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O Processo de Avanço das Lavouras de Cana-de-Açúcar em Assentamento Rural e

seus Impactos à Saúde Humana e ao Ambiente - Um estudo de percepção de riscos

socioambientais

Janice Rodrigues Placeres Borges

PPGADR/ UFSCar. Apoio: FAPESP. Contato: janicepb@terra.com.br

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo central realizar um estudo da percepção de pequenos

produtores de cana-de-açúcar a respeito dos riscos à saúde humana e ao meio ambiente

advindos dos impactos da produção de cana-de-açúcar no Assentamento Monte Alegre,

localizado na região de Ribeirão Preto, SP, fruto do processo de expansão das lavouras

de cana para produção de etanol e açúcar, em uma região nacional de alto dinamismo do

agronegócio – processo que pode comprometer os recursos naturais, esse segmento das

populações rurais, a saúde e a segurança alimentar.

Palavras-chave: Riscos socioambientais. Impactos à saúde a ao ambiente. Produção de

cana-de-açúcar. Percepção Social.

ABSTRACT

This work has as objective main to realize a study of the farm agriculture perception’s

of risks happened of the impacts of the sugar cane production in the Monte Alegre rural

settlement, SP, fruit of the process of expansion of sugar cane for production of ethanol

and sugar, in a national region of high dynamism of the agribusiness - process that can

to compromise the natural resources, this segment of the agricultural populations, the

health, the alimentary security, inter others.

Keywords: Risks. Health and environmental impacts. Sugar cane production. Social

perception.

INTRODUÇÃO
Biodiesel, biocombustível, etanol, canaviais, crise energética, dívida de carbono,

desmatamento, danos ambientais, estão na pauta dos recentes debates, entre os vários

setores da sociedade, referentes aos riscos a sustentabilidade, permanência do agricultor

familiar no campo, segurança alimentar, mudança climática, saúde, entre outros.

O termo risco dá margem a diferentes entendimentos. Pois, o conceito é possuidor

de definições e nuances em seu em torno, as quais acabam por lhe conferir uma

perspectiva para o desenvolvimento de investigações de caráter multidisciplinar e para a

formulação de propostas de promoção da saúde humana e ambiental. Seus referenciais

teóricos provêm de diferentes campos do conhecimento, com destaque para a geografia,

as ciências ambientais e para a saúde pública, devido aos estudos sobre desastres

naturais e tecnológicos e seus impactos negativos, e mais recentemente nas ciências

sociais, na qual, busca-se analisar como a sociedade os percebe e como essa percepção é

constitutiva da própria noção de risco (Guivant, 1998).

Assim, por meio das discussões de Beck (1992) sobre os problemas da sociedade

contemporânea, decorrentes da adoção de um modelo técnico-científico de produção

aliado à forma econômica capitalista, o conceito de risco passou a ser discutido na teoria

social. O pesquisador argumenta que os riscos têm origem em processos que não levam

em conta a insuficiência do conhecimento científico para prever e controlar todos os

efeitos, positivos e negativos, de suas descobertas; a possibilidade de manipulação das

informações científicas sobre os riscos e a dimensão política de todas as informações

produzidas cientificamente. Daí a denominação de “sociedade de risco”. Giddens

(1991), define que “risco é o resultado previsto como conseqüência de nossas próprias

atividades ou decisões em lugar de sê-lo por obra divina, a sorte ou a fatalidade”,

corroborando com Beck, afirma que risco é um problema da modernidade.


Na agricultura, os riscos dependem “da escolha efetuada pelo agricultor ao cultivar

essa ou aquela cultura, ao adotar tal cadeia produtiva ou ao se engajar e um processo de

transformação técnica” (Veyret, 2007:72). Ambientalmente, essas escolhas podem ser

causadoras dos chamados impactos da agricultura: erosão e salinização dos solos,

poluição das águas e dos solos por nitratos (advindos dos fertilizantes) e por

agrotóxicos, contaminando o trabalhador no campo e os alimentos, o desflorestamento,

a diminuição da biodiversidade e dos recursos genéticos e a delapidação dos recursos

não renováveis (Eldin, 1989).

Sob o ponto de vista da saúde, Lieber e Romano-Lieber (2002), em um estudo sobre

as perspectivas específicas na relação saúde-ambiente para o conceito de risco, apontam

que nessa relação a doença é melhor entendida por procedimentos contextualistas, pois

a doença passou a ser definida como um processo de risco desencadeado pelos impactos

das poluições, pela falta de alimentos, e são considerados mais extensos nos países em

desenvolvimento (Gallais, 1994).

Veyret (2007:23) e Peres (2002) concluem que risco é uma construção social. Pois,

“a percepção que os autores têm de algo que representa um perigo para eles próprios,

para os outros e seus bens, contribui para construir o risco que não depende unicamente

de fatos ou processos objetivos”. Ressalta Peres (2002:135), que é “muito mais difícil

obter uma definição do que é risco por parte de uma população ‘leiga’ (cujos saberes

diferem, em sua origem e construção, daqueles dos avaliadores técnicos que trabalham o

conceito de risco)”. De acordo com Wiedermann (1993), para o homem comum, o risco

geralmente é percebido como sinônimo de perigo e sua percepção varia de acordo com

os danos/impactos que acham relevantes.

Diante, desse resumido quadro, os estudos de percepção de riscos socioambientais,

com origem no final dos 70 e início dos 80 como uma nova área de investigação dentro
do campo da análise de risco, baseada nas noções, sensações e interpretações dos

indivíduos, representam uma crítica à perspectiva utilitarista das análises técnicas de

risco, nas quais, os indivíduos e seu patrimônio familiar, sócio-cultural são abstraídos

das análises técnicas, e à perspectiva elitistas de democracia, na qual a preocupação

central é manter a estabilidade de um dado sistema ético, social, moral e político-

cultural (Freitas e Gomes, 1997).

Neste trabalho, parte da construção foi realizada conforme a lógica do que é

definido por Poltroniéri como risco socioambiental. Poltroniéri (1999:241) define risco

socioambiental como: “...tudo o que ocorre no meio ambiente e causa prejuízos à vida

humana, sejam prejuízos sociais, materiais, deslocamentos de população ou, até mesmo,

perdas de vidas. Os riscos socioambientais constituem um dos aspectos do complexo

processo de interação do sistema de eventos naturais com o sistema de uso humano do

meio ambiente e, desta interação, resultam recursos e restrições ou riscos para os seres

humanos”. Acrescenta-se a essa definição fatores que causam prejuízos à saúde humana

e ambiental, ao meio físico e à biodiversidade, e que venham a comprometer, de alguma

forma, a sustentabilidade das gerações futuras, como por exemplo, o desgaste do solo e

sua infertilidade.

Diante desse quadro, este trabalho tem como objetivo principal realizar um estudo

da percepção de riscos à saúde humana e ao meio ambiente advindos dos impactos da

cultura canavieira, com destaque aos impactos produzidos pela prática das queimadas,

no Assentamento Monte Alegre, SP, por meio da percepção de seus moradores.

A produção da cana-de-açúcar e seus impactos

socioambientais

Na região de Ribeirão Preto, SP, a degradação ambiental causada pelo setor

sucroalcooleiro é enorme, trazendo impactos cientificamente comprovados no solo, na


água, na flora, na fauna, à saúde humana, sendo as queimadas, a principal fonte de

poluição atmosférica e impactos à saúde.

Uma lei estadual extingue as queimadas somente em 2014, devido ao fato do

problema social que será gerado com o fim de postos de trabalho dos cortadores de

cana.

O uso do fogo na agricultura é uma prática tradicional em muitas culturas, com

destaque para as indígenas brasileiras.

No Brasil, desde o inicio da colonização, as queimadas foram utilizadas para a

preparação de áreas para o plantio da cana de açúcar sendo o fogo ateado para a

destruição de campos e florestas (Freyre: 2004). Com a febre da monocultura da cana, a

prática das queimadas passou a ser rotineira. Depois da queima inicial da vegetação

existente para a implantação dos canaviais, ocorrem as queimas destinadas a despalhar a

cana, para facilitar a colheita.

No estado de São Paulo até a década de 70 as usinas eram proprietárias de

aproximadamente 30% da área que utilizavam para o plantio da cana. Com o advento do

Proálcool (1975) e por causa do extremamente vantajoso subsídio estatal, a cultura

canavieira avançou com voracidade sobre os campos de outras culturas e em semelhante

intensidade o domínio das terras destinadas ao plantio da cana passou para as usinas,

por força de aquisição ou de arrendamento. Hoje, com o advento do biodiesel, os

canaviais continuam avançando a passos largos sobre outras culturas agrícolas.

Recentemente, um estudo do IEA (Instituto de Economia Agrícola), órgão da

Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, comprova que a dois anos de

vencer o primeiro prazo estipulado pelo protocolo agroambiental assinado entre o

Estado de São Paulo, usinas e plantadores de cana-de-açúcar, metade da região de

Ribeirão Preto, SP está longe de cumprir a meta de redução das queimadas.


A mecanização da colheita da cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto,

principal pólo produtor de São Paulo e pioneiro no setor, varia de 36, 3%, na área de

Araraquara (região do assentamento Monte Alegre), a 66,8%, no caso de Orlândia. O

estudo mostra que o Estado, de maneira geral, “está bem aquém do que se prevê para

2010”. Nenhuma das 33 regiões produtoras, hoje, estaria dentro da meta para 2010.

O estudo foi divulgado no mesmo mês em que dados da Secretaria de Estado do

Meio Ambiente mostraram que 46% da área colhida na região era de cana crua. As

metodologias dos estudos são diferentes (IEA, 2008).

O protocolo agroambiental prevê o fim das queimadas em 70% da área – em

2014, não deve mais haver queimas em áreas mecanizáveis. Em 2007, só 40,7% da cana

do Estado foi colhida com máquinas.

Além de Orlândia, que lidera a mecanização no Estado, entre os cinco primeiros

também estão os EDRs (Escritórios de Desenvolvimento Rurais) de Ribeirão Preto

(52,3%) e Franca (58,4%), mas há áreas com índices inferiores, como Araraquara

(36,3%), Barretos (38,1%) e Jaboticabal (41%). Isto se explica em parte pelo fato de que

há áreas com problemas de aquisição de tecnologia e outras por problemas geográficos,

como a declividade do terreno.

Sobre a relação mecanização/mão-de-obra, o estudo do IEA, mostra ainda que o

cultivo da cana é a atividade que mais contrata mão-de-obra, principalmente na época

da colheita, além de ser a maior geradora do valor da produção e deter a maior área

agrícola do Estado.

O uso do fogo na agricultura é altamente pernicioso `a terra, pois destrói a

cobertura florestal nativa, desprotegendo para as nascentes e mananciais e ocasionando

uma alteração irreversível no ciclo das chuvas. No solo, o fogo altera as suas

composições químicas, físicas e biológicas, prejudicando a ciclagem dos nutrientes e


causando a sua volatilização. As queimadas provocam um uso maior de agrotóxicos e

herbicida, para o controle de pragas e de plantas invasoras, sendo que esta prática,

agrava ainda mais o meio natural, afetando os microrganismos do solo e contaminando

o lençol freático e os mananciais. A contaminação da água pode atingir níveis de difícil

ou até mesmo impossível recuperação. As queimadas causam a liberação, para a

atmosfera, de grandes concentrações de monóxido de carbono e dióxido de carbono, que

afetam a saúde e reduzem as atividades fotossintéticas dos vegetais, prejudicando a

reprodução e produtividade de diversas culturas. Durante a queimada da palha da cana-

de-açúcar a temperatura a 1,5 cm de profundidade do solo chega a mais de 100º e atinge

800º centígrados a 15 cm acima da terra, afetando gravemente a atividade biológica do

solo, responsável por sua fertilidade. (Adital, 2007). Verifica-se também o aumento do

aquecimento na superfície, pela maior absorção da radiação solar, fato causado não só

pela perda da cobertura vegetal, mas também pela cor que fica na terra.

As queimadas eliminam os predadores naturais de algumas pragas, exigindo

assim a utilização cada vez maior de agrotóxicos e provocando maior contaminação

ambiental e humana. Sem queimada como prática agrícola, o aproveitamento dos

fertilizantes químicos e orgânicos (aplicados em quantidades cada vez maiores) seriam

maiores e conseqüentemente a produtividade seria também maior.

A destruição da vegetação florestal nativa do Brasil A região de Ribeirão Preto

que até a década de 1970 tinha 22% de cobertura florestal ativa, sendo que com o

estimulo do Proalcool essa área foi reduzida para menos de 3% nos dias atuais. (Adital,

2007).

Os canaviais são plantados em áreas próximas a de outras culturas ou

vegetações. Como as queimadas são efetuadas na estiagem, não raro as vegetações

limítrofes são atingidas.


No que concerne à fauna, as queimadas dos canaviais também matam os

diversos animais que vivem nos canaviais ou estão lá para se alimentarem ou

reproduzirem.

Pesquisas na área de Saúde Pública e Medicina Social, têm apontando os efeitos

da produção de cana sobre os trabalhadores que são pagos por produtividade. Muito

deles têm morrido de exaustão. Freitas (2005) observou num período de dois anos (1999

a 2001) um crescimento relevante entre os registros de acidentes do trabalho na cultura

sucroalcooleira, as mais elevadas taxas de incidência acumulada calculada para a

população trabalhadora residente no Estado de São Paulo e contribuinte do Instituto de

Previdência Oficial. A distribuição geográfica estadual paulista indicou que as áreas que

apresentaram as maiores incidências acumuladas foram aquelas próximas a municípios

onde se concentram grandes centros agroindustriais, principalmente, os de frutas cítricas

e os de cana-de-açúcar, locais onde o trabalho formal está instituído. Na mesma linha de

pesquisa, Rumin (2004) coloca que a partir da década de 90, a agroindústria

sucroalcooleira expandiu-se da região nordeste do estado de São Paulo em direção ao

oeste paulista. Além de alterar o perfil de produção agrícola do Oeste do Estado esta

expansão determinou a impressão de seus padrões de exploração da mão-de-obra aos

trabalhadores da região que foram absorvidos nesta atividade produtiva. Utilizando

documentação fotográfica sobre o processo de trabalho, demonstrou as exigências

posturais, as adaptações nos instrumentos de trabalho para atender às demandas de

produtividade e as improvisações de vestimentas para proteger o corpo e reduzir o

desgaste à saúde na colheita manual da cana-de-açúcar. Os dados coligidos indicam

uma intensificação do ritmo de trabalho, tal como acontece em outras áreas do estado de

São Paulo.
A fuligem da cana penetra pela pele do trabalhador e pela respiração circulando

na corrente sanguínea do trabalhador. Substâncias cancerígenas presentes na fuligem já

foram identificadas na urina desses trabalhadores. Mesmo a substância particulada

inalada pelos trabalhadores pode estar associada aos casos de mortes por problemas

cardíacos.

As queimadas reduzem o custo do setor canavieiro. Contudo, as pessoas ficam

doentes, pois respiram as partículas finas e ultrafinas provenientes das queimadas, que

penetram no sistema respiratório provocando reações alérgicas e inflamatórias. Esses

poluentes passam para a corrente sanguínea, causando complicações em diversos órgãos

do organismo. Aumentam as despesas públicas com atendimento, para o tratamento

dessas moléstias, e a população normalmente tem que arcar com o custo dos

medicamentos e outros procedimentos médicos. Cançado (2003), em um estudo que

analisou os efeitos da queima da palha da cana-de-açúcar sobre a população de

Piracicaba, SP, afirma que o risco relativo de internações por doenças respiratórias em

crianças e idosos se associou significantemente com a variação interquartil dos

poluentes. Os resultados de sua pesquisa apontam que o efeito foi 3.5 vezes maior no

período da queima, confirmando o impacto deste tipo de poluição atmosférica sobre a

saúde da população exposta.

Estudo de caso: o Assentamento Monte Alegre, SP.

A escolha do assentamento Monte Alegre se deu, inicialmente, devido sua

localização na região de Ribeirão Preto, onde os problemas socioambientais e a

degradação ambiental causados pela monocultura da cana de açúcar, via setor sucro-

alcooleiro, são enormes. Posteriormente, devido ao fato dos assentamentos da região de

Ribeirão Preto estarem se rendendo pouco a pouco a monocultura da cana em parceira

com as usinas, por motivos variados.


METODOLOGIA

A interdisciplinaridade da pesquisa impôs que se refletisse sobre uma metodologia

que, respeitando a especificidade de cada campo de conhecimento, conferisse unidade à

maneira como a realidade seria pesquisada (Borges, 2002). Optou-se pelo estudo de

caso, enfatizando o modo de ocupação sócio-econômica dos lotes que produzem cana.

Do ponto de vista da abordagem quantitativa, foram aplicados, por meio de

amostragem, questionários fechados às famílias domiciliares, formado por blocos

temáticos. Do ponto de qualitativo, foram realizadas entrevistas gravadas, em que os

assentados falaram abertamente sobre a entrada da cana em seus lotes e os impactos

percebidos.

RESULTADOS

A Percepção dos impactos à saúde humana e ao ambiente, ocasionados pela produção

de cana-de-açúcar no Assentamento Monte Alegre, SP.

Verifica-se, que dos 179 lotes amostrados, 82 produzem cana-de-açúcar.

Observa-se, também, que entre os produtores 32,4 % acham que a entrada da cultura da

cana foi “ótima”, para sua atual situação socioeconômica, 13,4% acham que foi “boa” .

Essa percepção da produção de cana como algo “ótimo” ou “bom” é de fácil

entendimento, pois, se trata de uma produção que foge da subsistência, com pequenos

excedentes, e passa para uma produção de lucro. Pois, a cana-de-açúcar dá mais lucro

que qualquer outra cultura, na região. E ainda, as usinas fazem todo o trabalho de

correção do solo, entregam as mudas, etc.

Quanto ao item impactos ambientais, somente 7% percebem ou tem

informações que a produção de cana nos moldes convencionais (com uso intensivo de

agrotóxicos, queima, entre outros) causa danos ao meio ambiente. Defensivos

envenenam e matam certos tipos de animais mais sensíveis. A queimada acaba


da área, que inclui a preservação das florestas e o plantio de culturas de rotação.

Os dados também apontam para o destacado percentual dos que afirmam não

saber se a produção convencional de cana causa impactos/danos/males à saúde (54%).

Contra o atingindo aqueles animais que não conseguem fugir do círculo de fogo. Para a

biodiversidade nos canaviais a certeza é morte.

Em uma pesquisa da Embrapa Meio Ambiente (2003 a 2004), realizada na Usina

São Francisco – produtora de açúcar orgânico na região de Ribeirão Preto – comprovou-

se o aumento da biodiversidade de fauna em diversos habitats associados ao uso e a

ocupação de terras. A explicação é que a produção orgânica cria um cenário atípico nos

canaviaias com a colheita natural do produto, sem a queima, e como manejo sustentável

preocupante percentual daqueles que acham que não traz males à saúde (37.4%).

O solo um dos recursos naturais mais afetados por ações antrópicas, em geral,

foi o item que mais dividiu as percepções.

Embora os impactos no solo não sejam visíveis ou imediatamente perceptíveis,

seus efeitos podem ser muito nocivos, uma vez que o solo é um compartimento

ambiental que não se move e não se renova rapidamente, ao contrário do ar e da água.

(Brasil, 1983).

As complexas reações químicas que acontecem no solo são possíveis pela

presença de milhares de espécies de microorganismos, como bactérias, fungos e algas, e

ainda vermes, protozoários, minhocas, térmitas, entre outros. A grande maioria destes

organismos vive no primeiro horizonte do solo, até uma profundidade de 40 cm.

Quando substâncias como agrotóxicos, defensivos agrícolas são lançadas/descartadas no

solo, os organismos morrem, comprometendo diretamente todo o sistema de respiração

do solo – esse fato também acontece quando ocorre a queimada.


Os dados ressaltam o percentual de 47% para “sim” contra 53% para “não”, para

a percepção das queimadas como prejudiciais ao solo.

Sobre a percepção dos efeitos deletérios da queimada na saúde humana, como

problemas respiratórios e alérgicos, inclusive dermatológicos, 56% não percebem a

quiemada e suas conseqüências diretas (fumaça, fuligem), como variáveis impactantes.

Contudo, observa-se, também, o significante percentual dos que a vêem como uma

causa de dano à saúde, repetindo-se a mesma situação da questão referente aos impactos

no solo.

Somente 7% dos entrevistados afirmam que algum membro da família teve

problemas de saúde, relacionados à queima da cana.

Por outro lado, 97.5% afirmam que é vantajoso plantar cana. E, sabe-se que,

economicamente falando, é isso mesmo. Pois, desde o início do plantio no Monte

Alegre, o próprio ITESP já afirmava que era “o primeiro assentamento do Estado com

produção agrícola voltada para o lucro”. Sabe-se também que os assentados do Monte

Alegre, segundo as falas passavam por “problemas econômicos” de “endividamento”,

“nome sujo na praça”. “Com a cana tudo mudou: limpei meu nome, paguei minhas

dívidas e até fiz melhorias na casa e umas comprinhas”.

Voltando aos efeitos deletérios da queimada, verifica-se que 74% dos

entrevistados que plantam cana reconhecem que a queimada polui o ar. O interessante é

não perceberem seus efeitos danosos à saúde 56%.

CONCLUSÕES

De porte do conhecimento de que os riscos socioambientais se constituem num

dos aspectos das complexas relações e interações homem-natureza, podendo resultar em

impactos ambientais que acarretam em riscos, tanto ao homem quanto ao meio

ambiente, pode-se concluir que os agricultores familiares do assentamento Monte


Alegre se encontram cotidianamente em situação de vulnerabilidade, devido à cotidiana

exposição aos riscos advindos da produção convencional de cana.

Contudo, quando se toma como base da reflexão o estudo de suas percepções de


riscos socioambientais, nota-se, que esses agricultores vivem em permanente estado de
risco, pois, não reconhecem a maioria dos impactos produzidos ao longo da cadeia de
produção agrícola da cana como algo que ofereça perigo ou dano.

Assim, confirma-se aqui que risco é uma construção social, uma vez que, mesmo
diante de fatos/impactos, muitos deles visíveis e passíveis de serem sentidos, como a
fumaça das queimadas e a dificuldade de respiração, os entrevistados não os percebem
como riscos. Pois, não os reconhecem como danoso ou como alo relevante. Aposta-se
aqui na falta de conhecimento/informação sobre as agressões à saúde e ao ambiente que
esses impactos podem causar – mesmo muitos deles estarem ligados à experiência diária
e de vida, visto que, mais da metade dos entrevistados afirmarem não saber se a
produção convencional causa danos à saúde humana.

Em síntese, pode-se afirmar que a percepção dos moradores do Monte Alegre


não está totalmente associada ao ambiente natural e particular no qual vivem e com o
qual interagem, mas, sim às suas práticas sócio-econômicas e às suas exposições a esses
conjuntos. Assim sendo, todo ambiente que envolve esses agricultores não influenciou
suas percepções e condutas. Pois, as pessoas se comportam no mundo real não a partir
de um conhecimento objetivo desse mundo, mas com base nas imagens subjetivas dele.
Daí essa diferença entre o vivido e o concebido.

No caso específico desses moradores do Monte Alegre, os resultados revelaram


que a idealização de um futuro melhor, reforçado por uma situação presente que reforça
esse ideal, e um passado, que parte de uma percepção pontual e negativa da situação
passada, acaba por tornar a produção de cana nos lotes do Monte Alegre como algo
“ótimo” e “bom”.

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