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FLEXÃO X DERIVAÇÃO E O PROBLEMA LET A19 –

DO GRAU – ANOTAÇÕES PARA AULA 13/06/2018


CARACTERIZANDO OS PROCESSOS: A VISÃO DE CAMARA JR.
Segundo a lição de Mattoso Camara Jr. e de outros morfólogos, flexão e derivação constituem
processos diversos. Silva e Medeiros (2016, p. 41) contribuem para o entendimento da questão
destacando, a partir dos exemplos abaixo transcritos, as características do processo de flexão:
regularidade, obrigatoriedade e concordância.
A. laranjas (laranja + s) B. laranjal (laranja + al) C. capinzal D. *abacatal E. *tomatal
F. palmital G. Rapazes H. papeis I. palmitos

Destaque-se a pluralização nos nomes não contáveis: farinha, açúcar, farelo.


CARACTERIZANDO OS PROCESSOS: A VISÃO DE CÂMARA JR.
Dos exemplos, pode-se concluir:
▪ a derivação pode ser aplicada numa palavra e faltar para outra palavra
muito semelhante a ela (limão X limoal X *mamoal);
▪ a derivação é opcional em português. Não existe construção sintática ou
situação contextual que obrigue o uso de um morfema derivacional.
▪ a flexão é um processo extremamente regular e obrigatório para a noção por
ela traduzida. Daí que os morfemas flexionais se apresentam em paradigmas.
▪ em resumo: não há a mesma previsibilidade entre morfemas de flexão e de
derivação.
CARACTERIZANDO OS PROCESSOS: A VISÃO DE CÂMARA JR.
PARÂMETROS FLEXÃO DERIVAÇÃO
REGULARIDADE SIM NÃO
(aplica-se a todos os membros e as (aplica-se assistematicamente)
exceções são previsíveis)
OBRIGATORIEDADE SIM NÃO
(e os morfemas flexionais se (nomes de mesma classe pode exibir
organizam em paradigmas) morfemas derivacionais ou não)

CONCORDÂNCIA SIM NÃO


(marcas de flexão implicam (não há construções sintáticas que
concordância entre termos) forcem a aplicação de morfemas
derivacionais)

Quadro adaptado de Silva e Medeiros (2016, p. 45).


O GRAU: FLEXÃO OU DERIVAÇÃO? A VISÃO DE GONÇALVES (2008)
▪ Tradição gramatical se mostra confusa quanto à caracterização dos afixos de
grau.
▪ Algumas questões merecem destaque:

i. Por que a tradição modificou seu ponto de vista quanto ao status dos
afixos de grau?
ii. É inteiramente verdadeiro afirmar que o grau é derivação em português?
iii. Por que compêndios do EF repetem informação já revista por manuais do
EM?
iv. A gradação morfológica expressa somente dimensão e intensidade?
v. Como os professores podem abordar melhor a questão?
vi. Que estratégias podem ser utilizadas para a renovação do ensino?
O QUE DIZ A TRADIÇÃO GRAMATICAL
▪ Em geral as gramaticas se limitam a apresentar listas com os sufixos gradativos.
▪ Rocha Lima (1994), Bechara (2000) e Cunha (1983) destacam a possibilidade de o
grau indicar outros sentidos para além do dimensional.
▪ Muitas vezes as gramáticas não abordam significados metafóricos e metonínicos
como os contidos em “espigão”, “orelhão”, “flanelinha”, “lanterninha”.
▪ A tradição não chegou a um consenso quanto ao status mórfico do grau em
português.
▪ Raros os livros didáticos que focalizam os diferentes efeitos expressivos dos sufixos
gradativos em português.
O QUE DIZEM OS MORFÓLOGOS
▪ Camara Jr. (1970, p. 83) foi o primeiro teórico a discutir o status do grau em
português, rompendo com a tradição e postulando que “a expressão de grau
não é um processo flexional em português, porque não é um mecanismo
obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos
exclusivos entre si”.
▪ Quase todas as abordagens teóricas sobre o grau seguem a linha de Camara
Jr.: Rosa (1983), Silva e Koch (1983), Zanotto (1986), Monteiro (1986),
Sandmann (1989), Rocha (1998), Loures (2000).
▪ reforçam os argumentos dos autores exemplos como “calção” (traje de banho),
“camisinha” (preservativo), “filhinho”, “comidinha”, “sopinha”, “carrão”, “timinho”,
“mulherão”, “papelão”.
O QUE DIZEM AS PESQUISAS LINGUÍSTICAS
▪ Gonçalves (2008, p. 154 a 163) apresenta um conjunto de
princípios que contribuem para estabelecer o status morfológico dos
afixos de grau. Com eles, chega o autor à conclusão de que há que
se falar num continuum flexão-derivação e aí situar o grau.

▪ O quadro a seguir destaca os princípios que enquadram o grau


como processo de derivação.
PRINCÍPIO EXEMPLOS
(I) A flexão é requerida pela sintaxe. A Menina bonitinha Menininha bonitona Menininha
Menininha bonita Menina bonitona bonitinha
derivação é isenta da obrigatoriedade Meninona bonita
Meninona bonitinha Meninona bonitona
sintática
(II) Uma categoria é flexional se a Sou papai de uma menina liiiiiiiiiiiiiiiiiinda!
morfologia é o único meio de materializar O livro é ex-ce-len-te!
Alice é muito linda! É lindíssima! É Lindona!
seu conteúdo.
(VI) A flexão é semanticamente mais “livreco”, “timinho”, “ carrão”, “mulheraço”, “vasinho”,
regular que a derivação. “tipinho”, “comidinha”

(VII) Elementos de flexão são mútua e “cartãozinho”, “caminhãozinho”, “livrãozão”, “amigãozão”,


logicamente excludentes. Os derivacionais chiquererérrima”
podem não ser.
(VIII) Arbitrariedade/ desvios “dormindinho”, “viajandão”, “adeusinho”, “coxinha”,
(leixicalização) são frequentes nas “folhinha”, “raspadinha”, “beijinho”, “calcinha”, “selinho”,
“bolão”, “espigão”, “pistolão”, “caminhão”, “sapatão”,
operações derivacionais e pouco prováveis “pescoção”, “sacolão”
nas flexionais.
O QUE DIZEM AS PESQUISAS LINGUÍSTICAS
▪ Gonçalves (2008, p. 154 a 163) apresenta um conjunto de
princípios que contribuem para estabelecer o status morfológico dos
afixos de grau. Com eles, chega o autor à conclusão de que há que
se falar num continuum flexão-derivação e aí situar o grau.

▪ O quadro a seguir destaca os princípios que fragilizam a visão do


grau como processo de derivação.
PRINCÍPIO EXEMPLOS

(III) A flexão é mais produtiva “euzinho”, “elazinha”, “pertinho”,


que a derivação. Estrutura “devagarinho”, “adeusinho”,
paradigmas mais regulares. “ateloguinho”, “correndinho”,
“dormindinho”.
(IV) Sufixos derivacionais
constituem o núcleo de uma
palavra morfologicamente “carrinho”, “carrão”, “bonequinha”
complexa. Os flexionais se
comportam como adjuntos.
(V) A flexão não promove
“livrinho”, “casebre”, “tchauzinho”,
mudança de categoria lexical.
“agorinha”
Derivação pode promover.
COMO RESOLVER O IMPASSE?
▪ De acordo com Gonçalves (2008), nenhum critério objetivo, por mais restritivo
que seja, oferece divisão categórica entre os processos de flexão e derivação.
▪ Nesse sentido é mais interessante falar em um continuum flexão-derivação, a
partir de uma escala de prototipicidade.
▪ “Por ocuparem posições mais periféricas, na escala de prototipicidade, as
marcas de grau apresentam menor pertencimento à classe flexão, mas também
não são representantes modelares da categoria derivação.” (p. 164).
▪ “Aproveitando as palavras de Sandmann (1990, p. 17): [...] parece que em
morfologia é preciso conformar-se com a inexistência de fronteiras rígidas e
bem definidas”. (p. 164).
A QUESTÃO DO ENSINO
▪ Mais importante que polemizar o status dos afixos de grau é investir no uso como recurso de
expressividade e de estruturação discursiva e textual.
▪ Desvencilhar a abordagem do grau das do gênero e do número.
▪ Evitar a expressão “flexão de grau”.
▪ Desmistificar a ideia de que afixos dimensivos expressam apenas tamanho;
▪ Investir nos valores expressivos da gradação sempre com base em textos variados.
▪ Descrever o grau amparando-se em noções como formalidade e modalidade.
▪ Atentar para casos de lexicalização.
▪ Vincular o estudo do grau com a abordagem das chamadas “figuras de linguagem”.
▪Optar por atividades que articulem esse tópico da gramática com leitura e produção de
textos.
REFERÊNCIAS
CAMARA JR., Mattoso. Problemas de linguística descritiva. Petrópolis, RJ: Vozes,
1969.
CAMARA JR., Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970.
GONÇALVES, Carlos Alexandre. Flexão e derivação: o grau. In: VIEIRA, Silvia
Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo. Ensino de gramática: descrição e uso. São
Paulo: Contexto, 2008. p. 149-168.
SILVA, Maria Cristina Figueiredo; MEDEIROS, Alessandro Boechat de. O
estruturalismo de Mattoso Camara Jr. In: _____. Para conhecer morfologia. São
Paulo: Contexto, 2016. p. 27-62.

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