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COM THAÍSE NARDIM

thaisenardim.com

Performances e lutar, se for o caso, para que não se


transformem no próximo senso comum.
e pedagogias, Mas vários desses zumbis ideológicos
também podem aparecer travestidos,
equilibrando disfarçados, coloridos com novos tons,
mascarados de “bom-mocismo” e
experiência e crítica. mimetizando a “mais-nova-novidade” da
estação. É então que nosso problema
assume proporções realmente grandes.

Considero que dentre os que pensam,


Acompanhar os debates que têm se praticam e/ou comentam as pedagogias
dado no campo cultural brasileiro nos das/pelas artes - artistas que se veem no
anos recentes pode ser uma tarefa com papel de ensinar e artistas-pedagogos
sabor arqueológico. Como resultado da por formação - está muito difundida uma
combinação de uma diversidade de forças dessas ideias com cheirinho de mofo
e movimentos que não cabe a este texto que mais bem se travestem com floreios
analisar, muitas ideias têm deixado o contemporâneos. Ela diz respeito não só
que nos pareciam suas cadeiras cativas às práticas pedagógicas, mas também,
no passado, para tomar assento nos e muito intimamente, aos fazeres do
camarotes da atualidade, instalando nas campo da arte da performance. Trata-se
redes sociais (virtuais ou não) verdadeiros da famosa “educação pela experiência”
museus de proposições que até a pouco que, especialmente após muita leitura
acreditávamos mortas. Pautas gélidas (e pouco estudo?) do interessante
como a ditadura militar, o aceite de um texto do pesquisador espanhol Jorge
racismo declarado e fundamentalismos Larossa Bondía, A experiência e o saber
de todas as espécies ressoam boca afora, da experiência (2002), disseminou-
teclas adentro, tomando o ideário público se entre nós como uma necessidade,
e acirrando debates. uma urgência, um salva-vidas que nós,
artistas, poderíamos mais que ninguém,
Muitas dessas ideias, como aquelas que pela especificidade de nosso fazer, lançar
acabo de citar, têm caráter conservador à educação brasileira - o que, por sua vez,
e/ou falacioso de fácil detecção. Por conduziria inevitavelmente ao fim a escola
identificá-los, podemos reagir a elas como está dada hoje.
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Segundo o pensamento que fundamenta quanto as experiências estéticas podem
essa proposta pedagógica, à pedagogia ser profundamente constitutivas para um
conviria pôr sua ênfase na experienciação sujeito (como o foram para nós). Como
de processos, em detrimento do trabalho assim, Thaise?
sobre informações. O foco estaria na
vivência de uma experiência como uma Você pode partir do princípio de que eu fiz
paixão, coisa que, segundo os defensores tudo errado. Estou arrependida.
de tais pensamentos, não se dá quando
a aula opera no registro da matéria, E/OU
do conteúdo (se é que convém seguir
adotando o termo “aula”). O professor Você pode partir do princípio de que eu
não ensina, porque ensinar é hierárquico sou uma artista-pedagoga, professora
e, nesse conjunto de ideias, tudo é pela “e” performadora, que mantenho dois
horizontalidade, apresentada como a campos de atuação distintos, embora em
marca do respeito à individualidade do constante e íntima intersecção amparada
outro. O professor, assim, assumiria um pela pesquisa intensiva.
papel de parceiro de viagem, responsável
especialmente por proporcionar a A resposta para sua estupefação com a
montagem de um ambiente adequado e minha prevenção com a “aprendizagem
um planejamento mínimo de uma atividade pela experiência” como a defendem
lúdica o suficiente para engajar o estudante
artistas-educadores contemporâneos está
de corpo e alma no procedimento, com os na boca da sabedoria popular. Está mais
materiais, com o tempo, com o espaço, próxima de nós do que sequer podemos
com os outros. Oras, parece mesmo supor. Entendo que, infelizmente, o
que estamos falando sobre o trabalho do discurso histórico de desqualificação
performer, não é? Professor-performador, da escola e da docência, levado a cabo
o novo item indispensável à renovação da com o intuito sub-reptício de segregação
educação do país! social e manutenção de poderes não nos
possibilita - a nós, artistas - enxergarmos
Mas, espere: talvez nesse momento o que, como disse alguém, “uma coisa é
leitor já esteja se questionando como uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Arte
é que eu, Thaise Nardim, posso estar é arte, escola é escola.
condenando uma coisa tão bacana. Se
esse leitor conhece o conjunto dos meus Eu estou dizendo que arte e escola são
trabalhos artísticos deve estar ainda imiscíveis, são distantes, são cada-um-
mais intrigado, pois pode ter notado que no-seu-quadrado-necessariamente?
muitas das palavras-chave apresentadas NÃO.
acima são também peças- chave na minha
criação. E, ora, é consensual entre nós, Eu estou dizendo que a escola está
performadores, o quanto aprendemos e o “superlegal” e “joinha” como está
quanto abrimos-a-aprender aos outros com hoje, sem precisar mudar nada? NÃO.
nossas práticas, não? Nós conhecemos a
potência educadora do que propomos e o
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Eu estou dizendo que nós, formação de artistas- pedagogos. Mas,
performadores, devemos parar observando as diferentes noções de
imediatamente de refletir sobre e práticas pedagógicas em seus contextos
acreditar no potencial educativo de históricos e compondo uma cronologia
nossas práticas? TAMBÉM NÃO. desses movimentos ao longo dos últimos
séculos, podemos facilmente observar
Estou apenas dizendo que os campos um movimento que parte do velho para
das artes e das pedagogias escolares são o novo - voltando ao velho reproposto
duas coisas diferentes, que merecem o como novo, que será suplantado por um
reconhecimento de suas especificidades. novo-velho e assim sucessivamente,
São duas ontologias, cada uma delas indefinidamente.
com funções sociais que podem, sim,
por vezes e muitas vezes, coincidir, mas No caso da nova-velha pedagogia da
jamais se confundir por completo. Com experiência, não precisamos ir longe
isso, estou dizendo também que nos cabe para localizar seus antepassados na
reconhecer o lugar de nossas práticas, proposição da Escola Nova americana
explorar seu caráter pedagógico e, se da década de 1930, chegando ao Brasil
for o caso, lutar pela garantia de espaço a partir dos anos 1940, instalando-se
das artes na educação e até mesmo efetivamente apenas na década de 1970,
batalhar pelo reconhecimento do caráter já transformada. Apesar de orientar-se
performático de toda atuação docente (é por princípios muito interessantes, em
isso que eu faço!), assim como nos cabe especial a ideia de liberdade da criança
parar de pressupor que entendemos mais - liberdade para seu desenvolvimento
de pedagogia que os próprios pedagogos, (supostamente) natural e para o exercício
respeitar o espaço dos estudiosos da de sua (suposta) originalidade -, a prática
educação e, em característica atitude mostrou com clareza seus limites, dentre
interdisciplinar, trabalhar COM eles pelas os quais destaco:
mudanças que nossa escola requer.
1) ao voltar-se com radicalidade às
Mas, e ainda com mais ênfase, estou liberdades individuais, essa proposta
buscando dizer que, por trás da nossa deixa de considerar que a criança se
crença no mergulho na experiência como instala num mundo já dado, que se
princípio pedagógico por excelência, impõe sobre ela e que, por isso, precisa
há uma longa história de projetos de ser interpretado e administrado.
escolas e de práticas pedagógicas que A criança precisa ser introduzida
em realidade são projetos de sociedade, criticamente ao mundo em que ela
nos quais a imagem dessa nossa crença aparece, ao custo de, se não iniciada,
aparece inteiramente refletida - refletindo manter-se como um eterno estrangeiro,
também, assim, o projeto social que ela à parte, incapaz de aderir ou opor-se às
visa implantar. Se o conhecimento das coisas do mundo fundamentada em
histórias das ideias pedagógicas tem um julgamento maduro.
sido negligenciado, inclusive na formação
de pedagogos strictu sensu, que dirá na
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2) ao propor a ênfase na aprendizagem função de promotora de ferramentas de
pela experiência e na ludicidade interpretação de mundo. Ela também
amparada por objetos lúdicos será extremamente limitada se não puder
específicos, espaços desenhados permitir ao estudante não-privilegiado
especialmente para esses processos, o acesso a instrumentos intelectuais de
mobiliário escolar adaptado ao projeto transformação de seu mundo. (Bem,
e outras necessidades materiais, a penso eu que a arte também não, mas vá
Escola Nova fez-se uma escola de alto lá - nesse campo permanecerei aberta a
custo. Evidentemente, uma escola outras proposições).
cara não será uma escola para todos,
de modo que manter-se-ão à margem No mais, é preciso dizer que quando nós,
aqueles que já são marginalizados. performadores, aderimos à ideia da arte da
performance como experienciação pura,
Supondo, porém, que algum passe nos aproximando dos entendimentos
mágico possibilitasse a todas as crianças pedagógicos sobre os quais acabamos
brasileiras igual acesso a uma pedagogia de refletir, também deixamos de lado
como a que propôs a Escola Nova, ainda o potencial crítico que é fundante da
assim não teríamos uma educação própria prática performática. Ainda que o
socialmente igualitária, dado que a envolvimento radical em uma experiência
instrumentalização crítica do sujeito - que tenha sido o disparador dos happenings e
em algum momento da vida irá fazer-se de uma ampla gama de performances que
necessária - ficaria a cargo não de seus os seguem, não podemos perder de vista
professores, mas daqueles com quem o contexto em que essas proposições
a criança convive nos espaços extra- surgiram - um contexto de repressão
escolares, como familiares, amigos, extrema do corpo e do exercício dos
vizinhos - o que conduz à continuidade prazeres, que fez dos mergulhos verticais
de um ciclo de distinção entre esferas no acontecimento, experiências de caráter
sociais. extremamente crítico e indubitavelmente
político.
Certo está que todos reconhecemos
o valor do engajamento integral do Mas, qual é a qualidade de experiência
estudante numa atividade que venha a de que necessitamos nós, hoje, aqui,
assumir caráter de vivência, ainda que agora? Qual é a qualidade de experiência
ela não pressuponha sua participação que nos é impedida pelo sistema em
motora, física (o próprio John Dewey, operação e que, segundo nossa óptica
filósofo mentor da Escola Nova, já indicava de artistas, parece-nos necessária a um
o caráter estético de uma experiência encaminhamento positivo da vida?
exclusivamente intelectual - apontamento
que seus seguidores costumam deixar Performadores, não sucumbam ao
de lado). A arte pode ser linda, alegre, discurso falacioso das pedagogias da
integral e necessária; a escola também experiência ao se envolverem com
esperamos que seja, mas não será nada práticas pedagógicas! Não permitam que
se não mantiver como fundamento sua discursos dissimulados apropriem-se da
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potência crítica e transformadora da sua
obra e que se utilizem de seu trabalho
para reproduzir uma escola acrítica e
mantenedora de situações de exclusão!

Antes de concluir, quero deixar um


“porém”: dada a amplitude da adesão
a esses princípios pedagógicos
supostamente revolucionários, é
impossível não nos questionarmos
sobre suas motivações. Quais causas
estariam levando artistas- educadores,
professores-artistas, performadores-
pedagogos a clamarem por pedagogias
mais - ou exclusivamente - experienciais?
O que isso diz sobre as histórias de nossa
performance e de nossa formação?

Questões para levarmos conosco e


respondermos, juntos, despertos e vivos
(ao contrário dos zumbis!) no caminho.

Thaíse Nardim é artista da performance


e gestora autônoma em arte da
performance, autodefinida como
Professora-Perfromer.

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