do
estado do Rio de Janeiro.
Contudo, é exatamente em razão do reconhecimento da sustentabilidade dos pro-
gramas de transferência condicionada de renda entre nós que o debate sobre a
cidadania não pode ser secundarizado, senão recolocado, como sempre o foi, no
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome centro do debate da política social. Os termos desse debate devem passar ne-
cessariamente pelo dimensionamento da capacidade política e social que o PBF
vem alcançando para contribuir na dinâmica de inserção da população pobre no
circuito de produção, de serviços sociais e nos processos de sociabilidade e deci-
são política.

Do ponto da vista da inserção nos serviços sociais, há vários desafios que passam
tanto pela sabida desigualdade de acesso e de atendimento às necessidades de
saúde da população no SUS, quanto pela complexidade da gestão intersetorial das
condicionalidades previstas no desenho do Programa Bolsa Família.

O iníquo sistema distributivo da atenção em saúde no país está confirmado no re-


cente relatório da Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS)
intitulado “As causas das iniqüidades sociais em saúde no Brasil”. Este documento
reitera o que muitos outros estudos já demonstraram, ou seja, a distribuição das
ações em saúde conflita com os princípios constitutivos do SUS. Nesta linha, Tra-
vassos, Oliveira e Viaca (2006) afirmam que:

“Notou-se que o local de residência afeta o acesso, que


melhora com o grau de desenvolvimento socioeconômico da
região. Os residentes na região Sudeste e Sul tiveram maior
acesso do que os residentes nas outras regiões, com exceção
da região norte. No entanto, contrariamente à diminuição das
desigualdades sociais no acesso, as desigualdades geográficas
pioraram no período do estudo. O diferencial no acesso entre
os residentes das regiões Norte e Nordeste e os residentes das
regiões Sudeste e Sul aumentou, isto é, a melhora observada no
acesso foi maior nas regiões mais desenvolvidas “.(p. 983-984)

De igual modo, sabe-se que no Brasil a mortalidade infantil está diretamente rela-
cionada ao acesso ao emprego, à renda das famílias, ao local de moradia, ao nível
de escolaridade da mãe, isto é, à situação social da família (BUSS, 2007). Assim,
Transferência de Renda

não se pode desconsiderar que a política universal de saúde - o SUS -, tal como
implementada hoje, expõe a parcela mais pobre da população às situações de
discriminação e desvantagem no acesso aos serviços (FLEURY, 2007).

Apesar de estar em curso um processo de expansão da atenção via implantação


de unidades do PSF nas áreas mais vulneráveis do município, a introdução de no-
vas formas de gestão, ditas inovadoras e racionalizadoras, como as Organizações
Sociais, vem levantando questionamentos entre os profissionais de saúde. Os en-
trevistados nesta pesquisa afirmam que um dos pontos tido como negativo diz
respeito à principal forma de contratação dos profissionais para comporem a Es-
tratégia de Saúde da Família. Isto é, parte destes profissionais tem sido contratada
pelas Organizações Sociais que, apesar de garantir os direitos trabalhistas, não
garante a fixação do profissional (e, por vezes, seu comprometimento), fato que
pode interferir na qualidade da assistência prestada.
Com efeito, as atuais mudanças na relação público-privado no campo da saúde no
estado (e especialmente no município do Rio de Janeiro), marcada pela terceiriza-
ção da gestão e forte empresariamento do setor, situação na qual chama atenção
a precarização dos contratos de trabalho e aniquilamento da carreira do servidor
público, desafiam a crença dos defensores do SUS de que o projeto de um sistema
universal de saúde não esteja sendo desconstruído entre nós.

Ao resgatar o debate acerca do PBF e a acessibilidade aos serviços de saúde, os


argumentos acima atestam que a inserção (de qualidade, com adesão aos progra-
mas) das famílias pobres no SUS depende de inúmeras outras variáveis para além
da eficiência e potencialidade esperada com a operacionalização dos programas
de transferência condicionada de renda.

No entanto, apesar de os problemas estruturais do SUS serem determinantes para


as condições de acesso da população pobre aos serviços e afetarem a qualidade
da atenção ofertada, não se pode deixar de reconhecer a importância da capacita-
ção técnica e política dos profissionais de saúde para executar os diversos progra-
mas sociais no âmbito do setor saúde.

Reconhece-se, assim, que o modo de organização dos serviços e a forma como


as unidades básicas de saúde definem seu processo de trabalho e sua linha de
cuidado é também crucial na discussão sobre o poder de utilização dos serviços
de saúde por parte dos usuários. Com isto, se quer sublinhar que a capacidade
técnica e política dos serviços sociais é elemento fundamental na facilitação da
integração dos beneficiários do Programa Bolsa Família aos serviços públicos de 27
saúde. Sendo assim, uma vez exigidas condicionalidades é preciso traçar meca-
Programa Bolsa
nismos consistentes de acompanhamento social das famílias beneficiárias, tendo
Família e o Sistema
em vista a necessidade de reverter tal exigência em oportunidade de inserção no
Único de Sáude:
circuito de acesso à cidadania. desafios da
implementação das
A implementação de programas de transferência de renda com condicionalidade
condicionalidades
exige investimentos institucionais, políticos, assim como a organização de processos
em um município de
de gestão intersetorial que, por sua vez, requer uma dada capacidade de diálogo grande porte
nada trivial na trajetória de constituição de nosso sistema de proteção social. Para
instituir em nível nacional a gestão das condicionalidades, a coordenação do PBF no
âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social vem, desde 2005, regulamentando
as atribuições dos entes federados, das famílias beneficiárias, assim como definindo
as ações de acompanhamento e monitoramento a serem desenvolvidas.

A cobrança de condicionalidades já está prevista desde a lei de criação do PBF (Lei n.°
10.836, de 09 de janeiro de 2004), mas a normalização da gestão das condicionalidades
está traduzida, basicamente, em duas Portarias – uma de 2005 e outra de 2008 – as
quais demarcam momentos diferentes do itinerário de implementação do Bolsa Família.

Em novembro de 2005, o MDS publica a Portaria N.° 551 que regula a gestão e
controle das condicionalidades, estabelecendo principalmente as sanções aplicá-
veis às famílias que não cumprirem as contrapartidas do Programa. A observação
atenta da conjuntura autoriza cogitar que uma das razões que motivou a publica-
ção dessa Portaria foi a massiva divulgação, pela mídia, de inúmeras críticas ao
PBF, notadamente a falta de controle do cumprimento das condicionalidades.
Em 2008 é publicada uma nova Portaria (GM/MDS N.° 321/2008) com o mesmo
objetivo, revogando a anterior, de 2005. Na apresentação desta Portaria, já perce-
bemos mudanças significativas no intuito de rever a perspectiva punitiva atribuída
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome às condicionalidades e fortalecer uma concepção mais educativa. Nos parágrafos
de introdução da Portaria é dada uma nova conotação às condicionalidades, não
sendo essas destacadas somente como contrapartida da família para recebimen-
to do benefício. De fato, há na Portaria N.° 321/2008 uma flexibilização da idéia
de co-responsabilidade das famílias, visto, claro, a patente fragilidade e falta de
efetividade de nosso sistema de proteção social. Embora mantenha o sistema de
sanção progressiva, as condicionalidades são, nesta legislação de 2008, enfatica-
mente apresentadas como possibilidades de:

“(...) Reforçar o direito de acesso das famílias às políticas de


saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das
condições de vida da população beneficiária, assim como levar
o Poder Público a assegurar a oferta desses serviços “.(BRASIL,
2005).

Ademais, nesta norma está sinalizada a importância de identificação das vulne-


rabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias aos serviços a
que têm direito. Ou seja, é reconhecido que essas famílias possuem direitos pre-
viamente garantidos, aos quais elas têm dificuldade de acessar, sendo dever do
poder público identificar os motivos que interferem nesse acesso, acompanhando
essas famílias de forma que as dificuldades de acesso sejam superadas.

Resultado
O Programa Bolsa Família foi implantado no município do Rio de Janeiro em 2004
estando, desde o início, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência
Social (SMAS). A gestão intersetorial apresenta-se ainda pouco estruturada haven-
do indefinição em termos de canais institucionais para o diálogo. A interface entre
a assistência social e a saúde vem ocorrendo, principalmente, por meio de um
profissional da SMAS que tem a delegação de acompanhar o PBF junto à Secretaria
Transferência de Renda

Municipal de Saúde (SMS).

É sabido que a implantação de qualquer programa social descentralizado depen-


de, dentre outras coisas, de como se dá o processo de formulação, principalmente
no que se refere ao grau de participação da cadeia de atores interessados e das
estratégias de operacionalização adotadas.

Assim como em outros municípios7, também no caso do desenvolvimento do PBF no


setor saúde do Rio de Janeiro, todos os atores entrevistados afirmam que tiveram
que iniciar a implementação de um programa sobre o qual não conheciam quase
nada, situação emblemática da dificuldade inicial de concertação intergovernamen-
tal em torno de um programa que o governo federal teve (e tem) como prioritário e,

7 Estudo de caso do município de Niterói – RJ realizado por Monnerat (2009) detecta os mesmos
resultados para o caso do Rio de Janeiro.
por isso, impôs urgência em sua execução8. É certo que a impressionante velocidade
de implementação do Bolsa Família adicionou outros dilemas à já complexa opera-
cionalização descentralizada de programas e políticas sociais no país.

“Assim, apesar de o Programa prever em seu desenho a


gestão intersetorial, parte dos gestores e profissionais da
SMS desconhece a forma como ocorreu a implantação do
PBF no município ou se refere a este momento de forma
impressionista, mostrando dificuldade para reconstituir tal
processo”.

Neste estudo chama atenção a persistência do elevado grau de desconhecimento


dos profissionais sobre o Programa, o que, em parte, pode ser explicado em razão
do lugar institucional ocupado pelo PBF na SMS. Isto é, atualmente o profissional
que coordena o Programa Bolsa Família no âmbito desta secretaria compõe a equi-
pe da Coordenação de Saúde da Família, uma das cinco coordenações da Supe-
rintendência de Atenção Primária. Cabe ressaltar que esse profissional não possui
formalmente o cargo de coordenador do PBF na saúde, apenas assume essa fun-
ção, dentre outras, não possuindo uma equipe específica para realizar tal função.

“Na verdade eu não tenho cargo assim, eu não sou


coordenadora do Bolsa Família no município porque não
existe esse cargo no município. Eu sou responsável por fazer
o acompanhamento (das condicionalidades). Eu não tenho
equipe do Bolsa Família...é a equipe da coordenação da
29
saúde da família, porque eu estou dentro da coordenação.” Programa Bolsa
(Entrevista 1 - Gestor Saúde). Família e o Sistema
Único de Sáude:
Tal situação indica a pouca prioridade dada ao programa pela gestão municipal. desafios da
Se, por um lado, o profissional responsável pelo PBF na saúde encontra-se lotado implementação das
condicionalidades
na Coordenação de Saúde da Família, por outro, o acompanhamento das condi-
em um município de
cionalidades não ocorre apenas em unidades de Saúde da Família. Ao contrário, a
grande porte
maioria das Unidades Básicas do município ainda é do tipo tradicional, e estão sob
outra gerência, a Coordenação de Policlínicas. Essa situação é bastante complexa,
pois tende a comprometer a gestão do Programa e, consequentemente, o acompa-
nhamento das condicionalidades.

É importante ressaltar que nas coordenadorias de saúde em cada Área Programá-


tica do RJ, há definição de um profissional responsável pelo acompanhamento
das condicionalidades da saúde. Mas, assim como no nível central, este cargo não
está formalizado e tampouco há estrutura administrativa e de recursos humanos
para tal. Deste modo, o responsável pelo PBF assume inúmeras outras funções,
além da coordenação do Programa, o que é visto de forma bastante negativa pelos
profissionais responsáveis, pois a coordenação do PBF demanda muito tempo e
a falta de dedicação exclusiva ao Programa vem fragilizando a operacionalização
das ações que devem ser realizadas.

8 Não é à toa que, em 2006, após exatos três anos e três meses de funcionamento, o PBF já havia
atingido a sua meta, qual seja: a de atender 11 milhões de famílias. Em outubro de 2011, o número total de
famílias beneficiárias já estava em torno de 13.171.810.
Este cenário ajuda a compreender a debilidade do processo de implementação
do Bolsa Família na cidade, assim como a persistência da insuficiência de infor-
mação para conduzir o acompanhamento das famílias beneficiárias e a agenda de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
compromissos prevista no Programa. A ausência de formulação de uma política de
capacitação continuada é um dos reflexos da especificidade da gestão do PBF no
nível local.

Para os entrevistados, os encontros realizados desde a implantação do Programa


têm por objetivo a discussão dos dados de cobertura das condicionalidades da
saúde em cada vigência e a cobrança no acompanhamento das famílias beneficiá-
rias, não tendo a perspectiva de capacitação propriamente dita.

“A gente nunca foi treinado. Costuma ter uma reunião pra falar
sobre a estatística, sobre as metas, mas esse ano ainda nem
teve. E aí, nessas reuniões, é sempre pinçada alguma coisa”.
(Entrevista 8 - Profissional de Saúde UBS)

A insuficiência de capacitação para implementar o Bolsa Família é apontada pe-


los entrevistados como um dos nós críticos do Programa. Durante o trabalho de
campo, e mesmo nas entrevistas, verificaram-se várias demandas por informação,
assim como diversos questionamentos sobre a concepção e a logística de fun-
cionamento do PBF. Os poucos entrevistados que afirmaram ter algum grau de
informação sobre o Programa, sinalizaram que este acesso ocorreu por iniciativa
própria.

Os resultados da pesquisa mostram que as equipes envolvidas9 com as condicio-


nalidades do PBF nos Centros Municipais de Saúde e nas unidades da Estratégia
Saúde da Família (ESF) são diferentes, em razão do próprio modelo assistencial
que caracteriza cada tipo de unidade. Segundo os gestores da saúde, há predomi-
nância nas unidades básicas ‘tradicionais’ do assistente social como profissional
de referência para o acompanhamento das condicionalidades, muito embora essa
responsabilidade seja compartilhada com outros profissionais – nutricionistas e
enfermeiros. No caso das unidades de Saúde da Família, a responsabilidade fica a
cargo da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) e dos agentes
comunitários de saúde.
Transferência de Renda

Unidade de Saúde Profissionais envolvidos na implementação

Unidade Básica de Saúde 1 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem (e PACS ) captação)

Unidade Básica de Saúde 2 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

Unidade Básica de saúde 3 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

Estratégia de Saúde da Família 1 Enfermagem (enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 2 Enfermagem (técnicos) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 3 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS


Uma questão recorrentemente assinalada nas entrevistas é a visão entre os pro-
fissionais de saúde de que a ação junto aos beneficiários do PBF é atribuição uni-
camente do assistente social da unidade. Neste sentido, alguns entrevistados, em
especial gestores e os próprios assistentes sociais, apontam a necessidade de in-
tervir sobre esta concepção:

“Isso foi uma coisa que a gente suou pra acabar. Porque pra
qualquer unidade de saúde o dono do Bolsa Família era o
assistente social, né? Só que, é o que eu explico pra eles,
eu não sou assistente social, mas desde que começou eu
estou. Por quê? Porque são condicionalidades da saúde. Não
é condicionalidades do assistente social. É da saúde. Então,
são pessoas da saúde que vão olhar aquela família e cuidar
daquela família. E, por um acaso, aquela família faz parte do
Bolsa Família. Certo? Então, a explicação que foi sempre dada
a eles foi essa”. (Entrevista 2 – Gestor Saúde)

Interessante notar que o Sistema Único de Saúde (SUS) passa a requisitar que os
assistentes sociais assumam a função de agente executor das condicionalidades
do Bolsa Família numa possível alusão à compreensão de que as ações deste Pro-
grama ‘fogem’ ao objeto específico da saúde. Tal questão é evidência inequívoca
de que a concepção ampliada de saúde e o desenvolvimento de práticas baseadas
na integralidade ainda são dilemas cruciais para a política de saúde.

Na esteira desta trajetória, parece, então, que a implantação do Bolsa Família pro-
31
piciou resistências e estranhamentos que podem estar relacionados, dentre outras Programa Bolsa
coisas, ao fato de o setor saúde ter que desenvolver um programa que, embora Família e o Sistema
tenha desenho intersetorial, não vem do Ministério da Saúde ou das correspon- Único de Sáude:
dentes secretarias estaduais e municipais. Ademais, pode-se cotejar a hipótese desafios da
implementação das
de que a utilização de critérios sociais e não de saúde (ou doença?) estrito senso
condicionalidades
para a seleção do público do PBF é algo que de alguma forma contribui para a
em um município de
conformação da centralidade do assistente social na equipe de acompanhamento grande porte
das famílias beneficiárias do PBF na saúde.

De modo geral, os gestores dos Centros Municipais de Saúde do R.J, onde o profis-
sional de Serviço Social ocupa lugar central na operacionalização do PBF, mostram
forte preocupação com a possibilidade de perda ou diminuição do número de pro-
fissionais do quadro funcional das unidades de saúde, sejam por aposentadorias,
licenças de diversas naturezas ou o retorno dos assistentes sociais para a Secreta-
ria Municipal de Assistência Social (SMAS), órgão de lotação destes profissionais.

Sobre este ponto, cabe ressaltar que em 2001 foi criado o Sistema Municipal de
Assistência Social (SIMAS) que se caracteriza por um conjunto integrado e descen-
tralizado de todas as ações e programas no âmbito da assistência social. A lei nº
3.343 de 28 de setembro de 2001 subordina ao SIMAS os mecanismos de lotação
de pessoal e a realização de concursos para os assistentes sociais e demais agen-
tes do sistema e de servidores de apoio.

Durante a pesquisa foi possível observar o exacerbamento desta preocupação no


momento em que o secretário de assistência social do município (SMAS) informou
sua decisão de suspender a cessão deste grupo profissional para a Secretaria Mu-
nicipal de Saúde (SMS), alegando, com base no incremento das ações do Sistema
Único de Assistência Social, a necessidade de retorno dos assistentes sociais à sua
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome secretaria de origem.

O depoimento que segue é taxativo quanto à centralidade do serviço social na


implementação do PBF:

“(...) Como eu estou pedindo para as unidades mandarem um


responsável pelo Bolsa Família, se essa assistente social sair o
diretor vai ter que indicar outra pessoa, né? Só que vai ser um
problema, né? É um problema que a gente vai ter pela frente
porque nessas pessoas se centraliza todas as ações do Bolsa
Família na unidade”. (Entrevista 1 – Gestor Saúde)

No que concerne à organização dos serviços de saúde para o atendimento das


condicionalidades, é relevante analisar em que medida esta atribuição modifica
o fluxo de atendimento nas unidades. Nota-se que a maior mudança na rotina de
atendimento é percebida nas unidades tradicionais que, em função do modelo
assistencial, apresenta maior dificuldade de vínculo com os usuários do sistema.

O município do Rio de Janeiro apresenta baixo índice de cobertura de acompanha-


mento das condicionalidades da saúde, o que, na opinião dos entrevistados, está
relacionada à dificuldade de captação das famílias beneficiárias, principalmente
nas unidades de saúde do tipo ‘tradicional’.

Semestralmente as unidades de saúde recebem da Coordenadoria de Área Progra-


mática uma listagem com as famílias vinculadas e que deverão ser acompanhadas
a cada vigência do Programa. Embora os profissionais tenham acesso aos dados
das famílias perfil saúde, nessas unidades não há estrutura10 para realizarem busca
ativa, prevalecendo assim o acompanhamento das famílias que comparecem por
iniciativa própria ou espontaneamente à unidade de saúde. A fim de mudar tal
situação os profissionais vêm utilizando, ainda de modo incipiente, algumas estra-
tégias de captação, tais como: visitas às comunidades, aerogramas11, contato com
a associação de moradores e contatos telefônicos.
Transferência de Renda

Como vimos, nos Centros Municipais de Saúde, apesar de haver envolvimento de


assistentes sociais, nutricionistas e enfermeiros, o trabalho realizado não pode ser
caracterizado como multidisciplinar. Em geral, o assistente social acolhe e absorve
as demandas sociais, o nutricionista verifica o estado nutricional e a enfermagem o
acompanhamento da situação vacinal. Nessas unidades percebe-se uma preocupa-
ção em absorver outras demandas apresentadas pelas famílias, mas, nem sempre
tal preocupação é materializada em termos do cuidado ampliado em saúde. Parado-
xalmente, essa perspectiva de atenção integral não aparece com a mesma força nos

10 Disponibilidade de tempo, liberação da unidade, carro, acesso às comunidades, etc.

11 Vale dizer que as unidades não têm usado extensivamente a convocação por aerograma
por ser, de acordo com um gestor do PBF na saúde, de alto custo para o município. Embora considerado
um ponto conflituoso no processo de concertação intersetorial do PBF, um dos gestores aponta a
possibilidade de usar parte dos recursos do IGD para a compra de aerograma. Entretanto, no momento da
pesquisa, a ausência de reuniões do Comitê Intergestor dificultava o encaminhamento da referida questão.
depoimentos dos profissionais das equipes de Saúde da Família, o que talvez possa
ser justificado pela fraca tradição e especificidades deste programa no município.

Assim, para efetivar o acompanhamento das condicionalidades, as unidades bá-


sicas ‘tradicionais’ estabeleceram fluxos específicos para atender as famílias be-
neficiárias. Apesar de não haver uniformidade no modo de funcionamento desses
fluxos e tampouco discussão coletiva sobre o assunto, todas as unidades reali-
zam agendamento prévio das famílias para o acompanhamento. Nessa direção, os
profissionais afirmam que o programa impactou na rotina da unidade de saúde,
uma vez que os técnicos envolvidos tiveram que dispor de parte de suas agendas
para o PBF. De acordo com os entrevistados, o acesso dessas famílias às unidades
gerou aumento de demanda por serviços no interior da própria unidade, devido
aos encaminhamentos feitos pelos profissionais envolvidos com o programa. Por
exemplo, em uma das unidades, houve aumento significativo para os grupos de
educação em saúde em funcionamento (gestante, adolescentes, tabagismo, obe-
sidade, entre outros).

Nas unidades de Saúde da Família verifica-se uma outra forma de organização


do serviço para atender as demandas do PBF. Nestas unidades a captação dos
beneficiários do PBF fica sempre a cargo dos agentes comunitários de saúde.
Antes de realizarem visita domiciliar para captação das famílias, esses profissio-
nais verificam a listagem enviada pela CAP, pois, como assinalado pelos entre-
vistados, geralmente este documento apresenta muitos erros, como: endereço
errado, incompleto ou desatualizado; famílias que não mais residem ou nunca
33
residiram no território; e outros erros de registro que, em muitos casos, revelam
falhas no cadastramento. Programa Bolsa
Família e o Sistema
Apesar da possibilidade de realização da busca ativa através dos ACS, os profis- Único de Sáude:
sionais entrevistados das unidades de Saúde da Família afirmam que ainda assim desafios da
possuem algumas dificuldades para captarem essas famílias. A principal delas está implementação das
relacionada ao fato de que algumas famílias apresentam resistência para ir à uni- condicionalidades
dade de saúde, sendo vários os motivos elencados por eles: desconhecimento dos em um município de
grande porte
beneficiários acerca das condicionalidades da saúde; dificuldade de compreensão
do papel da saúde; despreocupação devido à “falha” no sistema de repercussão
em caso de descumprimento das condicionalidades da saúde; incompatibilidade
de horário por conta do trabalho; entre outros.

“A gente fica cobrando ali o ano inteiro “Oh, o Bolsa Família!”,


“Oh, o Bolsa Família!”, “Oh, o Bolsa Família!” pra poder vir
pesar. E muitas vezes têm pessoas que não vêm mesmo. Você
avisa cinco vezes e eles não vêm pesar! ” (Entrevista 17 -
Profissional de Saúde ESF)

“Nós aqui temos um trabalho imenso pra convencê-las que


quando a gente marca a consulta pro acompanhamento do
Bolsa Família, que elas têm que vir, e que não é uma obrigação
da saúde tá indo fazer com que elas venham regularmente na
consulta”. (Entrevista 21 – Profissional de Saúde ESF)
Acredita-se que parte das famílias beneficiárias acesse com frequência as unida-
des de saúde, porém a forma como o processo de trabalho está organizado não
permite que se aproveite tal oportunidade para captar e acompanhar as condi-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome cionalidades e proceder ao registro de dados. Acompanhando este raciocínio, é
de notar que um dos entrevistados tece severas críticas à atuação de médicos e
dentistas das equipes de Saúde da Família pelo fato de que esses profissionais
não se envolvem com o PBF, indo de encontro ao que está preconizado no SUS.

“Quase nunca o médico, o dentista se apoderam disso, mesmo


nesse modelo de PSF”. (Entrevista 19 – profissional de Saúde
ESF)

Nos depoimentos seguintes é recorrente a afirmação de que as famílias não com-


parecem à unidade de saúde devido à falta de punição. Neste caso, existiriam fa-
lhas no sistema de repercussões das condicionalidades do PBF, sendo as sanções
efetivamente aplicadas apenas nos casos de descumprimento das condicionalida-
des da educação. Essa situação demonstra, dentre outras coisas, o quanto o cará-
ter punitivo previsto na legislação encontra receptividade junto aos profissionais,
ao passo que revela a dificuldade de compreender a transferência de renda como
um direito de cidadania.

“Eu acho que deveria ser assim na saúde porque os agentes


de saúde ficam atrás desse povo, resgatando uma vez a cada
seis meses a família para poder estar acompanhando. Não são
todos, mas alguns são resistentes. Eu já ouvi: ah, não corta,
não foi cortado, eu não vou. Por isso que eu acho que tinha
que ser obrigatório. Obrigatório é, mas penalizado”. (Entrevista
22 – Profissional de Saúde ESF)

Nesta mesma linha de entendimento, registra-se que parte significativa dos pro-
fissionais corresponsabiliza a família pela dificuldade de captação para o aten-
dimento da agenda de compromissos. Aqui, prevalece a concepção de que esta
dificuldade é externa ao setor saúde, condição que inviabiliza a reflexão sobre o
impacto da qualidade da atenção sobre os índices de cobertura das condicionali-
dades da saúde no município.
Transferência de Renda

No entanto, esta não é uma concepção homogênea dado que se verifica outro tipo
de visão, então vejamos:

“O desafio é conscientizar as pessoas a virem não porque


bloqueia, mas para cuidar de si e da sua família. Eu vou fazer
um acompanhamento da minha saúde, embora eu não esteja
sentido nada. Eu acho que isso também é aos poucos e esse
é o principal objetivo da Estratégia de Saúde da Família, eu
acho”. (Entrevista 22 – Profissional de Saúde ESF)

Nas unidades de saúde da família, ao contrário das unidades tradicionais, predo-


mina o atendimento sem agendamento anterior, podendo a família beneficiária
comparecer à unidade de saúde em qualquer horário para acompanhamento. Si-
tuação que é facilitada pela proximidade geográfica entre unidade de saúde e
famílias. Contudo, a atenção dispensada às famílias neste acompanhamento está
focada em ações elementares no campo da saúde pública, além de se restringir
àquelas que são solicitadas para efeito de alimentação do sistema de informação
de gestão das condicionalidades.

Quando indagados sobre quais ações são desenvolvidas para acompanhamento


das condicionalidades, os entrevistados fazem referência ao monitoramento do
calendário vacinal e, sobretudo, da aferição de peso e altura de crianças e ges-
tantes. Entretanto, a maioria dos profissionais não menciona a utilização desses
dados para a avaliação efetiva do estado nutricional. Em geral, os entrevistados
não sabem informar dados sobre a situação de saúde das famílias beneficiárias
atendidas

“A pessoa do INAD tem que me dizer que a aquela criança


está desnutrida. Quem deveria ver isso é aquele profissional
que está fazendo aquele tipo de procedimento. É esse tipo
de coisa que a gente encontra ainda. Os profissionais têm
que entender que não é uma ação de pesar e medir e ver se
o cartão de vacina está em dia. Não é isso, é a gente ver qual
é o risco que aquela família tem, e se o cartão de vacina não
está em dia o que isso gera para aquela família. Não é só a
perda daquele beneficio que a gente tem que pensar, tem que
pensar que se aquela criança está acima do peso ou abaixo do
peso o que acontece com essa família? Em que eu vou intervir 35
para que eu possa solucionar esse problema? ” (Entrevista 1 –
Gestor Saúde) Programa Bolsa
Família e o Sistema
Apesar de prevalecer nas equipes de saúde da família um tipo de atendimento Único de Sáude:
das condicionalidades pautada nas ações elementares de saúde pública, alguns desafios da
implementação das
profissionais afirmam dispensar maior atenção a essas famílias na perspectiva de
condicionalidades
captar outras demandas de saúde.
em um município de
“O técnico ele vai pesar, vai verificar PA, vai fazer medição grande porte

e o enfermeiro vai colocar na planilha, vai calcular o IMC,


vai orientar, vai ver no prontuário, se é puericultura, se está
acompanhando; a quanto tempo essa mulher é hipertensa,
se não vem fazer o acompanhamento. Olha tudo, toda
a condicionalidade da saúde, no geral”. (Entrevista 20 –
Profissional de Saúde ESF)

Diferentemente das unidades ‘tradicionais’, as requisições do PBF não exigiram


grandes alterações na rotina de atendimento das unidades de Saúde da Família.
Segundo os profissionais, essas famílias já são cadastradas e, ademais, a visita
domiciliar faz parte das atividades cotidianas desse modelo assistencial. Todavia,
parece que tais fatores não têm efetivamente impactado as taxas de cobertura
de acompanhamento.12 A compreensão deste fato requer maior aprofundamento,

12 Cabe ressaltar que não foi possível ter acesso aos dados consolidados de cobertura
discriminados por unidade, dificultando assim o dimensionamento entre os diferentes modelos
assistenciais.
cabendo lembrar que a implementação da Estratégia de Saúde da Família no mu-
nicípio é recente, pouco consolidada e vem passando por mudanças substantivas
em termos quantitativos e qualitativos.13
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada não deixa dúvida quanto aos desafios experimentados pelas
unidades de saúde para atender as requisições do PBF. Ao contrário do que se
esperava, a Estratégia Saúde da Família - que trabalha com famílias cadastradas e
acompanhadas por equipes específicas - também apresenta importante grau de
dificuldade, se comparada aos Centros de Saúde, para incluir as famílias do Bolsa
Família na rotina de atendimento. De fato, esta não é uma tarefa fácil e tampouco
funciona como previsto na formulação do Programa.

Destaca-se que após nove anos de implementação do Programa, o município do


Rio de Janeiro ainda não estruturou o lugar institucional do Bolsa Família no âm-
bito da Secretaria Municipal de Saúde. A gestão do PBF apresenta fragilidade que
pode ser demonstrada, por exemplo, na inexistência de uma equipe de coordena-
ção em nível central da administração municipal na área da saúde.

Nas unidades de saúde ‘tradicionais’ os profissionais que implementam o PBF são


os assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, enquanto na Estratégia Saúde
da Família estão envolvidos os enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes
comunitários de saúde. Importante ressaltar a prevalência do assistente social
como principal profissional responsável pelo Programa nas unidades ‘tradicionais’.
A situação de dependência do PBF com relação ao serviço social traz fortes preo-
cupações em razão de que os assistentes sociais envolvidos hoje com a execução
do Bolsa Família não pertencem ao quadro funcional da Secretaria Municipal de
Saúde, havendo assim uma situação conflituosa no que se refere à gestão do tra-
balho deste profissional com conseqüências no desenvolvimento do PBF. Sobre
este ponto, é forçoso reconhecer que o PBF é visto como um programa externo ao
setor saúde, configurando aqui uma espécie de negação de seu desenho interse-
torial, bem como do conceito ampliado de saúde tão caro ao projeto de reforma
sanitária brasileiro. De igual modo, a característica da composição da equipe ques-
Transferência de Renda

tiona o modelo de assistência em curso se for considerado que a atenção integral


requer que abordagem interdisciplinar para intervir sobre a situação de saúde e
de vulnerabilidade social das famílias beneficiárias.

13 Há no momento um privilegiamento da expansão da atenção básica, via Clínicas de Família,


onde a contratação dos profissionais tem ocorrido através de organizações sociais, que assumem a
gestão das unidades e dos recursos humanos. Este fato tem sido alvo de fortes polêmicas no cenário
local. Entretanto, a expansão da Estratégia de Saúde da Família em áreas de maior vulnerabilidade social,
pode, dependendo da qualidade da atenção ofertada, favorecer o incremento do acompanhamento das
condicionalidades da saúde.
Em relação à existência de cursos e reuniões de capacitação dos profissionais para
operacionalizar as condicionalidades de saúde do Bolsa Família, vê-se que não
existe um esforço permanente nesta direção por parte da SMS e SMAS. O grau de
desinformação é bastante preocupante, o que é injustificável dado o tempo de
operacionalização do Programa. Esta situação impõe restrições à compreensão do
Programa, em especial pelos profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família,
notadamente os agentes comunitários de saúde.

No município não há um fluxo pré-estabelecido pelos gestores para o acompanha-


mento das famílias beneficiárias do PBF. Assim, cada unidade de saúde tem auto-
nomia para determinar a forma de realizar esse cuidado em saúde. As unidades
de saúde têm buscado estratégias diferenciadas para captação e atendimento das
famílias beneficiárias conforme a concepção prevalecente sobre o Programa e as
condições institucionais existentes.

Quanto às ações desenvolvidas pelas equipes da Estratégia Saúde da Família junto


aos beneficiários, os profissionais destacam as ações mais elementares no campo
da saúde pública, destoando em muito do que se espera da atenção no âmbito do
modelo assistencial preconizado pelo Saúde da Família. Observa-se que há um
vazio em termos de referência ao desenvolvimento de ações que se aproximem da
perspectiva da educação em saúde e da concepção ampliada de saúde.

Interessante salientar que enquanto nas unidades ‘tradicionais’ o Programa é


predominantemente concebido como meio de inserção das famílias no cuidado
à saúde, na ESF, paradoxalmente, se destaca a visão do beneficiário como acomo- 37
dado e o programa como assistencialista. Entretanto, nas unidades ‘tradicionais’,
Programa Bolsa
ao contrário da Estratégia Saúde da Família, o acesso às famílias é dificultado pelo
Família e o Sistema
próprio modelo de atuação da unidade, onde as visitas domiciliares não fazem Único de Sáude:
parte da rotina institucional. desafios da
implementação das
O fato é que o cumprimento das condicionalidades da saúde permanece aquém
condicionalidades
do desejável, apesar dos esforços e estratégias adotadas pelos gestores e profis- em um município de
sionais nas diferentes unidades de saúde. Contraditoriamente, o tipo de atenção grande porte
prestada aos beneficiários do PBF na área pesquisada, sabidamente a parcela mais
vulnerável da população, oscila entre a burocratização e a intenção de ampliar o
acesso garantindo o cuidado integral em saúde. Os baixos índices de cobertura do
acompanhamento das condicionalidades do PBF no setor saúde, indicam, dentre
outras coisas, a dificuldade, notadamente nos grandes centros urbanos como o
Rio de Janeiro, de o Sistema Único de Saúde compreender o Bolsa Família como
um Programa intersetorial; ao passo que também sinaliza as debilidades de imple-
mentação do Sistema Único de Assistência Social.
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Nº 321, de 29 de setembro de 2008 - Regulamenta a gestão das condicionalidades do
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Único de Sáude:
desafios da
implementação das
condicionalidades
em um município de
grande porte
condicionalidades e monitoRamento:
desaFios à Gestão do pRoGRama bolsa
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Família em mUnicípios paRaibanos

Rogério de Souza Medeiros - universidade Federal da Paraíba

Nínive Fonseca Machado - universidade Federal da Paraíba


Transferência de renda
Introdução
Este artigo busca apresentar os resultados obtidos a partir do projeto de pesquisa
“Transferência de Renda e Monitoramento: Mudanças no papel do gestor munici-
pal no acompanhamento das famílias em situação de descumprimento de condi-
cionalidades do Programa Bolsa Família no estado da Paraíba”, realizado em sete)
municípios paraibanos e financiado no âmbito do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº
36/2010.

A pesquisa buscou analisar as estratégias desenvolvidas por gestores municipais


para o acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das con-
dicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF) no estado da Paraíba a partir do
levantamento de dados em sete municípios. Para tanto, foi necessário: i) Analisar
criticamente o processo de construção do Programa, seus pressupostos e suas
diretrizes, no nível federal; ii) A partir do conhecimento de suas diretrizes estru-
turadoras, avaliar o desenvolvimento de arranjos locais para a implementação e
coordenação das ações do Programa; iii) Identificar e traçar um perfil dos agentes
e/ou órgãos que, no nível municipal, são responsáveis pelas ações voltadas ao
acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condiciona-
lidades vinculadas ao PBF; iv) Delimitar o universo das famílias em situação de
descumprimento de condicionalidades em cada município e, a partir deste, anali-
sar casos que revelem as estratégias e os padrões de atividade dos municípios no
acompanhamento dessas famílias.
41
Contextualização e qualificação do problema de CONDICIONALIDADES
pesquisa E MONITORAMENTO:
DESAFIOS À GESTÃO
Nas últimas décadas, o Brasil tem passado a adotar modelos de programas sociais DO PROGRAMA
que representam importantes mudanças nos padrões de proteção social historica- BOLSA FAMÍLIA
mente vigentes no país. De um sistema de proteção social contributivo, assentado EM MUNICÍPIOS
na força de trabalho formal, que conduzia, em última instância, à reprodução de PARAIBANOS

desigualdades históricas, a um sistema fortemente baseado na solidariedade na-


cional (SOARES e SÁTYRO, 2009).

Instituído pela Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004, o Programa Bolsa Famí-


lia (PBF) tornou-se o exemplo mais significativo de uma tendência recente a uma
mudança no padrão das políticas sociais brasileiras, pela adoção de programas
mais focalizados de combate à pobreza e à vulnerabilidade social. O PBF consiste
em um programa de transferência condicional de renda direcionado a famílias em
situação de pobreza e de extrema pobreza. Oito anos após a sua criação, hoje o
PBF tem uma cobertura que ultrapassa os 12 milhões de famílias beneficiadas,
envolvendo mais de 46 milhões de pessoas em todos os estados da Federação,
tornando-se o maior programa de transferência direta de renda do mundo na atu-
alidade (www.mds.gov.br/bolsafamilia).

O programa tem sido objeto de análises quanto aos seus mais diversos aspectos,
como sua relação com a redução da pobreza, da desigualdade e da fome (ROCHA,
2008; SOARES et.al., 2006; HALL, 2004; MENDONÇA, 2005), com o mercado de
trabalho (BRITO & KERSTENETZKY, 2011), ou mesmo a sua sustentabilidade (BI-
CHIR, 2010; SILVA, 2007). A literatura acadêmica recente revela uma relativa falta
de consenso em relação ao programa, seus impactos, e em relação ao debate em
torno do caráter universal de acesso a direitos e sua natureza focalizada e condi-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome cional, o que leva à divisão de opiniões sobre os pressupostos e conseqüências de
suas condicionalidades para a concessão de benefícios (MONNERAT et.al., 2007;
MEDEIROS et.al., 2007a, 2007b e 2008). Independentemente dos questionamen-
tos sobre a eficácia/relevância das condicionalidades do programa, a importância
de se compreender de forma detalhada como elas são aplicadas e geridas parece
evidente, apesar de ainda serem escassos os estudos que revelem as dinâmicas
locais de implementação desta política.

De acordo com as diretrizes encontradas na documentação oficial (ver Referên-


cia) que institui o PBF, as condicionalidades vinculadas aos benefícios transferidos
pelo programa consistem em compromissos assumidos tanto pelas famílias bene-
ficiárias, quanto pelo poder público, visando ampliar o acesso das famílias a seus
direitos sociais básicos (saúde, educação e assistência social). Nesse sentido, uma
vez que o objetivo principal do programa, com a adoção das condicionalidades,
é a promoção do acesso a direitos e serviços sociais básicos, o monitoramento e
acompanhamento das famílias em situação de descumprimento torna-se funda-
mental para que os objetivos do programa sejam alcançados. Mesmo os efeitos do
descumprimento sobre o benefício não devem, segundo as diretrizes do progra-
ma, cumprir uma função “punitiva”, e sim ajudar no esclarecimento dos motivos
que levaram ao descumprimento, e assim, auxiliar os gestores do programa na
adoção de estratégias que possam contribuir para a inclusão dessas famílias de
volta nos serviços e benefícios do programa. O fraco caráter “punitivo” na aplica-
ção das condicionalidades do PBF tem como pressuposto o fato de serem as fa-
mílias em situação de descumprimento aquelas que se encontram em situação de
maior vulnerabilidade social, consistindo assim, no público prioritário das ações
do programa.

Os aspectos do programa apontados acima revelam a necessidade crescente de


pesquisas que possam revelar as estratégias dos gestores municipais no acompa-
nhamento das famílias em situação de descumprimento. Soma-se a isso o fato de
o caráter de descentralização ligado à implementação do programa ter passado,
Transferência de Renda

recentemente, por uma mudança ainda pouco analisada pelos estudos acadêmi-
cos. Ela diz respeito a uma mudança nas atribuições/responsabilidades do gestor
municipal, a partir da publicação da Resolução nº7, de 10 de setembro de 2009
do MDS, que implicou no aumento do poder de decisão do gestor, no sentido de
aliviar ou reforçar os efeitos do descumprimento sobre o recebimento do bene-
ficio. Ou seja, o aumento do poder de decisão do gestor adiciona um aspecto im-
portante e ainda pouco conhecido sobre a dinâmica de efetivação desta política,
o que inspirou a realização da pesquisa.

Inicialmente, as condicionalidades PBF relacionavam-se exclusivamente a ações


no campo da educação e da saúde. No entanto, com a publicação da Instrução
Operacional Conjunta SNAS/SENARC MDS nº 5 de abril de 2010, a Assistência
Social passou a fazer parte do conjunto de condicionalidades vinculadas ao PBF.
De acordo com o documento citado acima, crianças e adolescentes com até 15
anos em risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortaleci-
mento de Vínculos (SCFV) deste programa e obter frequência mínima de 85% da
carga horária mensal. Ao mesmo tempo em que a medida buscou contribuir para
a gestão integrada das ações no âmbito do Sistema Único de Assistência Social
– SUAS, ela também colocou um desafio aos gestores municipais, uma vez que o
monitoramento na implementação da política, que envolve um cuidado maior na
atualização dos cadastros e das bases de dados do MDS, assim como o necessário
acompanhamento das famílias que se encontram em situação de descumprimen-
to, requerem um esforço maior do monitoramento de condicionalidades, agora em
três áreas (saúde, educação e assistência social).

Em conjunto com essa mudança, o MDS também publicou a Resolução nº7, de 10


de setembro de 20091, fornecendo as diretrizes para a operacionalização de uma
gestão integrada entre benefícios, serviços socioassistenciais e o programa de
transferência de renda, além de fundamentar as ações que devem levar ao cumpri-
mento de um dos objetivos centrais do programa, que é a garantia de manutenção
dos serviços de proteção social às famílias socialmente mais vulneráveis. Como
mostra a seguinte passagem do referido documento:

“O adequado monitoramento das condicionalidades permite


a identificação de riscos e vulnerabilidades que dificultam
o acesso das famílias beneficiárias aos serviços sociais a
que tem direito. Quando se observa descumprimento de 43
condicionalidades, (...) são necessárias ações que promovam o
acompanhamento dessas famílias, visando o desenvolvimento CONDICIONALIDADES
ou recuperação de sua capacidade protetiva e a eliminação ou E MONITORAMENTO:
diminuição dos riscos e vulnerabilidades sociais a que estão DESAFIOS À GESTÃO
DO PROGRAMA
submetidas”. (p.5)
BOLSA FAMÍLIA
EM MUNICÍPIOS
Em concordância com o que acaba de ser destacado, uma das principais inovações
PARAIBANOS
introduzidas com a publicação desta resolução foi uma mudança nas responsabi-
lidades do gestor municipal do PBF e um conseqüente aumento de seu poder de
decisão sobre os efeitos do descumprimento das condicionalidades. Como está
expresso na seguinte passagem do documento:

“(...) ao incluir uma família em situação de descumprimento no


monitoramento do serviço, o gestor municipal pode optar por
interromper temporariamente os efeitos do descumprimento
sobre os benefícios”. (p.5)

1 Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda no Âmbito


do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Comissão Intergestores Tripartite do Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.
Essas novidades recentes constituem um marco central nos esforços envidados
pelo governo federal no sentido de integrar os diversos serviços e programas pres-
tados pelo Ministério. Por outro lado, elas reforçam a necessidade de se compre-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ender melhor as estratégias que têm sido desenvolvidas no nível dos municípios
para o acompanhamento das condicionalidades do PBF, assim como as ações que
têm sido realizadas para garantir a superação das vulnerabilidades sociais que
impedem as famílias de cumprir as condicionalidades do programa. Sendo assim,
o principal problema abordado pela presente pesquisa consistiu em investigar
como os gestores têm trabalhado com essa nova atribuição e como têm plane-
jado as atividades de acompanhamento das famílias em descumprimento das
condicionalidades do PBF. Nesse sentido, o trabalho de levantamento de dados
nos municípios pesquisados buscou, prioritariamente: a) Identificar as principais
dificuldades encontradas pelos municípios na articulação do monitoramento inte-
grado (condicionalidades em saúde, educação e assistência social); b) Identificar
os atores envolvidos e os critérios utilizados no planejamento das ações de mo-
nitoramento; c) Analisar o papel da equipe técnica dos Centros de Referência de
Assistência Social – CRAS, no acompanhamento das famílias em situação de des-
cumprimento das condicionalidades do PBF; d) Identificar quem são e qual o papel
dos profissionais técnicos responsáveis pelo Bolsa Família no município e) Buscar
captar a dinâmica do processo de articulação da equipe do PBF com as equipes da
Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE).

Com esse recorte analítico o presente estudo pretende revelar e ajudar a compre-
ender aspectos do Programa Bolsa Família ainda pouco abordados na literatura
recente sobre o tema, e com isso, contribuir para a ampliação do conhecimento
atualmente existente acerca das relações estabelecidas entre atores federais e
municipais na efetivação de uma política pública de abrangência nacional.

MÉTODO
O estudo envolveu uma análise documental - documentação oficial (leis, porta-
rias, resoluções, instruções, protocolos, relatórios e estatísticas) produzida pelo
ente federal responsável pelo Programa (Ministério do Desenvolvimento Social
Transferência de Renda

e Combate à Fome – MDS) -, análise de cadastros eletrônicos/bases de dados e


ferramentas de gestão utilizadas pelo MDS, visitas aos municípios e análise de
listas e registros mantidos pelos gestores municipais, assim como entrevistas com
gestores e profissionais técnicos dos municípios que lidam diretamente com o PBF.

Para a realização da pesquisa foi selecionada uma amostra de 7 (seis) muncípios


paraibanos, abrangendo as quatro mesorregiões geográficas do estado e divididos
por porte (critério populacional, IBGE2 ). Segue detalhamento dos municípios:

2 O critério ‘porte do município’ tem sido amplamente utilizado nas pesquisas conduzidas
pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAGI/MDS e, como confirmamos em nossa pesquisa,
constitui-se numa estratégia metodológica valiosa quando se deseja salvaguardar especificidades entre
grupos de municípios e aprofundar uma análise mais qualitativa dentro desses subgrupos.
Tabela1 – Amostra de municípios pesquisa
Município Mesorregião Porte População

João Pessoa Mata Paraibana Grande 597.934

Campina Grande Agreste Grande 355.331

Sousa Sertão Médio 62.635

Guarabira Agreste Médio 51.482

Bayeux 2
Mata Paraibana Médio 99.716

Sumé Borborema Pequeno 15.035

Lucena Mata Paraibana Pequeno 9.755

Tabela 2 - Número de entrevistados na pesquisa


Nº de
Nº de
Assistentes Nº de Nº de Assistentes
Gestor Técnicos de Nº de
Sociais CRAS que Sociais
Município do PBF informática CRAS no
entre participaram entrevistados
entrevistado? entrevis município
vistados do da pesquisa nos CRAS
tados
PBF

João
Sim 4 1 8 4 4
Pessoa
Campina
Sim 3 1 5 2 2
Grande
Sumé Sim 0 0 1 1 1
Lucena Sim 1 0 1 1 1
Sousa Sim 2 1 1 1 1
Guarabira Sim 1 1 2 1 1
Bayeux Sim 1 1 3 1 1 45
TOTAL 07 12 5 21 11 11

Total de entrevistados: 35 pessoas CONDICIONALIDADES


E MONITORAMENTO:
O município de João Pessoa possui oito CRAS e foram selecionados para participar da DESAFIOS À GESTÃO
pesquisa os quatro CRAS com maior número de famílias referenciadas no município; DO PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
O município de Campina Grande possui cinco CRAS e foram selecionados para participar EM MUNICÍPIOS
da pesquisa os dois CRAS com maior número de famílias referenciadas no município; PARAIBANOS

O município de Sumé possui apenas um CRAS e o PBF funciona dentro do CRAS.


Todas as visitas do PBF são realizadas pela equipe do CRAS e por isso eles não
possuem uma equipe exclusiva do PBF para realização de visitas;

O município de Lucena possui apenas um CRAS e a Gestora do PBF é a responsável


por realizar as visitas domiciliares. O município não dispõe de equipe específica para
realizar monitoramento e o CRAS também não realiza visitas relacionadas ao PBF;

O município de Sousa possui apenas um CRAS;

O município de Guarabira possui dois CRAS e foi selecionado para participar da


pesquisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;

O município de Bayeux possui três CRAS e foi selecionado para participar da pes-
quisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;A pesqui-
sa foi planejada em três etapas.

A primeira etapa envolveu: uma revisão crítica da literatura recente nos seguin-
tes campos: políticas públicas, programas sociais, programas de transferência de
renda; Revisão da legislação que institui e regulamenta o Programa Bolsa Família
(PBF), assim como a documentação oficial específica que dispõe sobre os diversos
aspectos envolvidos na implementação dessa política (atribuições, responsabili-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome dades e competências do diversos atores envolvidos, diretrizes, critérios, medidas
e ações práticas envolvidas, mudanças nos serviços e benefícios do programa,
etc.); levantamento de dados gerais, nas principais bases de dados eletrônicas re-
lacionadas ao PBF (ex.: Matriz de Informação Social do MDS), sobre a cobertura
e perfil do público alvo do programa nos municípios que compõem a amostra;
agendamento das visitas dos pesquisadores junto aos responsáveis pelo PBF nos
municípios; elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados; início do tra-
balho de coleta de dados nos municípios (visitas dos pesquisadores e realização
de entrevistas);

A segunda etapa consistiu: na continuação do trabalho de coleta de dados nos mu-


nicípios (visitas dos pesquisadores e realização de entrevistas); catalogação dos
dados colhidos em forma de material impresso nos municípios (formação de ban-
co de dados); transcrição das entrevistas e sistematização dos dados (elaboração
de quadros analíticos); análise preliminar dos dados e discussão dos resultados
parciais3.

A terceira etapa envolveu: o tratamento e análise dos dados; elaboração de artigos


acadêmico-científicos; participação em eventos acadêmicos (seminários, congres-
sos, conferências) para discutir os resultados finais da pesquisa; elaboração do
relatório final da pesquisa.

RESULTADO E DISCUSSÃO
Nessa seção apresentamos alguns dos principais resultados alcançados com a
pesquisa, organizados por grupos de municípios divididos por porte (ver a seção
Método acima). O primeiro é composto pelos dois municípios de grande porte pre-
sentes na amostra, Campina Grande e João Pessoa, capital do estado. O segundo
grupo reúne os três municípios de médio porte que foram investigados: Sousa,
Guarabira e Bayeux. O terceiro grupo inclui os municípios de Sumé e Lucena, am-
bos de pequeno porte. Primeiro apresentamos aspectos específicos a cada grupo
Transferência de Renda

de municípios, incluindo elementos e contrastantes entre os casos que compõem


cada grupo, para em seguida apontarmos aqueles elementos que são comuns a
todos os municípios pesquisados, independentemente do porte.

Elementos de contraste entre municípios de grande


porte: João Pessoa e Campina Grande
O primeiro ponto de contraste entre os dois municípios de grande porte presentes
na amostra (João Pessoa e Campina Grande) diz respeito ao vínculo institucional

3 Além das reuniões mensais do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas


e Trabalho – LAEPT, da Universidade Federal da Paraíba – onde tivemos a oportunidade de discutir com
os demais membros do laboratório (professores e estudantes de pós-graduação) – o coordenador do
projeto ainda participou da I e da II Oficina Técnica de Acompanhamento do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº
36/2010, realizadas pelo MDS em Brasília em 2011.
da gestão do Programa Bolsa Família dentro da estrutura de funcionamento da
prefeitura. Enquanto na capital do estado, João Pessoa, a coordenação do PBF está
abrigada institucionalmente na Secretaria de Desenvolvimento Social, em Campi-
na Grande o programa está diretamente vinculado ao gabinete do prefeito. Cada
uma das alternativas traz consigo algumas consequências para a gestão adequada
do programa.

Tabela 1 – Características da gestão do PBF nos municípios de João Pessoa e


Campina Grande
Município João Pessoa Campina Grande

Número de famílias PBF 58.626 34.089

Secretaria de Desenvolvimento
Vínculo Institucional da Gestão do PBF Gabinete do Prefeito
Social
Funciona em prédio
Funciona em prédio no centro
próprio, porém alguns
da cidade em conjunto com
Local de Funcionamento do Atendimento outros programas/
coordenação dos CRAS e de
serviços funcionam no
outros programas da SEDES
mesmo local
4 Assistentes sociais
40 digitadores/
entrevistadores
6 assistentes sociais 2 gerentes de
Nº. aproximado de funcionários nas 30 digitadores/entrevistadores atendimento/
atividades diárias do programa (sede) que entrevistadores
lidam diretamente com o público 1 psicóloga
1 recepcionista 2 responsáveis pela
triagem
1 recepcionista

Realização de visitas domiciliares às


famílias em situação de descumprimento Visitas esporádicas Visitas esporádicas
47
de condicionalidades
Averiguação de denúncias CONDICIONALIDADES
Inconsistência nos
Inconsistência nos dados dados do benefício E MONITORAMENTO:
Motivos mais relevantes para realização do benefício (falta de (motivos variados)
de visitas domiciliares relacionadas ao documentação, desconfiança DESAFIOS À GESTÃO
Averiguação de
PBF quanto aos bens declarados DO PROGRAMA
denúncias
e renda)
Auditoria TCU
Auditoria TCU BOLSA FAMÍLIA
Forma de deslocamento e disponibilidade Automóvel, disponível uma vez Automóvel (sempre
EM MUNICÍPIOS
de transporte por mês disponível) PARAIBANOS
Extrato da conta (caixa) Extrato de conta (caixa)
Como é feito o contato com beneficiários Demanda espontânea (sede PBF) Anúncio na rádio, jornal
em situação de descumprimento Bloqueio de recursos Bloqueio de recursos
(temporário) (temporário)
Coordenação dos CRAS
funciona no mesmo prédio do
PBF. CRAS faz acompanhamento
Relação falha, não há
de algumas atividades do
Relação PBF – CRAS contato entre a gestão
PROJOVEM e PETI, mas não
PBF e os CRAS
há controle centralizado
de informação sobre
acompanhamento
Grupos de Idosos, Gestantes,
Jovens Grupo de idosos, jovens
Serviços oferecidos pelos CRAS
Atividades PROJOVEM Atividades do PETI
Atividades PETI

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

No entanto, para melhor compreender os contrastes entre os dois casos é preciso


considerar este aspecto em conjunto com outros dois elementos: o local de fun-
cionamento das atividades de atendimento ao público beneficiário e a relação
entre a Coordenação do PBF e as equipes dos Centros de Referência da Assistência
Social – CRAS.
No município de João Pessoa a coordenação do PBF, inserida na estrutura fun-
cional da Secretaria de Desenvolvimento Social, funciona no mesmo prédio que
abriga a coordenação dos CRAS, aproximando, em termos funcionais, a equipe res-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ponsável pelo programa e os funcionários que lidam com a organização das ativi-
dades dos CRAS. Com efeito, em João Pessoa as equipes dos CRAS realizam visitas
relacionadas ao PBF. Em contraste com esta situação, no município de Campina
Grande o PBF está institucionalmente vinculado ao gabinete do prefeito e funcio-
na em uma sede própria, embora esta sede também seja parcialmente utilizada
para atividades relacionadas a outros programas. No entanto, a principal conse-
qüência desse aspecto da gestão do programa em Campina Grande é um grande
distanciamento entre a equipe responsável pelo PBF e os CRAS no município, o
que resulta numa redução da capacidade de acompanhamento das famílias, uma
vez que os profissionais da assistência social vinculados aos CRAS não realizam
atividades relacionadas ao PBF.

Por outro lado, em João Pessoa, a proximidade (física e funcional) com as equipes
dos CRAS não se traduz, necessariamente, no desenvolvimento de estratégias/
práticas mais efetivas para otimizar o uso dos recursos (humanos e logísticos) no
trabalho de acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das
condicionalidades do PBF. Esse aspecto será discutido mais adiante quando con-
siderarmos alguns elementos da gestão do programa que são comuns a todos os
municípios pesquisados. Dados gerais sobre a gestão do PBF em João Pessoa e
Campina Grande estão compilados no Tabela 1.

Desafios à gestão do PBF em municípios de médio porte:


Bayeux, Guarabira e Sousa
Ao analisarmos os casos dos municípios de médio porte contidos na amostra
(Bayeux, Guarabira e Sousa), o dado mais significativo no que diz às dificuldades
encontradas na gestão do PBF refere-se a uma grande separação entre as ativida-
des relacionadas às ferramentas de ‘gestão das informações’ do programa e a ‘exe-
cução das ações diretas’ junto ao público beneficiário do programa. Na realidade
cotidiana dos profissionais que lidam diretamente com o PBF parecem existir dois
programas separados, um “PBF sistema de informações” e um “PBF execução de
Transferência de Renda

ações”. Nos três municípios – embora de forma mais aguda em Bayeux e Guarabi-
ra – verificou-se uma grande importância do pessoal de informática na gestão do
PBF. Como boa parte das atividades que têm impacto sobre as ações do programa
dependem de ferramentas/sistemas de gerenciamento de informação (bases de
dados virtuais e ferramentas de gestão), os técnicos que lidam com essas ferra-
mentas acabam tendo uma participação maior na gestão do programa, maior do
que seria esperado para o seu perfil de qualificação profissional4. Esses profissio-
nais detêm o conhecimento técnico necessário à efetivação das ações que são
planejadas a partir do contato direto com o público beneficiário. Suas atividades
envolvem: a atualização de bases de dados e cadastros, envio de relatórios, o uso
de senhas para bloqueio e desbloqueio de benefícios, entre outras. O que leva a

4 A maior parte desses profissionais detém um conhecimento técnico básico em ferramentas de


informática, como experiência no uso de computadores e da internet.
distorções na condução do programa é o fato de os profissionais que conhecem as
diretrizes, têm qualificação profissional e são responsáveis pelos serviços não se
apropriarem das ferramentas de gestão que incidem sobre benefícios e serviços,
fazendo com que uma parte significativa da gestão do programa – inclusive quanto
a decisões importantes para a execução dos serviços e concessão dos benefícios
– esteja nas mãos de técnicos em informática, quando estes existem. Não foi uma
coincidência o fato dos técnicos em informática dos municípios de Guarabira e
Bayeux terem sido informantes-chave na pesquisa. Nos municípios onde não há
a atuação constante desses profissionais, como é o caso dos municípios de Sumé,
Lucena (ambos de pequeno porte) e Sousa (médio porte), a gestão do programa
sofre ainda mais, pois procedimentos simples, como acessar listas de famílias
ou informações contidas nas ferramentas de gestão do MDS, não são realizadas.
Como a via de comunicação entre Ministério e municípios se dá prioritariamente
através dessas ferramentas, a gestão do programa fica prejudicada. Dados mais
gerais sobre a gestão do PBF em Bayeux, Guarabira e Sousa estão compilados no
Tabela 2.

Tabela 2 – Características da gestão do PBF nos municípios de Bayeux,


Guarabira e Sousa
Município Bayeux Guarabira Sousa

Número de famílias
10.169 6.004 9.179
PBF

Vínculo da Gestão
PBF
Secretaria de Trabalho
e Ação Social
Secretaria de Ação Social
Secretaria de Ação
Social 49
Prédio recém-
CONDICIONALIDADES
inaugurado que abriga E MONITORAMENTO:
Local de O PBF tem sede própria O PBF funciona no prédio a Secretaria de Ação
Funcionamento do numa antiga biblioteca da Secretaria da Ação Social, PBF, Instância DESAFIOS À GESTÃO
Atendimento no centro de Bayeux. Social de Controle Social DO PROGRAMA
e PETI
BOLSA FAMÍLIA
EM MUNICÍPIOS
Nº. aproximado de
funcionários nas PARAIBANOS
2 assistentes sociais 2 assistentes sociais 2 assistentes sociais
atividades diárias do
programa (sede) que 15 digitadores/ 4 digitadores/ 3 digitadores/
lidam diretamente entrevistadores entrevistadores entrevistadores
com o público 1 recepcionista 1 recepcionista 1 recepcionista

Realização de
visitas domiciliares Visitas são comumente
às famílias em Visitas esporádicas
realizadas pelo CRAS.
situação de de acordo com
Visitas esporádicas Visitas de acordo com área
descumprimento de necessidade e
de abrangência dos CRAS
condicionalidades abrangência dos CRAS
são esporádicas

Averiguação
(principalmente após
Motivos mais Averiguação de
cruzamento de dados com
relevantes para Visitas de averiguação inconsistência de
outros benefícios de nível
realização de de denúncias dados
local)
visitas domiciliares Auditoria TCU Denúncias
Acompanhamento em áreas
relacionadas ao PBF Auditoria TCU
sem CRAS
Auditoria TCU
Forma de
deslocamento e 2 carros e uma Van
disponibilidade de Van disponível
disponíveis quando 1 carro
transporte periodicamente
necessário
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Extrato bancário
Extrato bancário
Como é feito (caixa) Extrato Bancário
Carta do Bolsa para os
o contato com Rádio e carro de som Rádio (mais eficiente)
beneficiários
beneficiários em já foram utilizados Bloqueio de recurso
descumprimento Bloqueio de recurso
Bloqueio de recurso (temporário)
(temporário)
(temporário)

Trabalham em
CRAS envia A relação é bem aproximada.
conjunto, dividindo
beneficiários dentro PBF presta cobertura
não só a sede como
Relação PBF – CRAS do perfil para o PBF a áreas sem CRAS para
as funções de
já com uma triagem acompanhamento de alguns
acompanhamento
prévia casos
quando necessário

Grupos de Idosos PROJOVEM


Grupos de gestantes
Serviços oferecidos Grupos de Gestantes PETI
Grupos de Idosos
pelos CRAS Grupos de Jovens Brinquedoteca
PROJOVEM
PROJOVEM Grupos de atividades

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

Desafios à gestão do PBF em municípios de pequeno porte:


Sumé e Lucena
Entre os municípios de pequeno porte contidos na amostra, o problema mais
agudo observado em relação às dificuldades na gestão do PBF foi a insuficiên-
cia do número de funcionários. Essa escassez de pessoal faz com que os gesto-
res do programa acumulem diversas funções e centralizem as atividades, tornan-
do ainda mais difícil o desenvolvimento de estratégias e práticas adequadas às
diretrizes do programa. Em ambos os municípios de pequeno porte (Sumé e Lucena), os
coordenadores responsáveis pelo programa no município afirmaram não ter acesso ao
sistema de informação a partir do qual se poderia obter a lista de famílias em situação
de descumprimento das condicionalidades do PBF que precisavam de acompanhamen-
to. No caso de Lucena, o gestor afirmou depender de um funcionário de informática
lotado em outro órgão da prefeitura, que por sua vez não dedicava um tempo definido
ao cumprimento de ações relacionadas ao PBF. Ao contrário, ele auxiliava o gestor do
programa esporadicamente, quando do surgimento de alguma demanda mais urgente.
Transferência de Renda

De modo geral, para os municípios de pequeno porte, que não possuem a presença de
pessoal de informática, essa pareceu ser uma das grandes dificuldades na execução
do programa. A falta de uma pessoa capacitada para acessar sistemas como SIBEC,
CadÚnico, SIG-PBF e SICON, impossibilita que alguns municípios se mantenham in-
formados sobre as novidades do Programa e possam, com isso, executar as ações de
forma adequada. Essa importância destacada a esse profissional pode ser decorrente
do aumento e aperfeiçoamento dos sistemas de registro de informações elaborados
pelo MDS. Com os sistemas eletrônicos ganhando uma importância cada vez maior
na gestão do PBF nos municípios, destaca-se também a necessidade crescente de se
capacitar os profissionais para a utilização desse sistema, visto que estes não foram
desenhados para serem utilizados especificamente por técnicos de informática.

Nesses municípios, muito do trabalho ligado ao programa tem sido feito de forma
manual (ex. o recolhimento de fichas escolares), quase sempre pela própria pessoa
que coordena o PBF. Isso tem gerado basicamente dois tipos de conseqüências
para a gestão do programa, especificamente no que diz respeito à gestão das con-
dicionalidades (monitoramento e acompanhamento das famílias): se por um lado
a presença constante do gestor na atuação direta dentro das atividades fins (pela
falta de uma equipe de profissionais) abre a possibilidade da gestão do programa
antecipar-se na identificação das famílias em situação de descumprimento, por
outro lado isso também abre a possibilidade de uma certa “personalização” na
definição das estratégias de acompanhamento, cujo resultado mais visível seria o
favorecimento de certas famílias em detrimento de outras, sem que essa decisão
esteja baseada, necessariamente, no grau de vulnerabilidade social a que as famí-
lias estão submetidas. Os dados mais gerais sobre a gestão do PBF nos municípios
de Sumé e Lucena estão sistematizados no Tabela 3 apresentado abaixo:

Tabela 3 – Características da gestão do PBF nos municípios de Sumé e Lucena


Município Lucena Sumé

Número de famílias PBF 1.553 2.848

Secretaria de
Vínculo da Gestão PBF Desenvolvimento Social e Secretaria Ação Social
Cidadania

Local de Funcionamento do Sede da Secretaria de


PBF funciona na sede do CRAS
Atendimento Desenvolvimento Social

Nº. aproximado de 51
funcionários nas atividades
3 entrevistadores/
diárias do programa (sede)
digitadores 2 digitadores/entrevistador CONDICIONALIDADES
que lidam diretamente com
o público
E MONITORAMENTO:
DESAFIOS À GESTÃO
Realização de visitas DO PROGRAMA
domiciliares às famílias em Visitas esporádicas ou de
situação de descumprimento Visitas esporádicas em caso de BOLSA FAMÍLIA
recadastramento quando
necessidade
de condicionalidades necessárias EM MUNICÍPIOS
PARAIBANOS
Motivos mais relevantes Averiguação de dados
para realização de visitas Averiguação de denúncias
informados
domiciliares relacionadas Averiguação de Dados
ao PBF Averiguação de denúncias
Auditoria TCU
Auditoria TCU

Forma de deslocamento
A pé
e disponibilidade de
transporte A pé Carro disponibilizado pela secretaria
requisitado previamente

Como é feito o contato


Extrato bancário
com beneficiários em Extrato Bancário
descumprimento (não há acesso ao SIGPBF para
Bloqueio (temporário)
acompanhamento)

PBF funciona dentro do CRAS –


os funcionários do CRAS foram
Mínima – PBF envia certos
Relação PBF – CRAS recentemente treinados como
beneficiários ao CRAS
digitadores e entrevistadores e vão
acumular funções

Grupo de Gestantes Brinquedoteca


Serviços oferecidos pelos
Creche Grupos de Gestantes
CRAS
Reforço escolar Grupo de Jovens

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011


Aspectos da gestão do PBF comuns a todos os municípios
da amostra e algumas considerações finais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Uma primeira prática mencionada por todos os gestores diz respeito às estratégias
utilizadas para induzir o comparecimento dos beneficiários ao atendimento para so-
lução de pendências (na maior parte dos casos, pendências cadastrais). Em todos os
municípios pesquisados os gestores fazem uso do bloqueio temporário do benefício
do PBF para provocar a necessidade do beneficiário comparecer à sede do programa
para resolver pendências ou prestar esclarecimentos sobre imprecisões nas informa-
ções constantes de seu cadastro. Além disso, em três dos sete municípios pesquisados
os profissionais responsáveis pelo programa afirmaram que também fazem uso dessa
estratégia para resolver questões ligadas a outras ações desenvolvidas pelo próprio
município. Como fica claro na fala de um dos gestores entrevistados:

“Bem, eu diria que aqui [no município] nós temos as nossas


próprias condicionalidades”.

Ao considerarmos esse aspecto é importante afirmar que esta é uma prática que
envolve o uso de uma ferramenta no mínimo controversa do PBF, que são as reper-
cussões sobre o benefício. Se por um lado esta parece ser uma medida eficaz para
garantir o alcance às famílias que necessitam fornecer informações sobre sua real
situação, por outro lado o abuso dessa prática carrega o risco de enfatizar o caráter
“punitivo” das condicionalidades.5 Isso se torna ainda mais problemático quando
percebemos que a maior parte dos entrevistados, ao serem questionados sobre a
quem, de fato, caberia a responsabilidade de solucionar as pendências, responde-
ram que esse é um papel da gestão municipal do programa e que na realidade fazem
uso dessa estratégia por não conseguirem realizar – por falta de pessoal ou de recur-
so logístico – as visitas às famílias. Ou seja, além de acentuar o aspecto “punitivo”
das condicionalidades do PBF, essa é uma prática que normalmente é utilizada para
sanar debilidades institucionais das próprias administrações municipais.

Outro aspecto problemático encontrado em todos os municípios é apresentado no


campo “motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares”, nos qua-
dros 1, 2 e 3. Em todos os casos estudados há uma priorização de visitas de cunho
fiscalizador, com uma atenção especial para os casos que caracterizam fraude ou
Transferência de Renda

desvio de cobertura do programa. Este é um aspecto particularmente problemá-


tico quando consideramos que o trabalho de monitoramento das famílias deveria
estar, antes de tudo, voltado para o acompanhamento e suporte às famílias em
situação de vulnerabilidade social, como afirmamos anteriormente. Ou seja, essa
prática acaba por revestir o trabalho de monitoramento das famílias de um caráter
muito forte de ‘averiguação’.

5 Aqui cabe esclarecer que a prática a que se refere esta parte do texto é uma ação ligada à
‘gestão de benefícios’, e não à ‘gestão de condicionalidades’. O gestor municipal do PBF pode bloquear
famílias, com base em uma ação de gestão de benefícios, diretamente no Sistema de Gestão de Benefícios
ao Cidadão - SIBEC. A repercussão sobre o benefício advinda do descumprimento de condicionalidades é
feita exclusivamente pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania – SENARC/MDS. Ou seja, o bloqueio
comumente feito por gestores municipais para induzir o comparecimento dos beneficiários não tem efeito
cumulativo sobre as repercussões do descumprimento das condicionalidades.
Outra distorção gerada com essa prática é a impossibilidade do desenvolvimento
de estratégias de planejamento mais efetivas por parte do gestor local do pro-
grama, uma vez que sua agenda de monitoramento e acompanhamento termina
sendo pautada pelos órgãos de controle e regulação (ex. Tribunal de Contas). Em
todos os municípios, independente do porte, observou-se a ausência de um pa-
drão (critérios claros) na definição das estratégias de priorização das famílias que
devem ser acompanhadas. Ou seja, todos os gestores locais – e essas informações
foram confirmadas nas entrevistas com o pessoal técnico ligado ao programa e
aos CRAS – relataram dificuldades encontradas para estabelecer uma estratégia
precisa de priorização das famílias que devem receber a visita domiciliar. Em uma
grande quantidade de casos, visitas são realizadas em respostas a medidas de
controle e/ou fiscalização, tais como denúncias ou auditorias.

Esse aspecto nos leva a comentar um dos casos discutidos anteriormente. Ao com-
pararmos com o município de Campina Grande (grande porte), afirmamos que em
João Pessoa havia uma aproximação (física e funcional) entre as equipes do PBF
e dos CRAS. No entanto, observamos que isso não se refletia, necessariamente,
numa gestão mais eficiente das condicionalidades. Na realidade, embora compar-
tilhem a mesma estrutura logística e parte do trabalho de acompanhamento das
famílias em descumprimento, falta o estabelecimento de diretrizes comuns que
possam guiar o trabalho de acompanhamento familiar, seja este realizado pela
equipe do PBF ou pela equipe dos CRAS. Ou seja, embora a proximidade funcional
entre PBF e CRAS nas administrações municipais possibilite uma relação mais es-
treita entre gestão integrada de benefícios, serviços e transferência de renda, a se-
53
paração das atribuições das duas coordenações (PBF e CRAS) dificulta o desenvol- CONDICIONALIDADES
vimento de estratégias integradas para o monitoramento das condicionalidades e E MONITORAMENTO:
acompanhamento familiar. No caso de João Pessoa, a coordenação do PBF chega DESAFIOS À GESTÃO
a ter diretrizes na priorização dos casos e estas orientam o trabalho da equipe de DO PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
assistentes sociais ligadas ao programa, no entanto, essas diretrizes não chegam
EM MUNICÍPIOS
a orientar o trabalho das equipes de assistentes sociais dos CRAS que também
PARAIBANOS
exercem atividades ligadas ao PBF. Ou seja, os CRAS, em sua maioria, recebem a
demanda para realizarem visitas às famílias em situação de descumprimento de
condicionalidades, porém, o planejamento da realização dessas visitas não ocorre
de forma sistemática. Todos os CRAS que recebem a demanda para visitar famílias
em situação de descumprimento indicam não conseguir visitar todas as famílias
listadas. No entanto, quando questionados sobre como é feita a relação dos casos
prioritários a serem visitados – levando-se em consideração que não é possível
visitar todos – verificou-se que não existe esse planejamento. Apenas a Coorde-
nação do PBF do município de João Pessoa informou que as equipes priorizam
as visitas às famílias que estão com recursos suspensos, visto que a repercussão
seguinte seria a do cancelamento do benefício. O interessante é que a equipe
social do PBF, em João Pessoa, adota essa ação, mas as Assistentes Sociais dos
quatro CRAS pesquisados no mesmo município dizem não seguir nenhuma diretriz
específica para a seleção de famílias a serem visitadas, e que realizam as visitas
de forma aleatória, muitas vezes priorizando somente aquelas que residem nas
proximidades dos CRAS.
Nesse ponto, torna-se ainda necessário considerar um outro aspecto encontrado
em todos os municípios. Esse não mais ligado a práticas dos gestores e técnicos,
mas à forma como estes profissionais concebem as condicionalidades do PBF. Ve-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome rificamos em todos os casos que, para os profissionais que lidam cotidianamente
com o PBF, as condicionalidades do programa referem-se basicamente aos dados
de frequência escolar. Ou seja, condicionalidades da área da Saúde e da Assis-
tência Social não chegam a ser mencionadas como parte do trabalho cotidiano
das equipes. Acreditamos que este seja um aspecto bastante relevante quando
percebemos os esforços do gestor federal do programa no sentido de promover o
monitoramento integrado das três áreas que incidem sobre o benefício.6 De fato,
seja pela frequência maior com que as equipes municipais têm que lidar com da-
dos da Educação, seja por ser a área da Educação a que lida com o público mais
numeroso, o fato é que “descumprimento de condicionalidades”, na forma como
as equipes municipais lidam com o PBF, quase sempre remete a medidas e ações
ligadas ao campo da Educação.7

De modo geral, ‘infraestrutura’ e ‘recursos humanos’ constituem o maior desafio


para todos os municípios investigados. Com exceção de Campina Grande, que de-
monstrou possuir uma sede bem equipada do PBF, todos os outros municípios re-
velaram dificuldades nesses dois aspectos. O acesso e o uso da internet é outro fa-
tor complicador na gestão do PBF em todos os municípios. Alguns municípios não
possuem internet de boa qualidade na sede, e isso dificulta a utilização da nova
versão do CadÚnico. Os CRAS, em sua maioria, não dispõem de internet, dificul-
tando ainda mais o acesso aos sistemas de registro de informações como SIG-PBF,
SICON, etc. Alguns gestores/técnicos municipais indicaram não possuir sequer a
senha de acesso ao SIG-PBF, o que quer dizer que esses municípios não possuem
acesso sequer à lista com os nomes das famílias em situação de descumprimento
disponibilizada pelo MDS. Esse dado nos levou a investigar aspectos relacionados
ao planejamento e à definição de diretrizes na execução das ações do programa,
o que posteriormente nos levou a concluir que esses municípios simplesmente
não planejam ações de monitoramento para esse público, esperando apenas que
eles compareçam ao atendimento na coordenação do PBF para resolverem os pro-
blemas referentes ao bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício. Com
Transferência de Renda

6 Aqui vale chamar atenção para o fato de que, embora já constem das normas do MDS enquanto
‘condicionalidades’, os dados relacionados à Assistência Social (serviços de convivência e fortalecimento
de vínculos/PETI), até o encerramento da pesquisa, ainda não constituíam (ou não estavam implementadas)
ferramentas que possibilitassem a operacionalização de repercussões sobre o benefício em caso de
descumprimento.

7 De acordo com informações fornecidas pela SAGI/MDS, o descumprimento em relação ao


acompanhamento da Saúde é equivalente a 0,5% das famílias acompanhadas, quando na Educação o
percentual é de 3,5 a 5% do total de beneficiários entre 6 e 17 anos com frequência escolar acompanhada.
problemas de pessoal, infraestrutura e acesso a internet, os municípios acabam se
isolando e não conseguem acompanhar as novidades referentes aos sistemas e às
normativas do PBF. Essa pode ser a explicação para o fato de quase todos os gesto-
res e técnicos do PBF, em maior ou menor grau, terem revelado desconhecimento
ou inadequação na utilização do SICON – Sistema de Condicionalidades do PBF.
Apenas gestores/técnicos de três municípios demonstraram conhecer o SICON,
mas mesmo assim, afirmaram não utilizá-lo com frequência.

Por fim, cabe um destaque para o fato de que, em todos os municípios pesqui-
sados, os gestores/técnicos demonstraram desconhecimento no que se refere
às mudanças nas atribuições do gestor do Programa Bolsa Família, publicado
no Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de
Renda no Âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (Resolução
nº7, de 10 de setembro de 2009 - Comissão Intergestores Tripartite do Minis-
tério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.) No que se refere
ao quesito específico obervado por essa pesquisa, que diz respeito ao aumen-
to do poder do gestor municipal, onde este passa a ter a opção de interromper
temporariamente os efeitos do descumprimento sobre o benefício, desde que
inclua a família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço,
pôde-se observar que os gestores não estão utilizando essa ferramenta. Isso
quer dizer, principalmente, que famílias que descumpriram condicionalidades
e tiveram seus benefícios bloqueados, poderiam voltar a receber o benefício,
se estivessem sendo acompanhadas pelo PBF, mas como esse recurso não tem
sido utilizado pelos gestores municipais - ao que sugere a pesquisa, por falta 55
de conhecimento e de capacidade para cumprir suas atribuições em relação ao
CONDICIONALIDADES
programa - as famílias -, muitas vezes em situação de maior vulnerabilidade, E MONITORAMENTO:
continuam desassistidas. DESAFIOS À GESTÃO
DO PROGRAMA
As discussões aqui apresentadas são o resultado de seis meses de pesquisa de
BOLSA FAMÍLIA
campo e mais seis meses de trabalho de catalogação e análise dos dados colhidos. EM MUNICÍPIOS
Esses resultados têm rendido debates interessantes nas esferas acadêmicas onde PARAIBANOS
têm sido apresentados, contribuindo com isso para despertar o interesse de estu-
dantes e pesquisadores para os aspectos da gestão municipal do PBF.
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avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
condicionalidades e do índice de Gestão
descentRaliZada no estado do maRanHão

Maria ozanira da Silva e Silva - universidade Federal do Maranhão


Maria virgínia Moreira Guilhon - universidade Federal do Maranhão
Transferência de renda
INTRODUÇÃO
Os programas de transferência de renda integram a agenda da proteção social
ao redor do mundo, com maior destaque a partir dos anos 1930, quando vinham
sendo implementadas experiências em países da Europa.

Nas últimas duas décadas, esses programas vêm se fortalecendo no campo assisten-
cial na América Latina e em países da África enquanto versão regional-periférica de
enfrentamento do quadro decorrente do ajuste neoliberal. Tais programas são, em
grande parte, organizados e ideologizados por organismos multilaterais, represen-
tando, na verdade, estratégias de enfrentamento ao desemprego, à precarização do
trabalho e ao aumento da pobreza. Ao serem popularizados, procuram favorecer a
demanda por educação e saúde dos pobres e estimular o desenvolvimento humano,
com a co-responsabilidade do Estado e das famílias (CASTIÑEIRA; NUNES; RUNGO,
2009) às quais, ao ingressarem nesses programas, são impostas determinadas con-
dicionalidades, principalmente no campo da saúde e da educação.

Num levantamento de programas de transferência de renda na América Latina, veri-


ficamos que praticamente todos os países do continente desenvolvem programas
dessa natureza. Entre estes, merecem destaque programas de abrangência nacional,
focalizados em famílias pobres e extremamente pobres com transferência de renda
condicionada, tais como: o Programa Jefas e Jefes de Hogar, criado na Argentina, em
2002, dirigido a desocupado, chefe de família e com filhos sob sua responsabilidade.
Esse programa foi criado para atender a situação de desemprego decorrente da crise
na economia argentina iniciada em 2001, sendo incorporado, em 2009, ao Sistema de
61
Prestações Familiares, subsistema não contributivo, instituindo o programa em vigên- O BOLSA FAMÍLIA
cia denominado Asignación Universal por Hijo para Protección Social, para incorporação (PBF) NO CONTEXTO
de amplos contingentes da população a um dos benefícios do regime de prestações DA PROTEÇÃO
familiares, definido historicamente sob um esquema contributivo, só vigente prece- SOCIAL: significado
e realidade das
dentemente para os trabalhadores empregados em relação de dependência, sendo
condicionalidades
ampliado a todos os menores de 18 anos cujos pais ou tutores se encontrem desem-
e do Índice
pregados, sejam monotributistas sociais ou se encontrem na economia informal ou de Gestão
em serviço doméstico, desde que recebam remunerações inferiores ao Salário Mínimo Descentralizada
Vital e Móvil. Destacam-se ainda na América Latina o Programa Chile Solidário, criado (IGD) no Estado do
em 2002 no Chile para apoiar pessoas e famílias em extrema pobreza, tendo ampliado Maranhão

a cobertura em 2005, incluindo famílias com adultos cumprindo pena, maiores que
vivem sós e outros grupos em situação de vulnerabilidade. É constituído de três com-
ponentes: apoio à família; vários subsídios monetários e acesso prioritário a outros pro-
gramas de proteção social e o Programa Ingreso Ciudadano, instituído no Uruguai, em
2005, no âmbito do Plano de Atención a la Emergência Social (PANES), constituindo-se
na porta de entrada dos benefícios transferidos às famílias. Trata-se de uma transferên-
cia monetária mensal independentemente do número de integrantes da família, sendo
a transferência condicionada à frequência escolar das crianças e adolescentes até 14
anos e a realização de controle de saúde para crianças e mulheres grávidas1.

1 Os demais programas de transferência de renda em implementação na América Latina são


os seguintes: Bolívia – Bono Madre Niño Niña “Juana Azurduy”; Brasil - Bolsa Família, objeto de reflexão
ampliada no presente texto; Colômbia – Programa Familias em Acción; Equador – Bono Soliddario; Peru –
Programa Nacional de Apoyo Directo a los mas Pobres (Programa Juntos); Paraguai – Programa Abrazo e
Programa Tekoporã.
Todavia, o debate internacional vem destacando, a partir dos anos 1980, os pro-
gramas de transferência de renda no campo da proteção social no contexto da cri-
se estrutural do capitalismo, com o desenvolvimento da reestruturação produtiva,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
marcada pelo ajuste econômico, tanto nos países desenvolvidos como naqueles
em desenvolvimento, aprofundando a mundialização do capital, com a hegemonia
do capital financeiro. Nesse contexto passam a ser considerados mecanismos para
o enfrentamento do desemprego e da pobreza, ampliada na sua dimensão estrutu-
ral e conjuntural (ATKINSON, 1995; BRITTAN, 1995; BRESSON, 1993; VUOLO, 1995;
GORZ, 1991).

O Programa Bolsa Família - PBF, criado em 2003, é a expressão atual do desenvol-


vimento dos programas de transferência de renda no Brasil. Produto de um pro-
cesso iniciado na esfera municipal, em 1995, com a implantação das experiências
pioneiras de Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo, e da experiência do
Bolsa Escola de Brasília2, seguindo-se da implementação de programas na esfera
estadual e programas federais.

O presente artigo se referencia em resultados de estudos realizados a partir do


projeto “A IMPLEMENTAÇÃO DO IGD E DAS CONDICIONALIDADES DO BOLSA FA-
MÍLIA NO MARANHÃO: identificando possibilidades, limites e propostas de me-
lhoria”, apresentado em concorrência ao Edital MCT/MDS/SAGI/CNPq n. 36/2010.

O objetivo central do estudo foi oferecer elementos de avaliação sobre a gestão


do PBF em nível municipal, considerando o IGD e as condicionalidades, de modo
a contribuir para o desenvolvimento e possíveis ajustes desses mecanismos para
elevação do padrão de gestão do PBF nos municípios e, consequentemente, para
incrementar os impactos do Programa junto às famílias beneficiárias.

A proposta metodológica fez uso dos seguintes procedimentos de pesquisa:

Estudo de campo realizado numa amostra aleatória simples composta por 13 mu-
nicípios do Estado do Maranhão, selecionados por sorteio, incluindo municípios
de porte pequeno (I e II), médios, grandes e a metrópole, São Luís.

O Estado do Maranhão é o segundo Estado mais pobre do Brasil, com uma popu-
lação, segundo o Censo 2010, de 6.574.789, e os municípios selecionados para o
Transferência de Renda

estudo de campo foram os seguintes: Maracaçumé com uma população de19.155,


Cedral (10.297); Cajapió (10.593); Capinzal do Norte (10.698); Poção de Pedras
(919.708); Presidente Vargas (10.717); São João Batista (19.920); Alto Alegre do
Maranhão (24.590); Santa Quitéria do Maranhão (29.191); Viana (49.496); Barreiri-
nhas (54.930); Caxias (155.129); São Luís (1.014.837).

A escolha aleatória de 13 municípios, considerando diferentes portes, objetivou


permitir representatividade da realidade do Estado, sendo que a similaridade dos
resultados da pesquisa de campo não justificou a análise das informações levanta-
das de modo desagregado. Portanto, a seleção de municípios de diferentes portes
foi justificada para que se procurasse verificar na pesquisa de campo se havia

2 Sobre os antecedentes e as experiências pioneiras dos Programas de Transferência de Renda


no Brasil, veja SILVA, YAZBEK; GIOVANNI, 2011, capítulo 1 Os programas de transferência de renda: inserção
no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social.
diferenciação da realidade no desenvolvimento das condicionalidades e do IGD
relacionada com o porte do município. Como não foi identificada diferenciação
significativa, a análise das informações empíricas foi desenvolvida considerando o
conjunto dos municípios. A pesquisa de campo foi realizada mediante o procedi-
mento de grupo focal, junto a Centros de Referência da Assistência Social - CRAS:
tendo sido escolhido o maior CRAS em cada município, considerando a popula-
ção atendida e entre esta o maior número de beneficiários do PBF. Em São Luís e
no município de porte grande (Caxias) foram considerados os 02 maiores CRAS,
totalizando 15 CRAS. Os grupos focais foram compostos por técnicos dos CRAS;
representantes dos Conselhos Municipais de assistência Social e usuários do PBF
dos respectivos municípios, não ultrapassando a um total de 12 integrantes em
cada grupo focal, tendo sido realizadas duas reuniões com os mesmos grupos em
cada município.

Levantamento Bibliográfico e documental. Nesse aspecto foram considerados publi-


cações e documentos de estudos desenvolvidos sobre o PBF, mais especificamente
sobre o IGD e as condicionalidades, tendo em vista contextualizar o estado da arte
sobre esses dois aspectos do Programa bem como referenciar o estudo proposto.

Realização de Entrevistas semi-estruturadas com o gestor estadual, os gestores


municipais e os coordenadores do acompanhamento das condicionalidades de
Saúde, Educação e Assistência Social do PBF nos municípios selecionados para
compor a amostra da pesquisa.

O texto segue apresentando o PBF e as particularidades atribuídas às condiciona- 63


lidades, seguidas de problematização sobre a contribuição do IGD para a gestão
O BOLSA FAMÍLIA
do Programa nos municípios, destacando resultados da pesquisa de campo, sendo
(PBF) NO CONTEXTO
finalizado com algumas reflexões à guisa de conclusão. DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
e realidade das
CARACTERIZANDO O BOLSA FAMÍLIA
condicionalidades
O Bolsa Família, em implementação em todos os municípios brasileiros e no Dis- e do Índice
trito Federal, atende a um público de 13.330.714 famílias3. Instituído pela medida de Gestão
Descentralizada
provisória nº. 132 de 20 de outubro de 2003, transformada na Lei nº. 10.836 de
(IGD) no Estado do
09 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro
Maranhão
de 20044. É um programa intersetorial, instituído no âmbito do Fome Zero para
unificação de programas de transferência de renda5. Tem por objetivo “assegurar
o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar
e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais
vulnerável à fome”6

3 Dado acessado no site www.mds.gov.br em 05/02/2012.

4 Todas a legislação citada no pr esente artigo encontra-se disponibilizada em www.mds.gov.br.

5 A estratégia Fome Zero é representada por um conjunto de políticas governamentais e não-


governamentais, tendo como principal objetivo erradicar a fome e a desnutrição no país. Seus principais
programas são: Bolsa Família; Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa de Construção de Cisternas; Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); Restaurantes Populares e Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS).

6 Citação do texto de apresentação do Bolsa Família divulgado no site www.mds.gov.br,


acessado no dia 12/06/2011.
Desde 2003, quando foi instituído, vem sendo marcado por significativa expansão
geográfica. Ao completar cinco anos, em outubro de 2008, já havia investido R$
41 bilhões, a metade na Região Nordeste, a mais pobre do país. A partir de outubro
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome de 2009 e até março de 2011, destinou a famílias extremamente pobres, ren-
da per capita familiar inferior a R$ 70,00, um benefício mensal fixo de R$ 68,00,
além de um benefício variável mensal de R$ 22,00, pago conforme o número de
crianças e adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando
até R$ 134,00. As famílias pobres, renda per capita familiar inferior a R$ 140,00,
recebiam o benefício variável de R$ 22,00, pago conforme o número de crianças e
adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando até R$ 66,00.
Foi acrescido um benefício vinculado aos adolescentes de 16 e 17 anos de R$
33,00 mensais, até dois adolescentes por família, para manutenção desses jovens
na escola. A partir de abril de 2011, a Presidente Dilma, determinou um reajuste
médio no valor dos benefícios de 19,4%. A correção correspondente à faixa de até
15 anos chegou a alcançar 45%. Desse modo, o valor médio dos benefícios é de
R$ 115,00 e o valor recebido pelas famílias pode variar de R$ 32,00 a R$ 242,00.
Esse reajuste foi justificado como medida de ataque à pobreza extrema no Brasil,
principal prioridade de governo da presidente Dilma Rousseff, consolidado no Pla-
no Brasil sem Miséria.

Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria, o governo fixou a meta de inclusão
no PBF de mais 800 mil famílias extremamente pobres até dezembro de 2013.
Outra modificação foi a elevação do limite do número de crianças e adolescentes
com até 15 anos, de famílias extremamente pobres, de 03 para 05, as quais pas-
saram a ter direito ao benefício variável de R$ 32,00, possibilitando a inclusão de
mais 1,3 milhões de crianças e adolescentes, com vigência a partir de setembro de
2011, elevando o valor máximo do benefício de R$ 242,00 para R$ 306,00.

O repasse para custear o PBF, no mês de janeiro de 2012, foi de R$1.561.780.652,00,


conforme dados acessados no site www.mds.gov.br em 05/02/2012.

O PBF tem sua proposta estruturada em três eixos principais: transferência de ren-
da, condicionalidades e programas complementares. O primeiro objetiva promo-
ver o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades são referidas pelo MDS,
órgão gestor nacional, enquanto compromissos assumidos pelas famílias e pelo
Transferência de Renda

poder público para que os beneficiários sejam atendidos por serviços de educa-
ção, saúde e assistência social, constituindo-se em um reforço ao acesso a direitos
sociais básicos, enquanto os programas complementares visam o desenvolvimen-
to das famílias para superação da situação de vulnerabilidade7.

7 Conforme consta do texto de apresentação do Bolsa Família divulgado no site www.mds.gov.


br, acessado no dia 12/06/2011.
As famílias têm liberdade na aplicação do dinheiro recebido, podendo permanecer
no Programa enquanto atendam aos critérios de elegibilidade8, desde que cum-
pram as condicionalidades de matrícula de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos
na escola; frequência regular mínima de 85% das aulas para as crianças e adoles-
centes de 6 a 15 anos e de 75% para os jovens de 16 e 17 anos; frequência de
crianças de 0 a 7 anos de idade aos postos de saúde para vacinação, pesar, medir
e fazer exames de proteção básica à saúde. A frequência de mulheres gestantes
aos exames de rotina é considerada, também, condicionalidade no campo da Saú-
de. Na área da assistência social, as crianças e adolescentes de até 16 anos, em
situação de risco ou retirados do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI), devem ter uma freqüência mínima da carga horária mensal
de 85% aos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) desen-
volvidos pelo PETI, conforme estabelecido no art.13 da Portaria GM/ MDS n° 666,
de 28 de dezembro de 2005.

Além da transferência monetária, destinada à melhoria na alimentação e nas con-


dições básicas de vida do grupo familiar, o PBF considera necessária a inclusão
dos membros adultos das famílias beneficiárias em ações complementares, ofere-
cidas pelos três níveis de governo, sendo atendidos por outros programas, como:
tarifa social de energia elétrica, cursos de alfabetização, de educação de jovens e
adultos e de qualificação profissional; ações de geração de trabalho e renda e de
melhoria das condições de moradia, além de isenção de taxas de concurso públi-
cos federais . 9

65
A implementação do PBF ocorre de modo descentralizado, com implementação
pelos municípios; o processo é iniciado com a assinatura de Termo de Adesão pelo O BOLSA FAMÍLIA
qual o município compromete-se a instituir comitê ou conselho local de controle (PBF) NO CONTEXTO
social e a indicar o gestor municipal do Programa. Para efetivação do processo de DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
implementação, são previstas responsabilidades partilhadas entre a União, Esta-
e realidade das
dos, municípios e a sociedade. condicionalidades
e do Índice
de Gestão
AS CONDICIONALIDADES ENQUANTO MECANISMO DE INCLUSÃO
Descentralizada
SOCIAL (IGD) no Estado do
Maranhão
As condicionalidades do BF são apresentadas pelo gestor nacional, Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como compromissos atribuídos
às famílias beneficiárias nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social para
continuarem a receber o benefício financeiro do Programa. São também apresen-
tadas como compromissos assumidos pelo poder público, responsável pela oferta

8 Às famílias do PBF é requisitada a atualização de seu cadastro de dois em dois anos, para que
seja revalidada ou não a permanência da família no BF.

9 Os programas complementares articulados ao Bolsa Família, em nível federal, são os seguintes:


Programa Brasil Alfabetizado destinado à alfabetização de pessoas com 15 anos de idade ou mais; ProJovem
voltado para reintegração ao processo educacional e qualificação social e profissional de jovens
entre 15 e 29 anos; Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária para acesso
ao trabalho e renda tendo como público comunidades e segmentos excluídos; Programa Nacional de
Agricultura Familiar e programas de micro-crédito do BNB para acesso ao trabalho e renda direcionado a
agricultores familiares; Programa Nacional Biodisel para acesso ao trabalho e renda também direcionado
a agricultores familiares e Programa Luz para Todos para expansão de energia elétrica no meio rural.
dos serviços públicos de saúde, educação e assistência Social. São fixadas na Lei
nº. 10.836 de 09 de janeiro de 2004 e no Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro de
2004, que instituem e regulamentam o PBF.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
O marco legal que regulamenta as condicionalidades é constituído pela Portaria n.
321, de 29 de setembro de 2008; pela Portaria MS/MDS n. 2.509 de 18 de novem-
bro de 2004, que regulamenta os compromissos das famílias relacionados à saúde
e pela Portaria MEC/MDS n. 3. 789, de 17 de novembro de 2004, que regulamenta
os compromissos das famílias relacionados à educação.

O acompanhamento gerencial das condicionalidades é de responsabilidade do


MDS em articulação com os Ministérios de Educação e da Saúde, cabendo aos
municípios prestar as informações aos ministérios, conforme calendários fixados
previamente e com registros de informações relativas a cada condicionalidade na
educação, saúde e assistência social nos respectivos sistemas informatizados.

O acompanhamento, além de identificar o grau do cumprimento das condiciona-


lidades, objetiva buscar os motivos do não cumprimento para que os municípios
desenvolvam ações de acompanhamento das famílias em descumprimento, consi-
deradas em situação de maior vulnerabilidade social.

O descumprimento das condicionalidades é previsto na Portaria GM/MDS n. 321


de 29 de setembro de 2008, que determina na ocorrência do primeiro descum-
primento, que a família receberá uma advertência por escrito, lembrando dos
compromissos com o Programa e da vinculação do cumprimento das condiciona-
lidades com o recebimento do benefício. A partir da segunda ocorrência de des-
cumprimento, a família fica sujeita às seguintes sanções: no segundo, o benefício
é bloqueado por 30 dias; no terceiro e quarto, ocorre a suspensão do benefício por
60 dias e, no quinto, há o cancelamento da concessão do benefício. No caso das
famílias que têm filhos de 16 e 17 anos, que sejam beneficiados pelo Benefício
Variável Jovem (BVJ), serão advertidas no primeiro descumprimento da condicio-
nalidade de frequência de 75% da carga horária escolar mensal; terão o benefício
suspenso no segundo descumprimento e, no terceiro, o cancelamento.

As condicionalidades, contrapartidas ou compromissos constituem, por conse-


guinte, uma dimensão central no desenho do PBF, o que vem levantando questões
Transferência de Renda

polêmicas, consensuais, antagônicas ou divergentes. Assim, uma análise da lite-


ratura sobre as condicionalidades do PBF permitiu identificar diferentes entendi-
mentos, conduzindo à sistematização das seguintes concepções.

a) Condicionalidades enquanto acesso e ampliação de direitos


A versão oficial sobre as condicionalidades do PBF as situa como mecanismo que
objetiva combater a transmissão intergeracional da pobreza mediante inversão
em capital humano por medidas de educação e saúde em articulação com o obje-
tivo imediato de alívio da pobreza representado pela transferência monetária para
famílias pobres e extremamente pobres. Nesse sentido, as condicionalidades são
situadas no campo do direito, ampliando o acesso das famílias usuárias a direitos
sociais básicos e incentivando a demanda por serviços de educação, saúde e as-
sistência social. Trata-se de um movimento de mão dupla, cabendo ao Estado ofer-
tar serviços públicos e os beneficiários a assumir os compromissos determinados
pelo Programa. Nesse sentido, são vistas como necessárias, até para forçar o Esta-
do a melhorar os serviços prestados à população (VALE, 2009). Ademais, podem
incentivar as famílias a fazer investimento em capital humano, além de estimular
a demanda por serviços sociais. Nessa direção, as condicionalidades são vistas
como favorecedores da intersetorialidade entre secretarias municipais (MONNRAT;
MAIA; SCHOTTZ, 2006), favorecendo interrelação de uma dimensão compensatória
com políticas estruturantes de saúde e de educação.

Por conseguinte, a versão oficial das condicionalidades defende o seu cumpri-


mento com possibilidade de acesso e inserção da população pobre nos serviços
sociais básicos, favorecendo a interrupção do ciclo de reprodução da pobreza, en-
quanto forma de ampliar o direito à saúde e à educação. No seu limite, só reforça-
riam obrigações sociais ou legais dos pais.

b) As condicionalidades enquanto negação de direitos


Em oposição à concepção acima, há os que entendem as condicionalidades atribuídas
aos programas de transferência de renda como infração ao direito por tratar-se de uma
imposição ou restrição à concessão do direito essencial à sobrevivência de pessoas. O
entendimento é de que a um direito não se deve impor contrapartidas, exigências ou
condicionalidades, visto que a titularidade do direito jamais deve ser condicionada,
o que deve ocorrer é a punição do Estado pelo não cumprimento da obrigação em
garantir o acesso aos direitos à educação e à saúde (ZIMMERMANN, 2006). 67
A contradição entre condicionalidades e direito reforça a seletividade da Assistên- O BOLSA FAMÍLIA
cia Social, que já é focada na extrema pobreza, reforçando o controle e a pressão e (PBF) NO CONTEXTO
ferindo a noção de cidadania por condicionar um direito constitucional à assistên- DA PROTEÇÃO
cia ao cumprimento de exigências por parte de beneficiários que já se encontram SOCIAL: significado
e realidade das
em situação bastante vulnerável (LAVINAS, 2000). Nesse sentido, “pode-se afirmar
condicionalidades
que a adoção de condicionalidades em programas de transferência de renda so-
e do Índice
mente é válida se entendida e implementada como estratégia de ampliação de de Gestão
acesso aos serviços sociais e políticas de emprego e renda, e não apenas o mero Descentralizada
reflexo de uma visão restritiva de direito” (MONNRAT; MAIA: SCHOTTZ, 2006. p. 8). (IGD) no Estado do
Maranhão
No campo da compreensão das condicionalidades como infração ao direito mais
fundamental, que é o acesso a condições essenciais para sobrevivência, estas são
concebidas tão somente como obrigação do Estado na prestação de serviços so-
ciais básicos a todos os cidadãos e não como mecanismo de punição.

c) As condicionalidades enquanto questão política e imposição


moralista conservadora
Os que apontam a conotação política e moralista das condicionalidades expres-
sam o entendimento de que ninguém, principalmente os pobres, pode receber
uma transferência do Estado sem contrapartida direta. A transferência deve ser
mérito do beneficiário: ”suor do trabalho” (SILVA, 2010-a). Como dizem: “não deve
haver almoço grátis”, daí a necessidade de cobrar do governo o controle e o desli-
gamento dos beneficiários que são culpabilizados pelo não cumprimento do que
os programas impõem. Não é considerado que a não obediência às condiciona-
lidades possa ser decorrente da precariedade dos serviços e, nesse caso, quem
deveria ser responsabilizado era o Estado que fica isento de qualquer punição,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ocorrendo apenas a isenção dos beneficiários quando fica comprovado que o não
cumprimento não dependeu deles (KERSTENETZKY, 2009). Esse entendimento
contém um caráter mistificador que perpassa à lógica das condicionalidades, fa-
zendo com que as políticas sociais escamoteiam um direito, passando a ser con-
sideradas como troca, concessão e contrapartida, esvaziando a noção de direito e
de proteção social como dever do Estado (SILVA, 2010-a).

Procurando problematizar as controvérsias, encontros e desencontros em torno


das condicionalidades enquanto dimensão estruturante dos programas de trans-
ferência de renda, partimos da proposta dessas condicionalidades enquanto pos-
sibilidades de garantia de direitos sociais básicos, buscando potencializar impac-
tos positivos sobre a autonomização das famílias atendidas. Consideramos que,
mesmo assim, apresentam problemas e desafios que merecem ser considerados:

“Primeiro, ferem o princípio da não condicionalidade


peculiar ao direito de todo cidadão a ter acesso ao trabalho
e a programas sociais que lhe garantam uma vida com
dignidade; segundo os serviços sociais básicos oferecidos
pela grande maioria dos municípios brasileiros, mesmo no
campo da Educação, da Saúde e do Trabalho são insuficientes,
quantitativa e qualitativamente, para atender às necessidades
das famílias beneficiárias dos Programas de Transferência
de Renda. Nesse sentido, as condicionalidades deveriam
ser impostas ao Estado, nos seus três níveis e não às
famílias, visto que implicam e demandam a expansão e a
democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade,
que uma vez disponíveis, seriam utilizados por todos, sem
necessidade de imposição e obrigatoriedade. Entendo que
o que poderia ser desenvolvido seriam ações educativas, de
orientação, encaminhamento e acompanhamento das famílias
para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim
Transferência de Renda

concebidas, as condicionalidades, ao contrário de restrições,


imposições ou obrigatoriedades, significariam ampliação de
direitos sociais”. (SILVA, 2002-b).

Contrapondo ao caráter punitivo e destacando o caráter educativo das condicio-


nalidades, consideramos que poderiam ser concebidas, sim, mas como recomen-
dações às famílias beneficiárias do PBF e como dever do Estado na proteção social
de seus cidadãos e no oferecimento de serviços sociais básicos, com destaque
à educação e à saúde. Nesse debate, reafirmamos a insuficiência quantitativa e
qualitativa dos serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos muni-
cípios brasileiros.
“A questão que coloco é que o debate sobre
condicionalidades nos Programas de Transferência de Renda
deve ser orientado em duas direções. De um lado, tem-
se o dever do Estado, nos seus três níveis, de expandir e
democratizar os serviços sociais básicos de boa qualidade,
disponibilizando-os a toda a população. Entendo que uma
vez disponíveis esses serviços seriam utilizados por todos,
sem imposição e obrigatoriedade. O trabalho do Estado
e da sociedade, nesse aspecto, poderia voltar-se para o
desenvolvimento de ações educativas, de orientação,
de circulação de informações, de encaminhamento e
acompanhamento das famílias para que essas pudessem
buscar ter acesso e fazer uso adequado dos serviços
disponíveis”. (SILVA, 2008).

Ao serem configuradas como exigência para permanecer no PBF, o trabalho de


campo realizado sobre as condicionalidades e o IGD no Estado do Maranhão evi-
denciou, com muita insistência, em entrevistas com gestores e coordenadores e
nos grupos focais com a participação de técnicos, membros de conselhos muni-
cipais de controle social do PBF e de usuários, a forte assimilação da conotação
punitiva das condicionalidades, levando a maioria dos sujeitos a repetirem que as
famílias levam os filhos para a escola e para atendimento à saúde motivadas, pelo
medo de perder sua inserção no PBF. 69
Na medida em que o acompanhamento e o registro do cumprimento das condi-
O BOLSA FAMÍLIA
cionalidades têm como orientação a possibilidade de punição, acreditamos que o
(PBF) NO CONTEXTO
medo tende a ser incorporado pelas famílias. Se a frequência das crianças e ado- DA PROTEÇÃO
lescentes à escola e o atendimento à saúde fossem recomendações trabalhadas SOCIAL: significado
numa perspectiva educativa, provavelmente essas famílias veriam mais, no aten- e realidade das
dimento a essas recomendações, a importância para a vida de todos. condicionalidades
e do Índice
O trabalho de campo realizado em treze municípios do Maranhão e a análise de de Gestão
relatórios elaborados pelo MDS sobre a gestão das condicionalidades do PBF evi- Descentralizada
denciaram para a equipe de pesquisadores a complexidade desse processo e o (IGD) no Estado do
Maranhão
investimento aplicado. Essa realidade nos leva a alguns questionamentos: qual a
efetividade da gestão das condicionalidades, tal como é operacionalizada, para
a melhoria das condições de vida das famílias beneficiárias do PBF? Os custos, o
tempo e os resultados alcançados nesse processo podem ser justificados? Ade-
mais, esse processo vem contribuindo para aumento do acesso aos serviços, mais,
concretamente, qual a contribuição para a melhoria da qualidade dos serviços
ofertados, aspecto que consideramos de suma importância para elevação das con-
dições de vida das famílias inseridas no PBF?

O que é mais preocupante: admitidas na forma de sanção, as condicionalidades


podem ser uma forma de agravamento de vulnerabilidades e riscos sociais pré-
vios. A família termina sendo responsabilizada por sua situação que é interpretada
como disfuncional. O avanço legal não foi capaz de substituir a metodologia coer-
citiva por uma metodologia mobilizadora e educativa, sendo o direito à vida limi-
tado pelo cumprimento de condicionalidades, instituindo um híbrido de proteção
social e controle coercitivo (SILVA, 2010-a).

Outro aspecto a ser considerado é que, mesmo que as condicionalidades estejam


avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
afetas e se constituam responsabilidades dos três níveis de governo, é sobre o
município que recai a maior parte da oferta de serviços, da sua gestão e acompa-
nhamento. Sabemos da fragilidade da oferta de serviços de educação e de saúde
por parte da grande maioria dos municípios brasileiros, não sendo os municípios
responsabilizados por essa deficiência. Ademais, os custos administrativos e fi-
nanceiros que o controle acarreta, mesmo não se tendo clareza de quanto se gasta
e o que se ganha com esse controle, expressam muito mais uma questão política
e juízo de valor: “o Estado tem que cobrar a conta para não incentivar a preguiça
e a acomodação”. Esse é o argumento conservador que perpassa segmentos da
sociedade, com grande suporte da mídia.

Alguns autores apontaram obstáculos ao cumprimento das condicionalidades. No


caso da saúde, acabam propiciando apenas o acesso à atenção primária materno-
-infantil (FONSECA, 2006) e no caso da educação, o foco é a frequência escolar
sem maiores considerações sobre a qualidade do ensino. A dimensão qualitativa
dos serviços de saúde e educação não é considerada no processo de acompanha-
mento das condicionalidades.

Não se leva quase sempre em conta a fragilidade institucional e gerencial dos


municípios brasileiros; dificuldades de se relacionarem com os diversos setores
e esferas de governo; de baixa capacidade de oferta de serviços, principalmente
de educação e saúde (ARRETCH, 2000), de saneamento básico e de habitação (LA-
VINAS, 2006), o que é agravado com a precariedade dos mecanismos de controle
social (SILVA, 2010-d). A transferência monetária direta ao beneficiário é respon-
sabilidade da esfera federal, enquanto as condicionalidades são descentralizadas
nos municípios, cabendo a estes o oferecimento dos serviços e o seu acompanha-
mento e controle (SILVA, 2010-a).

A disponibilização e informações sobre serviços e a desarticulação do BF com as


duas políticas estruturantes - educação e saúde - são frequentemente aponta-
das como obstáculos fundamentais ao cumprimento das condicionalidades. Es-
Transferência de Renda

ses aspectos constituem responsabilidade do Estado. Como diz (CACCIAMALI; TA-


TEI; BATISTA, 2010), a curto prazo, as condicionalidades do BF são eficientes para
criação de externalidades positivas, contudo demandam a conjugação com ações
complementares de melhoria da oferta de serviços escolares e saúde e de políti-
cas de geração de emprego, renda e capacitação para os pais (CACCIAMALI; TATEI;
BATISTA, 2010). Portanto, não se pode correr o equívoco de “sobreculpar” famílias
por não atenderem determinadas condicionalidades, sem considerar as condi-
ções objetivas de que dispõem para “efetivá-las” (SPOSATI, 2008, apud MOURA,
2009). A dificuldade de realizar articulação com as três esferas de governo e entre
o conjunto das políticas sociais e destas com um modelo econômico distributivo
é limite estrutural dos programas de transferência de renda (SPOSATI, 2008, apud
MOURA, 2009 p. 15), o que significa dificuldade de articulação com a rede local de
serviços, já precária, para acesso da população à infraestrutura, a serviços sociais
básicos, à política de trabalho e renda.
Por conseguinte, o problema não é o desconhecimento das famílias sobre os deve-
res para continuar no Programa, expressas em forma de condicionalidades. No que
se refere aos serviços de saúde, as queixas principais são a ausência de postos de
saúde no bairro; falta de vacina; balança quebrada; ausência do profissional no
posto; falta de recursos financeiros das famílias para se locomoverem; demora no
atendimento. Na educação o problema não é o acesso à escola, mas certamente
é a baixa qualidade do ensino. Ou seja, os municípios não estão suficientemente
estruturados para propiciar o cumprimento das condicionalidades exigidas pelo
BF (SIQUEIRA, 2008).

APRESENTANDO E PROBLEMATIZANDO O ÍNDICE DE GESTÃO


DESCENTRALIZADA (IGD)
O IGD foi instituído por meio da Portaria GM/MDS nº 148/06, de 27 de abril de
2006 e serve para verificar a qualidade da gestão municipal do Programa BF e do
CADÚNICO (Cadastro Único), além de refletir os compromissos assumidos pelos
municípios no Termo de Adesão ao BF, conforme Portaria GM/MDS n° 246/05. É
utilizado para o cálculo dos recursos financeiros repassados mensalmente pelo
MDS aos Estados e Municípios para apoiar a gestão descentralizada do PBF10.

O IGD foi regulamentado pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, expresso


por um número indicador que varia de 0 a 1, refletindo a qualidade da gestão do
PBF no município e servindo de base para repasse de recursos do MDS para que os
municípios façam a gestão do Programa, de modo que quanto maior o valor do IGD, 71
maior será o valor do recurso transferido para o município que refletirá no recebi-
O BOLSA FAMÍLIA
mento do aporte de recursos pelo estado. Assim, o MDS objetiva incentivar o apri-
(PBF) NO CONTEXTO
moramento da qualidade da gestão do PBF em âmbito local e contribuir para que os DA PROTEÇÃO
municípios e Estados implementem as ações que estão sob sua responsabilidade. SOCIAL: significado
e realidade das
Portanto, o IGD tem como proposta medir a qualidade da gestão municipal do PBF
condicionalidades
e do Cadastro Único, constituindo-se, também numa forma de controle sobre o e do Índice
cumprimento das condicionalidades do Programa no âmbito da educação, saúde de Gestão
e assistência social. É qualificado pela geração de informações que, por um lado, Descentralizada
permitem a aplicação da dimensão punitiva das condicionalidades sobre os bene- (IGD) no Estado do
Maranhão
ficiários do PBF, que vai da advertência ao desligamento das famílias do Progra-
ma. Por outro lado, o estímulo para o melhor controle das condicionalidades é a
transferência de recursos financeiros a Estados e municípios que, sem dúvida, tem
contribuído para a melhoria da gestão da implementação do PBF, aliás, esse é um
aspecto que foi destacado na pesquisa de campo por todos os sujeitos envolvidos
com o PBF nos municípios.

Os recursos repassados pelo MDS são transferidos do Fundo Nacional de Assistên-


cia Social (FNAS) aos Fundos Estaduais de Assistência Social (FEAS) e aos Fundos

10 Embora, na sua configuração, o IGD se desdobre em Índice estadual (IGD-E) e em Índice Municipal
(IGD-M), a pesquisa desenvolvida foi centrada no IGD-M. Convém ressaltar apenas que os estados recebem
apoio financeiro do IGD-E desde 2008, quando da adesão dos estados ao BF e ao Cadastro Único, conforme
estabelecido pela Portaria MDS n° 76, de 07 de março de 2008, para exercerem as atividades de apoio aos
municípios de sua jurisdição e monitoramento dos mesmos no processo de cadastramento e atualização
do Cadastro Único, além do acompanhamento das condicionalidades.
Municipais de Assistência Social (FMAS) de forma regular e automática, na moda-
lidade fundo a fundo e depositados em contas especificas destinadas à execução
das atividades vinculadas à gestão do PBF e do CADÚNICO.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Como já mencionado, não resta dúvida que a transferência de recursos financeiros
pelo MDS aos Estados e municípios para a gestão local do PBF é um encaminhamento
importante, considerando as condições precárias da grande maioria dos municípios
brasileiros que antes do IGD arcavam com todas as despesas para gerir o Programa.
Todavia, convém registrar-se que o cofinanciamento das ações desenvolvidas no âm-
bito da gestão do PBF é praticamente nulo por parte dos Estados e municípios.

Gestores, técnicos e membros de conselhos de controle social, com quem temos


tido oportunidade de contatar no desenvolvimento de pesquisas empíricas, ex-
pressam, com muita contundência, a importância da melhoria das condições de
trabalho conseguidas com os recursos do IGD, como compra de carros, de equi-
pamentos, melhoria de espaços físicos, realização de atividades complementares,
melhor acompanhamento das famílias, entre outros. Admitindo um novo patamar
na gestão municipal do PBF. Todavia, o que questionamos não é a importância da
transferência de recursos financeiros para os Estados e municípios gerirem melhor
o PBF na perspectiva de sua gestão descentralizada. O que problematizamos é a
adoção do IGD para o repasse desses recursos, pelas seguintes razões:

O IGD é, essencialmente, um mecanismo gerador de informações que, objetiva-


mente, são também aplicadas como fundamento para punição das famílias bene-
ficiárias que “falham” no cumprimento das condicionalidades a elas demandadas
pelo PBF. Ou seja, terminam secundarizando a dimensão educativa que deveria
fazer das condicionalidades, não imposições, mas recomendações às famílias, com
apoio do Estado, mediante a garantia de serviços de saúde e de educação de boa
qualidade e suficientes para atender à população;

A complexidade, os custos e o tempo dedicado para acompanhamento das con-


dicionalidades, permitindo a formulação do IGD, parecem não compensar seus
resultados, não se atendo no dimensionamento da qualidade dos serviços ofereci-
dos nem na identificação da insuficiência quantitativa dos serviços, de modo que
venham a criar condições para sua ampliação e melhoria.
Transferência de Renda

Além de não ser considerada a dimensão qualitativa dos serviços de saúde e edu-
cação, a geração dos dados para constituir os índices do IGD não é submetida a
uma revisão consistente de validade, podendo acarretar inconsistência, prejudi-
cando sua confiabilidade (MACEDO; SANTOS, 2008).

Por conseguinte, a questão que se coloca é a real contribuição do IGD para qualifi-
car e dimensionar o impacto do cumprimento das condicionalidades na superação
intergeracional da pobreza. Mesmo o acompanhamento das famílias que apresen-
tam infrequência na educação, saúde e nas atividades do PETI deixa muito a dese-
jar, por falta de pessoal e condições para realização de ações educativas e comple-
mentares capazes de gerar impactos significativos nas condições de vida dessas
famílias.Em resumo, a problematização sobre o IGD remete, necessariamente, para
as reflexões que foram consideradas acima em relação às condicionalidades, cujas
questões centrais são: Qual o incremento da efetividade alcançada pelo PBF com
o acompanhamento das condicionalidades para a superação da pobreza das famí-
lias beneficiárias? O tempo e os custos requeridos para o acompanhamento das
condicionalidades para gerar o IGD se justificam?

Consideramos que não basta acesso a serviços de saúde e educação. O mais im-
portante é o compromisso do Estado na provisão dos serviços de boa qualidade
para todos e o desenvolvimento de ações informativas e educativas para que es-
ses serviços sejam utilizados pelos usuários ou não do PBF.

5 ILUSTRANDO A REALIDADE COM RESULTADOS DA


PESQUISA DE CAMPO 11

O processo de gestão do IGD e das condicionalides do PBF expressa um movi-


mento contraditório: esforços coletivos para aperfeiçoamento da gestão do PBF
vesus dificuldades estruturais - persistência das práticas assistencialistas junto
às famílias, disputas políticas, mandonismos locais e dos municípios - estrutura
deficiente da maioria dos municípios, equipe de trabalho insuficiente, instável e
com problemas de capacitação, improvisação e desarticulação na estruturação das
ações. Partindo dessa referência, a pesquisa de campo realizada em treze municí-
pios no Estado do Maranhão permitiu a indicação de alguns aspectos importantes
que são, a seguir, destacados.

a) Acompanhamento da Condicionalidade da Saúde 73


A pesquisa de campo evidenciou que a Saúde é a área menos estruturada dentre O BOLSA FAMÍLIA
as que realizam o acompanhamento dos beneficiários do PBF nos municípios que (PBF) NO CONTEXTO
compuseram a amostra, sendo destacadas precárias condições de infraestrutura DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
para a realização do controle das contrapartidas exigidas das famílias (precarie-
e realidade das
dade de espaço físico e inexistência ou insuficiência de equipamentos, recursos condicionalidades
materiais, humanos e financeiros). Ademais, foi indicado o não reconhecimento e e do Índice
não incorporação dessa atividade como parte da dinâmica de prestação rotineira de Gestão
dos serviços de saúde. Nesse aspecto, as situações mais críticas são aquelas de Descentralizada
municípios nos quais nem sequer existem responsáveis da área da saúde para (IGD) no Estado do
Maranhão
coordenar o processo ou, quando existem, têm pouco ou nenhum domínio sobre
a dinâmica de acompanhamento das condicionalidades ou têm uma visão desse
acompanhamento centralizada unicamente na gestão de sua área específica ou
tão somente no manuseio do sistema informacional. Isso tem contribuído para
improvisação das ações de acompanhamento das famílias e, consequentemente,
para o rebaixamento do IGD em todos os municípios da pesquisa.

Os beneficiários revelaram que, muitas vezes, não conseguem ter acesso aos ser-
viços por falta de médicos e outros profissionais, carência de material e de equi-
pamentos nas unidades de saúde:

11 É importante esclarecer que o limite de páginas indicado para apresentação do artigo, impediu o
uso mais frequente de depoimentos dos informantes da pesquisa de campo de modo que permitisse ilustrar
mais os resultados apresentados. O mesmo limite levou-nos a utilizar o espaço da conclusão para destacar
aspectos gerais e aqueles que consideramos mais relevantes nos resultados do estudo dos 13 municípios.
“a gente vai para o hospital, mas não tem médico ou tem
muita fila”.

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Nesse aspecto, como estratégia para não perder o benefício, alguns beneficiários
recorrem aos serviços de outros bairros, mas que também têm problemas, o que
para eles representa a existência de mecanismos que “obrigam” as famílias a cum-
prirem sua parte no “acordo” entre elas e o poder público, sem que existam formas
de assegurar o compromisso do poder público nesse mesmo “acordo”, ou seja,
cobra-se dos beneficiários o cumprimento das condicionalidades sem que o pró-
prio município consiga efetivar o direito à saúde.

Nos municípios maranhenses que fizeram parte da pesquisa, incluindo São Luís,
que é a capital do Estado, o acompanhamento da agenda de Saúde é desenvolvido
sem integração com as demais áreas. Os municípios atuam com pessoal restri-
to, funcionando em salas improvisadas e inadequadas, muitas vezes sem dispor
de materiais e equipamentos suficientes para o desenvolvimento do trabalho.
Ademais, o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades por parte
das famílias não tem servido como instrumento capaz de (re)orientar as Políticas
Públicas, pois os dados coletados não são utilizados como subsídios em outras
iniciativas, como por exemplo, naquelas relacionadas à Atenção Básica ou no tra-
balho desenvolvido pelos agentes de saúde. Nesse aspecto, o acompanhamento
das condicionalidades parece se constituir muito mais numa estratégia de contro-
le dos beneficiários (que sofrem diversas punições) do que de garantia de direitos
sociais, por meio do acesso aos serviços básicos.

Acrescentam-se a esses aspectos, dificuldades em localizar os beneficiários, em


razão de constantes mudanças de endereço das famílias sem a devida comuni-
cação à Secretaria de Assistência Social ou à coordenação do PBF; por erros no
Mapa de Acompanhamento enviado pelo MDS e por dificuldades relacionadas a
problemas na base de dados.

No que se refere aos impactos da condicionalidade de Saúde, os entrevistados


destacaram pouca contribuição para seu próprio bem-estar, não ocorrendo o
registro de modificações significativas, que possam ser consideradas efetivas e
duradouras nas suas vidas, representando, quando muito, um cumprimento for-
Transferência de Renda

çado pelas instâncias envolvidas no acompanhamento, motivado pelo medo das


famílias perder o benefício. Todavia, foi registrado na pesquisa o relato de “que as
mães já procuram os agentes de saúde, às vezes, para anotar o peso ou a vacina”,
sem atribuir essa mudança ao medo de as famílias perderem o benefício, sendo
considerado também possível ver mudanças na forma de as famílias lidarem com
sua saúde, destacando maior conscientização acerca do aleitamento materno e
da vacinação, expressando-se também na realização, cada vez mais frequente, do
pré-natal, o que é creditado ao trabalho educativo realizado com as comunidades
nos postos de Saúde da Família.

b) Acompanhamento da Condicionalidade da Educação


Nos municípios visitados, a área da Educação pareceu mais estruturada do que a da
Saúde para realizar o processo de acompanhamento do cumprimento das condici-
nalidades do PBF. O espaço físico e condições materiais pareceram mais favoráveis,
pois não foram reclamadas pelos coordenadores da área. Desse modo, o controle
da frequência escolar apresenta bons indicadores de acompanhamento. Essa situa-
ção é favorecida com o Projeto Presença e porque o controle da frequência escolar
é feito mediante impressão de formulários, que são enviados e recebidos preen-
chidos das escolas, ficando a resolução dos problemas de infrequência mais sob a
responsabilidade da diretoria das escolas. Todavia, alguns gestores municipais do
PBF na Educação parecem ter uma concepção mais ampla de acompanhamento, não
ficando restrito ao controle da frequência escolar, não se reduzindo a alimentar o
sistema, nem mesmo só fornecer informações com qualidade, pois

“não basta gerar dados, a gente precisa fazer alguma coisa


por essas crianças que estão em situação de infrequência,
que estão em situação de evasão, que estão geralmente com
problemas, como alcoolismo dos pais, que são situações que
levam as crianças a faltar à escola”.

Há ainda a atribuição da responsabilidade do cumprimento da condicionalidade


apenas aos beneficiários, na medida em que alguns gestores entendem que o não
alcance do percentual mínimo de frequência escolar se deve à falta de clareza das
famílias quanto aos benefícios de manter os filhos na escola e que, consequen-
temente, basta esclarecê-las sobre a importância de mantê-los nesse espaço para
que o Programa obtenha o sucesso esperado.

Os entrevistados apontaram como principais impactos gerados em razão da exi-


75
gência da condicionalidade no campo educacional: aumento na frequência e a O BOLSA FAMÍLIA
diminuição da evasão escolar. A diminuição da evasão e aumento da frequência (PBF) NO CONTEXTO
escolar entre os alunos beneficiários do Programa é vista como resultado da preo- DA PROTEÇÃO
cupação de algumas famílias com o futuro dos seus filhos, mas, ao mesmo tempo, SOCIAL: significado
e realidade das
consideram que o estímulo dado pelos pais para os alunos irem de forma assídua
condicionalidades
à escola e estudar de forma séria, teria como pano de fundo o desejo de obter
e do Índice
ou não perder o recurso: “é o medo de perder o benefício que tem acabado por de Gestão
manter os alunos na escola”. Descentralizada
(IGD) no Estado do
Assim sendo, a questão da qualidade do ensino e das condições de funcionamento da
Maranhão
rede escolar também não aparecem no debate como componente do direito à edu-
cação, ficando a reflexão restrita à ideia de que basta incluir o aluno no sistema e de
que se a criança ou jovem não estuda é por responsabilidade dele ou dos seus pais.

c) Acompanhamento da Condicionalidade da Assistência Social


A condicionalidade da Assistência Social é restrita ao cadastramento, validação e
atualização dos cadastros, não sendo considerada como condicionalidade a partici-
pação das famílias nas ações educativas realizadas nos CRAS, nem a frequência nas
atividades do PETI, o que, segundo entrevistados “desvaloriza o trabalho educativo
realizado pelos CRAS”. Nesse aspecto, foi muito destacado o caráter de quase não
condicionalidade atribuído ao acompanhamento desenvolvido pela Assistência So-
cial por não implicar em penalidades, sendo a gestão da própria Assistência coloca-
da como dependente do desempenho das demais condicionalidades.
Cabe aos técnicos dos CRAS realizar trabalho de acompanhamento familiar no
âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que deve ser articulado a
outras políticas setoriais com o objetivo de contribuir para a superação das vulne-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome rabilidades sociais que impedem ou dificultam o cumprimento dos compromissos
previstos pelo Programa, por parte das famílias. Reuniões e palestras de esclare-
cimento se constituem nas estratégias de acompanhamento mais utilizadas pelos
municípios.

Torna-se importante dar destaque ao fato de que, independentemente de o


município reunir ou mão boas condições de funcionamento, os técnicos, em ge-
ral, apontam dificuldades para realizar satisfatoriamente o acompanhamento das
famílias, sobretudo em razão do número limitado de profissionais para realizar
esse trabalho.

Em relação aos possíveis impactos do acompanhamento das famílias, foi indicado


o ingresso de número expressivo de participantes do PróJovem na Universidade
via PROUNI e no mercado de trabalho, além de significativa redução do número de
crianças e adolescente na rua ou no trabalho infantil.

d) Referente ao Índice de Gestão Descentralizada (IGD)


Na pesquisa de campo foi verificado que nenhum município tem conseguido atin-
gir um índice sintético integral de 100% para permitir o recebimento integral dos
recursos que lhes são atribuídos pelo MDS. Vários são os fatores apontados pe-
los entrevistados como determinantes do não alcance de índice integral no IGD
pelos municípios. Como ficou claro, o resultado insatisfatório decorre predomi-
nantemente das menores taxas de acompanhamento das condicionalidades, com
destaque para os piores resultados do monitoramento da Saúde.

Além das falhas na coleta das informações exigida pelo acompanhamento da


agenda de Saúde das famílias beneficiárias, a maioria dos municípios, senão a to-
talidade, atribui os resultados negativos prioritariamente à alimentação dos dados
por causa, tanto do próprio sistema utilizado pelo MDS, como da internet disponí-
vel cujo acesso é precário e de má qualidade, ou seja, instável e lento.

O atraso no repasse dos recursos do IGD pelo MDS foi outro problema apontado
Transferência de Renda

por vários municípios para explicar os resultados encontrados. Mesmo que os mu-
nicípios busquem soluções provisórias para não paralisar as atividades do Programa
(adiantamento de recursos e depois ressarcimento das despesas pelas prefeituras),
para eles o atraso reclamado compromete a fluência do trabalho de acompanha-
mento das condicionalidades e mesmo a manutenção de um trabalho sistemático
com as famílias mais vulneráveis, além de desmotivar as equipes de trabalho. Isso
pode indicar que os repasses do MDS se constituem não apenas em subsídios de
recursos para fazer face aos custos administrativos dos municípios, mas numa fonte
essencial de recursos sem a qual a continuidade das ações ficaria comprometida.

Em que pese esse problema, os recursos do IGD são utilizados corretamente na


gestão do BF, ajudando na melhoria do ambiente de trabalho, com aquisição de
mobílias (mesas, cadeiras e estantes) e aparelhos de ar condicionado; na melhoria
das condições de trabalho propriamente ditas: compra e aluguel de carros e mo-
tos, compra de combustível, aquisição de materiais didáticos e outros materiais
permanentes e de consumo para realização das atividades com as famílias, além
de conserto e compra de computadores, impressoras e outros equipamentos e
materiais necessários ao registro e repasse das informações nos sistemas, bem
como pagamento de internet e compra de modem para melhorar o acesso. Os
recursos ainda são usados para treinamento e capacitação de pessoal técnico e
administrativo do Programa, para pagamento de diárias e de gratificações para os
técnicos do Programa e operadores dos diferentes sistemas de informação, estas
últimas como forma de complementação salarial, contratação e pagamento de téc-
nicos e de palestrantes e professores para os cursos.

Em âmbito estadual, a coordenadora da condicionalidade da Assistência Social declarou


que aplica os recursos em atividades que visam melhoria dos indicadores do IGD dos
municípios e do atendimento às famílias, como capacitações dos gestores e de técnicos
responsáveis pelo PBF e CADÚNICO, Seminário Intersetorial que agregou as Políticas de
Educação, Saúde, Assistência, Segurança Alimentar e o Controle Social, Encontro Estadu-
al da Frequência Escolar, monitoramento e assessoramento às 18 Unidades Regionais
de Educação, existentes no Maranhão, no que diz respeito à frequência escolar bem
como monitoramento e assessoramento para atualização cadastral de 70 municípios
com mais baixos índices de cadastros atualizados, além da aquisição de equipamento
de informática para a Supervisão de Transferência de Renda/Proteção Básica.

Na verdade, cada município procura encontrar, por si próprio, as estratégias e as


regras para gerir o recurso. Mas no caso dos municípios maranhenses participan-
77
tes da pesquisa, essa gestão, em geral, encontra-se ou centralizada nas mãos dos
prefeitos ou dos secretários de Assistência Social, passando muitas vezes ao lar- O BOLSA FAMÍLIA
go da possibilidade de interferência dos gestores das condicionalidades e até do (PBF) NO CONTEXTO
coordenador do PBF no município, além do próprio Conselho que deve participar DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
da elaboração do planejamento e do orçamento e aprovar a prestação de contas
e realidade das
referentes a esses recursos. Essa centralização na aplicação dos recursos do IGD condicionalidades
cria obstáculo ao trabalho, visto que, na maior parte dos casos, somente os proje- e do Índice
tos que o prefeito aprova ou considera relevantes são realizados, o que pode levar de Gestão
a um uso político desse recurso e gerar procedimentos burocráticos que resultem Descentralizada
em demora na realização das ações, ou até inviabilizar parte destas. (IGD) no Estado do
Maranhão
É informação relevante a que mostra que poucos são os municípios que se refe-
riram explicitamente ao Conselho como instância de planejamento, acompanha-
mento e fiscalização, sobretudo no seu papel de aprovar a prestação de contas dos
recursos do IGD. Ademais, verificou-se em alguns municípios disputa dos recursos
do IGD: sua aplicação fica sob a responsabilidade do gestor da Política de Assis-
tência Social, em geral, o Secretário, mas existem esforços, em alguns municípios
para democratizar as decisões sobre a destinação desses recursos, e sua partilha
entre as três Políticas. Todavia, nos municípios maranhenses, a situação mais ge-
neralizada é a concentração do gasto desses recursos nas ações específicas da
Assistência Social, sobretudo, em cursos e capacitações visando geração de traba-
lho e renda. Isso porque, como se viu, não existem mecanismos ou instâncias de
deliberação conjunta, evidenciando dificuldades dos gestores se pensarem num
trabalho de fato conjunto ou até mesmo articulado. Na verdade, os recursos são
vistos unicamente como da Assistência Social, que poderá ou não repassá-los para
as demais áreas, considerando critérios próprios.

O que acontece em âmbito municipal se repete na instância estadual: os recursos


avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
do IGD recebidos são administrados de forma centralizada na Secretaria Estadual
de Desenvolvimento Social que repassa determinados valores para as demais se-
cretarias, a seu próprio critério.

Apesar de nenhum município da amostra receber o teto dos recursos do IGD, to-
dos ressaltaram sua importância para o aperfeiçoamento da gestão e do desenvol-
vimento de atividades educativas e complementares, melhorando a infraestrutura
com equipamentos, a realização de ações itinerantes, visitas domiciliares, cursos
de geração de renda, treinamentos de técnicos, além de garantir melhor atendi-
mento aos beneficiários do PBF. Convém, todavia, ressaltar que a quase totalidade
dos sujeitos que participaram da pesquisa demonstrou desconhecer a existência
do IGD, limitando-se esse conhecimento praticamente aos gestores (principal-
mente da Assistência Social).

Em relação a críticas e sugestões ao IGD, o principal destaque foi atribuído ao atra-


so no repasse dos recursos pelo MDS aos municípios, além de considerados baixos
e insuficientes para a gestão do Programa nos municípios.

A complexidade da prestação de contas do recurso, gerando incertezas nas formas


legais de sua utilização, também é criticada por um município. Em relação à uti-
lização dos recursos, a coordenadora estadual da Assistência Social percebe que
existe pouca autonomia dos gestores municipais do PBF no planejamento e no
acompanhamento dos gastos dos recursos do IGD.

A inexistência de contrapartida do gestor municipal que possa potencializar os re-


cursos do IGD é outra crítica levantada, mesmo que apenas por um município. Nesse
sentido, os recursos do IGD deveriam ser ampliados para permitir o aperfeiçoamen-
to e a ampliação do Programa, com o envolvimento de um número maior de famílias
nos projetos de inclusão produtiva e os repasses deveriam ter regularidade e pon-
tualidade para permitir a continuidade das ações e manter a motivação das equipes.
Transferência de Renda

CONCLUSÃO
No estudo desenvolvido em treze municípios do Estado do Maranhão alguns as-
pectos merecem destaque nessa conclusão.

Verificamos que a maioria dos beneficiários demonstrou timidez e insegurança


para se pronunciar, expor ideias, prestar informações, destacando, sobretudo, o
caráter punitivo das condicionalidades e desconhecendo o que seja o IGD. Sobres-
saiu-se, também, a quase total ausência de informações dos conselheiros sobre a
implementação do PBF, sobre o acompanhamento de condicionalidades e a maio-
ria desconheciam também a existência do IGD.

A deficiência da estrutura dos prédios dos CRAS merece destaque: a maioria ca-
rece de adequação, enquanto órgão público, para prestar serviços de qualidade à
população usuária, majoritariamente funcionando em prédios alugados, limitando
a continuidade e adensamento do trabalho realizado junto às famílias.

Acresce-se a esse aspecto os limites impostos em decorrência da baixa qualificação


e da rotatividade dos trabalhadores do SUAS pela insuficiência/ausência de concurso
público, entrave para a realização e continuidade do trabalho com as famílias: acompa-
nhamento das condicionalidades e realização de ações educativas e complementares.

Verificamos que são limitadas as estratégias desenvolvidas pelos municípios vi-


sando proporcionar a autonomia das famílias, praticamente restritas a cursos tra-
dicionais de “prendas domésticas” que, no limite, podem assegurar um patamar
mínimo de renda, na maioria, sem acompanhamento das ações de qualificação/
capacitação dos egressos para verificação de melhorias ou não das condições de
vida dos beneficiários após participação nessas atividades. Nesse aspecto, foi des-
tacado que o esforço de realização dos cursos também não é precedido de estudo
das tendências do mercado de trabalho.

Considerada a autonominação das famílias aspecto relevante no âmbito do PBF,


além dos cursos de capacitação, outras iniciativas foram destacadas, como organi-
zação de hortas e organizações de cooperativas.

Entre as dificuldades para realizar os cursos e as demais atividades, foram destaca-


das aquelas referentes às condições estruturais de funcionamento da Política de
Assistência Social, inclusive limitações financeiras e de recursos materiais e huma-
nos, e a pouca capacidade de os municípios maranhenses integrar um conjunto de
Políticas Públicas em torno de uma política de desenvolvimento com ênfase numa
79
Política de Trabalho que tenha condições de ampliar o mercado de trabalho e ga- O BOLSA FAMÍLIA
rantir o emprego para a maioria dos trabalhadores de forma a favorecer a supera- (PBF) NO CONTEXTO
ção da pobreza de modo sustentável. Ademais, as iniciativas oferecidas têm pouca DA PROTEÇÃO
amplitude, atingindo somente um número reduzido de famílias. Foi acrescido o SOCIAL: significado
e realidade das
fato de que os CRAS passam a ser vistos como uma espécie de locus de qualifica-
condicionalidades
ção profissional, em detrimento de uma política mais ampla de desenvolvimento.
e do Índice
Apesar das críticas, tanto beneficiários quanto técnicos consideram positiva a relação de Gestão
Descentralizada
entre benefício e condicionalidade, ou seja, concordam com as contrapartidas exigidas
(IGD) no Estado do
pelo Programa, pois impedem que “as famílias se acomodem e não façam o que deve
Maranhão
ser feito”, embora se constituam muito mais num preço a pagar pelo recebimento do
benefício, do que o acesso a serviços que contribuam para melhoria na sua condição
de vida, pois os serviços não são prestados com a regularidade nem com qualidade.
Nessa mesma direção, os gestores e técnicos consideram que se o Programa deixasse de
“punir” os beneficiários não cumpririam as exigências porque não as percebem como
um bem em si. Portanto, não haveria mudança na sua forma tradicional de pensar e agir,
mesmo que possa ter aumentado o nível de procura pelos serviços de saúde. Essa visão
reforça a concepção conservadora das condicionalidades apontada anteriormente.

É relevante, porém, destacar que foi considerado que as repercussões observadas


sobre o poder público são decorrentes, algumas vezes, da pressão das famílias
que têm que responder às exigências feitas pelo próprio Estado, de modo que o
município cobra o cumprimento de condicionalidades pelas famílias, e estas pas-
sam a cobrar dele que coloque os serviços à sua disposição para poder cumprir as
condicionalidades que são exigidas.

Apesar das limitações apontadas, verificou-se, no geral, que os beneficiários, em


avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
sua maioria, parecem estar cumprindo as condicionalidades postas pelo PBF, mes-
mo que por medo de perder o benefício, embora percebam que há distância entre
o que é posto pelas condicionalidades e as reais condições de acesso aos serviços
de saúde, educação e assistência social nos municípios, por falta de investimento
local em expansões e melhorias dos serviços.

Outro aspecto significativo foi a identificação de desarticulação entre as insti-


tuições gestoras das condicionalidades (Assistência Social, Saúde e Educação),
produzindo “ativismo” dissociado de uma compreensão acerca dos significados
desses elementos da gestão do Programa. Destaque também foi atribuído à ine-
xistência de contrapartida financeira dos municípios e do Estado para desenvolvi-
mento da gestão do PBF.

Podemos, a partir do estudo desenvolvido, considerar que as denominadas con-


dicionalidades representam campo de tensão enquanto dimensão central do PBF.
Entendidas como contrapartidas ou compromissos das famílias e do Estado, vêm
levantando questões polêmicas, ora consensuais, antagônicas ou divergentes.
Chega a serem consideradas direito, negação de direito ou imposição moralista
conservadora. Essa cultura conservadora é reproduzida na sociedade pela mani-
festação de que os programas de transferência de renda criam dependência, de-
sestimulam o trabalho e as famílias beneficiárias que precisam ser educadas pelo
cumprimento de condicionalidades.

Quanto ao IGD, o estudo revelou tratar-se de um mecanismo importante para me-


lhoria da gestão do PBF, considerando as condições precárias da grande maioria
dos municípios brasileiros, inaugurando um novo patamar na gestão municipal
do PBF. Todavia, nossa problematização central é sobre a falta de clareza quanto
a contribuição do IGD para a melhoria das condições de vida das famílias bene-
ficiárias, visto que sua formulação incide tão somente sobre o cumprimento das
exigências que são colocadas às famílias beneficiárias, não se atendo a verificação
da qualidade dos serviços oferecidos nem à sua insuficiência quantitativa.
Transferência de Renda

As reflexões desenvolvidas permitem a indicação de alguns desafios para o futuro


do PBF, tais como: considerar o risco de redução desses programas a uma mera
funcionalidade compensatória ou de distribuição de renda insuficiente e inca-
paz de reverter o quadro social de pobreza e indigência da sociedade brasileira;
garantir a sustentabilidade dos programas enquanto política de Estado e não de
governo; articular os programas federais com iniciativas estaduais e municipais;
melhorar o acesso e qualidade das políticas de educação, saúde, trabalho e renda.

Finalmente, há que se destacar, que, apesar de todos os limites dos programas de trans-
ferência de renda, apresentados e problematizados no texto, a contribuição de progra-
mas, como o PBF, é de significativa relevância para as famílias e as pessoas beneficiadas,
por constituírem possibilidades concretas de melhoria de condições imediatas de vida
de grande parte da população que, muitas vezes, não dispõe de qualquer renda.
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83
O BOLSA FAMÍLIA
(PBF) NO CONTEXTO
DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
e realidade das
condicionalidades
e do Índice
de Gestão
Descentralizada
(IGD) no Estado do
Maranhão
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

Transferência de renda

Renato veloso
universidade Estadual do Rio de Janeiro - uERJ
pRoteção social bRasileiRa
a centRalidade do cadastRo único na
Introdução
As políticas públicas vêm incorporando recursos das tecnologias da informação
e comunicação1 (TIC) em quantidades expressivas, ocasionando uma crescente
informatização nos seus processos de gestão. Este processo de conjugação das
tecnologias e da gestão das políticas vem sendo acompanhado por estudos e
investigações que descortinam seu caráter político e estratégico, enfatizando os
impactos e as novas e crescentes demandas gerados no seu âmbito. O Cadas-
tro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) consiste numa
das expressões desse processo de introdução das TIC nos processos de gestão
de políticas sociais e, devido à sua centralidade para a integração e gestão destes
programas, pode ocasionar significativas alterações na condução da política de
assistência social. Trata-se de um potencial estratégico que precisa ser desvelado
e apropriado pelos profissionais que lidam cotidianamente com este importante
recurso.

A gestão das políticas sociais na atualidade envolve uma série de desafios, e den-
tre eles encontra-se a questão do tratamento de grandes volumes de informações
produzidas pelo próprio desenvolvimento e aprimoramento das ações e progra-
mas constitutintes de tais políticas. O enfrentamento desta questão vem, cada vez
mais, apontando a importância do uso de ferramentas tecnológicas na organiza-
ção, sistematização e análise do grande volume de dados e informações disponí-
veis, tornando-se necessária aos processos de gestão de políticas a introdução de
tecnologias capazes de integrar dados e informações sociais produzidos ao longo 85
da sua condução e do seu processamento.
A CENTRALIDADE
Inúmeros gestores têm se deparado com a recorrente demanda de tratar as infor- DO CADASTRO
mações geradas pelas políticas, criando, com isso, as condições para a estrutura- ÚNICO NA
PROTEÇÃO
ção de uma série de atividades de gestão que deem apoio e atendam às diversas
SOCIAL
demandas por informações estratégicas. Desta forma, o uso de instrumentos e
BRASILEIRA
ferramentas de gestão da informação vem se intensificando, auxiliando o acom-
panhamento das ações e programas sociais, a avaliação e o monitoramento das
políticas, e a produção de informações estratégicas que subsidiem a tomada de
decisões. As demandas postas à gestão de políticas sociais na atualidade tornam
imprescindível o uso de ferramentas tecnológicas que abarquem o grande volume
e escala das operações necessárias para realizar e aprimorar o seu desempenho.

Neste contexto, a informação ganha centralidade e a sua gestão aparece como im-
portante fator na condução das políticas sociais, permitindo, fundamentalmente:
favorecer a instalação de uma nova cultura de gestão; atender necessidades de
informação estratégica para gestores nos diferentes níveis; proporcionar acesso
rápido às informações de todos os programas e ações sociais para os quais se
tenha dados disponíveis; constituir-se como um instrumento fundamental para o
planejamento estratégico das ações, programas e projetos.

A gestão da informação situa-se no contexto de incremento técnico e institucional


das políticas públicas, expresso na crescente incorporação das novas tecnologias

1 Para um aprofundamento sobre as novas tecnologias da informação e comunicação e o seu


potencial estratégico, Veloso (2011).
de informação e comunicação aos seus processos de gestão. Constata-se o cres-
cimento cada vez mais acentuado de uma associação entre a política pública e
a tecnologia, e com isso, a gestão da informação torna-se condição necessária, e
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome não acessória, aos processos de gestão das políticas sociais. Assim, com base no
processamento de dados provenientes de múltiplas fontes, a partir de um conjun-
to de instrumentos e ferramentas tecnológicas de significativa complexidade, é
possível produzir e distribuir informação relevante, consistente e estratégica para
as necessidades da gestão, gerando processos e produtos que proporcionem alte-
rações qualitativas nos modelos e nos resultados obtidos pelas políticas.

De acordo com Tapajós (2009), a gestão da informação compõe a associação en-


tre a gestão estratégica da política e as tecnologias de informação, permitindo a
obtenção e seleção de informação relevante para a instituição de processos, agi-
lização de procedimentos, dinamização de fluxos, tomada de decisões e controle
público e social dos diversos momentos e dimensões que constituem a política.
Para a autora:

“A informação e sua gestão, por meio de ferramentas


tecnológicas, são concebidas como mediação lógica e
indispensável na ação decisória e, portanto, estratégica no
contexto da política. Reconhecem-se, assim, as novas e amplas
possibilidades de conjugação da Tecnologia da Informação com
o campo da gestão pública. (...) Hoje podemos observar um
fantástico potencial de programas e sistemas que sustentam
o desenvolvimento dessas políticas de seguridade social,
comprovando que é um paradigma de gestão em plena
assimilação no campo da proteção social; e cada vez mais
assumido como componente estratégico para o funcionamento
dessas organizações”. (TAPAJÓS, 2009, p. 306-7)

A informação configura-se como um importante componente do processo de ges-


tão e controle social das políticas. Sua geração e disseminação têm como um de
seus suportes fundamentais o uso das novas tecnologias da informação e comu-
nicação, que, se adequadamente utilizadas, podem proporcionar significativas
Transferência de Renda

alterações nos níveis de efetivação dos direitos sociais, favorecendo a identifi-


cação de novas competências e habilidades fundamentais para que os processos
de gestão possam, ao atingir seus objetivos, contribuir para o enfrentamento dos
desafios presentes na intervenção competente e qualificada junto às expressões
da questão social.

A conjugação entre as tecnologias da informação e comunicação e as políticas


sociais pode proporcionar um conjunto de alterações significativas nos processos
de gestão pública. Em outras palavras, “a busca e formulação da cidadania são
também fomentadas por ferramentas tecnológicas e informacionais que facultem
o melhor acontecimento do direito”, o que leva à consideração de que a “operação
da política pode ser positivamente impactada por melhores práticas de moder-
nização facultadas pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação”
(TAPAJÓS, 2006, p.179).
A apropriação das novas tecnologias da informação e comunicação vem adicionar
novas possibilidades para a condução dos processos de gestão de políticas públi-
cas, podendo, como mediação que é, produzir mudanças qualitativas na condução
de processos de trabalho, ampliando competências e habilidades necessárias à
gestão pública. Trata-se de um potencial estratégico que deve ser utilizado prio-
ritariamente no atendimento às demandas dos usuários das políticas públicas e
dos segmentos populares, no sentido de viabilizar um avanço na luta pela defesa
de direitos, pela ampliação e consolidação da cidadania. Assim, a utilização crítica
e consistente das TIC pode provocar alterações no desempenho de diversas atri-
buições e competências relacionadas ao atendimento direto a usuários e usuárias,
formulação, avaliação e controle social.

Destaca-se, neste sentido, a relevância da apropriação das tecnologias da informa-


ção e comunicação ao campo das políticas públicas, ressaltando o seu potencial
para o aprimoramento e sofisticação de sua gestão, numa perspectiva de luta pela
construção de novos usos sociais da tecnologia, voltados à satisfação das necessi-
dades sociais do conjunto da população.

Pretende-se apresentar alguns comentários e considerações introdutórias sobre


o potencial do Cadastro Único (tomado como uma das expressões da conjugação
entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comunicação), ressal-
tando os desafios e perspectivas postos à sua consolidação, a partir de resultados
preliminares produzidos pelo projeto de pesquisa Cadastro Único: o potencial da
tecnologia da informação para o acesso ao Programa Bolsa Família2, financiado 87
pelo Edital MCT/CNPq/MDS-SAGI n º 36/2010 e realizado pelo Núcleo de Estudos
em Gestão & Informação da UERJ - NEGI3. A CENTRALIDADE
DO CADASTRO
São discutidos alguns aspectos da centralidade do Cadastro Único no âmbito dos ÚNICO NA
programas sociais, dentre os quais se destacam o seu caráter integrador, o seu po- PROTEÇÃO
tencial para a geração de informação estratégica, os investimentos realizados em SOCIAL
capacitação e infraestrutura, e a postura participativa do profissional no processo BRASILEIRA

de apropriação deste instrumento.

Busca-se apreciar (com base nas entrevistas realizadas com os assistentes sociais
que operam o CadÚnico) os avanços, estratégias, aspectos positivos, críticas e dile-
mas que permitam identificar e caracterizar novas possibilidades de aprimoramento
do Cadastro e do processo de inserção e manutenção dos dados e informações, com
vistas à melhoria dos processos de gestão e de defesa dos direitos sociais.

2 O projeto contou com a preciosa participação e envolvimento de toda a equipe, à qual dedico
sinceros agradecimentos: Profaª Drª Vânia Morales Sierra, Assistentes Sociais Cila Portugal, Mayana Silva
e Lyvia Seabra, e bolsistas de graduação Gisele Mota, Cristiane Azevedo, Taiane Faustino, Daiane Magalhães,
Dayanna Gomes, Letícia Lopes e Vanessa Teixeira.

3 O NEGI é um núcleo de estudos da Faculdade de Serviço Social da UERJ, cadastrado no Diretório


Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq, e tem como principal objetivo desenvolver projetos de pesquisa
e extensão com ênfase nos processos de gestão de políticas sociais em suas diversas dimensões.
Método
Tratou-se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que utilizou como prin-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome cipal instrumento de coleta de dados a entrevista, com roteiro semiestruturado
previamente elaborado. Foram realizadas 43 entrevistas com assistentes sociais
lotadas nos equipamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS)
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro4, visando identificar as suas percepções
acerca do potencial do Cadastro Único para os programas sociais, em especial o
Programa Bolsa Família.

A fase de realização das entrevistas ocorreu no período de abril a maio de 2011,


sendo cinco entrevistas em CREAS e unidade de acolhimento, 7 com Coordenado-
res de CAS, e 31 com assistentes sociais técnicos lotados nos CRAS e CAS de nove
das dez áreas que integram o município. Todas as entrevistas tiveram o consen-
timento dos profissionais, cuja formalização ocorreu por meio da apresentação e
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformida-
de com a regulamentação ética que orienta o exercício da pesquisa envolvendo
seres humanos.

Do total de 43 entrevistas, 30 foram transcritas, produzindo 951 falas que se tor-


naram objeto de categorização pela equipe, demandando um significativo esforço
de tratamento e organização dos dados, para o qual foi construído um sistema
de informações capaz de sistematizar de forma eficiente o material produzido. As
considerações apresentadas neste artigo têm por base os dados das 30 entrevis-
tas transcritas, das quais foram extraídos trechos que exprimem as contribuições
dos profissionais acerca de características como o potencial de produzir informa-
ção estratégica, as críticas à prevalência da renda na seleção dos beneficiários
do Programa Bolsa Família e os investimentos em capacitação e infraestrutura.
Visando garantir o sigilo e o anonimato das entrevistadas, cada trecho utilizado
será qualificado apenas pela idade e ano de formação da profissional.

Resultado e discussão
Entende-se o Cadastro Único como uma expressão da incorporação das novas
Transferência de Renda

tecnologias da informação e comunicação ao processo de condução das políticas


públicas, em especial a de assistência social. Trata-se de um instrumento de iden-
tificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda,
que deve ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integra-
ção de programas sociais do Governo Federal voltados a esse público5. O número
de famílias cadastradas vem crescendo de forma expressiva, e hoje o CadÚnico já
conta com mais de 22 milhões de famílias cadastradas nacionalmente, das quais

4 O projeto contou com o importante apoio do Centro de Capacitação da Política de Assistência


Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que além de autorizar a entrada da equipe nos
equipamentos da SMAS, estimulou a participação dos assistentes sociais na pesquisa.

5 Os critérios que permitem o cadastramento são: ter renda mensal igual ou inferior a ½
salário mínimo por pessoa ou ter renda familiar mensal de até três salários mínimos. Famílias que possuam
renda maior também podem ser cadastradas se a sua inclusão estiver vinculada à seleção de programas
sociais implementados em nível federal, estadual ou municipal.
cerca de 13,5 milhões são beneficiárias do Programa Bolsa Família. O gráfico 1
demonstra a evolução do cadastramento ao longo dos últimos anos. No Brasil.

Gráfico 1 – Número de famílias cadastradas


nacionalmente distribuídas por ano, Brasil.

Fonte: SAGI/MDS (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/FerramentasSAGI_menu/internet.php).

O Cadastro Único costuma ser descrito como um mapa representativo das famílias
mais pobres e vulneráveis do Brasil, com amplo potencial de uso por diversas po-
líticas de proteção social. Apresenta tanto informações da família e do domicílio 89
em que ela reside (tais como composição familiar, endereço, características do
domicílio, acesso a serviços públicos de água, saneamento, energia elétrica, des- A CENTRALIDADE
DO CADASTRO
pesas mensais e vinculação a Programas Sociais), quanto dados de cada um dos
ÚNICO NA
componentes da família (como documentação civil, qualificação escolar, situação
PROTEÇÃO
no mercado de trabalho e rendimentos). É regulamentado pelo Decreto nº 6.135, SOCIAL
de 26 de junho de 2007 (que revogou o Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001) BRASILEIRA
e tem a sua gestão disciplinada pela Portaria MDS nº 177, de 16 de junho de 2011
(que substituiu a Portaria MDS nº 376, de 26 de junho de 2007). Constitui-se como
uma importante ferramenta de planejamento para políticas públicas voltadas às
famílias de baixa renda, que permite a criação de indicadores que reflitam as vá-
rias dimensões de pobreza e vulnerabilidade, por meio da identificação e caracte-
rização dos segmentos socialmente mais vulneráveis da população.

Segundo Soares et al. (2009), o CadÚnico configurou-se, após diversos aperfeiço-


amentos e expansões, como uma das mudanças mais importantes no processo de
unificação dos programas de transferência de renda condicionada. De acordo com
Soares e Sátyro (2009, p.10), a situação destes programas em 2003 era marcada
pelo caos: cada um deles tinha sua agência executora, a coordenação entre elas era
mínima e os seus sistemas de informação eram separados e não se comunicavam.
Quando o Governo Federal, neste mesmo ano, criou o Programa Bolsa Família, ele
unificou os programas de transferência de renda então existentes e estabeleceu o
Cadastro Único como a sua base de informações. Apesar de ser fundamental para
Programa Bolsa Família, o Cadastro Único vai além dele, constituindo-se como uma
rica fonte de informações para diversos programas focalizados.
O Programa Bolsa Família possibilitou a superação da pulverização orçamentária e
administrativa, marcante nos diversos programas de transferência de renda então
existentes, “direcionando as ações para todo o grupo familiar e não mais para cada
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome um de seus integrantes de forma isolada” (MODESTO e CASTRO, 2010, p.15). O
Cadastro Único torna possível a integração desses programas e, a partir de 2005,
passa, de um lado, por um consistente esforço de depuração dos seus dados, e
de outro, por um amplo processo de cadastramento de novas famílias realizado,
fundamentalmente, pelos municípios.

Para Barros et al. (2009, p.7), três principais características do CadÚnico definem
suas possibilidades de utilização: sua abrangência censitária (cobrindo a quase
totalidade da população mais pobre do país); sua natureza cadastral, dispondo do
nome e do endereço dessa população pobre (o que possibilita localizar e reentre-
vistar as famílias, e, com isso, melhorar a qualidade das informações cadastrais);
uma ampla variedade de dados e informações sobre as condições de vida dessas
famílias, que permite o estabelecimento de perfis e a consequente proposição de
políticas e ações de proteção social. Trata-se, portanto, de uma das mais impor-
tantes fontes de informação sobre a população pobre no Brasil, e, neste sentido, a
grande variedade de informações disponíveis sobre as famílias e a possibilidade
de identificá-las, permite que o Cadastro Único ocupe uma posição central na ela-
boração de diagnósticos das condições sociais e na condução e gestão da política
social brasileira.

Ao longo dos anos, o Cadastro Único tem sido melhorado no sentido de aprimorar o
processo de identificação e reconhecimento das famílias vulneráveis, visando a sua
inclusão nas políticas sociais. A partir do ano de 2009, surge a sua versão 7, produzi-
da com software livre, na qual todas as atividades de inclusão e atualização cadastral
são realizadas on line, diretamente no seu portal de relacionamento, com o objetivo
de imprimir mais dinamicidade e agilidade ao cadastramento, já que elimina as ati-
vidades de extração e transmissão existentes nas versões anteriores6.

Considerações dos profissionais sobre o Cadastro Único


O Cadastro Único tem ocupado um lugar de destaque no processamento das po-
líticas de proteção social brasileiras, demonstrando a sua centralidade para a in-
Transferência de Renda

tegração dos diversos programas sociais. A utilização do Cadastro Único no muni-


cípio do Rio de Janeiro vem alcançando patamares significativos e pode fornecer
subsídios importantes para o seu aprimoramento, principalmente devido ao de ter
sido concluída em 2010, neste município, a experiência piloto de implantação da
versão 7. Serão apresentados e discutidos, a partir deste momento, trechos das
entrevistas realizadas, tecendo alguns comentários gerais que permitam uma bre-
ve avaliação de pontos considerados relevantes, tais como o acesso à informação,
a importância das capacitações, a questão da renda autodeclarada, os erros de
focalização e a questão da infraestrutura.

6 Maiores informações sobre a versão 7 do Cadastro Único podem ser obtidas no seguinte
endereço: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico/sistemas/sistemadecadastrounico/
versao-7.
Produção e acesso à informação
O processo de cadastramento das famílias é realizado, de forma descentralizada,
pelos municípios. São coletados e inseridos dados socioeconômicos básicos os
quais permitirão a produção de perfis e indicadores de monitoramento e a ava-
liação dos impactos dos programas sociais nas condições de vida das populações
beneficiárias. Tem sido imperativa a busca pela qualidade no registro dos dados,
de modo que reflitam a realidade das famílias cadastradas. O conjunto das entre-
vistas realizadas com os operadores demonstra que os profissionais que operam
o Cadastro têm uma sólida compreensão da sua importância para as ações e pro-
gramas de proteção social.

“O CadÚnico, ele está cada vez mais sendo requisitado para


diversas ações, não é só para o acesso ao Programa Bolsa
Família. Há um programa de habitação, remoção de família
por conta de enchentes, de obra, é necessário estar no
CadÚnico, para isenção de taxa de concurso, para a questão
da diminuição de tarifa elétrica; são muitos programas hoje
que precisam do CadÚnico. Seu uso está crescendo muito, e
a gente utiliza todo dia para diversas ações. O Programa Bolsa
Família é o carro chefe, é o maior demandador do CadÚnico,
mas outras demandas também são apresentadas por outros
Programas”. (30 anos, formada em 2002).
91
De forma geral, os profissionais reconhecem a importância do Cadastro e o papel
central que ele ocupa ao longo do seu processo de trabalho. Reconhecem, também, A CENTRALIDADE
que este instrumento proporciona uma rica fonte de informações que, se bem utili- DO CADASTRO
zada, pode potencializar o processo de gestão e avaliação das políticas sociais. ÚNICO NA
PROTEÇÃO
“O nosso processo de trabalho, 80% gira em torno do SOCIAL
Cadastro Único, porque os CRAS do Município do Rio BRASILEIRA
trabalham basicamente com os programas sociais do Governo
Federal. O Cadastro é a porta de entrada para praticamente
todos os programas sociais. Qualquer programa social, as
famílias têm que ter o Cadastro do Governo Federal para gerar
o número de NIS. Eu falei 80%, mas eu vou aumentar, 90% do
nosso processo de trabalho hoje, dentro da proteção básica,
dentro dos CRAS, dentro da Prefeitura do Rio de Janeiro, se
dão em torno do Cadastro Único do Governo Federal”. (32
anos, formada em 2002).

“O Cadastro Único hoje dentro da Prefeitura do Rio ele


faz parte do trabalho do Assistente Social, você não tem
como se desvincular disso, principalmente se você estiver
na proteção básica. Hoje a gente trabalha tendo isso como
um instrumento, a gente trabalha o tempo todo com esse
Cadastro, qualquer pessoa que chegue hoje no CRAS, se ela
vai acessar outro programa, de uma forma ou de outra, ela vai
acabar parando aqui no Cadastro, porque tudo, hoje, pede
para que a família, para acessar determinados programas,
esteja dentro desse Cadastro Único. Mesmo que o profissional
relute, isso vai acabar fazendo parte do atendimento dele,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
querendo ou não”. (40 anos, formada em 2002).

Como destacam Soares e Sátyro (2009), o Cadastro Único “é a primeira experiência


de coleta de informações sobre grande parte das famílias no Brasil que vai além
de um nome e um número”, contando com “uma adesão massiva de milhares de
agentes municipais, que nele acreditam e que se esforçam ao máximo para forne-
cer-lhe as melhores e mais atualizadas informações possíveis” (p.25). De acordo
com boa parte dos entrevistados, mais do que um sistema de identificação da fa-
mília do usuário, o Cadastro constitui-se como um instrumento que permite iden-
tificar demandas e necessidades da população de baixa renda. Trata-se de um im-
portante recurso que auxilia a gestão pública, permitindo detectar necessidades,
traçar o perfil das famílias, criar novas propostas de trabalho e atribuir visibilidade
à importância da intersetorialidade. Neste sentido, as potencialidades do Cadastro
Único extrapolam a identificação e a caracterização das famílias, podendo promo-
ver o aperfeiçoamento da gestão dos programas e dos serviços socioassistenciais,
fomentando, também, a construção de políticas intersetoriais. Estes são pontos
desatacados pelos entrevistados:

“O ponto positivo é esse de você ter todo o conhecimento


amplo da situação familiar, situação geográfica, você ter um
mapeamento de toda situação, de vulnerabilidade, de risco que
aquele público está vivenciando”. (29 anos, formado em 2005).

“Através dele você tem uma gama de informações, de uma


pesquisa séria, de uma análise aprofundada daquela situação.
Você consegue pensar em programas e projetos para se
trabalhar com a população, você elege indicadores que estão
ali, de informações que estão presentes naqueles dados que a
gente preenche daquelas famílias, e podem te dar indicadores
de vulnerabilidade importantes, e a partir deles pensar em
ações que possam atender diretamente as necessidades
Transferência de Renda

daquelas famílias”. (42 anos, formada em 1998).

“A concentração desses dados, eu acho que foi um grande


avanço pra equipe. E você vê que cada técnico utiliza esses
dados de forma diferenciada, e é super legal porque vêm
propostas maravilhosas por parte da equipe, que nem é a
gestão que interfere, mas ela propõe pra gestão, e a gente
propõe para as subsecretarias e vai até o secretário”. (53 anos,
formada em 1983).

Os entrevistados apontam que os dados contidos no Cadastro Único, além de per-


mitir a seleção de famílias para programas sociais, também permitem o desenvol-
vimento de uma série de outras ações, tais como planejamento, monitoramento e
avaliação. Com isso, a questão da qualidade dos dados registrados e a exigência de
que reflita a realidade das famílias cadastradas, ganha relevância, demonstrando a
importância do contínuo aperfeiçoamento tanto do sistema do Cadastro quantos
dos processos de treinamento e capacitação para o seu uso.

Uma questão apontada pelos profissionais refere-se ao acesso às informações


produzidas. Se por um lado o forte potencial de produzir informação estratégica
é valorizado, por outro diversos profissionais relatam dificuldades no retorno das
informações produzidas com o uso do Cadastro, impondo, desta forma, obstáculos
à apropriação do conhecimento produzido.

“O ponto positivo é a possibilidade que ele tem de me


retratar, me dar uma fotografia do meu território, e que
ações eu preciso ter para atenuar, minimizar a questão da
pobreza no meu território. Agora, um ponto negativo é que
nessa versão eu não consigo, ainda, fazer isso. Eu não sei se
é um problema nosso, que a gente não consegue fazer, é um
problema estrutural, da SMAS, ou se é um problema da versão.
A gente precisa pensar, não adianta eu ter um sistema em que
eu jogo, jogo, jogo dados, uma série de dados, e ele não vem
pra mim como um instrumento de informação para eu tentar
pensar na minha ação”. (47 anos, formada em 1991).

“Agora, nesse sistema, a grande dificuldade – não sei como


eles vão arrumar, azeitar e aparar essas arestas – é a questão
da própria gestão do sistema. Hoje, o próprio sistema, a
93
gente não consegue extrair dados ou algumas informações A CENTRALIDADE
que a gente necessita para o nosso dia-a-dia. [Por exemplo?] DO CADASTRO
Referenciar endereços. Eu não consigo fazer um filtro de ÚNICO NA
endereços. Eu, hoje, não consigo saber quantas famílias PROTEÇÃO
SOCIAL
beneficiárias do Bolsa Família tem no meu território. O sistema
BRASILEIRA
não me dá isso, o sistema versão 7. Se eu tiver que trabalhar
especificamente, dar um corte, hoje eu queria trabalhar com
famílias chefiadas por mulheres, que só tenham mulheres
como chefe de família, eu não consigo. Quero trabalhar com as
famílias de uma determinada comunidade, fazer um recorte,
priorizar... Pelo menos, a gente aqui não consegue, não sei o
nível central”. (47 anos, formada em 1991).

“O CRAS não consegue construir a sua proposta de trabalho


pra oferecer para aquela população, aquele perfil que você
levantou no CadÚnico, porque o CadÚnico não volta com
informação pra mim. Eu só insiro a informação. O resultado
trabalhado, bonitinho não volta para mim. Por exemplo, se
o CAS hoje cadastrou 100 jovens; se esses 100 jovens têm
5ª série, 8ª série. É isso, então aquele cuidado todo, aquela
informação rica com a qual eu posso estar planejando, sendo
chamada pelo gestor para planejar... ‘O que você acha que
tem que ter’? ‘O que você acha que a gente pode construir
aqui’? Não é usada, não se trabalha as informações. Então, eu
sou mera produtora de informação, eu sou mera executora,
não sou a pessoa que vem para planejar a relação”. (32 anos,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
formada em 1999).

“Acho que eu gostaria mais de obter esse retorno das


informações. Isso aí para mim seria muito importante, coisa
que a gente não tem propriamente no trabalho aqui. A
gente não tem muito retorno, a gente tem uma informação
muito rápida junto à Caixa, até para poder dar um retorno
para o próprio usuário. Mas de uma maneira geral, dados
consolidados, a gente aqui na execução, nesse momento, a
gente não tem”. (33 anos, formada em 2001).

Cabe perguntar se as dificuldades de acesso às informações são geradas pela fra-


gilidade de uma política de divulgação e disseminação por parte do MDS, ou se
tais informações são produzidas e divulgadas, mas, no entanto, não atingem as
equipes técnicas por falhas de comunicação e articulação no interior da estrutura
do município. Trata-se de uma questão importante, que merece atenção.

Lindert et al. (2007, p. 39), já há algum tempo atrás, observaram a política do MDS
de produzir boletins regulares com informações básicas sobre o Cadastro Único
e sobre o Programa Bolsa Família, os quais eram enviados por correio eletrônico
para os municípios e estados. Se essa política ainda continua em vigor, o problema
parece ser a chegada das informações nos equipamentos, como os CRAS e CREAS.

A relevância do CadÚnico, como apontado, é justamente potencializar a gestão


pública por meio do acesso a dados, informações e perfis. A conjugação entre po-
lítica social e tecnologias da informação e comunicação só demonstra o seu valor
se imprimir à informação um caráter estratégico, e para isso ela precisa estar aces-
sível aos sujeitos envolvidos na condução das políticas, tanto gestores, quanto
técnicos. A “função diagnóstica” do Cadastro Único, como apontado por Barros et
al. (2009, p.39) precisa ser apropriada pelo conjunto dos profissionais envolvidos
em sua utilização. Neste sentido, aproveitando a sugestão de Lindert et al. (2007,
p. 50), fica demonstrada a importância de fortalecer os canais de comunicação
Transferência de Renda

entre os municípios, o MDS e a Caixa Economica Federal, no sentido de que as


informações provenientes do Cadastro possam ser rapidamente disponibilizadas
aos profissionais, que criativamente possam se apropriar destes dados e convertê-
-los, a partir das demandas e possibilidades identificadas, em projetos e propostas
de atuação junto às famílias.

Por outro lado, vale considerar a interessante observação feita por Romero (2010,
p.73), que, ao abordar algumas questões do CadÚnico, aponta a existência de uma
carência de aplicações na versão cliente, que poderiam ser instaladas nas Prefei-
turas e tornar o uso do Cadastro ainda mais ágil e útil. O autor destaca a impor-
tância de aumentar a geração de relatórios mais ágeis e variados, que permitam
produzir estudos e diagnósticos, o que, hoje, segundo o mesmo, as prefeituras não
conseguem obter diretamente do sistema. Por outro lado, como política de gestão
da informação, o MDS disponibiliza uma diversidade de dados e informações em
seu portal, por meio da Matriz de Informações Sociais (MI Social), importante fer-
ramenta que poderia ser objeto de consulta recorrente dos profissionais. De forma
geral, fica demonstrada a relevância de se aprofundar esta função diagnóstica do
Cadastro Único, e o exercício desta função demanda uma série de condições que
permitam o aproveitamento da rica fonte de informações disponibilizadas pelo
sistema. Neste sentido, a capacitação ocupa lugar de destaque, devendo, justa-
mente por isso, ser cada vez mais aprimorada.

Ressalta-se, também, a importância de intensificar ou, ainda, estimular a produção


e disseminação de boletins e informativos que socializem amplamente as infor-
mações e dados básicos do CadÚnico entre os profissionais integrantes tanto da
gestão quanto da equipe técnica. Além disso, o aprimoramento dos canais de co-
municação entre MDS, Caixa Economia Federal e municípios também aparecem
como uma importante estratégia para o aprofundamento na produção e acesso às
informações do Cadastro Único pelos profissionais que lidam com ele cotidiana-
mente.

Processos de capacitação
A crescente incorporação das tecnologias da informação e comunicação às polí-
ticas sociais decorre da transferência de diversas atividades e tarefas para o am-
biente tecnológico. Este processo tem sido acompanhado por processos de capa-
citação e qualificação diversificados, que visam estimular e mediar a apropriação
destes novos recursos. Por conta da experiência piloto de implantação da versão 95
7 do Cadastro Único, o MDS realizou recentemente um maciço processo de capa-
A CENTRALIDADE
citação dos seus operadores, tanto no que se refere ao uso dos novos formulários,
DO CADASTRO
quanto em relação à adequação ao novo sistema de cadastramento on line. Tais ÚNICO NA
capacitações têm provocado expressivos impactos na gestão do Cadastro Único e PROTEÇÃO
na promoção do seu uso no território do município do Rio de Janeiro. SOCIAL
BRASILEIRA
Os profissionais entrevistados ressaltam o valor das capacitações, reafirmando a ri-
queza e a relevância destes momentos de reflexão e treinamento. Apontam, ainda,
a necessidade de intensificar estes momentos, sugerindo o seu aprofundamento
e reconhecendo a importância de um preparo consistente para operar e aprovei-
tar o potencial do Cadastro Único. Sinalizam que as capacitações realizadas até o
momento têm se constituído mais como um ponto de partida, uma orientação ou,
ainda, uma apresentação mais geral e abrangente do Cadastro, sendo necessários
outros momentos para ampliar os temas e questões levantados. Os profissionais
destacam que as principais dúvidas e problemas aparecem e são equacionados
durante o uso cotidiano do Cadastro, ao longo do processo de atendimento, no
dia-a-dia, sempre contando com a colaboração e contribuição dos colegas que já
detêm um maior domínio operacional deste sistema.

“Quando entra uma versão nova eles realmente fazem a


capacitação, mas eu nem posso dizer se a capacitação em si
ajuda, porque eu acho que tudo é novo, é no dia-a-dia, então
muitas vezes a gente tem dúvidas e não tem quem tire essas
dúvidas. Na capacitação é dado um ‘a, e, i, o, u’, digamos assim.
No dia-a-dia que a gente vai tendo e vendo as dificuldades.
Mas, é importante essa capacitação para que a gente saiba
pelo menos como operar no início do sistema, depois a coisa
vai mudando a cada dia”. (42 anos, formado em 1998).
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
“Não é capacitação, eu não chamaria de capacitação, é uma
orientação sobre o Cadastro Único. Você começa a utilizar, vai
acertando, vai errando, mas é tudo muito dinâmico. Eu vejo
mais como um momento de informações”. (37 anos, formada
em 2005).

“Na verdade, as capacitações são importantes porque você


visualiza a coisa ali aquele momento, mas no dia-a-dia é
a prática, não deixa de ser porque os erros acontecem, as
irregularidades vão aparecendo, a gente vai corrigindo no dia-
a-dia, o que na capacitação não acontece”. (54 anos, formada
em 1982).

“O Cadastro em si ele não é difícil, ele é autoexplicativo, ele


pergunta você diz sim, não, e tal. O único problema é que
tem algumas situações que a gente tem e só aprendeu na
prática: ‘Ah, salva por página’, depois você vê que não tem
que salvar por página, só tem que salvar no final, senão ele
dá alguns problemas. Tem algumas coisas que só na prática...
na capacitação não, eu acho que ele era tão novo que os
problemas vieram com a prática”. (45 anos, formada em 1988).

Os entrevistados apontam alguns limites identificados em suas experiências de


capacitação, tais como, por exemplo, a baixa disponibilidade de computadores
para a realização de treinamentos, os quais, além de atrair a atenção dos profissio-
nais e tornar o aprendizado mais interessante, poderiam propiciar o detalhamento
de problemas e dificuldades operacionais. Os profissionais sugerem uma atenção
maior para a qualidade das apresentações, para a metodologia empregada, e um
uso mais consistente dos manuais de treinamento, com acompanhamento mais
direto de supervisores e/ou instrutores.
Transferência de Renda

“Toda a capacitação é sempre bem-vinda, mas eu penso que


ela precisa ter um pouco mais de qualidade. Como eu falei
pra você, é um projeto piloto, a gente não consegue, como
eu vou dizer pra você, a gente não consegue esmiuçar todas
as possibilidades que o sistema tem. Tem uma cartilha lá e as
pessoas acabam reproduzindo o que tem na cartilha, só que o
trabalho com gente é muito mais dinâmico que uma cartilha”.
(47 anos, formada em 1991).

“Eu só participei de uma capacitação e nessa capacitação


você não tinha um computador disponível para você; era um
computador com uma pessoa na frente que explicava para um
público de vinte, mais ou menos, assistentes sociais. Eu achei
que essa metodologia, sem você ter acesso ao computador,
ela é menos interessante do que se você tivesse acesso
direto”. (45 anos, formada em 1988).

O reconhecimento da importância das capacitações é tão significativo que os


profissionais sugerem o aumento da sua quantidade. Destacam a insuficiência da
carga horária utilizada, e também, a pertinência de um processo de capacitação
continuada, com certa periodicidade, que possibilite um acompanhamento siste-
mático de situações complexas, dúvidas, questões, troca de informações, debates,
enfim, um espaço presencial que possibilite o aprofundamento e a qualificação do
uso do Cadastro.

“É muito importante, só que eu acho que a gente deveria ter


mais, deveria ser uma capacitação continuada, em relação a
dúvidas também que nós temos”.(58 anos, formada em 1977).

“A capacitação, eu participei, gostei, foi bem dinâmica. Eu


consegui tirar muitas dúvidas, acho que foi extremamente
importante. Mas acho que tem que ter, mesmo que seja
bimestralmente, não sei se seria capacitação, mas, por exemplo,
uma renovação, um debate, para ir aperfeiçoando o trabalho,
talvez, assim eu acho que seria enriquecedor para quem
realmente mexe com o cadastro”. (31 anos, formada em 2001).
97
“Eu fiz, a minha capacitação na versão 7, durou uma semana,
mas não foi suficiente, o conteúdo todo da capacitação não foi A CENTRALIDADE
dado. Eu acho assim, não foi uma capacitação negativa, mas DO CADASTRO
ÚNICO NA
tinha que ter mais capacitações, não é que o conteúdo não
PROTEÇÃO
foi dado, mas assim, foi passado muito corrido, a capacitação SOCIAL
até que foi positiva, mas havia a necessidade de uma BRASILEIRA
continuidade dessa capacitação”. (32 anos, formada em 2002).

A demanda por momentos de capacitação continuada e qualificação é recorrente


entre os assistentes sociais. As alternativas para promoção de espaços de discus-
são não precisam ser reduzidas aos espaços presenciais, podendo também ser fo-
mentadas no chamado ciberespaço. Para ilustrar essa possibilidade, em consulta à
Internet foram identificadas algumas iniciativas virtuais de troca de informações e
experiências sobre o Cadastro Único, tais como blogs e fóruns de discussão7. Além
disso, é válido considerar iniciativas como convênios e parcerias com universidades
e centros de estudo e pesquisa que podem somar esforços no sentido de subsidiar
e aprimorar as capacitações para o processo de cadastramento, tanto na inclusão e
manutenção dos dados, quanto na sua análise e avaliação. Desta forma, é marcante
a importância de continuar e, na medida do possível, ampliar o investimento que
tem sido feito nos processos de capacitação e qualificação em relação ao Cadastro.

Os entrevistados ainda sugerem uma ampliação do elenco de temáticas tratadas


nas capacitações, abordando assuntos que extrapolem o uso do Cadastro, em si, e

7 Um ilustrativo exemplo pode ser acessado em http://www.forumcadunico.com.


contemplem questões técnicas mais complexas que permeiam o cadastramento.
Consideram que as capacitações não deveriam ser apenas no uso do sistema, mas
também incorporar conteúdos transversais e necessários à realização das entre-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome vistas, ultrapassando a dimensão operacional e interagindo com temas fundamen-
tais ao trabalho e à coleta consistente de dados.

“Eu até participei da capacitação, até que é boa, mas só no


dia-a-dia para você pegar as manhas do sistema. [O que
você achou dessa capacitação?] Eu gostei ela explica tudo
direitinho, mas tem situações que fogem da capacitação.
[Como por exemplo?] Vamos dizer... tem cadastros que é
avaliação técnica. Hoje em dia tem famílias que são duas
vivendo no mesmo domicílio, vamos supor, tem pai, mãe e
filho, e tem outro filho que tem uma família vivendo naquele
domicílio, mas a lógica do sistema é que você cadastre
todos que morem naquela residência. Mas aquelas famílias,
uma tem a renda x e a outra renda y, entendeu? Se você
contemplar aquelas famílias como se fossem uma só, aquela
que não tem renda seria prejudicada, então você vai ter uma
avaliação técnica, então você vai desmembrar essa família.
A gente, enquanto técnica, a gente pode fazer isso, a gente
tem essa brecha. [No treinamento explicou isso?] Não, disse
para a gente incluir toda família, mas entre a gente, tem esse
consenso, enquanto Assistente Social”. (35 anos, formada em
2002).

À medida que a operação do Cadastro vai se intensificando, novas demandas vão


aparecendo, e seu atendimento permite que o processo de cadastramento seja cada
vez mais aprimorado, podendo gerar, inclusive, impactos para a redução dos erros
de focalização. Como observaram Barros et a. (2009), “a qualidade de um cadastro
está diretamente ligada ao seu uso” (p.11), e neste sentido, o aprofundamento dos
processos de capacitação e qualificação relativos ao Cadastro Único consiste numa
demanda legítima que expressa melhorias não apenas na inclusão e manutenção
dos dados, mas também na produção de análises, perfis e indicadores.
Transferência de Renda

As capacitações sobre o CadÚnico precisam avançar, ampliar o seu alcance, absor-


ver novos temas e conteúdos, atingindo e atraindo o interesse e o reconhecimento
de cada vez mais operadores do Cadastro. Assim, algumas sugestões interessantes
merecem ser apreciadas: 1) criar espaços de acompanhamento contínuo e siste-
mático; 2) envolver atores e parceiros que possam contribuir para o aprimoramen-
to do processo de cadastramento, como universidades, centros de pesquisa e or-
ganizações sociais; 3) ampliar os temas e conteúdos abordados.

Segundo os relatos dos profissionais, a condução dos atendimentos demanda uma


série de conteúdos, capacidades e competências, e a qualidade da informação
produzida encontra-se relacionada à qualidade da formação detida pelo profis-
sional, que o qualificará para outras dimensões, além da operativa. Desta forma,
novas estratégias de ampliação da qualificação do uso do Cadastro podem ser es-
timuladas tanto pelo MDS quanto pelos sujeitos direta ou indiretamente envolvi-
dos com o seu uso e aproveitamento. A percepção de informações inconsistentes
e a sua verificação é fundamental para que o mecanismo da focalização funcione e
aqueles que são efetivamente elegíveis tenham acesso ao programa. Capacitações
“ampliadas” podem contribuir significativamente para imprimir mais qualidade e
consistência aos dados inseridos no Cadastro. Como sugeriram Lindert et al. (2007,
p.50), é preciso ampliar o treinamento no uso do CadÚnico, aperfeiçoando os pro-
cessos de inserção e manutenção dos dados e informações e proporcionando um
aprimoramento contínuo da sua qualidade. Ações de validação como cruzamentos
e comparações, voltadas à “higienização de sua base de dados” (ASSIS e FERREIRA,
2010, p.231) são fundamentais, mas não esgotam as possibilidades. É necessário
investir em formas cada vez mais consistentes de capacitação e qualificação para
uso do Cadastro, tanto no nível da inclusão de dados quanto no da produção e
disseminação de informações. Numa perspectiva mais ampliada, as capacitações
precisam prover os profissionais de uma competência teórica fundamental à apro-
priação das informações e do conhecimento gerados pelos aportes tecnológicos.
Como lembra Tapajós (2006, p. 183):

“A geração de fontes automatizadas de dados, e a sua


consequente transformação em informação qualificada,
pleiteiam, ainda mais, a convivência com um aporte teórico
expressivo, servindo de escudo contra as práticas reiterativas
do mero cumprimento de rotinas e procedimentos sem a
devida qualificação profissional”. (TAPAJÓS, 2006, p. 183).
99
As capacitações ocupam posição central no aprimoramento e aperfeiçoamento
A CENTRALIDADE
não só dos processos de inclusão e manutenção de dados, mas também na identi-
DO CADASTRO
ficação de possibilidades criativas e inovadoras de aproveitamento da riqueza que ÚNICO NA
estas informações proporcionam. Trata-se, portanto, de uma condição essencial PROTEÇÃO
para a promoção de um uso cada vez mais intensivo, não só no município do Rio SOCIAL
de Janeiro, como em todo o território nacional. BRASILEIRA

Focalização e renda autodeclarada


Alguns depoimentos dos profissionais entrevistados problematizaram a prima-
zia da renda como critério exclusivo de seleção para inclusão no Programa Bolsa
Família, embora não tenham conseguido formular propostas alternativas a este
quadro. Relatam que, na realização cotidiana do cadastramento, deparam-se com
enormes dificuldades para incluir os usuários extremamente pobres. Ressaltam,
também, a existência de uma grande volatilidade da renda, que, muitas vezes, se-
gundo Barros et al. (2010, p. 122), não é acompanhada pelo cadastramento ou não
é detectada pelos critérios de seleção do Programa Bolsa Família.

“Eu acho que essa questão da renda é muito complicada,


pessoas que realmente precisam do Bolsa Família, muitas
vezes não conseguem, por causa da renda per capita que eles
colocam, da forma que a gente tem que obedecer o programa,
então tem pontos negativos e positivos, e um ponto negativo
é a questão da relação da renda”. (35 anos, formada em 2002).
“Por exemplo, dona Maria recebe uma doação de R$200,00
para pagar o aluguel dela, aí tem um quadrinho lá na renda
familiar chamado doação. Doação virou renda agora? E se
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
no mês que vem dona Maria não receber esses R$200,00,
entendeu? Por exemplo, eu atendi uma família, a senhora
trabalhou seis meses durante o ano, ficou desempregada, o
marido ficou desempregado, quatro filhos. Se registrar esses
dados no Cadúnico, pura e simplesmente, ela não tem direito
ao Bolsa Família, porque a renda dela supera. Mas espera aí!
Ela está desempregada, o marido está desempregado, quatro
filhos, a casa dela está caindo, tiveram as chuvas... Poxa, ela
está há um ano desse jeito, se eu registrar esses dados, fazem
uma conta mirabolante e ela não recebe o Bolsa Família”. (35
anos, formada em 2000).

Uma sugestão interessante detectada nos depoimentos consiste na criação, no


Cadastro, de um espaço para registro das observações e considerações dos profis-
sionais a respeito da condição social da família. Sugerem também que este relato,
poderia ser um Parecer Social, tenha algum tipo de interferência no processo de
seleção dos beneficiários.

“Bom, eu acho que um ponto negativo, que eu sinto falta, é a


gente ter alguns espaços onde a gente possa relatar com as
nossas palavras algumas coisas que o Cadastro não tem, porque
o cadastro é muito fechado, é um cadastro de opções, uma coisa
ou outra você escreve. Ele não tem um espaço onde a assistente
social possa relatar algo que você viu durante a entrevista e que
você gostaria de deixar ali escrito”. (31 anos, formada em 2001).

Soares et al. (2009, p.18) chama a atenção para o impacto de eventuais erros no
levantamento de informações, sugerindo que as famílias que potencialmente
seriam beneficiadas pelo PBF têm nítidos estímulos para subdeclarar sua ren-
da. Os autores observam que alguns assistentes sociais, ao identificarem as fa-
mílias pobres, mesmo não satisfazendo formalmente critérios para ingresso no
Transferência de Renda

Programa, podem decidir fazer uma estimativa para baixo da renda familiar, tor-
nando-a elegível. Situações como essas são citadas pelos entrevistados, como a
que se apresenta a seguir:

“Eu não tenho como interferir nisso eu não tenho como dizer
‘Olha, essa família é mais prioritária do que essa’. Eu não
posso falar assim: ‘O meu parecer social é esse. Continua
pagando porque eu, como técnica do Serviço Social, estou
acompanhando ele, então vou fazer com que ele venha, vou
colocar ele no projeto assim assado, dá três meses, quatro
meses, não cancela o benefício’. Então as pessoas começam
a fazer manipulação errada, porque você começa a forjar
os dados. Então tira o menino que está dando problema
no Cadastro Único para que aquela família, que precisa,
possa receber o benefício do Bolsa Família. Vai diminuir um
pouquinho, mas não vai ficar sem nada. Então, eu crio, dentro
do sistema, uma forma de manter aquele menino dentro do
Programa, e vou monitorando lá o sistema pra interferir. Então
assim, aquele menino que tem problemas, que não vai à escola,
ele não está indo à escola agora, mas está num tratamento
de saúde. Faz diferença, é isso que as pessoas não querem
ouvir. (...) O acompanhamento social não está interferindo
nesse programa, o programa é que está interferindo no meu
acompanhamento social, e aí para que as pessoas não saiam
prejudicadas, eu tenho que manipular a informação. Eu vi
muitas assistentes sociais fazendo isso, tirando o menino,
continuando a acompanhar ele, mas tirando o menino para que
continue o benefício”. (32 anos, formada em 1999).

De acordo com este depoimento, práticas de “adequação” de dados, forjadas para


“forçar” a seleção de determinadas famílias, embora não generalizadas, existem,
e precisam ser combatidas. Ainda que o profissional tenha uma avaliação social,
crítica, que sinalize a importância da inserção desta família no Programa, a solução
relatada não é a adequada. A questão que se coloca, portanto, é definir a alter-
nativa que poderia ser adotada para dirimir tais práticas, e, consequentemente,
reduzir os erros de focalização. Barros et al. (2009) aponta que o objetivo central 101
do CadÚnico, desde a sua criação, foi a seleção das famílias a serem beneficiadas
pelos programas de transferência de renda condicionada, com a preocupação de A CENTRALIDADE
garantir um elevado grau de focalização para tais programas. Como esta seleção DO CADASTRO
ÚNICO NA
tem sido feita apenas com base na renda autorreportada, nem sempre as informa-
PROTEÇÃO
ções relatadas pelas famílias correspondem à realidade. Esta situação pode gerar SOCIAL
distorções, como demonstram os depoimentos a seguir: BRASILEIRA

“Existe uma questão da divulgação das informações dos


usuários que é declaratório e isso muitas vezes gera uma
discrepância, pessoas que muitas vezes têm maiores
necessidades, maiores vulnerabilidades, não conseguem
acesso a determinados programas, e outras que omitem
algumas informações às vezes conseguem. É uma coisa que a
gente não consegue resolver. A questão declaratória ela deixa
muito aberta, as pessoas declaram o que quiserem e hoje, na
sociedade em que o trabalho, na grande maioria para pessoa
de baixa renda, é informal, ela pode declarar o que quiser. Já
uma família que tem uma carteira assinada, mas ganha apenas
um salário mínimo e que está numa situação muito precária,
às vezes fica de fora porque está registrado, e aquele que é
informal muitas vezes ganha mais e diz que ganha menos e
está no programa, então muitas vezes gera desigualdade aí”.
(30 anos, formada em 2002).
“Tem muitos usuários que não precisariam receber esse
benefício. Tem pessoas que têm Bolsa Família e têm uma
renda de dois mil reais... o Sistema não consegue cruzar
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
os dados que a gente alimenta e as pessoas continuam
recebendo. (...) Tem rendas declaradas e não declaradas, tem
pessoas que recebem com carteira assinada; eles deveriam
ter um sistema de ponta que pudesse cruzar os dados. Tem
pessoas que não conseguem receber porque não têm o
perfil. Como uma vez, uma pessoa que tem casa, que tem
carro e continua recebendo, e a outra que não tem nada, não
recebendo”. (32 anos, formada em 2005).

Mostra-se relevante a reflexão sobre as possibilidades de se considerar o uso de ou-


tras informações, além da renda, presentes no Cadastro, ampliando o rol de fatores
que permitem predizer a renda familiar e, com isso, melhorar o grau de focalização
do Programa Bolsa Família (BARROS et al., 2009, p.9). Para além dos cruzamentos,
verificações e comparações, os assistentes sociais parecem demandar o reconhe-
cimento da relevância do seu Parecer Social, o qual, segundo sua visão, poderia ter
algum tipo de interferência ou impacto no processo de seleção dos beneficiários.
Trata-se de uma questão polêmica, mas que poderia trazer grandes avanços para
o Programa, seja no âmbito da melhoria da focalização, seja no âmbito da própria
capacitação, já que o aumento das responsabilidades deste profissional aumentaria,
consequentemente, os níveis de qualificação e competência exigidos.

Como salienta Vieira (2009), os erros de inclusão no Cadastro ocorrem quando uma
família fora do perfil é cadastrada com renda subdeclarada e é beneficiada. Uma famí-
lia incluída por erro pode ocupar a vaga de uma família com perfil pobre que não está
cadastrada, gerando os erros de focalização do Programa. Os depoimentos dos assis-
tentes sociais demonstram que muitas famílias se encontram em situação de pobreza
extrema, precisam receber o benefício, mas, por uma série de fatores não previstos,
não se enquadram nos critérios definidos no Programa. Elas não estão fora da condi-
ção de pobreza; o perfil estabelecido é que não consegue absorver estas famílias. De
certa forma, a adoção de um Parecer Social, e a interferência deste Parecer na seleção
dos beneficiários, poderia reduzir, ou corrigir, algumas distorções. Fica explícito nos
Transferência de Renda

depoimentos dos profissionais que essa redução de erros de focalização também é


buscada por eles, só que, muitas vezes, com a utilização de meios incorretos. Estes
profissionais conhecem, de forma detalhada, pelo cotidiano do trabalho profissional,
as famílias, suas necessidades, suas características. Pleitear uma maior interferência
técnica no processo de seleção dos beneficiários é uma demanda legítima destes pro-
fissionais, já que são eles que identificam e convivem diariamente, com as consequ-
ências destas distorções. Além disso, outras ações que permitem a redução de erros
de focalização são apontadas pelos profissionais entrevistados, como, por exemplo,
a verificação da veracidade dos dados e informações reportadas por meio de visitas
domiciliares e a adoção de um processo contínuo de entrevistas aos beneficiários,
visando atualizar sistematicamente o Cadastro, identificar lacunas e inconsistências,
e construir novos indicadores de monitoramento, acompanhamento e avaliação do
Programa e de seus impactos sobre as condições de vida desta população.
“Agora, a gente precisa estar validando esses dados através
de visitas domiciliares, de grupos de convivência, porque
as pessoas vêm aqui querendo um benefício imediato. A
gente precisa estar monitorando essas famílias e atualizando.
Eu acho que essa atualização tem que ser uma atualização
contínua, de seis em seis meses, de quatro em quatro meses,
eu não sei que dinâmica a gente vai ter que ter, mas, assim... O
primeiro contato ou o segundo contato é o Cadastro, a pessoa
vai lá e coloca o que ela quer: o benefício; ela vem aqui atrás
do benefício. É através do acompanhamento que a gente vai
vendo as nuances e as possibilidades dessas famílias. E aí a
gente vai ver, ela está falando isso aqui, mas não é bem isso.
Assim, as visitas domiciliares, o acompanhamento das famílias
é fundamental para validação desse Cadastro, a atualização é
muito importante, atualização não só da escola que mudou ou
o domicilio que mudou. Um indicador que a gente percebeu,
a criança que tem condicionalidade na educação, a mãe
vem aqui pra tirar do Cadastro, não vamos tirar do Cadastro
enquanto não fizer uma visita domiciliar e um contato com a
escola. Porque, para ela não ter o beneficio bloqueado, porque
o filho é faltoso ou infrequente na escola, ela acaba excluindo.
Por que isso? Isso é um indicador para desenvolver política,
então tem que se pensar em desenvolver algum tipo de ação 103
naquele território ou naquela determinada escola ou naquele
A CENTRALIDADE
determinado bairro, por conta da infrequência de adolescente
DO CADASTRO
na escola. Tem que se pensar ou um programa ou uma ação
ÚNICO NA
dentro de algum programa que já existe para aquelas crianças PROTEÇÃO
ou adolescentes de um determinado território. Nem é o SOCIAL
sistema que está me dando isso, a própria escuta, a própria BRASILEIRA
chegada. ‘Eu vim aqui atualizar’, ‘O que a senhora veio
atualizar?’, ‘Eu vim tirar meu filho do Bolsa Família’, ‘Por quê?’,
‘Ele foi morar com a avó’, ‘Foi morar com a avó por quê? Está
morando onde? Qual a escola? Não sabe?’. Espera aí, como é
isso? É esse instrumento, é essa entrevista, é esse Cadastro
que a gente usa que vai estar ali no cotidiano do CRAS
alinhando”. (47 anos, formada em 1991).

As sugestões apresentadas pelos profissionais colocam uma série de questões e


desafios que poderiam ser abordados ao longo de processos de capacitação contí-
nua, em que tais questões pudessem ser discutidas do ponto de vista, técnico, ético
e institucional. É nesta perspectiva que se concorda com Barros et al. (2010, p.121),
que observam a relevância de um treinamento mais qualificado da equipe de ca-
dastramento. Treinar e qualificar de forma cada vez mais consistente os profissionais
pode levar à melhoria do processo de coleta dos dados e, consequentemente, au-
mentar os níveis de validação do Cadastro. Se, como sugeriram Lindert et al. (2007,
p.50), é importante reduzir as irregularidades por meio de verificações automáticas
baseadas em cruzamentos externos e internos, também é válido considerar a pro-
posta de uma ampliação qualitativa das informações constantes do Cadastro, in-
corporando cada vez mais a contribuição técnica dos assistentes sociais, que, como
visto, têm muito a oferecer na adequação do Sistema à realidade das condições de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome vida das famílias. Assim, ao mesmo tempo em que a competência do profissional, de
avaliar as condições de vida das famílias é valorizada e absorvida, pode-se diminuir
a probabilidade de informação falsa, manipulada e inconsistente.

Infraestrutura
A conjugação entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comuni-
cação tem acarretado uma série de impactos para gestão das políticas públicas.
Do ponto de vista da infraestrutura, verifica-se que as políticas sociais têm estado
cada vez mais permeáveis às novas tecnologias. Como mostra o Perfil dos Municí-
pios brasileiros elaborado pelo IBGE (IBGE, 2010), para a área da Assistência Social,
em 2009 somente 39 municípios brasileiros não possuíam qualquer computador
em funcionamento nos órgãos gestores desta política. Em 2005, esse número era
de 184 municípios. Observa-se, no período 2005/2009, um aumento na propor-
ção de municípios com computadores em funcionamento em órgãos gestores da
assistência social: 97,1% dos municípios declararam ter o equipamento em 2005,
enquanto em 2009 essa proporção representou 99,3% do total de municípios do
País. Em relação à Internet, em 2005, 88,9% dos municípios brasileiros contavam
com acesso a Internet no órgão responsável pela política de assistência social,
dentre os quais 79,7% tinham acesso por banda larga, enquanto para 20,3% o
acesso era discado. Em 2009, 98% dos municípios contavam com acesso à Inter-
net, sendo 93,4% com conexão por banda larga e 4,7% por acesso discado.

Esta incorporação das novas tecnologias à política de assistência social tem sido
verificada no município do Rio de Janeiro, e o uso do Cadastro Único nos equipa-
mentos da SMAS é apontado pelos profissionais como um gerador de mudanças sig-
nificativas na infraestrutura do município, as quais contribuem para a melhoria não
só do cadastramento, mas também do conjunto dos programas e ações realizados.

“Antigamente a gente tinha menos computadores, e na versão


6, até junho do ano passado, o cadastro era off-line, ou seja,
ele trabalhava sem internet. Essa nova versão do cadastro, que
Transferência de Renda

é a 7, ela é online, não trabalha sem ter a internet e isso meio


que obrigou, forçou a Prefeitura do Rio a instalar internet nos
Centros de Referência para que o cadastro pudesse funcionar,
então, essa obrigação foi uma coisa positiva” (39 anos,
formada em 1998).

“As condições melhoraram muito, porque antes era muito mais


precarizado, tivemos obras aqui, colocaram computadores
novos, cadeiras, mesa, então hoje a gente está até em um
nível bom de trabalho. As facilidades, a gente já está no
computador, tem acesso rápido”. (39 anos, formada em 1998).
Apesar destes avanços, as dificuldades e desafios ainda são muitos, como apontam
os profissionais, e a principal delas corresponde à ainda insuficiente infraestrutura
disponível, expressa pela pouca disponibilidade de computadores e pela baixa ve-
locidade da internet, fundamental para a utilização desta nova versão do Cadastro
Único. De acordo com os entrevistados, a infraestrutura disponível ocasiona uma
série de dificuldades na operação do Cadastro Único, com destaque para a baixa
qualidade da conexão com a Internet e a precária manutenção dos computadores.
O Manual Operacional do Cadastro Único8 recomenda uma conexão mínima de
banda larga de, pelo menos, 1 Mbps, e memória RAM de 2GB. Segundo os entre-
vistados, os equipamentos usados no cadastramento parecem não atender a esta
configuração mínima, como sugerem os depoimentos a seguir:

“A maior dificuldade é isso, não termos uma banda larga para


segurar isso. Porque é uma coisa boa online, porque eu vejo
isso na minha casa, quando eu faço, é muito rápido. Quando
eu levo trabalho para casa é muito rápido, não é essa lentidão
que é aqui; porque eu tenho banda larga, não é do CadÚnico,
não é do programa, é da conexão. Então esse é o grande
entrave no nosso atendimento, porque você às vezes fica uma
hora, uma hora e meia com uma pessoa para você atualizar um
cadastro”. (56 anos, formada em 2001).

“O ideal é que todos os computadores tivessem uma


manutenção contínua e que se tivesse computadores mais 105
novos para que suportem melhor o acesso à internet, e que a
A CENTRALIDADE
rede mesmo seja uma rede de banda larga”. (32 anos, formada
DO CADASTRO
em 2002). ÚNICO NA
PROTEÇÃO
“A questão do Cadastro Único, o problema é a Internet, a SOCIAL
Internet é um problema sério porque é lenta e, fora o sistema, BRASILEIRA
(...) que também dá umas coisas que a gente está aprendendo,
usando ele há pouco tempo, a gente fica sem saber, ele pára,
tem hora que some, fica dando erro de TI, fica acontecendo
isso sempre. É uma dificuldade a questão do uso, não só
devido à Internet, mas por conta de problemas do próprio
Cadastro Único. Eu sei, a nossa coordenação nos fala que está
num processo de adaptação, então todo problema a gente
relata, eles passam para a Caixa e MDS, mas só que alguns
foram resolvidos outros continuam acontecendo, aí tem
algumas estratégias para você superar esses problemas que
continuam acontecendo”. (30 anos, formada em 2005).

Algumas estratégias foram criadas para tentar contornar os problemas referentes


à infraestrutura. Alguns entrevistados relataram, por exemplo, a utilização de labo-
ratórios de informática da Secretaria Municipal de Educação, e, ainda, o estabele-
cimento de parcerias com escolas para usar a sua infraestrutura:

8 Disponível em http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/distribuicao_servicos_
cidadao/ cadastramento_unico/documentos_download.asp
“Os CRAS não tinham acesso a Internet, a gente conseguia entrar no
sistema online nas escolas utilizando sempre as salas de informática
das escolas”. (37 anos, formada em 2005).
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Porém, na grande maioria dos depoimentos, a alternativa apontada foi mesmo o
registro no formulário impresso para depois digitar os dados no Sistema, o que
acabava gerando desperdício de tempo, de recursos e trabalho em dobro.

“Quando a internet não funciona a gente escreve no caderno,


que depois tem que ser digitalizado... se o benefício do
usuário está bloqueado, para ser cancelado, demora muito
mais tempo para reverter esse processo. Então, isso tudo
dificulta e o beneficiário, o usuário sai prejudicado e muito
nesse processo”. (58 anos, formada em 1977).

“... a nossa internet é 3G, uma conexão falha, tem dias que
funciona bem e tem dias que não funciona, se passa uma
nuvenzinha a conexão já fica ruim, aí a conexão não funciona
e a gente tem que fazer no manual, são dois trabalhos, você
vai escrever para depois passar para o computador”. (32 anos,
formada em 2002).

Apesar das dificuldades relatadas pelos profissionais, isso não tem impedido o
processo de cadastramento no município do Rio de Janeiro. Tais dificuldades
apenas demonstram parte dos enormes desafios com os quais os profissionais se
defrontam diariamente no esforço de tornar o Cadastro Único uma realidade. O
número de famílias cadastradas cresce a cada ano9, e demonstra que o Cadastro
Único tem se firmado como um importante instrumento de suporte às políticas
de proteção social. A superação dos desafios tende a se fortalecer à medida em
que novos investimentos forem feitos com as melhorias de infraestrutura, mas o
fundamental é o compromisso que os profissionais têm demonstrado de tornar vi-
ável o acesso das famílias atendidas a condições de vida mais dignas. Mais do que
investir em equipamentos, é fundamental investir nos profissionais: qualificá-los,
ouvi-los, criar espaços de reflexão e discussão participativos, implementar proces-
sos de avaliação e monitoramento nos quais eles possam contribuir ativamente.
Transferência de Renda

Certamente este não é o único, mas pode ser um dos mais promissores caminhos
para a consolidação e ampliação do Cadastro Único.

CONCLUSÃO
Os desafios que se apresentam à consolidação do Cadastro Único são muitos, e
dentre eles encontra-se o esforço de transformá-lo em um efetivo instrumento
de auxílio aos processos de gestão, ampliando sua condição de ferramenta para o
cadastramento e seleção de beneficiários dos programas sociais, e aproveitando o
seu potencial para funções de diagnóstico, planejamento e avaliação, por meio da

9 De acordo com dados da SAGI/MDS, havia no município do Rio de Janeiro, em 2006, 116.961
famílias cadastradas. Em 2011, o número saltou para mais de 315 mil famílias.
produção e disseminação de informações estratégicas para as políticas e ações de
proteção social. Sua atualização constante e a melhoria da qualidade dos dados
coletados é tarefa complexa, e depende do envolvimento de diversos sujeitos,
implicando em grandes investimentos de ordem financeira e técnica, e deman-
dando a disponibilidade de infraestrutura adequada e capacitação dos recursos
humanos.

Os resultados preliminares apresentados neste artigo demonstram a centralidade


do Cadastro Único no cotidiano da política de assistência social no município do
Rio de Janeiro. As falas coletadas apontam o contundente reconhecimento do va-
lor do Cadastro e suas possibilidades para a melhoria dos processos de gestão dos
programas sociais, sobretudo no que se refere à produção e disseminação de in-
formação estratégica para monitoramento e avaliação das ações. Os profissionais
ressaltam a importância da qualidade do processo de coleta de dados durante os
atendimentos aos usuários, destacando como foram valiosas as experiências de
capacitação para operar a nova versão do Cadastro.

Apontam também a existência de uma série de desafios em relação não só ao ca-


dastramento como também ao processo de aproveitamento das informações e co-
nhecimentos gerados. Neste sentido, a consolidação do Cadastro Único é mediada
pela intensificação de capacitações periódicas e pela maior disponibilidade de
infraestrutura adequada, com destaque para a conexão com a Internet, essencial
para o uso da sua versão 7.

Uma das principais demandas apontadas pelos profissionais entrevistados consis- 107
te em tornar as informações possibilitadas pelo Cadastro acessíveis a todos os su-
A CENTRALIDADE
jeitos envolvidos com o seu uso, não só os gestores dos programas, mas também,
DO CADASTRO
os técnicos, que se encontram diretamente implicados na produção das informa- ÚNICO NA
ções, e os usuários da política, em tese os maiores interessados nas informações PROTEÇÃO
sobre suas condições de vida. SOCIAL
BRASILEIRA
Apesar dos desafios apontados, o uso do Cadastro Único tem se mostrado promis-
sor. Sua operação cada vez mais qualificada pode possibilitar mudanças qualitati-
vas nos processos de gestão dos programas, o que passaria a exigir dos profissio-
nais habilidades e competências cada vez mais sofisticadas. Tais capacidades não
são inauguradas pelo Cadastro, mas seu uso competente e qualificado pode criar
condições para que elas sejam mais bem desempenhadas e aplicadas.

O desenvolvimento do Cadastro Único precisa ser acompanhado do desenvol-


vimento das diversas competências necessárias ao seu uso, sejam elas teóricas,
técnicas, éticas ou políticas. O caminho para a melhoria do Cadastro passa pela
melhoria da infraestrutura, pela potencialização dos processos de apropriação
das informações, pelo redimensionamento da concepção de capacitação, e pelo
estímulo e valorização da participação dos profissionais diretamente envolvidos
com a sua operação. Trata-se de um conjunto de medidas que contribuem signi-
ficativamente para a consolidação de uma política de gestão da informação em
assistência social no município do Rio de Janeiro. E este não é um desafio apenas
do município e do MDS. Outros atores sociais, como universidades e centros de
pesquisa, por exemplo, precisam reconhecer a relevância deste tema e absorvê-lo
em seus processos de pesquisa, extensão, formação e qualificação profissionais.
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