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HÁ MUITO TEMPO ATRÁS bagaço de uva, a bagaceira. mel ou cana nas Canárias, ponto de passagem da es-
quadra do fidalgo e provável origem das primeiras
mudas de cana dessa primeira iniciativa organizada
Registros existentes indicam que os primeiros a sa-
borear algo parecido com um destilado foram os
Egípcios. O que eles faziam era curar um eventual A História da Cachaça de produção canavieira em larga escala no Brasil.
mal-estar, inalando vapor de líquidos aromatizados e Presente nos mapas dos navegantes europeus desde Numa das três regiões citadas acima – mais provavel-
fermentados, absorvido diretamente do bico de uma fins do século XV, o Brasil foi quase esquecido nas mente São Vicente, se levarmos em conta o caminho
chaleira, num ambiente fechado. primeiras décadas do século XVI pela Coroa portu- feito pela cachaça nas décadas seguintes –, o pro-
guesa, que não dispunha nem de gente suficiente no cesso da destilação que os ibéricos aprenderam com
Reino para uma obra de colonização no vasto territó- os árabes produziu, pela primeira vez, a aguardente
rio d’além-mar. Com isso, a costa brasileira era visi- de cana no Brasil.
tada indistintamente por aventureiros – italianos,
holandeses, franceses, espanhóis... – que se dedica-
vam à coleta de pau-brasil, sempre negociando com
os índios. A partir da terceira década do século, no
entanto, uma circunstância especial ajudaria a
definir o futuro lusitano das terras do Brasil: a neces-
sidade de produzir mais açúcar, que alcançava na-
quele momento o status de “ouro branco”.
moer a cana, ferver o caldo obtido e, em seguida mesma época, Portugal produzia um destilado de
deixá-lo esfriar em fôrmas, obtendo a rapadura, com Inicialmente, a pinga aparecia descrita em alguns re- uva chamado bagaceira, e o aumento da produção
a qual adoçavam as bebidas. latos do século XVI como uma espécie de “vinho de de cachaça fazia com que os colonos se desinteres-
cana” somente consumida pelos escravos e nativos. sassem cada vez mais em consumir a bebida portu-
No começo da colonização do Brasil, a partir de 1530, Entretanto, na medida em que a popularização da guesa. Para inibir a produção da cachaça, Portugal
a produção açucareira apareceu como primeiro bebida se dava, os colonizadores começaram a subs- estabeleceu um excessivo imposto cobrado dos fa-
grande empreendimento de exploração. Afinal, os tituir as caras bebidas importadas da Europa pelo bricantes da aguardente, que insatisfeitos com a ta-
portugueses já dominavam o processo de plantio e consumo da popular e acessível cachaça. xação, se rebelaram contra Portugal, marcando o
processamento da cana – já realizado nas ilhas atlân- Se pensarmos que a primeira destilação de cachaça episódio conhecido como Revolta da Cachaça, em
ticas – e ainda contavam com as condições climáticas foi feita por volta de 1532, podemos concluir que a 1660.
que favoreciam a instalação de grandes unidades história da cachaça está extremamente ligada com a
produtoras pelas regiões litorâneas no território. história do Brasil. São várias as versões existentes so-
bre a origem da cachaça. De certa forma podemos Revolta da Cachaça
Para que todo esse trabalho fosse realizado, os por- dizer sua história começa quando os portugueses
tugueses acabaram optando pelo uso da mão de trouxeram da Ilha da Madeira a cana-de-açúcar e as
obra escrava dos africanos. Entre outras razões, os técnicas de destilação. Uma das versões conta que o
colonizadores notavam que os escravos africanos destilado teria surgido em Pernambuco quando um
eram adaptados ao trabalho compulsório, apresen- escravo, que trabalhava no engenho, deixou armaze-
tavam maiores dificuldades para empreender fugas nada a “cagaça” – um caldo esverdeado e escuro que
e geravam lucro à Coroa por conta dos impostos co- se forma durante a fervura do caldo da cana. O lí-
brados sobre o tráfico negreiro. quido fermentava naturalmente e, devido às mudan-
ças de temperatura, ele evaporava e condensava,
formando pequenos pingos de cachaça nos tetos do
engenho. Inclusive, a origem do sinônimo “pinga” te-
ria surgido dessa versão popular da origem do desti-
lado.
Cronologia da Revolta da Cachaça:
A palavra cachaça é de origem polêmica. Algumas
versões dadas por pesquisadores: Do castelhano CA- 1635: 1º Decreto de proibição da comercialização da
CHAZA, vinho que era feito de borra de uva; Da cachaça
aguardente, que era usada para amaciar a carne de 1654: Expulsão dos holandeses do Brasil
porco (CACHAÇO); Da grapa azeda, tomada pelos es- 1655: Início da crise do açúcar e aumento da produ-
cravos e chamada por eles de cagaça. ção da cachaça
1659: Proibição da produção da cachaça pela Coroa
Escravos
Portuguesa
1660: Liberação com aumento dos impostos – A Re-
No processo de fabricação do açúcar, os escravos re- volta da Cachaça
Outra versão apresentada pelo historiador Luís da
alizavam a colheita da cana e, após ser feito o esma- 1661: Revogação da Proibição em 13 de setembro
Câmara Cascudo, no seu livro Prelúdio da Cachaça,
gamento dos caules, cozinhavam o caldo em enor- aponta que a primeira cachaça foi destilada por volta
mes tachos até se transformarem em melado. Nesse Depois dos séculos XVI e XVII, em que houve signifi-
de 1532 em São Vicente, onde surgiram os primeiros
processo de cozimento, era fabricado um caldo mais cativa multiplicação dos alambiques nos engenhos
engenhos de açúcar no Brasil. Nessa versão de Cas-
grosso, chamado de cagaça, que era comumente ser- de São Paulo e Pernambuco, a cachaça se espalhou
cudo, foram os portugueses, depois de aprenderem
vido junto com as sobras da cana para os animais. pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais devido à desco-
as técnicas de destilação com os árabes, que produ-
berta do ouro e pedras preciosas. Durante o século
ziram os primeiros litros da bebida.
Tal hábito fazia com que a cagaça fermentasse com a XVIII a economia do açúcar entra em decadência e
ação do tempo e do clima, produzindo um liquido passa então a ser substituída pela extração de ouro
Os senhores de engenho por vezes estimulavam aos
fermentado de alto teor alcoólico. Desse modo, po- em Minas Gerais. No início da migração para Minas,
seus escravos, mas a corte portuguesa, vendo nisto
demos muito bem acreditar que foram os animais de as cachaças brancas (puras) eram colocadas em bar-
uma forma de rebelião, proibia que a referida bebida
carga e pasto a experimentarem primeiro da nossa ris de madeira para serem transportadas até Minas
fosse dada aos negros, temendo um levante.
cachaça. Certo dia, muito provavelmente, um es- Gerais. No tempo da viagem, a cachaça, pelo contato
cravo fez a descoberta experimentando daquele lí- com a madeira, acabava amarelando e tomando aro-
O fato é que a cachaça acompanhou a história do
quido que se acumulava no coxo dos animais. mas e sabores próprios. Há quem diga que daí que
Brasil desde o seu início, passando pelo o ciclo do
surgiu o hábito de envelhecer e armazenar cachaças
açúcar, pelo crescimento das fronteiras territoriais e
Outra hipótese conta que, certa vez, os escravos mis- em barris de madeira. Hoje, podemos observar que
chegando até a urbanização do país. Originalmente,
turaram um melaço velho e fermentado com um me- em cidades litorâneas, como Paraty, há um predomí-
a cachaça era destinada aos escravos, mas logo caiu
laço fabricado no dia seguinte. Nessa mistura, acaba- nio de produção de cachaças brancas, enquanto que
no gosto popular, se tornando um importante com-
ram fazendo com que o álcool presente no melaço em Minas Gerais, os produtores optam sempre por
ponente da emergente economia nacional e, por
velho evaporasse e formasse gotículas no teto do en- armazenar suas cachaças em barris para que elas ad-
consequência, proliferando sua produção por todo o
genho. Na medida em que o liquido pingava em suas quiram características sensoriais, como cor e sabor,
litoral do Brasil.
cabeças e iam até a direção da boca, os escravos ex- provenientes da madeira. Nas regiões de extração
perimentavam a bebida que teria o nome de “pinga”. estavam também os pequenos alambiques que abas-
Levada pelos comerciantes, a bebida brasileira co-
Nessa mesma situação, a cachaça que pingava do teciam a florescente população urbana que tentava
meçou a fazer sucesso também na Europa e na
teto atingia em cheio os ferimentos que os escravos enriquecer com a mineração, apesar dos impostos
África, onde era usada como moeda de troca para
tinham nas costas, por conta das punições físicas que cobrados pela metrópole portuguesa.
comprar escravos que iam trabalhar na lavoura colo-
sofriam. O ardor causado pelo contato dos ferimen- nial. Pela relevância econômica da cachaça em terras
tos com a cachaça teria dado o nome de “aguar- Com a popularidade da cachaça e com o declínio do
brasileiras, a venda e troca do produto representa-
dente” para esse mesmo derivado da cana de açúcar. comércio da bagaceira, novas medidas de taxação e
vam uma ameaça para a metrópole, já que ajudava a
Essa seria a explicação para o descobrimento dessa proibição da produção de cachaça foram implanta-
enriquecer os inimigos da Coroa, como os piratas ho-
bebida tipicamente brasileira. das pela Coroa. Essas medidas contribuíram para o
landeses que se estabeleceram no Nordeste. Nessa
APPCA - ASSOCIAÇÃO PAULISTA DOS PRODUTORES DE CACHAÇA DE ALAMBIQUE