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a à uma amiga

'Amiga, conforme minha promessa, estou enviando um e-mail contando as


novidades da minha primeira semana depois de ser transferida pela empresa para
o Rio de Janeiro. Terminei hoje de arrumar as coisas no meu novo apartamento.
Ficou uma gracinha, mas estou exausta. São dez da noite e já estou pregada.

Segunda-Feira: Cheguei na firma e já adorei. Entrei no elevador quase no mesmo


instante que o homem mais lindo desse planeta. Ele é loiro, tem olhos verdes e o
corpo musculoso parece querer arrebentar o terno. Lindooooo! Estou apaixonada.
Olhei disfarçadamente a hora no meu relógio de pulso e fiz uma promessa de estar
parada no elevador todos os dias a essa mesma hora. Ele desceu no andar da
engenharia. Conheci o pessoal do setor, todos foram atenciosos comigo. Até o
meu chefe foi super delicado. Estou maravilhada com essa cidade.
Cheguei em casa e comi comida enlatada. Amanhã vou a um mercado comprara
alguma coisa.

Terça-feira: Amiga!!! Precisava contar.. Sabe aquele homem de que falei ?? Ele
olhou para mim e sorriu quando entramos no elevador. Fiquei sem ação e baixei a
cabeça. Como sou burra! Passei o dia no trabalho pensando que preciso fazer um
regime. Me olhei no espelho hoje de manhã e estou com uma barriguinha
indiscreta. Fui no mercado e só comprei coisinhas leves: biscoitos, legumes e
chás. Resolvido! Estou de dieta.

Quarta-Feira: Acordei com dor-de-cabeça. Acho que foi a folha de alface ou o


biscoito do jantar. Preciso me manter firme na dieta. Quero emagrecer dois quilos
até o fim-de-semana. Ah! O nome dele é Marcelo. Ouvi um amigo dele falando
com ele no elevador. E ainda tem mais: ele desmanchou o noivado há dois meses
e está sozinho. Consegui sorrir para ele quando entrou no elevador e me
cumprimentou. Estou progredindo, né ?? Como faço para me insinuar sem parecer
vulgar? Ah!! Comprei um vestido dois números menor que o meu. Esta vai ser a
minha meta.

Quinta-Feira: O Marcelo me cumprimentou ao entrar no elevador. Seu sorriso


iluminou tudo! Ele me perguntou se eu era a arquiteta que viera transferida de
Brasília e eu só fiz: 'U-hum'... Ele me perguntou se eu estava gostando do Rio e eu
disse: 'U-hum'. Aí ele perguntou se eu já havia estado antes aqui e eu disse: 'U-
hum'. Então ele perguntou se eu só sabia falar 'U-hum' e eu respondi: 'Ã-hã'. Será
que fui muito evasiva? Será que eu deveria ter falado um pouco mais? Ai, amiga!
Estou tão apaixonada! Estou resolvida!Amanhã vou perguntar se ele não gostaria
de me mostrar o Rio de Janeiro no final de semana. Quanto ao resto, bem....ando
com muita enxaqueca. Acho que vou quebrar meu regime hoje. Estou fazendo
uma sopa de legumes. Espero que não me engorde demais.

Sexta-Feira: Amiga! Estou arruinada!! Ontem à noite não resisti e me empanturrei.


Coloquei bastante batata-doce na sopa, além de couve, repolho e beterraba.
Menina, saí de casa que parecia um caminhão de lixo. Como eu peidava! (nossa!
Você não imagina a minha vergonha de contar isto, mas se eu não desabafar, vou
me jogar pela janela!).

No metrô, durante o trajeto para o trabalho, bastava um solavanco para eu soltar


um futum que nem eu mesma suportava. Teve um momento em que alguém
dentro do trem gritou: 'Aí! Peidar até pode, mas jogar merda em pó dentro do
vagão é muita sacanagem!' Uma senhora gorda foi responsabilizada. Todo mundo
olhava para ela, tadinha. Ela ficou vermelha, ficou amarela, e eu aproveitava cada
mudança de cor para soltar outro. O meu maior medo era prender e sair um
barulhento. Eu estava morta de vergonha..

Desci na estação e parei atrás de uma moça com um bebê no colo, enquanto
aguardava minha vez de sair pela roleta. Não me aguentei e soltei mais um. Um
senhor que estava na frente da mulher com o bebê virou-se para ela e disse:
'Dona! É melhor a senhora jogar esse bebê fora porque ele está estragado!'.

Na entrada do prédio onde trabalho tem uma senhora que vende bolinhos, café,
queijo, essas coisas de camelô. Pois eu ia passando e um freguês começou a
cheirar um pastel, justo na hora em que o futum se espalhou. O sujeito jogou o
pastel no lixo e reclamou:'Pô, dona Maria! Esse pastel tá bichado!'

Entrei no prédio resolvida a subir os dezesseis andares pela escada para não usar
o elevador. Meu azar foi que o Marcelo estava na porta do elevador, me viu e ficou
segurando a porta esperando que eu entrasse. Como eu não me decidia, ele me
puxou pelo braço e apertou o botão do meu andar, estávamos sozinhos. Cheguei
até a me sentir aliviada, pois de elevador a viagem seria mais rápida.

Pensei rápido demais. O elevador deu um tranco e as luzes se apagaram.. Quase


instantaneamente a iluminação de emergência acendeu. Marcelo sorriu (ai, aquele
sorriso...) e disse que era a bruxa da sexta-feira e disse que era assim mesmo,
que logo a luz voltaria, e que eu não precisava se preocupar. Mal sabia ele que eu
estava morreenndo de preocupação.

Amiga...., juro que tentei prender. Mas antes que saísse com estrondo, deixei
escapar..

Me abaixei e fiquei respirando rápido, tentando aspirar o máximo possível, como


se estivesse me sentindo mal, com falta de ar. Já se imaginou numa situação
dessas? Peidar e ficar tentando aspirar todo o peido para que o homem mais lindo
do mundo não perceba que você peidou? Ele ficou muito preocupado comigo e, se
percebeu o mau cheiro, não o demonstrou. Quando achei que a catinga havia
passado, voltei a respirar normal. Disse para ele que eu era claustrofóbica.

Mal ele me ajudou a levantar, eu não consegui prender o segundo, que saiu ainda
pior que o anterior. O coitado dessa vez ficou meio azulado, mas mesmo assim
não disse nada. Me abaixei novamente e fiquei respirando rápido de novo, como
uma mulher em estado de parto. Dessa vez Marcelo ficou afastado, no canto mais
distante de mim no elevador. Na ânsia de disfarçar, fiquei olhando para a sola dos
meus sapatos, como se estivesse buscando a origem daquele fedor horroroso. Ele
ficou lá, no canto, impávido.

Daí, nem bem o cheiro se esvaiu e veio outro. Ele se desesperou todo e começou
a apertar a campainha de emergência. Coitado!! Ele esmurrou a porta, gritou,
esperneou, e eu lá, respirando que nem um cachorrinho. Quando a catinga
dissipou, ele se acalmou.
As lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos. Ele me viu chorando,
enxugou meus olhos quando eu pensei que ele ia dizer algo bonito ele solta essa:
'Meus olhos também estão ardendo...'. Aquilo me magoou profundamente. Pensei:
' Ah éé, FDP ??? Então acabou a respiração cachorrinho!!!... '

Depois disso, no primeiro pum ele cobriu o rosto com o paletó.

No segundo, enrolou a cabeça.

No terceiro, prendeu a respiração, no quarto, ele ficou roxo.

No quinto, me sacudiu pelos braços e berrou: 'Mulher! Pára de se cagar!'.

Depois disso ele só chorava. Chorou como um bebê até sermos resgatados,
quatro horas depois.

Entrei no escritório e pedi minha transferência para outro lugar, de preferência


outro País.

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