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A revisão bibliográfica em pesquisa1

Tornou-se um ritual para os pesquisadores da graduação embarcados em seus projetos


questionar a respeito da revisão bibliográfica. Eles normalmente desejam saber o que é uma revisão
bibliográfica e como deveriam fazer uma. Estudantes e tutores descobrem que não há um texto
único que pode ser utilizado para guiá-los na condução de uma revisão bibliográfica; esta a proposta
deste livro. Trata-se de um guia para fazer uma revisão bibliográfica no âmbito de uma pesquisa
acadêmica.
O livro, no entanto, não é sobre revisão ou valoração crítica de artigos encontrados em
sessões de resenhas de jornais como The Times Educational Suplement ou Guardian. É sobre rever
uma literatura de pesquisa. Ele introduz e provê exemplos de uma série de técnicas que podem ser
utilizadas para analisar ideias, encontrar relações entre diferentes ideias e compreender a natureza e
o uso do argumento em pesquisas. Você deve esperar, portanto, deste texto, é explicação, discussão
e exemplos de como analisar as ideias de outras pessoas, aquelas ideias que constituem o corpo do
conhecimento em seu tópico de pesquisa.
Inicialmente podemos dizer que a revisão bibliográfica é importante porque sem ela você
não compreenderá o seu tópico de interesse, sobre o que já foi escrito e descoberto a respeito dele, e
quais seus aspectos mais importantes. Em seu projeto escrito será esperado que você demonstre
compreensão de estudos prévios já feitos a respeito do seu tópico. O que implica demonstrar que
você compreendeu as principais teorias daquela área específica e como elas foram aplicadas e
desenvolvidas, bem como as principais críticas que foram feitas sobre produções do tópico em
questão, ou tema. A revisão é, portanto, parte do seu desenvolvimento acadêmico – de tornar-se um
especialista no campo.
Entretanto, a importância da revisão bibliográfica não é apenas a compreensão trivial de
como a revisão bibliográfica pode ser feita, como ela pode ser utilizada na pesquisa, ou porque ela
precisa ser feita em primeiro lugar.
Empreender a revisão de um corpo literário é frequentemente visto como tarefa óbvia e
facilmente desenvolvida. Na prática, apesar de pesquisadores estudantes produzirem o que eles
chamam de revisão bibliográfica, a qualidade dessas produções varia consideravelmente. Muitas
revisões, de fato, são apenas magras bibliografias anotadas, ou seja, acompanhadas de anotações.
Qualidade significa fôlego e profundidade, rigor e consistência, clareza e brevidade, análise efetiva
e síntese; em outras palavras, o uso de ideias na literatura pesquisada para justificar a particular
aproximação ao tópico, a seleção de métodos, e a demonstração de que sua pesquisa contribui com
algo novo.
O pesquisador estudante nem sempre é o culpado por uma revisão bibliográfica deficiente.
Não é necessariamente sua falta ou falha sua habilidade: a revisão bibliográfica pobre normalmente
indica falha de quem proveu a educação e o treinamento em pesquisa.
Este livro foi escrito principalmente para pesquisadores estudantes, no entanto pode revelar-
se útil também àqueles que são os responsáveis pela educação e pelo treinamento em pesquisa. Sua
intenção é ser uma introdução aos elementos do processo de pesquisa que devem ser levados em
consideração na compreensão de como e por que rever uma bibliografia tópica específica. Dessa
forma, uma tentativa foi feita no sentido de introduzir uma série de técnicas genéricas que podem
ser utilizadas em atividades de leitura analítica e na síntese de ideias de uma maneira nova e
empolgante, que podem ajudar a melhorar a qualidade da pesquisa.
Este livro é direcionado a pessoas trabalhando dentro das ciências sociais, o que inclui as
disciplinas listadas abaixo. Essa lista não é exaustiva; arqueologia, por exemplo, poderia ter sido
incluída nesta lista:

arquitetura economia psicologia


administração educação teologia

1 HART, Chris. Doing a Literature Review: Releasing the Social Science Research Imagination (SAGE Study Skills
Series). London-UK: SAGE Publications; Open University, 1999, p. 1-25. Tradução livre: Silvio Tamaso D'Onofrio.
engenharia ambiental teoria social e política comunicação
rádio e TV jornalismo estudos de gênero
geografia humana antropologia social literatura
políticas públicas estudos culturais história econômica e social
pesquisa social engenharia civil

O principal objetivo deste livro, portanto, é prover aos pesquisadores um conjunto de regras
básicas e técnicas aplicáveis no desenvolvimento da grande série de disciplinas que constituem as
ciências sociais. As propostas destacadas no livro formam uma base para a compreensão e a
fertilização de ideias entre disciplinas. As variadas técnicas apresentadas são ferramentas para uma
sistemática e rigorosa análise da bibliografia de seu interesse. Serão apresentadas também sugestões
para a escrita das ideias de forma a imprimir maior clareza, coerência e inteligibilidade ao trabalho.

[…]

HABILIDADES NECESSÁRIAS PARA PESQUISAR NAS CIÊNCIAS SOCIAIS


A amplitude e a profundidade das várias disciplinas que compõem os assuntos das ciências
sociais, algumas das quais foram listadas acima, não são facilmente classificáveis. Há também
oportunidades crescentes para estudantes que desejam pesquisar uma faixa de módulos que podem
cruzar diferentes área de conhecimento. Combinado com isso está o desenvolvimento de sistemas
eletrônicos cada vez mais utilizados em todos os tipos de pesquisas.

Adaptando para mudar


A expansão da educação foi acompanhada por uma massiva e crescente expansão da
informação disponível para pesquisadores estudantes. De forma impressa ou eletrônica, a busca por
informações, na “geração da informação”, continua a crescer, o que resulta em bibliotecas sempre
defasadas, pois não conseguem incorporar com facilidade todos os lançamentos em nível global.
Como consequência, muitas bibliotecas universitárias estão se tornando portais de acesso à
informação ao invés dos antigos depósitos de conhecimento. Você descobrirá que praticamente
todas as bibliotecas universitárias e também as públicas são capazes de servir às suas necessidades
como pesquisador.
O movimento das bibliotecas universitárias de depósitos de conhecimento para centros
informacionais de pesquisa tem sido acompanhado pelo incremento no uso da tecnologia da
informação (T.I.). Muitas bibliotecas gerenciam a expansão da informação com o auxílio de
sistemas computadorizados capazes de comunicação global – um desenvolvimento que abriu uma
série de novas possibilidades aos pesquisadores. Agora é possível acessar facilmente informação
que anteriormente era difícil ou custosa para encontrar. Um único dia acessando um banco de dados
em formato CD-ROM, por exemplo, ou via internet, pode produzir muito mais resultados se
comparado ao que você conseguiria pesquisando índices ou resumos impressos. Entretanto, há dois
problemas que você pode encontrar nessa área. Um é o desconhecimento da tecnologia e como ela
pode ser utilizada em pesquisa. A outra é a ausência de compreensão sobre como o conhecimento é
gerado e organizado com o uso de ferramentas, como resumos e índices, de forma a tornar os
assuntos acessíveis.

O esquema a seguir apresenta uma visão geral das principais fontes de conhecimento e as
ferramentas pelas quais a maioria delas é organizada para fins de pesquisa:

PESQUISA
- é conduzida por associações, comércio, instituições, associações de classe, de
caridade, individuais, governamentais, sindicatos etc.

INFORMAÇÃO
- é gerada por avaliações críticas, trabalho interpretativo, pesquisa;
- é comunicada por antologias, anotações de conferências, jornais, leituras, encontros,
cartas, relatórios, seminários, livros, teses;
- é organizada em resumos, bibliografias, catálogos, dicionários, diretórios,
enciclopédias, índices;
- é acessada através de impressos e mídia eletrônica.

Mais recentemente houve um movimento na educação superior e na pesquisa com o objetivo


de aprender de outras disciplinas, no sentido de incentivar a interdisciplinaridade. Aos estudantes de
ciência social e de humanidades são requeridos conhecimentos de computação e competência no
uso de técnicas estatísticas, seja para análise de dados, seja para apresentações. Adicionalmente,
esses conhecimentos são utilizados em diversos níveis. Uma consequência disso é que os
pesquisadores devem ser mais flexíveis em sua atitude frente ao conhecimento. Para isso precisam
ampliar suas habilidades e também as bases de seu conhecimento para que possam tirar plena
vantagem do ensino superior.
A alteração das demandas colocadas aos estudantes começou a se manifestar na terminologia
de habilidades, competências e capacidades profissionais. Juntamente com a educação tradicional,
agora espera-se dos estudantes um conjunto de habilidades transferíveis. Os elementos básicos de
uma comunicação, como a escrita de relatórios, a elaboração de apresentações e a negociação
poderiam estar incluídas nessas habilidades. A ênfase em habilidade não é exclusividade da
educação em ciência social – habilidades estão se tornando importantes para as carreiras dos
graduandos e para o desenvolvimento da qualidade da pesquisa em geral.
Desenvolvimento de pesquisa durante a graduação e também a pós-graduação é ideal para
que essas habilidades transferíveis sejam adquiridas e desenvolvidas. Apesar de a busca e a revisão
da bibliografia não cobrirem todo o espectro de habilidades, algumas habilidades-chave são
cobertas. Entre elas estão: gerenciamento de tempo, organização de materiais, uso da informática,
manipulação de informações, pesquisa online e escrita.

A aprendizagem da pesquisa
Não é fácil demonstrar os tipos de habilidades e capacidades esperados de um pesquisador
competente no relatório da pesquisa. As habilidades requeridas são consideráveis e, de forma
crescente, sujeitas à análise detalhada. Como as oportunidades para o desenvolvimento de pesquisa
têm se expandido, o mesmo tem ocorrido com a demanda por uma melhor educação e capacitação
dos pesquisadores. Em sua resposta a essas demandas, o Conselho de Pesquisa Econômica e Social
(ESRC), no Reino Unido, produziu uma série de orientações que inclui um número de propostas
básicas para o treinamento em pesquisa que visam promover a qualidade da pesquisa. A lista a
seguir indica os dois tipos básicos de habilidades requeridas dos pesquisadores:

Habilidades principais/capacidades:
- ainda que distintas entre si, as disciplinas das ciências sociais dispõem de um núcleo
de habilidades e atitudes do qual pesquisadores devem possuir e serem capazes de
aplicar em diferentes situações, com diferentes tópicos e problemas.

Habilidade para integrar teoria e método:


- pesquisar envolve a compreensão do inter-relacionamento entre teoria, método e o
desenho da pesquisa propriamente dito, habilidades práticas e métodos particulares, o
conhecimento das bases do assunto e fundações metodológicas.

Ambas as propostas requerem um treinamento em pesquisa que expõe o aprendiz a uma


série de habilidades gerais de pesquisa acadêmica e à experiência requerida de um pesquisador
profissional. As habilidades acadêmicas e a experiência comum aos assuntos das ciências sociais
podem ser agrupadas como o exposto na Tabela 1 (página seguinte).
Em adição às habilidades acadêmicas tradicionais, as orientações do ESRC também indicam
habilidades em assuntos específicos, capacidades e conhecimentos que devem ser esperados de
estudantes da pós-graduação. Exemplos da área de sociologia podem ser vistos na Tabela 1.

Tabela 1 – Áreas de pesquisa para a aplicação de habilidades e capacidades


Busca bibliográfica e avaliação:
Por exemplo: pesquisa em biblioteca e uso de resumos e índices; construção bibliográfica;
armazenamento de dados; uso de editores de texto eletrônicos, bancos de dados, pesquisa online
comunicação eletrônica; e técnicas para avaliação de pesquisa, incluindo referência, revisão e
atribuição de ideias.

Desenho de pesquisa e estratégia:


Por exemplo: formulação de problemas de pesquisa e tradução em desenhos práticos de
pesquisa; identificação de trabalho correlato para racionalizar o tópico e identificar o foco;
organização de tabelas temporais; organização de dados e materiais; compreensão e apreciação
das implicações de diferentes caminhos metodológicos; e como lidar com considerações éticas e
morais que podem surgir.

Escrevendo e apresentando:
Por exemplo: planejamento da escrita; habilidades para preparação e submissão de artigos para
publicação, conferências e jornais; uso de referências, práticas de citação e conhecimento de
direitos de cópia (copyright); construção e defesa de argumentos; expressão lógica, clara e
coerente; e compreensão da distinção entre conclusões e recomendações.

É importante que o treinamento e o ensino da pesquisa produza pesquisadores competentes e


versados em uma série de habilidades e capacidades e que tenham uma base de conhecimento
apropriada. Um elemento comum às áreas-chave é a minuciosa compreensão da informação. Isso
significa que, como pesquisador, você deverá se tornar familiar com: acesso e uso dos vastos
recursos das bibliotecas acadêmicas, públicas e comerciais ao redor do mundo, através de, por
exemplo, do JANET (Joint Academic Network – Rede Acadêmica Interligada), OPAC (Online
Public Access Catalogues – Catálogos Online de Acesso Público), JStor e a Biblioteca Inglesa
(British Library); manutenção de registros acurados e estabelecimento de procedimentos confiáveis
para o gerenciamento de materiais; aplicação de técnicas de análise de textos e síntese de ideias-
chave; e a escrita de revisões explícitas que demonstram profundidade e amplitude e que sejam
intelectualmente rigorosas. Tudo isso é parte das habilidades transferíveis essenciais do pesquisador.
Muitas disciplinas introduzem seus estudantes às tradições históricas e teóricas que dão
corpo e distinção ao conhecimento daquele objeto. Porém agindo assim, o viés metodológico, as
fronteiras disciplinares e mal-entendidos sobre outros assuntos é perpetuado. Isso frequentemente
cria barreiras aos estudos interdisciplinares e também acarreta em prejuízo na apreciação de meios
alternativos para pesquisar e compreender o mundo. Este livro objetiva indicar caminhos nos quais
esse tipo de barreira podem ser ultrapassados e iniciamos com considerações a respeito do que
entendemos por estudo.

Tabela 2 – Orientações ESRC em disciplinas e habilidades: sociologia


Treinamento principal Descrição das habilidades esperadas do
pesquisador estudante

Filosofia das ciências sociais Compreensão das principais posições filosóficas para
a construção de uma teoria, avaliação e teste, para
objetivos explanatórios de teorias e o uso de modelos.
Compreensão de como as várias posições afetam o
desenho da pesquisa, opções de pesquisa, coleta de
dados e técnicas de análise. Compreensão do contexto
teórico da pesquisa; questões teóricas e debates para
aqueles engajados no trabalho empírico; e avaliação
da pesquisa.

Desenho da pesquisa Estabelece e processa a formulação de questões de


pesquisa e as traduz em desenhos práticos de
pesquisa. Produz julgamentos informativos sobre
questões éticas e morais. Compreensão dos usos e
implicações de: estudos experimentais; pesquisa de
amostragem; estudos comparativos; pesquisa
longitudinal; etnografia; estudos de caso; estudos de
replicação; estudos de avaliação; predição e pesquisa
de ação.

Coleta de dados e análise Consciência da variedade das fontes, por exemplo,


dados históricos ou arquivísticos; dados
encomendados; estatísticas oficiais; materiais
pictográficos; e dados textuais. Compreensão de
técnicas de coleta de dados produzidas por observação
participativa e não-participativa, trabalho etnográfico,
discussões em grupo, vários tipos de entrevistas e
questionários, e através de medidas discretas. Métodos
de aquisição de dados como a tomada de notas, áudio
e vídeo; codificação de dados e identificação de
relacionamento entre conceitos e variáveis; os
princípios da estatística descritiva e inferencial e
análise bivariável e multivariável; a sistemática
análise de dados textuais e outros materiais
qualitativos; e o uso de pacotes informatizados para o
gerenciamento de dados.

Estudo
A maioria das pessoas é capaz de executar alguma tarefa de pesquisa mas essa capacidade
deve ser adquirida – por exemplo, você não pode simplesmente elaborar um questionário como se
estivesse fazendo uma lista de compras. Um conhecimento, ainda que especulativo, do processo de
pesquisa é necessário e você terá que compreender onde a busca de dados se localiza em meio ao
processo que você está envolvido. Isso significa compreender como estabelecer objetivos e
intenções de sua pesquisa, definir seus principais conceitos e propostas metodológicas,
operacionalizar (colocar em prática) esses conceitos e propostas escolhendo uma técnica apropriada
para coletar dados, saber como confrontar os dados e assim por diante. Pesquisa competente,
portanto, exige conhecimento técnico. Há, entretanto, uma diferença entre produzir uma pesquisa
competente e uma pesquisa que demonstra cultura.
Estudo é frequentemente pensado como algo que apenas os estudiosos fazem. Estamos todos
familiarizados com aquela imagem popular que mostra o estudioso como sendo alguém de cabelo
desarrumado, roupa amassada e um grosso e velho livro com capa de couro nas mãos. Muitas são
também as representações de locais de estudo, colégios e faculdades que aparecem nos programas
da TV e novelas, sempre exibindo bibliotecas emadeiradas, cheirando a poeira e couro. Muitas
universidades ainda possuem esse tipo de biblioteca, outras estão se transformando em centros de
pesquisa baseada em tecnologia, ao invés de manterem salas cheias de livros em suas prateleiras.
Estudo é uma atividade: é algo que qualquer pessoa pode fazer. Você não tem que pertencer a uma
classe social determinada, gênero ou origem étnica, nem mesmo precisa possuir um histórico
escolar impecável. Dizemos que atividade educativa compreende tudo isso e mais. Atividade de
estudo é sobre como: fazer pesquisa competente; ler, interpretar e analisar argumentos; sintetizar
ideias e fazer conexões entre disciplinas; escrever e apresentar ideias clara e sistematicamente; e
usar a sua imaginação. Subjacente a tudo isso há um número de regras fundamentais, as quais
iremos investigar mais detidamente logo a seguir. E o que elas representam é uma atitude mental de
abertura a novas ideias e a tipos e estilos diferentes de se fazer pesquisa, e é livre de preconceitos
sobre o que conta como pesquisa útil e sobre que tipo de pessoa deveria ser pesquisadora.
Um elemento chave que produz bons estudos é integração. Integração é fazer conexão entre
ideias, teorias e experiências. É sobre aplicar um método ou metodologia de uma área em outra:
sobre colocar algum episódio em um quadro teórico mais amplo, de forma a promover novas
formas de observar aquele fenômeno. Isso poderia significar desenhar elementos de teorias diversas
para formar uma nova síntese ou para prover novos conhecimentos. Poderia também significar o
reexame de um corpo teórico preexistente sob a luz de um novo desenvolvimento. A atividade de
estudo, portanto, é sobre pensar sistematicamente, algo que pode forjar novas tipologias na estrutura
do conhecimento ou em perspectivas consagradas. Da mesma forma, o estudo favorece,
potencializa a interpretação e a compreensão. A intenção é fazer os outros pensarem e
possivelmente reavaliarem o que eles têm até agora tomado como conhecimento inquestionável.
Portanto o questionamento sistemático e a atitude investigativa são características da atividade de
estudo.
Em nível de mestrado, isso poderia significar a busca pela aplicação de metodologias de
uma forma inédita. No nível de um doutorado, isso poderia significar a tentativa de refiguração ou
reespecificação da maneira pela qual alguma questão ou problema tradicionalmente foi definido. O
antropólogo Clifford Geertz (1980: 165-6) sugere que a refiguração é mais do que meramente uma
adulteração dos detalhes de como compreendemos o mundo ao nosso redor. Ele diz que refiguração
não é o redesenho do mapa cultural ou a alteração de limites em disputa, mas que se trata de alterar
os princípios básicos pelos quais mapeamos o mundo social. Da história da ciência, por exemplo,
Nicolau Copérnico (1473-1543) reexaminou teorias sobre o cosmos e o lugar da Terra dentro dele.
As teorias tradicionais asseguravam que a Terra era imóvel e ficava no centro do universo: o sol, as
outras estrelas e planetas eram considerados orbitando ao redor da Terra. Copérnico perguntou-se se
haveria outra maneira de interpretar essa crença. E se, perguntou ele, o sol fosse imóvel e a Terra,
planetas e estrelas o orbitassem? Em 1541 ele registrou suas ideias e assim iniciou-se uma
reconfiguração de como o cosmos é mapeado. Podemos ver um exemplo clássico de refiguração no
trabalho de Harold Garfinkel. Garfinkel reespecificou o fenômeno das ciências sociais,
especialmente a Sociologia (ver Button, 1991). Ele empreendeu um minucioso exame da teoria
social tradicional e descobriu que a ciência social ignorou o que pessoas reais fazem em situações
reais; o resultado foi que ele originou a técnica da etnometodologia. Tão radical foi sua
reespecificação que as ciências sociais tradicionais marginalizaram o trabalho de Garfinkel e outros
que empreenderam estudos etnometodológicos da vida social.

HABILIDADES E A REVISÃO BIBLIOGRÁFICA


De um pesquisador, qualquer que seja seu nível de experiência, é esperado que demonstre a
revisão da literatura em seu campo de atuação. De graduandos pesquisando para tese ou dissertação
é esperada a demonstração de familiaridade com seu tópico. Tradicionalmente isso significa a
apresentação de um sumário da literatura onde fica patente sua habilidade para pesquisar um
assunto, sua consistente e precisa bibliografia e o resumo das principais ideias com consciência
crítica. Deles são esperadas contribuições efetivas naquelas ideias particulares, posições ou
aproximações feitas em seu tópico de pesquisa. Resumindo, deles será exigida a demonstração, em
uma mão, de conhecimento da bibliografia e habilidades informacionais, e na outra, capacidade
intelectual para justificar decisões na escolha de ideias relevantes e a habilidade para avaliar o valor
daquelas ideias no contexto.
Graduandos em direção à pesquisa de pós-graduação detectam que as expectativas mudam.
O escopo, amplitude e profundidade da pesquisa bibliográfica são incrementados. Do pesquisador
estudante é esperado um estudo mais extenso, entre disciplinas, e em maior nível de complexidade
quando comparado a um estudo feito em um nível inferior ao da graduação. A quantidade de
material identificado aumenta a quantidade de leitura que o pesquisador deve fazer. Adicionalmente,
a leitura de materiais oriundos de diversas disciplinas pode ser difícil pelos vários estilos que as
disciplinas utilizam para apresentar suas ideias. Ainda, os vocabulários que os diferentes assuntos e
o que é tomado para ser a parte principal, os problemas pesquisáveis de uma disciplina particular,
constituem dificuldades adicionais. Por exemplo, o estudante de Administração pode ser totalmente
não familiar com o estilo verborrágico, aparentemente “senso comum” da, digamos, sociologia.
Reciprocamente, ele deve se sentir com menos dificuldades se confrontado com estatística social
avançada. O resultado pode ser o abandono de um estilo mais prolixo e a admiração da formulação
numérica. A aceitação de um estilo sobre outro é frequentemente devida à compartimentação
disciplinar. Afinal, estudantes de Administração deveriam mesmo ser mais familiares com
estatística do que com teorias sociais. Eles também devem ter uma atitude mais pragmática,
influenciando-os em favor da clareza e da concisão. Como consequência, ideias relevantes e
potencialmente interessantes podem ser perdidas.
Nossa discussão até aqui foi sobre tipos de suposições que podem ajudar a superar a
compartimentação disciplinar e, dessa forma, encorajar a compreensão trans-disciplinar. Na prática,
isso endereça duas características principais da pesquisa acadêmica: um é o lugar central que o
argumento ocupa no trabalho acadêmico, e o outro é a necessidade de uma mente livre, aberta, sem
conceitos formulados de antemão, quando na leitura do trabalho de outras pessoas. Vejamos com
mais detalhes essas características.

Comunicando seu argumento


A maioria dos autores tenta fazer sua escrita limpa, consistente e coerente – algo bastante
difícil de ser obtido em qualquer trabalho, qualquer que seja a extensão ou o assunto. Ainda assim,
clareza, consistência e coerência são essenciais, porque sem isso o trabalho pode se tornar
incompreensível. Como consequência o trabalho pode ser mal interpretado, desprezado ou utilizado
de forma não prevista pelo autor. Mais importante: a ideia principal, independente de quanto seja
interessante, pode ser perdida. Ao mesmo tempo, o que pode parecer claro e coerente para o autor
pode ser completamente incompreensível para o leitor. A não familiaridade com o estilo, a forma de
apresentação ou a linguagem utilizada são quase sempre causas de frustração para o leitor.
Devemos compreender que esforço é necessário, e devemos aceitar que clareza, consistência
e coerência não são qualidades misteriosas disponíveis para serem utilizadas apenas por uns poucos.
São qualidades que obtemos nos expressando de forma explícita em nossa escrita, mediante uma
leitura explicitamente comprometida. Um problema para o autor acadêmico, entretanto, é o tempo
que os leitores dedicam para essa atividade, e o nível de esforço que eles estão dispostos a investir
na expressão das ideias dentro do seu texto. Ao mesmo tempo, alguns autores aparentemente
negligenciam as necessidades de seus leitores potenciais e acabam tornando confusas ideias que são
relativamente simples.
Em termos de revisão de um corpo literário – composto por dezenas de artigos, papeis de
conferências e monografias – um problema é a diversidade. Textos originados por diversas
disciplinas e que foram escritos em estilos diferentes normalmente implicam na necessidade de uma
atitude mental flexível e aberta, da parte do revisor, ou seja, o pesquisador. Adicionalmente a isso,
normalmente há uma ausência de explicitação: é raro encontrar um pedaço de pesquisa que
sistematicamente apresenta o que foi feito, por que foi feito e discute as várias implicações dessas
escolhas. O revisor deve considerar as razões para a ausência de explicitude, do que foi pouco
desenvolvido ou explorado. Inicialmente, expressar ideias na forma escrita exige um considerável
esforço e também tempo. Secundariamente, limitações oriundas do espaço ou do número de
caracteres onde o texto foi publicado comumente resultam num formato de texto não considerado
ideal pelo autor. Ainda, ser explícito expõe a pesquisa (e o pesquisador) à inspeção crítica.
Presumivelmente, muitos pesquisadores hábeis não publicam largamente para evitar tais críticas.

A necessidade de uma mente aberta


Como visto anteriormente, ler uma pesquisa de forma competente não é algo fácil de se
fazer. É parte do processo de treinamento e educação para a pesquisa. Requer tempo e predisposição
para enfrentar desafios, adquirir novas compreensões e exige uma mente suficientemente aberta
para apreciar outras formas de enxergar o mundo. Isso é iniciado pelo reconhecimento de que o
revisor bibliográfico empreende uma revisão com um objetivo – e um autor escreve também com
um objetivo. Enquanto um autor nem sempre se faz claro na exposição de ideias, sendo consistente
e coerente, o revisor é obrigado a exercitar a paciência enquanto lê. O revisor precisa assumir
(independente da dificuldade na leitura) que o autor tem algo a contribuir. Dessa forma, é
importante se esforçar para conseguir compreender as ideias principais do texto em consideração.
Isso normalmente também significa esforçar-se por compreender os motivos de sua dificuldade para
compreender o texto. Isso significa não categorizar o texto utilizando-se de ideias preconcebidas a
respeito da disciplina em questão mas, ao invés disso, colocar a pesquisa no contexto das normas da
disciplina e não julgá-la pelas práticas de outra disciplina que você conheça melhor.
Como parte dessa atitude, o pesquisador necessita exercitar a boa vontade de compreender
tradições filosóficas (ou metodológicas). A escolha de um tópico particular, juntamente com a
decisão de pesquisá-lo utilizando uma estratégia definida, ao invés de outra qualquer, e a
apresentação da pesquisa em determinado estilo, são decisões de encaminhamento da pesquisa
frequentemente baseadas em compromissos prévios com uma linha de pesquisa. Uma pesquisa
pode, portanto, em termos gerais, ser colocada como seguidora de uma tradição intelectual como o
positivismo ou a fenomenologia. Mas o revisor deve acautelar-se para não criticar aquela pesquisa
simplesmente baseado em termos gerais, especialmente quando em um ponto de vista diferenciado.
As diferentes tradições intelectuais devem ser apreciadas pelo que são, e não pelo que supostamente
não contemplam quando vistas de outro ponto de observação.
Isso pode ser ilustrado com um rápido exemplo. Muitos estudantes de ciências sociais
percorrerão os meandros da etnometodologia, no entanto, tirando de lado pequenas e notáveis
exceções, etnometodologia é rapidamente ultrapassada em muitos programas de ensino. Nós
encontramos, da experiência, que isso frequentemente é devido à extrema dificuldade de
compreensão do que seja etnometodologia e sobre como fazer um estudo etnometodológico. Um
exemplo do trabalho do fundador da etnometodologia, Harold Garfinkel, ilustra esse ponto. Este é o
título de um artigo recente escrito por ele: “Reespecificação: as evidências para produções locais, a
ordem dos fenômenos naturalmente contáveis, lógica, razão, significado, método, etc. em e como
uma receita essencial de uma sociedade ordinária imortal (I) – um anúncio de estudos” (Garfinkel,
1991: 10).
Aqueles não familiares com a etnometodologia poderiam agora apreciar as dificuldades de
sumariamente compreender o que Garfinkel está tentando dizer. Mas há dois importantes pontos
relevantes aqui. O primeiro é que certo grau de persistência é requerido para compreender uma
aproximação tal qual a etnometodologia. Simplesmente porque o trabalho de Garfinkel não é
facilmente identificado como sociologia não é razão suficiente para desprezá-lo. Secundariamente,
as ideias de Garfinkel podem ser importantes – se elas forem descartadas porque o leitor não está
disposto a investir tempo e esforço, então uma oportunidade importante para o aprendizado poderá
ser perdida. O único meio de se tornar competente o suficiente para comentar ideias complexas,
como aquelas propostas por Garfinkel, é ler os trabalhos do teórico e seguir através do que é dito.
As proposições discutidas nessa sessão são bases para os capítulos posteriores.
Coletivamente, o que elas contribuem é na operacionalização dos estudos e boas maneiras para a
prática da pesquisa. Elas também sinalizam a necessidade de os revisores de pesquisa se manterem
informados sobre, e serem capazes de demonstrar consciência, dos diferentes estilos e tradições em
pesquisa.

A FUNÇÃO DA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA


O produto da maioria das pesquisas dá-se na forma de alguma produção escrita, por
exemplo, um artigo, um relatório, uma dissertação ou uma conferência. A disseminação das
descobertas é importante porque a proposta da pesquisa é contribuir, de alguma maneira, com a
nossa compreensão do mundo. Isso não pode ser feito se as descobertas feitas pela pesquisa não
forem compartilhadas. A disponibilidade pública dos “achados” da pesquisa significa que pedaços
da pesquisa são “histórias” reconstruídas – aqueles fortuitos, por vezes caóticos, fragmentados e
contingentes aspectos da maioria das pesquisas (aqueles aspectos especiais que fazem da pesquisa
um desafio) que, se não fosse por essas pesquisas, talvez não fossem encontradas em local algum.
Precisamos, portanto, ter uma compreensão inicial da importância da revisão bibliográfica e onde
ela se encaixa na dissertação ou na tese.
A estrutura formal da maioria das pesquisas é padronizada e muitas das sessões encontradas
na redação final são também encontradas no projeto inicial de pesquisa (ver Tabela 3, abaixo).
Dentro dessa disposição o autor normalmente respeita uma série de convenções, no estilo da escrita,
que demonstram a autoridade e a legitimidade de sua pesquisa, e que seu estudo foi empreendido de
forma rigorosa e competente.

Tabela 3 – Seções normalmente encontradas em projetos e relatórios de pesquisa.

Seção Objetivo

Introdução Exibir os objetivos, o escopo, as características do conteúdo e do desenho da


pesquisa. A base lógica tem por base a referência a outras pesquisas que já
identificaram a natureza do problema de forma ampla.

Revisão bibliográfica Demonstrar habilidade em pesquisa bibliográfica; demonstrar domínio da área


pesquisada e compreensão do problema; justificar a importância da pesquisa, o
desenho dela e a metodologia.

Metodologia Demonstrar a propriedade da técnica escolhida para coletar dados e as


aproximações metodológicas empregadas. Referências relevantes à literatura
especializada são frequentemente utilizadas para demonstrar a compreensão das
técnicas de coleta de dados e as implicações metodológicas, e para justificar este
uso frente a outras técnicas alternativas.

Pela Tabela 3 verifica-se que a revisão da bibliografia relativa à pesquisa é uma parte
essencial do trabalho – é mais do que é mais do que uma etapa a ser empreendida ou um obstáculo a
ser ultrapassado. A Figura 1 (na próxima página) ilustra algumas das questões que você estará apto
a responder por ter empreendido uma revisão bibliográfica de seu tópico de pesquisa.
A revisão bibliográfica é essencial para o sucesso da pesquisa acadêmica. O maior benefício
dessa revisão é que ela assegura o “encaminhamento” da pesquisa, ou seja, você inicialmente elenca
o que já foi pesquisado a respeito do seu tópico de pesquisa para depois, final e propriamente,
desenvolver o tópico com suas descobertas e estudos. Pesquisadores iniciantes frequentemente
equiparam a dimensão de suas pesquisas com seu valor. Entusiasmo prematuro, combinado com
esse equívoco comum, frequentemente resultam em amplas, generalistas e ambiciosas propostas. É
o progressivo estreitamento do tópico, obtido através da revisão bibliográfica, que faz da maioria
das pesquisas uma consideração prática.
Estreitar, focar, definir melhor um tópico de pesquisa pode ser difícil e pode mesmo levar
semanas ou meses, mas isso normalmente significa que a pesquisa será positivamente concluída.
Isso também contribui com a sua capacidade intelectual e suas habilidades práticas, porque
engendra uma atitude de pesquisa e irá encorajá-lo a pensar de forma rigorosa sobre o seu tópico e
que tipo de pesquisa você pode fazer dentro do período de tempo que você tem disponível para isso.
Tempo e esforço cuidadosamente aplicados nesse início de pesquisa podem efetivamente
representar a economia de uma grande quantidade de esforço e tempo no futuro.

Definição: revisão bibliográfica é a seleção de documentos disponíveis (tanto publicados quanto


não publicados) sobre o seu tópico (assunto) de pesquisa que contém informação, ideias, dados e
evidências escritas a partir de um ponto de vista particular. Ela pode preencher certas lacunas a
respeito da natureza do tópico, sobre como deve ser a investigação, e a avaliação efetiva desses
documentos em relação à pesquisa proposta.

Figura 1: Algumas questões que a revisão bibliográfica pode responder.

CONCLUSÃO
Não existe revisão bibliográfica perfeita. Todas as revisões, independente de tópico, são
escritas a partir de uma perspectiva particular, ou seja, do ponto de vista do revisor. Essa perspectiva
normalmente é originada a partir de uma escola de pensamento ou do ponto de vista ideológico-
vocacional onde o revisor está localizado. Como consequência, a particularidade do revisor implica
o leitor particular. Revisores normalmente escrevem para um tipo especial de leitor: o leitor que ele
poderia querer influenciar. São fatos como esses que fazem de toda revisão algo parcial, de uma
forma ou de outra. Mas isso não é razão nem desculpa para uma revisão pobre, porque elas podem
efetivamente ser interessantes, desafiadoras ou provocativas. Parcialidade em termos de
julgamentos, opiniões, morais ou ideologias podem frequentemente ser detectados como invasores
de uma revisão ou mesmo serem tomados como ponto de vista inicial. Lendo uma revisão feita por
outra pessoa ou empreendendo uma revisão, você deverá ter consciência de seus próprios juízos de
valor e procurará evitar a ausência de respeito acadêmico pelas ideias dos outros.
Produzir uma boa revisão não é algo necessariamente difícil, e é certamente muito mais
recompensador do que simplesmente passar rapidamente sobre alguns conceitos, com pouco esforço
intelectual. Um grande grau de satisfação pode ser obtido se você trabalhar numa revisão
bibliográfica por um período. Uma grande medida dessa satisfação é obtida pela consciência de que
você desenvolve habilidades e técnicas intelectuais que você não possuía antes do início da
pesquisa.

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