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A formação continuada dos professores das escolas públicas brasileiras tem sido
uma temática recorrente, em especial, nas últimas duas décadas, nos debates educacionais
e em pesquisas na área da pedagogia, considerando a eficácia da escola pública. Essa
inquietação com o desenvolvimento profissional também tem favorecido a implantação
de políticas públicas de aperfeiçoamento profissional dos docentes, justificada como um
importante “movimento” que objetiva gerar elucidações sobre os motivos que impedem
a “melhoria da qualidade” na Educação pública.
Observa-se também que, para avançar no debate sobre a formação continuada, é
preciso aclarar e dar sentido ao trabalho docente. Este entendimento tem gerado uma
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relatório da UNESCO, em 1998, pois evoca a quebra da distinção sobre entre “educação
inicial e a permanente”.
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Daí decorre a análise sobre as políticas públicas de formação, pois podem mostrar
um cunho compensatório e suplementar, porque propõem atuar nos espaços abandonados
por exclusões sociais e culturais em períodos históricos anteriores. Igualmente, a tentativa
de atender às exigências da sociedade de produção, qualificando os indivíduos por meio
de habilidades e competências, importantes aspectos para consecução dos processos
produtivos.
Segundo Apple (2006), a sociedade atual vem investindo mais em perspectivas de
formação continuada em serviço, pois atende as demandas das políticas neoliberais
impostas pelas agências internacionais. Esse movimento se caracteriza como uma forma
de diminuir os custos com a formação inicial, deslocando a ênfase para um tipo de
“treinamento” profissional sob o direcionamento das necessidades do mercado capitalista.
Assim sendo, a formação continuada seria mais significativa que a inicial, merecendo
aumento de recursos, considerando a importância da eficiência e da capacitação técnica
para a racionalização, bem como a diminuição dos compromissos e da responsabilidade
do Estado.
Esse contexto econômico, conforme Afonso (2000), favorece o controle e a
especificação do trabalho escolar, via discurso sobre eficiência e eficácia. Ainda para o
autor, esta forma de intervenção é recorrente nas escolas em diferentes países. Partindo
desse cenário, o trabalho docente precisa ser analisado e problematizado, pois a
autonomia dos professores vem sendo ameaçada, porque os sistemas educativos não são
independentes das concepções sobre a atividade profissional. Da mesma maneira, vive-
se atualmente uma época de culpabilização dos professores pelos resultados dos alunos e
dos sistemas educativos. Esse processo se complexifica quando tal responsabilização se
torna uma estratégia para justificar o que se considera ser a má qualidade do ensino e das
escolas.
Considerando o processo de transformação sobre a formação continuada docente,
é fundamental analisar o “modelo” que se estabelece com a parceria entre a Universidade,
o sistema estadual e os sistemas municipais. Tal preocupação se atém na perspectiva de
colaboração do Pacto, pois ambas correm o risco de um discurso de responsabilização
coletiva pelos fracassos, caso os indicadores, a partir de avaliações de alto impacto,
mostrem resultados desfavoráveis.
Da mesma maneira, é preciso atentar para o foco que se dá à tarefa essencial dos
sistemas educacionais e dos professores para a melhoria da qualidade da educação, razão
pela qual o MEC investe em mudanças nas práticas profissionais dos professores. Essa
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ressignificá-la, incitando novos sentidos para o conhecimento escolar naqueles para quem
ensina. Pressupõe que o saber profissional dos professores apresenta-se de forma
relevante, uma vez que se aborda um saber social compartilhado por um conjunto de
profissionais com uma formação em comum, sujeito a situações e instituições
semelhantes. Conforme Tardif (op.cit), o saber é social devido ao fato de seus objetos
serem sociais, ou seja, a docência é constituída desde práticas sociais.
Tal concepção se distingue da ideia de que o professor precisa de uma formação
geral com base em novos conhecimentos que deverão ser adquiridos por toda a vida,
dissipando a própria biografia profissional e se submetendo às estratégias de
reprofissionalização constantes, para se adaptar as novas condições da vida
contemporânea.
A adesão positiva dos professores à concepção de formação que toma a prática
docente e pedagógica escolar, nos seus contextos, foi experienciada e pode ser constatada
pela participação plena dos docentes no Pacto. Isso foi percebido nos momentos em que
os professores participavam do curso presencial de formação continuada com a equipe da
UFRJ e mostravam, por meio de suas “histórias pedagógicas”, o “direito à autoria
docente”, quando criavam, incorporavam, ressignificavam e reinventavam os usos das
práticas, bem como as intenções das transformações pedagógicas, podendo dizer que
desenvolviam um tipo de “letramento profissional”, diferente de uma “reconversão”
docente.
Tal movimento trouxe ao debate, via formação proposta pelo Pacto, novos papéis
trazidos pela prática pedagógica, quando encontravam nos formadores a garantia e a
oportunidade de escapar da solidão profissional, muitas vezes provocada pela dedicação
integral às atividades de sala de aula, sem correlação com as transformações da sociedade
contemporânea.
Supõe-se que os professores aproveitaram as brechas das/nas reformas educativas
em que criam as possibilidades de interpretações e reinterpretações durante um curso de
formação continuada, uma vez que esses atores sociais mostram que as propostas
governamentais nem sempre são acolhidas plenamente, que ora burla, ora silencia ou
constroem as “táticas” (Certeau, 1994) ao que está sendo implementado, introduzindo as
“experiências, as frequentações, as solidariedades e as lutas que organizam o espaço onde
essas narrações vão abrindo caminho” (op.cit, 35) e delimitam um campo para as
“maneiras de fazer”.
Assim sendo, o “letramento profissional” pode ser entendido como as reinvenções
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