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da Educação Física
Felipe Quintão de Almeida . Ivan Marcelo Gomes . Valter Bracht
EPISTEMOLOGIA
da Educação Física
Felipe Quintão de Almeida . Ivan Marcelo Gomes . Valter Bracht
Vitória
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
A reprodução de imagens nesta obra tem caráter pedagógico e científico, amparado pelos limites do direito de autor
no art. 46 da Lei no. 9610/1998, entre eles, os previstos no inciso III (a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer
outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida
justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reprodução realizada
com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil.
SUMÁRIO
Introdução 4
Referências 37
INTRODUÇÃO
4
existem conhecimentos verdadeiros ou que são verdades e outros que
não são verdadeiros ou são falsos?
Parece que a resposta fica cada vez mais difícil e complexa. Uma
postura em frente a essas questões poderia ser: não vai fazer nenhu-
ma falta responder a essas questões; isso é tudo “vã filosofia” (já não
disseram que “a filosofia é uma disciplina com a qual ou sem a qual
o mundo ficará tal e qual”?), portanto, deixa isso pra lá. Realmente,
se pensarmos e almejarmos apenas uma formação técnica (tecnicista,
nesse caso), essas questões não terão maior relevância. No entanto,
quando pensamos e almejamos a formação de profissionais autôno-
mos e críticos, capazes de criar e fazer avançar uma área do conheci-
mento, capazes de elaboração própria e não apenas de aplicar as ideias
dos outros, as perguntas colocadas até aqui passam a fazer sentido.
Mas, então, por que essas perguntas fazem sentido? Ora, como discu-
timos no fascículo da disciplina Pesquisa e Docência, nossas ações
como professores de Educação Física são, necessariamente, baseadas em
algum tipo de conhecimento (ou em saberes); saberes ou conhecimentos
adquiridos pela experiência, mas, também, saberes ou conhecimentos
de caráter teórico ou conceitual. Assim, refletir sobre esses conhecimen-
tos e saberes nos permite entender sobre quais saberes nossa prática está
construída e fundamentada e, assim, aumenta nossas chances de buscar
novas bases ou fundamentar melhor nossa prática; renovar nossa prá-
tica (e não, simplesmente, copiar práticas de outros).
5
damenta nossa prática e qual caráter do conhecimento transmitimos
em nossa prática pedagógica.
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As Relações entre a
Educação Física e a Ciência 1
Quando abordamos o tema da relação da Educação Física com a
ciência, logo se apresentam várias questões:
7
forma legítima de organização do poder e a economia capitalista ba-
seada na indústria emerge e se consolida.
8
necessidade de formação de profissionais em nível universitário e da
necessidade da produção do conhecimento científico nesse âmbito.
Em grande parte foi sua importância sociopolítica que determinou o
surgimento de organizações científicas de Ciências do Esporte.
1. Existem indicadores de que lá, onde a Educação Física desde logo obteve o status
universitário, a incorporação das práticas científicas ao campo processou-se de forma mais
rápida e intensiva. Em alguns países, como a Argentina, o fato de a formação de professores
de Educação Física acontecer majoritariamente em cursos não universitários (mas sim nos
chamadas institutos superiores de formação de professores de Educação Física) tem dificultado
tal processo. Naquele país, existe hoje apenas um curso de mestrado.
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criação de cursos de pós-graduação (stricto sensu), definição de pro-
gramas de apoio à pesquisa etc. (ver a respeito Capítulo 3). No entanto,
na produção do conhecimento, predomina o enfoque disciplinar ou
monodisciplinar determinado pela disciplina-mãe.
1. É interessante notar que análises feitas por importantes autores do campo da Pedagogia
também identificam esse problema naquele campo (ARROYO, 1998; BRANDÃO, 1998;
LIBÂNEO, 1996).
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Por outro lado, uma forte pressão para a cientificização da Educação
Física vem das chamadas Ciências do Esporte. É exatamente quando
a Educação Física deixa de se apresentar como ginástica (métodos
ginásticos) e consolida o esporte como seu conteúdo maior, que as
chamadas Ciências do Esporte se instalam no campo, inicialmente
chamado de Educação Física. Hoje, não é possível distinguir os cam-
pos de produção do conhecimento da Educação Física e das cha-
madas Ciências do Esporte. Publicam-se os mesmos trabalhos em
revistas de Educação Física e/ou Ciências do Esporte, apresentam-se
trabalhos em congressos de um e de outro campo sem qualquer dis-
criminação ou alteração. A Educação Física, nesse âmbito, costuma
ser tratada como Pedagogia do Esporte.
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conteúdo que é configurado/retirado do universo da cultura corpo-
ral de movimento. Ou seja, nós, da Educação Física, interrogamos o
movimentar-se humano sob a ótica do pedagógico: sua problemá-
tica é a participação e a contribuição do movimentar-se humano e
suas objetivações culturais na/para a educação do homem.
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Bem, em princípio, achamos que a ciência nos auxiliaria nessa ta-
refa. Há (ou houve) o entendimento de que a ciência faria com que
tivéssemos respostas mais seguras/verdadeiras para essas questões.
Mas, o que é conhecer cientificamente a realidade? Por que ela nos
ofereceria um conhecimento ou uma base mais segura?
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(para muitos o pai da Sociologia) dizia que a realidade social devia
ser estudada objetivamente como “coisa”, e A. Comte (criador do
Positivismo) chamava a atual Sociologia de Física Social. No en-
tanto, movimentos acadêmicos logo questionaram a possibilidade
e a procedência/validade da aplicação desses princípios científicos
ao estudo da realidade social e humana. W. Dilthey, por exemplo,
entendia que as humanidades (Geistenwissenschaften) devem operar
com a categoria da compreensão, ao passo que as ciências natu-
rais (Naturwissenschaften) operam com a categoria da explicação.
Compreender (verstehen) seria uma operação diferente de explicar
(erklären) e, para o caso das humanidades, o adequado é o primeiro:
compreender o sentido/significado subjetivo das condutas humanas.
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Física (para fundamentar essa prática), não basta somar o conhecimento
da Biomecânica com o da Fisiologia do Exercício, com o da Psicologia e
com o da Sociologia. Há necessidade de operar uma síntese ou sínteses,
o que é diferente da soma das partes (ao mesmo tempo, mais que a soma
das partes e menos que cada parte, como diria E. Morin, 1993); uma sínte-
se operada a partir das necessidades e interesses específicos da Educação
Física, da prática pedagógica em Educação Física. O que hoje predomina
são as problemáticas/temáticas disciplinares.
15
gógico e, com isso, sublinha a dimensão de intervenção imediata
própria de nosso campo; segundo, aponta para novos elementos e a
necessidade da interdisciplinaridade.
16
O Conhecimento de que
Trata a Educação Física:
Características de seu
2
Objeto de Ensino
17
Seria importante retomar o mana’ ou, ainda, ‘movimento humano consciente’; c)
fascículo “Educação Física e ‘cultura corporal’, ‘cultura corporal de movimento’ ou
Escola”, no qual esse tema foi ‘cultura de movimento’.
abordado mais detalhadamente.
Tentaremos, agora, compreender como essas diferentes perspectivas
se vincularam e se vinculam a determinadas formas de entendimen-
to sobre o corpo e, também, sobre o conhecimento que se articula
aos papéis sociais que a Educação Física escolar desempenhou/de-
sempenha na sua trajetória.
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o conhecimento oficial sobre o corpo. Foi muito em Caso queiram maiores
função da importância do saber médico que a Educação informações sobre a
Física alcançou legitimidade no contexto escolar (PAI- compreensão da Educação
VA, 2003). Como o discurso oficial e legítimo sobre o Física a partir da perspectiva
corpo, seu prestígio (o da Medicina) era (é) transferido da atividade física e saúde,
para uma prática social, a Educação Física e a ginástica consultar os seguintes textos
que nele se baseava [...] (BRACHT et al., 2009, p. 17). (disponíveis na plataforma):
Guedes e Guedes (1993) e
Essa perspectiva predominou no tratamento dado ao corpo na Edu- Nahas (2010).
cação Física sem maiores questionamentos até a década de 1980.
Castellani Filho (1999) afirmou que esse período pode ser caracteri-
zado como aquele no qual imperou o “paradigma da aptidão física”,
em que os saberes que transitavam entre a atividade física e o exer-
cício físico tinham como primazia a noção de que o papel da Edu-
cação Física era o de contribuir para o desenvolvimento da aptidão
física. Essa visão reducionista do corpo humano e, por conseguinte,
dos saberes e do tratamento dado ao corpo no espaço escolar foi
sintetizada da seguinte maneira por Bracht (1999a, p. 43):
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Caso queiram maiores fomente “[...] a ideia de que a principal tarefa da Educação Física é
informações sobre a a educação para a saúde ou, em termos mais genéricos, a promoção
compreensão da Educação da saúde” (BRACHT, 1999b, p. 79).
Física a partir da perspectiva do
movimento humano, consultar Passemos, então, à segunda perspectiva denominada “movimento
os seguintes textos (disponíveis humano”. Entre as décadas de 1970 e 1980, passaram a circular
na plataforma): Tani et al. nos discursos sobre o objeto de ensino da Educação Física expres-
(1988) e Freire (1989). sões como movimento humano, motricidade humana, cinesiologia.
Tais termos são derivados da aproximação com os estudos da apren-
dizagem motora, do desenvolvimento motor, da psicomotricidade.
Embora tenham surgido distintas abordagens em torno desse foco,
podemos afirmar, “[...] a partir dessa perspectiva, a importância do
movimento para o desenvolvimento integral da criança e esse é o
papel atribuído à Educação Física” (BRACHT, 1999a, p. 44).
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longe de ter-se esgotado, conforme podemos perceber Caso queiram maiores
pela reportagem recente da revista Nova Escola, in- informações sobre a
titulada ‘ educação física dá uma mãozinha’, na qual compreensão da Educação
se demonstra como a EF pode auxiliar no ensino de Física a partir da proposta da
matemática (Falzetta 1999). Essa proposta vem sendo cultura corporal, consultar o
criticada exatamente porque não confere à EF uma es- seguinte texto (disponível na
pecificidade, ficando seu papel subordinado a outras plataforma): Soares et al. (1992).
disciplinas escolares. Nessa perspectiva o movimento
é mero instrumento, não sendo as formas culturais do
movimentar-se humano consideradas um saber a ser
transmitido pela escola.
21
Caso queiram maiores de forma historicizada, de maneira a ser apreendido em seus movi-
informações sobre a mentos contraditórios” (BRACHT, 1999b, p. 80).
compreensão da Educação Física
a partir da proposta crítico- Outra proposta dessa perspectiva foi denominada “crítico-emancipa-
emancipatória, consultar o tória” e tem como principal divulgador Elenor Kunz. O trato do ob-
seguinte texto (disponível na jeto de ensino no diálogo com as ciências humanas tem como prin-
plataforma): Kunz (1991). cipais interlocutores o pedagogo Paulo Freire e a fenomenologia de
Merleau-Ponty. O autor da proposta compreende o movimento hu-
mano dentro do que ele denomina uma concepção dialógica. Segun-
do Bracht (1999b, p. 80), “[...] o movimentar-se humano é entendido
aí como uma forma de comunicação com o mundo [...]. A proposta
Importante aponta para a tematização dos elementos da cultura de movimento,
Existem outras propostas que de forma a desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e agir
partilham deste entendimento criticamente nessa esfera”.
sobre o objeto de ensino da
Educação Física como uma Podemos perceber que a cultura aparece como elemento fundamental
construção histórico-social nessa perspectiva. Como diz Bracht (1999a, p. 45), “[...] o movimen-
da cultura. A esse respeito, tar-se é entendido como forma de comunicação com o mundo que
sugerimos consultar os é constituinte e construtora de cultura, mas, também, possibilitado
referenciais curriculares do por ela”. Compreender a cultura reforçando o seu caráter histórico
Estado do Rio Grande do Sul e social é uma forma de distinguir o tratamento do conhecimento
(Disponível em: http://www. do objeto de ensino da Educação Física de enfoques científicos que
educacao.rs.gov.br/pse/html/ naturalizam e universalizam os seres-humanos em movimento. Nes-
refer_curric.jsp?ACAO=acao1). sa direção, “[...] o que qualifica o movimento enquanto humano é o
sentido/significado do mover-se, sentido/significado mediado sim-
bolicamente e que o coloca no plano da cultura” (BRACHT, 1999a,
p. 45). Assim, nessa perspectiva, os conteúdos da cultura corporal
de movimento a serem trabalhados nas aulas de Educação Física
referem-se a um diálogo incessante dos professores de Educação Fí-
sica com a cultura do seu tempo. Por isso, as mudanças nos entendi-
mentos sociais sobre o corpo e as práticas corporais são um elemento
importante no trabalho dos professores. Para Bracht (1999a, p. 46),
“[...] o movimentar-se e mesmo o corpo humano precisam ser enten-
didos e estudados como uma complexa estrutura social de sentido e
significado, em contextos e processos sócio-históricos específicos”.
Esse aspecto se justifica, nessa perspectiva, pois ela não aponta para
uma mera reprodução da cultura corporal durante as aulas, mas,
sim, para um entendimento da cultura articulado com os pressupos-
tos de uma educação crítica:
22
Assim, ambas as propostas [da perspectiva da cultu-
ra corporal ou de movimento] sugerem procedimentos
didático-pedagógicos que possibilitem, ao se tematiza-
rem as formas culturais do movimentar-se humano (os
temas da cultura corporal ou de movimento), propiciar
um esclarecimento crítico a seu respeito, desvelando
suas vinculações com os elementos da ordem vigente,
desenvolvendo, concomitantemente, as competências
para tal: a lógica dialética para a crítico-superadora, e
o agir comunicativo para a crítico-emancipatória. As-
sim, conscientes ou dotados de consciência crítica, os
sujeitos poderão agir autônoma e criticamente na esfera
da cultura corporal ou de movimento e também agir
de forma transformadora como cidadãos políticos. Vale
ressaltar que as propostas buscam ser um ‘antídoto’
para um conjunto de características da cultura corporal
ou de movimento atuais que, segundo a interpretação
dessas abordagens, por um lado, são produtoras de fal-
sa consciência e, por outro, transformam os sujeitos em
objetos ou consumidores acríticos da indústria cultural
(BRACHT, 1999b, p. 81).
23
3 A Organização do
Campo Acadêmico da
Educação Física
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A história da pós-graduação stricto sensu no campo acadêmico da
Educação Física é bastante recente. Não completou meio século de
vida. Ela é resultado do grande apelo cientificista que a área expe-
rimentou nos anos 1970, quando o esporte se impôs como instância
legitimadora, como tema e orientador da teorização nesse campo
acadêmico em construção. Segundo Bracht (1999a, p. 20), “É a im-
portância social e política desse fenômeno que faz parecer legítimo
o investimento em ciência”. A partir desse momento, ganhou espaço
um teorizar de caráter mais cientificista. Logo se levantou a questão
se a Educação Física era uma ciência ou uma disciplina científi-
ca. Também foi nesse contexto que se permitiu afirmar a Educação
Física nas universidades, com a consequente abertura de progra-
mas de pós-graduação, financiamento de pesquisas, estruturação
de laboratórios de pesquisa, criação de entidades científicas, ida de
professores ao exterior para cursar pós-graduação, convênios com
universidades estrangeiras etc. É nesse momento que se funda, em
1978, uma das entidades científicas mais representativas da área: o
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).
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ciências humanas e sociais no campo acadêmico da Educação Física.
Isso se expressou na organização das áreas de concentração e linhas
de pesquisas desses programas de pós-graduação.
Totais de Cursos de
Programas e Cursos de Pós-Graduação
Grande Área Pós-Graduação
Total M D F M/D Total M D F
Ciências Agrárias 386 135 2 22 227 613 362 229 22
Ciências Biológicas 282 71 3 17 191 473 262 194 17
Ciências da Saúde 580 132 17 97 334 914 466 351 97
Ciências Exatas e da Terra 304 107 8 17 172 476 279 180 17
Ciências Humanas 506 205 4 38 259 765 464 263 38
Ciências Sociais Aplicadas 450 190 2 88 170 620 360 172 88
Engenharias 382 151 3 66 162 544 313 165 66
Linguística, Letras e Artes 187 78 1 6 102 289 180 103 6
Multidisciplinar 494 183 18 148 145 639 328 163 148
Brasil: 3.571 1.252 58 499 1.762 5.333 3.014 1.820 499
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Legenda:
M - Mestrado Acadêmico
D - Doutorado
F - Mestrado Profissional
M/D - Mestrado Acadêmico/Doutorado
A Capes, por sua vez, foi criada em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº
29.741. Suas atividades podem ser agrupadas nas seguintes linhas: 1) ava-
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liação e regulação da pós-graduação stricto sensu; 2) acesso e divulgação
da produção científica; 3) investimentos na formação de recursos de alto
nível no País e exterior; 4) promoção da cooperação científica internacio-
nal; 5) indução e fomento da formação inicial e continuada de professores
para a educação básica nos formatos presencial e a distância.
Dessas atividades, gostaríamos de comentar a primeira: avaliação e re-
gulação da pós-graduação stricto sensu. Para proceder a essa atividade,
a Capes criou um sistema, mais conhecido como Qualis-Capes, caracte-
rizado por um conjunto de procedimentos utilizados para estratificação
da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação.
Tal processo foi concebido para atender às necessidades específicas do
sistema de avaliação. Essa avaliação é feita a cada três anos. O resultado
dela é a atribuição de uma nota ao programa de pós-graduação stricto
sensu, que pode variar de 3 a 7 pontos. Quanto mais alto for o valor na
nota, maior é a qualidade do programa, ao menos segundo os critérios
adotados pela Capes.
Estrato Pontuação
A1 100
A2 85
B1 60
B2 40
B3 20
B4 10
B5 5
C 0
28
Então, se alguém publica um artigo numa revista classificada como
A1, ele acumula 100 pontos no seu currículo. O mesmo periódico,
ao ser classificado em duas ou mais áreas distintas, pode receber
diferentes avaliações. Isso, segundo a Capes, não constitui inconsis-
tência, mas expressa o valor atribuído, em cada área, à pertinência
do conteúdo veiculado. Por isso, não se pretende, com essa classifi-
cação, que é específica para o processo de avaliação de cada
área, definir qualidade de periódicos de forma absoluta. Vamos
exemplificar para facilitar o entendimento. Consideremos o caso
da Revista Brasileira de Ciências do Esporte, publicação do Colé-
gio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), avaliada como B1 no
Qualis da Educação Física. Quando consideramos sua avaliação no
Qualis de outras áreas, percebemos que ela é avaliada em estratos
mais baixos. Ou seja, a mesma revista é avaliada de modo diferente
quando se consideram o Qualis de áreas diferentes.
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de sua divulgação. Nesse sentido, é importante conhecer o seu fun-
cionamento, tarefa de nossa próxima atividade.
Após apresentar alguns aspectos da organização da pós-graduação
stricto sensu no Brasil, situando a Educação Física em seu interior,
gostaríamos de fazer um comentário a respeito da produção do conhe-
cimento, especificamente, em Educação Física escolar nesse contexto.
30
(USP, UNESP/Rio Claro e UCB) a 16 teses (UNICAMP). É
possível dizer que esse percentual talvez não seja compatível
com o peso que a Educação Física escolar possui na “área”
mais geral, denominada de Educação Física, particularmente
em termos de atuação profissional. De qualquer forma, a
julgar pelas análises de Kirk (2010) e Antunes et al. (2005),
essa não é uma situação particularmente brasileira, já que,
também em nível internacional, a produção pedagógica da
área é minoritária, se considerarmos o campo como um
todo. A ampliação da produção total das revistas na última
década (os periódicos aumentaram seus números anuais e a
quantidade de artigo por edição) não significou um aumento
no número de artigos sobre Educação Física escolar, pois
o percentual se manteve relativamente estável no período
analisado. Os dados desses estudos permitem-nos falar de
uma sub-representação dos estudos focados na Educação
Física escolar. Ao mesmo tempo em que a produção destinada
à Educação Física escolar é pequena, predomina na área
como um todo, conforme a análise de Rosa e Leta (2010),
a abordagem vinculada às ciências biológicas. No conjunto
dos periódicos que essas autoras analisaram, é possível
observar uma maior valorização dos saberes advindos
das ciências biológicas e, em especial, da Fisiologia. Por
outro lado, saberes procedentes de outras grandes áreas ou
disciplinas mais humanísticas e/ou sociais, como a Filosofia,
a História, a Sociologia, a Psicologia, a Educação, também
são encontrados, porém são ainda minoria.
31
diversidade de perspectivas teóricas, metodológicas e políticas,
bem como nas problematizações levantadas, proposições daí
resultantes e das novas temáticas investigadas. Manifesta-se,
como consequência, nos diferentes sentidos para a Educação
Física. Apesar dos novos desafios e/ou dificuldades que
este mosaico apresenta (por exemplo, a grande dispersão de
esforços, uma grande diversidade de temas, focos e interesses
norteadores da produção do conhecimento, a pulverização
de linhas de pesquisa nos programas de pós-graduação
ou a dispersão interna dessas linhas etc.), ele não pode ser
revogado, em favor de alguma hegemonia, por meio de algum
decreto epistemológico.
g) internacionalização.
32
1. A diminuição dos desequilíbrios regionais é importante
sobretudo porque as políticas públicas da pós-graduação,
historicamente, privilegiaram a expansão quantitativa a
partir de centros econômicos mais desenvolvidos, sem
se preocuparem com a distribuição regional, ficando os
programas de pós-graduação concentrados em pontos
diferenciados do País. Uma análise detalhada da distribuição
geográfica da área 21 (Figura 1, logo abaixo) revela que existe
uma concentração de programas na Região Sudeste que
contém cerca de 65% dos programas da área 21. Nota-se a
elevada concentração de cursos no Estado de São Paulo, o
que responde por aproximadamente 45% dos cursos do País
na área 21. A Região Sul é a segunda maior região com cursos
na área 21, onde se observam 23% dos cursos aprovados. Os
Estados do Rio Grande do Sul e Paraná possuem cinco cursos
cada um e, em especial, um curso em cada uma das subáreas,
exceto em Terapia Ocupacional. A Região Nordeste apresenta,
aproximadamente, 10% dos cursos da área. Infelizmente, a
área 21 ainda carece de cursos na Região Norte, onde futuros
investimentos e estratégias devem ser realizados para que
possam ser instalados cursos naquela região (RODACKI,
2011), considerando, podemos acrescentar, as especificidades
regionais (o que pode levar a se repensar os atuais critérios
adotados para a avaliação da produção do conhecimento).
11
111
2
31
1
6771 311
211
21
211
33
2. O aumento da quantidade e qualidade da produção intelectual
e a redução da heterogeneidade da produção docente não
deve ser fomentado sem uma reflexão epistemológica que
leve em consideração as especificidades de cada (sub)área
do campo acadêmico. É preciso evitar, nesse contexto, o
risco de tomar o aumento da quantidade pela melhoria da
qualidade. Além disso, o aumento quantitativo da produção
não tem diminuído o fosso que ainda existe entre a produção
do conhecimento que ocorre na pós-graduação e o que,
efetivamente, acontece na intervenção pedagógica. Reverter
esse quadro é um grande desafio, que tem se tornado ainda
mais agudo quando concluímos, com a ajuda de Bracht
(2007), que, quanto mais próximos ficamos da Capes e do
CNPq, em relação aos critérios a serem observados para se
alavancar a pós-graduação em Educação Física no País,
mais longe ficamos da intervenção. Ou seja, desenvolvemo-
nos como área acadêmica e científica, mas a intervenção,
especialmente nas escolas, não consegue mudar na direção
de práticas renovadas, inovadoras e com mais qualidade.
Nesse sentido, o desafio é combinar qualidade/quantidade da
produção do conhecimento sem perder de vista a “tradição”
da Educação Física como área de intervenção pedagógica
(lamentavelmente estamos nos esquecendo dessa “tradição”
em troca do prestígio que o fazer científico proporciona).
Os chamados mestrados profissionais, antes mencionados,
podem ser uma boa alternativa nessa direção.
34
(publicando, inclusive, na língua de origem do pesquisador).
A terceira estratégia é fazer com que as revistas brasileiras de
Educação Física passem a publicar seus artigos somente na língua
inglesa (que, como sabemos, é a língua universal da ciência). Essa
foi a política editorial assumida recentemente por um importante
periódico da área: a revista Motriz (http://www.periodicos.
rc.biblioteca.unesp.br/index.php/motriz). Se é indiscutível que
medidas como essa qualificam o campo científico em direção
aos padrões internacionais do fazer científico, precisamos nos
perguntar quais os impactos dessas decisões (políticas!) para a
intervenção pedagógica. Sendo assim, precisamos avaliar o
que é mais importante para um campo de intervenção como o
da Educação Física escolar: publicar em inglês num periódico
(inter)nacional, localizado no mais alto estrato do Qualis-Capes,
ou publicar numa revista que pode ser acessada por grande
contingente de professores de Educação Física escolar? Esse é
apenas um dos diversos dilemas que o campo científico precisa
enfrentar se quiser diminuir o hiato, aludido no tópico anterior,
entre o conhecimento que produz e seus usos na intervenção.
Nos anos 1980, o tempo ideal para defesa e entrega da dissertação era
de 36 meses para integralização do curso de mestrado. Nos anos de
1990, esse quadro sofreu alterações expressivas que culminaram, de
fato, com novos objetivos para os programas de pós-graduação stricto
sensu. Como consequência, o tempo ideal para a titulação começou a
reduzir-se, sob a influência direta do tempo concedido pelos progra-
mas de concessão de bolsas de estudo. De 36 meses para a titulação
35
de um mestre, a Capes reduziu esse tempo para 30 meses e, logo após,
para os atuais 24 meses. A mesma redução de tempo se observa para
o caso do doutorado. Se antes não se defendia uma tese com menos de
quatro anos, hoje a regra é a seguinte: quanto antes melhor.
36
R efer ê ncias
BETTI, M. Por uma teoria da prática. Rio Claro, 1996. [formato ofí-
cio. Publicado na revista Motus Corporis, v. 3, n. 2, dez./1996]
37
BRACHT, V. et al. A educação física escolar como tema da produção
do conhecimento nos periódicos da área no Brasil (1980-2010): parte
I. Movimento, Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 11-34, 2011.
38
sertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999.
39
cação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1997.
40
9 788581 730684
www.neaad.ufes.br
(27) 4009 2208