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Às vezes alguém me conta, as vezes são os livros, as vezes meu coração –

A denúncia da vida atual no documentário Janelas da Alma.


FABRÍCIA TEIXEIRA BORGES
SILVIANE BARBATO
NECOIM/CEAM
IP/UNB

Sobre o olhar e as imagens: uma pequena introdução....


“A vida de alguém cuja existência precedeu um
pouco a nossa mantém encerrada em sua particularidade a própria
tensão da História, seu quinhão. A História é histérica: ela só se
constitui se a olhamos – e para olhá-la é preciso estar excluído
dela.” (Barthes, 1984)

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre o cotidiano, sobre as pessoas e como
elas percebem o mundo em que vivemos. Ou melhor, sobre como as pessoas vêem o
mundo. Ou sobre como as pessoas não vêem o mundo. A partir dos depoimentos de Win
Wenders e Eugen Bavcar do documentário Janelas da Alma de João Jardim e Walter
Carvalho, pretende-se fazer algumas considerações de como estas pessoas percebem o
mundo e qual a importância da visão para se apreender a vida ao nosso redor.
No documentário foram selecionados depoimentos de 19 pessoas que possuíam
algum grau de deficiência visual (de uma miopia leve à cegueira total) para falar sobre o
olhar. Freire (2002: 01) destaca, em sua crítica sobre o filme, que “o  alvo  dos  olhares  da  
Janela da Alma é propor a múltipla leitura do discurso imagético, para além da
denotação, submetendo-nos ao olhar convergente que extrapola o mero referencial. O
olhar humano é metáfora da intervenção, podemos escolher a forma de como olhar para o
real ou quando não temos esta escolha, a própria limitação irá criar outras estratégias de
construção  do  real.”
O   tema   olhar   e   “visão   de   mundo”   vem   sendo   muito   explorado   pela   mídia   e   pela  
literatura. O verbo olhar é carregado de sentidos metafóricos desde a Grécia e seu
significado adquire ao longo da história e nos diferentes contextos comunicativos do nosso
cotidiano diferentes sentidos. Usamos o ver como sinônimo de conhecer, saber e entender.
È  comum  usarmos  a  expressão  “visão  do  mundo’  para  expressar  o  que  achamos  das  coisas.  
Ao dizer sobre o olhar, utilizamos construções metafóricas que adotam o ver como tema de
percepção e ideologia de mundo. “Falamos   em   visões   de   mundo   para   nos   referirmos   a  
diferenças culturais ou para caracterizarmos diferentes ideologias e estas foram descritas
pelo jovem Marx a partir da retina e da câmara escura, onde imagens se oferecem
invertidas, visão enganada. Falamos em revisão quando pretendemos dizer mudança de
idéias, correção do rumo do pensamento ou da escrita, sem indagarmos por que referimos
ao olhar  alterações  de  idéias,  convicções,  práticas  ou  dizeres.”  (Chauí,  1988:  32).
Estamos imersos em imagens. A percepção visual nos é exigida a cada passo, a cada
esquina, a cada outdoor, a cada apelo para que olhemos o mundo. Um mundo de imagens
que nos abocanham, que nos vêem como consumidores, numa perspectiva que não mais
existimos como pessoas. “Ora,   o   que   se   vê   hoje   nesse   mercado   global   em   que   se  
transformou o mundo é uma imensa proliferação de imagens diante das quais o sujeito se
vê incessantemente solicitado a se identificar com certos números de ideais que lhe
prometem o bem estar e a felicidade. Acena-se com um número cada vez maior de objetos
para o desejo, como que fazendo supor que um dia a ciência e a técnica realizarão na terra
o paraíso prometido  pela  religião  para  o  céu.”  (Thá,  1995:396)
As imagens são antecessoras diretas da linguagem verbal, tanto em sua história
ontológica quanto em sua filogênese, o que facilita a apreensão mais rápida do conteúdo da
mensagem. Mas, tal rapidez não indica uma precisão, ou uma maneira natural de ler as
imagens,   “Várias   razões   explicam   esta   impressão   “natural”   da   imagem,   pelo   menos   da  
imagem figurativa. Em especial, a rapidez da percepção visual, assim como a
simultaneidade aparente do reconhecimento do seu conteúdo  e  da  sua  interpretação.”  (Joly,  
1994:41).  Esta  “leitura”   das  imagens  pressupõe  também  um   aprendizado   dos  significados  
construídos culturalmente e historicamente pelo grupo, sem esta compreensão fica difícil
imaginar uma leitura das imagens inerente ao homem, e que estas significações seriam
inatas à espécie humana. A imagem passa a fazer parte de um novo discurso e de uma nova
forma de contar histórias.
Ao cinema destaca-se a universalização da cultura. Os códigos culturais passam a
ser aceitos por um determinado grupo na possibilidade de experienciar o filme ou ao seu
prazer. Turner (1997) aborda que o domínio de Hollywood deixa claro que o cinema nem
sempre explora as diferenças encontradas nas culturais como outras formas de narrativas.
“Há  um  alto grau de codificação cultural cruzada na qual o público concorda em aceitar um
sistema importado de significados com a intenção de apreciar o filme." (p.83), portanto,
uma troca de convenções lingüísticas e culturais em que o acordo se faz no sentido de
aceitar o que se está falando em troca de poder continuar a apreciar a história. Esta troca de
convenções lingüísticas favorece ao "cineasta em sua tentativa de comunicar". (Turner,
1997: p.83)
O cinema é a inauguração de um novo diálogo com a natureza e os homens. Na tela,
a construção dos significados é nova e inusitada, significados esses produzidos pela
linguagem do filme e pelo encontro com cada expectador. Enquanto para Xavier (2002) o
close-up se coloca como revelador das verdades; Munstenberg (1970) destaca que ele é
direcionador do olhar, olhamos o que nos quer se apresentado e não o que queremos. No
cinema há uma identificação do olho com a câmara, o que resulta de um enquadramento
que se faz na câmara. O sujeito percebe este enquadramento como sendo o seu olho. A
moldura da tela serve de limite para o olhar e ao mesmo tempo, como foco direcionado do
que se vai ver. A câmara é mediadora do que se "deve" ver no filme. A construção das
cenas que a câmara faz, traz a linguagem cinematográfica como mediadora do mundo que é
visto. A concepção do que é o filme e como deve ser feito traduz-se na linguagem
específica do cinema.
Sérgio Laia (1995:408) destaca que é a Tv que nos vê. Que nos entende no sentido
de  perceber  o  que  nos  fascina.  “A  tv  torna-se, literalmente, o canal transmissor de alguma
coisa   que   te   vê”.   Somos   alvo   do   espetáculo   e   nos   tornamos   parte   dele.   A propaganda
promete uma satisfação ilusória pela aquisição do produto – pressupõe que todos somos
iguais, ao mesmo tempo, que denuncia nossas diferenças. A sociedade se unifica pelo
consumo (todos fazem parte de um grupo com as mesmas necessidades) e quando não
podem consumir, ela mostra sua divisão. E o sujeito fica aprisionado neste ideal de ser
(ter?) e perde-se como pessoa.
Para Debord (1997), o projeto de vida atual é o projeto do consumo e o lazer se
organiza em torno da mercadoria. Vivemos em função da mercadoria e de suas paixões. A
deusa de nossa vida passa a ser a mercadoria, quase em um fanatismo religioso que promete
a felicidade de ter o produto específico. A cada nova aquisição nos faz querer outra como
dose de um bom Whisky. O Fetichismo da mercadoria atinge momentos de excitação
fervorosa como uma manifestação religiosa. “Neste   viés,   as   imagens   televisivas  
transformam todo telespectador naquele que a propaganda ironiza como quem não usa as
sandálias  raider”. (Laia, 1995:410)
O brilho da tv nos hipnotiza e nos prende o olhar. Não olhamos o que queremos,
vemos o que querem que olhemos. Não somos nos que vemos a tv, ela é que nos olha.
Segundo   Laia   (1995:408),   “também   o   campo   das   imagens   televisivas   se   oferecem   como  
uma espécie de pasto. Pastagem eletrônica para os olhos que se colocam diante delas, efeito
paralisante da televisão obtidos graça ao desarmamento da força ofuscante do olhar pela
compactação violenta da profundeza do campo que, para além da tela, da imagem, resta
sempre  ambígua,  variável  e  imperiosa.”

Sobre as pessoas: o que elas falam....


“Diz-se a um cego, Estás livre, abre-se-lhe a porta que o
separava do mundo, Vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não
vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados,
não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num
labirinto racional, como é, por definição um manicômio, e aventurar-se,
sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade,
onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de
mostrar  a  imagem  dos  lugares  e  não  os  caminhos  para  lá  chegar.”
(Saramago, 1995)

Os depoimentos do cineastra Win Wenders e do fotógrafo cego Eugen Bavcar


retratam como o mundo foi invadido por imagens e nos tornaram cegos para a própria vida
e suas histórias cotidianas. Fagundes (2002) destaca que o filme traz uma antologia do
cinema e diz: “se  o  cinema  é  imagem,  deveremos  perguntar-nos que imagem é cinema: se
somos bombardeados hoje por tantas imagens vazias, devemos questionar se o cinema
pode seleciona-las de maneira que nos ofereça um sentido crítico da imagem ou, como
quer Hollywood, isto não é possível, mergulhamos em tantas imagens para chegarmos à
cegueira,  à  ausência  de  visão  crítica,  luminosidade  embaçada.”
O trabalho faz uma reflexão destas falas à luz da análise de Guy Debord, sobre a
Sociedade do Espetáculo e sobre a necessidade de sentir o mundo de Eugène Minkowski.
Nos quadros que se seguem apresenta-se os depoimentos de Win Wenders e Eugen Bavcai,
um recorte feito do filme Janela da Alma.

Win Wenders – cineastra alemão.

“Felizmente,  a  maioria  consegue  ver  com  os  ouvidos,  ouvir  e  ver  com  
o cérebro, o estômago e a alma. Acho que vemos um pouco com os olhos, mas não
somente.”
“Acho  que  você  é  mais  consciente  do  enquadramento.  Quando  tinha  
uns trinta anos tentei usar lentes de contato. Mas, quando estava com as lentes vivia
procurando os óculos, pois eu via bem com as lentes, mas sentia falta do enquadramento.
Acho que sua visão é mais seletiva e você tem mais consciência do que realmente vê.
Quando estou sem óculos, sinto que vejo demais. Eu não quero ver tanto, quero ver com
restrição,  mais  enquadrado.”
“Quando   criança o que eu mais gostava nos livros, não estava
realmente neles, mas o que eu acrescentava. Era isto que fazia a história acontecer. Quando
a gente é criança pode realmente ler entre as linhas. E com imaginação acrescentar tudo.
Nossa imaginação completa as palavras. Senti que quando comecei a ver filmes, eu queria
ler entre as linhas, e, naquela época isso era possível. Nos filmes de caubói de John Ford,
podíamos ler entre as imagens. Havia tanto espaço em cada plano, que a gente podia se
projetar dentro. Os filmes de hoje são completamente fechados, emparedados. Não há
espaço para sonhar dentro deles. A maioria dos filmes não deixa espaço. O que vemos é o
que  está  ali.  Não  nos  imaginamos  dentro  deles,  eles  já  vêm  prontos.”
“A  irmã  de  meu  pai,   minha  tia  favorita, era cega. Quando pequeno,
sempre tentava correr de olhos fechados, pois queria saber como era não poder enxergar.
Saber quanto tempo eu poderia andar pela casa sem enxergar. Nunca consegui ficar mais
que meia hora. Eu não agüentava tinha que abrir os olhos. Ela perdeu a visão quando tinha
7 ou 8 anos e nunca mais enxergou nada. E eu não conseguia imaginar como era não
enxergar.  Preocupava  muito  com  isto  quando  era  criança.”
“Nós  vemos   muitas  coisas  fora  do  contexto.   A  maioria  das  imagens  
que vemos está fora do contexto. A maioria das imagens que vemos não tenta nos dizer
coisa alguma, tenta nos vender alguma coisa. Na realidade, a maioria do que vemos, nas
revistas,  na  tv,  tenta  nos  vender  alguma  coisa.”
“Mas,   a   necessidade   humana   mais   básica   é   que   essa alguma coisa
faça sentido. Como a criança que vai para a cama e quer ouvir história. Não é tanto a
história que importa, mas o ato em si de contar uma história cria segurança e conforto.
Acho que mesmo quando crescemos, continuamos a gostar do conforto que a história
proporciona, qualquer que seja o assunto. A estrutura da história cria um sentido, e a maior
parte  de  nossa  vida  não  tem  sentido.”
“Nós   todos   procuramos   por   um   sentido.   Acho   que   é   o   mesmo   com  
todas as outras coisas que nos temos em demasia. Temos muitas coisas em demasia hoje em
dia. E a única coisa que não temos em demasia é tempo. Muitos de nós temos tudo em
demasia. E ter tudo em demasia significa não ter nada.. E o excesso de imagens, hoje,
significa, basicamente, que nós não conseguimos prestar atenção. Não conseguimos mais
nos  emocionar  com  as  imagens.”
“Hoje   as   histórias   têm   que   ser   fantásticas   para   nos   emocionar,   pois  
não  conseguimos  mais  ver  histórias  simples.”

Eugen Bavcai – fotógrafo eslaveno cego.


“Mas,  vocês  não  vêem  corretamente, vocês são todos cegos. Hoje, vivemos
num mundo de cegos. As imagens são propostas pela televisão, imagens prontas. As
pessoas não sabem mais ver, pois não têm mais o olhar interior, vive-se um tipo de cegueira
generalizada. Por exemplo, tenha uma TV e olho para ela, mesmo sem ver. Há tanto clichês
que não preciso ver para entende-los.  Às  vezes  eu  telefono  para  alguém  que  me  diz:  “  Você  
está  certo,  foi  isso  mesmo  que  aconteceu”.
“Eu   fiquei   cego   depois   de   dois   acidentes.   Sou   um   inválido   de   guerra.  
Primeiro tive um acidente no olho esquerdo, depois no direito com um detonador de minas.
Eu sou uma vítima da guerra, mas depois da guerra. Eu tirei minhas primeiras fotos quando
já era cego, estava no ginásio. Minha irmã comprou uma máquina russa Zorc-6. Eu tirei
fotos de umas colegas no colégio. O filme que usei estava bastante velho, foi um milagre
haver  imagens:  eu  fiquei    muito  chocado.”
“Não  vejo  imagens,  faço  imagens.”
(mostrando   uma   foto)   “Esta   é   minha   sobrinha   Verônica   que   eu   fotografei  
num campo que eu via antigamente. Pedi que corresse e dançasse com os sininhos que
estava usando e eu escutava. Na realidade, fotografei os sininhos, e ele não é visto. È uma
fotografia  do  invisível.”
“Muitas  eu  mesmo  sinto,  escuto  a  pessoa  e  viro  a  máquina  em  sua direção.
As vezes alguém me conta, as vezes são os livros, as vezes meu coração.Me apaixono por
uma  paisagem  ou  uma  mulher  e  a  torno  real”

Sobre as falas: o que elas dizem....


“O   artista,   como   toda   a   pessoa   de   nossa   época,   tem   que   abordar   os  
problemas que se colocam para qualquer um de seus semelhantes, mas
com a diferença de que ele se antecipa e, como ser antecipado, são lhes
atribuídas   características   de   um   ‘agente   de   mudanças’,   situação   que  
favorece o deslocamento para ele de todos os ressentimentos, fracassos,
medos, sentimentos de solidão e incertezas dos demais, como se fosse o
porta-voz de tudo o que está subjacente e ainda não emergiu.
Automaticamente, passa a ser escolhido como bode expiatório, como
alguém  que  perturba  a  paz  interior”  
(Pichon-Riviére,1999)

As falas nos depoimentos de Win Wenders e Eugen Bavcai são quase uma denúncia
sobre a vida vazia que vivemos em função do exagero. Exagero de imagens prontas, sem
sentido e descontextualizadas. Descontextualizadas, do sujeito, da pessoa e de sentido da
vida. È interessante como o contraste entre a capacidade de ver e a cegueira -a
impossibilidade de ver – é freqüente em suas falas.
Win Wenders, inicialmente, destaca o ver como algo que não está somente
relacionado ao sentido da visão. O “ver”  aparece  como  sentir,  como  entrar  em  contato  com  
o  mundo  com  todo  o  corpo,  “com  o  cérebro,  o  estômago,  a  alma.”  Langer  (1989)  destaca  
outras formas de se perceber o mundo além da visão e da linguagem. A música e as
atividades artísticas possuem formas diferentes de se perceber o mundo, que são diferentes
dos  conhecimentos  lingüístico  e  visual.  “Um símbolo artístico – que pode ser produto da
habilidade humana ou (em um nível puramente pessoal) algo da natureza visto como
‘forma   significativa”   – possui mais do que significado discursivo ou apresentativo: sua
forma   como   tal,   como   fenômeno   sensorial,   tem   o   que   chamei   de   significado   ‘implícito’,  
como  o  ritual   eo  mito,   mas  de  uma  espécie  mais  geral.”  (Langer,  1989:  258).   Sobre esta
impossibilidade de reduzir o conhecimento e o saber a apenas uma forma perceptiva ou
linguística;;  Kristeva  (1988:24)  fala  sobre  o  amor:  “...  é possível falar de um amor, do Amor
é forçoso aceitar também que, por vivificante que seja, o amor não nos habita nunca sem
nos queimar. Falar dele, mesmo em posterioridade, talvez não seja possível senão a partir
dessa queimadura....consecutivo ao aumento exorbitante do Ego amoroso, tão
extravagante em seu orgulho quanto em sua humildade, esse desfalecimento delicioso está
no cerne da experiência.”
Win  Wenders  fala  sobre  a  necessidade  de  “enquadrar”  o  que  se  vê.  Selecionar  o  que  
olhar   para   poder   conseguir   entender   o   que   se   coloca,   tomar   “mais   consciência   do   que  
realmente  vê”.  Se  vemos  demais,  corremos  o  risco  de  nos  cegarmos,  de  não  vermos  o  que
realmente importa. “Somos  bombardeados  por  imagens  como  jamais  ocorrera  na  história  
da   humanidade.   Os   homens   aprenderam   a   se   adaptar   a   esta   evolução.   Eles   ‘vêem   mais  
rápido’  e  compreendem  mais  rápido  as  relações  visuais.  Em  contrapartida,  outros  sentidos
atrofiaram”  (Wenders,  1992:02).
A capacidade de fantasiar, de nos colocarmos no que vemos, parece ter-se perdido.
O significado de que necessitamos se perdeu na imensidão de coisas a adquirir. Coisas
físicas, intelectuais e até pessoas. Eugen Bavcai destaca que somos todos cegos. Cegos
porque  não  temos  mais  o  ‘olhar  interior’.  As  imagens  já  estão  prontas,  não  há  espaço  para  
imaginar, sonhar ou fantasiar. Podemos pensar que as imagens se desbotaram e perderam
seu brilho. Sobre isto Minkowski (1999:32) escreve, “tudo  perde  seu  brilho  com  o  uso.  È  
uma manifestação geral e essa perda do brilho nos é familiar. Nós dissemos bem, tudo
perde seu brilho com o uso e nem tudo se usa com o tempo. Porque se 'usado' é , ela tem
uma característica que lhe é própria; não se trata daquela que os objetos e as coisas,
mesmo as mais sólidas, sofressem a ação do tempo, ficando em pedaços, mas de que certos
fenômenos da vida "empalidecem" fatalmente à medida que nós fazemos seu uso." Parece
que o uso de imagens de uma forma vazia e sem vida as empalideceram, Justamente porque
a vida, a pessoa, não possui espaço para aí se colocar. O Sujeito se perdeu na quantidade de
informações e imagens que são apresentadas a ele com um único objetivo: que ele compre.
A percepção desta sociedade regida pelo espetáculo é claramente percebida no depoimento
de Win Wenders, quando ele declara que não conseguimos mais nos emocionar pelas
histórias simples, elas precisam ser fantásticas para podermos nos sensibilizar. Tanto Win
Wenders, quanto Eugen Bavcai relatam o prazer de poder fantasiar e construir a partir das
estórias contadas seja no cinema, seja nos livros ou pelo outro. Destacam a necessidade das
estórias  possuírem  “espaços”  para  que  sejam  preenchidos.  Talvez  com  suas  histórias,  talvez  
com   a  história  de  todos,  mas  que  coloquem  a  pessoa  como   ativa  no  processo   de  “ouvir  e  
interpretar  as  estórias”.  
As experiências do dia a dia são significadoras dos valores e sentidos que nos
compõe a interpretação dos eventos. Através das atividades o homem consegue mudar e
adaptar a natureza às suas necessidades. Recria o mundo e constrói sistemas de regras e de
significados sociais e culturais. As atividades culturais e artísticas são exemplos destas
criações. As atividades culturais, como representações dos grupos, são manifestações que
possuem os cânones sociais, e que, dialeticamente, influenciam e são influenciados pelas
mudanças por que passam. Neste sentido, todas as atividades culturais possuem em si vozes
da sociedade e da cultura de um povo, uma vez que são representativas de uma produção
humana e que possuem conteúdos ideológicos e socialmente compartilhados.
Minkowski (1999), propõe uma análise da perda do contado com o vivido e da
afetividade nos pacientes psicopatológicos. Pensamos, então se não estaríamos vivendo
uma crise psicopatológica que nos causasse uma cegueira do que poderíamos reconhecer
como vida plena. O espetáculo seria tamanho que ofuscaria nossa visão como pessoas.
Haveria então uma cisão do que acreditamos ver e o que realmente mostra-se a nós. "A
consciência espectadora, prisioneira de um universo achatado, limitado pela tela do
espetáculo, para trás da qual sua vida foi deportada, só conhece os interlocutores fictícios
que a entretêm unilateralmente com sua mercadoria e com a política da mercadoria. O
espetáculo, em toda a sua extensão: é sua 'imagem do espelho'. Aqui se encena a falsa
saída de uma autismo generalizado" (Debord, 1997:46).
José Saramago, em seu livro 'Ensaio sobre a cegueira' (1995), faz uma imensa
metáfora sobre a nossa incapacidade de ver. A história é sobre uma epidemia de cegueira.
Uma cegueira branca, leitosa em que cada um dos personagens vai entrando e sendo
confinado a um manicômio para que não contaminem os outros. No manicômio uma
sociedade se organiza em função da patologia. Os nomes dos personagens não são
importantes, não há nomes. Não há identidade, não há pessoas. "Em ensaio para a
cegueira, Saramago opta pelo anonimato das personagens, como uma maneira de
universalizar a experiência, abrangendo, todos os nomes." (Carreira, 2002:03)

Sobre tudo: o que ficou....

O trabalho pretendeu fazer uma reflexão sobre como as mudanças do mundo atual
nos fazem ficar insensíveis às coisas cotidianas da vida. Coisas simples e corriqueiras que
fazem parte da vida humana e que estão deixando de serem percebidas. O outro já não tem
valor pelas suas histórias, sua vida ou seus fatos. A mercadoria e o consumo estão
abocanhando a pessoa que vive em cada ser humano: seus contos, sua simplicidade, sua
alegria. A cultura que impera é a do consumo. Consumir é a única regra do grande mundo
globalizado. Perdemos a identidade, o jeito de ser e de fazer algo.
O mundo; invadido pelas imagens, da tv, do cinema, das propagandas que sempre
estão nos vendendo algo; está nos cegando. O   “cegar”   aqui   chega   como   uma  
impossibilidade de perceber quais são as coisas que realmente fazem sentido para a maioria
das pessoas. O que é ser humano e quais seriam nossas verdadeiras necessidades. Cegamos.
Pouco se fala do que se sabe da vida. Pouco se pensa. Pouco se retruca. Muito se compra.
Tudo se vende. As falas de Win Wenders e de Eugen Bavcai são vozes que ecoam em cada
pessoa, muitas vezes surdas pelos apelos de cada outdoor.
A visão como forma de conhecer o mundo acabou por se tornar o meio pelo qual as
pessoas são mais invadidas. Persuadidas e negadas. A reflexão proposta por José Saramago
ao final de seu livro nos deixa outra lacuna:

"Porque foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a


conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que
não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos
que, vendo, não vêem."
(Saramago, 1995)Sobre as Referências Bibliográficas....

1. BARTHES, R.. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 19984.


2. CHAUí, M. . Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Àtica, 1997.
3. CHAUÍ, M. Janela da alma, espelho do mundo. Em: O Olhar, São Paulo: Companhia
das letras, 1988.
4. DEBORD, G. A sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
5. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Edições 70, 1994
6. WENDERS, W. A paisagem urbana. Em: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 1992.
7. KRISTEVA, J. Histórias de amor. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1988.
8. LANGER, S.K. A filosofia em nova chave. São Paulo: Ed. Perpectiva, 1989.
9. LAIA, S. A visão de longe: a televisão. Em: A imagem rainha. As formas do
imaginário nas estruturas clínicas e na prática psicanalítica. Escola Brasileira de
Psicanálise. Rio de Janeiro, Ed. Sette Letras, 1995.
10. MINKOVSKI, E. Traité de Psychopalogie. Le Plessis-Robinson (França): Institut
Synthélabo, 1999.
11. MUNSTERBERG, Hugo. Film: A psychological study. New York: Dover Pub., 1970,
capítulos 4, 5 e 6. In: XAVIER, Ismail (org.). A Experiência do cinema: antologia.
Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.
12. PICHON-RIVIÉRE, E. O processo de criação. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
13. SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das letras, 1995.
14. THÁ, F. O mercado de imagens. Em: A imagem rainha. As formas do imaginário
nas estruturas clínicas e na prática psicanalítica. Escola Brasileira de Psicanálise.
Rio de Janeiro, Ed. Sette Letras, 1995.
15. TURNER, G. Cinema como prática social. São Paulo: Summus editorial: 1997.
16. XAVIER, I. O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson
Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 1988.

Artigos em sites:

1. CARREIRA, S.S.G. (2002). Entre ver e o olhar: a recorrência de temas e temas e


imagens na obra de José Saramago.(p.1-5). Colhido no site:
www.geocities.com/ail_br/entrevereolhar.html. Em: 17/11/2002
2. FREIRE, S. (2002). A intermediação do olhar. (p. 1) Colhido no site:
www.mnemocine.com.br/cinema/históritextos/040802critica_janela.htm , em
14/05/2003.
3. FAGUNDES, E. D. (2002). Cinema ou a metafísica do olhar.(p. 1) Colhido no
site: www.dvdmagazine.com.br/Fala_Eron/janeladaalma.htm. Em 14/05/2003.

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