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INTRODUÇÃO
Ricardo Antunes (1998), ao longo de sua obra, deixa claro a relação intrínseca
entre burocratismo e ideologia. Ou seja, qualquer imersão nos princípios da
racionalidade burocrática não são apenas “desvios naturais”, mas representam opções
ideológicas de movimento político, aqui representado pelo movimento sindical.
Armando Boito Jr. (1991) já chamava a atenção ao relacionar a estrutura sindical
oficial, o sindicalismo de Estado, e sua perpetuação até a atualidade como decorrente de
um enraizamento ideológico do populismo no meio sindical, demonstrando que, na
realidade, a estrutura sindical ou mesmo sua crítica não são puramente sindicais, mas
ganham contornos políticos.
A questão do burocratismo não poderá ser realmente compreendida se analisada
como um instrumento isolado de controle do poder interno ao sindicato. Ao contrário,
uma elaboração ideológica em formação ao longo da história da CUT é o fator
determinante que transforma o controle burocrático não apenas em elemento de
hegemonia no aparelho, mas sim, vai impondo um novo ideário político, balizado pelas
teses assumidas com certa discrição, pelas corrente majoritárias no interior da central:
um “socialismo” embutido numa economia de mercado, que nega o socialismo
revolucionário, o que, para muitos autores, representa uma aproximação da social-
democracia.
Um pressuposto que também fundamentará o desenvolvimento deste artigo é a
conclusão quase consensual dos pesquisadores que apontam para uma forte
permanência da estrutura sindical corporativa nas organizações operárias em geral, e na
CUT, mais especificamente.
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Professor Assistente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Mestre em História e
Cultura Política – UNESP-Franca. Doutorando em História e Cultura Social – UNESP-Franca. Contato:
e-mail: thistoriador@yahoo.com.br
VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário O Trabalho em Debate
“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
CRÍTICA À ESTRUTURA SINDICAL: ORIGENS E MUDANÇAS
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“Os trabalhadores são tipicamente a primeira e a maior força a se organizar de maneira autônoma, como
ocorreu na Europa Ocidental na virada do século, na Espanha (Comisiones Obreras), no Brasil (Sindicato
do ABC) e na Polônia (Solidariedade). Isto não é acidental. Os locais de trabalho são, juntamente com
os mercados populares (o bazar do Oriente), os únicos espaços onde as pessoas podem encontrar-se
espontaneamente, sem vigilância da polícia.” PRZEWORSKI, Adam. “Ama a incerteza e serás
democrático”. In: Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.º 9, julho de 1984, pp. 42 e 43.
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dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e Luis Inácio da Silva, o “Lula”, seu mais
influente expoente. A partir dele, diversos outros sindicalistas assumiram uma postura
mais combativa e reivindicativa que, se não negava toda a estrutura sindical oficial,
pleiteavam uma significativa mudança interna nesta estrutura. A origem desse “novo
sindicalismo” remonta a 1969, quando alguns diretores “independentes” na direção do
sindicato introduzem novas reivindicações e adotam uma postura mais combativa. Em
1972, Lula passou a fazer parte da diretoria, ladeando outros diretores moderados ou
pelegos.
Uma caracterização simples do sindicalismo “autêntico” é elaborada por Celina
Gomes Oliveira. Para ela, estes eram sindicalistas novos e independentes, sem
elaboração política ou ideológica que os norteassem, construindo sua identidade na
prática cotidiana de combatividade, ao contrário das Oposições, que tinham sindicalistas
com posições ideológicas mais definidas.3
A grande maioria das pesquisas aponta então para a unidade e convergência de
propostas entre Oposições Sindicais e os “autênticos”, redundando na constituição do
bloco que originou a CUT, sem a Unidade Sindical. É importante destacar que, até
1980, os “autênticos” faziam parte da Unidade Sindical, mas vieram a criar a
ANAMPOS (Associação Nacional do Movimento Popular e Sindical). Para Jácome
Rodrigues:
[...] essa nova corrente sindical que se formou no ABC paulista, a partir da
prática junto ao operariado no interior das empresas, e a sua preocupação
pela organização de base, estava chegando a conclusões idênticas às que
apareciam junto aos ativistas da Oposição Sindical. Em resumo, existia certa
convergência de concepção e prática sindicais, no momento em que
eclodiram as greves, entre essas duas correntes sindicais que serão o estuário
por onde vão correr as águas do “novo sindicalismo”.
Isso se deu: 1) mesmo sem manterem contato de forma mais direta; 2) pelo
menos até as greves de maio; 3) a partir de suas práticas cotidianas de
negação e/ou crítica da estrutura sindical vigente etc. Entre outros aspectos,
esse fatos levaram a que esses dois setores do sindicalismo brasileiro
terminassem se aproximando e [...] foram elementos fundamentais para a
formação, alguns anos depois, da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
(RODRIGUES, 1993, p.77).
3
Leôncio Martins Rodrigues também faz uma excelente análise do processo que originou o “novo
sindicalismo” de São Bernardo, em seu artigo “As Tendências Políticas na Formação das Centrais
Sindicais” in BOITO JR., A. (org) O Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. RJ: Paz e Terra, 1991,
p.p.16-23.
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Metalúrgicos de São Bernardo, foi criado o Fundo de Greve, que funcionava como um
sindicato paralelo à estrutura oficial. Entretanto, as “aberturas” do governo, com o fim
das intervenções, levaram os “autênticos” de São Bernardo e adotarem o Fundo de
Greve como um mecanismo somente utilizado em casos emergenciais, abandonando
qualquer possibilidade de se constituir num sindicato autônomo. A autonomia aqui era
vista como opção tática, não como estratégica.
O “amálgama” que aproximou estas tendências e lapidou suas propostas no
sentido de convergirem foi, sem dúvida, a ala progressista da Igreja Católica, influência
presente tanto nos “autênticos” quanto nas “oposições sindicais”. A Igreja, ao longo do
regime militar e após os encontros de Puebla e Medelin, quando fazem a chamada
“opção pelos pobres” na América Latina, influenciada pela Teologia da Libertação,
lançou-se no apoio e na organização dos trabalhadores e explorados em geral.
Influenciou as Sociedades Amigos de Bairro, a criação de Centros Comunitários, além
de disseminar Comunidades Eclesiais de Base. Este “espírito democrático de base” foi
influência decisiva nas formulações dos ‘autênticos’ e, sobretudo, das oposições
sindicais.
Após a crise da Teologia da Libertação e com a institucionalização crescente dos
sindicalistas, que abandonam as Pastorais Operárias para se dedicarem a direções
sindicais, inicia-se, dentro da CUT, um processo de guerra de posições para definir sob
qual hegemonia a central será consolidada. Vale destacar que, todas as divergências
ideológicas posteriores dentro da CUT originam-se destas duas concepções sindicais
que se uniram taticamente para a construção da central.
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Segundo os estatutos originais da central, o classismo é a afirmação de que a emancipação de
determinada classe social somente seria possível por meio de uma ação direta dessa classe social, ou seja,
a velha “máxima” de que a luta pela emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios
trabalhadores.
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de uma disputa ideológica sem trégua, que abalará por várias vezes os pilares da central.
Também representou o início de uma ideologização crescente por parte do campo
majoritário, originado pelos “autênticos” que não tinham nenhuma vinculação
ideológica elaborada. Aqui tem início o que Ricardo Antunes chama de social-
democratização da CUT, processo capitaneado pela Articulação Sindical, que se valerá
de uma crescente burocratização como forma de se estabilizar no poder.
Neste CONCUT também surgiu um instrumento largamente utilizado dentro dos
congressos para determinar a força de cada tendência: a polemização em torno de
propostas sem conteúdo prático efetivo, muitas vezes em torno de questões semânticas.
O desfecho deste CONCUT não se deu, de forma alguma, em clima de unidade,
conforme nos descreve Vito Giannotti e Lopes Neto:
Outro caso é descrito assim por Vito GIANNOTTI e LOPES NETO, acerca do
Sindicato dos Comerciários de Vitória - ES:
O Sindicato dos Comerciários, dirigido pela Articulação, declarou 12.000
sócios em dia com os cofres do Sindicato, em março de 91. Houve protestos,
pois o número era absurdo. Na declaração corrigida o resultado apresentado
foi 10.320. Nova recusa em aceitar esse número. Mas ficou por isso mesmo.
Dois meses depois a diretoria do Sindicato convocou eleições para renovação
da mesma, onde só votariam os sócios em dia. Essa mesma diretoria
declarou serem 1.800 os comerciários em dia com as mensalidades. Ficava
impossível provar que, dois meses antes, o número de sindicalizados era
10.320 (GIANNOTTI, 1991, p.72).
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Todas as posições defendidas pela Tese da Articulação foram aprovadas,
algumas por pequena margem de votos. Fica patente que, a Articulação preocupou-se
em assegurar seu controle a todo custo, o que implicou no redutor dos delegados da
Bahia e Minas Gerais e na anulação da votação de proporcionalidade qualificada,
aprovada por 1 voto de diferença5. A pequena margem de votos para a eleição da nova
direção (a menor diferença na história da CUT) foi de somente 2,16% (65 votos) dos
1.546 delegados. Por isso a oposição acusou a Articulação de, após ter feito a conta
dos delegados sob sua influência depois dos Encontros Estaduais, ter optado por
manobras que garantissem sua vitória naquele importante e decisivo CONCUT.
A fala de Jair Meneguelli, eleito presidente da CUT, ao Jornal da Tarde de 12 de
setembro de 1991 reflete o pensamento do campo majoritário cutista: “Em 1983, no
Congresso de fundação da CUT tiramos fora a direita. Neste IV CONCUT nos
livramos da esquerda”.
Para evitar o “racha” da CUT foi necessário a elaboração de um documento,
Bases para um compromisso, que estabeleceu uma trégua entre os campos em disputa,
mas não reviu nenhuma das propostas congressuais, principalmente a proporcionalidade
qualificada. Novamente, tal iniciativa partiu da Articulação, na política de “bater e
soprar” ao mesmo tempo.
CONCLUSÕES
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A proporcionalidade qualificada garantiria uma distribuição proporcional não apenas numérica, mas na
importância das funções na direção nacional da CUT. Maiores detalhes, GIANNOTTI, V. e NETO, S.L.,
op.cit, p.74 - 77.
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a partir de 1988, mas com raízes nas diferentes concepções de sindicalismo levada à
cabo por “autênticos” e oposições sindicais ao longo dos anos 60 e 70.
A convergência amistosa do fim dos anos 70 agora dá lugar a uma férrea disputa
interna, que leva constantemente a convergências com setores historicamente inimigos
da CUT em detrimento de entendimentos e acordos políticos que a pacifiquem por
dentro. As divergências passaram a ser o combustível que alimenta ortodoxias, tanto no
lado do campo majoritário quanto no campo da esquerda cutista.
Pode-se dizer que, do ponto de vista oposicionista, as normas internas, que
estabilizaram a central e a colocaram no caminho do sindicalismo-propositivo, também
contribuíram para a estabilização do movimento operário no Brasil. A participação, por
exemplo, nos órgãos tripartite, nas câmaras setoriais, levou a CUT para dentro de um
meio político complexo, cuja busca por respostas imediatas não permitiam proposições
propriamente políticas mais radicais. . Afinal, competiria agora também à CUT
gerenciar a crise do capitalismo.
A dimensão da sua estrutura interna, altamente verticalizada, fez com que
abandonasse objetivos históricos da classe trabalhadora, tornando-se a organização um
objetivo em si mesmo: dezenas de departamentos, algumas confederações e federações,
CUT-Regionais, Estaduais, distanciam cada vez mais a base do centro de poder da
CUT-nacional, sempre aos olhos da oposição de esquerda.
A tendência que a CUT adotou nos últimos anos nos leva a crer cada vez mais
numa convergência “propositiva” com o sindicalismo de resultados da Força Sindical.
A opção pela ordem, pelo sindicalismo oficial, dá à Central características parecidas
como o sindicalismo comunista da década de 60, assentado sobre o imposto sindical.
Conforme bem destaca Leôncio Rodrigues, é muito mais interessante controlar esta
estrutura do que destruí-la. Também é mais interessante assentar os sindicatos em
funções burocráticas e assistenciais, pondo de lado o avanço no processo de
sindicalização e envolvimento das bases. Boito Jr. (1991, p.80) destaca que a tendência
de adequação da CUT à ordem já se manifestara claramente desde a sua fundação:
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Campinas: Editora Unicamp, 1998.
BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em
crise. SP: Boitempo, 1998.
BOITO JR., Armando. Reforma e Persistência da Estrutura Sindical. In: BOITO JR.,
Armando (org.) O Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. Rio de Janeiro, RJ: Paz e
Terra, 1991.
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“É por esse motivo que começam a ganhar maior expressão movimentos sindicais alternativos, que
questionam a ação eminentemente defensiva, praticada pelo sindicalismo tradicional, que se limita à ação
dentro da Ordem. Só a título de exemplo, pode-se citar os Cobas (Comitati di Base), que começaram a
despontar a partir de meados da década de 1980 na Itália (...) e que têm questionado fortemente os
acordos realizados pelas centrais sindicais tradicionais, especialmente a CGIL, de tendência ex-
comunista, que em geral têm pautado sua ação dentro de uma política sindical moderada”. ANTUNES, R.
Adeus ao Trabalho? Campinas: editora Unicamp, 1998, 5.ª ed, p.67.
VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário O Trabalho em Debate
“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
COMIN, A.A. A estrutura sindical corporativa: a consolidação das centrais sindicais
no Brasil. Dissertação de Mestrado. 1995. 171 f. Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanos da Universidade de São Paulo, USP.
São Paulo. 1995.
GIANNOTTI, V. e NETO, S. L. CUT ontem e hoje. São Paulo, SP: Vozes, 1991.
MARTINS, H.H.T.S. O Estado e a Burocratização do Sindicato no Brasil. São
Paulo, SP: Hucitec, 1989.
OLIVEIRA, C.G. A Gênese da CUT. Campinas: Dissertação de Mestrado. 1995. 158
f. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, UNICAMP. 1996.
RODRIGUES, I. J. Trabalhadores, Sindicalismo e Democracia: a trajetória da CUT.
São Paulo, SP. Tese de doutorado. 1993. 251 f. Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanos da Universidade de São Paulo, USP.
São Paulo. 1993.
RODRIGUES, L.M. CUT: os militantes e a ideologia. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra,
1990.
SALVADOR, S. Os Trabalhadores Param. São Paulo, SP: Ática, 1994, série Temas,
vol 32.