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PSICOPEDAGOGIA EM GRUPO,ESPECIAL

ARTIGO NO GRUPO E COM O GRUPO

PSICOPEDAGOGIA EM GRUPO, NO GRUPO E COM


O GRUPO: PARA ALÉM DA PATOLOGIZAÇÃO

Laura Monte Serrat Barbosa

RESUMO - Com o intuito de superar a “Sovivência” instalada no mundo,


é preciso promover a “Convivência”, semeando “grupalidade” por onde
caminhamos. O espírito do grupo visa transcender a dimensão individual,
oportunizar a percepção e a vivência de todos como parte de um todo, como
representantes desse todo e, ao mesmo tempo, como sujeitos. Quando pessoas
agrupam-se, não se caracterizam como um grupo apenas por esse fato.
Agrupar-se é o primeiro passo; porém, para chegar-se à vida grupal, o
caminho é longo; é necessário fazer articulações para que as características
pessoais possam, como a exemplo de uma orquestra, harmonizar-se para
realizar a tarefa que é grupal. Numa Psicopedagogia em grupo, no grupo e
com o grupo, objetiva-se proporcionar aos aprendizes aprender a pensar, a
tecer juntos o conhecimento, ampliando a aprendizagem para além da
dimensão individual. Aprender em grupo supõe troca de experiências, de
idéias, de sentimentos e, sobretudo, mudanças internas e externas, pessoais
e conjuntas; aprender no grupo supõe aprender a vincular-se, passando
pelos momentos de confusão, de dissociação e de integração, ou seja,
aprender no grupo o que é grupo e o que se faz em grupo; aprender com o
grupo leva-nos a aprendizagens de novos conhecimentos e de novas formas
de abordar a tarefa, subjetiva e objetiva, que passam a fazer parte de nós.
Nesse artigo, mostra-se a aventura de viver o grupo, coordená-lo, observá-lo
e provocá-lo para que possamos aprender a conviver e a construir
conhecimentos em conjunto.

UNITERMOS: Grupo social. Aprendizagem. Comportamento cooperativo.

Laura Monte Serrat Barbosa - Pedagoga, Correspondência


psicopedagoga, especialista em psicologia escolar e Laura Monte Serrat Barbosa
da aprendizagem, mestre em educação. Membro do Av. Agostinho Leão Jr., 37 – Curitiba , PR -
conselho da ABPp Nacional e da Seção Paraná Sul. CEP 20030-110
E-mail: lauraserrat@bol.com.br

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PARA COMEÇAR um encontro que gera um movimento fantástico:


Quando nos referimos à Psicopedagogia, uma idéia passa por outras mentes e outras bocas
estamos trazendo para a discussão uma área de e, devagarzinho, vai se transformando tanto pelo
estudo que investiga o aprendiz e sua apren- passeio feito no interior do grupo, quanto pelas
dizagem. Quando identificamos um âmbito da mudanças que ocorrem dentro de quem a lançou.
Psicopedagogia no qual se trabalha em grupo, Outras formas de ver são trazidas, novos ângulos
no grupo e com o grupo, estamos focando a de análise contribuem e, de repente, aquela idéia
apropriação e a produção do conhecimento no não é mais de ninguém especificamente, mas é
coletivo. Quando abordamos a superação da do grupo que trabalhou com ela, burilou,
patologização vigente nos dias atuais, estamos complementou e construiu algo que é de todos.
questionando mecanismos de relações pessoais Muitas das pessoas que viveram essa
individualistas, onipotentes e perfeccionistas que experiência de formação comigo trabalham até
se transformam em sintomas e incentivam a hoje juntas em projetos distintos, em tempos
competição excessiva, afastando o aprendiz diferentes. De vez em quando, nós nos
das relações grupais para a construção do encontramos para partilhar novas empreitadas
conhecimento. psicopedagógicas; em vez de concorrentes,
Aprendi com meus mestres Jorge Visca e somos co-operadoras, confiamos umas nas outras,
Pichon-Rivière, por meio de Visca, que a trazemos nossas visões, mesmo que diferentes,
construção do conhecimento tem uma estreita sem medo de magoar, com delicadeza, mas com
relação com nossa história e com todo o esquema firmeza; somos entendidas, acolhidas e, também,
conceitual que serve de referência para a ação ouvimos e acolhemos as outras.
que vamos construindo neste percurso. Diante Esse foi o saldo da formação tão brilhan-
disso, coloquei-me a pensar sobre o porquê do temente conduzida pelo Professor Jorge Visca,
tema grupo me encantar, o porquê de eu adorar nosso querido Mestre. Muito mais do que em
trabalhar em equipe, o porquê de eu gostar de livros ou cursos, aprendemos a coordenar grupos
atender grupos de estudos, de supervisão, o a partir da coordenação vivida por ele. Essa foi,
porquê de eu ir escolhendo, ao longo de minha para nós, uma verdadeira experiência; na
práxis, o atendimento psicopedagógico grupal. concepção de Larrosa1, aquilo que nos acontece
Meu interesse por esse tema, conforme os toca-nos de tal maneira que nos transforma.
ensinamentos dos mestres, tem a ver com a minha Eu, particularmente, ratifiquei, nessa
história profissional e pessoal. Minha formação formação, muitas aprendizagens já realizadas em
em Psicopedagogia aconteceu em um percurso família: tenho oito irmãs, e esse fato fez parte
grupal. Foi muito difícil, mas de muita importante da minha aprendizagem de vivência
aprendizagem. Até então, não havia vivido, de grupal; também foram importantes as
verdade, uma formação profissional e, ao mesmo brincadeiras na rua, com os vizinhos - distante
tempo, pessoal e grupal, tão instigadora quanto do olhar atento dos pais, o que fazia com que
essa. Já havia realizado a formação em resolvêssemos nossos conflitos de forma grupal
Psicomotricidade Ramain, que também trabalhava e aprendêssemos a conviver. Além disso, tivemos
com momentos de reelaboração grupal, mas as uma educação que sublinhou o sentido da
tarefas disparadoras, com exceção das cinéticas, humanidade como sendo composta pelo conjunto
eram realizadas individualmente. Foi um início, de pessoas que viveram, vivem e viverão para a
também, diferente da formação escolar que existia construção de um mundo humanizado.
naquela época. Aprendemos a reconhecer e agradecer ao passado
Formar-me psicopedagoga numa vivência por tudo que temos no presente e podemos
grupal, de três anos, foi uma experiência pessoal construir para o futuro, mesmo não havendo a
muito rica. Grupo e pessoas, pessoas e grupo; possibilidade de usufruirmos dele. Aprendemos

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a humanidade como um grande grupo realizando juntas provocam no exercício de descobrir quem
a tarefa de preservar, construir e projetar o planeta é quem; é preciso discriminar as características
Terra. Aprendemos a reconhecer e agradecer, individuais, perceber semelhanças e diferenças
todos os dias, as pessoas que trabalham para que entre idéias, gostos, formas de expressão, valores
possamos ter o alimento, o agasalho e a moradia. e muito mais; é necessário fazer articulações para
Esse reconhecimento, portanto, não se dirige que as características pessoais possam, como a
apenas às pessoas que compartilham o momento, exemplo de uma orquestra, harmonizar-se para
mas a todas que contribuíram no passado, as que realizar a tarefa proposta pelo próprio grupo.
contribuem no presente, mesmo à distância, para Aprender em grupo supõe troca de expe-
que o pão esteja sobre a mesa, pela manhã, ou riências, de idéias, de sentimentos e, sobretudo,
para que tenhamos acesso a qualquer outra mudanças internas e externas, pessoais e
construção humana. conjuntas; aprender no grupo supõe aprender a
Aprendemos, também, que as pessoas vincular-se, passando pelos momentos de
trabalham para retribuir a todos que trabalharam confusão, de dissociação e de integração, ou seja,
e que trabalham para atender a suas necessidades aprender no grupo o que é grupo e o que se faz
e anseios e para oferecer sua força, seu saber, em grupo; aprender com o grupo leva-nos a
seu fazer em prol da humanidade; hoje, eu diria, aprendizagens de novos conhecimentos e formas
em prol do planeta. Nosso trabalho, dessa forma, de abordar a tarefa, subjetiva e objetiva, que
precisa ter um sentido planetário e servir à passam a fazer parte de nosso grupo interno.
coletividade. A Psicopedagogia em grupo, no grupo e com
Essa maneira de aprender princípios que o grupo objetiva proporcionar aos aprendizes
valorizavam e valorizam a prática grupal está na aprender a pensar, a tecer, juntos, o conhe-
base do meu ECRO – Esquema Conceitual cimento, a transcender a dimensão individual
Referencial Operativo2, pois aprendemos a vida para desenvolver a construção coletiva do
como um exercício de compartilhamento, de conhecimento. Dessa forma, aprender deixa de
convivência e de desenvolvimento de normas ser “todos fazendo a mesma coisa no mesmo
sociais, a fim de que isso possa acontecer de fato, momento, da mesma maneira”; o grupo possui
e não fique apenas no plano do ideal. Percebemo- uma tarefa comum, e todos devem contribuir com
nos auxiliados historicamente; por isso, fazemos o que sabem para sua efetivação.
nosso trabalho com o intuito de auxiliar o outro e
a nós mesmos na construção de um patrimônio COORDENAR – UMA APRENDIZAGEM EM
que é de todos os seres que habitam a Terra. CURSO
O espírito do grupo é este: transcender o Um coordenador de grupos ou co-pensador,
individual, oportunizar a percepção e a vivência como referia Pichon-Rivière2, pode experimentar
de todos como parte de um todo, como várias posições no encaminhamento dos trabalhos;
representantes desse todo e, ao mesmo tempo, porém, a mais difícil e uma das mais eficientes é
como sujeitos. No entanto, para essa a de sair do centro e acreditar que o grupo será
transcendência, faz-se necessário um percurso capaz de realizar a tarefa, articulando as várias
que não é suave, nem fácil, nem romântico. A contribuições de seus participantes. O coor-
vivência em grupo não é mágica, e sim exige denador fica, apenas, com a tarefa de ordenar e
muitas transformações e, portanto, muita dor. pensar junto, quando for necessário. Ordenar e
Quando pessoas agrupam-se, não se pensar junto, ou seja, co-ordenar, co-pensar, é
caracterizam como um grupo apenas por esse uma ação realizada por meio de intervenções, de
fato. Agrupar-se é o primeiro passo; porém, para atitudes e da convicção de que conviver é outra
chegar-se à vida grupal, o caminho é longo: é possibilidade em relação a “soviver ”; que
preciso superar a confusão que muitas pessoas altruísmo é uma forma de superação do egoísmo;

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que alteridade é um dos exercícios mais Pedagogia, na época, Eliane Mara Alves Chaves
complexos para o ser humano, pois implica o e a professora Heliana Rodrigues da Silveira,
exercício de colocar-se no lugar do outro. Só é foi desenvolvida uma ação psicopedagógica
possível superarmos o individualismo, grupal, envolvendo vários grupos de crianças e
convivermos, colocarmo-nos no lugar do outro, adolescentes, ampliando e modificando a
se existir o outro, de verdade, diante de modalidade de trabalho realizada em Campinas
nós, assim como uma ação a ser realizada (SP). De 1989 até o momento atual, já no espaço
coletivamente. da Síntese, fundada nesse mesmo ano, vimos
A Psicopedagogia no âmbito grupal pode ser aperfeiçoando o atendimento grupal no espaço
realizada: diretamente com grupos de aprendizes, da clínica tanto na questão teórica, quanto
no espaço da clínica ou da escola; junto aos prática. A visão sistêmica veio enriquecer a nossa
educadores, como instrumento de formação prática clínica psicopedagógica quando as
contínua; como instrumento de formação de psicólogas Rosemary Damaso Padilha, Vera
coordenadores de grupos; ou ainda na formação Lucia Germano Sicuro e Virginia Alice de
de psicopedagogos para a participação de Oliveira contribuíram com o trabalho realizado
equipes profissionais. junto ao grupo familiar e auxiliaram na
Desde a década de 1980, tenho realizado construção de uma metodologia de trabalhos
ações psicopedagógicas que envolvem grupos junto aos aprendizes e suas aprendizagens.
com dificuldades para aprender e grupos com Além delas, muitos profissionais da Síntese
objetivos de aprender. De 1981 a 1984, contribuíram para o crescimento dessa ação
desenvolvi um trabalho com crianças que psicopedagógica, dividindo comigo a aplicação
apresentavam dificuldades de aprendizagem, prática e a discussão sobre ela: Arlete Zagonel
na Coordenação de Recursos em Psicologia Serafini, Eliane Mara Alves Chaves, Susi Monte
Escolar (COOPERAR) da PUCPR, na ação Serrat, Sonia Küster, Regina Bochniack, Eliana
denominada por nós de Classe Terapêutica, em Herreros Sorotiuk, Geraldine Franco de Oliveira
parceria com as psicólogas Maria Assunciòn e Miraglia, Ronald Magalhães, Ângela Marques
Jussara Carvalho. Nesse mesmo período, dividi Duarte, Simone Carlberg, Norma Nemmer de
com a psicóloga Mônica Bigarela a coordenação Mello e Luiza Maria Bernert.
de grupos de crianças com dificuldades para A formação em Psicopedagogia na visão da
aprender, no espaço da Gradual Terapias Epistemologia Convergente, iniciada por mim em
Associadas, em Curitiba (PR). Em 1985, no 1988, e a formação em Teoria e Técnica em Grupos
Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia de Operativos, feita no início da década de 1990,
Campinas, em parceria com Maria Cecília muito contribuíram para o incremento da
Picolloto, transformamos a proposta desen- fundamentação teórica e para a forma que foi
volvida na COOPERAR e a desenvolvemos no tomando a aplicação prática.
espaço da clínica, com alguns grupos de O resultado do trabalho desenvolvido, com as
crianças. Também nessa época, coordenei o crianças que apresentavam dificuldades para
CEMAP – Centro Municipal de Atendimento aprender, foi nos entusiasmando para que
Psicopedagógico de Valinhos (SP), no qual estendêssemos nossa ação grupal para ações de
discutimos a realização do trabalho grupal, que caráter preventivo e, também, de otimização do
ainda se parecia muito com a ação pedagógica processo de ensinar/aprender. Com isso, grupos
desenvolvida na escola. Em 1988, de volta a de pais foram criados, aconteceram cursos
Curitiba (PR), no Consultório de Atendimento envolvendo a construção coletiva do conhe-
Psicopedagógico, juntamente com a psicóloga cimento, coordenados operativamente, até
Virginia Alice de Oliveira, a então pedagoga chegarmos à organização de cursos específicos
Arlete Zagonel Serafini, a estudante de para a Coordenação de Grupos de Aprendizagem,

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realizados nas cidades de Goiânia (GO), com a desenvolvo meu trabalho, cujos dados ainda não
colaboração de Janete Carrer, e Curitiba (PR), foram estudados de forma sistemática.
envolvendo a equipe da Síntese. Uma de minhas formas de trabalhar com
A aprendizagem da operatividade na formação ensino/aprendizagem, já referida, é fazer
em Teoria e Técnica de Grupos Operativos foi palestras, conferências, aulas para educadores
fundamental nessa práxis. Essa forma de ensinar, vinculados a várias Secretarias de Educação,
possibilitando a reelaboração coletiva do universidades, faculdades, congressos e escolas
conhecimento, foi absorvida, também, para brasileiras. Iniciei esse percurso em 1989, em
provocar professores em situação de palestras e Salvador (BA).
na formação do psicopedagogo. Nesses 20 anos, tenho percebido que
Essa práxis voltada a grupos foi se estendendo educadores em situação de aprendizagem fazem
na ação profissional da Síntese (então já um movimento de entrar e sair da sala na qual a
denominada Síntese Centro de Estudos, Desen- palestra ou aula está sendo realizada, como
volvimento e Aperfeiçoamento da Aprendi- se o que está sendo dito não tivesse muito a
zagem), de tal forma que hoje mantemos, além acrescentar às suas aprendizagens. É claro que
dos grupos de aprendizagem de crianças e não são todas as pessoas; também é certo que
adolescentes, grupos de estudo e de supervisão, aqueles que assim agem não o fazem para
e também desenvolvemos o Curso Livre de demonstrar um repúdio ou um desprezo, mas
Formação em Teoria e Técnica de Grupos sim representam a cultura sobre o que seja
Operativos, iniciado no ano de 2007, agora em construir conhecimento e sobre qual é o papel
sua segunda turma. do outro nessa construção, como se o interessante
Nesse curso, a contribuição de Simone numa aula dependesse apenas de quem a
Carlberg é fundamental. Ela divide comigo a ministra.
coordenação do curso e a coordenação dos grupos Pessoas entram e saem num exercício de
em formação; e também buscamos a contribuição assistir passivamente, e não de aprender, nem
de dois colegas para comporem a equipe de de construir conhecimento. Pensa-se que o saber
coordenação: Heloísa Monte Serrat Barbosa e está fora e, portanto, parece não ser possível
Sidinei José da Silva. É isso mesmo; em grupo, transformá-lo. Isto gera impotência. Certo,
ensina-se a coordenar grupos. A coordenação é também, é que muitos palestrantes, formadores
realizada por uma equipe. Em nosso caso, eu de professores, não oferecem espaço para o
ocupo o lugar de disparadora dos temas a serem exercício de pensar, relacionar, discutir, opor-se,
aprendidos, assim como de observadora de recompor e reelaborar o que foi dito. Isso vai
temática ou de dinâmica; Heloísa é observadora dando força à cultura de que basta gravar, ver o
de temática ou de dinâmica; Sidinei é observador vídeo, assistir para aprender, afastando os
do coordenador; Simone é coordenadora. A cada próprios educadores do exercício de pensar.
coordenação, a equipe reúne-se para avaliar o Outro comportamento recorrente, que tenho
trabalho, elaborar as próximas consignas e percebido no educador aprendiz, é a competição.
planejar os encontros seguintes. Quando alguém tem uma idéia, encontra um
material diferente ou descobre um texto importante
OBSERVAÇÃO DE ADULTOS EM SITUA- para toda a classe, demonstra certo medo de que
ÇÃO DE APRENDIZAGEM seu desempenho individual seja prejudicado ao
Quando falar de observação, de pesquisa e abrir a informação para todos.
de investigação, refiro-me a tudo o que tenho visto Essa forma de pensar mostra o quanto ainda
em minha ação profissional, tanto em processo é difícil fazer acontecer a idéia de grupo em meios
de pesquisa formal, quanto na observação de atos responsáveis por ensino/aprendizagem. O
recorrentes em várias localidades nas quais individualismo propagado pela visão neoliberal

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ofusca possibilidades de aprendermos em grupo, desse pequeno projeto 13 escolas e 44


no grupo e com o grupo. Publicidade, músicas professores. Foram realizadas formas diferentes
comerciais, programas de televisão e muitas de apresentação. Cada professor tinha a
outras ações da cultura encarregam-se de liberdade para escolher a forma de conduzir seu
reafirmar o individualismo, o destaque do trabalho; apenas foi proposto que acontecesse em
individual, em detrimento do grupo, da todos os dias e tomasse apenas cinco minutos.
comunidade, das pessoas que compartilham o Apareceram muitas atividades interessantes.
mesmo planeta. Constatamos, nessa ocasião, que muitas formas
Há também outra forma de agir, de muitos de apresentação foram criadas com a intenção de
professores em condição de alunos, que nos que as crianças e o professor conhecessem-se pelo
chama atenção: é a necessidade de atender, em nome, soubessem sobre as preferências de seus
situação de aula, o que imaginam ser o desejo colegas, sobre um pouco da história de cada um.
de seu professor. Então, se esperam isso quando Essa atividade pode acontecer de forma a
estão na posição de aluno, certamente esperam oportunizar um aprofundamento do conhe-
que seus alunos façam o que eles, como cimento das relações entre os alunos e entre os
professores, desejam, e não ousem, não pensem, alunos e o professor. Realizada diariamente, pode
mas apenas realizem de forma reprodutiva e servir de aquecimento para o trabalho que se
submissa. seguirá e pode, também, servir de instrumento
de comprometimento. Os professores, nessa
PARA ALÉM DO INDIVIDUALISMO pesquisa, relataram que diminuiu a incidência
Uma forma de iniciar a modalidade de de esquecimento da lição de casa; no período em
aprendizagem em grupo, no grupo, com o grupo, que a programação foi desenvolvida, os alunos
nas palestras e cursos nos quais o individualismo mostraram-se mais responsáveis. Silvia Jesuíno
impera, é lançar sementes de “grupalidade” por Rocha, uma das professoras desse projeto,
meio de ações muito simples. abordou em sua avaliação que, pelo tempo que
A apresentação é uma dessas ações. Conhecer os alunos passam na escola, o acolhimento deve
e chamar as pessoas por seus nomes tem sido ser verdadeiro e diário, pois isso fará a diferença
um exercício embrionário na formação de um na construção da auto-estima de cada um e do
grupo. As pessoas começam a se conhecer como grupo.
identidades; não precisam se esconder atrás do Além disso, o sentimento de perceber-se e de
conjunto; começam a encontrar semelhanças e ser reconhecido particulariza a relação, e o aluno
diferenças entre os participantes e principiam sente-se importante; então, passa a apresentar
suas primeiras identificações. O conhecimento e um comportamento saudável frente ao que é
o reconhecimento, num conjunto de pessoas, esperado. Essa é a primeira semente para que o
fazem com que o comprometimento apareça e grupo possa se formar. Essa atividade passa a
envolva as pessoas em direção a uma tarefa fazer parte da rotina, e os próprios alunos podem
comum. criar formas de apresentarem-se, cada vez um
Em uma cidade da região metropolitana de pouquinho, contando seus gostos, seus saberes,
Curitiba (PR), realizamos uma pesquisa junto aos seus interesses e tantas outras coisas que fazem
professores. Pedimos aos 100 coordenadores parte da vida dos seres humanos. Como
pedagógicos, que estavam em um processo de trabalhamos com 200 dias letivos, serão, pelo
formação, para convidarem os professores de suas menos, 200 motivos para que cada um possa fazer
escolas a participar de um programa, com o parte daquele grupo da classe.
objetivo de comprometimento dos alunos por meio É possível que surja a pergunta: O que a
de uma apresentação diária. A adesão deveria apresentação individual tem a ver com a
ser espontânea, e assim foi realizado. Participaram constituição de um trabalho grupal? Todo o grupo

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tem dois planos: um que é horizontal e diz respeito pessoa que verbalizou, mais ficamos afastados
ao conjunto de pessoas, e um que é vertical e da construção grupal; esquecemo-nos de que as
refere-se aos indivíduos. A conjunção entre o idéias, as opiniões, de autoria individual, fruto
plano horizontal e o plano vertical resulta no do movimento interno de aprendizagem, na
movimento grupal. Quando temos pessoas maioria das vezes, são resultado da construção
apenas identificadas no plano horizontal, fazendo grupal e da construção do conhecimento pela
a mesma coisa, na mesma hora, da mesma forma, humanidade, grande grupo que fundamenta o
não temos um grupo, e sim pessoas sendo conhecimento de hoje.
comandadas e realizando a ação que está sendo O grupo, assim, fica entre o indivíduo e a
solicitada. Ao contrário, quando temos pessoas massa; nele, o sujeito possui sua identidade e,
identificadas apenas no plano vertical, temos ao mesmo tempo, aprende a conviver, supera o
indivíduos juntos, que precisam competir para individualismo e preocupa-se com a comunidade
ver quem aparece mais, quem é o melhor, quem e sua tarefa. Vivencia o que Pichon-Rivière2
chega antes, já que o foco encontra-se na chamou de verticalidade (a história pessoal) e
verticalidade. No entanto, se temos pessoas sendo horizontalidade (que diz respeito à história e à
diferenciadas daquela massa que faz a mesma dinâmica grupal).
coisa e tarefas no plano horizontal colocadas para Outra forma de semear “grupalidade” é
serem resolvidas, considerando-se as expe- colocar consignas para o grupo desenvolver. A
riências pessoais, daí nasce o grupo, que possui vontade de resolver a tarefa mobiliza a formação
um objetivo comum e conta com ferramentas do grupo, pois a cooperação, a discussão, a busca
diversas para atingi-lo. da síntese entre as diferentes percepções e idéias
Nesse sentido, a apresentação individual, possibilitam uma vivência bem diferente daquela
numa turma que está acostumada a ser tratada na qual o professor encontra-se na posição de
como massa, apenas no plano horizontal, faz parte autoridade. A consigna oral deixa o grupo um
da constituição de uma concepção grupal. É pouco mais dependente de seu coordenador,
preciso diferenciar para sair da confusão e, enquanto que a consigna escrita permite um
posteriormente, harmonizar as individualidades movimento grupal mais eficiente, mesmo que o
para que se consiga realizar a tarefa que é de grupo passe igualmente pelos momentos de
todos. confusão, discriminação e integração, necessários
Além da apresentação, considera-se que a para a elaboração ou reelaboração da tarefa.
tarefa de um grupo é comum; outro cuidado do Valorizar a tarefa realizada, apontando os pontos
palestrante, do professor e do coordenador é levantados, analisando sua maior ou menor
dirigir-se ao público como um possível grupo, relevância, apontando para as possibilidades de
realizando chamadas grupais. Dirigir-se ao grupo aprofundamento e aperfeiçoamento, sem perder
torna-se uma forma de chamar o grupo a de vista que aquela é uma tarefa grupal, é ação
interessar-se ou à responsabilidade. Então, em importante da coordenação do grupo para o
vez de dizer “O fulano disse isso”, é muito mais desenvolvimento de uma mentalidade menos
eficiente dizer “O grupo está dizendo, por meio individualista.
de um de vocês...”, “O grupo faz isso como uma Provocar as pessoas para a ação coletiva,
forma de mostrar sua intenção...” ou “Qual é grupal, é possível; é importante; significa um
mesmo a tarefa desse grupo?” Quanto mais nos avanço nas relações humanas atuais, mas
referimos às pessoas como portadoras de idéias necessita de formação pessoal. A aprendizagem
importantes, assinalamos a verticalidade e da leitura dos sinais que um grupo emite, da
dificultamos a construção do grupo. O mesmo vale compreensão do que é lido e da intervenção a
para as idéias que parecem descontextualizadas. partir do que se lê é tarefa importante de um
Quanto mais apontamos para a falha e para a coordenador de grupos de aprendizagem.

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APRENDER A CONVIVER ocupados; mães que não abrem mão da função


Rosely Sayão , uma educadora que exerce sua
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materna; pais que não “brigam” para fazer parte
missão utilizando meios de comunicação que nem dessa relação; mães e pais que fazem sacrifícios
muitas pessoas, em seu texto Aprender a Conviver, para que os filhos “tenham”; mães e pais que
traduziu de forma concisa o motivo pelo qual querem preparar os filhos para a competição, mas
defendemos uma ação educacional e agem como se eles fossem incapazes de enfrentar
psicopedagógica para além do âmbito individual. o futuro.
“Um estudo da OCDE (Organização para a Percebemos que o tratamento que as famílias
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), têm dado aos seus filhos diminui muito o exercício
publicado na última semana, concluiu que o da convivência, pois a necessidade de trabalho e
professor perde muito tempo para manter a ordem de compromissos de ambos os responsáveis pela
em sala de aula. Isso não é novidade para quem família vai tornando escassos os momentos de
trabalha em escola, já que a indisciplina é um convivência. Roseli Sayão comenta sobre algo que
dos fatores que mais estorvam o ensino de nos ajuda a compreender esse fenômeno, no que
qualidade. Suas causas são diversas. Em geral, tange à forma de intervenção familiar:
a ausência da intervenção familiar e algumas “Os pais precisam ensinar a criança a se
características do próprio aluno ganham lugar de comunicar com a família. “Espere sua vez para
destaque ao analisarmos o fenômeno na escola. falar”, “Não interrompa sua mãe” e “Fale
A falta de limites na educação familiar tem sido mais baixo” são exemplos de frases que
um bordão utilizado por especialistas de diversas ajudam a criança, desde pequena, a usar a
áreas para explicar o comportamento ruidoso, fala de modo social e dialógico, ou seja,
incivilizado, transgressor e, por vezes, violento considerando os outros com quem interage e
dos alunos em sala de aula”3. o grupo em que vive. O mesmo vale para o
Há mais ou menos três anos, apresentei um andar, o alimentar-se... Entretanto, temos hoje
relato num congresso – publicado parcialmente dois fatores que atrapalham situações que
no livro A Psicopedagogia e o Momento de favoreçam esses tipos de intervenção. O centro
Aprender, em 20064 – no qual falava de um das famílias passou a ser lugar ocupado pelos
fenômeno que denominei “sovivência”, como filhos e, por isso, os pais priorizam o que eles
oposição à convivência, por perceber em minha fazem. Calam-se quando eles falam, acham
práxis uma tendência, de crianças e adolescentes, natural que corram em ambientes fechados,
ao individualismo, ao egoísmo e à solidão; que se alimentem a qualquer hora, não
condição de não-crescimento, de autocentramento, chamam a atenção quando eles tomam
de não-percepção do outro. Em famílias que nos atitudes inadequadas na frente dos outros.
procuravam, percebia o excesso de proteção do Mais do que deixar de colocar limites, muitos
sujeito em relação ao mundo e, ao mesmo tempo, pais acatam o comportamento dos filhos. O
uma exigência intelectual, maior do que ele pode segundo motivo é que, cada vez menos, as
atender, gerando uma sensação de incompetência famílias reúnem-se para uma refeição ou
constante. compartilham períodos juntos. A casa tornou-
Numa pequena pesquisa que envolveu se um ambiente em que cada integrante da
dezesseis famílias4, pudemos levantar como família tem sua própria vida. O individual
causas desse fenômeno uma série de elementos. superou o coletivo também no interior da
Entre eles, há: abandono necessário ou família3.”
superproteção; filhos que ganham o que desejam; Dessa maneira, a semente da convivência não
falta de autoridade efetiva; escolhas que ficam a é cuidada em seu primeiro ambiente, e as crianças
cargo dos filhos; mães brilhantes e que exercem passam a ter comportamentos de isolamento e de
a função paterna; pais que são cordatos e muito não-pertença em relação ao primeiro conjunto de

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pessoas com o qual passa a viver: sua família. de sua responsabilidade. É preciso, ao saber que
Essa aprendizagem poderá comandar a forma de o aluno chega à escola sem referências da
atitude que vai utilizar em outros ambientes. vivência grupal, que ela organize-se para
Para minimizar a consequência da ausência desenvolver uma ação no sentido de promovê-
do coletivo na formação dos filhos, seus pais la. O controle externo apenas reforça o
buscam formas de tratamento interessantes; entre individualismo e acaba por colocar os alunos
elas, está a “patologização”, pois é mais fácil contra a própria escola, gerando aparecimento
admitir que seu filho seja agressivo, depressivo, de doenças e afastamento constante nos quadros
possua transtorno de atenção, hiperatividade, do docentes das instituições escolares, bem como
que pensar que seu filho não aprendeu, com sua excesso de encaminhamentos do corpo discente
família, a socializar-se, comunicar-se, a construir para os consultórios especializados e medicação
sua atenção e a entrar em contato com ele mesmo, de problemas que foram constituídos nas relações
para enfrentar com calma as surpresas da sociais. As instituições escolares diminuíram os
realidade vivida. elementos educativos e aumentaram a neces-
Na mesma pesquisa 4, percebemos que o sidade do controle externo; entre eles, estão os
tratamento que os pais dão a seus filhos em nossa responsáveis pela disciplina (retomando-se a
sociedade é terceirizado: contam com os avós, com figura do bedel), o recurso do discurso que
a rua, com os condomínios, com os abrigos ou humilha e as pílulas.
contratam empregados para desempenhar a Nesse sentido, não é somente a família e a
função materna; usam medicamentos para poder escola que devem retomar a discussão; como
desempenhar suas funções; buscam mais funções especialistas em aprendizes e aprendizagens e
fora de casa e, com isso, afastam-se dos problemas protagonistas dos atendimentos das dificuldades
domésticos; fazem combinados com os filhos, os nos consultórios e nas escolas, nós, psicopeda-
quais recebem coisas em troca de comportamentos gogos, precisamos rever nosso papel nessa cadeia
adequados; permitem que os filhos fiquem muito de patologização do aprendiz, da qual somos
tempo em situação de lazer; não distribuem parte atuante, para participar dela ou para
tarefas domésticas, retirando dos filhos a promover rupturas importantes. Pensar numa
possibilidade da aprendizagem de mecanismos Psicopedagogia em grupo, no grupo e com o
de convivência social; superdimensionam grupo como instrumento de promoção do
problemas e acabam por “patologizar” aquilo que aprendiz e sua aprendizagem é o nosso desafio.
faz parte do desenvolvimento normal de seus
filhos; defendem os filhos, deixando pouco A PSICOPEDAGOGIA NO ÂMBITO
espaço para que eles aprendam a defender-se. GRUPAL, NO ATENDIMENTO CLÍNICO
Essas pessoas chegam à escola com poucas Os grupos, como relatado, têm sido uma forma
referências sobre a convivência e com muito mais de encaminhamento bastante utilizada na práxis
referências sobre a “sovivência”, que ora é desenvolvida pela Síntese, em Curitiba (PR), que
revelada pela passividade e apatia, ora pela anti- reúne uma equipe composta de quatro
sociais; porém, ambos são geradores de grande psicopedagogas e duas psicólogas, todas com
sofrimento para a criança, o adolescente ou o formação em coordenação de grupos.
adulto que não sabe se relacionar, conversar, O sujeito encaminhado é sempre visto no seu
conviver, compartilhar idéias, sentimentos – todas contexto escolar e familiar, e nossas conclusões
essas ações são antecedidas do prefixo “con” ou sempre estão atreladas a esse fato, pois é muito
“com” que supõe o outro, aquele que não se fácil colocar alguém no lugar de doente, de
constituiu na aprendizagem da “sovivência”. problema, quando todos estão bem e aquela
De nada adianta a escola conhecer esse pessoa não está. Na escola, escuta-se o discurso:
quadro e colocar-se atrás dele para proteger-se “Todos estão se alfabetizando, apenas ele não”.

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BARBOSA LMS

Na família, por outro lado, ouve-se: “A irmã é quando se trata de pessoas que chegaram até
uma excelente pessoa, aluna e filha, nós dois nós por apresentarem dificuldades de
nunca tivemos problemas na escola; certamente, aprendizagem, seja na questão da convivência
ele possui um distúrbio importante”. ou na questão do conhecimento, é a proximidade
Nosso olhar e nossa escuta, no entanto, vai de idade e ou de ano de escolaridade; o critério
para além do discurso que ouvimos e daquilo que de heterogeneidade é a forma de aprender que
observamos a respeito do sujeito agindo em sua apresenta – na leitura e escrita, no raciocínio
sala de aula e em sua família. Nossa avaliação já lógico, no comportamento diante das situações
possui uma pitada de “grupalidade”, e o sujeito de aprendizagem, no relacionamento nas
é visto nos seus contextos e individualmente para situações de aprendizagem, na atenção, na
podermos conhecê-lo nos planos: horizontal e memória ou em qualquer outra. Esses dois
vertical, tanto no espaço da escola, quanto no critérios podem ajudar garantir o tipo de interesse
âmbito familiar. que as pessoas de idades próximas podem
A aprendizagem é resultado de uma possuir, bem como o instrumental diverso que
elaboração interna, mas decorrente da relação pode surgir do próprio grupo, pelo fato das
dialógica estabelecida entre as pessoas, seus pessoas possuírem modos de aprender,
grupos, suas crenças e suas culturas. Aprender é dificuldades e facilidades diferentes.
uma ação da pessoa, mas atrelada à construção No caso de grupos de aprendizagem
coletiva do conhecimento. Portanto, alguém que compostos por professores ou interessados na
apresente dificuldade para aprender pode apre- formação em Teoria e Técnica de Grupos
sentar dificuldades para elaborar internamente Operativos, a reunião pode acontecer com a
os códigos que surgiram na interação. Isso indica seguinte característica: agrupar pessoas
que não apenas o sujeito deve ser compreendido, interessadas pelo mesmo tema (homogeneidade),
como também todos que interagem com ele e o mas com formações e experiências diferenciadas
objeto a ser aprendido, para que possamos (heterogeneidade), o que enriquecerá o grupo
descobrir formas mais eficientes de todos nos momentos de reelaboração temática e da
aprenderem naquele espaço. avaliação dinâmica. Quando temos que trabalhar
Se a escola insiste em focar seu trabalho nos com grupos cujos participantes possuem a mesma
sujeitos individualmente, o plano horizontal não formação ou profissão, o critério de hetero-
é considerado e o sujeito que não aprende é visto geneidade será a idade, pois pessoas com idades
como o único a ser ajudado em todas as situações diferentes, experiências vividas em espaços e
de aprendizagem, nas quais ele não conseguiu tempos distintos, podem possibilitar uma
aprender; se o mesmo acontece nos consultórios, dinâmica maior no momento de aprender em
a família fica convencida de que seu filho tem grupo, no grupo e com o grupo.
um grande problema, que esse problema é uma O que diferencia um trabalho grupal de um
doença grave e, portanto, concorda em medicá- trabalho no qual as pessoas aprendem juntas é o
lo. Então, o primeiro grupo com que trabalhamos fato da tarefa do grupo ser a resolução de um
em nosso Centro de Estudos é o Grupo Familiar; problema proposto para o grupo. Para essa tarefa,
depois, quando a escola solicita, o Grupo de serão necessárias pessoas com idéias, soluções
Alunos ou de Professores. e experiências diferentes. Não há a valorização
Além disso, desenvolvemos também o trabalho de um elemento do grupo por fazer melhor,
com a aprendizagem de forma grupal, integrando responder mais rápido, entender mais profun-
pessoas por meio de um critério de homo- damente ou por não fazer, não se aproximar, errar,
geneidade e outro de heterogeneidade – para que etc. Valoriza-se a tarefa grupal, e não o
possamos ter contribuições distintas na realização comportamento individual. Nos grupos que
da tarefa grupal. O critério de homogeneidade, desenvolvemos na Síntese, possuímos uma Caixa

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PSICOPEDAGOGIA EM GRUPO, NO GRUPO E COM O GRUPO

de Trabalho Grupal, a qual contém os materiais cipação da Psicopedagogia na cadeia de


inicialmente selecionados para o grupo e aqueles patologização vigente no mundo atual, motivado
que vão sendo adicionados no decorrer. Além por um olhar clínico que classifica, discrimina,
disso, nossos grupos são trabalhados por dois generaliza e institucionaliza.
profissionais: um que coordena e um que fica na Por isso, convido vocês, psicopedagogos, a
posição de observador e de apoiador, oferecendo pensarem sobre nosso papel na sociedade atual,
referências sempre que o grupo necessitar. regida pelo mercado que vende e precisa ter
Trabalhar com grupos de aprendizagem sem quem compre. Por que a Psicopedagogia teve
repetir a questão autoritária que sempre envolveu tanta aceitação na sociedade? Por que os cursos
esse tipo de grupo não é tarefa fácil; às vezes, de especialização em Psicopedagogia alastra-
misturamo-nos com os papéis desempenhados por ram-se pelo país? Por que psicopedagogos com
um dos participantes e precisamos de maturidade formação em Pedagogia têm tanto fascínio pela
para perceber e buscar alternativas que possam clínica? Por que psicopedagogos repetem os
fazer reverter uma situação. nomes médicos em seus relatórios de avaliação?
Todos os grupos, enquanto trabalham, vão Por que os atendimentos individuais são muito
aprendendo as regras necessárias para a mais comuns que os grupais no atendimento
convivência: ouvir, falar, ser claro, esperar o psicopedagógico?
outro, contribuir com idéias e com ações, avaliar, Sinceramente, espero que as respostas a
falar de seus sentimentos em relação à tarefa, ao essas perguntas não estejam atreladas à
mesmo tempo em que constróem pontes para regência do mercado nas relações humanas e
poder se colocar e produzir tanto no espaço da que, para tanto, torne-se necessário fabricar
casa, quanto no da escola. problemas para vender atendimentos, fabricar
Certa vez, uma mãe que acompanhou dois doenças para vender pílulas e fabricar dessim-
filhos seus no percurso de atendimento grupal bolização para vender imagens prontas. Também
na Síntese disse: “Quem dera fosse possível esse espero que não estejam vinculadas ao fascínio
grupo estender-se para todas as pessoas! Meus do poder que o curandeiro exerce nas socie-
filhos que não possuem dificuldades precisam dades chamadas primitivas e os médicos e
aprender muitas coisas que esses aprenderam paramédicos exercem nos dias atuais.
aqui. É uma aprendizagem para a vida”. Diante de crianças e jovens que encontram
Então, questiono: Será que o trabalho grupal dificuldades para aprender a conviver num
não pode ser estendido para a família em forma mundo que fabrica “soviventes”, precisamos
de orientação psicopedagógica? Será que o questionar sobre o valor do grupo em todos os
trabalho grupal não pode ser estendido para a âmbitos e, também, no atendimento psico-
prática escolar? Será que a Psicopedagogia na pedagógico, corretor, preventivo ou de otimização
instituição escolar não pode oferecer essa do processo de aprendizagem, visando à
formação para os professores, para que eles diminuição da patologização no que diz respeito
possam realizar suas tarefas de ensinar/aprender ao aprender.
e de aprender/ensinar em grupo, no grupo e com A articulação entre a horizontalidade e a
o grupo? Não diminuiríamos a patologização se verticalidade, bem como a saída dos coor-
entendêssemos as dificuldades como fenômenos denadores de grupo da posição central, mas
decorrentes do processo de aprendizagem e de ainda fazendo uma coordenação operativa,
construção do conhecimento? parecem se constituir em um instrumento menos
Maria Aparecida Moysés5, em seu livro A autoritário e produtor de sujeitos conscientes,
Institucionalização Invisível – crianças que não- os quais podem conviver sem deixar de serem
aprendem-na-escola, comenta sobre a parti- sujeitos da vida e de seu processo de aprender.

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SUMMARY
Psychopedagogy in-group, in-the-group and with-the-group -
going beyond patholization

In order to overcome the notion of “Alonexistence” that runs rampant in


the world, it is necessary to foster the idea of “Coexistence” that generates
“groupality” on its wake. The goal of esprit de corps is to transcend the
individual dimension and promote the perception and experience of everyone
as part of a whole, at the same time as representatives and subjects of that
wholeness. A gathering of people may not be construed as the forming of a
group by itself. Getting together is the first step; however, attaining the status
of community life requires a series of stages, e.g. to establish rapport
conducive for people to align their personal features, such as in an orchestra,
where harmony is created to perform a collective task. The purpose of
Psicopedagogy in-group, in-the-group and with-the-group is to provide the
right tools that will enable learners to both learn and think, and together to
build knowledge, thus expanding learning beyond the individual dimension.
In-group learning presupposes the exchange of experience, ideas and
feelings, and above all of internal and external changes, both personal and
collective; in-the-group learning presupposes learning how to bond,
overcoming moments of confusion, of dissociation and integration, i.e. learning
in-the-group what the group is and what things are done as a group; with-
the-group learning is conducive to acquiring new knowledge and new ways
of tackling the task, both objective and subjective, which is incorporated to
the individual’s life experience. This article shows the adventure of living as
part of a group, of coordinating and studying it, and challenging it so we can
learn how coexist in a community and build knowledge together.

KEY WORDS: Social group. Learning. Cooperative behaviour.

REFERÊNCIAS 4. Barbosa LMS. A psicopedagogia e o


1. Larrosa J. Linguagem e educação depois de momento do aprender. São José dos
Babel. Belo Horizonte:Autêntica;2004. Campos:Pulso;2006. p.59-63.
2. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São 5. Moysés MAA. A institucionalização
Paulo:Martins Fontes;1988. invisível: crianças que não-aprendem-na-
3. Sayão R. Aprender a conviver. Folha de São escola. Campinas:Mercado das Letras; São
Paulo. 25 jun 2009. Caderno Equilíbrio. Paulo:Fapesp;2001.

Esse trabalho é apoiado na experiência da autora (em Artigo recebido: 17/4/2009


Psicopedagogia clínica, supervisão e consultoria a Aprovado: 21/7/2009
instituições e indivíduos); em trabalho clínico e pesquisa,
envolvendo grupos de crianças, famílias e professores; e
na co-coordenação do Curso de Formação em Teoria e
Técnica de Grupos Operativos do Curso de Formação em
Teoria e Técnica de Grupos Operativos, realizados na
Síntese – Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e
Desenvolvimento da Aprendizagem, em Curitiba (PR).

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