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Este conceito, território acústico, é formulado nesta pesquisa com o intuito de compreender a
multiplicidade implicada em acontecimentos que envolvem a escuta, tanto na vida cotidiana quanto em
criações artísticas.
artísticos destes movimentos musicais de ruptura. A ênfase da tese está na
experimentação poética sonora que se expressa na junção entre som e imagem via
tecnologia. As propostas experimentais das vanguardas musicais do século XX são
formas de dissenso frente a normas estabelecidas que definiam o que se dava a ouvir,
como se devia ouvir e qual o sentido do escutado. Antes de desenvolvermos estas
questões, precisamos problematizar o que definimos como som e escuta.
O som não é apenas índice de um evento ou objeto que o produz. Ao
escutarmos sons do mundo tecemos redes de sentido que os envolvem, participamos
dos agenciamentos2 que realizam, tateamos as linhas que tensionam e vibram. Ali
estão incluídas as sensações, a emotividade, a memória, a imaginação, a racionalidade,
a experiência cotidiana, a percepção estética, o espaço compartilhado e a linguagem
(talvez devêssemos dizer as linguagens, pois não se trata apenas da linguagem falada).
A escuta é um processo de decifração, mas é também uma escrita: percepção do que
se dá, mas, também, construção de um espaço hermenêutico individual em cada
situação em que se dá. A escuta é uma cartografia de relações, espaços, intensidades:
um mapa “desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 22). A escuta faz rizoma, pois
“cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito
diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não
somente regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas”
(Ibidem, p. 15). A esta multiplicidade variável que se articula em acontecimentos de
escuta denominamos Territórios Acústicos.
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Ver DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 1 a 5.
situações de escuta que solicitam processos específicos de decifração, como em obras
artísticas sonoras ou que utilizem o som em sua elaboração.
[...] que não tem mais ponto de origem, pois ele está sempre, e já, no meio
da linha; que não tem mais coordenadas horizontais e verticais, pois ele cria
suas próprias coordenadas, que não forma mais ligações localizáveis de um
ponto a outro, porque ele está num ‘tempo não pulsado’: um bloco rítmico
desterritorializado, abandonando pontos, coordenadas e medida, como um
barco bêbado que se confunde, ele próprio, com a linha, ou que traça um
plano de consistência (DELEUZE; GUATTARI, 2005, p. 95).
2) A música concreta;
4) A música eletrônica.
Portanto, cada uma dessas poéticas fornece chaves de leitura que permitirão
um alargamento do pensamento sobre as relações entre som e imagem no
audiovisual. Partindo das definições acima, destacam-se alguns conceitos que serão
utilizadas na compreensão dos procedimentos de articulação entre som e imagem em
obras audiovisuais: a materialidade; a colagem; a articulação conceitual de elementos;
a referência à memória e a experiência cotidiana; a morfologia sonora e sua
manipulação tecnológica; etc. Ao longo da pesquisa e escrita, poderão ser levantados
outros conceitos pertinentes para a compreensão das relações entre os procedimentos
artístico-musicais e os procedimentos de criação sonora no audiovisual.
Desta forma, esta reflexão se distancia da prática corrente das análises sobre o
som em obras audiovisuais que se centram, principalmente, na relação entre música e
narrativa utilizando taxonomias de funções que o som pode ter em tais obras. Com a
finalidade de ampliar a compreensão sobre as poéticas sonoras nas obras audiovisuais,
propõe-se como fio condutor não uma grade de funções, mas sim, modos de criação e
organização artístico-sonoros que constituam territórios acústicos particulares e, com
isso, produzam dissenso estético em relação às práticas anteriores ao redefinirem
articulações (sensorialidade e criação de sentido) tanto entre os sons, quanto entre
som e imagem, e entre som e cultura/ouvinte a partir de suas propostas conceituais.
As práticas musicais investigadas criaram procedimentos de dissensão em
relação a estruturas teórico-práticas específicas: códigos que delimitavam o material a
ser utilizado (conjunto de sons utilizado no sistema tonal); sua organização em formas
com sentido (composições musicais com regras previamente definidas); bem como sua
inserção no universo da cultura e do ouvinte. Da mesma forma, as criações
audiovisuais analisadas realizam procedimentos de dissensão frente a um referencial
hegemônico que define práticas largamente difundidas de articulação entre som e
imagem técnica.
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Entendemos como banda sonora todos os sons que compõe um filme: a voz, os ruídos, a música e o
silêncio. Escolhemos o termo banda sonora em vez de trilha sonora, por ter este último o sentido usual
de trilha musical de um filme.
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Blooping foi uma prática utilizada para garantir transições sem ruídos entre cortes sonoros feitos em
películas que registravam o som juntamente com as imagens, como o Movietone. Fazia-se uma marca
com tinta escura para garantir o bloqueio da luz do leitor fotoelétrico e a ausência de som.
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Conceito formulado por Pierre Boulez em seu livro A Música Hoje (1972) e apropriado por Gilles
Deleuze e Felix Guattari em Mil Platôs. O espaço estriado é caracterizado pela presença de normas que
definem sua ocupação, modelos que determinam de forma fixa e regular as relações dos elementos que
o compõem, bem como estruturas hierarquizadas de funções para tais elementos. O espaço liso, seu
oposto complementar, se caracteriza pela fluidez em sua ocupação, sem modelos rígidos que definam
as posições ou interações entre elementos de forma regular, bem como sem uma hierarquia prévia que
defina as funções de cada elemento que o compõe (DELEUZE; GUATTARI, 2005 e BOULEZ, 1972).
limita as possibilidades de criação poética. Isso não quer dizer que todas as funções já
estão pré-determinadas e nada há a fazer se não preenchê-las. Caberia a cada
compositor se apropriar do código, experimentar seus limites e flexibilizar a rigidez
que encontra. No entanto, a transformação cada vez maior da cultura em commodity,
a homogeneização dos ouvintes/espectadores a partir da planificação do que lhes é
oferecido e o domínio crescente da indústria cultural reforçam a rigidez e a hegemonia
do sistema como forma de produção em massa.
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