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SAUDE A Psicologia Junguiana entra no hospital Didlogos entre corpo e psique Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) I ‘APsicol dislogos entre corpo epsique Bio, Sanden Amor | ‘Sto Paulo : Veto, 2012. 1, Doentes - Psicologia 2. Pacientes hospitalizados - Psicologia 3, Pessoal médico ¢ uiana 5, Sintomatologi TL Amorim, Sandra | 1201123 cpp 150.1954 fndices para catdlogo sistematico: iveira dos Santos Projeto gnifico: Adriano Capa: Rodrigo Ferreira de Oliveira Revisfio: Mdnica de Deus Martins Rafael Faber © 2012 -Velor EioraPsico-Pedagégice lida € probidao reproduc otal ouporc desi pubicacGo, por quclquer meio existe teparo qualauer fndidade, sem auti2ngb0 por esc dos eos, SUMARIO Apresentagao Prefacio Carlos Byington 1, Vamos brinear de falar sério? O Jogo de Areia como recurso expressivo no trabalho de pronta-escuta psicoldgica em enfermaria pedidtriea Simone Corré a Silva 2.0 sapo que nio virou principe": um enfoque simbélico da violéncia sexual a partir da Psicologia Analitica Bandra Amorim 5.0 cancer de mama: uma compreensio arquetipica a Partir de mitos femininos so 69 Fernanda Aprile Bilotta re A atuagao do psicélogo em um centro de reabilitagao Lack Contribuicdes da Psicologia Analitiea non 11 pitiane Regina Pereira Fabretti, Mazina de Castro ‘scimento Gongalves e Sandra Regina Rodrigue 5.0 re 2:0 doente renal erénico sob a ética de Senex: ma compreensao arquetipica da insuficiéne! em arquetipica da insuficiéncia Giy Kotte Karina Simao 6, Identidade femminina em mulheres histerectomizadas: © enfoque da Psicologia Analitica no trabalho da Psicologia Hospitalar serene, 189 Ana Lucia Ramos Pandini Da morte simbélica 4 morte real: 0 processo de ndividuagdo em pacientes terminais 203 Adriana Furer Barreto 999 Sobre os autores ...semmnene 229 APRESENTACAO jung, 1947, p, 86) Instigadas a demostrar como a psicologia analitica, também conheeida como junguiana, poderia ser aplicada dimento quanto no tratamento de pacientes ortadores de doengas orgdnicas, nos reunimo-nos para apresentar € discorrer sobre nossa experiéncia dentro de instituigBes da drea da satide Para que se tenha @ real dimensiio do que representa a concepsao analitica sobre uma doenga, é importante ressaltar jue desde o final do século XIX vigora fortemente o modelo biomédico, Este pressupde 0 corpo como um conjunto de érgaos e visceras cujo funcionamento deve se dar de modo el, quase infaliv ser considerado saudével. proceso de adoecimento. twatar apenas dos processos organicos, a medicina ra o individuo em uma condic&s exclusivamente objetiva, negligenciando o fato de que a doenga nao é apena 0 parar, Dentro dessa concepgio bi eve ser istada pelo ume \adie a satide d cagdes organicas, e estudos ligados & os de ), 0 signi. uma nova dimensio, tratar 0 qi vole das doengas de adaptagao (Sey! 1 vem ganhand saber sobre c Nao basta ma: ocorre no Fefnanc Ap Bota“ Sanda Amorim organdorss) organismo, Busea-se tentar compreender 0 individuo de forma integrada, levando em conta sua histéria de vida e sua relagdo com 0 meio que Ihe cerca. Nessa perspectiva, 0 entendimento simbélico da doenga nos leva a correlacionar os aspectos scmiticos com as associagées psicolégicas que a pessoa (neste caso, o paciente) possa fazer entre ambos. Assim, sentimentos, imagens ¢ fantasias que emergem possuem uma ligasao intima com a manifestagiio biolégiea do individuo. ‘Ao ser entendida como um simbolo, a doenga torna-se uma fonte rica em informagées, porque, em parte, mostra 0 aspecto objetivo, concreto e consciente, ao passo que, a0 mesmo tempo, exprime um significado psicolégico mais profundo, inconsciente de um ser humane. Simbolicamente, a doenga est a servico do se/f, ou seja, da totalidade da psique, no sentido de corrigir ou compensar uma atitude unilateral da consciéncia, revelando, pela sua presenga, aquilo que deve ser conscientizado e elaborado ao se compreender seu significado. O que tentamos neste livro foi ampliar a visio do leitor quanto a sua prépria dimensfio corporal. Cada autora, & sua maneira, procurou mostrar a possibilidade de entender o ser humano quanto ao seu aspecto biolgico, psicolégico, espiritual (lembrando que este iiltimo se faz presente no diseurso da maioria dos pacientes), inserido em um ambiente social. Propomos uma visio unitaria entre psique e matéria como constituintes de uma realidade maior. Sobre essa questao, Jung (1947, p. 152) descreveu APelesiogin Jonglana etre no Hossa Quando o profissional da Area da saide e o paciente con- seguem compreender que simultaneamente a manifestaga organica ha no plano psiquico importantes eventos desen. eadeadores © até mesmo mantenedores da enfermidade, buscando quais so esses elementos e confrontando-os de modo sincero, pode-se corrigir o desenvolvimento unilateral que contribuiu para a aparigdo da doenga e, dessa maneira, se aproximar da cura, PREFACIO Este livro merece um acolhimento especial por parte de médicos, psicélogos e demais profissionais da area de satide, por duas grandes razées: a primeira é por divulgar a prética da dimensio simbélica no hospital; a segunda 6 buscam tratamento e alivio, A dissociacao do subjetivo e do objetivo, que criow 0 materialismo do século XIX data do final do século XVIIL a eu a Inquisigao & tomou o poder na nnte, porém, ao libertar a dimensiio cientifica da intolerancia, eliminou também a subjetividade «, junto com ela, a emogo, o sentimento e a f8. Decorridos mais de dois séculos dessa dissociagao, 0 materialismo cientifico continua deformado e deformand relagio terapeuta-paciente. O desenvolvimento tecnolégico extraordindrio distoa 50 & da limitagdo da humani zagao do relacionamento terapéutico. Ain as obras de Freud, Jung e da maioria das s da psicologia moderna enfatizem a importéncia da ctividade nos relacionamentos humanos, a forga curativ transferéncia continua significativamente ignorada, sendo ‘ito placebo atribufdo, no mais das ve sivamente ‘uma reagdo subjetiva ndo planejada e indesejada, vel do relacio emande Ae Bio» Sana Amora (ongsnizatras) sentimento, a esperanga e a £6 como insepardveis dos pro: cedimentos objetivos para socorver os que sofrem. Por isso, elas merecem admiragdo e incentivo, a0 apre. sentarem aqui de sua abordagem, junto com os métodos objetivos empregados, o que torna este livro de grande interesse. ‘Sao Paulo, dezembro de 2010. Carlos Byington VAMOS BRINCAR DE FALAR SERIO? 0 JOGO DE AREIA COMO RECURSO EXPRESSIVO NO TRABALHO DE PRONTA-ESCUTA PSICOLOGICA EM ENFERMARIA PEDIATRICA Simone Corréa Silva “O caminho pelo qual o rio da vida tem que sogui em sua travessia estd escrito nas areias Lenda das Areias QUAL LUGAR CABE AO PSICOLOGO NO HOSPITAL? trabalho do psicélogo no hospital implica um se deparar luente e recorrente com o inusitado, 9 imprevisto ¢ 0 xto hospitalar, 0 tempo ¢ 0 do aqui e agora. As 10 A flor da pele. La, a pele, de € de corpos doentes. Eo manipulagies ¢ decisdes te o psic com essa realidade, é preciso ter "u lugar nesse contexto, a fim de saber o que, para ‘Simone Comba sik Seu lugax—que nao ¢ fisico, mas se trata de espaco e tempo atitudinais — é 0 da escuta despretensiosa de julgamentos, disponivel e debrugada ao outro que ali est em transito pelo hospital, que clama por atengao ¢ cuidado eque por algo sofre e para algo solicita sentido, Trata-se de uma prontidao para o encontro com o outro, independentemente do que ele carvega; nao para Ihe aliviar ou lhe conceder respostas, mas para lhe acompanhar com zelo e solicitude em suz busca de sentido naguela situago do encontro (SILVA, 2011). ‘A atitude ética do psicdlogo seré seu fio condutor na habi- tacao de seu lugar no hospital. Etica, no sentido etimolégico da palavra. Do latim éthos ¢ ethicus e do grego ethikos, que se referem a uma conduta e a um modo proptios de habitar sua morada. Assim, com um jeito partictlar de colocar em pratica suas acoes, sua prontidao e disponibilidade desenham quem esse profissional é e a quem ele serve no hospital ~ a saber, ao encontro do que for possivel, entre paciente/ familia e psicologo, em meio ao contexto da equipe multidisciplinar: Em uma unidade de enfermaria pediétrica, sua atitude étiea requer um olhar redobrado, pois além de haver uma crianga como paciente, também hé um familiar —_geralmente, sua mae— que o acompanha no transite pelo hospital, ambos em busea de cuidado. A crianga percorre no hospital um caminho atravessado por exames, manipulagdes, perguntas e olhares, os quais podem lhe infligir uma experiéncia de violéncia, se nao houver um cuidado em rela¢do & mane'ra com a qual os procedimentos multidiseiplinares sia real:zados —incluindo- se, aqui, o8 do psicélogo. Essa experiéneie de hospitalizagio é contextualizada, ainda, por uma quebre de rotina e mobi: lizago de sentimentos e fantasias diversas. io pode, de modo algum, ser deseartada em uma unidade pedidtrica. Alids, muitas vezes, ela precisa ali mesmo ser resgatada, pois, imimeras vezes, se mostra rn (quase) perdida. Mas, se atentarmos bem, a crianga sem a cavrega consigo, mesmo nos momentos em que a presenca do arquétipo do senex, ou do velho sbio, a transporta a um modo maduro de encarar sua doida realidade. Furth (2004, p. 25) considera que o “velho sahio” acom- panha as criancas moribundas, as quais ele denomina ovens na idade mas velhos no espirito", como forma de se prepararem para enfrentar a trajetéria de dor e sofrimento. 0 olhar atento do psiedloga as mies que acompanham as eriangas na internagao também deve implicar a dimensao pessoal de sofrimento destas. Hlas também foram “retiradas da rotina de suas vidas e, geralmente, conciliam 0 mundo externo do hospital com sua presenga ao lado do filho internado—o que Ihes custa um jogo de cintura desgastante e atribulador. No entanto, a demanda de quem o psivélogo vai atender no hospital? Para esbocar uma resposta a isso, penso ser necessé trazer uma definigéo etimolégica das palavras demanda e clinica. A palavra demanda, do latim demandare, que em sua origem significa conflanca e entrega, nos remete a ideia de Procurar, buscar, caminhar para algo. Clinica, por sua vez origina-se de klinein, do grego, traduzinda-se em debrugar-ce ito (klin), em uma pratica propria de cuidado, oferecendo eseuta a um sofrimento (MORATO’, 2008). , 0 psicdlogo deverd dirigir sua atitude clinica anda que Ihe for confiada em cada encontro possivel no hospital. Ou seja, caberd a ele se prontificar a debrugar ianca que Ihe for remetida para que ™minhe junto om o paciente e/ou sua familia na busca idado @ atencdo, a partir do que puder surgir naquele nesse sentido, as demandas da equipe (que solicita atendimento psicoldgico a um caso), da erianga e de sua mae podem ser todas diferentes umas das outras, Porém, pode haver um eixo comum a todas elas. O caminho para trabalhar cada uma & que pode ser diferente. O que permanece igual é0 trabalho de sempre resgatar no paciente! familiar sua capacidade de autocuidado, acolhendo-o, mas sem excluir-Ihe sua responsabilidade naquilo que Ihe cabe em seu percurso no hospital. Isso vale para as demandas que a equipe apresenta, também ofereceado-lhe atengio a suas dificuldades, mas apontando-Ihe e/ouquestionando-lhe possibilidades reais de enfrentamento de tais demandas como 0 pacientefamiliar, restituindo-Ihe os potenciais ¢ a responsabilidade de sua tarefa, no trabalho de fazer chegar a0 outro 6 cuidado. Penso que qualquer ato psicolégico nessa situagio deva estar pautado, primeiramenie, em uma atitude de escuta e atencko para a nécossidade que o outro the apresenta e Ihe solicit, isto é, para sua demanda, Uma vez que a atitude se traduz em agées, alicercado nessa atitude clinica, o psicdlogo tera condigoes para oferecer um espago de acolbida ao safrimento, posaibilitando-lhe cuidado, resgate e criagéo de sentido(). Entendo essa atitude, ainda, fortemente relacionada ao arquétipo do curador-ferido (GROESBECK, 1988), medida que o psiedlogo deve cuidar ele mesmo daquilo que a ferida do outro Ihe suscita e, (36) assim, poderd langar-se 8 disponibilidade de caminhar com esse outro no percurso dessa vivéncia de violéncia, podendo inclinar-se, portanto, para aquilo que houver de mais genufio no contetido que 0 paciente carrega nesse percurso no hospital. E essencial ter sempre claro que essa atitude implica uma ausculta da demanda no sentido de que o paciente a pereeba ¢ s préprio, a fire de que ele possa reconhecé-la como sendo sua necessidads, E que também, 16 Vamos banca da flr sno? ele a identifique ¢ a interpele para um curso de atencio, quidado e de criagio e/ou resgate de sua significagio e seu direcionamento (MORATO, 2008), Fomentando suas agdes com essa atitude, 0 psiedlogo acompanharé 0 pacientelfamiliar de forma cuidadosa continente e disponivel no clareamento de sua necessidade naquele momento e cixcunsténcia. Isso 6 valida tanto para a crianga quanto para o adulto que o acompanha na internagiio hospitalar, geralmente sua mae, E, a medida que essa ten- tativa de que a demanda seja esclarecida para ea partir do pniprio paciente, pode ser refletido e ressignificado junto com ele um caminho para o enfrentamento e encaminkamento dessa demanda. ‘A relagdo mie-erianca devera sempre ser fomentada & receber atencdo, quando ¢ a partir do possivel, no hospital. ‘A ligacdo da crianga com a figura materna “proporciona a uma crianga o sentimento de um incontestavel direito a existéncia’; além disso, lhe possibilita condigées saudveis de entrar em contato com seu préprio corpo e com a presenca de uma outra pessoa, compartilhando intimidade psiquica © corporal (KAST, 1997, p. 13). Para a experiéncia de hospitalizagdo, em especial, essas condigées de a crianga se permitir estar em contato com sua prépria intimidade e com a aproximagio corporal ou psicoldgica de outra pessoa pode Ihe proporcionar uma estadia o menos angustiante e a possivel, O psicélogo pode dispor (ou niio) de diversos recursos nessa jornada clinica em setting hospitalar. Especialmente com 8 crianga, penso ser esseneial que ndo se deixe de recorrer 0. O brineax, como é sabido, conecta a crianga com seu mundo interno, a aproxima de seu cotidiano por meio de uma linguagem que lhe é prépria e, assim, a auxilia no desenvolvimento de aspectos criativos de sua psique rumo a Seu crescimento pessoa Simone Conta Si Encontro no Jogo de Areia um instrumerto que se mostra satisfatério enquanto recurso simbélico para a expresséio verbal e nao verbal de contetidos diversos que surgem nos encontros de pronta-eseuta psicolégiea deatro do contexto hospitalar. Um recurso com caracteristicas consonantes com essa postura de escuta, cuidado e atengao, em paralelo ao hidico, VIDA E MOVIMENTO: BREVE CONCEITUACAO DE SiMBOLO. Apalayra simbolo, ou aymbolon, surgi a partir do verbo grego symballo e, etimologicamente, significa amontoar, multiplicar, unir, estabelecer ligacdo (JACOBI, 1990), Para Jung (1995), 0 simbolo sempre aponta para uma compreenstio que vai além daquela que pod ser apreendida epercebida conscientemente. De acordo com Silveira (1997, p. 71), um simbolo nao traz explicagi si mesmo na diregdo de um sentido ainda distante, inapr 1, obscuramente preseentido e que nenhuma palav de ingua falada podevia exprimir de manciva satisfatdria, dung id dizia que o sfmbolo é algovivo e aprépria situacdo em si mesma, pois se refere a acontecimentos dindmicos, € nfio apenas a imagens estaticas. Alias, 95 simbolos ndo siio estiiticos, e estdo sempre em movimento, apontando sentido(s) pereorrendo, concomitantemente, os mundos do consciente ¢ do inconsciente. Sao produzidos natural e aneamente pela psique. ifestagiio por meio de imagens incita processos 8 dinamicos de atividades de aproximagao e conciliagio entre contelidos conscientes ¢ inconscientes, buscando uma ampliacdo ¢ transformagao da consciéncia. Para Jung (1964), 0 simbolo possui sempre uma comunica- 0 que niio pode se dar apenas racionalmente e que extrapola qualquer entendimento imediato e aparente, envolvendo sempre desconhecimento a respeito de seu contetido, o qual nunca seré completamente explicado. O objeto, a palavra, a imagem, um acontecimento, uma situagio, seja qual for 0 fenémeno que estiver exercendo sua fungae simbéliea, pode até ser conhecido, mas suas implicagies simbélicas escapam ao entendimento racional. simbolos trazem consciéncia aspectos da psique que necessitam de atengio e cuidado de um modo diferente do que est sendo oferecido pela pessoa em seu momento de vida. UM BREVE CONTAR DE HISTORIA E CONCEITOS SOBRE 0 JOGO DE AREIA Pode-se dizer que a primeira pessoa a estabelecer contato com esse jogo foi o préprio Jung, ao afirmar, em sua muto- biografia, ter-se deparado com um jogo de aspecto curativo a partir do uso da areia (SANT'ANNA, 2001; JUNG, 2008), em momentos pessoais de introspeceao. Mas fbi na Inglaterra, com a psiquiatra freudiana Margaret Lowenfeld, em 1935, que 0 Jogo de Areia, de fato, criado. Ela utilizou a técnica que, no inicio, chamada de “Téenicas do Mundo" em seu trabalho com criangas (AMMANN, 2002; WEINRIB, 1993). Assistindo a uma conferéncia de Lowenfeld, em 1956, em Zurique, Dora Kalff ficou impressionada com a técnica 6 incentivada por Jung, seu mentor e amigo, foi a Londres estudar com Lowenfeld, Fordham, Winnicott e outros. 19 ‘Simone Carta i ‘Ao retornar & Suiga, comegou seu trabalao com criangas, utilizando-se de uma simbologia junguiana e um método préprio de trabalho com a eaixa de areia. Apés alguns anos, comesou a fazer a terapia na caixa de aria com adultos, observando progresso e desenvolvimento senelhantes ao que pereebia em sua terapia com eriancas (SANTANNA, 2001) O Jogo de Areiaé um instrumento psicoterépico, tradicio- nalmente de cardter nao verbal e nao inte:pretativo, capaz de promover uma comunicagao nao racional entre paciente e dimensées profundas de sua psique (WEINRIB, 1993). © Jogo de Areia é um instrumento constituido, tradi- cionalmente, por duas caixas com tamanho padronizado (72x60%7,5 cm) com fundo pintado de cor azul para dar ideia de dgua ¢ horizonte. Podem ser cobertas uma com arei seca ¢ outra com areia molhada até sua metade (FRANCO, 2003). 0 jogo constitui-se da modelagem ou brincadeira com areia e da construc&o de cenas, vtilizando-se de miniaturas representativas dos mundos real ¢ fantastico. Pode ser utilizado em atendimento a adu tos ou criangas. Uma histéria e titulo podem ser solicitedos, abrindo-se espaco para a possibilidade de uma conversa a respeito (FRANCO, 2008) 0 Jogo de Areia possui caracteristicas cue Ihe conferem condigdes de ser considerado um “espaco livre e protogida” fisica ¢ psicologicamente. Livre por ser desituido de regras, © porque nele o paciente pode criar 0 que deseja, estando itado ao espaco da caixa e ao mimero de miniaturas dis: ido porque, além disso, hé uma seguranga de natureza psicolégica fornecida pelo terapesta, que o aceita dicionalmente, deixando-o livre de interpretacées (WEINRIB, 1992), E importante ressaltar que, assim come qualquer outro instrumento de que o psiedlogo langa milo, o Jogo de Areia estd insevido na relagao que se eatabelece entre o terapeuta 2 @ paciente (FRANCO, 2008). Sendo assim, a postura do terapeuta deve estar pautada em atitudes de respeito. continéneia e escuta perante o que ¢ evocado espontane- mente — consciente ¢ inconscientemente — pelo paciente no Jogo de Areia. 0 Jogo de Areia, tal como Dora Kaléf propés, vestringe- se a0 ambiente de consultério, dentro de um proceso psicoterdpico individual No entanto, em alguns paises, tem sido utilizado em diferentes ambientes institucionais. $6 para citar alguns exemplos, no Japio, em instituigdes psiquidtricas; nos Estados Unidos, com criancas hospitalizadas, com grupos de adolescentes delinguentes e uswérios de drogas institucio- nalizados, em terapia familiar ¢ aconselhamento de jovens e adultos; em Israel, tom sido empregado em hospitais, com pacientes acometidos por diversas patologias e disfunges GANT’ANNA et al., 2001). No Brasil, sua utilizagao tem se expandido, por exemplo, para hospitais geridtricos (SILVA; SANT’ANNA, 2001), em ambientes ambulatoriais com pacientes hemiplégicos (CHAGAS; FORGIONE, 2002), em ambientes hospitalares com pacientes amputados (BAZHUNI, 2003) e em situagdes pré e pés-cirirgicas (SILVA et al., 2004), A fim de aproximar o Jogo de Areia das condigies do contexto hospitalar, utilizo uma eaixa mével e adaptada, com medidas menores que a padronizada. Tais modifica Ses foram realizadas pensando-se em sua utilizagao no contexto de enfermaria, em que se mostrou necessdria uma caixa que permitisse mobilidade e facilidade de manuseio (Silva et al., 2004). Disponho apenas de areia Seca, por questdes de assepsia, € ofereco um mimero res ‘vito de miniaturas, embora a temética seja diversificada. As Figuras 1.1 e 1,2 correspondem a imagens fotograficas da caixa aberta e fechada. Simone Canta Siva Figura 1.2. Caixa fechada E importante ressaltar que o tempo para o psieélogo no hospital é sempre algo que deve ser enfrentado com criati- vidade e jogo de cintura. Com a utilizaciio do Jogo de Areia em ambiente de enfermaria, nao teria cono ser diferente. por isso, utiliza oinstrumento de modo a adapté-lo também om velagio a esse panto. xa minha experiéncia em hospitais, o trabalho esté sempre pautado no aqui ¢ agora, Cada sesso é nica, mesmo gue haja reencontros e tum determinado acompanhamento Frioolbgico do caso, Mas, a cada encontro, procuro trabalhar pm o paciente/familiar o que surgir ali como possivel — para fo encontro e a partir das pessoas envolvidas -, com uma espécie de fechamento em cadla sesso, Nao um fechamento como ponto final, mas como busca de sentido para os proximos passos do paciente daquilo que considero como sendo seu frénsito pelo hospital. Issa porque a palavra imprevisto impera em um contexto ‘hospitalar; nunca hé a certeza de se ‘encontrar um paciente ou seu familiar novamente, em fungao de uma diversidade de fatores sobre os quais nfo vém ao caso discorver aqui. Nesse sentido, ¢ a partir da atitude clinica que considero importante que o psicélogo assuma no hospital, estou aqui chamando delpranta-eseuta poicoldgicao trabalho gue desenvolvo (SILVA, 2011). Ou seja, trata-se de um uma atitude de prontiddo emocional atenta e disponivel para uma escuta debrugada sobre aquilo que Ihe for confiado no momento do encontro psicolégico. ae Para a utilizagio do Jogo de Areia em situagées de pronta-eseuta psicolégica, considero pertinente levantar “tts critérios iniciais 1) levantamento de dados gerais sobre as condigoes fisicas e mentais do paciente ~o que pode ser feito previamente, por meio de levantamento de dados. em prontuério, discussio do caso com a equipe, entrevista com © acompanhante da erianca ¢ atendimento anterior com a crianca sem o Jogo de Areia, podendo-se utilizar outros recursos hidicos, se necessério; 2) nao insergao do instr mento em casos de desorganizacio mental relevante; 3) Simone Canés Sib utilizagao com pacientes a partir de 4 anos de idade (SILVA; FREITAS, 2009). modo algum utilizo 0 Jogo de Areia somo um material para trabalho psicoterapéutico, j4 que no fago psicoterapia no hospital. As imagens que surgem no Jogo de Areia reve- lam contetidos psiquicos inconscientes, porém, no hospital, 6 imprescindivel ter zelo e cuidado em como trabalhar com essas imagens e com qual finalidade fazé-lo. Costumo traba- Thar as imagens a partir do que elas ressoam nos pacientes no momento da sesso. No caso de surgi: alguma imagem que aponte para algum aspecto significativo nao percebido pelo paciente, pergunte a ele o que aquela imagem Ihe ressoa e, quando possivel e dentro dos seus limites emocionais, sugiro-Ihe alguma conversa a respeito, Na maioria das vezes, também utilizo a prépria imagem e seu movimento para essas conversas, a fim de nao apontar contetidos diretamente a0 paciente quando isso n&o faz parte de sua propria inicia tiva. Além disso, néio costumo fazer interpretagées durante a sesso com o Jogo de Areia; deixo simplesmente as imagens reasoarem e o paciente trazer suas emogoes ¢ consideragées, trabalhando os contetidos a partir de entéo, E importante ir até o limite do préprio paciente e estar atento aos sinais que ele d4 disso, como expressdes corporais, comentarios, modo de manipular a cena no Jogo de Areia, imagens ¢ historias trazidas, ete. O-Jogo de Areia possibilita o contato com uma via conereta de expressio, o que, no hospital, se torna de grande validade, tanto no trabalho com criancas quanto comadultos. Uma via conereta porque, além de 0 corpo est: mos movimentam as miniaturas na caixa, sendo possivel vé-las de perto e senti-las pelo tato; e, além disso, as méios quer outra pessoa, toeada e ali mesmo mcdifieada, quando assim o preferis. Segundo Ammann (2002), 0 trabalho com ‘as mmfios insere 0 corpo no processo psicolégico e mobiliza fuidez para 03 contetidos eriativos, Desse modo, o trabalho com o Jogo de Areia promove a expressiio de contetidos que podem ser conflitivos para 0 paciente e que este possa estar em dificuldade de expressar de um modo mais abstrato. Esse tipo de trabalho com imagens apresenta, assim tanto a via concreta de expresso, por meio da construgao das imagens sobre a areia, quanto a via abstrata. Bsta tiltima se apresenta por meio de sentimentos, sensagdes € ideias que ressoam para as pessoas envolvidas durante o trabalho com a caixa, até mesmo a partir da histdvia ereflexdes possiveis (GREGHI, 2003). Nesse sentido, é possivel afirmar que o Jogo de Areia se trata de um instru- ‘mento que, por meio da atitude do psicélogo, oferece condicdes para a conciliagio de polaridades concretas e abstratas em um mesmo tempo e espago (AMMANN, 2002; GREGHI, 2003; SILVA et al., 2004; SILVA; SANT'ANNA, 2001), Em muitos casos, a participagdo do adulto que acompanha a crianca durante @ hospitalizaao se mostra importante na sessiio com 0 Jogo de Areia, Em minha experiéncia, essa presenga, que geralmente é a da mie, pode se traduzir em compartilhamento, apoio, apontamento de possibilidades de reorganizagéo da experiéneia da doenga e/ou hospitalizacao, para citar alguns exemplos. Além disso, a vealizagio do encon- 410 com a presenga de ambos pode proporcionar um momento Lidieo de compartilhamento de afeto, reorganizagio situacional dovineu reorganizagao afetiva para o momento das implicagdes da internagao), possihilidade de abertura para comunicagao de contetidos emocionais que permeiam a sitaagio da internagfio— quando o encontro apontar como sendo vidvel, vale a pena ressaltar com a mie ea crianga possibilidades para se compartilhamento de experiéncia lidica e afetiva Possa se repetir em ambiente doméstico. 25 Simone Canta Stat Em razio das caracteristicas plistices ¢ clinicas do ins trumento, o trabalho com o Jogo de Areiz pode ser uma via de expresso para que o paciente possa manifestar, ainda, aspectos da vivéncia de doenga e hospitalizacdo em condigdes nas quais se sinta acolhido por um alguém que, sob o nome de psicdlogo, Ihe debruce um olhar destitvido de julgamentog € preconceitos. Um alguém capaz de supertar acompanhé-lo em uma imersio e/ou emersao de contet dos sobre os quais se possa buscar esclarecimento, entendimento, organizagio, reconhecimento apropriagdo. E acredito ser pertinente apontar, ainda, que essa postura pode se perpetuar na figura de outros profssionais, Sendo assim, o psicélogo pode oferecer aos outros membros da equipe a possibilidade de compartilhar esse olhar respeitoso, cuidadoso ¢ hidico para com as criancas atendidas, a fim de garantiy-lhes a sobrevivencia da infaneia. Penso que'o proceso durante o qual, em uma relagdo terapéutica, a crianga toca ou nfo na areia, escolhe as miniaturas, constréi a cena, cria e conta uma histéria e Ihe le um titulo ~ tal como sugiro —, pode ser entendido como um ritual que permite um trabalko de construgio onganizacéo de sua propria experiéncia, Essa construgdo pode ser entendida como uma projegéio de a: cientes e inconscientes em uma dimensdo conereta que The permite visualizar, contextualizar e dar um sentido & dimensiio interna dessa sua vivéneia, de uma forma lidica © esponténea. Ressalto que esse mesmo enfoque pode ser pensado no trabalho também com o adulto que acompanha acrianca nessa vivéncia de hospitalizagio, o qual possui sua prépria dimensio sobre tal e, também, suaprépria demanda Seja um trabalho pavalelo ou em conjunto com a erianga © seu acompanhante, enfatizo, sobretuéo, a importancia ja dada voz prépria a crianga para que si mesma, de seu mundo e entendimento pes: Ey aes brncar de fa vo essa sua experiéncia, de modo que seja ouvida, so me considerada ein sua necessidade propria. Penso pelta carefa ~ de dar ouvidos & crianga ~, no hospital, nao aue Meariamente cabe somente ao psicélogo, porém, reflito Nigro o quanto cabe a:n6s, psiclogos, inscrevermos clareza onsisténcia nos principios e abjetivos que conduzem nossa e cons pritiea no contexto hospitalar. UM OLHAR VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS! UM CASO PARA DISCUSSAO Ricardinho tinha 11 anos e estava em sua primeira internacao, durante a qual recebeu o diagnéstico de diabetes melito. Tratava-se de um menino de comportamento intro- ‘versivo e que se mostrava atento as conversas da equipe com sua mae, apesar de nada perguntar ou comentar a respeito de sua doenga, ; Fuisolicitada pela equipe médica a atender 4 familia, que se mostrava bastante chorosa apés receber 0 diagndstico. Amie se mostrava mobilizada emocionalmente, nervosa, insegura ¢ com expectativas de dificuldades com relacdo a0 manejo da rotina alimentar da familia, a partir do diagnéstico recebido. Afirmava que néo poderia dividir as responsabilidades com 0 marido, pois este apresentava problemas de sadde. Era ela quem acompanhava também ‘© marido ao médico. Segundo ela, a crianga estava nervosa; apresentaya receio em conversar com o filho sobre a doenga © as mudangas de zotina. Ela ainda nfio havia conversado abertamente com Ricardinho a respeito. Alids, considevava ‘Que ele nao entenderia as novas regras ¢ temia ndo saber como manejar todos esses acontecimentos. Demonstrava nteresse e desejo de conversar com ele ainda no hospital, em como fazé-lo e em enfrentar a reacio do filho a ‘Stone Corba Siva Propus um atendimento com mie e filho. Eu jé havia feito atendimento individual com eles, anteriormente, e isso havia me proporcionado a compreensio e a proximidade necessdtias para interagir em uma sesso a trés. Ambos haviam deixado clara uma necessidade de se comunicarem mais abertamente sobre a doenga diagnosticada. Propus © Jogo de Areia, e Ricardinho se mostrou completamente disposto @ interessado no jogo, Apés fomecer as instrugdes iniciais, éeixei os dois a von- tade para conduzir a construgao da cena, espontaneamente € no ritmo deles, Ricardinho comegou a “brincadeira” colocando miniaturas gue fariam parte de uma cena que ele dizia se tratar de pessoas na rua, caminhando e conversando. A mae comec: ainteragir com ele, também escolhendo suas préprias minia turas e “palpitando” sobre as dele, A in-eragéo se sucedeu em um alternar constante de escolhas ¢ posicionamentos das miniaturas na caixa de areia. Mas, o tempo todo, enquanto ele permanecia mais em siléncio, a mie comentava sobre as miniaturas que ele escolhia, sugerindo muitas delas. As imagens da cena podem ser visualizadas nas Figuras 1.3, de 15, \Vatnos bier a falar oti? Figura : se SE ‘as quais mae e crianga priorizaram para interagi Figura 1.5. Foco nas miniaturas priovizadas pela crinnea. As Figuras 13, 1.41.5 se eferema mesma cena construida pela crianga e sua mae. Cada uma focaliza um 4ngulo. ident sendo que as duas iltimas apresentam detalhes de parte da cena destacada durante interacéo de ambos. Ao final da construgao da cena, Ricardinho disse que estava havendo uma festa na cena. Perguntei a ambos se eles gostariam de mudar algo. A mae esperou a resposta do filho, € este, antes de responder a qualquer coisa verbalmente, moveu a cabeca de uma figura masculina que estava em frente a uma sura feminina, de modo que ambas pudessem se olhar - vide miniaturas que esto frente a frente na Figura 1.5. Valea pena destacar que a figura femtinina foi colocada na cena pela mae, ©a masculina havia sido colocada por ele, O tftulo da cena foi “A festa’. 2 Sirona Conta Sv Em seguida a essa modificeagdo, poveas palavras ainda foram ditas, no entanto, 0 olhar da mae sobre a crianga parecia ter se iluminado, como se passasse a compreender que uma conversa entre ambos pudesse ser possivel, Naquele ‘momiento, a mie se deu conta do quanto » filho estava aberto e disponivel para uma conversa a respeito dos tiltimos acontecimentos no hospital. Talvez a “festa” simbolizada pela imagem pudesse se relacionar a essa possibilidade renovada de contato entre ambos. Foi uma sessfio de poucas palavras, porém, foi um encontro cujas emogies puderam ser acolhidas, organi- zadas e direcionadas a um sentido rerovado para aquele momento de transito no hospital. ‘Tal como a cena, que apresentava pessoas simplesmente em transite, em um Jocal determinado, cujas duas figuras puderam se olhar € se comunicar de um modo renovadc, também naquele momento para mae e crianga um olhar recip eles se fazia imprescindivel para que continuassem seu trAnsito ~ para além do hospital Naquela mesma semana, a mae e eu voltamos a conversay. Ela pade me explicitar o quanto aquela “brincadeira” a ajudou ase aproximar do filho e me contou da conversa que conse- guiram ter em momento posterior. Ela contou a ele sobre sua doenga e se deu conta de que ele jd sabia muito mais do que ela imaginava. Também puderam conversar sobre as mudangas esperadas na rotina familiar dali para frente, Tiveram uma conversa que néo pode ser chamada de fécil, por causa de seu contetido, mas uma conversa franca epermeada de afeto, dentro do que Thes foi possivel naquela situagao. Posteriormente, também encontrei Ricardtinho. Em poucas palavras ¢ com muita tranquilidade, ele me contou que havia tido uma mversa com sta mae e que havia gostado muito daquele ‘veram alta hospitalar logo depois. 30 ficlaro que a intervengiio cujo Jogo de Areia serviu como ecarso nfo mudou 9 curso de suas vidas, No entanto, naquele momento, péde Ihes servir como ponte para a atencio € 0 quidado pelos quais a relagdo de ambos clamava. E é nesse sentido que a atitude clinica do psicélogo faz a diferenca, independentemente de se utilizar ou nao de instrumentos psivoldgicos. ssumir essa atitude € 0 que movimenta o habitar de um lugar no hospital. ‘Nesse sentido, convém ressaltar, ainda, que trazer ao hospital a presenga de Eros pode destituir qualquer pre- tensdo de poder no lugar construfdo pelo psicdlogo (SILVA; FREITAS, 2009). B, assim, possibilitar que aspectos de sua gombra sejam reconhecidos para que uma persona mais clarificada e amadurecida se faca presente por meio de uma atitude clinica pelo hospital. Para o psicélogo, carregar Bros pelo hospital pode significar sua postura atenta e cuidadosa e sua escuta suportiva, discutidas durante o presente texto. Nao deve haver busca de poder nesse lugar que Ihe cabe no hospital, pois o profissional da psicologia nao é superior nem inferior a nenhum outro profissional. B apenas diferente em sua particularidade de trabalho. Reconhecer esse fato e estar atento as suas dificuldades ¢ otencialidades pode tornar sua conduta ¢ seu modo de fazer balho cada vez mais clarificado para sie para a equips. REFERENCIAS AMMANN, R. A terapia do jogo de areia: imagens que curam a ‘alma e desenyolvem a personalidade. Sao Paulo: Paulus, 2002. BAZHUNI, N. FF. A experiéncia ps pacientes cardiopatas fmputados de membros injeriores: um esi inico em ambiente hospital jogo de areia. Monogr ug) ~ a Faculdade de Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie, S40 Paulo, 2008. CHAGAS, M. I, 0. FORGIONE, M. C. R. Opaciente hemiplégico © sandplay: uma possibilidade de exp @,p. 2002 FRANCO, A. O jogo de areia: uma intervengio Dissertagio (Mestrado) — Instituto de Psicologia, Unive:sidade de Sio Paulo, a0 Paulo, 2008. FURTH, G. M, O mundo seereto dos desentos: uma abordagem junguiana da eura pela arte, S20 Paulo; Paulus, 2004. 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Contudo, esse profissional vem se o cada vex. mais com novas demandas di ho, Avioléncia, em qualquer de suas formas fisica, psicolé- ica, sexual —corresponde a uma dessasnovas vertentes de atuagdo a partir da qual a doenga e sua interface emocional dao lugar a um novo objeto de intervercdo. E certo que a violéncia esté implicada em varios casos que o profissional de satide mental acompanha em seu dis a dia de trabalho. Falamos aqui, porém, da violéncia enquanto questo pro- tagonista do sofrimento emocional trasido pelo individuo que nos procura. E é sobre uma parcela dessa clientela que trataremos aqui, consideradas suas var'as singularidades: as vitimas de violéncia sexual. O contato com essa demanda de trabalho nos conduziu, a partir de certo momento, até um novo desafio, além daqueles jd implicados na assistncia junto a esse populagdo: buscar subsidios na Psicologia Analitica para melhor compreender as experiéncias que as vitimas de vicléncia sexual nos trazem, especialmente quando o abuso ccorre na inféncia e na adolescéncia. Sendo assim, neste capitulo apresentaremos algumas reflexdes e possibilidades de compreencio do psicélogo de orientaco junguiana no que se refere aotrabalho com essas pacientes, em especial adolescentes. Utilizaremos como referencial tedrico as contribuicdes de diferentes autores denominados “pés-junguianos” que busearam desenvolver € amplificar algumas das concepodes originais da obra de C.G. Jung VIOLENCIA SEXUAL: UMA BREVE CONTEXTUALIZACAO 0 fenémeno “violéncia”, em qualquer de suas formas de apresentagio, multifacetado quanto a suas causas e fatores implicadas. Nao por acaso, 0 tema é alvo de varios estudos em 38 diferentes campos do saber, tal como a Sociologia, a Filosofia, o Direito, a Medicina, além da Psicologia, propriamente. Segundo a Organizagao Mundial da Satde, a violéncia sexual diz respeito a qualquer ato sexual ou tentativa do ato no desejada ou atos para traficar a sexualidade de uma pessoa, utilizando repressfio, ameagas ou forga fisic praticados por qualquer pessoa, independentemente de suas relagdes com a vitima, em qualquer cenério, incluindo—mas nao limitado — 0 do lar ou 0 do trabalho. ‘A coneeituagao de violéncia sexual, conforme destaca Drezett (2000, p. 9), 6 acompanhada de uma importante dificuldade no que se refere a sua delimitac&o e preciso, pois todas as possiveis definigées atualmente existentes ndo atendem adequadamente aos aspectos médicos, juri- dicos, psicolégicos e éticos que esses crimes envolvem: “O consenso pelo uso de um termo que pudesse ser aplicado genericamente para a maioria dos crimes sexuais apresenta relutancia e discordancia entre muitos autores No que concerne As criancas e adolescentes, em documenta tematico elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (2009), ressalta-se que a violéncia sexual (abuso ¢ explo- vagio sexual comercial) é entendida como uma forma de agravo que fere a integridade sexual de pessoas que, por sua condigio peculiar, e seu estdgio de desenvolvimento , emocional, afetivo e sexual, nfo estdo preparadas para intercursos sexuais ¢ trocas afetivo-sexuais. Citando Faleiros (2003), o documento destaca que todas as formas de violéneia sexual podem ser consideradas abusivas lentas. Essa autora entende que é uma situagiio em que © adulto ultrapassa os limites dos “[...] direitos humanos, legais, de poder, de papéis, de reg ¢ familiares ¢ de tabus, do nivel de desenvolvimento da vitima, do que ta sabe, compreende, pode consentir e fazer” (FALETROS, 2008, p. 20), ‘Sena Amon O conceito de abuso sexual na infaacia estabelece que deva existir contato ou interacdo entre a crianca e o adulto, sendo a crianga utilizada para a estimulagao sexual do préprio individuo ou de outra pessoa, 0 agressor pode se outra crianga ou adolescente, caso a diferenga de idade entre eles seja significative ou quandoo abusador goze de posigio de poder ou controle sobre a vitima (NATIONAL CENTER ON CHILD ABUSE AND NEGLECT, 1978 apud DREZETT, 2000). ‘Tao complexa quanto a definigdo de violéncia sexual, 6 a tarefa de descrever todas as posstveis formas como ela se apresenta, efetivamente. De forma geral, 6 possivel caracterizar a ocorréncia de situagdes de abuso dentro de certos pardmetros, jd aqui abordando especialmente nossa vivéncia de atendimentos com a populagdo de adolescentes. A violéncia sexual atinge meninos e meninas, embora a ineidéncia (ou, mais provavelmente, a notificagio de casos) no sexo feminino seja, ao menos na faixa etdria por nés acompanhada — 12.8 15 anos —, bem mais expressiva, razio pela qual sera enfatizada neste capituloa situagao de abuso ‘em pacientes do sexo feminino cujos agressores sfio pessoas de sou meio familiar. Quanto ao periodo da ocorréncia, a violéncia pode ser recente ou de inicio mais precoce, mui:as vezes quando & adolescente ainda era crianga, nfo sendo incomum, nesses casos, a reincidéncia do abuso que ntece em episédios sucessivos ao longo de meses ou anos. A forma como se dé avioléncia é também variada, incluindo desde a exposigaio a situagées de estimulo (apresentagaio de filmes e revistas pornogréficas, por exemplo), o uso de fotos # videos nos quais 0 corpo da crianga ¢ exposto, parcial ou italmente, até o contato fisieo, propriamente, ineluindo mani- pulagGes, caricias ¢ outras eondutas de cono sexual que podem se consumar em um ato completo ou nao. Fe 0 tipo de agressor é quesito especialmente importante, uma vez que temos aqui duas situacdes distintas, cuja ussdo sob 0 aspecto psicolégico se diferencia de modo muito marcante. Em situages de violéneia recente, o agressor 6 mais frequentemente um desconhecido ou alguém do convivio da adolescente com o qual no mantém uma relagio de parentesco, embora muitas vezes seja uma ‘pessoa que ocupa ou ocupou um papel de relevancia afetiva (ex-namorado, amigo, vizinho, colega, professor ou lider seligioso). Em contrapartida, nos casos em que a violéncia se iniciou precocemente, é bastante significativa a ineidéncia de casos nos quais 0 agressor é alguém intimamente ligado A paciente, geralmente uma pessoa que exerce — ou deveria exereer, idealmente — 0 papel paterno (0 pai bioldgico, propriamente, o padrasto, um tio, um avd, um padrinho). Falamos, aqui, das relagdes sexuais com caracteristicas incestuosas que, em alguns casos de desfecho mais drama- tico, redundam em gestagées indesejadas, que acontecem, om diversas situagoes, muito precocemente. © fenémeno da violéncia sexual intrafamiliar é mere- cedor de uma particular atengio, pois envolve miltiplos omplexos aspectos, que vo muito além da ocorréncia 80 isoladamente, Basta dizer, por exemplo, que nao incomuns os casos nos quais a violéncia era sabida essentida por outros membros da fam 'vesse uma intervengao 4 época em que o al 4 ocorrer i vitrias ocasides anuncia a existéncia de uma situagao de Sesprotegao da adolescente e, por vezes, de alienagdo € até mais variadas razdes, aspecto este que se associa aos agravos Dsicolégicos inerentes a violéncia em si. Esta é também uma {estao sobre a qual pretend 20 uma muito oportuna consideragao feita por Hillman (2001, p. 265), que diz halven a iat sr queo mal | dela faz parte [ secretes dos Forrest Gu até instigados por Seguindo um ponto de vista similar, diz Sani p. 26): num mundo racionalista e materialista, nfo para coisas como 0 principio di ade, enja existéneia nfo pode ser admitida porque nao se trata de algo nem racional nem material. Anto'a necessidade de sdexar o mal como alge pi com profissionais de satide trabalho desenvolvido com v quao impactante é 0 tema violéne: ima despertar cur de, reptidio, medo, indignagao, Este nao é um assunto que provoca apatia ou iplo, altos indices de audiéncia obt.dos por ‘is Nos icias relacionadas a essa questao sao abordadas. se discute, considerande o atu: e que © assunto violéncia sexual tem tido na midia, se houve um aumento em sua incidéneia ou se vem ocorrendo, n& Parece-nos A violéncia sstupros so praticados desde os primérdios da Historia. Ocorre, porém, nfiguragies emocionais individuais ou coletivas, es ou inconscientes, parecem deflagrar ou facilita io da violéncia. Em alguns contextos, a violéncia é banalizada, naturalizada, e, por fim, é incorporada de maneiva indiscriminada e totalmente acritica ao repertério de condutas habituais dos ‘Tal como os expectador ‘que, “arrebatados” pelo tema, discutem-no apaixonadamente, procurando entender, por exemplo, quais os motivos que levam. alguém tao préximo de uma crianga ou adolescente a perpet conthitas de abuso, também nés, profissionais de satide, nos vemos “ vuta do cofrimento desta pessoa as vezes to severa e contimuamente violada, Conforme frisam i 1, (2006), o tratamento de pessoas traumatizadas 1a fonte de sofrimento psiquico também para o terapeuta, pela grande carga emocional envolvida e ances de evocar fortes reagdes contratransferenciais, m vista esse aspecto relacionado ao impacto que a cia sexual desperta, res , dasenvolvendo ‘imeira vertent 2¢ ir de um dos 8 sombra, enquanto arquétipo, exprimeo lado nao aceito -onstitui, e portanto 6, jas, das caracteristi

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