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CONCEITO JUS-ECONÕMICO
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1 Social, do Div.. p. 63.
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Mis stPZa cupavam-se com as relações entre Direito e Economia e se, na Carta de Viena
Q q dc 1912, lançavam em manifesto a necessidade de se identificar um “direito novo”.
58 ARoLno MOREIRA A PROPRIEDADE 506 DIFERENTEs CoNcEItos 59
É notório que o Direito de feição econômica nasceu do próprio ieitando-a ao seu poder, tem em devolução a fruto econômico às
solo, como fecunda emanação da vida. Muno antes das doutrinas, suas necessidades.” 10
muito antes de ter a mais tênue idéia de que pudesse existir um É necessária, portanto, tomar acessíveis aos homens todas as
coisas de que necessitam para levar uma vida verdadeiramente
conjunto de fenômenos ligados a certas atividades humanos a que
humana, como alimentos, vestuários, casa, direito ao trabalho e do
mais tarde se convencionou chamar “econômicas”, já a homem
agir sagundo as nonas da própria consciência. Estas prerroga
procurava os meios de subsistência, exercia a troca de obietos, reali tivas não podem de modo algum ser suprimidas, nem sequer empa
zando assim a Economia, sem disso se aperceber. ° O direito que nadas par outros direitas certos e pacíficos sobre bens materiais.
possuía todo homem de usar os bens materiais para a própria Sem dúvida, a ordem natural requer a propriedade particular e a
sustentação é anterior a qualquer outro direito econômico, até mesmo tiberdnde, inclusive a de promover transações econômico-comer
ao de propriedade privada, certo que este último é um direito clais cama poder da vontade Individual, assim também a de con
‘
i;alural. fvrir funcão reguladora ao poder público sobre estas duas ins
1 tituições.
O homem não pode sobreviver —
recorda Ci,aos MEDeiRos
Na ardem jurídica individualista e liberal —
escreve ORLANDO
SILvA a advertência de LEÃO XIII —‘
constituir família, ter segurança, 12 vontade individual safre poucas limitações.
GOMES, o poder da
se não for autorizado a adquirir bens e possuí-los. “A subsistência “Consideranda expressão da liberdade individual, foi proclamado
do homem, a aculturação e o engrandecimento dos germes que a a pedra angular da direito privado, transformando-se em simples
mão da Providência depositou em seu coração, dependem essen instrumenta do desenvolvimento das relações econômicas entre in
cialmente das riquezas materiais.” divíduos au entes caletivos particulares.” Mas reconhecer esse
poder, ou autonomia privada, não significa contestar a conveniên
Com efeito, todo homem, como vivente dotado de razão, recebeu
cia de restringi-la ao propósito de estabelecer o equilíbrio de inte
da natureza o direito fundamental de usar dos bens materiais da
resses individuais, subordinando-os ao interesse coletivo. “Dais
torra —
afirma Pio XII —
embora se deixe à vontade humana, às
fatores concorrem, diferentemente, para as limitações da autonomia
formas iurídicas dos povos a regular mais particularmente a sua privada: a concentração de capitais e a intervenção da Estado.
atuação prática.” “A firmeza da atividade física do homem sobre Em essência, porém, conserva-se incólume o princípio. As limita
e. co:sa que tem sob sua ordem e vontade, empregando nela ções sempre existiram, apenas se apertaram na atualidade, tor
atividade, movimentando-a, e investindo trabalho, benfeitorias, su nando-se tanta mais inumeráveis quanto mais se campenetm a Es
tado da necessidade de intervir na vida econômica com o objetiva
PONTES ne MIRANDA, Pontes e Evol. do Dir. Ciu, Eras., p. 28. de realizar superior justiça social.”
6 Luzz S. GOMES. O que devemos conhecer..., p. 2?. Completando-o, o discurso do Direito Econômico refere-se à
‘ JoÃo XXIII, “Mater et Magistra”, * 43. política econômica aplicada à propriedade, penetra até aos mean
1 Propriedade e Bem-Estar Social.
dros de sua aquisição e da sua utilização, faz a sua acoplagem à
própria funcionalidade de todo o sistema político e dos fundamentas
LAPAVETTE. Dir, Coisas, Pref., p. XVII.
da ordem jurídica, tendo por finalidade a harmonização entre Inte
0 Mensagens e Locuções (1/6/41), 8.
o seu marco inicial é datado da Primeira Grande Guerra, com a situaç5o de 10 Aausvi. L. DIAS. Usucapião e seus Elementos.
bancarrota da Alemanha. quendo o Direito das Obrigações” fora transformado ‘Gaudium et Spes”, * 26.
12 InÉr. Dir. Ciuil. pp. 233 a 235.
cm seus princípios pelos efeitos de uma Inflação inclemente, op. cit.
60 AROLDO. MOREIRA A PRoPRIEDADE SOB DIFERENTES CONCEITOS 6t
resses individuais e coletivos e, assim, satisfazendo um dos dados deriva do próprio trabalho do homem, como substituição do seu
13 salário. É com o produto do salário acumulado ou economizado que
estruturais da tipificação de sua norma.
o homem pode comprar bens de uso e de produção.” 10 E por meio
Tudo isto, todavia, fica subordinado ao fim natural dos bens de uma aplicação tenaz da inteligência e do esforço o homem con
materiais, nem pode prescindir do primeiro e fundamental direito, segue arrancar, pouco a pouco, os segredos à natureza e usar
que a todos concede o seu uso; mas antes deve servir e tornar melhor das suas riquezas. 17
possível a sua atuação em conformidade com o seu fim. Só assim
Evidencia-se que a propriedade se estabelece como base eco
se poderá e deverá conseguir que a propriedade e o uso dos bens
nômica e histórica da sociedade, Isto é, sempre serviu de esteio
materiais dêem & sociedade paz fecunda e consistência vital.
para que o homem, por seu empenho, pudesse tirar o produto
Aí está configurada a propriedade, em seus quaisquer sentidos, essencial à sua subsistência básica e a do seu grupo. Daí que o
como expressão jurídica da liberdade econômica plena, sem des 19
trabalho humano é a base real da propriedade, opina Mc FADDEN,
douro de se impor maiores deveres sociais. ao que acrescenta PIMENTA BUEN0: “O fruto do trabalho do homem
Assim também entende GIDE, quando reporta que a História pertence decididamente ao homem, e lhe deve ser garantido em
e os fatos mostram que a propriedade particular e individual foi
até o presente o melhor meio e a condição indispensável da utili ‘ JoÃo DE OLIVEIRA FILHO, Origem Cristã dos Direitos Fundamentais, p. 30.
zação das riquezas, o mais enérgico estimulante da produção. 15 17 PAULO VI, “Populorum Progressio”, § 25, CL MARCO AURELIO GReco:
Alhures se terá dito que as coisas criadas, para que possam, de ‘Aqui, nem o direito de propriedade é pleno, nem é benesse atribuida peio Estado,
Ele é algo construido dia a dia pela participação dos homens, com sua ação
modo seguro e ordenado, proporcionar esta utilidade aos homens concreta sobre um bem fisicamente Identificável e num contexto social assumindo
é que a natureza Instituiu a partilha dos bens em propriedades diferentes dimensões e conotações, conforme a época considerada”, O Solo Criado
privadas. Logo, pela primeira vez na História, o modo de produzir, e a Questão Fundiário.
economicente, e de expandir a riqueza se estabeleceu sobre a 18 “Entre todos os bens que podem ser objeto da propriedade particular
Ir nenhum é mais conforme à natureza, segundo a doutrina da Rerum Nounrum, do
propriedade privada e esse conceito ficou mais justamente forble
que o terreno, ou casa, onde habita a familia e de culos frutos tira total ou par
cido com o surgimento dos mandamentos religiosos.
cialmente com que viver”, Pio XI, Mens. e A!oc. (1/6/1941), § 14. Cf, ALVARO
Concebe.se, portanto, a propriedade individual, sob o ponto de PESSOA: “Através da História, a propriedade imóvel tem sido a forma básica de
riqueza. Ela é um fator essencial de produção, permanece fixa e seu valor é
vista metafísico, como de direito natural e divina, sem embargo de,
geralmente sujeito a poucas contingências e pode ser dito que nunca será destrui
reciprocamente, ser fruto do trabalho ou força econômica acumu da..,”, Equacionando a Nova Propriedade Urbana,
lada, cujos rendimentos, somados em pecúlio, possam transformar. 19 Filosofia e Comunismo, p. 296, Cf. JosÉ MARIA SÃNCHEZ: “El problema
se em patrimônio. “Trata.se de um direito (o de propriedade) que se centra y, a su juiclo, teórlcamente se resuelve si aceptarmos que la primera
conquista dei trabajo es, precisamente, la propiedad”, La Seguridad Social de la
13 WASHINGTON PELUSIO. op. cit.. interpretando CAIO MAmo. Abogucia, p. 120. RUDOLP IHERING: “A fonte histórica e a justificação moral da
“Os interesses econômicos, por legitimos que o forem, jamais deixarão propriedade reside no trabalho (..,). Só a ligaçâo constante com o trabalho
de ser interesses matcHais, que se medem pelo estalão da utilidade e que não mantém a propriedade vigorosa e sadia, só junto a essa fonte que constantemente
respondem. sozinhos, ao alcance espiritual e moral do direito”, EvERAlno C. LuNA. gera e renova é que a mesma se revela até ao âmago em toda clareza e trans
op. cit,. p. 83. parência, com todas as potencialidades que encerra para o homem”, A Luta pelo
13 Ãpud L, 5. Gaeies, in O que devemos conhecer, p. 209. Direito, pp. 52 e 55,
LL
62 MOLDO MOREIRA A PROPRIEDADE SOB DIFERENTES CONCEITOS 63
toda a SUO plenitude, ou a propriedade se componha de bens móveis Desta maneira, o sentido de ordem jurídico-econômica se cons
ou imóveis, corpóreos ou Incorpóreos. O criador do valor, e só ele, titui sobre a realidade social tomada a partir do fato económico
24
com exclusão de qualquer indivíduo, é quem deve ter o direito juridicamente regulamentado, ao qual se acresce inevitavelmente
amplo de usar, empregar, tirar proveito, gozar, dispor ou transmitir o elemento político como característico do seu objetivo. E ao adotar-
por troca, venda, dádiva ou por outro qualquer título, enfim, de -se a conceituação do regime econômico como conjunto de regras
consumi-lo como quiser, uma vez que não prejudique os direitos que regem as atividades econômicas dos homens, isto é, seus aios
de outrem,” 20 e ações em matéria de produção e trocas, colocam-se tais regras
E assim, o trabalho passou a ser o sujeito ativo do direito e em sua dupla finalidade: a) as relações dos homens com os bens,
da economia. “Dizer que o trabalho é o sujeito do direito é dizer e o regime de bens que coloca o problema da propriedade; b) as
também que a propriedade e o capital devem ser tutelados como relações dos homens com os homens entre si, e o regime de pessoas
condições de atividade criadora, nos limites das exigências postas que apresenta o problema da liberdade econômica.
pela comunhão social..” “A propriedade, refletindo a forma econômica e política dos
Em princípio, como ensina CAIO MÁRIo, “Propriedade — família povos, é uma instituição jurídica da mais alta relevância que, enca
—
— religião foi a trflogja da Cidade Antiga. Propriedade polí rada em outras perspectivas, cobra maior significação ainda, como
Ii
iii tica — economia é o tríplice índice de um paralelograma de forças a divisão do mundo em dois campos ideológicos antagônicos: de
que seguiu a sua vida, na civilização do Ocidente, e ainda hoje um lado, os países que admitem a propriedade privada, do outro,
traz as tendências para uma nova concepção econômico-jurídica”. 22 os que a aboltram, socializando-a”.
A inevitável conexão verificada na realidade social entre os Com essas palavras, ORLANDO COMES e ANTUNES VAREtA “
sentidos econômico e jurídico — adverte WASHINGTON Pausro t!açam o intróito de seu estudo comum sobre as estruturas do pro
ALBINO DE SouzA —conduz ao conceito de ordem jurídico-eco priedade no curso de três épocas: a feudal, a resultante da Revo
nômica. Esse é o resultado, mais propriamente, da complexidade lução Francesa e a contemporânea.
dos dois conceitos originais, praticamente menos inoperantes quan
A primeira, a feudal, caracteriza-se por uma duplicidade de
do tomados em seus sentidos específicos, do que nesta forma sim
domínio, que Implica na quebra da unidade que tinha pelo Direito
—
blótlca de seu tratamento. Aliás —
continua o mesmo autor
Eomano e pela existência de múltiplos vínculos, ônus e encargos
esta observação está presente a todos os que se dedicaram ao
predominantemente sobre a terra.
estudo das anotações da Economia e do Direito pela manifestação
A segunda, nascida da Revolução Francesa, reunifica a pro
do fato social submetido a observação formal, segundo o prisma
de uni ou de outro destes ramos do conhecimento. 28 priedade, passando a vigorar a concepção unitária segundo a dou
trina romana, vale dizer, como direito natural do homem, liberta
I! 1 20 Vir, Pubi. firas,, p. 401. Ci, Cij5vis BEVILAQUA; “A teoria do trabalho de todos aqueles ônus e encargos,
.) parte do principio de que todas as coisas sáo comuns, destinadas, como Agora, e quiçá delineada pela concepção filosófica do indivi
são, a prover as necessidades humanas, Aquele, portanto, que por seu trabalho dualismo sob inspiração de um novo surto de desenvolvimento
torna um trecho dc terra produtivo, deve ser o seu proprietário, porque lhe deu
econômico da sociedade, “a propriedade, assim concebida, passou
vaiar e nele põs alguma coisa da sua personalidade”, Vir, Coisas, p. 128.
21 MIGuEL REALE, Plur. e Li&, p. 137, a ser um instrumento jurídIco de que dispõe o homem para o exer
22 Condomínio e Incorporações, p. 24.
“,,.
o direito é o iam!
23 Vir, Econômica, p. 184. Ci. PIMENTA BUENO: 24 SOUZA, op. ct., p. 185.
WASHINGTON PELUSIO Ataiwo nu
e o mais luminoso das verdadeiras Idéias econômicas; todo o pensamento econ& z Ir!., idcm, p. 187, complementando deflnlçâo de Jos€u LAJUGUI.
mico que contrariar o direito é filho do erro e da mentira”, Vir, Pubi. firas., p 394. 243 Vir. Econâmico. p. 169.
A PROPRIEDADE SOB DIFERENn5 CoNcEITos
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64 MOLDO MÓREIRA
cicio da atividade econômica indispensável na sociedade, mas como sa é uma propriedade não-social.” E não-econômica, cabe. acres
um direito exclusivo, ilimitado”. 27 centar.
A propriedade é, pois, um direito ao valor e à substân
cia da
Na” terceira fase, que corresponde ao estágio contemporâneo,
coisa, abrangendo dois aspectos distintos: o econômico e o jurídico,
a propriedade vem perdendo a sua expressão tradicional e o domínio que esclarece ainda:
como interpreta ARTHUR ALEXANDRE MArRA,
das coisas assume papel secundário e retoma preeminência o , é
“0 aspecto econômico, também denominado relação interna
controle do Estado sobre o modo de se utilizarem as coisas, em tário e o bem
constituído pela vinculação existente entre o proprie
particular o moda por que a propriedade se exerce. “O que importa que lhe pertence.” Será a rígor a essência da propriedade ou
hoje não é mais a intervenção na propriédade, mas a interverição senhoria, constituída pelo uso, pela fruição e pela
disposição. O
na atividade econômica, seja exercida por quem é proprietário, ou reivindicação.
1I aspecto jurídico ou externo se representa pelo poder de
28
por quem não é É que não se pode considerar o bem eco ineren
Esse alcance econômico, necessária e obrigatoriamente
nômico como uma realidade estática que deve ser ordenada e repar na
—
te à propriedade, como seu conteúdo, reflete a suo função social,
tida, mas como algo que deve ser redescoberto e dinamizado ivo pcde e deve acorrer
medida em que o seu aproveitamento produt
r afirma CIFUENTES. O desenvolvimento —
prossegue —
tecnicamente dade pri
ao encontro do interesse maior da sociedade. “A proprie
realiza do com os moder nos sistem as de produç ão, apresenta-se às
vada é considerada legítima, porém, cabe ressaltar que, devido
te
assim, como um propulsor da mais eficien justiça social, O justo ocorrid as na estrutu ra do
transformações sociais e às mudanças
equilíbrio e harmonia dessa dinâmica permitirá repartir os bens da intervenção
Capitalismo, acentua-se, hoje, a sua função social e a
maneira mais eqüitativa, acompanhando o crescimento de cada 32
do Estado no domínio econômico.”
um dos povos no seio do crescimento global da Humanidade. Eis
A introdução, no conceito geral de propriedade, da função
por que o trabalho humano ganha valor, cada dia mais, sobre uma
social modifica radicalmente o sentido tradicional de direito natural
concepção estática da propriedade. 29
ou de direito subjetivo exclusivo e ilimitado. No afã de seu apro
Como diz WASHINGTON DE BARnOS MONTEIRO, a propriedade deve do
veitamento ou por íntciativa do proprietário ou por ingerência
ser a fonte do trabalho, matriz de novos riquezas. “Efetivamente ado a um interes se econôm ico
poder público, o bem deve estar vincul
— confirma — a propriedade dos tempos modernos tem de ser, voltado para o bem comum. É que a propriedade privada, inclusa
necessariame nte, fonte de trabalho, de riqueza, de emprego abun compete
a dos meios de produção, é um direito natural, que a todos
dante para terceiros, capaz de produzir ou de aumentar o bem do,
e que o Estado não pode, sob nenhum pretexto, suprimir. “Contu
geral, em benefício da coletividade. Como afirmou HIPERT, a pro sua própria naturez a,
como a propriedade privada comporta, pela
priedade não é legítima senão quando se traduz numa realização uma função social, o exercício desse direito deve levar em conta,
vantajosa para a sociedade, O proprietário deve contas à sociedade não apenas o proveito do indivíduo, mas a utilidade de todos.”
de sua exploração. Deve-lhe ainda contas de sua conservação. a
Como bem esclarece ORLANDO COMES, o direito, quando enunci
Deve-lhe até contas de sua não-exploração. Uma propriedade ocio deixa implíc ita a
os princípios da função social da propriedade,
tratar distin
distinção entre bens de produção e bens de uso para
21 ORLANO0 GoMes e ANTUNES VARELA, Op. cit., p. 169.
28 Id., idem. p. 169. 30 O Direito Cioil como Ciéncia.
SI
Tut. e Propr.
29 RAFAEL L. Ctrursres. Curso de Div. canónico, p. 242. Para MÁRIO Propriedade e Condomínio, p. 92, apud MARCO Aunütio, in
RoroNrn, deve-se considerar o direito estético cristalizado nas normas juridicas. Imóvel. p. 5.
32 MARIA HELENA E CÃMARA, Aspectos do Dir.
de Prop. no Capitalismo
e o direito dinámico, emanado do complexo social. No primeiro, domina o prin
cipio da conservação; no segundo, governa o principio da evolução, apud EVCR?,Rno e no Souictismo. p. 70.
—I I13 JoÃo XXIII. “Master et Magistra”, 19.
C. LUNA, in Abuso de Direito, p. 90.
A PROpazADE SOB Dxp2imçns CoNonros
67
66 AROLDO MOREIRA
tamente a propriedade que recai nuns e noutros. A propriedade Estendendo um pouco mais o alcance dessa participação do
dade, OcTÁvio
do bem de produção tem função social e como tal deve ser exer Estado, em termos da função social da proprie
GouvA DE BuLHÕEs concorda que na esfera dos bens patrimoniais
dda. Já a propriedade do bem de uso é considerada na sua concei
nem sempre se pode falar em função social, e
afirma que na pro
tuaçõo clássica de direito subjetivo, como tal protegida e garantida,
ça
Entretanto, sem argüir o poder Interventivo do Estado motivado priedade dos meios de produção é que reside a grande diferen
econom ia
pela maior interligação dos fenômenos sócio-econômicos com as cntre economia individualista e economia socialista. “Na
necessidades políticas do desenvolvimento dentro da melhor dou individualista, a propriedade dos bens de produção está nas mãos
são
trina ao Estado deveria caber, justificadamente, não a função subs dos particulares; na economia coletivista, os meios de produção
litutiva, mas a função supletiva, pelo princípio da subsidiariedade, de propriedade do Estado.” E se referindo à função social, resume
para favorecer e Incentivar, e mesmo vigiar, de modo a permitir o pensamento de LÉ0N DUGUIT, Interpretando que a propriedade
a propriedade
no particular, sempre que possível, conduzir a bom termo os seus dos meios de produção tem por função social utilizar
empreendimentos. “É a História, de resto, que demonstra, sempre a fim de promover o acréscimo de produtividade do
trabalho. Desde
mais claramente, a impossibilidade de uma sociedade próspera e essa
que o proprietário dos meios de produção consiga acrescentar
bem organizada, sem uma estreita colaboração entre o particular nrodutividade, está de fato desempenhando uma função social. Em
e o poder público, no domínio econômico; colaboração a ser pres havendo estagnação na economia é porque o particular não desem
toda com esforço mútuo e concorde, tendo em vista que a tarefa a
penha uma função social de empreender e, portanto, se justific
de ambas as partes corresponda do melhor modo às necessidades propriedade ao
plenamente a movimento socialista para transferir a
do bem comum, segundo as circunstâncias e os costumes peculiares Estado. ° “O uso da propriedade pode ser naturalmente modificado
a cada época. 86 limite
ou restringido (...); há, porém, determinado limite, e este
plena comunhão de interesses, dá-se ao econômico e ao jurídico, O Estado não se limita a controlar legislativamente e judicialmente
reciprocamente, o seu verdadeiro destino. a atividade econômica do particular, mas dita normas para coibir
A despeito do aspecto fluídico, ambíguo, que se observa da abusos do poder econômico.” 42
expressão função social, e mais ainda a insegurança de sua def i
nição em termos pragmáticos, 40 é fora de controvérsia que se pre
tende eniender, na colocação de L*ow DUGUIT louvado na doutrina
T COTRIM NETO, buscando definir as características que haverão
de ser distintivas do Estado do século XIX em face do Estado destas
vésperas do século XXI, invoca ERNE5T HUDOLF HUBER e o resume:
do Positivismo então reinante, como uma reação vigorosa contra a
“O Estado de Direito visa à proteção da vida, da liberdade do indi
inércia, contra a improdutividade, contra a avidez meramente espe
víduo; o Estado Social objetiva a segurança da existência, do pleno
culativa da propriedade. Isto porque —
assevera MARco AURÉLIO emprego e da força de trabalho das camadas socialmente menos
GREco — a função social de um bem não é algo abstrato e hipo
suficientes. Desses contrastes resulta que, enquanto o Estado de
teticamente aferível, nem está sujeito a padrões indeterminados e
Direito visa a proporcionar a garantia de certos direitos inerentes
genériccs, mas, ao revés, só é perceptível no caso concreto, em à liberdade e à propriedade, pela redução dos seus poderes inter
rozão de peculiaridades de cada situação, variando, portanto, de vencionistas, o Estado Social, ao contrário, tem fortalecida a sua
local: para local. Assim, a função social será atendida quando a intervenção no concernente à liberdade e à propriedade, tanto
utilização do bem provocar efeitos desejados pela comunidade inte quanto se faça necessária para a garantia da existência do pleno
ressada, o que traz ainda as idéias de uso e de atividade. emprego e da subsistência da força de trabalho.”
A propriedade perde, então, por mutações jurídicas, aquelas Ao chegar-se ao limiar da Idade Moderna do Direito —
registra
—
características subjetivas do domínio e se objetiva segundo moti CAlo MAmO não é por mero acaso que outra concepção de pro
vações econômicas trazidas por impulso do desenvolvimento dos priedade se emoldura, diversa da que vigera por um milênio de
tempos atuais. Conseqüentemente, uma nova evidência fática se civilização. Não é. Mas porque novas idéias políticas se elaboram.
retraça agora no modo como as coisas são utilizadas, dando, por- \Terificase, mais uma vez, a impossibilidade de conservar-se o
tanto, mais conteúdo econômico à norma jurídica. O que importa conceito de propriedade estranho à configuração das idéias liberais,
é a atividade econômica que se exerce sobre a propriedade. “Suce da noção de liberdade, da tendência individualista. 41
—
deu transformação de grande significação no mundo moderno, E quando uma recuperação econômica se afigura completa
tiansformação essa que dá um novo sentido ao instituto jurídico —‘
o citado autor reage o direito de propriedade, colocando-se
da propriedade, o que veio permitir que tomasse corpo e se inse numa defensiva bastante significativa, porém, trabalhada por idéias
risse, hoje, com certa tranqüilidade, nas legislações, algumas dos novas, que anunciam a presença de fatores que preparam conceitos
[ idéias dantes contestadas, mas que passaram a ser admitidas não
só em razão desta alteração a que a pouco me referi. Ocorreu
também mudança no caráter jurídico da administração pública.
mais adequados a padrões sociais diferentes.
Ii
rT E )C)CQ
• J-r
- -)
Li-
1 ARMINDO GulnEs DA SILVA. Patorcs que impedem a Rcnii:ação da De-
,uOCraCia.
2 FRANcisco S. Aj.tAL NETO, A Autonomia Privada como Poder Jurídico.
“Gaudlum et Spes”, 5. CL MIGUEL Rnaa: ‘A história é uma sucessão
de mudanças”, P.tur. e Lib.. p. 19. WAsnzwaon B. Mornvao: “Tudo quanto
seja mutável no transcurso dos tempos terá de se alterar, procurando adaptar-se
às novas exigências OU aos novos tempos”, O Dir. Propr. no Proj. do Cód. Cit’jL
II
A PROPRIEDADE SOB DIFERENTES CoNCEITos 73
72 AROLDO MoREIRA
L
74 AROLDQ MOREIRA A PROPRIEDADE SOE DIFERENTES CONCEITOS •75
damente histérica do Direito Civil, mais refratária à transformação imutável que qualquer outra instituição da vida social, como de
e ao progresso, sendo mesmo a sede das forças conservadoras na monstra a História”, 17
dinâmica geral do direito” pois, “como explica o notável cientista Essa multiplicidade fenomenológica se observa até pela varie
brasileiro, o direito das coisas ligava-se à organização da proprie dade de forma que reveste a propriedade desde a primitiva dos
dade e esta conservava o mesmo paradigma que lhe fora traçado selvagens, de que ainda há vestígios, até à dos tempos patrlarcajs,
pelo direito romano”. e depois sucessivamente, desde as diversas formas tirânicas até às
Desapareceu, por conseguinte, a arcaica concepção que nela existentes na idade moderna, É que as realidades sociais dife
entrevia apenas um “ego” prolongado, em que o proprietário, de rentes condicionavam ordens jurídicas também diferentes, ao mesmo
modo enfático, poderia proclamar rés mea est. 14 Modernamente, tempo que o estudo histórico das sociedades revela a existência de
acumulam-se as restrições, desconhecidas do direito clássico, que estruturas diversas no tempo e no espaço. °
aumentam paulatinamente e que o espírito jurídico adstrito se acha Nessa ordem de idéias, conforme MARCO AuRÉLI0 S. VIANA, 20
a escolher por efeito de uma maior valorização do interesse pú é possível assinalar as principais fases de transformação, de es
blico. A emigração do direito de propriedade para o território plendor ou de decadência, pelas quais vem passando a proprie
—
fortificado do direito constitucional —
adverte OnANDo CoMES dade, e que CASTÁN ToBE5As coloca, entre os povos ocidentais,
é fato notório, “Todas as Constituições modernas disciplinam a pro na seguinte seqüência:
—
priedade no capítulo da ordem econômica e social; não mais na 1) no momento mais antigo prevalece a propriedade cole
“velha equação propriedade-personalidade-liberdade” como direito tiva, especialmente na órbita familiar;
— —
inviolável do homem. 2) no mundo antigo clássico Grécia e Roma desenvolvem-
-se as formas da propriedade individual;
O direito, como fenômeno social, não prescinde dc atividade
3) na Idade Média —
tem-se um processo de desintegração do
isolada do homem, mas nem por isso (ou justamente por isso)
conceito unitário da propriedade, com o desdobramento das facul
velhas posições doutrinárias urgem ser revistas, ao encontro da
dades entre o titular do domínio e o efetivo possuidor;
III harmonia orgânica do sistema jurídico, até mesmo pelas razões
—
4) na Idade Moderna presencia-se um impulso favorável à
III políticas e ideológicas que se vão contraditando na escalada do
propriedade unitária, individual e livre, acentuando-se sua funda
‘1 tempo. Vê-se que no curso dessa evolução que se vem consumando,
mentação jusnaturalista;
através de novas interpretações, senão concepções jurídico-socioló
5) no século XIX —
ocorre o choque da concepção subjetiva
gicas, resulta flagrante que “o regime de propriedade não é mais
e individualista com os novos movimentos de caráter coletivo, ao
mesmo tempo em que o desenvolvimento tecnológico e científico
Op. cit, Cf. CAIO MAmO: “Quando o Jurista moderno encara as trans vai dando lugar a novas formas de propriedade;
formações por que passam os conceitos atualmente, não pode olvidar que o regime
da propriedade as espelha. E se abrem novas perspectivas diante de nós, na
‘7 Pio XI, “Q. Anno”, § 49. Cf, ORlÃNoo G0MES: “Razões históricas e
propriedade está incrustado o germe da transformação”, Comi, e Incorp. p. 24.
14 “O direito de propriedade, tomado em sentido estrito ou dominlo, é o motivações ideológicas determinaram a revisão de múltiplos conceitos e a recom
posição de várias figuras jurídicas, dentre as quais a do direito real na concepção
direito real, que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa vontade
personalista, como direito absoluto e manifestação de relação juridica direito-obri
a coisa corpõrea, na sua substância, acidentes e acessórios”, LAPATErrE, Di,’.
gação”, Escritos Menores, p. 58,
Coisas, p. 98. IS PIO XI, Alocução aos Membros da
15
A.C.I.
WASHINGTON E. MONTEIRO, O Di,’. Civ. como Ciência. ‘° MIPANDA RosA. Op. clt.,
16 Novos Temas, p. 33.
p 53.
20 Tt. Propr. Imóvel,
pp. Ii e 12,
76 AROLDO MOREIRA A PROPRIEDADE SOB DIFERENTES CONCEITOS 77
6) na época atual —
a tendência é humanizar o direito de ao Poder Público —
—
como refere ORLANDO GOMES emprestando-
propriedade individual, ressaltando sua função social, e promovendo -se-lhe valorização exagerada, condizente embora, com as garantias
novas e harmônicas formas de propriedade pessoal e de proprie de que necessitavam como instrumento de expressão irresistível das
dade coletiva, que salvaguarda, ao mesmo tempo, a dignidade e forças produtivos, libertadas definiuvamente pela revolução
in
a liberdade de cada homem e a solidariedade de todos, dustrial. 24
Rigorosamente, não há como traçar uma linha uniforme do Sem embargo da primitividade do direito de propriedade como
desdobramento de fulcro da propriedade, dentro da evolução do instituição privada, é preciso saber estimar o foto de a propriedade
sistema jurídico considerado.
ser natural ao homem e necessária à sociedade, isto é, “que o
Qualquer que seja a extrapolação que se faça do conceito de
propriedade, coletiva primariamente, individual após, do Direito
1 princípio moral, que põe acima do interesse privado o bem cole
tivo”, não deve generalizar a intervenção dos poderes públicos,
Natural para o Direito Constituído, do Direito Privado para o Direito mas condicioná-la a cada caso ocorrente, para conter as dema
Social, pode-se atravessar os tempos observando mutações, desde sias. “Se o príncipe soberano (leia-se o Estado) não tem o poder
o Código de Hamurabi, onde no Capítulo VI vislumbram-se, sob a de ultrapassar os limites das leis naturais, estabelecidas por Deus
epígrafe “Casa, Compra e Locação”, diversas disposições concer — de que ele é uma imagem —
só poderá tomar os bens alheios
nentes à propriedade, ainda que sem referência expressa, 21 o que setiver motivo justo e razoável; mediante compra, troca ou confisco
“mostra que na Mesapotàmia, 500 anos antes de Moisés, já se
legítimo;, ou para a salvação do Estado. Não havendo as razões
tornara privada a propriedade dos imóveis”. 22
mencionadas, o rei (leia-se o Estado) não poderá apropriar-se da
Nos excertos das Leis de Manu (século II a.Cj; na Lei das
XII Tábuas; na Bíblia ou, jgualmente, em outras antigas ordens 24 Apud CLAUPIO PAcHECO. in Trat. Const. Bras., p. 224.
jurídicas, 23 mesmo nas em que as alusões são meramente circuns
“O intervencionismo do Estado arregaçou as mangas até as axilas e já
lanciais; na fase menos remota, como nas legislações egípcia atinge a própria liberdade dos contratos, comprimindo a Iniciativa particular,.
1 hebraica, muçulmana, índia, grega, germ&nica, conforme exposição impondo cláusulas, padronizando fórmulas, fixando preços, decretando moratórias
.
I
de CLóvIs, condensada por DAIBERT, observam-se, embora por vezes sucessivas, reduzindo os titulares de direitos xndlvlduais a meros fantoches”, NELSON
fugazmente, as transformações que acorrem no come e no alcance FIuNGRIA, ia Pref. a fteflexôes sobre a Crise do Direito, de C. J. Assis Riaeino,
do propriedade em geral. p. 6. Cf. CARLOS MEDEIROS SILVA: “O Intervencionismo estatal cria uma série
de situações que, de fato, constituem cerceamento á liberdade individual e a
Ccnsiderou-se a propriedade como um direito natural, inalie propriedade privada, vedando a sua ingerência em determinados setores da vida
nável, imprescritível, que ombreava com as liberdades antepostas econâmica (.. .) . A liberdade Individual poderá ser atingida, a propriedade
privada indevidamente restringida, ao sabor das conveniências do momento, das
21 LIMA.
As mais Antigas Normas de Direito. passim. crises politicas e das dificuldades econômicas ou financeiras de caráter transitória,
3. B. SouzA
22 CLÔVIS BE9LÃQUA. op. cit., p. 117. Cf. JEPPERSON DAIBERt, Dir. Coisas. do interesse de grupos ou de facções”. Propr. e Bem-Estar Social, ORLANDO
p. 145. CLAUDIO PAciTeco. Trat. Const. Bens.. p. 221. GOMES: ‘A intervenção do Estado na área econômica no se realiza somente
2 em caráter subsidiário ou nos setores de iniciativa privada multo onerosa para
3 8. SouzA LIMA, op, cit., passim. O. J. DAIBERT. op. cit., pp. 145/148.
JEAN RUET: “C’est par une sorte de mirage, se formant dans la pénombre de os particulares, ou apenas para criar infra-estrutura que a atividade empresarial
temps légendaires, que les codiflcations primitives. bis de Manou, loi des Douze necessita; caracteriza-se cada vez mais como participaçâo direta no processo pro
Tablcs, ou Koran, ont été considérées par les peuples comum le produit arbitraire dutivo da riqueza, quando finge estar a defender interesses gerais, mas, cm, verdade,
d’une volonté divine ou humaine” apud E. ESPINOLA, in Sist. Dir. Civ. Bras. está se integrando no sistema”, Novos Temas, p. 10.
p. 39. Muun. REALE. O Estado Moderno. p. 183, citando G0TTFRIE0 FEDOR.
78 AROLDO MOREIRA
A PROPRIEDADE SOB DInRENns CONCEITOS 79
II
“Se há um conceito que vem sofrendo, nos últimos tempos,
propriedade alheia, dispondo da mesma sem o consentimento do
certas modificações aceitas por todos aqueles que se
proprietário.” 27
preocupam com os problemas da justiça social, é o da pro
Invocando QUEIROZ Lai A, este justifica que as coisas só têm priedade. Não estamos mais nos velhos tempos da proprie
utilidade real quando apropriadas por uma única pessoa. Outras dade quiritária, nem naqueles em que ela se definia como
têm a sua capacidade produtiva largamente aumentada quando direito de usar, gozar e abusar de uma coisa qualquer.
trabalhadas com o vigor, a tenacidade, a continuidade de ação a Foram-se os tempos, a época em que a propriedade era con
1 confiança no aproveitamento do esforço despendido, que, em certas
condições da sociedade, o interesse do indivíduo é o mais apto a
siderada um atributo individual destinado à satisfação de
prazeres ou necessidades individuais (...). Hoje, sociólogos
proporcL’nar. Daí coloca a propriedade como “o poder que tem o e juristas estão de acordo em que a propriedade, se não
indivíduo çue de lato se acha numa situação econômica de cumprir era uma necessidade social, tem essa função. Sem se aten
livremente o papel social que lhe incumbe, de acordo com essa tar nessa feição social, ela se tornaria instituto quase in
situação”. 2K justificável:” ‘
CAmns MEDEIROs SILVA, a propósito, cita obra em que GE0RGES 1 A função social, que se inseriu no regime da propriedade, pas
BUPLEAU (Les Llbertés Publiques, 1961) ao abordar a concepção sou a compreender assim todas essas virtualidades: tem de ser
individualista da propriedade em sua essência, associada à liber geradora de emprego ou de trabalho; tem de se tomar produtora
dade, terá afirmado que o direito de propriedade perdeu o seu de benefícios gerais para o povo; tem de criar novas riquezas, in
j
caráter de direito natural imprescritível e inviolável. E sob a domi clusive de ordem fiscal. 32
nação de novas concepções político-sociais, o seu conteúdo está Nessa conformidade, decorre “que a propriedade está condi
subordinado às exigências do interesse coletivo. 20 E o mesmo Autor &onada às exigências das necessidades sociais, cujo raio jamais
invoca ainda o testemunho de MAnca WALINE (L’Indivlduaflsme poderá ultrapassar, de maneira que, à proporção que a sociedade
‘II & le Droit, 1940), quando põe em evidência a evolução do direito for encontrando outros meios mais humanos e mais justos para a
de propriedade e a reação antiindividualista operada no correr do captação econômica das forças do meio físico, o velho regime do
tempo em favor do Interesse social e dos valores sociais. ao propriedade quirit&ia deverá ir se limitando às aplicações para
que for mais conveniente”.
E traz a lume a palavra do então Senador da República,
Conceituondo o fenômeno econômico-jurídico da propriedade
FERREIRA DE SOUZA, a quem coube a proposição da emenda à Cons
como o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens,
tituição brasileira, que resultou na fórmula da desapropriação por
CLÓVIS expõe que, economicamente, é a utilização das forças natu
interesse social, como corolário à função social da propriedade,
rais, e depois também das físicas, para a satisfação das necessida
verbis: des humanas, reduzidas estas, nos primeiros tempos, e variando,
infinitamente, com o evolver da cultura. E, juridicamente, é a segu
JEAN BODIN. De la République. 1576, apud NonsEwro Boasio, in Teoria rança que o grupo social oferece a essa utilização. A utilização
das Formas de Qauerno. CL MAnco AunÉuo S. Vi,,i, ‘O Estado organiza e assegurada é poder atribuido a um sui eito e cuja extensão e inien
garante a propriedade dentro da filosofia política que alimenta”, Tut. Propr.
Imóvel. p. 2.
28 Domínio e Posse, 3’ Propr. e Bem-Estar Social.
14, apud H. GusMÃo. In Intr. CIência Dir.. p. 486.
2 Propr. e Bem-Estar Social. 32 WASHINGTON DE BARROS MoNnino, op. cit.
I Hsrvcio DE Gusr.go, op. cit, p. 487.
10 Op. cit.
- — sol
1
80 AROLDQ MOREIRA
- ‘ :CiDOa aaO3!
sidade variam. Entretanto, complementa e resume: ‘Em uma pala
vra, é necessário continuar a reconhecer a propriedade do indivíduo
sobre a terra, com as limitações, que, racional e justamente, exigir
a conveniência humana, contanto que essas restrições não contur
bem ou anulem o estímulo da atividade individual, que é força
indispensável ao bem-estar e ao progresso das coletividades.”
Sem descurar, como é notório, que a propriedade do solo x
abrange em sua extensão vertical o que está acima e abaixo
•e tudo quanto se incorpora ao solo, como plantas e edificações, é CONCEITO INSTITUCIONAL
correto o pensamento de CLÓVI5 quando associa que “o interesse
social lhe impõë certas restrições necessárias à manutenção da Aferindo na atualidade todas a vicissitudes e odversidades que
coexistência”. se imprimiram à propriedade, e a seus regimes, pode-se dizer como
CIPUENTES que “cada um deve ter os bens não apenas como pró
Há de se reconhecer, como fato econômico, que a eficácia da
riqueza depende de sua apropriação, mas que é do Interesse da prios, mas como comuns, isto é, a propriedade privada não é ilimi
sociedade garantir e preservar a propriedade Individual e regula tada, mas deve ter, em benefício do bem comum, uma função
mentar sua utilização ou utilidade do exercício conforme as exi social”. 1 Não há propriedade absoluta na extensão que se pretende
aênclas do bem comum, entendido que a ninguém é livre o uso da dar ao vocábulo. Principalmente quando em jogo estiverem direitos
propriedade com violação dos valores fundamentais da sociedade. do Estado ou interesses de ordem social. 2 “o sentido de poder ex
clusivo e absoluto, que se exerce sobre determinada coisa, em
caráter permanente, não se mostra arbitrário e infinito; vat até onde
-4 tLb não o impeça a natural limitação, imposta pela concorrência de
.7EéOTjLZ b14. outro direito igual ou superior a ele.”
,sue é%’ :..:‘. eo ii;d Óbiu uit;i - É mesmo ponderável que as exigências do bem comum, em
v& e’” .: ,. jiarq.t objúø’i determinado momento histórico de maior gravidade, possam impor
• rnb zhbehqmcs severas limitações ao exercício do direito de propriedade, sobretudo
para empecer que esse exercício se degenere em abuso. Por isso,
‘r qr “o direito de propriedade, que se assegura em toda a sua pleni
tude, para que possa o seu titular dispor da coisa livremente,
fruindo-a a seu bel-prazer ou a alienando quando lhe aprouver,
sofre restrições advindas do respeito a direitos alheios ou fundadas
34 Cu5vis BEvILAQUA, Dir. Coisas. p. 127. no próprio interesse coletivoS..” Aquele dogma do dominium est
85 “Qui domino, est sou, dominzm est usque coelum et usque ad inFeroi. jus utendi, fruendi et abutendi re sua se restringe no complemento:
Cf. art 526 do Côd. Cvii Bras. ORLANDO GOMaS: “O domínio do solo se esten
quatenus juris ratio patitur. Desde que à comunidade se torne neces
derá a uma altura, ou profundidade. na qual o proprietário não tenha interesse
cm impedir que outros pratiquem atas ou empreendam trabalhas. Nessa altura au
nessa profundidade, o espaço aéreo e o subsolo são Inúteis ao proprietário. Serã 1 RAFAEL LLANO CIFUENTES, Curso de Dir. Canon., p. 250.
despropositado, por conseguInte, estender até além o dominio”, Direito, Rers. 2 M. O. FRANCO SOBRINHO, Est. Div. PubL, p. 62.
p. 108. 3 DE PLÁCIDO E SILVA. Voe. lur,. vol. 111, p. ‘177.
36 C. BvLAuA, Øp. cit., p. 125. 4 Zd.. idem., p. 477.
-7
82 AMoLDo. MoREIRA A PROPRIEDADE SOB DIFERENtES Cowczitos 83
sário o que ao indivíduo pertence, ou o interesse social exija certas Por certo, os reações, menores ou maiores, tiveram o seu apogeu
restrições a uma prerrogativa individual, cede o homem compul na fase da Revolução de 1789 em França (como na divisa de
VOLJAIRE — “Liberté et Proprlété’), quando se expôs um quadro
soriomente em proveito da coletividade”.
Assim, no dever de cumprir suas atividades na busca do bem de mudanças radicais na sociedade e se firmou por primeira vez,
comum, o Estado dispõe na sua tessitura organizocional de meios aob nova força de poder de regulação, o princípio de que a invio
e é competente para exigir da propriedade privada o exercício de kxbilidnde e caráter sagrado da propriedade não obstavam às exi
uma função social, vale dizer, a aplicação de seus fins em favor gências da necessidade (e depois da utilidade) pública mediante
da sociedade à qual deve a sua existência, encarada na perspec justa e prévia indenização pelo desfalque produzido.
tiva de uma nova concepção foce ao Direito Positivo. Isto não Em verdade, nova expressão do conceito surgia em razão desse
significa que o Estado, ao conferir à propriedade um novo destino fato, fazendo evoluir a propriedade da Influência (por exceção) do
social, assume a posse da terra de todos, mas que o direito de cada direito público sob o feudalismo para o domínio do direito privado
qual sobre seu patrimônio fica subordinado ao direito da comuni (regra geral), escolmando-a do velho jugo e revestindo-a de novas
dade, de modo a impedir a tendência natural à desigualdade. características, como se confirma no art. 544 do Código Napoleão,
O que se deve evitar é admitir a Imutabilidade das Instituições mantido vivo o individualismo liberal como idéia-força vigorosa.
quando não mais correspondam às novas exigências da vida. E ao Passando ao largo das notórias dissidências ideológicas e polí
Estado, obviamente, como gestor dos interesses sociais, e poder ticas supra-evidenciadas por Assis RrnnRo (ver nota 10), e que
jurisdiclonal soberano, compete precaver para que ntnguém mal tiveram trato acendrado no desenrolar do século XIX, não se pode
use a propriedade particular em detrimento daquele bem comum, deixar de trazer à colação a preeminência que o Código de 1808
e conciliar o conceito jurídico de propriedade com o sentido do exerceu sobre a legislação posterior já neste século, como se há de
seu fim econômico e, sobretudo, social. citar a vivida influência plasmada nas idéias positivistas de AUGUSTO
Não se trata de estabelecer critérios pura e simplesmente contra C0MTE, e propagadas por L±oN DUGUIT e prosélitos, consoante
a inviolabilidade da propriedade de cada um, porém, estabelecer CARLOS MEnEmos SaVA. °
critérios de mais lago aproveitamento, ainda que com ressarci Por via dessas e de outras influências, incentivava-se a trans
mento ao autor da propriedade pelos ônus que o uso melhor, a figuração da propriedade privada (interesse particular) em proprie
ctribuicão social dada ao bem, possam trozer até mesmo para ele
dade pública (interesse coletivo). Eram as primeiras manifestações
em particular.
cue surgiam de que a propriedade, ainda que privada, tinha uma
Estes critérios é que geraram, e continuam gerando, as lutas
função social destinada ao bem comum. “O equilíbrio das forças
de interesses, conforme o grau de Importância das restrições (como
sociais é resultado da constante harmonia entre direitos opostos.
idéia que lhe é inerente) possa influir na função do bem e mesmo
Em benefício do bem comum não prevalece nunca o interesse que
na liberdade individual de possuir.
5 C. LMAXIMILTANO. Com. Const. firas., 4 538. CL MARCO A. Gimco: “Aqui “La pmpriétê étant un droit inviolable et sacré, mii ne pcut en être privé,
está o reme de uma visão individualista extremada e que ainda fascina a dou si cc n’est lorsque la necessité publique, Iégaiement constaté, i’cxige évidemment
trina, bastando acentuar que o próprio tratamento de temas ligados ao uso da et sous Ia condition d’une juste ct préable indemnité” (Dccl. Dir. Homem de
propriedade como algo sujeito a limitações administrativas” e “restrições” de 1789, art. 17).
ordem pública, já denota a pressuposição de que algo antes era Ilimitado, pleno, 8 “La propriété est droit de jouir et de disposer des choses de Ia maniõrr
e irrestrito, e que veio a ser reduzido, O Solo Criado e a Questão Fundiária. la plus absolue, pourvu qu’on n’en fasse pas une usage prohibé par les bis et
° L. 7. MACPARLANE, Teoria Política Moderna. p. 194, acolhendo o pensa les régtements”.
mento de Rousseau. ° Propr. e Bem-Estar Social.
A PROPRIEDADE SOB DIFERENTES CONCEITOS 85
84 AR0LE0 MOREIRA
1° M. O. FRANCO SOBRINHO, Op. dL, p. 59. 14 Apud 5. RoDRicuEs, in Dir. Cio., vol. V, p. 85 (nota).
“ “He aqui un nuevo elemento que penetra cri ei derecho tradicional y 16 o Estado Moderno, pp. 187 e 188, e Estruturas Políticas Contempo
Transfarnul
que produce en cl una transformaclón profunda’, L€ON DUGUIT. Las râneas.
ciones, p. 114. Cf. M. O. FRANCO SOBRINHO ; Socialização significa a participação
16 Segundo palavras dc Cláudlo Pacheco, JANSSV4 reconhece que o Indivi
ativa do Estado na vida do individuo”, op. cit., p. 22. DJACIR MeNezas: “O fcnõ
receptividade das Constituiçõe s modernas dualismo liberal continua vivo no Ocidente e a propriedade individual ainda
meno mais significativo ë a crescente
para o permanece como uma idéia-força, que tira o seu império sobre os homens das
aos conteúdos jusnaturalisticos como sintoma mais nitido da progressão vantagens que conservam ou que podem esperar aqueles que delà se beneficiam e
Estado Social’, A Programaticidade das Canse, e o Dir. NaturaL
aqueles que acreditam poder beneficiá-la, ia op. ciL, pp. 228 e 229.
12 CLAuDIO PAdileco, Trat. Const. Eras., p. 227.
17 Apud CARLOS 7v!. SILVA. op. de.
i Plur. c Lii,.. pp. 173 e 182.
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AR0LDO MOREIRA A PROPRIEDADE son DIFERENTES CONCEITOS 89
mentos sociais e políticos que, insuflando pseudodeveres coletivas, -vitável, provocando essas mutações rápidas, desde que a História
esmagam e anulam os, até há pouco sagrados, direitos e garantias situa os fenômenos jurídicos, e mesmo as instituições, na realidade
individuais”. Dir-se-la melhor se se afirmasse que a vigente ordem do tempo. “Os homens individualmente considerados e as civili
jurídica é, em boa parte, obsoleta, Incompatível com novas neces zações que cristalizam formas de vida peculiares e contingentes
sidades humanas, com a realidade econômica, com o complexo em seu fluir parecem respirar em seu comportamento a atmosfera
social, que é Injusta até, motivo pelo qual devo acolher direito própria de cada época.” 10 O que confirma EDUARDO E5PÍNOLA, para
novo, que melhor responda às contingências históricas, na fase quem “em qualquer agrupamento humano estão em jogo, dei- um
presente. 8 Ou, com palavras de Om.nrno GeMEs, as instituições lado, os interesses da indivíduo, de outro os da comunidade. O
direito —
coma diz HÓLDER, tem sua base na dupla relação que
jurídicas não se explicam a partir de si mesmas, só podendo ser
compreendidas à luz daquelas idéias que orientam a direção polí existe entre os homens: a vida em comum que os liga e a -indivi
dualidade que os separa”.
Ii fica e cultural da sociedade.7
Fiel à evolução em demanda, as estruturas, na medida om que A evolução jurídica, em suas linhas gerais, é idêntica em todas
envelhecem e se tornam anacrônicas ou inadequadas face à reali as sociedades que hão chegado ad mesma grau de cultura e de
—
—
dade e às circunstâncias, necessitam ser regeneradas, ou remode civilização afirma L±ON DUGUIT e se caracteriza pela substi
ladas, ou mesmo substituídas por outras, que irão ocupar um lugar tuição constante e progressiva de um sistema jurídico de ordem
essencial na sua articulação, sem prejuízo do conceito filosófico- realista e socialista: realista, porque repousa no fato da função
-sociológico que as identifica. Uma reforma de estrutura — retoma social, observado e comprovado diretamente; socialista, porque
ORLANDO GoMEs — impõe-se quando a ordem jurídica perde con ‘
repousa nas condições mesmas da vida social.
to’.a com a realidade social concreta, no exato momento em que o
E sob formulações teóricas e políticas advindas na voragem
substrato filosófico que a racionaliza se transforma num utopismo por
dessas transformações, o que até então era considerado óbvio,
reacionário, condensado em abstragões defensivas que se repetem
sua origem ou desenvolvimento, passa a ser objeto de inquietações
maquinalmente para frustrar a imediata possibilidade de inovação. :
e os fenômenos institucionais, em sua Interpretação, deslocam-se
Também nessa transladação de mentalidade, certas posições
de uma para outra Ideologia jurídica,
iladicionais urgem ser revistas, colocando-as em harmonia com a
evolução dos sistemas vigorantes, ou com a realidade transeunte, “À medida que se desce às particularidades da vida social e
ou com os valores emergentes, para agasalhar os novos interesses aos preceitos secundários (...) a universalidade deixa de ser tão
em jogo.° ampla, surgem as exceções mais freqüentemente, a limitação dos
a noção realista da função social, que empana e pubstitul direitos ocorre ante circunstâncias que a justificam (..j. O direito
- de propriedade é limitado por exigências do bem comum e Impera
a noção metafísica do direito subjetivo, sob a pressão factual me -
que ela estima o trabalho e as faculdades do indivíduo, fomon isceu-se, pode-se dizer, a dicotomia do domínio ideológico do direito
de propriedade — o individualista e o socialista, que se vão arti
tando a produção de novas riquezas.
,iZ Sem deixa de ser um direito, com as características de laculias
cular, por sub-repção, no intervencionismo do poder público. Este,
adverte CAIO MAmo —
a propriedade devo ser exercida em sen de fato, é çerta modalidade de exercício do poder, no conjunto das;
tido social, É o exercício daquele direito que subordina ao interesso relações complexos, dando origem a novas estruturas institucionais,
• “Não há dúvida de que o interesse individual é natural, é
(( público, e a função social é integrante menos da definição do direito
legítimo e, ainda mais, é criador de riqueza e propulsor do pro
‘1 do que ligada ao seu exercício. 24
giesso — acentua ArroNso ALMIRO. Mas, igualmente, é outêntico
E a teor da força catalisadora desses novos impulsos e restri
e funda-se na razão e na justiça o condicionamento das tendências
ções —
físico-econômicos, administrativos, como, sobretudo, sociais
de cada um às “regras do jogo”, que procura disciplinar as ações
— vem se desenhando outro modelo conceptual e mesmo se co
individuais para submetê-las ao interesse da comunidade.”
rificando nova doutrina específica, a partir do entendimento de que
De verdade, as regras do jogo dos interesses estão em mutação
a propriedade nem sequer é mais responsabilidade privativa, mas
e. novos acontecimentos darão ensejo a que outras práticas se
antes constitui, ela mesma, um complexo de direitos e obrigações
e às relações de convívio em sociedade. venham integrar de modo complexo na ordem jurídico-social emer
necessárias ao Estado
gente.
(A propriedade Já não é o direito subjetivo do proprietário, de cunho
Não cabe abjeção de que a propriedade se justifica polo inte
individualista mais eminente, mas a função social do possuidor da
resse social — alinna FRANco SoBmmio. Ela não existe, não devo
riqueza, 20 tese que LÉ0N DUGUIT perfilha quando já no início deste
da propriedade-função social.27 existir para o egoísmo do homem. Onde exista, em que sentido se
Lsécubo defendia o primado projete, em que regime político se afirme, a propriedade é a própria
Degenerou-se a partir daí a fármula ortodoxa do poder absoluto
sociedade, 29 colocando-se ambas em reciprocidade, nesse quadro,
j sobre a coisa, do conceito tradicional ultramilenar, para se con ao mesmo tempo e fundamentalmente, como constituinte e cons
1 ceber a teoria da relatividade dos direitos do proprietário. Estabe
tituída, porém, sem desvio dos objetivos originários. E nessa reflexão
atingb ropriedade um novo limiar em sua dimensão histórica,
23 HELENA E CÃMAPA. op. cit., p. 61.
MARIA
carreando um conjunto de relações de ordem política, jurídicd,
- 24
Cond. e lncorp.. p. 33.
25 ‘La transformacián dei estatuto de la propiedad, es decir, su soclaliracián econômica e social. Nessa perspectiva da propriedade, as suas arti
as dc rulações com a ordem social em particular estão situados no seu
lenta aqui y su colectivizacián brutal en otras partes, han ido acompanhad
nto considerable dc los poderes dei Estado”, apud J. M. SÁNcHEZ. ceme, participando por caminhos difusos no processo de sua trans-O
un acrecentamie
ia Seg. Social de la Merecia. p. 46. formação.
20 “La propriété n’est point un drolt intangible et sacré, mais un droit conti
vient
nuetlemcnt changcant qiii doit se modc?er sur les besoins sodaux auxquels ii 25 Op. cit,, p. 17. Ci. Geono HEGEL: ‘No processo de consecuçilo de fins
répondre”, L. DUGUIT, Tr. Droit Cons(.. p. 618. egoistas — cuja eficácia está assim condicionada pela universidade — forma-se
27 “Las Transfonnaciones”, pp. 167 e 168. Segundo ORlANDo CoMes, foi «ii sistema de completa interdependência, no qual o sustento, a felicidade e o
Gmmcn. na Alemanha, em famoso discurso de 1889 feito em Viena, sobre -a status legal de cada homem está entrelaçado ao sustento, à felicidade e aos direitos
rc
“missSo social do direito privado”, quem pela primeira vez proclamou “que de todos”, apud L. J. MACPARLANE. ia op. cit,, p. 44. LÚ0N DuGuiT: “Todo
deveriam impor deveres sociais à propriedade e que esta não deveria servir apenas individuo tem a obrigaçse de cumprir na sociedade certa função em razãe direta
no interesse egoistico do proprïetárin. mas que deveria, sim, ser ordenada no do posto que nela ocupa. Por conseguinte, o possuidor de riqueza, pelo fato
interesse de todos”, ia Noras Temas, p. 271. CL Joxo 30(111: “De nenhum de tê-la, deve realizar certo trabalho que só ele pode cumprir. Está, pois, obrigado
modo é licito cóncluir que a funç5o social da propriedade tenha sido superada, a cumprir essa tarefa e só no caso em que a cumprir será protegido socialmente”,
-.
pois essa funçáo mergulha as suas raizes na própria noço do direito de propie. Las Transformacjones, Pref. à 2’ edlçso.
•‘
. . . -. -
.-
dade”, “Mater ct Magistra”, 120. Op. cit,, p. 65.
94 AR0LD0 MOREIas A PROPRIEDAOE SOB DIFERENTES CONcEITOs 95
Torna-se evidente, dentro da aceitação desses novos postulados, Alhures se terá dito que a gênese dos direitos sociais ou do
que o fundamento filosófico está em assegurar o predomínio dos direito social está no projeto democrático de ROBESPIERRE para
interesses sociais sobre os interesses individuais. E nasce da obser as Decarações de Direitcs de 1789 e 1795, e o direito de proprie
vação do cotidiano da vida, em qualquer época da História, como dade, em sua definição, consistia na faculdade de o cidadão “gozar
da lustilicaliva de manter o equilíbrio harmônico das necessidades e dispor da porção de bens”, que lhe garantisse a lei, limitada
e das possibilidades, ou como quer HIPERT: “Cumpre, portanto, apenas pela “obrigação de respeitar os direitos alheios”. É como
N
entender os princípios da liberdade e da igualdade em uma com lembra FRANco SoBRINHO; “O Direito Social surge para suprir as
preensão mais larga das necessidades sociais, certo que é na har deficiências da iniciativaindividual na ordem econômica e para
monia entre a autonomia individual e a solidariedade social que ordenar os fatos ou fenômenos que se sucedem como aspectos dife
repousa o grande ideal da sociedade humana. Eis por que é neces renciados da existência humana normal.”
sário substituir um Individualismo abstrato e inorgânico por outro Assim, os direitos sociais, como designação genérica, entrea.
que. se ligue, organicamente, à finalidade social do Estado e har brem novo horizonte na ijniversjdode de conceitos, definsções,man
o-se damentos e de leis político-jurídicas, de ordem pública e de ordem
monize a moral individualista com a moral social, transformand
privad o privada, cujo desiderativo não é outro que a satisfação imediata
os códigos de puro direito privado em códigos de direito
social. ° das necessidades sociais, tendo em vista o bem comum, através do
É claro que nesse elenco de observações pode ressaltar-se o equilíbrio entre ambos os elementos: o individual e o social, en
aspecto do liberalismo econômico como luicro da assertiva de quanto aquele não contraria este. “O Direito Social prima sobre o
RIPEwr. Porém, o mesmo principio, se extrapolado para o campo
direito individual, porque está virtualmente presente sob toda regu
lamentação Jurídica delimitativa” ‘
do Direito Privado, demonstra aí a ingerência do Estado, sob o
poder de órgão gestor dos interesses sociais, com força restritiva Seu marco diferencial será econômico, quondo tutela o homem\ ‘
86-423-8
A PROPRIEDADE SOB UrFERENTE5 CONCEITOS 97
Dè AÜõLD0 M0REiRÀ
—
É certo que o interesse social, quando em conflito com o indi e regulamentá-la conforme as exigências ão bem geral, s4m
vidual, deve prevalecer, sem embargo de que, sendo o indivíduo tornar o indivíduo mero administrador temporário da riqueza
o elemento cons1itutivo da sociedade, o interesse pessoal é um comum. U Admitir que esta deve ter exclusivo destino social seria
estímulo energético que estua no interesse geral pela harmonia ‘
L
98 Aaorso MOREIRA
°
Não existe direito cujo exercício seja ilimitado. O domínio
é confinado pelo interes se superior do coletividade. O bem comum
exige a disciplina do interesse particu lar e, em certos casos, a
subordinação desse àquele. Vivendo o homem em socied ade, todos
os seus interesses precisam conciliar-se com os direitos superiores
do Estado afirma FRANco SoBRINHo. Trata-se de estabelecer o XII
jj limite do direito privado e a capacidade de ação do poder público,
o Estado, para a salvaguarda dos interesses que são gerais. CONCLUSÃO
O reconhecimento da propriedade privada pela Direito constituído
não exime o proprietário, como tal, de cumprir o papel que
lhe Sem anomalias desviantes e exorbitâncias condenáveis, é que
cabe na sociedade, já que a extensão do seu direito deve ser deter se pode aplaudir o abrandamento da propriedade privada, com
minada pela lei, na medida, e somente na medida, em que ele ,
vistas à harmonização dos interesses socialmente considerados ou
cumpre sua função social, diga-se, o exercicio do seu direito, obe seja: sem abolir a propriedade privada, abrir caminho para que
decidas as exigências econômicas e sociais da propriedade. muitos a conquistem. É, pois, nesta linha de oriontacão que os
modernos códigos vão se modelando, para equilibrar o interesse do
1 indivíduo com o da sociedade, numa composição de forças con
tingente.
1
101
A PROPRIEDADE SOB Dznnrwns CONCEITOS
100 AoLDa MOREIRA
ionadas com as
A ser verdade que as idéias novas surgem relac
domínio, ou coletiva, pode-se
noção de propriedade” e no reconhecimento de que o mudanças ocorridos nas condições da existência
assim a autori õe que a prim azia do inte
o direito de propriedade, é distinto do seu uso. ‘E ocalher ORLANDO GOMES, quando prop
natu ral e divin a, e pondo individuais. Aos
dade pública, iluminada sempre pela luz resse social não significa o sacrifício dos interesses
os olhos sé no que exige o bem comum, pode decretar
ciosamente o que aos proprietários seja lícito no uso
mais minu
de seus bens’. 2
do misto, dual, de
¶ espíritos moderados afigura-se necessári
a a conciliação entre as
duas ordens de interesses para que seio prese
rvada a dïgnidade da
sínte se necessária.
Mas devem tais posturas ser tomadas em senti pessoa humana, A lei há-de refletir essa
E vale a adver e as reformas que
direito do indivíduo e de interesse da sociedade. Assim, a mudança de ênfase do fundamento
o restritivas, se conc epçã o da propriedade
tência, porque essas medidas quando demasiad se processam, fazendo infletir a milenar
circunstâncias mo realizar sem fissuras, em
tomadas ao sabor de conveniências espúrias, ou em seus contornos e conotações, devem-se
r, como há exem aprioristicamente ou empi
mentâneas, podem exacerbar-se ao ponto de nega termos ponderados, harmoniosos e não
arbit rários, ante o tais que tornem incon
plos, a direito de propriedade, sob impulsos ricamenta em termos drásticos, absolutos,
p mais como Estado com o individual. Ou tais
n.ionopálio da força que se confere ao Estado, ciliável o interesse social em confronto
dade da pessoa ências e estabelecer desfigura
social, ferindo pari passu a própria garantia da liber ainda que deixem realçar incongru
Estado social, pois, , quer do ponto de vista
humana como um seu direito fundamental. “O ções entre as suas várias canceituações
formaE asse em si próprio e sob influxos,
vem dar uma nova interpretação da liberdade, de metafísico, do iusnaturai, do jus-romano,
polit icólo gonacional e cristalizados no tempo,
gurar o bem-estar da pessoa, A propósito, diz ideológicos surtidos através da História
Estado contempo em suas prospecüvas. “A
que existe a preponderância da idéia social no quer do dos ramos jurídicos estuantes,
— e o pen
“nem por isso en des sociais
râneo, em contraposição ao individualismo, mas preocupação de dar satisfação às necessida
roso e humano — determinou profunda modificação
fraquecem-se as esperanças de que esse princípio gene samento é de ORLANDO GOMES
tese não menos nobre tos individuais da esfera
de justiça não se possa compadecer com a na modo de conceder e tratar os direi
ade.” el a afirmação de que o
e verídica da independência da personalid privada ao ponto de se tornar irrecusáv
tória e em todas as radicais à medida que
O objetivo da sociedade, em sua traje direito civil está sofrendo transfigurações
ida possível de conceder justiça social”, ou que,
épocas, tem como pilar e perspectiva a med concilia a liberdade do indivíduo com a
de hoje, lhe é determinada,
) felicidade e bem-estar às criaturas humanas, por via das instituições malgrado a função social que, nos dias
ómicos e sociais, como por coma a direita à liberdade
e dos remaneiamentos políticos, econ o direito de propriedade persista assim
ente ÉMILE DUR
‘ Porque, cama expressa judiciasam
pessoal
/ meio da lei e de sua aplicação. Tudo sempre repensado sincreti
do homem, sob a égide do ndamente ligadas
[camente em razão das prerrogativas quando duas ordens de fato foram proiu
dos objetivos superiores e entre elas e durante tonto
Direito voltado para a defesa e decantação e durante tanto tempo, quando houv
aureolados segundo um impe impossível que se dissociem com-
do justiça, da paz e do bem comum, tempo tão estreito parentesca, é
uma à cutrc Seria necessária
rativo ético. pletamente e que se tornem estranhas
de forma total, que deixassem
para tanto que se transmudassem
2
69. II
Pio XI, “Q. Atino’, 49. Ci. “Gaudium ct Spcs”.
Libera l ao Estado Social . apud Pipas ANGÜucA 62.
3 PAULO EoNAvlDns. Do Estado 5 Modernização do Direito, ia Introdução, p.
Or-IMATi. in “A Luz das Idéias Políticas”, p. 90. 6 id., ide,,,, p. 6t.
4 tal nome quando se fundam na justiça e
“A lei e o direito sõ merecem 7 Fiors ANGÉLIcA OsatAri, op. cit,, p.
98.
MELL0, Lei e Dir. na Fitos. fia, p. 61.
estão ordenados ao bem comum”, GLADSTONE C. 5 Sociologia e Filoso
Clássica.
102 MoLDo MOREIRA
ia
de ser o que são. Um fato
não pode perder um de seus atributos
essenciais sam que mude de natureza.
Tanta quanto se veio coordenando, e polarizando opiniões, sob
fascinação e motivação do tema, condensa-se, sem exaustão, nos
pensamentos eclético-doutrinários, às vezes dissonantes, mas tantas
vezes confluentes, postos em evidência.
E sob augúrios de não
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expor a conflitos o ideal o o real, nem o conjunto das alternativas
essenciais e lógicas das relações constituídas entre liberdade, pro
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dirá IVAN IGL±s:As —
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mico, ia Estudos Juridicos em Homenagem ao Pref. Caio Mano da Silva Perguntam-me que idéia eu procurei encarnar
Pereira, Ed. Forense, 1984. no meu Fausto!
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Como se eu soubesse, como se eu mesmo o
São Paulo, 1982. 1 pudesse dizer!”
GOETHE
IR
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