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F I TO SS A N I D A D E

Controle

Manejo integrado para as principais


pragas da cafeicultura, no Brasil
José Roberto Postali Parra e Paulo Rebelles Reis*

Rodrigo Estevam Munhoz de Almeida


Detalhe da folha do cafeeiro com lesão causada por larva de bicho mineiro

A cafeicultura brasileira pode ser dividi- Esta alteração acarretou mudanças ao chyta (esta em locais de altitudes eleva-
da em dois períodos, antes e depois do microclima das plantações e modificou a das, baixas temperaturas e ventos frios
aparecimento da ferrugem (Hemileia entomofauna cafeeira, e em consequên- e úmidos) exigem cuidados especiais.
vastatrix). Até 1970, época do registro cia aumentaram, também, os problemas Mudanças de áreas de plantio de cafe-
desta doença, a única preocupação do entomológicos: o bicho-mineiro, que era zais de zonas de solos ricos para zonas
cafeicultor no Brasil era com o controle da praticamente mantido em equilíbrio, pas- pobres do Cerrado também contribuíram,
broca-do-café, feito com inseticida clora- sou a praga importante da cafeicultura; aparentemente, para o outros problemas
do BHC. A partir de 1970, a ferrugem alte- surgiram lagartas, ácaros e cochonilhas, entomológicos, como as cigarras, espe-
rou o sistema de condução da cultura, que alguns desses tornaram-se pragas em cialmente na região limítrofe entre São
resultou na modernização da cafeicultura razão dos desequilíbrios biológicos, Paulo e Minas Gerais (Alta Mogiana).
brasileira. Em vista da necessidade de uso também, da aplicação inadequada de A própria alteração da geografia do
de máquinas para o controle da doença, os produtos químicos usados no controle do café, com o surgimento de outros estados
cafezais foram espaçados, passando-se ao bicho-mineiro. As áreas com nematoides produtores, para além do eixo São Paulo
plantio de uma a duas plantas por cova, ao igualmente aumentaram e as doenças, – como Paraná, Espírito Santo e Bahia,
invés de quatro adotadas anteriormente. como a cercosporiose e a phoma/asco- incluindo Minas Gerais, hoje principal

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produtor –, fez com surgissem outros por espécies de cigarrinhas (Hemiptera: As alterações ocorridas na condução da
problemas, como a lagarta urticante, a Cicadellidae) que, no citros, veiculam cultura exigem, do cafeicultor, tecnologia
larva da mosca-das-raízes Chiromyza a CVC (Clorose Variegada dos Citros). A avançada para manutenção da lavoura
vittata (Wiedemann, 1820) (Diptera: Stra- cochonilha-da-raiz Dysmicoccus texen- isenta desses agentes. O manejo inte-
tiomyidae), em Minas Gerais, atualmente sis (Tinsley, 1900) é, também, um caso grado de pragas (MIP) é pouco exercido
alastrada por São Paulo, Rio de Janeiro, isolado, típico de solos arenosos e danifi- na cafeicultura brasileira, adotam-se
Paraná, Espírito Santo e Bahia; o ácaro- cam somente cafeeiros novos (dois a três apenas algumas medidas que minimizam
-branco Polyphagotarsonemus latus anos de idade), embora infestem também o impacto de agroquímicos no ambiente.
(Banks, 1904) (Tarsonemidae), no Espírito cafeeiros adultos. As principais pragas na cafeicultura são,
Santo; cochonilhas, em Minas Gerais, A substituição, em muitas áreas de atualmente, o bicho-mineiro, a broca-do-
devido a desequilíbrios biológicos, e até a cafeeiros plantados em “renque”, por um -café e as cigarras (Figura 1), que serão
mancha-anular (queda de folhas na “saia” menor número de plantas por unidade detalhadas a seguir:
e próximas do tronco), especialmente em de área (adensamento) pode alterar o
regiões próximas a áreas citrícolas, onde microclima da cultura, com aumento ou Perileucoptera coffeella (Gué-
ocorre o ácaro vetor do vírus causador da diminuição da população de muitas pra- rin, Mèneville & Perrottet,
doença; Brevipalpus phoenicis (Tenui- gas, além do surgimento ou desapareci- 1842); Bicho-mineiro (Lepidop-
palpidae), ou mesmo Xylela fastidiosa, mento de muitas delas. Dessa forma, hoje tera: Lyonetiidae)
causa do envaretamento do cafeeiro, é mais difícil controlar as pragas e do- Os prejuízos são devidos à redução da ca-
cujo agente é uma bactéria transmitida enças do cafeeiro do que há 30, 40 anos. pacidade fotossintética, pela destruição
das folhas e, principalmente, pela queda
Figura 1 | Pragas-chave da cafeicultura, no Brasil* das mesmas. Geralmente, os prejuízos
aparecem na safra seguinte, em que
P. R. Reis

desfolhas drásticas sucessivas tornam


as plantas enfraquecidas, e compromete
a longevidade das mesmas. Dados ex-
perimentais demonstram reduções na
produção que variam de 37% a 80%.
Antes de 1970, esta praga era fre-
quente apenas no período seco do ano,
e seus prejuízos eram passados quase
despercebidos. Posteriormente, passou
a ocorrer, também, no período chuvoso.
Em geral, a população de P. coffeella
é maior em cafezais com maiores es-
paçamentos; portanto, mais abertos
e arejados. Cafezais em regiões mais
quentes apresentam maior número de
gerações da praga, e, portanto, maior o
risco de prejuízos. Assim, em São Paulo,
na Paulista, Alta Paulista e Noroeste,
a praga ocorre de maneira alarmante,
durante quase todo o ano. Por outro
lado, na Mogiana e Sul de Minas, onde
as temperaturas são menores, a praga
aparece apenas em determinadas épocas
e em níveis populacionais menores. São
vários os fatores que afetam os níveis po-
* Broca-do-café: (A) adulto com orifício de entrada; (B) danos ao fruto; (C) Beauveria bassiana pulacionais do bicho-mineiro, tais como
infectando a broca-do-café. Bicho-mineiro: (D) lesões abertas com lagartas nas folhas; (E)
predação das minas; (F) vespa predando. Cigarras: (G) adultos de Quesada gigas; (H) ninfas no inimigos naturais, temperatura, umi-
solo; (I) ninfas expostas dade, espaçamento, nutrição da planta

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(cafezais bem nutridos resistem melhor Figura 2 | Zoneamento de P. coffeella, com base nas isotermas anuais; Estado de
à praga), ciclo bienal do café, aplicação São Paulo, 1985

de cúpricos e outros produtos químicos

Parra, 1985.
(eliminando inimigos naturais de P.
coffeella), cobertura morta (mulching,
aumenta a emergência, pois as pupas são
favorecidas pela umidade).
• Controle biológico – No Brasil, o
bicho-mineiro é parasitado por gran-
de número de insetos (parasitoides);
em outros países, alguns autores
consideram que aplicações frequen-
tes de fungicidas cúpricos e o uso
indiscriminado de inseticidas alteram
o complexo de parasitoides, e causa,
consequentemente, explosões popu-
lacionais de P. coffeella. Em certas
regiões, os parasitoides de lagartas e
pupas chegam a infestar entre 16% e para os cultivares comerciais de café. alterações no sistema de cultivo do café,
30% da população. Os predadores são • Controle químico – O nível de con- devido ao aparecimento da ferrugem,
insetos sociais pertencentes à família trole da praga é variável, em razão da sua importância diminuiu bastante.
Vespidae, que destroem as galerias época que ocorre. Assim, em locais Com a necessidade de mecanização para
de P. coffeella para se alimentar das onde o ataque se dá no período seco controle da ferrugem, os espaçamentos
suas lagartas. De três espécies re- (julho, agosto), o controle inicia-se foram alargados, e desfavoreceu o desen-
feridas, a primeira – Brachygastra quando são encontradas 40 folhas com volvimento da praga, que prefere condi-
lecheguana – é a mais frequente, e lagartas vivas, no total de 100 folhas ções microclimáticas úmidas ocorrentes
em determinados locais, exerce bom amostradas (de preferência do terceiro em cafezais fechados ou bem adensados.
controle da praga. Duas das espécies ou quarto internódios e da parte média Contudo, a broca-do-café é uma praga
– B. lecheguana e Polybia scutellaris da planta). Nas regiões em que o ataque bastante prejudicial ao cafeeiro, pois
occidentalis – retiram a lagarta pela ocorre no período chuvoso (dezembro, ataca os frutos em qualquer estágio de
face inferior da mina e a terceira espé- janeiro e fevereiro) o nível é de 20%. Em maturação, de verdes a maduros (cerejas)
cie – Protonectarina silveirae – pela Minas Gerais, o nível de controle é de ou secos. Não se reproduz fora da semen-
parte superior. A despeito do grande 30% nas regiões de clima ameno (como te do café; na entressafra, o adulto pode
número de inimigos naturais, se faz o sul de Minas) e de 20% em regiões se ficar abrigado nos frutos não colhidos,
pouco controle biológico nos cafezais clima seco (como o Triângulo e Alto durante cerca de cinco meses, da colheita
brasileiros. Paranaíba). Os ingredientes ativos ao início da frutificação da nova safra.
• Controle cultural – A eliminação recomendados para controle da praga Podem ocorrer até sete gerações por
das ervas daninhas nos cafezais são: abamectina (avermectina), análo- ano da praga, dependendo da condição
contribui para a diminuição da praga; go da nereistoxina (cartape), antrani- térmica da região, pois o ciclo varia entre
portanto, é recomendada a capina, lamida, benzoilureia, carbamatos, éter 21 e 63 dias, conforme a temperatura (27°C
assim como deve evitar, também, o piridiloxipropílico, neonicotinoides, e 19°C, respectivamente).
uso de coberturas mortas e culturas organofosforados, piretroides e espi- Normalmente, a infestação começa
intercalares. nosinas (espinosade). a partir de outubro a dezembro, época
• Resistência de plantas – Embora conhecida como “trânsito da broca”,
não sejam espécies comerciais, Co- Hypothenemus hampei (Ferrari, quando ela deixa os frutos que lhe
ffea stenophylla e C. racemosa são 1867); broca-do-café (Coleopte- serviram de abrigo para infestar novos
resistentes à P. coffeella as quais são ra; Curculionidae, Scolytinae) frutos. Assim, condições microclimáticas
pesquisadas na Seção de Genética do Por muito tempo, a broca-do-café foi de alta umidade (ou seja, espaçamentos
IAC, com o objetivo de se transferir o considerada o principal problema sani- menores e de lavouras bem enfolhadas)
caráter de resistência dessa espécie tário da cafeicultura. Entretanto, com as favorece o aumento da praga. As chu-

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vas podem antecipar o florescimento, Cigarras: Quesada gigas (semelhante ao som emitido pelo ma-
e aumento populacional de H. hampei. (Oliv., 1790); Dorisiana drew- cho adulto) e são mortos por pulveriza-
A espécie Coffea canephora (robusta, seni (Stal, 1854); D. viridis ção de inseticida em circuito fechado,
conilon) é mais prejudicada pela broca (Oliv., 1790); Fidicinoides pro- que não atinge o ambiente. A utilização
do que cultivares de Coffea arabica. Os noe (Walker, 1850); Carineta da armadilha deve ser feita durante o
prejuízos são os seguintes: após a fêmea fasciculata (Germar, 1821); período de setembro a outubro.
fazer o orifício na coroa do fruto, ela C. spoliata (Walker, 1858); C. • Controle químico – Utilizam-se os
abre galerias na câmara de postura, onde matura (Distant, 1892) mesmos agroquímicos sistêmicos indica-
surgem as larvas, que vão destruir parcial Os primeiros prejuízos causados por dos para o bicho-mineiro, com aumento
ou totalmente a semente, que resulta em cigarras em cafeeiros do Estado de São de 20% a 30%. A recepa (poda), depois
grãos defeituosos, no café beneficiado. Paulo foram relatados entre 1900 e 1904, de constatada a eficiência do controle
Para se determinar o nível de controle, com outros surtos esporádicos ocorridos químico (após altas infestações), pode
devem ser escolhidas 50 plantas por talhão. em 1905, 1911 e 1912. A área mais infestada ajudar na recuperação da planta. Não se
De cada uma delas, devem ser colhidos corresponde à Mogiana Paulista (Franca, deve efetuar a poda antes da recupera-
100 frutos, 25 de cada face da planta. Estes Batatais, Mococa etc.) e o sudoeste de Mi- ção da planta, pois a perda de raízes, em
frutos são misturados, para formar uma nas Gerais (São Sebastião do Paraíso, São virtude da recepa, se somará aos danos
amostra única. Conta-se o número dos fru- Tomás de Aquino etc.). Existem, também, do inseto, com a morte de plantas.
tos que apresenta orifícios feitos pela broca novos focos no sul de Goiás, norte do Pa-
na região da coroa. Quando este número raná etc. Estima-se que cerca de 20% das Produtos seletivos
representar de 3% a 5% do total, o controle plantas de café no Estado de São Paulo Os agroquímicos sistêmicos aplicados no
da praga deve ser iniciado. A amostragem estejam infestadas por cigarras, e em solo, em períodos chuvosos, controlam o
deve ser iniciada na época do trânsito da Minas Gerais este número chega a 25%. bicho-mineiro, as cigarras, as cochonilhas
broca (outubro a dezembro), variável de A praga tem preferência por lavouras (incluindo as das raízes) e as larvas da mos-
acordo com as regiões cafeeiras. As opções adultas (com mais de cinco anos), insta- ca-da-raiz, além de não afetar os inimigos
de controle são as seguintes: ladas em solos argilosos, muito embora naturais das diferentes pragas. Deve-se,
• Controle biológico – Vespa-de- também seja comum em solos arenosos. portanto, à luz dos conhecimentos atuais,
-uganda, Prorops nasuta (Waterston, Devido à sucção da seiva pelas ninfas (du- aplicar, sempre que possível, produtos
1923); Hymenoptera: Bethylidae e o rante pelo menos um ano), localizadas, seletivos. A não preocupação com a sele-
fungo Beauveria bassiana. A vespa preferencialmente, próximas à raiz prin- tividade é que tem gerado o aparecimento
foi introduzida na década de 1920 e cipal (às vezes, entre 300 e 400 ninfas por de pragas que, por muito tempo, eram pro-
não se adaptou às condições brasilei- cova), causa o definhamento progressivo blemas secundários. Portanto, a aplicação
ras. Entretanto, nos últimos anos, tem das plantas nas épocas secas do ano. As correta de produtos seletivos e a rotação
sido encontrada em nossos cafezais. folhas tornam-se cloróticas e, juntamen- de princípios ativos e, também, de modos
O fungo B. bassiana é comum em te com flores e frutos, caem, enquanto de ação são fundamentais para minimizar
anos chuvosos e frequente no orifício as extremidades dos ramos secam. Estes os problemas de pragas do cafeeiro.
feito pela broca na região da coroa, e sintomas muitas vezes são confundidos
*José Roberto Postali Parra é docente do
são utilizado em algumas formulações com deficiência de minerais ou déficit
Departamento de Entomologia e Acarologia
comerciais de produto, para controle hídrico; entretanto, em ataques intensos, da USP/ESALQ (jrpparra@usp.br); Paulo Re-
da praga. Este fungo é muito utilizado as cavidades e o solo ao redor da planta belles Reis é pesquisador da Epamig/Lavras,
em outros países, como a Colômbia. ficam constantemente umedecidos. MG (paulo.rebelles@epamig.br).

• Controle cultural – Catação profi- • Controle por armadilha – Denomi-


lática dos grãos de café que ficam no nadas Ecospray F-65, essas armadilhas Referências Bibliográficas
NEVES, A. D.; R. E. OLIVEIRA; J. R. P. PARRA. A new
chão ou na planta, após a colheita, para sonoras objetivam a captura de fêmeas
concept for insect damage evaluation based
diminuição dos focos de infestação. adultas de Q. gigas, num raio de ação on plant physiological variables. In: Anais da
• Controle químico – Para a broca-do- de 80 m, cobrindo 2 ha. Devem ficar Academia Brasileira de Ciências, 78 (4), Rio
-café, com a retirada do endossulfan ligadas de 30 a 40 minutos por ponto de Janeiro. Anais... 2006, p. 821-835.
(ciclodienoclorado) até julho de 2013, de amostragem. O rendimento do PARRA, J. R. P. 1985. Biologia comparada de Pe-
rileucoptera coffeella (Guérin – Menèville,
foram registrados apenas o organofos- levantamento por armadilha é de 20
1842) (Lepidoptera – Lynoteiidae), visando ao
forado clorpirifós e o etofenproxi (éter a 30 ha/dia. Os adultos (fêmeas) são seu zoneamento ecológico no Estado de São
difenílico). atraídos pelo som de uma corneta Paulo. In: Rev. Bras. Entomol, 29, p. 45-76, 1999.

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