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DIREITO AMBIENTAL

DISCIPLINA: Ponderação e Colisão de Conflitos em Direito


Ambiental

PROFESSOR: Cesar Serbena


PÓS-GRADUAÇÃO UFPR

APRESENTAÇÃO

O presente material constitui a parte escrita do Módulo Ponderação e


colisão de princípios em Direito Ambiental, o qual visa abordar os aspectos
históricos, jurídicos, constitucionais e práticos dos juízos de ponderação e de
proporcionalidade com relação aos princípios de Direito Ambiental e suas situações
conflitivas.

ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST


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SUMÁRIO

1. O Estado de Direito: conceito e exemplos.

2. O constitucionalismo contemporâneo.

3. Teoria das normas jurídicas e teoria do ordenamento jurídico.

3.1 Teoria da norma jurídica

3.1.1 Normas jurídicas gerais e particulares

3.1.2 Normas afirmativas e normas negativas

3.1.3 Os âmbitos de validez da norma jurídica: validez temporal,


validez espacial, validez pessoal e validez material

3.1.4 Estrutura geral e abstrata da norma jurídica

3.2 Teoria do ordenamento jurídico

4. Teoria dos princípios e colisões de princípios.

4.1 Diferenças entre regras e princípios

4.2 Colisões entre regras e princípios

4.2.1 Conflitos entre regras

4.2.2 Necessário adendo: direitos fundamentais e democracia

4.2.3 Conflitos entre princípios

5. A proporcionalidade como metaregra acerca dos princípios

5.1 Um caso concreto: o comércio e consumo de cigarros no Brasil

6. Teorias da Argumentação Jurídica.

6.1 Um breve histórico da Argumentação Jurídica

6.2 Direito e Argumentação

7. A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy

8. Alguns princípios dogmáticos do Direito Ambiental


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8.1 Princípio do desenvolvimento sustentável

8.2 Princípio da prevenção


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8.3 Princípio da Precaução

8.4 Princípio da reparação integral

8.5 Princípio da informação

8.6 Princípio do poluidor pagador

9. Análise da aplicação do juízo de ponderação e proporcionalidade a um caso


concreto de Direito Ambiental

10. Conclusão

11. Referências

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1. O Estado de Direito: conceito e exemplos.

O Estado de Direito é um conceito relativamente recente na história das ideias


políticas no Ocidente. Ele deve sua origem na expressão inglesa Rule of Law, sendo uma
criação da filosofia liberal inglesa dos séculos XVIII e XIX. Suas características básicas são:

a) submissão ao império da lei, sendo a lei considerada como ato imanado formalmente do
poder legislativo, composto de representantes do povo;

b) divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes


legislativo, executivo e judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao
legislativo e a independência e imparcialidade do judiciário em face dos demais poderes e
dos particulares;

c) garantias dos direitos individuais, que são um conjunto de imunidades conferidas ao


cidadão e que funcionam ao mesmo tempo como limitadores do poder estatal.

A concepção liberal do Estado de Direito serviu de apoio aos direitos do homem,


convertendo os súditos do antigo regime em cidadãos livres no Estado Moderno. O Estado
de Direito conceitualmente é oposto ao Estado Arbitrário ou ao Estado de Exceção, tendo a
lei como a grande mediadora das relações entre o Estado e os indivíduos.

Outro fundamento do Estado de Direito, e que decorre do império da lei, é o princípio


da legalidade. Ele é um princípio de extrema importância e assegura que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Ele está expresso
na Constituição Federal Brasileira no art. 5º, inciso II. Corolário deste princípio é o nulla
poena sine lege, ou seja, não haverá imposição de penas no âmbito do Direito Penal sem lei
anterior que defina o crime e a sua pena correspondente.

Outro fundamento do Estado de Direito é o princípio da legalidade sob a ótica da


administração pública, e define que o Estado, de maneira geral, somente pode agir com
base na autorização da lei. Ele é expresso na Constituição Federal no Art. 37: “A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade (…).” Como a lei é
o instrumento das obrigações impostas aos cidadãos pelo Estado, esta imposição não pode
ser arbitrária, e será exercida na medida exata daquilo que a própria lei autoriza, disciplina e
limita a ação estatal.

O Estado de Direito é anterior historicamente ao Estado Constitucional. No decorrer


da civilização ocidental o Estado monárquico, na época moderna, passou a ser limitado pelo
fortalecimento do poder parlamentar que representa basicamente o povo. A Inglaterra, por
exemplo, possui uma monarquia, um parlamento, é um estado baseado no Estado de
Direito, mas até hoje não possui uma constituição escrita. O Estado constitucional é a
consequência histórica do Estado de Direito, no qual o contrato social é redigido em um
documento escrito que será a lei fundamental e mais importante. Os primeiros grandes
estados constitucionais serão os Estados Unidos da América, como decorrência da sua
independência da Inglaterra, e a França após a Revolução Francesa. Nesse sentido o
constitucionalismo é uma consequência direta do Estado de Direito, e é o que estudaremos
no próximo tópico.

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2. O constitucionalismo contemporâneo.

Afirmávamos no tópico anterior que o Estado Constitucional é uma consequência


histórica e direta do Estado de Direito, e que os primeiros grandes estados constitucionais
serão os Estados Unidos da América e a França após a Revolução Francesa.

A partir da independência americana e da revolução francesa, o estado


constitucional foi desenvolvendo-se progressivamente, não sem alguns percalços em seu
itinerário. A título de exemplo, os regimes ditatoriais como o nazismo e o fascismo no século
XX, representaram uma grande suspensão do regime constitucional e democrático, e foram
um desafio ao aperfeiçoamento dos estados constitucionais.

A situação atual do Estado Constitucional é que o seu documento jurídico


fundamental é a Constituição, a qual compreende e assegura um conjunto bastante amplo e
complexo de princípios, garantias, órgãos e instituições, que em seu conjunto determinam e
regulam o funcionamento das modernas democracias. A partir dos poucos princípios
originários do Estado de Direito, temos hoje quase uma centena de princípios que definem o
Estado Constitucional contemporâneo. Chamamos de constitucionalismo o campo do
conhecimento jurídico que tem por objeto estudar e sistematizar as constituições, como
documento legal e escrito, assim como os órgãos e instituições que operacionalizam as
próprias constituições. Um grande constitucionalista argentino, chamado Roberto Gargarella,
define as instituições como a “casa de máquinas” das Constituições.

No presente tópico iremos expor as principais características que definem o


constitucionalismo contemporâneo. Do ponto de vista estrutural, as constituições atuais de
países como Portugal, Espanha, México, Alemanha e Argentina são muito próximas da atual
constituição brasileira, na medida que garantem um rol extenso de direitos e garantias
fundamentais, as quais inclusive não podem ser objeto de modificação legislativa posterior.
No direito constitucional este rol é denominado de “núcleo duro” da constituição.

É preciso salientar que a extensão dos direitos e garantias fundamentais é uma


tarefa acumulativa. Muitos direitos somente foram conquistados no século XX, como os
direitos sociais e trabalhistas, e certos direitos que são tidos como novos, como os direitos
relativos ao meio ambiente, não eram direitos constitucionais no Brasil em 1970, por
exemplo, e atualmente o são face a atual Constituição Federal.

O seguinte quadro sistematiza o que é chamado de gerações ou dimensões dos


direitos e garantias fundamentais:

Direitos de 1ª geração Direitos de 2ª Direitos de 3ª Direitos de 4ª


geração geração geração – conteúdo
em formação
Direitos civis, políticos Direitos econômicos Direitos difusos Direito de acesso à
e liberdades clássicas e sociais como direito ao meio internet, direito à
ambiente informação, direitos
equilibrado, ao tecnológicos, acesso
desenvolvimento à engenharia
econômico, à genética, direito a
qualidade de vida fontes alternativas de
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reprodutivos.
Direito de votar e ser Direito ao trabalho e Direito ao lazer e à
votado, livre seguridade social, cultura, à proteção e
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locomoção, liberdade direitos trabalhistas ao equilíbrio do meio


de associação e em geral, direito de ambiente, direito à
reunião para fins greve e de água potável, direito
pacíficos, liberdade de sindicalização, direito à alimentação
culto, crença, à educação, à mínima.
consciência, opinião e propriedade
expressão, direito ao intelectual, à saúde
devido processo legal, pública.
direito à propriedade
privada, privacidade,
sigilo nas
comunicações.

Uma outra classificação dos direitos e garantias individuais é possível, segundo Carl
Schmitt (Teoría de la Constituición. Madrid: Alianza Editorial, 2011, p. 231):

Direitos de liberdade Direitos de liberdade Direitos do Direitos do


do indivíduo isolado do indivíduo com indivíduo no indivíduo a
relação a outros Estado, como prestações do
cidadão Estado
Liberdade de Livre manifestação das Igualdade diante Direito ao trabalho
consciência opiniões da lei direito à assistência e
liberdade pessoal liberdade de discurso direito de petição socorro
propriedade privada liberdade de imprensa sufrágio igual direito à educação,
inviolabilidade do liberdade de cultos acesso igualitário formação e instrução
domicílio liberdade de reunião aos cargos
segredo da liberdade de públicos
correspondência associação

Garantias liberal-individualistas da esfera da Direitos político- Direitos e pretensões


liberdade individual, da livre competência e a democráticos do sociais
livre discussão cidadão individual

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3. Teoria das normas jurídicas e teoria do ordenamento jurídico.

As normas jurídicas são identificáveis porque fazem parte do Direito escrito no


sistema jurídico brasileiro. Não há norma jurídica que não esteja na forma escrita e que não
faça parte de um diploma legal. Quando os juristas interpretam uma norma jurídica qualquer,
não o fazem no mesmo sentido que um leigo interpreta quando lê esta mesma norma. Os
juristas estão habituados a lerem a norma dentro de uma estrutura interpretativa, a qual é
basicamente formada por duas grandes teorias, a teoria da norma jurídica e a teoria do
ordenamento jurídico.

A forma visível da norma jurídica, ou seja, o seu texto, é apenas o ponto de partida
para a sua correta interpretação. É preciso entender que a norma jurídica não existe e não é
interpretada de maneira isolada, mas dentro de um sistema jurídico articulado e
sistematizado. Para articular a interpretação da norma, a “teoria da norma jurídica” fornece a
estrutura básica dos componentes essenciais da norma jurídica. Para compreender como a
norma jurídica faz parte de um sistema jurídico, é preciso da chamada “teoria do
ordenamento jurídico”. Passaremos a descrever os pontos essenciais da teoria da norma e
da teoria do ordenamento.

3.1 Teoria da norma jurídica

O número de normas jurídicas que afetam as nossas ações cotidianas é tão grande
que enumerá-las por completo seria uma tarefa análoga a contar os grãos de areia em uma
praia. Um dos maiores juristas italianos da 2ª metade do século XX, chamado Norberto
Bobbio, descrevia como exemplo para ilustrar esta característica o simples ato de enviar
uma carta: a compra dos selos postais é um negócio jurídico, mais precisamente um
contrato de compra e venda, regulado detalhadamente pelo Código Civil. A quantidade de
selos e as tarifas postais estão reguladas igualmente por normas detalhadas, que fazem a
tarifa depender das dimensões da carta, do seu peso, da rapidez da sua entrega no destino,
da maior ou menor garantia da sua entrega, do seguro ou não do seu conteúdo, etc. Há, no
mesmo sentido, outras normas que afetam o conteúdo da carta, pois haverão conteúdos
permitidos e conteúdos proibidos. Uma vez que a carta inicia o trajeto ao seu destino, há
uma obrigação do serviço postal de entregá-la. E por fim, uma simples carta compromete
também o diploma legal mais importante, como a nossa Constituição, uma vez que o seu
art. 5º, inc. XII, garante o sigilo das correspondências, ou seja, o serviço postal ou um
terceiro não pode arbitrariamente violar o segredo da correspondência.

Uma vez que tenhamos ciente como o fenômeno normativo permeia a nossa vida
cotidiana, podemos passar agora a analisar as características básicas das normas jurídicas.

3.1.1 Normas jurídicas gerais e particulares

Uma primeira e importante distinção é entre normas jurídicas gerais e normas


jurídicas particulares. Basicamente todas as normas do códigos e leis são normas gerais,
pois elas são dirigidas ou a todos os cidadãos ou a uma classe deles. A lei dos servidores
públicos, por exemplo, atinge esta classe como um todo e não apenas um membro desta
classe. Esta é uma técnica básica que o Estado utiliza para legislar de maneira eficiente e
geral. Já as normas particulares são a exceção, e de modo geral são as sentenças judiciais
que fazem o elo entre a norma geral e a solução de um litígio local. O juiz, ao prolatar a sua
sentença, aplica a lei geral ao caso concreto, produzindo então uma norma particular.
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Existem casos de leis particulares, promulgadas e que atingem somente indivíduos
determinados, mas são casos bastante raros.

3.1.2 Normas afirmativas e normas negativas


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As normas jurídicas, quanto ao seu conteúdo, podem obrigar a determinadas


condutas e, em outros casos, podem obrigar o sujeito a abster-se de outras condutas. No
primeiro caso teremos normas afirmativas, e no segundo caso, normas negativas.

São exemplos de normas afirmativas as normas de um testamento. Se uma pessoa


quer transferir o seu patrimônio através de um testamento, há uma série de requisitos
obrigatórios e formalidades a serem seguidas para que este ato jurídico seja plenamente
válido e produza todos os seus efeitos, e que implicam em uma série de atos afirmativos por
parte do testador. Quanto às normas negativas, basta que pensemos na maioria das normas
penais. Como elas são proibitivas, elas implicam para os seus destinatários a abstenção das
condutas e comportamentos prescritos nas normas penais, pois, uma vez que incorram
nestes comportamentos e condutas, os destinatários podem ser sancionados.

3.1.3 Os âmbitos de validez da norma jurídica: validez temporal, validez espacial,


validez pessoal e validez material

Toda norma jurídica é presumida que seja válida, ou seja, ela, ao possuir validez, sua
existência e eficácia também são presumidas. A validade das normas jurídicas podem ser
contestada, mas este é um processo complexo e estaria fora do propósito da presente
exposição. É importante notar que há basicamente quatro dimensões ou quatro âmbitos da
validez de uma norma jurídica.

Uma norma pode delimitar sua validez temporalmente: é proibido estacionar das 8hs
às 17hs; também pode delimitar espacialmente: é proibido estacionar no lado direito do
quarteirão; ou delimitar pessoalmente: é proibido estacionar, exceto idosos e portadores de
deficiência; e por fim, pode delimitar materialmente: proibido estacionar carros e motos.

Uma norma pode combinar uns ou todos estes âmbitos de validez. Se a norma não
define explicitamente seu âmbito de validez temporal, espacial, pessoal e material, podem
haver critérios definidores implícitos, não sendo necessário que sempre uma norma jurídica
tenha que explicitamente os definir. Por exemplo, uma lei estadual possui uma validez
dentro do território de um estado da federação e não em outro estado. Caso não seja
possível identificar os âmbitos de validez de uma norma, dúvidas interpretativas podem
surgir e serão dirimidas no processo de aplicação da norma ao caso concreto.

Como o nosso objetivo é estudar a ponderação no caso de conflitos entre princípios,


é importante reter que um pressuposto para o conflito de normas é que pelo menos um ou
mais dos âmbitos de validez das normas conflitantes estejam colidindo. Por exemplo, não há
conflito entre uma norma que proíbe estacionar das 8hs às 17hs e outra que permite
estacionar das 18hs às 7hs.

3.1.4 Estrutura geral e abstrata da norma jurídica

A norma jurídica possui uma estrutura geral e abstrata, a qual permite descrever
basicamente como as normas jurídicas são sistematizadas dentre dos códigos e dos
diplomas legais. Esta estrutura é formada por duas partes: primeira, os fatos operativos, e
segunda, as consequências normativas. Uma vez que os fatos operativos sejam satisfeitos,
seguem-se as consequências normativas, portanto, entre a primeira e a segunda parte há
uma estrutura condicional. Este conceito pode ser melhor descrito pelo esquema abaixo.

Se FO (fatos operativos) então CN (consequências normativas)

Para ilustrar como este esquema geral e abstrato funciona, basta que pensemos em
um exemplo simples como a obtenção do passaporte comum. A polícia federal exigirá vários
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documentos, que são a prova dos fatos operativos, como: documento de identidade e CPF,
título de eleitor e comprovante de votação nas últimas eleições, comprovante de
regularidade do serviço militar obrigatório (se homens) , pagamento da taxa de expedição e
preenchimento do formulário. Satisfeitos estes requisitos, segue-se que o cidadão receberá
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o documento específico, o seu passaporte, e com ele poderá gozar de todas as suas
consequências normativas, que incluem a possibilidade de viajar para os países com os
quais o Brasil tenha relações diplomáticas, etc.

Este esquema vale basicamente para todas as normas jurídicas, inclusive para as
normas penais. Nesse caso os fatos operativos serão os componentes da definição de
algum crime, e as consequências normativas serão o conjunto de sanções impostas pelo
cometimento do crime.

Outra observação importante é que este esquema geral não é um espelho de cada
norma jurídica específica: é apenas interpretando várias normas, dentro de um quadro
normativo, é que conseguimos edificar conceitualmente a estrutura geral e abstrata das
normas jurídicas dentro de um único quadro composto pelos fatos operativos FO (dados por
várias normas) e ligado às CN consequências normativas (também dadas por várias
normas).

3.2 Teoria do ordenamento jurídico

Entendida a estrutura geral e abstrata da norma jurídica, podemos passar agora à


análise do ordenamento jurídico. Um ponto de partida essencial é que as normas jurídicas
estão inseridas dentro de um sistema escalonado ou hierárquico de normas, o que leva à
definição do ordenamento jurídico como um conjunto hierárquico de normas. Esta estrutura
escalonada é uma estrutura das mais importantes do ordenamento jurídico, que permite que
as normas sejam interpretadas segundo uma concepção de sistema, e não como um
conjunto caótico de normas.

O esquema abaixo ilustra a hierarquia de normas no sistema jurídico brasileiro, em


ordem descrescente (da maior hierarquia para a menor hierarquia):

MAIOR HIERARQUIA Constituição Federal


Emendas constitucionais
Tratados internacionais sobre Direitos
Humanos
Leis complementares
Leis ordinárias
Leis comuns
Leis delegadas
Medidas provisórias
Decretos legislativos
Circulares, portarias, ordens de serviço,
MENOR HIERARQUIA Decretos regulamentares, instruções
ministeriais

O escalonamento do sistema jurídico é regido por um princípio que existe desde o


direito romano, chamada princípio hierárquico, e que enuncia que a lei superior prevalece
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sobre a lei inferior. Este princípio é usado como critério interpretativo para solucionar os
conflitos entre normas de diferentes hierarquias.
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4. Teoria dos princípios e colisões de princípios.

4.1 Diferenças entre regras e princípios

Até este momento examinamos a estrutura conceitual da norma jurídica e a estrutura


do ordenamento jurídico como um todo. Tendo por suposto a teria da norma e a teoria do
ordenamento, podemos examinar agora os princípios como uma espécie particular de norma
jurídica, e o seu papel também peculiar dentro do sistema jurídico.

Os juristas costumam diferenciar os princípios como normas peculiares dentro do


sistema, com características diferenciadas das demais normas, que seriam as regras
jurídicas.

Uma primeira distinção entre princípios e regras é que os primeiros são dotados de
um grau alto de generalidade, enquanto as regras são específicas. Por exemplo, o princípio
da liberdade religiosa é bastante amplo, enquanto que a norma que permite que um preso
tem o direito de converter outros presos é uma regra, pois aplica-se em uma situação
específica. Portanto, uma primeira distinção é a que os princípios são gerais e as regras são
específicas.

Outra distinção importante utilizada pelos juristas no raciocínio com normas é que os
princípios são aplicados de uma maneira diferente das regras. As regras, por serem
específicas, são aplicadas em um regime de “tudo ou nada”, ou seja, aplicam-se ou não
aplicam-se. Já para os princípios, este regime de aplicação não seria possível, pois dada a
generalidade do princípio, ele aplica-se segundo uma dimensão de peso, de força, que pode
ser modulada pelo intérprete no caso concreto.

Voltemos ao exemplo anterior, o da liberdade religiosa. Imagine um sistema jurídico


no qual sua constituição prevê, como princípio, a liberdade religiosa, mas suas normas
infraconstitucionais nada descrevem sobre a possibilidade de um preso converter outros
presos. Acrescente ao exemplo o fato de um preso religioso querer converter seus colegas
detentos e invocar o princípio da liberdade religiosa da constituição do seu sistema jurídico.
Caberia ao decisor desta petição dimensionar o peso do princípio aplicado a este caso
concreto. Inúmeras possibilidades caberiam, como aplicar o princípio integralmente e
permitir a pregação pelo preso, ou mesmo proibir a pregação dentro da prisão, afirmando
que o princípio permite a pregação socialmente e não em um estabelecimento prisional.
Geralmente a dimensão do peso do princípio não pode ser prevista e totalmente
determinada de antemão; apenas no momento do caso concreto é que o decisor configura a
dimensão da sua aplicação.

Robert Alexy, um dos teóricos do Direito mais importantes com relação à teoria dos
princípios, também conceitua os princípios como mandados de otimização: são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e reais existentes.

Voltando novamente ao exemplo anterior. O princípio da liberdade religiosa,


entendido como mandado de otimização, seria uma norma dirigida às outras normas do
sistema e ao conjunto do sistema jurídico, como um princípio que visa garantir ao máximo
que as demais normas do sistema cumpram o requisito da liberdade religiosa, ou seja,
quando, na aplicação das outras normas e regras do sistema, for possível concretizar a
liberdade religiosa, esta deve ser satisfeita. O limite para a sua aplicação é dado justamente
pelos demais princípios e regras opostas.
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4.2 Colisões entre regras e princípios

Feita a distinção entre regras e princípios, podemos agora examinar como se


configuram as colisões entre regras e princípios.

4.2.1 Conflitos entre regras

É fato comum, em muitos sistemas jurídicos, que as regras colidam entre si. Basta
pensar que os sistemas jurídicos são compostos por dezenas de milhares de normas, ou
mesmo de centenas de milhares, e seria estranho que estas regras não entrassem em
conflito. Os juristas tradicionalmente trabalham com critérios interpretativos que visam
solucionar os conflitos entre regras, e os principais são basicamente três: o critério
hierárquico, o critério temporal e o critério da especialidade.

O critério hierárquico afirma basicamente que a lei superior derroga a lei inferior em
caso de conflito. Por essa razão é que o sistemas jurídicos possuem o chamada controle de
constitucionalidade, o qual visa garantir, de modo geral, que as leis infraconstitucionais
sejam promulgadas e aplicadas em conformidade com a lei superior do ordenamento
jurídico, ou seja , a Constituição Federal. O critério hierárquico é o primeiro critério a ser
aplicado no caso de conflito entre regras jurídicas.

O critério temporal afirma que a lei posterior derroga a lei anterior. Em caso de
conflito entre duas regras, prevalece a regra que tenha sido proferida posteriormente. No
mesmo sentido opera o critério da especialidade, ou seja, entre uma lei geral e uma lei
específica, deve prevalecer a lei específica.

Também podem haver conflitos entre os próprios critérios hierárquico, da


especialidade e temporal. Quando uma regra anterior-superior é contrária a uma regra
posterior-inferior, de modo geral prevalece a primeira, pois, do contrário, o critério temporal
derrogaria normas superiores.

No caso do conflito entre uma regra anterior-especial que contraria outra regra
posterior-geral, em geral deve ser adotada a interpretação de que a regra anterior
permaneça no sistema jurídico como um caso especial da lei posterior-geral, pois
geralmente os juristas costumam, ao interpretar as regras do sistema, adotar uma
interpretação conciliatória das regras em conflito, tentando harmonizar as regras e
preservando o máximo de regras possíveis no sistema.

E por último, no caso do conflito entre uma norma superior-geral que colide com uma
norma inferior-especial, como afirma Norberto Bobbio, não é possível afirmar qual regra
deve prevalecer. O critério hierárquico é um critério do sistema jurídico, do valor da sua
autoridade, porém, o critério da especialidade é um critério do valor da equidade, da
adaptação da generalidade da lei aos casos concretos, de modo que os conflitos são
dirimidos ora em favor da hierarquia do sistema, prevalecendo a norma superior-geral, ora
em favor da adaptação do sistema a situações novas e específicas, prevalecendo a norma
inferior-geral.

4.2.2 Necessário adendo: direitos fundamentais e democracia

Os direitos e garantias fundamentais, quando entendidos apenas como normas


futuras e programáticas, que seriam promessas a serem cumpridas pelo sistema jurídico
sem uma exigência de prazo, perdem muito da sua força e expressão. Uma das
características do constitucionalismo contemporâneo consiste justamente em efetivar na
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ordem jurídica concreta os direitos e garantias fundamentais não apenas como valores e
promessas, mas como normas com força jurídica e eficazes.
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Quando justamente os tribunais constitucionais passam a efetivar os direitos e


garantias fundamentais da Constituição, problemas de compreensão do seu papel social
complexo pode afetar a ação dos variados grupos sociais que compõem uma democracia.

Uma visão ingênua da relação entre direitos fundamentais e democracia é que


ambos não colidem, pois sendo duas coisas boas, como poderiam colidir? A concepção
ingênua preceitua que podemos ter ilimitadamente garantias fundamentais e democracia.

Infelizmente o mundo real demonstra que os direitos fundamentais estão em tensão


com a democracia, e é racional que estejam nesta posição. Kelsen, o maior jurista do século
XX, expressou uma observação de notável valor e importância: os direitos fundamentais são
uma proteção para a maioria dos cidadãos, mas os são principalmente para as minorias.
São os direitos fundamentais que protegem uma minoria contra uma maioria em uma
democracia. Uma das definições da democracia é que ela é o governo da maioria, mas aí
reside o perigo da maioria oprimir a minoria. Isto não é possível quando os direitos
fundamentais fazem parte desta democracia e há um contrapeso às decisões do parlamento
pelas decisões das cortes constitucionais.

Aqui entra em cena a peculiariadade do constitucionalismo contemporâneo, no qual


a jurisdição constitucional é exercida por uma corte, um tribunal constitucional, que pode, a
qualquer momento, proferir decisões contramajoritárias quando decide questões de
garantias e direitos fundamentais. As cortes constitucionais podem subtrair parte do poder
dos parlamentos ao interpretarem e julgarem questões de garantias fundamentais,
justamente para reequilibrar o peso político das minorias, que frequentemente também são
minoritárias na representação parlamentar.

Resulta desse processo que o conceito mais avançado de democracia implica em um


poder parlamentar que é limitado pela jurisdição constitucional, a qual pode, e quando julgar
necessário deve ser, contramajoritária. Robert Alexy defende que, ao lado da representação
política do parlamento, o cidadão deve ser representado argumentativamente nos tribunais
constitucionais. É desta maneira que direitos fundamentais e democracia são reconciliados.

4.2.3 Conflitos entre princípios

A grande maioria das constituições atuais contém um catálogo escrito de direitos


fundamentais, como é o caso da Constituição Brasileira. Uma tarefa importante, do ponto de
vista jurídico, é construir uma teoria para uma adequada interpretação destes catálogos de
direitos fundamentais. As regras tradicionais de interpretação jurídica são geralmente
utilizadas, mas elas encontram um limite claro quando os direitos fundamentais colidem
entre si. Nesse caso é preciso estar de posse de uma teoria específica para lidar com os
conflitos na dimensão dos princípios.

Os conflitos entre princípios são resolvidos por ponderação. O método da


ponderação (ou proporcionalidade em sentido amplo) é constituído basicamente por três
princípios:

1. Princípio da idoneidade do meio empregado para a obtenção do resultado com ele


aspirado.

2. A necessidade desse meio: um meio não é necessário se existe um meio alternativo e


atenuado, menos interveniente.
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3. Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: quanto mais intensiva é uma
intervenção em um direito fundamental, tanto mais fortes devem pesar os fundamentos que
a justificam.
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Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve-se realizar em três graus. No


primeiro grau deve ser determinada a necessidade da intervenção. No segundo grau trata-
se dos fundamentos que justificam a intervenção. Somente no terceiro grau realiza-se a
ponderação no sentido estrito e verdadeiro.

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5. A proporcionalidade como metaregra acerca dos princípios

Vamos neste tópico aprofundar a fórmula da ponderação, sendo este o principal


método de interpretação constitucional utilizado pelos juristas para lidar argumentativamente
e racionalmente com as colisões de princípios.

No direito constitucional, de modo geral, a ponderação é entendida como parte de


um princípio mais geral chamado de princípio da proporcionalidade em sentido amplo. Como
vimos no final do tópico anterior, temos basicamente três princípios parciais: princípio da
idoneidade, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
Eles precisam ser entendidos não como uma fórmula mecânica, mas como mandados de
otimização, ou seja, são mandados que procuram determinar que algo seja realizado em
medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas.

Nos princípios da idoneidade e da necessidade, trata-se da otimização relativamente


às possibilidades fáticas. O princípio da idoneidade exclui o emprego de meios que
prejudiquem a realização de, pelo menos, um princípio, sem pelo menos, fomentar um dos
princípios ou objetivos, cuja realização eles devem servir.

O mesmo vale para o princípio da necessidade. Esse princípio pede que, de dois
meios que geralmente fomentam igualmente um princípio P1, deve-se escolher aquele que
menos intensamente intervém em outro princípio P2. Se existe um meio menos
intensivamente interveniente e igualmente idôneo, então uma posição de conflitos entre
princípios pode ser melhorada, sem que surjam custos para a outra.

A ponderação pode ser decomposta em três passos. Em um primeiro passo deve ser
comprovado o grau de não cumprimento ou prejuízo de um princípio. A isso deve seguir, em
um segundo passo, a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido
contrário. Em um terceiro passo deve, finalmente, ser comprovado, se a importância do
cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o prejuízo ou não cumprimento do
outro.

Segundo Robert Alexy, no conflito entre princípios deve-se buscar a situação ótima
de Pareto, ou seja, deve-se buscar a melhor solução possível e que cause o menor prejuízo
possível a um dos princípios em colisão.

Esta regra pode ser enunciada da seguinte forma:

Quanto mais alto é o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto


maior deve ser a importância do cumprimento do outro.

Já o conceito de desproporcionalidade representa aqui uma relação entre


intervenções concorrentes reais e hipotéticas. Uma intervenção em um direito fundamental é
desproporcional quando ela não é justificada por uma outra intervenção hipotética, pelo
menos igualmente intensiva, em um outro princípio a qual, pela omissão da primeira
intervenção, iria tornar-se real. Temos, desta maneira, um enunciado geral para uma fórmula
da desproporcionalidade:

Uma intervenção em um direito fundamental é desproporcional se ela não é


justificada com isto, que a omissão desta intervenção seria uma intervenção, pelo menos, do
mesmo modo intensiva na realização de um outro princípio (ou do mesmo princípio em
outros sentidos ou com vista a outras pessoas).
ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST
Os graus de intervenção em um princípio pode sem quantificados em níveis, como
intervenções leves, médias e fortes. Alguns exemplos concretos podem ilustrar como
funciona o raciocínio judicial com a ponderação.
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5.1 Um caso concreto: o comércio e consumo de cigarros no Brasil

Pensemos no comércio de produtos derivados do fumo e do tabaco, ou


simplesmente no comércio e no consumo de cigarros. Há atualmente no Brasil uma
intervenção forte na liberdade geral de propaganda quando o tema é o consumo de
cigarros. A Lei federal nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, alterou os arts. 2º e 3º
da Lei nº 9.294/96, cf. abaixo:

“Art. 49. Os arts. 2o e 3o da Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, passam a vigorar


com a seguinte redação:

“Art. 2o É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou


qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo
fechado, privado ou público.

...........................................................................................

§ 3º Considera-se recinto coletivo o local fechado, de acesso público, destinado


a permanente utilização simultânea por várias pessoas.” (NR)

“Art. 3º É vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de


cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno,
derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos
produtos nos locais de vendas, desde que acompanhada das cláusulas de
advertência a que se referem os §§ 2o, 3o e 4o deste artigo e da respectiva tabela
de preços, que deve incluir o preço mínimo de venda no varejo de cigarros
classificados no código 2402.20.00 da Tipi, vigente à época, conforme estabelecido
pelo Poder Executivo.

........................................................................................

§ 5º Nas embalagens de produtos fumígenos vendidas diretamente ao


consumidor, as cláusulas de advertência a que se refere o § 2o deste artigo serão
sequencialmente usadas, de forma simultânea ou rotativa, nesta última hipótese
devendo variar no máximo a cada 5 (cinco) meses, inseridas, de forma legível e
ostensivamente destacada, em 100% (cem por cento) de sua face posterior e de
uma de suas laterais.

§ 6o A partir de 1o de janeiro de 2016, além das cláusulas de advertência


mencionadas no § 5o deste artigo, nas embalagens de produtos fumígenos vendidas
diretamente ao consumidor também deverá ser impresso um texto de advertência
adicional ocupando 30% (trinta por cento) da parte inferior de sua face frontal.

A partir desta regulamentação ficou proibida, em território nacional, a


publicidade comercial de produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, sendo
permitida apenas a exposição do produto nos locais de venda. A embalagem do
produto deve igualmente conter cláusulas de advertência. A mesma Lei introduziu
restrições às liberdades individuais, uma vez que proibiu o ato de fumar em recintos
coletivos fechados, privados ou públicos. Admite-se que esta seja uma intervenção
nos direitos individuais de grau leve ou médio, justificada por um outro princípio
constitucional, ORIENTAÇÕES PARA
o direito social à saúde (art. NORMALIZAÇÃO DEeAPOST
6º da Constituição Federal),
referendado pelo art. 196 da Constituição Federal:
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Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.

É preciso notar que a intervenção poderia ser de um grau de intensidade


ainda maior, proibindo, em um caso hipotético, o próprio consumo de produtos como
cigarros, cigarrilhas, charutos, etc.
O Direito, de modo geral, possui muitos exemplos de ponderações abstratas e
concretas, as quais podem estar já previstas na legislação, ou surgir nos casos
concretos que chegam para julgamento aos diversos tribunais.

ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST


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6. Teorias da Argumentação Jurídica.

6.1 Um breve histórico da Argumentação Jurídica

Neste tópico exporemos, de modo resumido, como se deu o desenrolar


histórico da argumentação jurídica e da forma de raciocinar dos juristas.

Primeiramente é preciso ressaltar que o raciocínio jurídico, desde antes do


Direito Romano, é marcado em cada fase histórica por peculiaridades que lhe são
próprias, de modo que a forma de raciocinar dos juristas modificou-se ao longo do
tempo. Na Grécia clássica, aproximadamente um século antes de Sócrates, originou-
se uma forma peculiar de argumentação, na qual as razões principais que
dominavam os debates eram pautadas não tanto em razões míticas ou religiosas,
mas em leis que foram resultado da atividade humana e de legisladores como Sólon,
Clístenes e posteriormente Péricles. Este fato histórico foi determinante para o
desenvolvimento da argumentação jurídica no mundo ocidental: os gregos da época
clássica compreenderam que a cidade, enquanto comunidade política, poderia
elaborar suas próprias leis de maneira racional, sem recorrer a uma forma de
raciocinar mítica ou irracional. Basta dizer que a democracia grega, a primeira e
única democracia do mundo antigo, resultou desta nova maneira de entender a lei.

A outra grande contribuição histórica, determinante para a forma de


argumentar dos juristas, foi o Direito Romano. O principal legado de Justiniano foi ter
compilado e organizado a legislação de quase um milênio do Império Romano no
famoso Digesto. Porém, o Digesto por si só não basta para compreender como
formou-se a forma moderna de argumentação jurídica. Os Glosadores, escola de
Bolonha formada por pensadores e teólogos de formação jurídica, por volta do
século 12, leram o Digesto a partir da formação escolástica e aristotélica, além dos
princípios do Direito Canônico, anotando à margem do texto original romano
explicações e elucidações para as partes que não eram muito bem compreendidas.
Estes comentários foram determinantes para a formação do moderno Direito
Privado. Deste modo, a racionalidade grega conjuntamente com a formação jurídica
dos escolásticos e de sua leitura sobre o Digesto romano, formaram a base do
Direito pré-moderno.

Foi o Código Civil de Napoleão que cunhou a forma moderna de argumentar


no Direito. A fonte predominante da norma jurídica deixava de ser Deus; seria a Lei,
enquanto expressão do Estado Moderno, o principal recurso para advogar razões e
fundamentar um direito. Não só juízes como advogados deveriam recorrer ao Código
como fonte principal para a solução das controvérsias. O positivismo jurídico foi a
ideologia do pensamento jurídico correlata ao Código. Esta forma de argumentar,
recorrendo ao Código, predominou durante o século 19 e em parte do século 20, de
modo que primeiramente surgiram os códigos civis e posteriormente os códigos
comerciais. Progressivamente outros ramos do Direito foram codificados.

A codificação influenciou de maneira determinante a forma de raciocinar dos


juristas até meados do século 20 e continua até hoje a exercer um papel
característico. ORIENTAÇÕES
Os códigos talvez ainda sejam
PARA a fonte predominante de soluçõesDE
NORMALIZAÇÃO paraAPOST
a maioria das controvérsias. A argumentação jurídica contemporânea surgiu como
crítica ao raciocínio jurídico baseado estritamente na lei positiva e codificada. Para
entender o processo contemporâneo devemos observar o advento das
Constituições. Ao contrário dos Estados Unidos, cuja constituição surgiu
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incorporando a maioria dos dispositivos da Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão da Revolução Francesa, a maioria dos países ocidentais sofreu a influência
da técnica constitucional adotada na Constituição da Alemanha ocidental do pós-
guerra, na qual foi estabelecido um núcleo duro que garante os direitos e garantias
fundamentais, as quais não podem ser abolidas nem atingidas por emendas ou
reformas constitucionais posteriores.

Esta característica das constituições contemporâneas, e que marcou a


Constituição brasileira de 1988, modificou radicalmente o raciocínio jurídico.
Atualmente os princípios constitucionais não são entendidos apenas como normas
residuais para o preenchimento de lacunas, mas são o ponto de partida das
premissas do raciocínio jurídico. Os princípios são tão significativos que, ao serem
invocados, podem inclusive impedir a aplicação de um dispositivo de lei que os
contrarie. É controverso sobre o quanto os princípios devem gerar efeitos jurídicos,
porém, quase ninguém atualmente despreza o seu papel.

A peculiaridade dos princípios, enquanto componentes principais da


argumentação jurídica atual, é que sua formulação é extremamente genérica.
Igualdade e liberdade são garantias constitucionais, porém surgem dúvidas, nas
circunstâncias concretas dos casos jurídicos, de qual a sua extensão e o quanto
podem ser restringidas ou não. A argumentação segundo princípios provocou os
teóricos do Direito a formularem novas metodologias para o raciocínio jurídico. A
"Teoria pura do Direito" e a "Teoria geral das normas", de Hans Kelsen, e a "Teoria
Geral do Direito", de Norberto Bobbio, foram teorias que explicaram adequadamente
o Direito das sociedades ocidentais até o advento da Segunda Guerra Mundial.

Para o Direito dos Estados contemporâneos, garantidores sobretudo dos


direitos e garantias fundamentais, foram formuladas teorias que incorporaram uma
metodologia teórica específica para os princípios. Podemos citar as teorias de
Ronald Dworkin (surgida nos Estados Unidos a partir da década de 70) e a teoria de
Robert Alexy (surgida em 1978 na Alemanha ocidental). Para este segundo autor,
os direitos humanos não são apenas componentes do Direito, mas são resultados de
pressupostos que possibilitam a argumentação jurídica. Em outras palavras, para
Alexy, sem direitos humanos não há possibilidade de argumentação jurídica. É
importante mencionar que estas não são as únicas teorias existentes. Há outros
teóricos com teorias próprias de igual importância como Neil MacCormick e Manuel
Atienza, cujas principais obras foram traduzidas recentemente para o português. As
teorias mais recentes elaboraram uma categoria específica para o raciocínio
segundo princípios, denominada Derrotabilidade. Em poucas palavras,
Derrotabilidade é a propriedade que os princípios possuem de, ao serem aplicados,
derrotarem a aplicação de uma outra norma ou princípio. A norma não aplicada foi
então "derrotada" pela norma aplicada. Giovanni Sartor na Itália e Jaap Hage na
Holanda são juristas cuja contribuições teóricas são originais e precursoras para o
entendimento da Derrotabilidade.

Este breve panorama histórico procurou traçar rapidamente como o processo


de argumentação jurídica modificou-se ao longo do tempo, passando por suas
características essenciais e que moldaram a forma contemporânea de raciocínio e
argumentação jurídica. Não devemos esquecer que a garantia da ampla
argumentaçãoORIENTAÇÕES
jurídica, principalmente aPARA NORMALIZAÇÃO
partir dos princípios constitucionais, DE
é umAPOST
componente essencial de qualquer democracia.
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6.2 Direito e Argumentação

Segundo Manuel Atienza, professor e filósofo do Direito da Univ. de Alicante,


Espanha, há três campos em que se efetuam argumentações:

1- na produção ou estabelecimento de normas jurídicas (fase pré-legislativa, onde os


argumentos são políticos e morais), fase legislativa (com questões do tipo técnico-
jurídico).
2- na aplicação das normas à resolução de casos.
3- na dogmática jurídica:

As funções da argumentação no âmbito do Direito podem ser indicadas como:


a) ministrar critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele
tem lugar;
b) ministrar critérios para a aplicação do Direito;
c)ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico.

É essencial distinguir dois contextos no campo das decisões judiciais:

CONTEXTO DE DESCOBRIMENTO CONTEXTO DE JUSTIFICAÇÃO


“explicação” não é suscetível de uma análise de “justificação” é suscetível de uma análise de tipo
tipo lógico lógico lógico
RAZÕES EXPLICATIVAS RAZÕES JUSTIFICATÓRIAS
Ex: razões psicológicas, contexto Ex: basear-se em uma determinada
social, circunstâncias ideológicas interpretação de um artigo de um Código
explicam a decisão de um determinado determinado
juiz

É importante reter que os juízes e tribunais não precisam explicar sua ações,
apenas justificá-las.

A teoria da Argumentação de Robert Alexy pretende mostrar não unicamente


como se justificam de fato as decisões jurídicas, mas também com se deveriam
justificar.
Elas opõem-se ao:

determinismo metodológico: as decisões jurídicas não precisariam ser


justificadas porque procederiam de uma autoridade legítima e/ou são o resultado de
simples aplicações de normas gerais.

decisionismo metodológico: as decisões jurídicas não podem ser


justificadas porque são puros atos de vontade.

Distinção entre justificação interna e justificação externa segundo Wróblewski:

justificação interna = aplicação da lógica dedutiva


justificação externa = refere-se à fundamentação das premissas

A teoriaORIENTAÇÕES PARA
da argumentação preocupa-se NORMALIZAÇÃO
principalmente com a justificaçãoDE APOST
externa.
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7. A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy

Neste tópico aprofundaremos a teoria da argumentação jurídica de Robert


Alexy, a qual é essencial no contexto do raciocínio com princípios e principalmente
quando os princípios são ponderados em situações de colisões.

No que segue, enumeramos as principais regras da teoria da argumentação


de R. Alexy, as quais dizem respeito tanto à argumentação racional em geral quanto
à argumentação jurídica. É importante notar que, para R. Alexy, a argumentação
jurídica é um caso especial da argumentação prática geral.

As regras são enunciadas de modo sintético e divididas em grupos de regras


conforme a sua função comum.

Regras fundamentais:
Nenhum falante pode contradizer-se.
Todo falante somente pode afirmar aquilo que ele mesmo crê.
Toda falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar
F também a qualquer outro objeto igual a A em todos os aspectos relevantes.
Distintos falantes não podem usar a mesma expressão com distintos significados.

Regras de razão
Todo falante deve, quando lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que
possa dar razões que justifiquem a recusa de uma fundamentação.
Quem pode falar pode tomar parte no discurso.
Todos podem problematizar qualquer asserção.
Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso.
Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades.
Nenhum falante pode ser impedido de exercer seus direitos fixados nas duas
primeiras Regras de Razão, mediante coerção interna ou externa ao discurso.

Regras sobre a carga de argumentação

Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira distinta de uma pessoa B, está
obrigado a fundamentar a distinção.
Quem ataca uma proposição ou norma que não é objeto da discussão deve dar uma
razão para tal.
Quem aduziu um argumento somente está obrigado a dar mais argumentos em caso
de contra-argumentos.
Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões,
desejos ou necessidades que não se refira como argumento a uma anterior
manifestação tem, se lhe pedem, que fundamentar porque introduziu esta afirmação
ou manifestação.

Regras de fundamentação

Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação
dos interessesORIENTAÇÕES
de outras pessoas, deve PARA NORMALIZAÇÃO
poder aceitar as consequências de ditaDE APOST
regra também no caso hipotético de que ele se encontrasse na situação daquelas
pessoas.
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As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um


devem poder ser aceitadas por todos.
Toda regra deve poder ser ensinada de forma aberta e geral.

As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem


poder passar a prova de sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não passa
semelhante prova: a) se ainda que originariamente se possa justificar racionalmente,
no entanto perdeu depois sua justificação; b) se originariamente não se pode
justificar racionalmente e não se podem aduzir tampouco novas razões que sejam
suficientes.
As regras morais que servem de base às concepções morais do falante deve poder
passar a prova de sua formação histórico-individual. Uma regra moral não passa em
semelhante prova se se estabeleceu somente sobre a base de condições de
socialização não justificáveis.
Há que se respeitar os limites da realização dos dados de fato.

Regras de transição

Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso


teórico ou empírico.
Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso
de análise da linguagem.
Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar para um discurso
de teoria do discurso.

Regras e formas de justificação interna

Sempre que exista dúvida sobre se a é um T ou um M, há que aduzir-se a uma regra


que decida a questão.
São necessários os passos de desenvolvimento que permitam formular expressões
cuja aplicação no caso em questão não sejam já discutíveis.
Tem-se que articular o maior número possível de passos de desenvolvimento.

Regras e formas da interpretação

Deve resultar saturada toda forma de argumento que esteja entre os cânones da
interpretação.
Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do
legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que possam
aduzir-se outros motivos racionais que concedam prioridade a outros argumentos.
A determinação do peso de argumentos de distintas formas deve ter lugar segundo
regras de ponderação.
Há que se tomar em consideração todos os argumentos que sejam possíveis propor
e que possam incluir-se por sua forma entre os cânones da interpretação.

Regras da argumentação dogmática

Todo enunciado dogmático, se posto em dúvida, deve ser fundamentado mediante o


emprego, ao menos, de um argumento prático de tipo geral.
Todo enunciadoORIENTAÇÕES PARA
dogmático deve poder passar umaNORMALIZAÇÃO DE APOST
comprovação sistemática, tanto
em sentido estrito como em sentido amplo.
Se são possíveis argumentos dogmáticos, devem ser usados.
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Regras sobre o uso de precedentes

Quando se pode citar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-
lo.
Quem quiser apartar-se de um precedente assume a carga da argumentação.

ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST


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8. Alguns princípios dogmáticos do Direito Ambiental

Alguns princípios dos documentos internacionais de proteção do meio


ambiente foram incorporados à chamada “Dogmática do Direito Ambiental”. Eles
assumem esta denominação na medida em que passam a fazer parte do corpo de
conhecimentos jurídicos do Direito Ambiental, o qual possui uma dependência mas
ao mesmo tempo uma autonomia frente aos outros ramos do Direito. Na
interpretação da legislação ambiental, eles geralmente são invocados e utilizados
como parte da fundamentação das decisões judiciais, gozando de autoridade e
encerrando em si um núcleo de significação fundamental no plano teórico e
constitucional.
Mencionamos a seguir os principais princípios.

8.1 Princípio do desenvolvimento sustentável

Este princípio originou-se no início da década de 70 do século XX, quando


uma equipe de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachustts (MIT) elaborou
o relatório denominado “The limits to growth”. Esse documento, também conhecido
como Relatório Meadows, nome da chefa da comissão que o elaborou, Donella
Meadows, teve grande repercussão internacional, ao demonstrarem os limites
ambientais do crescimento econômico. O princípio do desenvolvimento sustentável
procura conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental.
Ele tem como base o princípio 13 da Declaração de Estocolmo:

Princípio 13
Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar
assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e
coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique
assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger
e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população.

8.2 Princípio da prevenção

O Direito Ambiental brasileiro distingue a precaução da prevenção. A


precaução tende à não-autorização de determinado empreendimento, se não houver
certeza de que ele não causará no futuro um dano irreparável. A prevenção versa
sobre a busca da compatibilização entre a atividade a ser licenciada e a proteção
ambiental, mediante a imposição de limites e condicionantes ao projeto.

Em suma, o princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já


conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de
nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros
mais prováveis. É com base no princípio da prevenção que o licenciamento
ambiental e, até mesmo, os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e
são solicitados pelas autoridades públicas. Pois, tanto o licenciamento, quanto os
estudos prévios de impacto ambiental, são realizados com base em conhecimentos
acumulados sobre o meio ambiente.
ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST
O Princípio da Prevenção está materializado na Constituição Federal
Brasileira no art. 225, inciso IV, que dispõe sobre “exigir, na forma da lei, para
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
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degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto ambiental, a que se dará


publicidade”.

8.3 Princípio da Precaução

O Princípio da Precaução relaciona a proteção do meio ambiente para as


atuais e futuras gerações.

Ele consiste na determinação que não se licencie uma atividade, toda vez que
não se tenha certeza ou se não é possível estabelecer que ela não causará danos
irreversíveis ao meio ambiente.

O princípio da precaução está materializado nos sete incisos do § 1º do


artigo 225 da Constituição Federal, ou seja, naqueles incisos que determinam que
o Poder Público e o legislador ordinário definam meios e modos para que a
avaliação dos impactos ambientais seja realizada e que sejam evitados, tanto quanto
for possível, danos ao meio ambiente. O princípio da precaução não pode ser
aplicado fora destas circunstâncias e sem uma base legal que o sustente. Seu
objetivo maior é a durabilidade dos padrões ambientais e da qualidade de vida para
as atuais gerações e para as gerações futuras.

8.4 Princípio da reparação integral

O princípio da reparação integral determina que, havendo degradação


ambiental ou poluição, seu autor fica obrigado a reparar o dano ocorrido, pois a
degradação ambiental não pode permanecer no ambiente.

Este princípio está materializado, por exemplo, no § 2º do art. 225 da


Constituição federal, ao determinar que “Aquele que explorar recursos minerais fica
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.”

Outro exemplo da reparação integral é o Princípio 13 da Declaração Rio/92:

Princípio 13
Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa a responsabilidade e
indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais. Os estados devem
ainda cooperar de forma expedita e determinada para o desenvolvimento de normas
de direito ambiental internacional relativas a responsabilidade e indenização por
efeitos adversos de danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição,
por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle.

8.5 Princípio da informação

A informação é essencial para a formulação de políticas ambientais e para a


tomada de decisão nas questões relacionadas ao meio ambiente, assim como é um
ORIENTAÇÕES
direito as pessoas terem conhecimento ePARA NORMALIZAÇÃO
informações DE APOST
sobre o ambiente que habitam
e que as cerca.
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O princípio da informação está materializado no princípio 10 da Declaração


Rio/92:

Princípio 10
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível
apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo
deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio de que disponham as
autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de
tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a
participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser
propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que
diz respeito a compensação e reparação de danos.

8.6 Princípio do poluidor pagador

O Princípio do Poluidor Pagador (PPP) tem como ponto de partida a


constatação de que os recursos ambientais são escassos e que o seu uso na
produção e no consumo acarreta a sua redução e degradação. Nesse sentido, o
custo econômico da utilização dos recursos ambientais deve ser suportado pelo
utilizador dos recursos ambientais ou pelo poluidor e não pela coletividade como um
todo.

Este princípio está materializado na Constituição Federal, art. 225, § 3º: “As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Outro exemplo de sua concretização é o princípio 16 da Declaração Rio/92:

Princípio 16
Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da
poluição, as autoridades nacionais devem promover a internacionalização dos
custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o
interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

ORIENTAÇÕES PARA NORMALIZAÇÃO DE APOST


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9. Análise da aplicação do juízo de ponderação e proporcionalidade a um caso


concreto de Direito Ambiental

Neste item vamos ilustrar como, em um caso jurídico concreto de Direito


Ambiental, a decisão jurídica opera no nível da justificação com os juízos de
ponderação e proporcionalidade e envolvendo os princípios específicos de Direito
Ambiental.

O caso que selecionamos é o Recurso Extraordinário 732.686 São Paulo,


onde são partes a Procuradoria do Estado de São Paulo, o Sindicato da Indústria de
material plástico do Estado de São Paulo, e a Prefeitura do Município de Marília, e
do qual foi relator o Min. Luiz Fux.

A ementa redigida no STF é a abaixo:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL.


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA. LEI MUNICIPAL.
OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE SACOS E SACOLAS PLÁSTICAS POR
SACOS E SACOLAS DE MATERIAL ECOLÓGICO. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA.

A questão discutida neste caso é se o Município de Marília, Estado de São


Paulo, através da Lei Municipal n. 7281/2011, poderia obrigar os estabelecimentos
comerciais e industriais a substituírem sacos e sacolas plásticas por sacos e sacolas
biodegradáveis, consideradas menos agressivas ao meio ambiente.

Há uma discussão preliminar neste caso sobre a competência ou não do


Município de Marília em legislar em matérias de competência privativa dos estados
ou da União, porém, não é este o ponto relevante para a questão que pretendemos
examinar, ou seja, os juízos de proporcionalidade.

Transcrevemos abaixo os trechos originais da decisão do Min. Luiz Fux, nos


quais os princípios de Direito Ambiental são invocados e submetidos a um juízo de
proporcionalidade, conforme abaixo:

“Em breve escorço, as sacolas plásticas passaram a ser adotadas pelos


supermercados no final da década de 1980, em razão do elevado custo do papel.
Bastante atrativo como embalagem em razão da força e resistência, durabilidade,
baixo peso, assepsia, excelente proteção contra água e gases, resistência à maioria
dos agentes químicos, boa processabilidade e baixo custo etc., em pouco tempo
transformou-se num dos maiores poluentes do planeta. (FABRO, Adriano Todorovic
et al. Utilização de sacolas plásticas em supermercados. Revista Ciências do
Ambiente On-Line)

Estima-se que o mundo utilize entre 500 bilhões e 1 trilhão de sacolas por
ano. No Brasil, cerca de 1,5 milhões de sacolas plásticas são distribuídas por
hora.(http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-
sustentavel/saco-e-um-saco/saiba-mais).
Não obstante, a questão deve ser tratada com a complexidade devida.
ORIENTAÇÕES
Caso ultrapassada a controvérsia quanto PARA NORMALIZAÇÃO
à inconstitucionalidade DE APOST
formal subjetiva
(arts. 2°; 23, II, VI e VII; 30, I e II; 61, § 2o; da CF/88), urge que esta Suprema Corte
manifeste-se acerca da alegação de inconstitucionalidade material, por ofensa aos
princípios da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do
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direitos de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao


controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente (170, V e VI, e 225, § 1o, V, da CF/88).

Nessa esteira, convém ponderar que a proibição de fornecer sacolas plásticas


nocivas ao meio ambiente, sobretudo quando cumulada com a obrigatoriedade de
substituição por outro tipo de material, pode se tornar excessivamente onerosa e
desproporcional ao empresário. Nesse passo, o pluralismo de forças políticas e
sociais na sociedade contemporânea impõe que se promova uma ponderação de
princípios, de modo a conciliar valores e interesses diversos e heterogêneos.

Merece destaque a importância que o constituinte atribuiu à proteção do


consumidor, elevada à condição de direito fundamental e princípio geral da Ordem
Econômica. Assim, como a defesa do meio ambiente, constitui poder-dever de todos
os entes federados, inclusive por meio de edição de leis específicas e instituição de
órgãos próprios.

No entanto, a relevância constitucional do direito tutelado não o habilita a


permear indistintamente todas as esferas públicas, em detrimento de outros
princípios e interesses públicos. A defesa do consumidor e do meio ambiente devem
ser promovidas por instrumentos que não aniquilem a livre iniciativa, também
princípio basilar da Ordem
Econômica.

O discurso da proporcionalidade ocupa um espaço cada vez maior para


justificar as decisões de juízes e tribunais, e a esta Corte não se faculta ver de forma
diferente. Assim, o princípio da proporcionalidade, tem sido constantemente
invocado, como no julgamento da ADI 1407-MC, in verbis:

“[...] O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de


diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do
substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os
abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta


obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra,
em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5o,
LIV).

Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder


legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado
constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de
abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou
discricionário do legislador.” (ADI 1407-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
1o/02/2001)

ORIENTAÇÕES
O princípio PARA
da proporcionalidade, NORMALIZAÇÃO
então, apresenta-se DEnaAPOST
de grande valia
aferição da constitucionalidade da norma impugnada, podendo ser submetida ao em
seus três subprincípios. In casu, a proporcionalidade se verifica a partir das
seguintes perguntas: a lei municipal alcança a finalidade de proteção ao meio
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ambiente? Há algum meio tão eficiente de proteção ao meio ambiente que não
represente um custo financeiro e empresarial tao elevado quanto a substituição das
sacolas plásticas convencionais por sacolas oxi-biodegradáveis? O custo à
sociedade e aos cofres públicos é maior que os benefícios decorrentes da eventual
proteção ao meio ambiente?

Inúmeros estudos ainda são controversos em relação à eficiência do processo


de degradação do plástico oxi-biodegradável. No Brasil, o próprio Ministério do Meio
Ambiente entende que os plásticos oxi-biodegradáveis não são a solução para o
problema: “o plástico aditivado apenas se fragmenta e que esta fragmentação pode
provocar impacto ambiental maior do que um saco de plástico inteiro, que é
facilmente visualizável e passível de recolhimento e correta destinação”.

A fim de garantir o combate à acumulação de resíduos de plástico nos


ecossistemas, o poder público deve levar em consideração o impacto econômico da
substituição das sacolas comuns por sacolas degradáveis, bem como a possibilidade
de haver medidas alternativas de mesma eficácia para reduzir o consumo de sacos
de plástico. É o caso da utilização de sacos reutilizáveis e, em caráter
complementar, do pagamento, pelo cliente, da embalagem, como acontece na
Europa (em Portugal, Portaria no 286-B/2014, de 31 de dezembro, dos Ministérios
das Finanças e do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia).

Destarte, a vexata quaestio transcende os limites subjetivos da causa por


apresentar questões relevantes dos pontos de vista social e econômico, porquanto
versa sobre o direito à consecução da política ambiental. É que, de acordo com o
recorrente, a questão em comento subtrai relevante expediente de concretização de
resultados, inviabilizando a utilização de um instrumento eficaz de conscientização e
proteção ambiental e, por outro lado, a obrigatoriedade no cumprimento da norma
pode violar o princípio da defesa do consumidor, caso se entenda que o Município,
no contexto, substitui-se ao empresário ao delinear a forma de prestação de serviço
a ser oferecido pela empresa. Quanto à repercussão jurídica, a questão reclama um
posicionamento definitivo desta Suprema Corte para pacificação das relações e,
consequentemente, para trazer segurança jurídica aos jurisdicionados, havendo
diversos casos em que se discute matéria análoga (ARE 927.878; RE 661.292).”
(grifos nossos)

Da leitura do trecho citado percebe-se que a decisão percebeu um conflito


entre o princípio constitucional da defesa do consumidor e os princípios
constitucionais protetores do meio ambiente. Ao mesmo tempo que a Constituição
garante a liberdade econômica e a liberdade de escolha do consumidor, também
garante a proteção do meio ambiente. No caso concreto em questão, há um conflito
entre os mencionados princípios, pois a oferta sem custo de sacolas de plástico de
natureza diversa do plástico oxi-biodegradável pelos estabelecimentos comercias
aos consumidores estaria resultando no descarte deste material plástico no meio
ambiente e por consequência a sua poluição.

Recordemos o exposto anteriormente ao final do item 4:

“Os conflitos entre princípios são resolvidos por ponderação. O método da


ponderação (ou ORIENTAÇÕES PARA
proporcionalidade em sentido NORMALIZAÇÃO
amplo) DE
é constituído basicamente porAPOST
três princípios:
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1. Princípio da idoneidade do meio empregado para a obtenção do resultado com ele


aspirado.
2. A necessidade desse meio: um meio não é necessário se existe um meio
alternativo e atenuado, menos interveniente.
3. Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: quanto mais intensiva é uma
intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem pesar os
fundamentos que a justificam.”

Note que o trecho abaixo da decisão do Min. Luiz Fux é uma aplicação direta
dos parâmetros acima citados. A questão do uso das sacolas de plástico oxi-
biodegradável é então moldada para responder a um juízo de ponderação e
proporcionalidade em sentido estrito:

“O princípio da proporcionalidade, então, apresenta-se de grande valia na


aferição da constitucionalidade da norma impugnada, podendo ser submetida ao em
seus três subprincípios. In casu, a proporcionalidade se verifica a partir das
seguintes perguntas: a lei municipal alcança a finalidade de proteção ao meio
ambiente? Há algum meio tão eficiente de proteção ao meio ambiente que não
represente um custo financeiro e empresarial tao elevado quanto a substituição das
sacolas plásticas convencionais por sacolas oxi-biodegradáveis? O custo à
sociedade e aos cofres públicos é maior que os benefícios decorrentes da eventual
proteção ao meio ambiente?”

Deve-se também observar que o juízo de ponderação e proporcionalidade em


sentido estrito não é uma fórmula mecânica, pois o mesmo deve ser entendido
sempre no contexto das teorias da argumentação jurídica, ou seja, a ponderação e a
proporcionalidade por si só não resolvem os conflitos entre princípios. É preciso
considerar nas decisões judiciais que elas não são o todo e sim a parte, e que
também devem sempre ser levados em conta as consequências jurídicas da
decisão, os precedentes baseados em decisões anteriores, os argumentos de
coerência e consistência lógica da decisão, e também os argumentos baseados nas
melhores teorias do Direito Ambiental.

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10. CONCLUSÃO
No presente módulo pudemos abordar e analisar o tema da ponderação de
princípios no contexto de possíveis colisões entre os princípios de Direito Ambiental
entre si ou com princípios de outros ramos do Direito. No início do módulo pudemos
recordar o Estado de Direito e o Constitucionalismo contemporâneo. As teorias da
norma jurídica e do ordenamento jurídico foram essenciais para entender como os
princípios são normas jurídicas distintas das demais regras, e como o conflito entre
princípios pode ser ponderado pelos princípios da proporcionalidade em sentido
amplo e em sentido restrito.
Expusemos também como a Teoria da Argumentação Jurídica de Robert
Alexy é essencial para o entendimento amplo do raciocínio jurídico. Também
recordamos os principais princípios do Direito Ambiental, para, ao fim do módulo,
visualizarmos como, em um caso real de Direito Ambiental em trâmite no STF -
Supremo Tribunal Federal, o juízo de ponderação e proporcionalidade é operado por
um ministro da Corte. Os parâmetros da ponderação e proporcionalidade podem
então ser entendidos como tópicos gerais que amoldam as circunstâncias
específicas dos diversos casos concretos.
As referências ao final são indicadas para o aprofundamento dos temas aqui
tratados.

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REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2014.

ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. São Paulo: Forense Universitária, 2015.

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo:


Forense Universitária, 2014.

ÁVIA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2016.

Legislação de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2016.

SCHMITT, Carl. Teoría de la Constituición. Madrid: Alianza Editorial, 2011.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

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