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REFERÊNCIAS:
REALE, G; ANTISSERI, D. História da filosofia: filosofia pagã antiga. v.1. 2 ed. São
Paulo: Paulus, 2005.
SÃO PAULO
2009
A filosofia foi criação do gênio helênico: não derivou aos gregos a partir de
estímulos precisos tomados das civilizações orientais; do Oriente, porém, vieram alguns
conhecimentos científicos, astronômicos e matemático-geométricos, que o grego soube
INTRODUÇÃO: GÊNESE, NATUREZA E DESENVOLVIMENTO DA
"A maioria dos primeiros filósofos queriam encontrar o princípio de todas as coisas
existentes" (Aristóteles).
Os gregos cultuavam uma série de deuses (Zeus, Hera, Ares, Atena etc), além de
heróis e semideuses (Teseu, Hércules, Perseu etc). Relatando a vida desses deuses e heróis
e seu envolvimento com os homens, os gregos criaram uma rica mitologia, isto é um
conjunto de lendas e crenças que, de modo simbólico, fornecem explicações para a
realidade universal. Integra a mitologia grega grande número de relatos maravilhosos e de
lendas que inspiraram e ainda inspiram diversas obras artísticas ocidentais.
O mito de Édipo, rico em significados, é um exemplo disso. Na Antiguidade, ele foi
utilizado pelo dramaturgo Sófocles (496-406 a. C.), na tragédia Édipo rei, para uma
reflexão sobre as questões da culpa e da responsabilidade dos homens perante as normas e
tabus (comportamento que, dentro dos costumes de uma comunidade, é considerado nocivo
e perigoso, sendo por isso proibido a seus membros). Damos em seguida um resumo desse
relato mítico.
Laio, rei da cidade de Tebas e casado com a bela Jocasta, foi advertido pelo o
oráculo (resposta que os deuses davam a quem os consultavam) de que não poderia gerar
filhos. Se esse aviso fosse desobedecido, seria morto pelo próprio filho e muitas outras
desgraças surgiriam.
A princípio, Laio não acreditou no oráculo e teve um filho com Jocasta. Quando a
criança nasceu, porém arrependido e com medo da profecia, ordenou que o recém-nascido
fosse abandonado numa montanha, com os tornozelos furados, amarrados por uma corda. O
edema provocado pela ferida é a origem do nome de Édipo, que significa "pés inchados".
Mas o menino não morreu. Alguns pastores o encontraram e o levaram ao rei de Corinto,
Polibo, que o criou como se fosse seu filho legítimo. Já adulto, Édipo ficou sabendo que era
filho adotivo. Surpreso, viajou em busca do oráculo de Delfos para conhecer o mistério de
seu destino. O oráculo revelou que seu destino era matar o próprio pai e se casar com a
própria mãe. Espantado com essa profecia, Édipo decidiu deixar Corinto e Rumar em
direção a Tebas. No decorrer da viagem encontrou-se com Laio. De forma arrogante o rei
ordenou-lhe que deixasse o caminho livre para sua passagem. Édipo desobedeceu às ordens
do desconhecido. Explodiu então uma luta entre ambos, na qual Édipo matou Laio.
Sem saber quem tinha matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua viagem para
Tebas. No caminho deparou-se com a esfinge, um monstro metade leão, metade mulher,
que lançava enigmas aos viajantes e devorava quem não os decifrasse. A esfinge
atormentava os moradores de Tebas.
O enigma proposto pela Esfinge era o seguinte: "Qual o animal que de manhã tem
quatro pés, duas ao meio-dia e três à tarde?" Édipo respondeu: "é o homem. Pois na manhã
da vida (infância) engatinha com pés e mãos; ao meio-dia (na fase adulta) que anda sobre 2
pés; e à tarde (velhice) necessitada das duas pernas e do apoio de uma bengala".
Furiosa por ver o enigma resolvido, a esfinge se matou. O povo de Tebas saudou
Édipo como seu novo rei. Deram-lhe como esposa Jocasta, a viúva de Laio. Ignorando
tudo, Édipo casou-se com a própria mãe. Uma violenta peste abateu-se então sobre a
cidade. Consultado, o oráculo respondeu que a peste não findaria até que o assassino de
Laio fosse castigado. Ao longo das investigações para descobrir o criminoso, a verdade foi
esclarecida. Inconformado com o destino, Édipo segou-se e Jocasta enforcou-se. Édipo
deixou Tebas, partindo para um exílio na cidade de Colona.
Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais
precisa. Afinal, nunca houve, na Antiguidade, um estado grego unificado. O que chamamos de
Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades -Estado gregas (pólis), independentes umas
das outras, e muitas vezes rivais.
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia,
litoral ocidente da Ásia menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico
comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem
atribuímos a denominação filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
"Nem água nem algum dos elementos, mas alguma substância diferente, limitada, é que
dela nascem os céus e os mundos neles contidos" (Anaximandro)
"E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento
envolve todo o mundo" (Anaxímenes)
Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Samos, na costa jônica, não
distante de Mileto. Por volta de 530 a. C., sofreu perseguição política por causa de suas idéias,
sendo obrigado a deixar sua terra de origem. Instalou-se, então em Crotona, sul da Itália, região
conhecida como magna Grécia.
Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de
acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável
influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispensada por opositores, e o próprio
Pitágoras foi expulso de Crotona.
Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a
ordem e a harmonia. Segundo o historiador de filosofia norte-americano Thomas Giles, "Pela
primeira vez se introduzia um aspecto mais formal na explicação da realidade, isto é, a ordem e a
constância". Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática na qual derivariam
problemas como: finito e infinito, par em par, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e
quadrado etc.
Pitágoras dizia que no "fundo de todas as coisas", a diferença entre os seres consiste,
essencialmente, em uma questão de números (limite e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática
(lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia. A essas contribuições
junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos
pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais e etc.
"Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo. O ser não é mais que vir-a-ser"
(Heráclito)
As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertam, na época, uma nova questão.
Porque tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava que a luta dos contrários formava a unidade do
mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia, a partir de seu principal expoente, Parmênides, os
contrários jamais poderiam coexistir. Os dois pensadores representam, portanto, pólos extremos do
pensamento filosófico.
Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não-ser, que se iniciaram a
lógica (os estudos sobre o conhecer) e a ontologia (os estudos sobre o ser) e suas relações
recíprocas, conforme veremos a seguir.
Nascido em Eléia, na magna Grécia, litoral oeste da península itálica, Parmênides (510-470
a.C., aproximadamente) tornou-se célebre por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de
grande Parmênides.
Parmênides defendia a existência de dois caminhos para a compreensão da realidade. O
primeiro é o da filosofia, da razão, da essência. O segundo é o da crendice, da opinião pessoal, da
aparência enganosa, que ele considerava a "via de Heráclito".
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos leva a concluir que na realidade:
A) existe o ser, e não é concebível sua não existência;
B) o ser é; o não ser não é.
Em vista disso, Parmênides é considerado o primeiro filósofo a formular os princípios
lógicos de identidade e de não contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles.
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência, o filósofo eleático conclui que o ser é eterno,
único, imóvel e ilimitado. Essa seria a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela
filosofia. Por outro lado, quando a realidade é pensada pelo caminho da aparência, tudo se confunde
em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Assim, na concepção de Parmênides, Heráclito teria percorrido o caminho das aparências
ilusórias. Essa via precisava ser evitada para não termos de concluir que a "o ser e o não ser são e
não são a mesma coisa". Parmênides teria descoberto, assim, os atributos do ser puro: o ser ideal do
plano lógico. E negou-se a reconhecer como verdadeiros os testemunhos ilusórios dos sentidos e a
constatar a existência do ser no mundo: o ser que se exprime de diversos modos, os seres múltiplos
e imutáveis.
Mas o filósofo sabia que é no mundo da ilusão, das aparências e das sensações que os
homens vivem seu cotidiano. Então, "o mundo da ilusão não é uma ilusão de mundo", mas uma
manifestação da realidade e que cabe à razão interpretar, e explicar e compreender, até que alcance
a essência dessa realidade. Não podemos confiar nas aparências, nas incoerências, na visão
enganadora. Pela razão, devemos buscar a essência, a coerência e a verdade. "o esforço de toda a
sabedoria é, pois, para Parmênides, sistematizar isso, tornar pensável o caos, introduzir uma ordem
nele.3.2 ZENÃO DE ELÉIA
"Pois destes (os elementos) todos se constituíram harmonizados, e por estes é que pensam,
sentem prazer e dor" (Empédocles)
Nascido em Agrigento (ou Acragas), sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C.,
aproximadamente) esforçou se por conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito.
Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e a permanência do ser ("o
ser é"), mas procurava encontrar uma maneira de tornar racional os dados captados por
nossos sentidos.
Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de
todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e
misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
• amor (philia, em grego) responsável pela força de atração e união e pelo movimento de
crescente harmonização das coisas;
• o ódio (neikos, em grego) responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo
movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
3.4 DEMÓCRITO DE ABDERA: O ÁTOMO É A DIVERSIDADE
B
Para Demócrito, é o acaso ou a necessidade que promove a aglomeração de certos átomos e
a repulsão de outros. O acaso é o encadeamento imprevisível de causas. A necessidade é o
encadeamento previsível e determinado entre causas. As infinitas possibilidades de aglomeração
dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes. A principal contribuição trazida pelo
atomismo de Demócrito a história do pensamento é a concepção mecanicista, segundo a qual "tudo
o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade". Isto é, "nada nasce do nada, nada
retorna ao nada". Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo.
ENTENDENDO A FILOSOFIA
2) Porque se pode dizer baseado no estudo do helenísta Jean Pierre Vernant, que o
surgimento da filosofia foi engendrado em "praça pública"?
3) Qual era a preocupação central dos filósofos de Mileto e o que encontrou cada
um em sua busca?
5) Qual a concepção de realidade contida nesta frase de Heráclito: "A luta é a mãe,
rainha e princípio de todas as coisas"?
6) Comente as divergências fundamentais entre Parmênides e Heráclito sobre a
realidade do ser.
DEBATE E REFLEXÃO
3) FILOSOFIA E CIDADANIA
Segundo Jean Pierre Vernant, a filosofia grega é filha da pólis. Por isso, para o grego, o
homo sapiens é o homo politicus, aquele que decide os destinos da sociedade em que vive.
Hoje em dia a filosofia está distanciada de suas origens, isto é, ela não é mais uma prática
comum entre os cidadãos, que pouco debatem e quase nada decidem sobre as grandes
questões da vida pública.
Seria possível cada cidadão, como um filósofo, voltar a expressar e discutir suas opiniões
em espaço público? O que teria que mudar? Discuta sobre este assunto com seus colegas.