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Nelson Pimenta 24761

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

Contratos

1.
O contrato de
compra e venda
(874º a 939º)

Apontamentos com base no manual do Prof. Menezes Leitão “Direito das


Obrigações 3 – 2013-8ª Edição”

Ano letivo de 2015/2016

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Além destes preceitos, o Código comercial regula o contrato de compra e venda nos art. 463º a 476º.

Da definição do art. 874º do CC resulta que o contrato de compra e veda consiste essencialmente na transmissão
de um direito contra o pagamento de uma quantia pecuniária, ou seja, a troca de mercadoria por dinheiro.

Contudo, além do direito de transmissão do direito de propriedade, o contrato de compra e venda pode abranger
qualquer outro direito real (ex: 1444º - trespasse a título oneroso), direitos sobre valores mobiliários, direitos de
propriedade industrial, direitos de propriedade intelectual (direitos de autor), direitos de crédito (ex: cessão de
créditos).

O contrato de compra e venda é um contrato translativo de direitos que pressupõe ainda a existência de uma
contrapartida pecuniária para essa transmissão.

Assim, não ficam englobadas a transmissão de situações jurídicas consideradas como direitos substantivos do
alienante, tal como a assunção de dívida.

Se não existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificado como doação (940º), e se existir uma contrapartida
que não seja pecuniária, o contrato não constitui uma compra e venda, mas ates um contrato de escambo ou
troca (art. 480º Cód. Comercial e aplicável as regras do CC por força do art. 939º do CC).

Características qualificativas do contrato de compra e venda

1- A compra e venda como contrato nominado e típico

É um contrato nominado porque a lei o reconhece como categoria jurídica.


É um contrato típico porque a lei lhe estabelece um regime jurídico específico o CC e no Cód. Comercial.

2- A compra e venda como contrato primordialmente não formal

Em regra, a compra e venda é um contrato não formal (219º CC), salvo os casos em que a lei o sujeite a forma
especial, como o caso dos bens imóveis (875º) e noutras situações específicas.

3- A compra e venda como contrato consensual

É um contrato consensual (por oposição ao contrato real quoad constitutionem), uma vez que a lei prevê
expressamente a existência de uma obrigação de entrega por parte do devedor (879º alínea B), o que significa
que associa a sua constituição do contrato à entrega da coisa, admitindo a sua vigência antes de a coisa ser
entregue.

Efetivamente, é o acordo das partes que determina a formação do contrato, não dependendo esta nem da
entrega da coisa, nem do pagamento do respetivo preço.

A Doutrina tem discutido a possibilidade de as partes contratuais, ao abrigo da autonomia privada, podem
estipular a compra e venda como um contrato real quoad constitutionem?

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A Doutrina Italiana tem respondido afirmativamente, como os casos das vendas de aparelhos automáticos ou as
vendas em estabelecimentos self-sevice. Nestes casos, ML defende que são meros contratos de compra e venda
consensual através da declaração tácita, tal como acontece quando existe o pré-pagamento, na medida em que a
celebração do contrato se realiza com a solicitação do produto, havendo apenas a imposição de que o preço seja
pago antes da sua entrega.

M L defende que, da mesma forma que as partes podem estabelecer a constituição do contrato de compra e
venda de uma forma convencional não exigida por lei para a celebração do contrato (223º), parece admissível que
possam igualmente fazer depender a sua constituição da existência da tradição da coisa ou do preço.

4- A compra e venda como contrato obrigacional e real quoad effectum

É um contrato obrigacional na medida em que determina a constituição de 2 obrigações:


- A obrigação de entregar a coisa (879º alínea B)
- A obrigação de pagar o preço (879º alínea C)

É um contrato real quoad effetum, pois produz a transmissão de direitos reais (879º alínea A).

5- A compra e venda como contrato oneroso

É um contrato oneroso uma vez que nele existe uma contrapartida pecuniária em relação à transmissão dos bens,
importando assim sacrifícios económicos para ambas as partes.

Quanto ao valor pecuniário, não é necessário que haja uma equivalência de valores entre o direito transmitido e o
preço respetivo.
Contudo, se as partes tiverem a intenção de atribuir um enriquecimento ao alienante (aquisições de bens de
baixo valor por elevado preço em leiloes com fins sociais) ou ao adquirente (alienação de bens por preço
simbólico ou muito inferior ao valor de mercado, com fins de liberalidade), já não estará em causa um contrato de
compra e venda, mas ates um contrato misto de venda e doação.

6- O contrato de compra e venda como contrato sinalagmático

É um contrato sinalagmático uma vez que as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se tendo cada
uma a sua causa na outra (sinalagma genético), o que determina que permaneçam ligadas durante a fase de
execução do contrato, não podendo uma ser realizada se a outra não o for (sinalagma funcional).

Aplicam-se, por isso, as regras relativas ao sinalagma contratual, como a exceção do não cumprimento (428º),
caducidade do contrato por impossibilidade de uma das prestações (795º nº1) e a resolução por
incumprimento (801º nº2)

7- A compra e venda como contrato normalmente comutativo, sendo por vezes aleatório

É um contrato comutativo uma vez que as atribuições patrimoniais se apresentam como certas, não se
verificando incertezas quanto à sua existência nem quanto ao seu conteúdo.

Contudo, por vezes a lei que a compra e venda possa funcionar como contrato aleatório, como nas hipóteses da
venda de bens futuros, frutos pendentes, e partes componentes e integrantes, a que as partes contratuais

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atribuem esse carater (880º nº2), na venda de bens de existência ou titularidade incerta (881º), na veda de
herança ou de quinhão hereditário (2124º), ou na veda de expetativas.
8- A compra e venda como contrato de execução instantânea

É um contrato de execução instantânea uma vez que quer em relação à obrigação de entrega quer em relação à
obrigação de pagamento do preço, o seu conteúdo e extensão não é delimitado pela função do tempo.

Esta situação ocorre mesmo na venda a prestações, uma vez que o pagamento fracionado apenas determina a
forma de realização da prestação, não influenciando o seu conteúdo e extensão.

Mas já são contratos de execução continuada os contratos de fornecimento de gás e/ou eletricidade.
Este não são verdadeiros contratos de compra e venda, mas sim contratos atípicos, ainda que afins da compra e
venda.

Forma do contrato de compra e venda

A compra e venda é, pior força do art. 219º, é um contrato essencialmente consensual, não exigindo a lei
nenhuma forma especial para a sua realização.

Esta regra é, contudo, objeto de várias exceções, tal como a do art. 875º quanto aos bens imóveis.

Esta regra de validade da compra e venda de bens imoveis, de ter de ser celebrado por escritura pública ou em
documento particular autenticado, estende-se ainda, na opinião de ML, a todos os atos que importem
reconhecimento, constituição, modificação, divisão, ou extinção de direitos de propriedade, usufruto, uso e
habitação, superfície ou servidão sobre coisas imoveis e aos atos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou
legado de que façam parte coisas móveis (art. 22º alínea A do DL 116/2008).

Desta regra geral, existem atualmente 2 exceções:

A - A primeira é respeitante À situação da compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, referente a
prédio urbano destinado a habitação, ou fração autónoma para o mesmo fim, desde que o mutuante seja uma
instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação (art. 1º e 2º nº1 do DL 255/93).

B - A segunda exceção consta do DL 263-A/2007, em que segundo aquele diploma, os contratos de compra
que constam naquele diploma, estão dispensados da forma especial que consta na lei geral.

É ainda exigida a forma especial para o contrato de compra e venda nos casos de:
- Certos direitos de autor (art. 44º do CDADC)
- Alienação de direitos sobre bens industriais.
- Vendas a domicílio (art. 16º do DL 143/2001)

Fora destes casos excecionais, a compra e venda não necessita de revestir forma especial, como é o caso dos bens
moveis sujeitos a registo, como os automóveis, que por força do art. 205º nº2 é aplicável o regime das coisas
móveis em tudo o que não seja especialmente regulado.

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Sempre que o contrato de compra e venda seja sujeita a forma, a sua omissão acarreta a nulidade do negócio
jurídico por força do art. 220º.

Por vezes, a compra e venda pode estar sujeita a certas formalidades, como o alvará na transmissão de
propriedade de prédios urbanos, que, se não se verificarem, acarreta apenas contraordenações e não a nulidade
do negócio jurídico.

Efeitos essenciais do contrato de compra e venda (art. 879º )

O art. 879º consagra três efeitos essenciais (ler artigo).

Esta norma tem de ser cuidadosamente interpretada.

Sendo a compra e venda um contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de
uma quantia pecuniária, o resultado final do negócio consistirá na aquisição, pelo comprador, do direito de
propriedade da propriedade vendida, e acrescido do efeito subordinado da aquisição da posse, bem como, pelo
vendedor da aquisição do direito de propriedade sobre determinadas espécies monetárias.

A compra e venda só é definitivamente executada quando se verificarem estas duas alterações na situação
jurídica patrimonial dos contraentes.

O art. 874º vem estabelecer dois processos técnicos distintos para a obtenção desse mesmo resultado.

Em relação à aquisição das quantias pecuniárias e a aquisição da posse da coisa vendida, a lei socorre-se do
instrumento da constituição de obrigações, quer por parte do vendedor como do comprador, apenas se
considerando efetiva a aquisição, após o cumprimento das mesmas.

Já em relação à aquisição da propriedade sobre o bem vendido, a lei considera-a como uma simples consequência
automática da celebração do contrato (879º alínea A e 408º nº1), não existindo assim uma obrigação de dare em
sentido técnico, verificando-se o efeito translativo automaticamente com a perfeição do acordo contratual.

Assim, há que distinguir 2 efeitos no contrato de compra e venda:

 - Efeitos reais: a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito

 -Efeitos obrigacionais: a constituição de 2 obrigações: a de entrega da coisa e a de pagar o preço

 O efeito Real

Um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da coisa ou da titularidade do direito objeto do
contrato, ou seja, uma aquisição derivada do mesmo (se for a constituição originária do direito não se está
perante uma compra e venda).

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Para essa constituição derivada, basta normalmente o acordo das partes, pelo que a celebração do contrato de
compra e venda acarreta logo a transferência da propriedade (art. 879º alínea A e art. 408º nº1), sendo assim
uma consequência instantânea e imediata.

Assim, diferentemente do que se sucede com os efeitos obrigacionais, a propriedade, enquanto direito real,
verifica-se automaticamente o momento da formação do contrato, sendo que nesse momento o adquirente
torna-se titular do direito objeto nesse contrato, o que se pressupõe que a propriedade é transmitida apenas
com base o simples consenso das partes verificado no momento da celebração do contrato, momento esse
denominado como princípio da consensualidade.

Este princípio, ao contrário do que se sucede em outros ordenamentos jurídicos europeus, como o alemão, não
necessitam de nenhum ato posterior, tal como o Registo ou de outro título de aquisição.
Ao principio da consensualidade está o principio da causalidade, segundo o qual a existência de uma justa causa
de aquisição é sempre necessária para que o direito real se constitua ou se transmita. Assim, tal como a existência
de título é necessária para a constituição ou transmissão do direito real, a validade e a regularidade da causa de
aquisição é imprescindível para que essa constituição ou transmissão opere, pelo que qualquer vício no negócio
causal afetará igualmente a transmissão da propriedade.

O art. 408º nº1 estabelece que a transferência dos direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito
do contrato, o que implica que a transmissão da propriedade aos princípios da consensualidade e da causalidade
– sistema de título.

No ordenamento jurídico nacional consagrou-se a caraterização do contrato de compra e venda o âmbito da


venda real – o adquirente, após a celebração do contrato, adquire imediatamente a propriedade da coisa
vendida que pode imediatamente opor erga omnes, no caso de bens não sujeitos a registo, e nos casos de bens
sujeitos a registo, essa oponibilidade relativamente a terceiros fica dependente do cumprimento do ônus
registral.

Em conclusão: a transmissão da propriedade aparece ligada à celebração do contrato de compra e venda, da


qual depende como efeito automático.

 A apreciação da possibilidade de existirem exceções em relação a esses princípios

O art. 408º nº1, além de consagrar o sistema de título, refere ainda a possibilidade de existirem exceções a este
sistema, desde que previstas na lei.

Se existirem essas exceções, isso significaria que o nosso ordenamento jurídico, a par do sistema de título,
admitiria também o sistema de título e de modo, e a venda obrigatória.
É necessário verificar se existem exceções na lei.

Antes de mais, a venda obrigatória carateriza-se pelo facto de o contrato de compra e venda nunca produzir
efeitos reais, apenas tendo por função a constituição de obrigações, sendo que a transferência da propriedade
apenas após um segundo ato, que o vendedor se obriga a praticar, o qual produz os efeitos reais.

Assim, no contrato de compra e venda são constituídas duas obrigações: o vendedor abriga-se a transferir a
propriedade e o comprador a pagar o preço. O ato de transferência de propriedade opera, os casos de bens
móveis pela traditio da coisa, e o caso dos bens imoveis com o registo.

Este sistema opera no direito alemão, brasileiro e espanhol.

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O art. 408º nº1 deixa em aberto a possibilidade de se reconhecer a venda obrigatória nos casos em que a
transferência da propriedade venha a ser temporalmente dissociada da celebração do contrato. Esta
dissociação pode ocorrer em 2 situações:

- Sempre que a lei proceda a uma separação, mesmo que meramente cronológica, entre o momento em
que se verifica a conclusão do contrato e o momento em que ocorre o momento translativo.

Esta situação ocorre os casos de venda de coisas indeterminadas (coisas genéricas ou coisas alternativas), veda de
bens futuros, frutos naturais ou partes componentes ou integrantes de uma coisa, e venda com reserva de
propriedade.
Todos estes casos se inserem no art. 408º nº2, casos em que a transferência da propriedade opera em momento
posterior ao da celebração do contrato.

Assim:
- No caso dos bens indeterminados, a transmissão da propriedade ocorre no momento da determinação da
coisa com conhecimento de ambas as partes (408º nº2). Se se tratar de uma coisa genérica, a transmissão da
propriedade dá-se no momento da concentração da obrigação (540º e 541º).

- Na venda de bens futuros, a transferência da propriedade ocorre no momento em que a coisa é adquirida
pelo alienante.

- Na venda de frutos naturais ou partes componentes ou integrantes de uma coisa, transmissão da


propriedade verifica-se no momento da colheita ou separação (880º).

- Na venda com reserva de propriedade, a aquisição integral da propriedade ocorre no momento do


pagamento do preço ou do evento em relação ao qual as partes determinaram essa verificação (409º).

- Quando o fenómeno translativo não se pode verificar por um impedimento originário (ex: veda de bens
alheios – 892º e ss)

Neste caso, o fenómeno translativo não se pode verificar em virtude de o vendedor não ser efetivamente o
proprietário do bem vendido.

A dissociação entre a celebração do contrato e a transferência da propriedade resulta de um valor negativo


atribuído por lei ao negócio jurídico (892º), que só pode ser sanado através da aquisição da propriedade (895º),
que constitui precisamente uma obrigação para o vendedor (897º).

Em todos os casos acima expostos, ML considera que o fenómeno translativo não fica dependente de uma
obrigação de transferir (dare), mas antes da verificação de um facto posterior, ocorrendo a transferência
automaticamente com a verificação desse facto, logo não se trata de uma situação de venda obrigatória,
concluindo que esta figura (venda obrigatória) não existe o nosso ordenamento jurídico.

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 A publicidade da transmissão da propriedade

Sendo a compra e venda um facto aquisitivo de direitos reais, se estes respeitarem a bens imóveis ou a bens
móveis sujeitos a registo, a compra e venda terá de ser registada (art. 2º alínea A do Código de Registo Predial e
art. 11º nº1, alínea A do Código de Registo de bens Moveis), sob pena de não ser oponível a terceiros nem
prevalecer contra uma eventual aquisição tabular, desencadeada por uma segunda alienação do mesmo bem (art.
5º e 17º º2 do C. Registo. Predial e art. 3º e 38º do Cód. De Regi. de bens móveis).

A imposição do registo deve-se ao facto de que todos possam conhecer a existência do direito erga omnes, daí
que seja necessário este princípio da publicidade em nome da segurança jurídica e da defesa dos interesses de
terceiros. Esta publicidade, no sistema de título, é meramente declarativa, na medida em que é apenas uma
condição de eficácia relativamente a terceiros do direito real validamente constituído por mero efeito do contrato
(408º nº1).

O ordenamento jurídico nacional, a publicidade do registo tem valor meramente declarativo.


A publicidade apenas será constitutiva na hipótese de aquisição tabular, caso em que a segunda venda que for
registada primeiro, prevalece sobre a primeira venda.

 O risco no contrato de compra e venda

O facto de a transferência da propriedade ocorrer por mero efeito do contrato, atribui um importante benefício
ao comprador, tornando-se ele logo proprietário do vendedor, e não credor do vendedor relativamente à sua
entrega, deixa de estar sujeito ao concurso de credores no património do vendedor em relação a essa coisa (604º
nº1), uma vez que tendo sobre ela a propriedade, que é o direito pleno e exclusivo (1305º nº1), tem também a
melhor das garantias.

Associada à transferência da propriedade aparece a transferência do risco (796º nº1) – a partir do momento em
que se celebra o contrato de compra e venda, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações
resultantes desse contrato, o risco fica a cargo do comprador.

A transferência do risco só não se sucederá se a coisa tiver continuado em poder do alienante, em consequência
de termo estabelecido a seu favor, caso em que a transferência da propriedade só se verifica com o vencimento
do termo ou a entrega da coisa, salvo se o vendedor entrar em mora, em que o risco se inverte por força do art.
796º nº2.

Nos casos em que o contrato contenha uma condição:


- Se esta for resolutiva, o risco corre por conta do adquirente se a coisa lhe tiver sido entregue
- Se esta for suspensiva, o risco corre por conta do alienante durante a pendência da condição (796º nº3).

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 Os efeitos obrigacionais

 O dever de entregar a coisa

Do contrato, surge para o devedor a obrigação de entregar a coisa (ato material), logo o comprador tem um
direito de crédito à entrega da coisa pelo vendedor, o qual concorre com a ação de reivindicação (1311º) que
pode exercer enquanto proprietário da coisa.

O cumprimento da obrigação de entrega da coisa permite ao comprador a sua apreensão física no caso de bens
moveis ou a aquisição do gozo no caso de bens imóveis.

Em virtude do cumprimento da obrigação de entrega, verificar-se-á a atribuição da posse da coisa entregue ao


comprador (1263º alínea B), a qual pode porém ocorrer previamente com a verificação do constituto possessório
(1263º alínea C e 1264º).

No caso de a coisa vendida já estar na posse do comprador, ou de a venda respeitar a direitos sobre coisas
incorpóreas, em sequer a entrega se torna necessária, o que demonstra que, sendo esta obrigação um efeito
legalmente obrigatório do contrato, não constitui um elemento essencial do contrato de compra e venda.

Em relação ao objeto da obrigação de entrega, este corresponde, em primeiro lugar, à coisa comprada.

Neste âmbito, se a venda for de coisa específica, o vendedor apenas pode cumprir entregando ao comprador a
coisa objeto da venda, não a podendo substituir, mesmo queº º a substituição não acarretasse prejuízo.
A obrigação de entrega de coisa específica é regulada no art. 882º nº1, que estabelece que a coisa deve ser
entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda, fazendo cair sobre o vendedor o dever de custódia
sobre a coisa, dever esse que deve executar os termos gerais (799º nº2 e 487º nº2).

Assim, se a coisa não for entregue nesse estado, presume-se a responsabilidade do vendedor por
incumprimento dessa obrigação nos termos do art. 918º, respondendo por esse incumprimento, exceto se
provar que a deterioração da coisa não procede de culpa sua os termos do art. 799º nº1.

Por outro lado, se a venda for de coisa genérica, o vendedor cumpre o contrato entregando qualquer coisa
dentro do género (539º e ss. e art. 400º).
O devedor terá assim de entregar as coisas correspondentes à quantidade e qualidade convencionadas no
contrato, e deverá escolher coisas de média qualidade, a menos que tenha sido convencionado o contrário.

O desrespeito por estas regras levará à aplicação do regime do incumprimento das obrigações do art. 918º.

A lei esclarece que a obrigação de entrega da coisa abrange, salvo convenção em contrário, todas as partes
integrantes e documentos relativos à coisa ou direito (882º nº2).

As únicas exceções, além da convenção das partes, é o caso de os documentos conterem outras matérias de
interesse para o devedor, em que este pode apenas entregar fotocópia desse documento.

A obrigação de entrega por parte do vendedor é sujeita às regras gerais quanto ao tempo (777º e ss) e quanto ao
lugar do cumprimento (772º e ss).

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Quanto ao tempo do cumprimento, na falta de convenção das partes, o comprador pode exigir a todo o tempo a
entrega da coisa, sob pena de o vendedor entrar em mora (805º nº1), tal como o vendedor a pode entregar a
todo o tempo (777º nº1).

Se for estipulado um tempo para o cumprimento, ou esse tempo resultar da lei (ex: art. 473º C. Comercial), o
vendedor terá de entregar a coisa até ao fim desse prazo, sob pena de entrar em mora (805º nº2, alínea A),
podendo no entanto optar pela antecipação do cumprimento, uma vez que o prazo se presume estipulado em
seu benefício.

O prazo de prescrição de entrega da coisa é de 20 anos (309º).

Quanto ao lugar do cumprimento, na falta de estipulação das partes:

- No caso de bens móveis: caso se trate de coisas determinadas, coisas genéricas a serem escolhidas de um
conjunto determinado, ou coisas a ser produzidas em certo lugar, a coisa deve ser entregue no lugar em que se
encontrava ao tempo da conclusão do negócio (773º).

Nos demais casos, a coisa deve ser entregue no domicílio do vendedor (772º).

- No caso de bens imóveis: a entrega física só poderá ocorrer no local onde a coisa se encontra, ou nos
casos de ser estipulada a entrega simbólica, aplica-se o art. 772º (domicilio do devedor), sendo uma obrigação de
colocação.

No caso de não cumprimento da obrigação de entrega por parte do vendedor, o comprador pode intentar uma
ação de cumprimento (817º e ss) e ainda mover a execução específica da obrigação (827º), quando se trate de
coisa determinada.
O vendedor estará ainda sujeito a ter de indemnizar o comprador nos termos do art. 798º e ss (incumprimento),
ou os termos do art. 804º e ss (mora) pelos danos causados ao comprador pelo não cumprimento da obrigação.

O comprador tem ainda a hipótese de resolver o contrato nos termos do art. 801º nº2.

 Outros deveres do vendedor

Por vezes podem ser impostos ao vendedor ouros deveres específicos tais como:
- A obrigação de emitir fatura (476º C. Comercial)
- Os deveres de boa fé impostos pelo art. 762º nº2, os quais podem abranger deveres de informação,
conselho ou de assistência pós-venda.

 O dever de pagar o preço

A obrigação de pagar o preço corresponde a uma obrigação pecuniária, sujeita ao regime do art. 550º e ss.

A assunção desta obrigação no contrato faz nascer na esfera jurídica do vendedor um direito de crédito sobre o
comprador, ficando o vendedor proprietário das espécies metálicas após o cumprimento da obrigação pelo
comprador.

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Nos termos do art. 280º nº1, o preço não tem de estar determinado aquando do contrato, basta que seja
determinável, que pode ser através da sua imposição por uma autoridade pública (preço de império), quer da
fixação pelas partes.

Hipóteses de determinabilidade do preço ocorreram quando as partes fixarem uma forma de o preço ser
determinado (como a cargo de uma das partes – 400º nº1), ou quando a lei supletivamente indique essa forma, o
que nos termos do art. 883º se estabelece nos casos em que as partes nada dizem sore o preço (Nº1), ou no caso
de as partes referirem o preço justo (Nº2).

No art. 883º são indicados como critérios supletivos sucessivamente:

1º - O preço que o vendedor praticar à data da conclusão do contrato: aplica-se sempre em primeiro lugar
sempre que o vendedor aliena regularmente bens parecidos com o objeto do contrato, sendo que o preço que ele
habitualmente pratica é considerado como preço contratual.

Se não se verificar esta situação:


2º - Aplica-se o preço do mercado ou da bolsa no momento do contrato e no lugar onde o comprador
deva cumprir.

- 3º Apenas esgotadas estas possibilidade, é que o preço será determinado pelo tribunal segundo juízos
de equidade.

A obrigação de pagamento do preço é sujeita a regras específicas quanto ao tempo e lugar de cumprimento:
- Salvo convenção das partes em contrário, o tempo do cumprimento nos termos do art. 885º nº1, o preço
deve ser pago no momento da entrega da coisa vendida.
Se a entrega tiver ocorrido antecipadamente, uma vez que o prelo aparece como contrapartida da aquisição da
propriedade, o comprador não é obrigado a pagar o preço na altura da entrega antecipada.

A imposição do pagamento do preço no momento da entrega pressupõe que a obrigação do vendedor seja
integralmente cumprida.
Assim, se a entrega for feita em fases, o comprador só tem a obrigação de pagar o preço aquando da última
entrega, salvo se as partes estipularem o pagamento faseada consoante as entregas efetuadas.

Quanto ao lugar do cumprimento da obrigação do pagamento do preço, na falta de estipulação das partes, o art.
885º nº1, estipula que o preço deve ser pago no lugar da entrega da coisa vendida.

Contudo, se por força da estipulação das partes ou pelos usos, o pagamento do preço não coincidir com o
cumprimento da obrigação de entrega (ex: venda a crédito), o preço deve ser pago no domicílio que o credor tiver
ao tempo do cumprimento (885º nº2), solução igual à do art. 774º.

Quanto à prescrição da obrigação de pagamento do preço:


- 20 anos (309º)
- 2 anos (317º alínea B – prescrição presuntiva), no caso de créditos de comerciantes pelos objetos
vendidos a quem não seja comerciante e não os destine ao seu comércio.

Sendo a compra e venda um contrato sinalagmático, o não cumprimento da obrigação do pagamento do preço
poderia levar à resolução do contrato por incumprimento nos termos do art. 801º nº2.

Contudo, o art. 886º vem restringir essa faculdade do vendedor.

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Havendo a transferência da propriedade ou a entrega do bem vendido, ele não pode reclamar o bem por via da
resolução do contrato, tendo antes de intentar uma ação de cumprimento para cobrança do preço (817º), e
respetivos juros moratórios (806º nº1).

Assim, a resolução do contrato é apenas possível nas situações:

- Havendo convenção em contrário ao art. 886º

Se as partes consagrarem uma cláusula resolutiva expressa no contrato, derrogam as restrições do art. 886º,
sendo assim admissível a resolução por incumprimento.

- A coisa ainda não tiver sido entregue (mesmo que tenha havido a transmissão da propriedade)

Embora já se tenha transmitida a propriedade da coisa vendida, o contrato ainda não se encontra totalmente
executado, podendo o vendedor recusar a entrega da coisa enquanto o comprador não cumprir a obrigação de
pagar o preço (428º).
Se o comprador não pagar o preço, o vendedor pode resolver o contrato, sob pena de a situação se prolongar
artificialmente até à cobrança coerciva do preço.

- Ainda não tiver ocorrido a transmissão da propriedade da coisa vendida (mesmo que a coisa já tenha
sido entregue).
Esta situação ocorre quando o vendedor já tenha entregado a coisa vendida mas tenha reservado a propriedade
até ocorrer o cumprimento da obrigação do pagamento do preço (409º).
Conservando o vendedor a propriedade do bem vendido como garantia do pagamento, o incumprimento da
obrigação de pagamento do preço pelo comprador, legitima o vendedor a resolver o contrato e exigir a
restituição do bem.

 Outros deveres do comprador

Nos termos do art. 878º, as despesas do contrato e outras despesas acessórias (ex: encargos fiscais), ficam a
cargo do comprador

Neste preceito não são abrangidas as despesas relativas à guarda, embalagem, transmissão e entrega da coisa
vendida, que deveram ficar a cargo do vendedor.

Quanto às despesas necessárias para o pagamento do preço, obviamente que ficam a cargo do comprador.

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Proibições de venda

São os casos em que a lei veda a celebração do contrato de compra e venda entre determinadas pessoas, sob
pena de ser sancionada com um desvalor jurídico consoante os casos.

 Venda de coisa ou direito litigioso (876º nº1)

O art. 876º nº1 remete para a proibição da cessão de créditos e direitos litigiosos previstas no art. 579º e ss.

As coisas ou direitos consideram-se litigiosos quando tiverem sido contestados em juízo contencioso, ainda que
arbitral, por qualquer interessado (579º nº3).

A proibição de venda prevista no art. 579º nº1 relativa à cessão de créditos, é também extensível às coisas.
Assim, a lei proíbe igualmente a realização deste negócio às pessoas contempladas o art. 579º nº2.

Fora destes casos, a venda de coisas ou direitos litigiosos é plenamente admitida, devendo processar-se a
substituição processual do vendedor pelo comprador.

Esta proibição deve-se ao facto de evitar fins especulativos, evitando que os titulares a vender-lhes os bens a
baixos preços, a pretexto da sua influência o processo.

Daí que, nos termos do art. 581º, esta proibição cesse, uma vez que não existe esse receio.

Se, apesar da proibição, se verificar a compra e venda, esta é considerada nula, tendo o comprador de
indemnizar, nos termos gerais, os danos causados (876º nº2 e 580º nº1).

A nulidade do contrato nunca pode ser invocada pelo comprador (876º nº3 e 580º nº2), sendo estabelecida
primordialmente no interesse do vendedor, pois este foi sujeito à especulação, tendo cedido o crédito ou bem
abaixo do valor de mercado.
Além da invalidade do contrato, o vendedor tem ainda direito a ver indemnizado, pelo comprador, dos danos
que a atitude especulativa lhe causou, limitado ao seu interesse contratual positivo.

 Venda a filhos e netos (877º)

Se a venda não respeitar o art. 877º, esta é anulável, que pode ser invocada pelos filhos ou netos que não deram
o seu consentimento dentro do prazo de 1 ano, nos termos do art. 877º nº2.

Esta proibição prende-se com o facto de evitar que se efetuem doações simuladas em favor dos descendentes,
com o fim de evitar a sua imputação nas quotas legitimárias, prejudicando os demais sucessíveis.

O consentimento previsto no art. 877º não está sujeito a forma especial (219º), mesmo que o contrato de compra
e venda esteja sujeito a forma especial, e pode ser prestado tacitamente (217º).

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O consentimento pode ser suprimido pelo tribunal quando seja recusado por algum descendente ou quando ele
não o possa prestar, como o caso de ser incapaz, estar ausente ou sobre ele exista outro impedimento. Este
processo de suprimento encontra-se regulado nos art. 1425º CPC e 1426º CPC.

A proibição do art. 877º abrange a venda de pais a filhos e de avós a netos.

Não abrange a venda de bisavôs a bisnetos, nem a venda de filhos ou netos a avos ou pais.

Se a venda for realizada a filhos, é necessário o consentimento apenas dos filhos, salvo se algum dos netos for
sucessível prioritário.
Se a venda for realizada a netos, além do consentimento dos filhos e/ou netos sucessíveis prioritários, e também
necessário o consentimento dos netos irmãos do comprador.

ML também defende que o art. 877º também abrange a compra e venda feita a descendentes por interposta
pessoa.

A proibição do art. 877º não se estende à troca, por força do art. 939º.

O nº3 do art. 877º refere que esta proibição de venda não abrange a dação em cumprimento, contudo, ML
defende que neste caso pode sempre existir a simulação de uma dívida antigas para levar assim a cabo uma
doação.

 Compra de bens do incapaz pelos seus pais, tutor, curador, administrador legal de bens ou protetor que
exerça as funções de tutor (1892º)

Para que tal possa acontecer, o art. 1892º nº1 refere que é necessário a autorização do Ministério Público (em
vez do tribunal por alteração levada a cabo pelo DL 272/2001).

Esta situação também se aplica aos casos de venda por interposta pessoa (1892º nº2 e 579º nº2).

Caso seja celebrado um contrato de compra e venda sem a devida autorização do MP, esta é anulável, o prazo de
1 ano, a requerimento do menor nos termos do art. 1893º nº1.
O prazo de 1 ano pode-se estender, nos termos do art. 1893º nº2.
A anulabilidade pode ainda ser arguida pelas pessoas constantes no art. 1893º nº3, quando o menor ainda não
tem há atingido a maioridade ou a emancipação.

Apesar d enão autorizada, a compra e venda pode ser objeto de confirmação pelo MP (1894º e art. 2º nº1, alínea
D do DL 171/2001), caso em que cessa a invalidade.

Quanto ao tutor, o art. 1937º alínea B, impede a compra e venda dos bens ou direitos do menor.

Esta proibição é extensiva ao curador por força do art. 156º, ao administrador de bens por força do art. 1971º nº1
e em relação ao protetor sempre que este substitua o tutor por força do art.1956º alínea B.

Caso venha a ser realizada uma compra e venda em contradição com o acima exposto, a venda é nula, com um
regime especial, não podendo ser invocada pelo tutor ou pelos seus herdeiros, em pela interposta pessoa de que
o tutor se tenha servido, sendo sanável mediante confirmação do pupilo, depois da cessão da incapacidade, mas
somente enquanto não for declarada por sentença transitada em julgado (1939º).

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 Venda entre cônjuges

O principio da imutabilidade das convenções antenupciais estabelecido no art. 1714º nº1, proíbe que os cônjuges
de alterar o regime de bens estabelecido, e o nº2 consagra os contratos de compra e venda como proibidos,
exceto se eles se encontrarem separados judicialmente de pessoas e bens.

É no entanto, lícita a dação em cumprimento efetuada entre eles (1714º nº3).

Modalidades específicas de venda

1. Venda de bens futuros, de frutos pendentes e de partes componentes ou integrantes de uma coisa
(880º e art. 467º nº1 C. Comer.)

A venda de bens futuros ocorre sempre que o vendedor aliena bens:


- Que não existem ao tempo da declaração negocial (venda de fração autónoma ainda em construção),
- Que não estão em seu poder (venda de peixes que vier a pescar num dado dia)
- Que ele não tem direito (a venda de cereais que um agricultor lhe vai fornecer).

Pode também ser considerada como venda de bens futuros a venda de frutos pendentes, partes componentes ou
integrantes de uma coisa, uma vez que estas podem ser incluídas num conceito amplo de coisa futura, que
abrange também as coisas ainda não autónomas de outras coisas, mas que destas irão ser separadas.

A automatização desta ultima situação no âmbito do art. 880º justifica-se em virtude de o art. 408º nº2
estabelecer a transferência de propriedade em momentos diferentes. Assim:
- Na venda de bens futuros stricto sensu, esta ocorre no momento da aquisição pelo alienante.
- A venda de frutos pendentes, partes componentes ou integrantes, a transferência verifica-se apenas no
momento da colheita ou da separação

Ao contrário do que se sucede com os bens alheios (892º), a coisa não pertence ao alienante, embora haja a
expetativa de vir a integrar o seu património.

Sendo essencial a existência de uma aquisição derivada do direito a partir do vendedor, se as partes
convencionarem que a transferência da propriedade se realizará a título originário ou diretamente da esfera
jurídica de um terceiro para o comprador, não se pode aplicar o art. 880º.

Não ocorrendo a transferência de propriedade imediatamente, nos termos do art. 880º nº1 o vendedor está
obrigado a “exercer as diligências….do contrato”, ou seja, o vendedor está obrigado a adquirir o bem, sedo que a
propriedade do bem se processará automaticamente para a esfera jurídica do comprador em virtude da anterior
celebração do contrato de compra e venda (408º nº2).

Caso o vendedor não cumprir a obrigação de adquirir a coisa vendida, incorre em incumprimento (798º), tendo
que indemnizar o comprador quer pelo interesse contratual negativo quer pelo positivo.

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Caso a impossibilidade de adquirir a coisa vendida, total ou parcialmente, por facto não imputável ao
vendedor, o resultado será a extinção da obrigação ou o cumprimento parcial, casos em que, respetivamente, o
vendedor perderá o direito à contraprestação (795º nº1), ou verá esta proporcionalmente reduzida (793º nº1).

A venda de bens pode ainda ser clausulada como contrato aleatório (880º nº2), caso em que o objeto da venda é
a mera esperança de aquisição das coisas (como a venda da próxima colheita, independentemente se venha ou
não a ocorrer) – venda de esperanças.
Neste caso, o comprador é obrigado a cumprir a obrigação de pagar o preço, ainda que a transmissão da coisa
não se venha a verificar (ex: perda da colheita por condições climatéricas).

A diferença entre a venda de bens futuros e a venda de esperanças, é que na segunda o risco de não se verificar
a transferência da propriedade é atribuído ao comprador.
Esta atribuição do risco ao comprador deve ser expressamente clausulado, sob pena de ser considerado um
contrato de compra e venda de bens futuros.

Quanto à natureza do contrato de compra e venda de bens futuros, ML defende que se trata de uma modalidade
especial de venda obrigatória, uma vez que o vendedor se obriga com carater definitivo, a realizar o que for
necessário para que se possa verificar a aquisição da propriedade pelo comprador.

2. Venda de bens de existência ou titularidade incerta (881º e art. 467º nº1 C. Com.)

Regra geral, as coisas objeto de venda inexistentes são nulas por impossibilidade do objeto (280º nº1), nulidade
que também se verifica caso as coisas não pertençam ao vendedor (892º)

Contudo, se se fizer menção no contrato da incerteza da existência ou da titularidade da coisa vendida, este é
válido nos termos do art. 881º.

Nestes casos, a lei presume que as partes quiseram celebrar um contrato aleatório, pelo que o comprador tem a
obrigação de pagar o preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor (881º).

Esta presunção pode ser ilidida pelas partes, recusando ao contrato natureza aleatória, caso em que o preço só
será devido no caso de os bens existirem e pertencerem ao vendedor.

A venda de bens de existência ou titularidade incerta distingue-se da venda de bens futuros, na medida em que
não toma por base a expetativa de uma futura aquisição ou automatização da coisa no património do vendedor,
mas sim a incerteza de uma situação presente.

Distingue-se ainda da venda de bens alheios, pois o vendedor não celebra um contrato na qualidade de
proprietário da coisa, não tendo assim a obrigação de levar a cabo os atos necessários para adquirir a coisa
vendida (880º e 897º). O vendedor fica apenas constituído o dever de entregar a coisa, se e quando se comprovar
que esta existe e/ou lhe pertence.

Uma vez que a lei presume que a venda de bens de existência ou titularidade incerta é um contrato aleatório, ML
defende que a obrigação de pagar o preço do comprador é devida no momento da celebração do contrato.

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Se, por ventura, as partes recusarem ao contrato natureza aleatória, a obrigação de pagar o preço fica
dependente do cumprimento da obrigação de entrega (885º nº1). Até à entrega da coisa, o comprador não é
obrigado a pagar o preço e pode recusar o pagamento enquanto o vendedor não lhe entregar a coisa.

3. Venda com reserva de propriedade

É mais uma das modalidades específicas de venda.

Sendo a compra e venda um contrato pelo qual a propriedade da coisa vendida se transfere para o alienante,
regra geral, no momento da celebração do contrato, a estipulação da venda com reserva da propriedade evita
assim que o comprador possa alienar o bem vendido a terceiros e se não cumprir a obrigação de pagar o preço, o
vendedor tem de concorrer com os demais credores para ver satisfeito o seu direito de crédito (o preço),
correndo o risco de não ver satisfeito esse seu direito.

A compra e venda a crédito (venda a prestações ou venda com espera de preço) apresenta-se como um contrato
com riscos elevados para o vendedor, uma vez que a propriedade transfere-se para o comprador com a
celebração do contrato sem qualquer garantia especial. Como agravante, o art. 886º retira ao vendedor a
possibilidade de resolver o contrato por incumprimento do comprador (801º nº2), após a transmissão e a entrega
da coisa.

Assim, tornou-se usual a celebração de contratos de compra e venda a crédito com reserva da propriedade
(409º).

A reserva da propriedade pode ser definida como a convenção pela qual o alienante reserva para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da contraparte, ou até à verificação de
qualquer outro evento (como por ex. o pagamento de uma dívida a terceiro) (409º nº1).

Assim, as partes convencionam a transferência da propriedade para um momento posterior ao da celebração


do contrato.

 Regime da venda com reserva da propriedade

A cláusula de reserva da propriedade tem de ser estipulada no próprio contrato de compra e venda, do qual não
pode ser separada.

Esta cláusula terá de respeitar a forma legalmente exigida para o contrato de compra e venda, podendo
inclusivamente ser consensual.

Apenas me casos de insolvência do comprador, o art. 104º nº4 do CIRE exige a forma escrita da clausula de
reserva de propriedade para estabelecer a sua oponibilidade à massa solvente.

Esta cláusula pode ser celebrada em relação a quaisquer coisas móveis ou imóveis, desde que sejam coisas
específicas e não consumíveis.

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O art. 409º nº2 dispõe que no caso de bens imoveis ou móveis sujeitos a registo, só a clausula constante do
registo é oponível a terceiros (se o registo for feito sem menção à reserva da propriedade, esta será considerada
como translativa em relação a terceiros).

Suscita-se então a questão sobre a oponibilidade a terceiros da reserva de propriedade quando ela respeite a
bens móveis não registáveis?
De acordo com os princípios da causalidade consensualidade vigentes no nosso ordenamento jurídico, a reserva
poderá ser normalmente oposta a terceiros de boa-fé.

A lei só exige a publicidade para o caso de bens imoveis e bens móveis sujeitos a registo para que opere a
oponibilidade face a terceiros.

Contudo, se o terceiro adquirir a propriedade a título originário, como sucede no usucapião e na acessão, a
reserva de propriedade extingue-se.

A cláusula da reserva da propriedade implica que por acordo entre vendedor e comprador, a transmissão da
propriedade fique diferida para momento posterior ao da celebração do contrato, defendendo-se assim o
vendedor das eventuais consequências do incumprimento do comprador, sendo que o comprador tem o gozo da
coisa desde a sua entrega.

Em caso de incumprimento por parte do comprador, o vendedor poderá resolver o contrato nos termos do art.
801º nº2,m uma vez que a exclusão desse direito pelo art. 886º só se verifica se tiver ocorrido a transmissão da
propriedade da coisa.

No caso da venda a prestações, o art. 934º excluiu a possibilidade de resolver o contrato se o comprador faltar ao
pagamento de uma prestação, desde que não exceda a oitava parte do preço. (se faltar ao cumprimento de 2
prestações, dá logo lugar à resolução, independentemente do valor exceder ou não a oitava parte)

Em relação ao risco, tem vindo a ser sustentado que o vendedor continua a suportar o risco pela perda ou
deterioração da coisa, ainda que esta tivesse sido entregue ao comprador.

ML rejeita esta solução, uma vez que entregue a coisa ao comprador, este é revestido os poderes de uso e fruição
da coisa, servindo a manutenção da propriedade da coisa apenas para a sua eventual recuperação face a um
incumprimento.
Assim, ML defende que o risco deve correr por conta do comprador, após a entrega da coisa vendida, tendo que
pagar o preço mesmo que o destrua, perca ou deteriore.

 Natureza jurídica da venda com reserva da propriedade

ML e a tese maioritária configura a venda com reserva de propriedade como uma venda em que o efeito
translativo da propriedade é diferido ao momento do pagamento do preço, obtendo o comprador no entanto,
com a celebração do contrato, uma posição jurídica especifica distinta da propriedade, normalmente qualificada
como uma expetativa real de aquisição.

Em relação ao vendedor, este conserva a propriedade do bem que visa apenas funções de garantia de
pagamento do preço, uma vez que o negócio translativo já foi celebrado, permitindo ao vendedor, em caso de
não pagamento do preço, exigir a entrega da coisa.

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Se o comprador, através de atos de disposição material ou jurídica da coisa, puser em perigo a subsistência da
garantia, o vendedor poderá exercer contra ele ou contra terceiros a ação de reivindicação ou as competentes
providências cautelares.

Esta solução já não será lícita, se o vendedor quiser apenas alienar essa coisa a terceiro, pois não é esse o fim da
reserva da propriedade.

Em relação a terceiros, a reserva de propriedade é oponível, ainda que, quando se trate de bens imóveis ou de
bens móveis sujeitos a registo, tenha de ser registada.

Em relação ao comprador, até ao pagamento do preço, embora ele não tenha a propriedade da coisa, o contrato
de compra e venda confere-lhe uma expetativa jurídica de aquisição do bem, que é oponível a terceiros,
tratando-se desse modo de uma expetativa real de aquisição.

O contrato confere ainda ao comprador um direito de gozo que inere à coisa e é naturalmente oponível erga
omnes, sendo assim titular de uma posição jurídica de natureza real, uma vez que é dotada de inerência e
sequela.

Combinando a real expetativa do bem e do direito de gozo da coisa, a situação jurídica do comprador é complexa.

O comprador não pode ser considerado um mero detentor da coisa, tendo o poder de fruir dela e usá-la, direito
de gozo esse oponível ao vendedor e a terceiros, podendo este intentar as ações possessórias (1276º) e a
reivindicação (1311º e 1315º), e ainda ser indemnizado, caso esse seu direito seja violado.

Ao comprador está apenas vedada a possibilidade de a alienar o bem adquirido com reserva de propriedade.

Em suma, tanto o vendedor como o comprador são titulares de situações jurídicas reais, tendo que ser atribuído
o risco consoante o proveito que cada um tira da coisa. Assim:
- Como o vendedor apenas conserva a propriedade como garantia, deve apenas suportar o risco da perda
dessa garantia.
- Como o comprador já tira proveito da coisa, este deve suportar o risco da sua perda ou deterioração.

Assim, nos contratos de compra e venda com reserva da propriedade, deve-se considerar que o risco se
transfere para o comprador logo que a coisa lhe seja entregue.

4. Venda a prestações (934º e ss)

O art. 934º, na opinião de ML apresenta um defeito, na medida em que a reserva de propriedade, embora muito
usual nos contratos a prestações, não é uma cláusula obrigatória.

O art. 934º funciona como derrogação do art. 781º que consagra a perda de benefício do prazo (“vencimento”) na
falta de cumprimento de uma das prestações nas obrigações com prestações fracionadas, o que na venda a
prestações a lei entende que essa solução seria muito drástica.

Assim, o art. 934º prevê injuntivamente que na venda a prestações a perda de benefício do prazo só aconteça
quando o comprador falte com uma prestação que seja superior a 1/8 do preço, ou na falta de duas prestações,
independentemente do valor.

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Tendo a coisa já sido entregue, a perda do benefício do prazo para pagamento do preço, só permite por força do
art. 886º, o recurso à resolução do contrato pelo vendedor, caso tenha sido estipulada uma reserva da
propriedade.
Só assim se entende a referência à reserva da propriedade do art. 934º, contudo era preferível que a sua redação
fosse “vendida a coisa a prestações, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda 1/8 do preço, não
importa a perda do benefício do prazo quanto às restantes, e consequentemente, havendo reserva de
propriedade, também não dá lugar a revogação do contrato”

ML defende que a expressão “sem embargo de convenção em contrário”, confere ao art. 934º natureza
imperativa, pois esta norma protege o comprador a crédito, enquanto parte mais fraca no contrato, não fazendo
sentido que esta proteção seja retirada por mera estipulação negocial.

Na venda a prestações, a resolução do contrato pelo vendedor depende, salvo convenção em contrário, da
circunstância de ter sido celebrada uma cláusula de reserva da propriedade.

Contudo, em muitos contratos, a resolução do contrato não é a melhor hipótese.


Na venda a crédito de bens não duradouros, a restituição de tudo o que tiver sido prestado ao abrigo do contrato
(433º e 289º) pode não satisfazer os interesses do vendedor (432º nº2), uma vez que o decurso do tempo
provoca a desvalorização da coisa vendida, logo a retoma do bem será em valor inferior ao do valor vendido.
Seja como for, a resolução do contrato pode ser acompanhada, quando o comprador tenha culpa no
incumprimento, da exigência pelo vendedor de uma indemnização pelos danos causados, onde se incluiu a
deterioração da coisa nos termos do art. 801º nº2.
A prova desses prejuízos compete ao vendedor, logo sendo difíceis de comprovar, a resolução do contrato a
credito nestes casos é desaconselhada.
Ex: venda de um automóvel.

Para evitar a situação acima exposta, é usual ser estipulada uma cláusula penal nos contratos a prestações.
O art. 935º nº1 prevê limites máximos às clausulas penais estabelecidas ao abrigo do art. 812º.

A indemnização por o comprador não cumprir o contrato, nos termos do art. 798º e 801º nº2, pode ter por base
tanto o interesse contratual positivo como o interesse contratual negativo, consoante o vendedor proceda ou não
à resolução do contrato.
Isto leva-nos a ter de interpretar restritivamente o art. 935º nº1. Assim:
- Se o vendedor não optar pela resolução do contrato, a indemnização será pelo interesse contratual
positivo, não há qualquer motivo para limitar a indemnização a metade do preço.
- Se o vendedor optar pela resolução do contrato, a indemnização será pelo interesse contratual negativo,
o vendedor pode exigir a entrega da coisa e exigir a indemnização que será limitada a metade do seu valor.

Esta redução não prejudica a possibilidade de as partes estabelecerem a convenção de ressarcibilidade do


prejuízo excedente, tal como resulta do art. 811º nº2.
Assim, o vendedor não tem o ónus de provar o prejuízo se apenas reclamar a cláusula penal.
Apenas se exigir uma indemnização superior à cláusula penal é que tem esse ónus.

Se as partes estabelecem uma cláusula penal de montante superior a metade do preço, a lei determina a sua
redução a metade do preço, sendo que a estipulação desse montante superior vale, no entanto, como convenção
de ressarcimento do prejuízo excedente até esse montante (935º nº2).
O art. 936º estende este regime a todos os contratos pelos quais se pretenda obter resultado equivalente o da
venda a prestações.

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 A venda a prestações efetuada no âmbito de relações de consumo

Se a venda for efetuada no âmbito de relações de consumo – sempre que a venda é realizada a pessoa singular
que atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional- ela é qualificada como um contrato de
crédito ao consumo, regulado pelo DL 133/2009.

Passei pág. 66 a 68.

5. Locação-venda (936º nº2)

A definição de locação-venda do art. 936º nº2 significa que as partes declararam estipular uma locação, mas
convencionam que a propriedade passará para o locatário automaticamente no fim de pagamento de todas as
rendas ou alugueres convencionados.

Desta definição extrai-se que essas prestações não correspondem a uma contrapartida pelo gozo temporário da
coisa, mas antes a um pagamento prévio para a transmissão da propriedade no futuro.

Apesar deste tipo de contrato ser qualificado pelas partes como locação, desempenha a mesma função
económica que a venda a prestações, pelo que o legislador o sujeita ao mesmo regime (936º nº1, e no caso de
insolvência o art. 104º nº2 do CIRE).

O art. 936º nº2 é impedir que as partes contratuais derroguem o regime vigente para a venda a prestações.
Assim, este artigo determina que a resolução tem obrigatoriamente efeito retroativo, não funcionado o regime
do art. 434º nº2, sendo o vendedor obrigado, em caso de resolução por incumprimento, de devolver as
prestações já recebidas, podendo apenas exigir uma indemnização nos termos gerais ou estipular uma clausula
penal nos termos do art. 935º.

Assim, o vendedor poderá exigir apenas uma indemnização correspondente a metade do valor total das
prestações convencionadas, salvo se houver prejuízo excedente, onde este poderá vir a ser ressarcido até ao
limite da indemnização convencionada.

Quanto à natureza jurídica da locação-venda, ML defende que é uma modalidade específica de venda em que,
sendo diferida a transmissão da propriedade até ao pagamento do preço, o vendedor se obriga entretanto a
proporcionar ao comprador o gozo da coisa, como locatário desta.

6. Venda de coisas sujeita a contagem, pesagem e medição (887º e ss)

Consiste numa venda de coisas determinadas, ainda que sujeitas a uma posterior operação de pesagem,
contagem ou medição.

Não se trate da venda de coisas genéricas, pois nesse caso teria de se aplicar o art. 539º quanto à concentração
da obrigação.

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Assim, o art. 887º aplica-se em exemplos como a venda de um determinado saco de maças, que indicam conter
vinte quilos, pois sendo uma coisa específica, ainda é necessário verificar a pesagem.

Casos como comprar vinte quilos de maças ou fornecer 20 Kw de eletricidade, não integram no art. 887º.

Uma vez que se está perante coisa determinadas, a venda considera-se concluída antes da operação de
contagem, pesagem ou medição, logo com a celebração do contrato, adquirindo assim o comprador
imediatamente a propriedade dos bens vendidos (408º nº1), suportando consequentemente o risco pela sua
perda ou deterioração (796º nº1), pelo que a discrepância apenas pode ter reflexos para efeitos de apuramento
do preço, conforme este seja estabelecido em função:

- De um tanto por cada unidade vendida: neste caso, o art. 887º refere que, independentemente da
quantidade referida no contrato, o comprador deve pagar o preço proporcional ao número, peso ou medida real
das coisas vendidas.

- Do conjunto das coisas vendidas: o art. 888º determina que o comprador deve pagar o preço declarado,
mesmo que a quantidade referida não corresponda à real, salvo se a diferença entre a realidade declarada e a
real seja superior a um vigésimo, caso em que o preço sofrerá redução ou aumento proporcional na totalidade.

Assim, a lei admite a correção do preço quando existe uma discrepância entre a quantidade de coisas vendidas e
a que é declarada, que na venda por medida verifica-se sempre (887º) e que só ocorre na venda a corpo se a
discrepância for superior a 5%. (888º).

O direito ao recebimento da diferença de preço pode ser excluído se ocorrer compensação entre faltas e excessos
e na medida em que essa compensação se verificar nos termos do art. 889º.
Quando o conjunto das coisas vendidas abrange mais que uma categoria e a discrepância na referência se
caraterizar por faltar parte de uma das categorias e haver excesso quanto a outras, as faltas e os excessos
compensam-se.
Ex: 1 Adega que em vez de 50 pipas de cada, tem 40 de vinho branco e 60 de vinho tinto

O direito ao recebimento do preço tem de ser exigido num período curto, pois a lei determina a sua caducidade
num prazo de 6 meses para bens moveis ou 1 ano para bens imóveis a contar da data da entrega da coisa, salvo
se a diferença só se tornar exigível em momento posterior à sua entrega, que neste caso o prazo começa a correr
após esse evento (890º nº1).

O art. 891º prevê que tanto na venda a medida como na venda a corpo, o comprador possa resolver o contrato,
sempre que seja obrigado a pagar ao vendedor uma diferença de preço superior a um vigésimo do preço
declarado, salvo se tiver ocorrido dolo do comprador, ou seja, se o comprador não tiver efetuado sugestão ou
artifício com intenção ou consciência de manter em erro o vendedor ou não tiver dissimulado o erro deste (253º).

Este direito de revogação caduca no prazo de três meses a contar da data em que o vendedor exigir esse excesso,
e está sujeita às regras gerais do art. 432º e ss.

O regime do art. 887º e ss. não exclui a aplicação do regime do erro, logo, se for essencial para o declarante que a
coisa vendida tenha a quantidade declarada e a outra parte conhecia ou não podia ignorar essa essencialidade,
cabe à parte a anulação do contrato nos termos do art. 251º e 247º.

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7. Venda a retro

É definida no art. 927º como a venda na qual se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato, logo
num contrato com essa cláusula, a transmissão da propriedade não se apresenta como definitiva, na medida
em que o vendedor se reserva a possibilidade de reaver o direito alienado, mediante a restituição do preço e o
reembolso das despesas feitas com a venda.

A instituição da venda a retro prende-se com o facto de proteger o interesse tutelar do vendedor, uma vez que
este pode ter de vender algumas coisas, por motivos económicos, mas mantem a possibilidade de as readquirir.

Assim, em termos económicos, a venda a retro é apresentada como uma operação de financiamento na qual o
pagamento do preço substitui a concessão de um empréstimo pelo comprador ao vendedor, e o exercício de
resolução pelo vendedor substitui o reembolso desse mesmo empréstimo, reembolso que se apresentou como
garantido, através da prévia atribuição da propriedade ao comprador.

Esta forma de venda não tem utilidade pratica, pois proibida a sua utilização com fins de garantia, o CC proibiu a
atribuição ao comprador de qualquer benefício como contrapartida da resolução.

Quanto à forma, a venda a retro está sujeita à mesma forma exigida para o contrato de compra e venda.

Quanto à resolução do contrato, o art. 929º determina que esta só pode ser exercida o prazo de 2 ou 5 anos a
contar da venda, consoante se trate de coisas móveis ou imóveis respetivamente (929º nº1), prazo esse que se
considera reduzido caso seja estipulado prazo superior (nº2).

A referência legal à venda deve ser interpretada como abrangendo a celebração do contrato, salvo se a
transmissão da propriedade for diferida para momento posterior, uma vez que nesse caso parece que o prazo se
pode iniciar a partir do momento em que ocorre a transferência da propriedade.

A resolução é levada a cabo nos termos do art. 930º.


Da leitura deste preceito, pode-se concluir que a lei não foge do sistema de resolução por declaração (436º),
ainda que seja exigida uma forma especial para a sua emissão, a notificação judicial (228º nº2 CPC), para os bes
móveis.

Quanto aos bens imoveis, além da notificação judicial, a resolução tem de ser reduzida a escritura pública ou a
documento particular autenticado os quinze dias imediatos, mesmo que o comprador se recuse a outorgar nela,
sem que se considerará caduca a declaração de resolução notificada.

O art. 931º determina ainda que, salvo estipulação das partes em contrário, a resolução se considerará sem
efeito, se dentro de 15 dias após a notificação, o vendedor não fizer ao comprador uma oferta real das
importâncias líquidas que haja de pagar-lhe a título de reembolso do preço e das despesas com o contrato e
outras acessórias, despesas essas que são um ónus para o vendedor, pois a sua omissão gerará apenas à ineficácia
da resolução, e não à responsabilidade por incumprimento.

As despesas são apenas as contempladas no art. 878º, e não as benfeitorias necessárias e uteis realizadas na
coisa.

Nos termos do art. 932º, a venda a retro é oponível a terceiros, desde que a venda tenha por objeto coisas
imóveis, ou coisas móveis sujeitas a registo e tenha sido registada.
A contrario, as coisas móveis não registáveis não são oponíveis a terceiros.

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Assim, a venda a retro só terá eficácia real, no caso de respeitar a bens imóveis e moveis sujeitas a registo e
registadas, e os demais casos, tem apenas eficácia obrigacional.

Então como se exerce a eficácia real na clausula a retro, no caso de o bem já ter sido alienado a terceiro?
ML defende que em caso de resolução, o vendedor deve notificar a resolução ao comprador, do mesmo modo
que é ao comprador que deve ser feita a oferta real do preço e das despesas, devendo pois o vendedor opor ao
adquirente o seu direito e tendo este direito de reclamar do comprador o reembolso do que lhe tiver sido pago.

Efetuada a resolução da venda a retro, a propriedade retoma à esfera jurídica do vendedor, sem eficácia
retroativa, mas sim adquirida ex nunc, ou seja, os frutos que a coisa produziu entre o momento da venda e o da
resolução, pertencem ao comprador.

Sendo a cláusula de retro oponível a terceiros, os bens regressarão livres de qualquer ónus ou encargos com que
o comprador tenha onerado os bens.

Quanto à natureza jurídica da venda a retro, ML configura-a como um direito de resolução do contrato pelo
vendedor, tal como resulta da qualificação legal do art. 927º.
Defende que a venda a retro se harmoniza com o disposto nos art. 432º e ss, podendo por isso ser considerada
como uma convenção atributiva de um direito de resolução do contrato, a exercer ad nutum pelo vendedor.

8. Venda a contento e venda sujeita a prova (923º e ss)

São modalidades específicas de vendas que se realizam por etapas.

Em ambas as situações, normalmente relativas a bens móveis, se verifica a subordinação do contrato a uma
aprovação da coisa vendida por parte do comprador, da qual vai depender a sua efetiva vigência.

A diferença entre ambo reside:

- Na veda a contento: o comprador reserva para si a faculdade de contratar ou a de resolver o contrato,


consoante a sua apreciação subjetiva (o seu gosto pessoal) que vier a fazer do seu bem vendido.

- a veda sujeita a prova: está em causa uma avaliação objetiva do comprador em relação às qualidades da
coisa, em conformidade com um teste a que esta será sujeita.

Em ambos os casos, a vigência efetiva do contrato fica dependente de um teste, a realizar pelo comprador.
 A venda a contento

A lei admite duas modalidades de venda a contento:

1- A venda a contento que implica a estipulação de que a coisa vendida terá de agradar ao comprador
(clausula ad gustum) – 923º.

Esta cláusula constitui uma reserva relativa à aceitação do contrato de compra e venda, logo o acordo entre as
partes é uma mera proposta de venda, ficando o vendedor vinculado ao contrato, ao passo que o comprador tem
a faculdade discricionária de o aceitar ou não.

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Diferentemente do que é normal, a lei admite posteriormente a celebração do contrato através do silêncio do
comprador (218º), uma vez que dispõe que a proposta se considera aceite se o comprador não se dentro do
prazo de aceitação, nos termos do art. 228º (923º nº2), mesmo que a coisa não lhe agrade.

Uma vez que o nº3 do art. 923ºestabelece que a coisa deve ser entregue, pelo vendedor, o que constitui uma
obrigação autónoma do vendedor, ao comprador para exame, que o comprador pode exigir judicialmente, o
prazo para a aceitação começa a decorrer com a entrega efetiva da coisa.

Sendo um critério discricionário do comprador, se ele escolher rejeitar o contrato, a venda considerar-se-á como
não celebrada, sem que este tenha de indicar qualquer motivo.

Uma vez que a lei qualifica esta modalidade de venda a contento como uma mera proposta de venda,
naturalmente que os efeitos do contrato (transmissão propriedade, atribuição risco) só se verificação com o
decurso do prazo estabelecido, que confirmará a sua intenção de adquirir nos termos do art. 218º, sendo até lá, o
comprador considerado como mero detentor precário.

Se a coisa perecer durante esta fase, o risco corre por conta do vendedor.

2- A venda a contento que corresponde à concessão de um direito de resolução unilateral do contrato se


a coisa não agradar ao comprador, seguindo as regras gerais do art. 432º e ss.(924º)

Neste caso, as partes atribuem ao comprador o direito de resolver unilateralmente o contrato se a coisa não lhe
agradar.

A resolução, que não é impedida pela entrega da coisa (nº2), deve ser exercida no prazo estabelecido no contrato
ou, no silêncio do contrato, no prazo definido pelos usos, podendo o vendedor, caso não esteja estabelecido um
prazo, fixar um prazo razoável para que o comprador exerça uma escolha (nº3).

A concessão ao comprador do direito de resolução unilateral não impede que a propriedade da coisa se transmita
(408º nº1), logo o risco da perda ou deterioração da coisa corre por conta deste durante o prazo estipulado para a
resolução unilateral (796º nº1). Assim, se se a coisa se vier a perder ou deteriorar, o comprador deixará de a
poder restituir ao vendedor, pelo que perde o direito de resolver o contrato (432º nº2).

 A venda sujeita a prova

Nesta modalidade de venda, o contrato não se tornará definitivo sem que o comprador averigue, através de um
prévio uso da coisa, que ela é idónea para o fim a que é destinada e tem as qualidades asseguradas pelo
vendedor, idoneidade e qualidades que o art. 925º as qualifica como uma condição (suspensiva ou resolutiva).

ML nega esta qualificação como condição, sustentando ser uma categoria específica de venda, cujos efeitos finais
ficam dependentes da verificação positiva de uma qualidade da coisa que a torna adequada à sua utilização pelo
alienante. Defende esta posição, pois os requisitos do art. 925º da venda sujeita a prova não se distinguem dos
requisitos gerais de conformidade da coisa a que se refere o art. 913º.
O art. 925º apenas acrescenta um específico teste de conformidade, sem o qual não se considera estar
definitivamente concluído o contrato.

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9. Venda sobre documentos (937º e ss)

Constitui uma modalidade especial de venda.

Conforme se referiu anteriormente, no âmbito da obrigação de entrega que compete ao vendedor incluem-se os
documentos relativos à coisa ou direito (882º nº2).

Mas a venda sobre documentos vais mais além. Tem por objeto a venda de mercadorias representadas por
títulos, considerando-se que o vendedor não é obrigado a entregar essas mercadorias, bastando-lhe entregar os
respetivos documentos (937º), onde pode levantar as respetivas mercadorias legitimamente.

A Doutrina considera que na venda sobre documentos, o objeto da venda não são os documentos, mas sim as
coisas a que estes se referem, sendo que o direito incorporado no título constitui unicamente um crédito à
entrega dessas coisas, e não a propriedade das coisas.

A disciplina da transmissão da propriedade e do risco é sujeita às regras gerais.

A única exceção, é referida no art. 939º, que contempla um regime especial do risco na venda de coisas em
viagem representadas por documentos e objeto de um seguro contra os riscos de transporte. Apesar da alínea C
do art. 938º referir que o risco corre por conta do comprador desde a data da compra, as alíneas A e B do mesmo
artigo atribuem o risco ao comprador desde o momento em que a coisa é entregue ao transportador e portanto
anteriormente a essa data.

A razão deste regime excecional prende-se pelo facto de a transmissão do seguro contra os riscos do transporte
de alguma forma segurar o comprador contra o risco de perecimento ou deterioração e não se considerar por isso
justificado fazer depender a transmissão do risco do facto de os danos ocorridos durante o transporte se terem
verificado antes ou após a celebração do contrato.

Contudo, se o vendedor já souber, aquando da celebração do contrato, de que a coisa já se encontrava perecida
ou deteriorada e dolosamente não o ter revelado ao comprador de boa-fé (938º nº2), este regime excecional já
não se aplica.

Nos termos do art. 938º nº3, e visto que este regime excecional depende da existência do seguro, se este apenas
segurar parte dos riscos, este regime só vigorará em relação à parte segurada, e à restante parte aplica-se o
regime geral do risco.

10. Compra e venda comercial

Constitui uma modalidade específica da compra e venda e encontra-se regulada nos art. 463º a 476º do C. Com.

Não resumi. Pág. 83 a 87.

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Perturbações típicas do contrato de compra e venda

O legislador estabeleceu 3 casos de perturbações típicas do contrato de compra e venda que correspondem a
situações de cumprimento defeituoso das obrigações do vendedor.

Estas três situações não esgotam todas as situações de cumprimento defeituoso, logo para os casos que não se
enquadrarem nestes 3 casos, terá de se recorrer à parte geral.

1- Venda de bens alheios

Existe venda de bens alheios sempre que o vendedor não tenha legitimidade para realizar a venda (a coisa que
não lhe pertence ou quando o direito que tem sobre a coisa não lhe permitir a alienação).

O art. 892º estipula a nulidade para a venda de bens alheios.

O regime da venda de bens alheios assenta no pressuposto de que a celebração do contrato de compra e venda
garante ao comprador a propriedade da coisa vendida, como se demonstra de este responder objetivamente
pelos danos causados ao comprador de boa-fé pela venda de bens alheios (899º), bem como em virtude do facto
de a lei admitir a estipulação de clausulas de não garantia (903º nº2).

 Pressuposto da venda de bens alheios

 Venda como própria de uma coisa alheia específica e presente, fora do âmbito das relações comerciais

Sempre que o vendedor careça de legitimidade para realizar a venda de bens alheios o art. 892º considera-a
nula, invalidade que apenas se aplica aos bens presentes.

No caso dos bens futuros, o art. 893º manda aplicar o regime dos bens futuros, onde se considera válida a
obrigação assumida pelo vendedor (880º).

Também a venda de coisa genérica que não pertença ao vendedor não pode ser considerada nula, uma vez que
para a sua estipulação não é necessário que o vendedor seja proprietário da mesma ao tempo da estipulação do
contrato (539º e ss).

Na compra e venda comercial, o art. 467º nº2 do C. Com. Considera válida e lícita a venda do que for propriedade
de outrem.

Nestes 3 casos, recair sobre o vendedor a obrigação de aquisição e entrega ao comprador das coisas que se
comprometeu a vender, não sendo aplicável o regime de venda de bens alheios.

O regime de venda de bens alheios também não se aplica se o vendedor vende a coisa como alheia, mesmo que
não tenha legitimidade para o fazer.
Ex: alguém vende 1 prédio em nome de outrem, sem poderes para o fazer (268º), ou abusa dos seus poderes de
representação, no caso em que a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (269º), o contrato é ineficaz em
relação ao verdadeiro proprietário até ele o retificar, e nunca produz efeitos em relação ao representante, por
este não fazer parte do negócio.

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Em suma, o regime dos art. 892º e ss., apenas se aplica se for vendida como própria uma coisa alheia especifica
e presente, fora do âmbito das relações comerciais.

A questão que se coloca é a de saber que regime jurídico é que se aplica se o vendedor após a celebração de um
contrato de compra e venda, tornar a vender a coisa a outrem, que regista primeiro a aquisição desse bem?

ML defende que, uma vez que o segundo adquirente acaba por se tornar proprietário da coisa, em relação a ele
não se pode aplicar o regime da venda de bens alheios.
Quanto ao primeiro adquirente, ML defende que também não se enquadra neste regime, uma vez que o bem
pertencia ao vendedor no momento em que foi vendido, contudo deve-se aplicar este regime de forma analógica,
uma vez que a lei substituiu o regime da evicção ( é a venda de que produto que não lhe pertence.) pelo regime da
venda de bens alheios.

 Ausência de legitimidade para a venda

O segundo pressuposto para a venda de bens alheios é a de o vendedor careça de legitimidade para efetuar essa
alienação.

Regra geral, essa legitimidade apenas é atribuída ao proprietário, contudo por vezes a lei estende-a a outras
entidades tais como:
- O credor pignoratício, mediante prévia autorização judicial (674º)
- O Estado, no caso da venda dos bens do executado (824º)

Sendo a venda celebrada por um representante do proprietário, os limites dos poderes que lhe competem, o
proprietário é considerado como verdadeiro sujeito do negócio (258º), logo não se aplica este regime.

Também não se aplica este regime o âmbito da representação sem poderes (268º), designadamente na gestão de
negócios representativa (467º e 471º), cabendo ao comprador a possibilidade de revogar ou rejeitar o negócio
enquanto o proprietário não o ratificar, salvo se no momento da celebração conhecia a falta de poderes do
representante (268º nº4).

Já se aplicará o regime da venda de bens alheios se for vendida como coisa própria alheia, ainda que no interesse
do seu titular, como sucede no mandato sem representação para alienar (1180º e ss) e na gestão de negócios não
representativa (471º), a menos que o titular do direito regule a situação mediante a assunção das obrigações do
vendedor ou da transmissão para este do bem vendido (1182º).

Mesmo em casos em que o vendedor não tem legitimidade para alienar, a lei considera a venda válida, casos
como:
- A venda de bens da herança efetuada por herdeiro aparente a terceiro de boa-fé (2076º nº2),
- A venda de bem sujeito a registo efetuada a terceiro de boa-fé por vendedor que adquiriu com base num
negócio nulo ou anulável (291º)

Estas situações, a falta de legitimidade do vendedor para alienar não impede a validade do negócio, logo não se
aplica o regime da venda de bens alheios.

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 Efeitos da venda de bens alheios

 Nulidade da venda de bens alheios

A nulidade para a venda de bens alheios consagrada no art. 892º, tem como fundamento o considerando lógico
de que, sendo a venda um contrato translativo da propriedade, a sua celebração por um não proprietário deveria
acarretar a nulidade do negócio.

ML critica esta solução, uma vez que há casos em que não se transmite a propriedade da coisa vendida aquando
do contrato, casos como a venda genérica (539º e ss), a venda de bens futuros (880º), a compra e venda
comercial (467º nº2). Nestes casos, a venda é válida e a transmissão ocorre futuramente ao tempo do contrato.
Nestes casos, o comprador não pode solicitar a anulação do contrato, cabendo-lhe apenas intentar a ação de
cumprimento contra o vendedor relativamente à obrigação contratual de aquisição e entrega da coisa.

O regime da nulidade da venda de bens alheios (892º) difere do regime geral do art. 286º.
Assim:
- Quanto à legitimidade para a arguir, é sempre proibida para a invocar pela parte que estiver de má-fé
contra a outra de boa-fé, sendo mesmo vedada em qualquer caso ao vendedor sempre que o comprador esteja
de boa-fé.
- Relativamente a terceiros, ninguém pode invocar a nulidade, uma vez que a sua instituição é claramente
estabelecida apenas no interesse das partes contraentes.
Mesmo o verdadeiro proprietário não pode arguir a nulidade, uma vez que em relação a ele, o contrato é ineficaz
(406º nº2), pelo que ele será sempre admitido a exercer a reivindicação (1311º - exceto no caso de usucapião ou
aquisição tabular), sem ter de discutir a validade do contrato ou de demonstrar que não consentiu na venda
- Esta nulidade também não pode oficiosamente declarada pelo tribunal, uma vez que tal redundaria
numa forma de ilidir as proibições da sua invocação.

Também a obrigação de restituição na venda de bens alheios é sujeita a um regime especial diferente do art.
289º, dado que o art. 894º consagra um regime próximo da restituição por enriquecimento sem causa previsto
nos art. 479º e 480º, na medida em que faz variar o conteúdo da obrigação de restituição consoante exista ou não
boa-fé do obrigado.

-Se o comprador estiver de má-fé, à contrario do art. 894º nº1, não poderá pedir a restituição do preço da
venda, mas apenas o enriquecimento do vendedor (posição unanime Doutrina)

- Se o comprador estiver de boa-fé, poderá pedir a restituição do preço ainda que a coisa se haja perdido,
deteriorado ou tenha diminuído de valor por qualquer outra causa.

Assim, o art. 894º só se compreende se se entender que, ao contrário do art. 289º, neste caso a restituição
do comprador de boa-fé fica excluída ou limitada em virtude do perecimento ou deterioração da coisa recebida, o
que leva a concluir que se aplica o regime do enriquecimento ( art. 479º nº2) o art. 894º nº2 que caso ocorra
proveito para o comprador em virtude da perda ou diminuição do valor dos bens, esse proveito deve ser abatido
na restituição ou indemnização a pagar pelo vendedor.

Ao contrário de MC que defende a aplicação do art. 1269º no âmbito da venda de bens alheios, restringindo em
consequência a aplicação do art. 894º nº1, se o comprador de boa-fé danificar com culpa os bens, ML defende a
aplicação do art. 894º nº1, mesmo à perda ou deterioração culposa dos bens por parte do comprador, pois

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considera que este não deve responder por esses eventos uma vez que julga que a coisa ou o direito lhe pertence,
logo não se pode exigir dele os cuidados que em regra se deve ter na guarda e conservação de coisa alheia.

 Eventual convalidação do contrato

Ao contrário do regime geral, a nulidade da venda de bens alheios pode ser sanada se se verificar a posterior
aquisição da propriedade pelo alienante, conforme indica o art. 895º.

Sendo a coisa vendida como própria, o contrato o contrato só não produz o efeito translativo que o devia
caraterizar (879º alínea A), em virtude de se verificar o impedimento originário de a coisa vendida não pertencer
ao vendedor. Assim, desaparecido esse impedimento, não há motivo para deixar de atribuir ao contrato o efeito
que este deveria produzir originariamente, pelo que o art. 895º consagra a convalidação do contrato com a
consequente verificação da transferência da propriedade.

A lei estabelece no art. 896º restrições à possibilidade de convalidação da venda de bens alheios, que não ocorre
mesmo que o vendedor venha a adquirir posteriormente a propriedade da coisa vendida.
A) …; Conforme resulta do nº2 do art. 896º e do art. 892º, a invocação da nulidade não pode ser efetuada pelo
vendedor contra o comprador de boa-fé, nem pelo comprador doloso contra o vendedor de boa-fé, pelo que
nestas situações o pedido judicial não impede a convalidação do contrato.
B) …;
C) …;
D) …; Nos termos do art. 896º nº2 e 892º, essa declaração será irrelevante e não impedirá a convalidação do
contrato se vier a ser oposta pelo vendedor ao comprador de boa-fé ou pelo comprador doloso ao vendedor de
boa-fé.

Em suma, na venda de bens alheios, a nulidade instituída é provisória, que pode ser sanda mediante a aquisição
da propriedade pelo vendedor, salvo se ocorrer algumas das situações do art. 896º nº1.
Verificando-se a sanação da invalidade, o contrato produz imediatamente o seu efeito translativo, ficando assim o
comprador investido na titularidade do bem.

 Obrigação de convalidação

O art. 897º determina que em caso de boa-fé do comprador, o vendedor seja obrigado a sanar a nulidade da
venda, adquirindo a propriedade da coisa ou do direito vendido.

O comprador tem assim um direito de crédito sobre o vendedor para que este proceda à aquisição do bem
vendido, o que determina a convalidação do contrato e a consequente transmissão da propriedade para o
comprador (895º).

Esta obrigação do vendedor só pode ser cumprida pelo próprio, pois se este proporcionar ao comprador a
aquisição da propriedade por outra via (ex: pelo seu efetivo proprietário), a situação corresponderá antes a uma
dação em cumprimento.

Nos casos em que o vendedor esteja obrigado à convalidação do contrato, o comprador pode solicitar
judicialmente a declaração de nulidade do contrato apenas a título subsidiário, para a hipótese em que o
vendedor não proceda a essa convalidação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal (897º nº2).

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 Indemnização

Outra consequência da venda de bens alheios é a possibilidade de atribuição de uma indemnização pelos danos
eventualmente sofridos.
O legislador estabelece 3 fundamentos de indemnização:

1- Indemnização por qualquer das partes em caso de dolo (898º)

A expressão “dolo” tem o sentido de má-fé, abrangendo o ilícito intencional e o praticado com negligência
consciente.

Esta em causa neste preceito, a dissimulação do carater alheio da coisa através do emprego de sugestões ou
artifícios com o fim de enganar ou manter em erro a outra parte.

Assim, a parte de boa-fé adquire o direito de ser indemnizada pelos danos causados variando a indemnização
consoante a nulidade da venda de bens alheios tenha sido ou não sanada.
- Se houver sanação, a indemnização abrange apenas o interesse contratual positivo.
- Se não houver sanação da nulidade, a indemnização limita-se ao interesse contratual negativo (os danos
que não ocorreriam se o contrato não tivesse sido celebrado), o que constitui uma ação típica da culpa in
Contrahendo (227º).

Se não existir dolo de qualquer das partes, por ambas se encontrarem em erro sobre o carater alheio da coisa,
nenhuma delas poderá ser responsabilizada nos termos do art. 898º, memso que tenha atuado com culpa.

Se a culpa pela celebração da venda de bens alheios for do comprador, ele não será sujeito a qualquer espécie de
responsabilidade.

Se a culpa for do vendedor, ele é responsabilizado nos termos do art. 899º em análise no ponto seguinte.

2- Indemnização pelo vendedor ao comprador de boa-fé, com fundamento na garantia da sua legitimidade
(899º)

Sendo o vendedor obrigado a garantir a legitimidade da coisa vendida, o art. 899º vem estabelecer uma
responsabilidade objetiva pelos danos causados ao comprador.

Do art. 899º resulta que o vendedor responde sempre pelos danos emergentes, mas não pelos lucros cessantes
(564º nº1- os benefícios que o lesado deixou de obter devido à lesão) sofridos pelo comprador em virtude da sua
falta de legitimidade, desde que não tenham resultado de despesas voluptuárias (216º nº3).

Em relação às despesas voluptuárias e lucros cessantes, a sua indemnizabilidade depende do facto de o vendedor
ter atuado com dolo ou negligência.

O ónus da prova da culpa do vendedor, estando em causa o incumprimento de uma garantia, o devedor deve-se
presumir culpado nos termos do art. 799º, pelo que a limitação da sua responsabilidade aos danos emergentes
não resultantes de despesas voluptuárias dependerá de ele ter elidido a presunção que sobre ele recaía.

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3- Indemnização pelo vendedor ao comprador de boa-fé por incumprimento da obrigação de convalidar o


contrato (900º)

Conforme anteriormente se referiu, em caso de boa-fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade
da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou do direito vendido (897º nº1).
Sendo esta uma obrigação como qualquer outra (397º), se o vendedor não a cumprir, estará sujeito a
responsabilidade obrigacional nos termos do art. 798º e ss, è impossibilidade culposa (801º e ss) ou à mora no
cumprimento (804º e ss).

Assim, esta indemnização abrange o interesse contratual positivo, que faz com que o comprador de boa-fé possa
exigir ao vendedor uma indemnização nestes termos que é cumulável com os artigos de responsabilidade
anteriores, exceto na parte em que o prejuízo seja comum.

Esta cumulação de indemnizações vem a ser excluída em relação à indemnização por lucros cessantes resultantes
do dolo do vendedor nos termos do art. 898º, admitindo-se apenas um concurso alternativo de pretensões
consagrado no art. 900º nº2: uma indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato nulo ou uma
indemnização pelos lucros cessantes pela falta ou retardamento da convalidação.

 Garantia de restituição por benfeitorias

Pág. 99

 Casos especiais

 Venda de bens parcialmente alheios

A venda de bens parcialmente alheios pode ocorrer em 2 situações:

- O vendedor aliena toda uma coisa, quando apenas é proprietário de uma parte material da coisa
Ex: O vendedor vende o seu edifício e inclui na venda o logradouro do vizinho.

Neste caso, o art. 902º admite a possibilidade de o contrato valer na parte restante por aplicação do art. 292º,
determinado que nesse caso aplicar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á
proporcionalmente o preço estipulado

Neste caso, verifica-se apenas o efeito translativo de parte do estipulado no contrato, o que constituiu uma
hipótese de invalidade parcial, havendo que aplicar o art. 292º que determina por sua vez que o negócio só será
totalmente nulo se se concluir que ele não teria sido celebrado sem a parte viciada. Podem surgir 2 soluções:
*- se se concluir que não seria celebrado o negócio, aplica-se o regime da nulidade da venda de bens
alheios
*-Caso se admita a redução do negócio, aplica-se o regime da nulidade da venda de bens alheios à parte
viciada, mantendo-se vigente o negócio quanto à parte válida, com a redução do preço respetivo.

- O vendedor aliena toda a coisa quando é apenas dono de uma quota parte da coisa, tal como acontece na
compropriedade.

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Neste caso não se aplica o art. 902º, uma vez que o art. 1408º nº2, considera neste caso integralmente aplicável
o regime da venda de coisa alheia.

 Venda de coisa indivisa por apenas um dos seus alienantes

Sucede quando um dos co-titulares de uma coisa vende uma parte específica ou a totalidade da coisa, sem
consentimento dos restantes.

Uma vez que a lei exige a unanimidade dos co-titulares para os atos de disposição sobre a coisa indivisa (1408º
nº1 e 2091º), apenas permitindo a disposição isolada da própria quota (1408º nº1 e 2124º e ss), é manifesto que
para efeitos do art. 892º, haverá falta de legitimidade sempre que um ato de disposição sobre a totalidade ou
parte da coisa indivisa seja praticado sem o consentimento dos restantes titulares.

Assim, no caso de compropriedade, a alienação de parte especifica de coisa comum sem consentimento dos
outros consortes, será considerado, nos termos do art. 1408º nº2, como alienação de coisa alheia.

A aplicação do regime da venda de bens alheios verifica-se apenas em relação às partes, sendo também em
relação aos outros consortes considerado o negócio como ineficaz, a menos que deem o seu consentimento, pelo
que estas não carecem de solicitar a declaração de invalidade, podendo comportar-se como se não tivesse sido
considerado.

 Restrições convencionais ao regime da venda de bens alheios

O art. 903º estabelece a possibilidade de as partes, ao abrigo da autonomia privada, estabelecerem um regime
diferente de garantia contra a falta de legitimidade do vendedor (que pode passar pelo aumento ou diminuição
dos termos instituídos nos art. 894º, 897º nº1, 899º, 900º nº1 e 901º).

O art. 903º não se aplica quando o contraente a quem aproveitar a convenção, houver atuado com dolo e, o outro
contraente de boa-fé, pois não se estará perante o efetivo exercício do principio da autonomia privada.

O art. 898º não pode ser derrogado pela autonomia privada, uma vez que se a responsabilidade do vendedor
fosse excluída, essa situação constituiria uma causa de exclusão da responsabilidade que é expressamente
proibida pelo art. 809º.

Uma das formas de derrogar a aplicação do regime da venda de bens alheios consiste na cláusula em que o
vendedor declara que não garante a legitimidade da coisa vendida, declaração essa que o nº2 do art. 903º apelida
de declaração contratual, que derroga as disposições constantes no Nº1 do art. 903º, com exceção do art. 894º.
Consequentemente que essa clausula apenas se traduz numa exclusão da responsabilidade pelos danos, mas não
exonera o vendedor da obrigação de restituir integralmente o preço recebido, a compensar com um eventual
enriquecimento do comprador.

Essa derrogação apenas pode ocorrer na hipótese de convenção expressa que torne essa venda "a risco e perigo
do comprador", como na situação da venda de bens em que se assuma expressamente o carater incerto da sua
titularidade, em que o comprador se mantém vinculado ao pagamento do preço (881º)

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2- Venda de bens onerados

Pressupostos da venda de bens onerados

Prevista no art. 905º, carateriza-se pela existência de ónus ou limitações no direito transmitido, que consistem em
vícios do direito que afetam a situação jurídica e não as qualidades fáticas da coisa.

Para se poder determinar a aplicação do regime da venda de bens onerados, esses ónus ou limitações têm de
exceder os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou seja, apenas aqueles que normalmente
não se verificam aquando da transmissão deste tipo de direitos, onde se compreendem:
- Os direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação e servidões prediais)
- Direitos reais de garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, retenção)
- O facto de ela ter sido locada a outrem (locação voluntária, os arrendamentos impostos como o
arrendamento judicial da casa de morada de família)
- Objeto de apreensão judicial (penhora, arresto ou arrolamento)

ML defende que deve ainda ser incluída a suscetibilidade de ser incluída o facto de o bem ser objeto de
expropriação por utilidade pública, por ex. ter sido objeto de declaração de utilidade pública ou estar prevista a
sua afetação para esse fim em plano diretor, onde se englobam as restrições impostas ao gozo dos bens por
vínculos de interesse histórico, artístico ou paisagístico, por razões ambientais e as servidões militares que
também poderão desencadear a aplicação do regime da venda de bens onerados.

A aplicação deste regime deve ainda incluir o facto de a coisa vendida infringir direitos intelectuais de outrem,
como os direitos de autor ou propriedade industrial, na medida em que as possibilidades de utilização e
comercialização da coisa pelo comprador ficarão neste caso consideravelmente reduzidas.

O regime da venda de bens onerados aplica-se ainda nos casos em que existam irregularidades jurídicas o bem
vendido, que impeçam o gozo ou a disposição do bem pelo comprador, desde que a situação não seja sujeita por
lei a considerações especiais.

Ex: uma venda de um bem imóvel construído sem a respetiva licença de construção ou utilização, já levará á
aplicação do regime da venda de bens onerados.

A venda de automóvel com falta, viciação ou alteração dos respeitos documentos, não se tratará de um caso de
incumprimento defeituoso da contratação, mas antes o incumprimento da obrigação de entrega (882º nº2).

Nas hipóteses de venda em que o vendedor assegurar ao comprador a existência de especiais vantagens jurídicas
em relação à coisa que excedem o normal nos direitos da mesma categoria, mas que se verificam não existirem
na realidade (servidões ativas sobre um prédio vizinho, benefícios fiscais, edificabilidade com certas
características), ML e a maior parte da Doutrina defendem a aplicação do regime da venda de bens onerados por
analogia.

 Efeitos da venda de bens onerados

A disciplina da venda de bens onerados baseia-se na atribuição de sucessivos remédios ao comprador,


começando pela anulação do contrato por erro ou dolo ou pela redução do preço, podendo ainda ser exigida do
vendedor a competente responsabilidade civil pelos danos causados.

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 Anulabilidade do contrato por erro ou dolo

Para a venda de bens onerados, a lei estabelece a anulabilidade do negócio jurídico por erro ou dolo desde que se
verifiquem, no caso concreto, os requisitos legais d anulabilidade.

- No caso de erro: desde que se verifiquem a essencialidade e a cognoscibilidade dessa essencialidade do


erro para o declaratório (247º e 251º)

- No caso de dolo: basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do declarante (254º nº1), salvo se
provier de terceiro, caso em que se exige igualmente que o destinatário conhecesse ou deve conhecer a situação
(254º nº2).

 Eventual convalescença do contrato

Diferentemente do regime do art. 288º (que estabelece que a extinção do vício não sana automaticamente a
anulabilidade, apenas permitido ao interessado confirmar o negócio se assim entender), a anulabilidade da venda
de bens onerados é objeto de uma regulação especial no art. 906º nº1, que estabelece a sanação da
anulabilidade de vierem a desaparecer, de qualquer modo, os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito.

Assim, desaparecendo o ónus ou limitações sobre a coisa vendida, retira ao comprador o interesse ao comprador
em solicitar a anulação do negócio, pelo que se estabelece automaticamente a sua convalescença.

Esta solução é algo artificial na medida em que nos termos do art. 906º nº2, se o ónus ou a limitação tiver
causado prejuízo ao comprador ou se este já tiver pedido em juízo a anulação do contrato de compra e venda, a
anulabilidade persiste.

 Obrigação de fazer convalescer o contrato e de cancelamento dos registos

A lei estabelece para o vendedor a obrigação de sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos
ónus ou limitações existentes (907º nº1).

O comprador pode assim requerer em lugar da anulação do contrato, a expurgação dos ónus ou limitações.

Esta obrigação depende da existência do erro do comprador relativamente a existência de ónus ou limitações,
pois se este tiver conhecimento destes na altura da venda, significaria isso que o bem fora vendido nessas
condições.

Sendo a expurgação uma obrigação do vendedor, o comprador não o pode substituir e exigir o reembolso do que
tiver despendido, restando-lhe apenas exigir o seu cumprimento.,

O comprador pode contudo proceder à expurgação à sua custa se assim o entender.

 Indemnização

Outro efeito da venda de bens onerados é a possibilidade de atribuição ao comprador de uma indemnização
pelos danos eventualmente sofridos.

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A lei estabelece 3 fundamentos de indemnização:

A) Indemnização em caso de dolo (908º)

A expressão “dolo” tem o mesmo sentido do referido no art. 253º, a também designada “má-fé”, abarcando tanto
o ilícito intencional como o praticado com negligência consciente.

Assim, está em causa a dissimulação pelo vendedor dos ónus ou limitações da coisa vendida, através do emprego
de sugestões ou artifícios com o fim de enganar ou manter em erro o comprador.

Logo, anulado o contrato nesses fundamentos, o comprador adquire o direito de ser indemnizado pelo interesse
contratual negativo (pelos danos que não ocorreriam se o contrato não fosse celebrado), o que constitui uma
solução típica da culpa in Contrahendo (227º).

Esta indemnização permite no entanto abranger tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, incluindo
os prejuízos causados pela privação do capital correspondente ao pagamento do preço, as despesas judiciais com
a anulação do contrato, etc.

B) Indemnização em caso de simples erro (909º)

Existindo simples erro, mesmo na ausência de dolo do vendedor, o art. 909º, estabelece, em caso de anulação do
contrato, a responsabilidade objetiva do vendedor pelos danos causados ao comprador, se bem que a reparação
não é integral.

Esta responsabilização deve-se ao facto de o vendedor ter de garantir que o bem vendido se encontra livre de
ónus ou limitações quanto ao bem vendido, respondendo pelos danos causados se tal não se verificar.

Do art. 909º, resulta que o vendedor responde sempre objetivamente pelos danos emergentes, e nunca pelos
lucros cessantes, sofridos pelo comprador.

Neste caso, ao contrário do estabelecido no art.899º, admite-se que os danos emergentes abranjam a realização
de despesas voluptuárias.

C) Indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato (910º)

A obrigação do art. 907º, sendo uma obrigação como qualquer outra (397º), o vendedor está sujeito à
responsabilidade obrigacional nos termos gerais (789º, 801º ou 804º).

Assim, além das indemnizações acima referidas (808º e 809º), o comprador pode cumular uma indemnização por
incumprimento da obrigação de convalidação do contrato, conforme o sentido do art. 910º nº1, exceto na parte
em que o prejuízo seja comum.

Esta cumulação vem a ser excluída, no entanto, em relação à indemnização por lucros cessantes resultantes de
dolo do vendedor, nos termos do art. 908º, admitindo-se aí apenas um concurso alternativo de pretensões, dado
que o art. 900º nº2, o comprador terá de optar entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do
contrato que veio a ser anulado ou a indemnização pelos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a
anulabilidade.

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 Redução do preço (911º)

Do art. 911º resulta que a redução do preço aparece como uma alternativa à anulação do contrato em
consequência do erro ou do dolo, estabelecido no art. 905º, alternativa essa que é imposta ao comprador sempre
que se possa comprovar que os ónus ou limitações não influíram na sua decisão de adquirir o bem, mas apenas
no preço que ele pagaria.

Assim, o vendedor, confrontado com uma ação de anulação do contrato e no caso de pretender s subsistência do
mesmo, cabe-lhe o ónus da prova de que o comprador teria igualmente adquirido os bens por preço inferior.

O comprador pode solicitar a redução do preço da coisa vendida:


- Antes do pedido de anulação do contrato, caso esteja interessado na manutenção do contrato,
Ou
- Pode optar por solicitar a redução do preço a título subsidiário para o caso de a ação de anulação do
contrato não proceder.

Nos termos do art. 911º nº2, e uma vez que a redução do preço aparece como alternativa à anulação do contrato,
ficam excluídos os art. 905º,907º, 910º.

Ao comprador caberá apenas, além da própria redução do preço, a indemnização que terá conteúdo variável,
consoante exista dolo ou erro do vendedor (908º ou 909º).

 Restrições convencionais a este regime

Tal como se sucede na venda de bens alheios, o art. 912º consagra a possibilidade de as partes, ao abrigo do
princípio da autonomia privada, estabelecerem um regime diferente de garantia contra a existência de ónus ou
encargos no direito transmitido, que pode passar pelo aumento ou diminuição dos termos legais dessa garantia
instituídos nos art. 907º nº1 e 3, 909º, 910º nº1.

Estas restrições não serão válidas no caso de o contraente a quem a convenção aproveita atue com dolo e o outro
estipulante esteja de boa-fé, pois nesse caso não se está perante o normal exercício da autonomia privada.

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3- Venda de coisas defeituosas

O regime da venda de coisas defeituosas é tratado pelo CC com base numa diferenciação dogmática:

- Se a venda é realizada, sendo a propriedade logo transmitida ao comprador, e esta já é defeituosa ao


tempo da celebração do contrato, então estaremos perante uma situação de erro do comprador ao adquirir
uma coisa com defeitos, sendo o contrato anulável por erro nos termos gerais (913º e 905º).

- Se o defeito da coisa ocorre após a celebração do contrato e esta é entregue nessas condições
estaremos perante uma situação de cumprimento defeituoso, se o defeito é imputável ao vendedor (918º), ou
de risco, em princípio a cargo do comprador, na hipótese contrária (796º nº1).

É ainda considerada como incumprimento da obrigação de entrega as situações de entrega de coisa defeituosa,
nos casos em que a venda respeita a coisa futura ou a coisa determinada de certo género (918º), pois não
estando a coisa determinada ou exista na altura da celebração do contrato, a entrega com defeito é imputável ao
vendedor.

Esta dualidade implica graves disparidades de tratamento na Doutrina.

-Assim, se António vai à ourivesaria e escolhe um anel que posteriormente se verifica ter 1 risco, tem de
demonstrar um erro seu para anular um negócio e apenas tem direito à restituição do preço e a uma
indemnização pelos danos emergentes com base no interesse contratual negativo (915º e 909º).

- Outra situação seria a de António encomendar um anel ao ourives e ele ser entregue com o risco.
Neste caso, há incumprimento do vendedor (918º), e a indemnização abrange o interesse contratual positivo.

Por esse motivo, alguns autores como MC é contra esta dualidade de regimes e propugna o enquadramento da
venda de coisa específica no regime do incumprimento, defendendo a tese de que o erro referido no art. 913º e
905º e ss, diz respeito à fase de execução do contrato e não há fase da formação do contrato.

Outros autores, Pires de Lima e Antunes Varela, defendem que o regime de venda específica de coisas
defeituosas não se reconduz ao cumprimento defeituoso, exigindo antes um erro em sentido técnico.

Os ordenamentos jurídicos tendem a unificar os 2 regimes, considerando que em ambos os casos se


deve considerar existir incumprimento da obrigação de entrega, uma vez que, independentemente de
a coisa ser específica ou genérica, o vendedor tem sempre a obrigação de entregar a coisa em
conformidade com o contrato, sob pena de se considerar estar em incumprimento.

 Pressupostos de aplicação do regime da venda específica de coisas defeituosas

Da leitura do art. 913º nº1 e 2, podemos verificar que são qualificadas como defeituosas as coisas que sofrem de:

A. Vícios que desvalorizem a coisa


B. Vícios que impeçam a realização do fim a que é destinada
C. Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor
D. Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim

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O art. 913º não abrange os casos de deficiência quantitativa da coisa que correspondem a casos de
incumprimento parcial da coisa genérica (918º) ou desencadeiam a aplicação dos art. 887º e ss.

A aplicação do regime de coisas defeituosas assenta em 2 pressupostos:


1- A ocorrência de um defeito
2- E a repercussão desse defeito no âmbito do programa contratual

Quanto ao pressuposto 1, é incluído os vícios da coisa, a falta das qualidades asseguradas ou necessárias.
Apesar da distinção entre vícios e qualidades não ser fácil, os “vícios” abrange as características da coisa que
levam a que esta seja valorada negativamente, ao passo que as “qualidades” atinge a coisa de tal modo que a
coloca em desconformidade com o contrato.

Em relação ao pressuposto 2, para desencadear a aplicação do regime de coisas defeituosas, torna-se necessário
que eles se repercutam no programa contratual, originado uma de 3 situações:
- A desvalorização da coisa (“vícios”)
- A não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor (“qualidades”)
- A desvalorização da coisa e a não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor

A desvalorização da coisa: enquadra-se uma conceção objetiva de defeito, o que implica que a coisa valha menos
do que se não o tivesse.
Contudo para que o regime de venda de coisas defeituosas seja aplicado, o vício tem de ser significante, pois
caso contrário não se aplicará.

Vícios que impeçam a realização do fim a que é destinada: corresponde a uma conceção subjetiva de defeito,
estando em causa as utilidades específicas que o comprador pretende que lhe sejam proporcionadas pela coisa.
Esta indicação da finalidade tem de ser aceite pelo vendedor, ainda que seja aceite tacitamente, como o caso de
o comprador indicar ao vendedor que quer dar um determinado uso à coisa e ele concordar com esse facto.
Sem essa aceitação, entende-se que a coisa se destina à função normal das coisas da mesma natureza (913º nº2).

Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor: ocorre sempre que o vendedor tenha assegurado ao comprador
a existência de certas utilidades da coisa que na realidade não existem, estando-se assim perante uma conceção
objetiva de defeito.
Essa certificação pode ser efetuada expressamente, ou tacitamente os termos do art. 217º, podendo
inclusivamente resultar da exibição de amostra ou modelo (919º).

 Efeitos da venda específica de coisas defeituosas

De acordo com o art. 913º, é aplicado à venda de coisas defeituosas, o regime da venda de bens onerados, com
exceção do próprio regime nos art. 914º e ss.

Assim, aplicam-se os remédios da anulação do contrato por erro ou dolo e a redução do preço, podendo ainda
ser exigida do vendedor a responsabilidade civil pelos danos causados.
Quanto à obrigação de expurgação dos ónus ou encargos, esta é substituída pela obrigação da reparação ou
substituição da coisa.

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 Anulação do contrato por erro ou dolo

Por remissão do art. 913º, aplica-se o disposto no art. 905º e ss, com exceção do que for modificado pelas
próprias disposições do regime da venda de coisas defeituosas.
Assim, o comprador que tiver adquirido a coisa com defeito pode solicitar a anulação do contrato, por erro ou
dolo, desde que estejam reunidos os requisitos legais da anulabilidade.
- Em caso de erro: desde que estejam reunidos os requisitos da essencialidade e da cognoscibilidade dessa
essencialidade do erro para o declaratório (251º e 247º).
- No caso do dolo: basta que este tenha sido determinante da vontade do declarante (254º nº1), salvo se
provier de terceiro, caso em que se exige igualmente que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a
situação (254º nº2).

 Reparação ou substituição da coisa (914º)

O fundamento desta obrigação é a garantia edílica prestada tacitamente pelo vendedor de que a coisa é vendida
sem defeitos, tendo eu o reparar ou substituir se isso acontecer, salvo se o vendedor tiver conhecimento do vício
ou da falta de qualidades da coisa.

Do art. 914º resulta uma primazia da solução da reparação da coisa pela sua substituição, sendo esta ultima
apenas aplicável se se tornar efetivamente necessário e a coisa tiver natureza fungível.

Do art. 914º resulta que esta obrigação não existe quando o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de
qualidades da coisa, o que assenta numa presunção de culpa do vendedor que pode facilmente ser ilidida.

ML não defende esta solução, uma vez que devido à produção dos bens em série será fácil ilidir a reparação ou
substituição a coisa.

Seja como for, o comprador pode sempre solicitar a anulação do contrato por erro ou dolo, verificados os
respetivos requisitos.

 Indemnização

Por remissão do art. 913º, é aplicável o regime dos art. 908º e ss, que possibilitam a determinação de uma
indemnização ao comprador, com a particularidade constante no art. 915º.

Também na venda de coisas defeituosas, existem 3 fundamentos de indemnização:

A - Indemnização em caso de dolo

Prevista no art. 908º e aplica-se em virtude da remissão do art. 913º.

Assim, sempre que o vendedor tiver atuado com dolo (abrangendo a negligência consciente (253º)), deve
indemnizar o comprador pelo interesse contratual negativo.

Assim, sempre que o vendedor utilize sugestões ou artifícios no sentido de dissimular ao comprador os defeitos
existentes na cosia, além de o contrato ser anulado com esse fundamento, haverá lugar a ser indemnizado pelos

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danos causados pelo prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, o que constitui uma
solução típica da culpa in contrahendo.

B - Indemnização em caso de simples erro

Por força do art. 913º, em caso de simples erro, o comprador terá direito a ser indemnizado pelo vendedor pelos
danos emergentes do contrato (909º), que abrange os danos emergentes, incluindo as despesas voluptuárias,
mas não os lucros cessantes resultantes dam aquisição da coisa com defeito.

Contudo, diferentemente do que acontece na venda de coisas oneradas, o art. 915º, restringe as condições em
que pode ser exigida essa indemnização na venda de coisas defeituosas, ao excluir a responsabilidade civil do
vendedor nos casos em que ele ignorava sem culpa o vício ou falta de qualidades que a coisa padece.

Assim, o vendedor pode exonerar-se de responsabilidade objetiva do vendedor pelos danos causados ao
comprador em resultados de defeitos da coisa, bastando para isso demonstrar que desconhecia sem culpa o vício
ou falta de qualidade da coisa vendida.
ML é contra esta solução.

C - Indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato

Por remissão do art. 913º, aplica-se à venda de coisas defeituosas o regime do art. 907º, sendo a referência ao
incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato substituída pela referência à obrigação de reparar
ou substituir a coisa referida no art. 914º.

Sendo a obrigação do art. 914º, uma obrigação como qualquer outra (397º), o vendedor estará sujeito à
responsabilidade obrigacional, tal como incumprimento (798º e ss), impossibilidade culposa (801º e ss) ou mora
no cumprimento (804º e ss), as quais o comprador pode solicitar quando verificadas.

Nesse caso, o art. 910º nº1, aplicado por força do art. 913º, admite um concurso de pretensões.
Contudo, esta cumulação vem a ser excluída em relação à indemnização por lucros cessantes resultantes do dolo
do vendedor (908º por força 913º), admitindo-se apenas um concurso alternativo de pretensões, entre os lucros
cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes pelo facto de não ser
sanada a anulabilidade.

 Redução do preço

Por força do art. 913º, também se aplica a ação de redução do preço estabelecida no art. 911º nº1, na venda de
coisas defeituosas.

Conforme foi anteriormente analisado, esta ação constitui uma alternativa à anulação do contrato em
consequência do erro ou dolo, estabelecida no art. 905º, solução essa que é imposta ao comprador sempre que
se possa comprovar que os vícios ou falta de qualidades que a coisa padecia, não influíram na sua decisão de
adquirir o bem, mas apenas no preço que ele estaria disposto a pagar por ela.

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 Forma e prazos de exercício do direito

O art. 916º nº1 impõe ao comprador um ónus de denuncia dos defeitos da coisa ao vendedor, para que este
tenha conhecimento dessa situação.

Este ónus é excluído nas situações em que haja dolo do vendedor, pois tendo ele conhecimento desses defeitos,
não poderia exigir ao comprador a prévia denúncia desses defeitos.

Assim, caberá ao comprador a prova de ter cumprido o ónus da denúncia ou de que se verificou o dolo por parte
do vendedor.

Uma vez que a lei não sujeita esta denúncia dos defeitos a uma forma especial, ela pode ser feita nos termos do
art. 219º, podendo também ocorrer tacitamente (217º).

Quanto ao prazo para a denuncia, esta varia consoante se trate de bens moveis ou bens imoveis:
- Bens móveis: no prazo de 30 dias depois de ter conhecido o defeito e dentro do prazo de 6 meses após a
entrega da coisa (916º nº2).
- Bens Imoveis: no prazo de 1 ano depois de ter conhecido o defeito e dentro do prazo de 5 anos após a
entrega da coisa (916º nº3).

Estes prazos aplicam-se cumulativamente, pelo que, se não for observado qualquer deles, caducarão os direitos
conferidos ao comprador que pressupõem a denúncia dos defeitos.

Enquanto o prazo a contar da descoberta dos defeitos vale independentemente para cada defeito, e que portanto
se pode renovar sempre que forem descobertos novos defeitos, o prazo a contar da entrega da coisa vale para a
generalidade dos defeitos da coisa.
A entrega tem de ser material para que o prazo se inicie. Nesse sentido, o art. 922º estabelece que na venda de
coisas que devam ser transportadas de um lugar para outro, o prazo só começa a correr no dia em que o credor
os receber.

Em caso de não cumprimento destes prazos, caducam todos os direitos conferidos ao comprador em caso de
simples erro, ou seja, a anulação do contrato com esse fundamento, a redução do preço, obrigação de reparação,
etc.
A lei acrescenta ainda no art. 917º que a ação de anulação com base em simples erro, além de pressupor a
denuncia dentro desses 2 prazos, deve ainda ser instaurada no prazo de 6 meses, salvo se o contrato ainda não
estiver integralmente cumprido, caso em que poderá ser instaurada a todo o tempo (917º e 287º nº2).

Ml defende que apesar da letra do art. 917º ser restrita à ação de anulação, este prazo deve-se aplicar a todas as
ações conferidas ao comprador com base em simples erro, uma vez que não se justifica a grande divergência de
regime de se aplicar a estas o prazo geral de prescrição.

Em caso de dolo do vendedor, não há lugar a qualquer ónus do comprador para denuncia dos defeitos, pelo que
a ação de anulação pode ser instaurada dentro do prazo de 1 ano a contar da cessação do vício (287º nº1), sendo
este prazo aplicável também à redução do preço e à reparação ou substituição da coisa.

Já relativamente à indemnização em caso de dolo, aplica-se o regime geral da prescrição da responsabilidade pré-
contratual (227º e 498º nº2).

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 Cláusulas de exclusão da garantia

Tal como acontece na venda de bens onerados, também na venda de coisas defeituosas, podem ser admitidas
estipulações contrárias à garantia, salvo se o vendedor houver atuado com dolo e as clausulas o beneficiem (art.
912º aplicável por força art. 913º.)

 O regime dos defeitos supervenientes e dos defeitos na venda de coisa futura ou na venda de coisa
genérica

Do art. 918º resulta que, sempre que os defeitos da coisa não correspondam a vícios da coisa específica
comprada, já existentes no momento da venda, não se aplica o regime doas art. 913º e ss, mas antes o regime do
não cumprimento das obrigações.

Por força desta remissão, é necessário distinguir se os vícios na coisa entregue são ou não imputáveis ao
vendedor, devendo presumir-se que lhe são imputáveis por força da presunção de culpa do art. 799º.

- Sendo o vício imputável ao vendedor, este responde pelos danos causados ao comprador (798º e ss).
Assim, o comprador pode exigir uma indemnização correspondente aos prejuízos causados pelo cumprimento
defeituoso, ou resolver o contrato e exigir uma indemnização pelos prejuízos resultantes da sua celebração
(801º).

Não sendo os vícios imputáveis ao vendedor: estaremos perante uma situação de risco pela perda ou
deterioração da coisa, a qual corre por conta do comprador nos casos de defeito superveniente e que corre por
conta do vendedor nos casos de venda de coisa futura ou de coisa genérica (408º nº2 e 540º).
 Venda sobre amostra

Prevista no art. 919º, reflete-se as situações em que a venda de uma coisa específica é realizada por referência a
outro objeto, indicado como amostra ou modelo.

Neste caso, mesmo que não exista qualquer estipulação das partes sobre as qualidades do objeto vendido, a lei
considera estipulada a existência de qualidades iguais à da amostra no bem vendido, o que determinará a
aplicação do regime de venda de coisas defeituosas (913º e ss) no caso de essas qualidades não se verificarem.

A única exceção é o caso de que resulte da convenção das partes ou dos usos, de que a amostra não tem efeitos
vinculativos, servindo apenas para indicar de modo9 aproximado as qualidades do objeto.
Nesse caso, o vendedor assegurará ao comprador apenas qualidades próximas à da amostra, e não as extas
qualidades.

 Garantia de bom funcionamento

A garantia de bom funcionamento consagrada no art. 921º veio a ser objeto de uma profunda generalização, em
que o vendedor assegura o bom funcionamento do bem vendido, dado que na atual sociedade o bom
funcionamento dos produtos aparece como imprescindível ao seu uso normal.

A jurisprudência considera a existência de garantias de bom funcionamento com base em meras declarações
assertivas do vendedor, o que tem atenuado o ónus que o CC faz recair sobre o comprador, o que faz que o art.
921º tenha uma extensão para além do que o legislador pretendia.

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Assim, se da convenção das partes ou dos usos resulta uma garantia de bom funcionamento, cabe ao vendedor
reparar a coisa ou substituí-la quando a substituição seja necessária e a coisa tenha natureza fungível,
independentemente de culpa sua ou erro do comprador (921º nº1).
Essa garantia vigora pelo tempo consagrado no contrato ou imposto pelos usos, e na ausência destes, no prazo de
6 meses contados da entrega da coisa (921º nº2), ou da sua efetiva receção pelo comprador no caso de coisas
objeto de transporte (922º).

Falta pag 122 e 123.

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