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Laser convencional

FOTÔNICA y
(verde) incide sobre
material que o
converte em laser
aleatório (vermelho),
capaz de se
propagar em várias
direções

Um laser nada
convencional
Luz de intensidade variável revela conexões inesperadas entre
áreas da física e promete imagens microscópicas mais nítidas

Igor Zolnerkevic

O
físico Cid Araújo, da Uni- do cristal a emitirem ainda mais luz (ver físico Lauro Maia, da Universidade Fe-
versidade Federal de Per- infográfico na página 60). Ao escapar por deral de Goiás, integrante da equipe da
nambuco (UFPE), gosta de um dos espelhos, que é semitransparen- UFPE. Iluminadas por um laser comum,
dizer em suas palestras que te, essa luz sai com grande intensidade. essas nanopartículas, misturadas a ou-
realiza experiências astro- Suas ondas eletromagnéticas oscilam em tros materiais no estado sólido ou líqui-
físicas bem em cima de sua bancada de sincronia, na mesma frequência, e se pro- do, podem gerar laser aleatório.
trabalho. Nas mesas de seu laboratório pagam na mesma direção. É uma luz com- “O laser aleatório é uma fonte de luz
de óptica, ele e seus colegas exploram pletamente ordenada, bem diferente da com propriedades intermediárias entre
as propriedades de alguns materiais fa- emitida por uma lâmpada incandescente, as de uma lâmpada incandescente, cujas
zendo-os emitir uma forma de laser dife- cujas ondas apresentam diferentes fre- ondas eletromagnéticas são emitidas ao
rente da convencional. São os chamados quências e viajam em diferentes direções. acaso, e um laser convencional, cujas on-
lasers aleatórios, que podem ser emitidos Já a produção do laser aleatório não das estão em sincronia e condensadas em
naturalmente por objetos no espaço in- utiliza espelhos. Para criá-lo, os pesqui- um feixe unidirecional”, explica Araújo.
terestelar e cuja produção começa agora sadores da UFPE usam um laser comum No laser convencional, as ondula-
a ser mais bem compreendida por causa para iluminar um material com proprie- ções da luz são ordenadas e adquirem
de resultados recentes obtidos por gru- dades ópticas especiais, em geral um pó um comportamento extremamente bem
pos como o da UFPE. ou coloide contendo partículas capazes organizado. Já no laser aleatório, a ra-
O laser convencional é gerado ao se de absorver, emitir e espalhar luz de ma- diação oscila de maneira desordenada,
aprisionar um feixe de luz entre dois es- neira desordenada. Entre os materiais como em uma das raras fontes naturais
pelhos e fazê-lo atravessar um cristal que usados estão nanopartículas contendo de laser já descobertas no Universo: as
emite luz com eficiência. O vaivém da íons de neodímio ou óxido de titânio, co- nuvens ao redor da estrela gigante Eta
luz entre os espelhos estimula os átomos mo as preparadas e caracterizadas pelo Carinae, situada a 7.500 anos-luz da Ter-

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ra. Além da semelhança com as emissões estatística gaussiana e outro pela distri- ras, como o albatroz, percorrem em suas
de laser do meio interestelar, os lasers buição estatística de Lévy. No primeiro excursões em busca de alimento. Em um
aleatórios acabam de revelar similarida- caso, as flutuações estatísticas são bem artigo publicado na Nature, em 1999, eles
des inesperadas com fenômenos naturais menos intensas do que no segundo. É o haviam demonstrado que o albatroz voa
totalmente distintos. que acontece com a intensidade da luz em direções aleatórias, na maioria das
Uma das propriedades dos lasers alea- comum e a do laser convencional, que vezes não indo muito longe de seu ponto
tórios é que, cada vez que um pulso é dis- apresentam flutuações gaussianas. Já a de partida, quando sai atrás de peixes.
parado, sua intensidade varia ao acaso. intensidade dos lasers aleatórios também De vez em quando, porém, ele percorre
Em um artigo publicado em agosto deste segue a estatística gaussiana, mas, sob distâncias bem maiores.
ano na revista Optics Letters e em outro certas condições, ela pode se ampliar e se Nos experimentos realizados na UFPE,
publicado em junho na Scientific Reports, comportar segundo a estatística de Lévy. os pesquisadores verificaram que o au-
a equipe coordenada por Araújo e pelos “Eles encontraram uma maneira sim- mento repentino na variação de inten-
físicos Anderson Gomes e Ernesto Ra- ples de investigar a transição da estatís- sidade do laser depende de uma súbita e
poso, ambos da UFPE, mostrou como tica gaussiana, mais comum, para a do complexa mudança no comportamento
explicar e caracterizar as propriedades tipo de Lévy nas flutuações”, diz o físico óptico influenciado pelas nanopartícu-
Diederik Wiersma / LENS – Florença

estatísticas dessas intensidades aleató- Diederik Wiersma, especialista em emis- las. À medida que a luz atravessa o ma-
rias a partir das propriedades dos ma- sões de laser aleatório da Universidade terial, as ondas eletromagnéticas inte-
teriais emissores de laser. de Florença, na Itália. ragem e se somam em alguns trechos
Raposo, que é físico teórico, explica A distribuição estatística de Lévy é a e se aniquilam em outros. Quando as
que em geral a intensidade dos diferentes mesma que Raposo e outros colegas já flutuações aumentam, as propriedades
tipos de luz varia seguindo dois padrões: haviam mostrado estar por trás da flu- das ondas eletromagnéticas mudam de
um regido pela chamada distribuição tuação nas distâncias que aves pescado- um padrão mais ordenado para outro,

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emitem uma luz laser mais aleatória do
Duas formas de produzir laser

infográfico  ana paula campos  ilustraçãO fabio otubo


que a produzida por tecidos de células
sadias. Mais recentemente, em 2012, um
As propriedades dessa luz especial dependem das características estudo coordenado pela física Hui Cao,
do meio que lhe fornece energia da Universidade Yale, nos Estados Uni-
dos, demonstrou que objetos micros-
CONVENCIONAL aleatório
cópicos iluminados com laser aleatório
fonte de luz produzem imagens mais nítidas (com
fonte de luz
externa
externa resolução espacial maior) do que as de
Nanopartículas um objeto iluminado por led ou laser
amplificadoras convencional. Isso porque, ao incidir
e dispersoras sobre um objeto, o laser convencional
cria ilusões de óptica na forma de uma
nuvem de pontos luminosos que emba-
Cristal çam a imagem captada por uma câmera.
amplificador
A desordem das ondas do laser aleatório
Espelho Espelho atenua esse efeito. Em princípio, expli-
semitransparente
ca Araújo, quanto mais as amplitudes
do laser variarem aleatoriamente, mais
Um feixe de luz aprisionado entre dois Um feixe de luz, às vezes um laser nítida será a imagem gerada.
espelhos sofre um aumento na sua convencional, incide sobre um A pesquisa com lasers aleatórios des-
intensidade cada vez que atravessa material com nanopartículas que
lanchou em 1994, quando físicos da Uni-
um cristal amplificador. A partir de certa absorvem luz e a reemitem com maior
intensidade, uma luz bem ordenada e intensidade. O laser emitido pelo versidade Brown, Estados Unidos, repor-
intensa (laser) escapa por um dos espelhos material sai em direções aleatórias taram na Nature a criação do primeiro
laser aleatório de alta eficiência. Gomes
Fonte cid araújo / ufpe
participou desse estudo, que demonstrou
pela primeira vez de modo inequívoco a
mais desordenado, que lembra aos físi- possibilidade de gerar laser a partir da
cos a estrutura microscópica de certos emissão e do espalhamento desordenado
materiais, como o vidro. de luz no interior de um material, como
Essa mudança segue um comporta- Os lasers proposto em 1966 por físicos russos lide-
mento previsto por um modelo matemá- rados por Nicolay Basov, um dos ganha-
tico conhecido como teoria dos vidros aleatórios podem dores do Prêmio Nobel de Física de 1964
de spin, usado para entender diversos pela invenção do laser convencional.
fenômenos que envolvem muitas partes
aumentar a Um dos colegas de Basov, o físico Vla-
interagindo entre si de forma complexa: eficiência dilen Letokhov, propôs logo em seguida
do comportamento coletivo dos átomos que a emissão de laser aleatório poderia
em um material magnético desordena- na transmissão explicar por que a luz emitida em certas
do à dinâmica das redes de neurônios frequências por algumas nuvens inte-
em um cérebro. “Uma das vantagens de dados via restelares era mais intensa do que o es-
dos lasers aleatórios é que eles servem perado teoricamente. A teoria ajudou o
de plataforma para estudar problemas
fibras ópticas astrônomo brasileiro Augusto Damineli,
multidisciplinares”, comenta o físico da Universidade de São Paulo, a explicar
Anderson Gomes, que participou dos a origem de algumas das emissões de luz
experimentos ao lado de André Moura, infravermelha vindas de uma região ne-
físico atualmente na Universidade Fe- diação laser aleatória. A fibra preenchida bulosa próxima à estrela Eta Carinae. Es-
deral de Alagoas e de doutorandos do transmitiu sinais luminosos com eficiên- sas emissões vez ou outra se apagam, um
Departamento de Física da UFPE. cia 100 vezes maior que a convencional. fenômeno que a teoria dos lasers ajuda a
A conexão das flutuações na intensi- Os físicos da UFPE e de outras insti- entender. Damineli e Letokhov trabalha-
dade do laser com a teoria dos vidros de tuições também investigam as proprieda- ram nesse problema juntos em 2005. n
spin investigada pelos pesquisadores da des do laser aleatório por sua potencial
UFPE pode ainda ajudar a desenvolver aplicação na detecção de substâncias
fontes de laser com a aleatoriedade va- químicas ou em diagnósticos médi- Artigos científicos
riável, que poderia ser adequada a dife- cos. Em 2004, o grupo do físico Ran- GOMES, A. S. L. et al. Observation of Lévy distribution and
rentes usos tecnológicos. Uma possível dal Polson, da Universidade de Utah, replica symmetry breaking in random lasers from a single
aplicação é na transmissão de dados por nos Estados Unidos, verificou que teci- set of measurements. Scientific Reports. 13 jun. 2016.
PINCHEIRA, P. I. R. et al. Observation of photonic para-
fibra óptica. Em 2007, Araújo, Gomes e dos contendo células cancerígenas tin- magnetic to spin-glass transition in a specially designed
colaboradores preencheram fibras ópti- gidos com corantes especiais, quando TiO2 particle-based dye-colloidal random laser. Optics
cas com um líquido capaz de emitir ra- iluminados por um laser convencional, Letters. v. 41 (15). 1º ago. 2016.

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