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WITOLD KULA

TEORIA ECONÓMICA DO
SISTEMA FEUDAL

EDITORIAL PRESENÇA * LIVRARIA MARTINS FONTES


PORTUGAL. BRASIL,
Título original TEORIA EKONOMICZNA USTROJU FEUDALNEGO
PROBA MODELU
(g) Copyright by Pánatwowe Wydawnictwo Naukowe,
Varsóvia, 1962
Tradução de MARIA DO CARMO CARY

Reservados todos os direitos


para a língua portuguesa ã
EDITORIAL PRESENÇA, LDA.
Rua Auguslo Gil, 35-A — LISBOA
Capítulo I

A QUE PERGUNTAS DEVE RESPONDER UMA TEORIA


ECONÓMICA DO FEUDALISMO?

Diz Engels, no Anti-Duhring, que «quem tentasse redu-


zir a Economia Política da Terra do Fogo às mesmas leis
que regem hoje a economia da Inglaterra nada conseguiria
pôr a claro a não ser uns tantos lugares comuns da mais
vulgar trivialidade» *.
Pode perguntar-se se esta afirmação não contradiz os
fundamentos do legado científico de Marx e Engels. Há
efectivamente na teoria por eles elaborada muitas teses
que, por um lado, tanto se referem à economia da Terra
do Fogo como à da Inglaterra dos meados do século XIX,
e que, por outro lado, não são nem nunca foram lugares
comuns para os seus criadores ou para o mundo da ciência
da sua época. Pertence a esta categoria a tese de que as
relações económicas dependem das forças produtivas e que
as alterações dessas forças revolucionam aquelas relações,
a teoria da mutabilidade e da sucessão ordenada das estru-
turas socioeconómicas, a ideia de que essa sucessão é acom-
panhada por uma produtividade crescente do trabalho, e
muitas outras ainda. Para que a frase de Engels, atrás
citada, fosse congruente com a essência do legado dos cria-
dores do socialismo científico, teríamos de aceitar que
todas essas teses de aplicação universal pertenceriam não à
economia política, mas sim à área correspondente da filo-
sofia (o materialismo histórico). Nesse caso, na economia
política propriamente dita, caberiam apenas teses válidas
no máximo para a área de uma única formação socioeconó-
mica. O que implicaria uma concepção partieular dos limites
da filosofia e uma concepção particular das dependências

7
e das relações entre as diferentes disciplinas especializadas
(neste caso, a economia política) e a filosofia.
Seja como for que solucionemos , esta dificuldade, é evi-
dente — é mesmo um lugar-comum — que das muitas teses
que se podem formular sobre a actividade económica huma-
na, não poucas têm graus de aplicação cronológica e geográ-
fica diferentes, e que quanto mais vasto é o campo de aplica-
ção dessas teses, mais restrito é o seu conteúdo. Embora, se-
gundo parece, os criadores da economia clássica não tenham
relevado esta verdade, os economistas ocidentais dos nossos
dias conseguiram compreendê-la não só através das suas in-
vestigações sobre a economia dos países socialistas, como
também na economia contemporânea dos países subdesenvol-
vidos, semifeudais ou dos povos primitivos. A nota específica
do marxismo no que se refere a esta matéria pode resumir-se
em duas afirmações: 1) existem relativamente poucas teses
gerais de aplicação universal, sendo muito mais numerosas
as teses de aplicação limitada no tempo e no espaço (prin-
cípio que deriva da concepção da mutabilidade absoluta dos
fenómenos sociais em todas as suas formas, incluindo os
fenómenos da vida económica) e 2) a limitação no espaço
e no tempo da maior parte das teses económicas é definida
pelos limites dos próprios sistemas socioeconómicos (dado
o carácter integrante destes últimos na vida social).
Na sua forma extrema, a tese de que as leis económicas
mudam em simultâneo com a mudança das estruturas socio-
económicas desempenhou, como se sabe, determinada e
importante função ideológica no período estalinista. Esta
concepção iria impedir completamente a utilização de leis
económicas universais (mesmo as de aplicação mais ampla,
inclusive as marxistas) na análise da sociedade soviética.
Por isso è que, em nossa opinião, é de grande transcendência
cientifica e social afirmar que há no marxismo (ao contrário
do que nos diz a Frase de Engels, atrás citada) toda uma
série de teses de importância fundamental e nada triviais,
que são de aplicação universal à actividade económica huma-
na, ainda que convencionalmente as circunscrevamos ao
campo da economia política ou ao da filosofia. Seria suma-
mente útil para a ciência que se pudesse «codificar» *, em
certa medida, o alcance dessas teses, seleccionando as que
resistiram à prova das investigações científicas pós-marxia-
nas e especialmente à prova da experiência histórica pós-
-marxiana; dando-lhes também, para evitar os perigos do
dogmatismo, a forma de indicações metodológicas, roais do
que de leis.

8
Apesar de tudo o que acabámos de dizer, pareee-nos
certa, no momento, a tese marxista de que a maior parte
das leis económicas e justamente as de conteúdo mais rico,
tem um alcance espacial e temporal limitado, geralmente
circunscrito a um determinado sistema socioeconómico.
Neste sentido Marx criou a sua teoria do sistema capitalista,
enquanto Engels tentou criar uma teoria económica
do sistema da comunidade primitiva à altura da ciência
da sua época. No que se refere à formação de uma teoria
económica do sistema socialista, ela foi impedida por fenó-
menos bem conhecidos que travaram o desenvolvimento do
pensamento científico marxista, obrigando-o a enveredar
pela via empírica e pragmática e impondo-lhe o método
das aproximações sucessivas, que esperavam em vão por
uma síntese teórica. Só hoje é possível vislumbrar uma vira-
gem neste campo.
Por outro lado, a teoria do sistema feudal foi a que,
até agora, menos atraiu a atenção dos investigadores mar-
xistas 3 . O problema é, no entanto, importante, tanto do
ponto de visita teórico, como do ponto de vista prático.
E importante do ponto ae vista teórico, em virtude da uni-
versalidade &ui generis do feudalismo (no sentido mar-
xista do termo). Com efeito, todas as sociedades que ultra-
passaram já a etapa da comunidade primitiva passam por
uma qualquer forma de feudalismo, enquanto a falta
de universalidade do regime esclavagista é uma verdade
comummente admitida pela ciência marxista, depois do triun-
fo alcançado por B. D. Grekov na sua pugna homérica com
Pokrovski. O capitalismo surgiu de uma maneira «espontâ-
nea», ou seja, sem que se tenha feito sentir a influência
de algum capitalismo preexistente uma única vez na his-
tória da humanidade. O mesmo se pode dizer do socialismo.
Conhecemos, porém, no mundo diferentes feudalismos, sur-
gidos em sociedades e épocas diferentes, independentes uns
dos outros 4 .
A teoria do sistema feudal é também importante do
ponto de vista prático, devido às suas numerosas e fortes
sobrevivêncías em muitas nações; sobrevivências que pesam
ainda hoje na economia e no conjunto d"a vida social da
maioria dos países a que se costuma chamar subdesenvol-
vidos e cujos esforços no sentido de avançar pelo caminho
do progresso económico transformam, perante os nossos
olhos, a face do mundo. Daí o interesse despertado pelo
funcionamento de economias deste tipo tanto entre os inves-
tigadores dos países do Terceiro Mundo fa índia), como

9
entre os dos países avançados (E. U- A., Inglaterra, França,
Alemanha, e t c , e URSS).
A elaboração de uma teoria económica do sistema feu-
dal tem grande importância para a investigação histórica.
Por um lado, o historiador do feudalismo — se a reflexão
metodológica lhe não é totafmente alheia — sente como é
inadequada a teoria económica do capitalismo ao abordar
o objecto da sua investigação 5 ; por outro lado, a seu conhe-
cimento dos feudalismos antigos (menos acessíveis embora
à investigação, devido às muitas lacunas das fontes, mas
que têjn a vantagem de serem «puros», independentes das
influências do capitalismo, do imperialismo e do socialismo)
permite-lhe dar uma contribuição insubstituível para esta
tarefa r\
Tem-se observado ultimamente, no Ocidente, uma recru-
descência de interesse pela investigação comparada do
feudalismo. A obra precursora neste aspecto é, sem dúvida,
«La société féodale» 7 de Marc Bloch, e a «última palavra»
da ciência nesta matéria é — pelo menos até este momento
— a obra colectiva dirigida por R. Coulborn 8 .
Na União Soviética, o interesse teórico pelo feudalismo
aumentou muito a partir do momento em que Estaline publi-
cou os seus «Problemas económicos do socialismo na URSS».
Como é sabido, Estaline formulou nessa obra aquilo a que
chamou «leis fundamentais» do sistema capitalista e socia-
lista. O que implicava que, entre as muitas leis que é possí-
vel descobrir e que regem o funcionamento da economia de
cada um dos sistemas, uma e só uma tem «carácter funda-
mental». Não se sabe ao certo o que é que Estaline entendia
por «carácter fundamental». Tratar^se-ia de um elemento
de definição do sistema («chamamos capitalismo ou socia-
lismo a um sistema regido por esta ou por aquela lei») ? Ou
talvez esse «carácter fundamental» assentasse na superio-
ridade desta ou daquela lei relativamente a outras «não
fundamentais», que derivariam em certa medida dessa lei
«fundamental» ? 9 Seja como for, os historiadores soviéticos
(e também os de outros países socialistas) reagiram e puse-
ram-se à procura de uma «lei fundamental do feudalismo».
A revista «Voprosi Istorii» abriu as suas páginas a uma
polémica prolixa sobre este tema e, como acontece fre-
quentemente na ciência, apesar do ponto de partida e dos
objectivos serem falsos, acabaram por aparecer, no decurso
desse debate, observações e generalizações interessantes e
acertadas 1 ". O pressuposto em que se baseava a viagem de

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Colombo era falso, mas a América que descobriu era ver-
dadeira ",
Se quisermos raciocinar sobre a teoria económica feudal,
teremos de esclarecer primeiro a que perguntas deve res-
ponder uma teoria desta natureza, qual deve ser o seu âmbito
efectivo, a que perguntas deve responder qualquer teoria
económica de qualquer sistema; e, finalmente, é preciso
ver se o carácter específico de cada sistema implica que a
sua teoria deva responder a certas perguntas também espe-
cificas, inaplicáveis na análise de outros sistemas.
De tudo o que anteriormente se disse pode depreender -
-se que não é necessário incorporar na teoria económica de
um determinado sistema teses relativas à teoria geral da
economia (ou teses do materialismo histórico sobre a acti-
vidade económica humana). Incluímos também nesta cate-
goria a própria definição de sistema (neste caso, o feuda-
lismo) , Dizer, por exemplo, que o feudalismo é um sistema
assente na grande propriedade rural e em relações de depen-
dência pessoal entre o produtor directo e o proprietário
latifundista significa dar uma definição de feudalismo,
mas esta definição pertence à teoria das formações socio-
económicas, ou seja, a um aspecto da ciência geral da acti-
vidade'humana. Além disso, a formulação de proposições
deste tipo sob a forma de leis científicas («sempre que encon-
tramos o feudalismo, verificamos a existência da grande
propriedade rural... etc») eonduzir-nos-ia a tautologias
evidentes.
Ponhamos portanto de lado todas as afirmações relati-
vas a toda a actividade económica ou a formações antagó-
nicas, numa palavra, todas aquelas teses cuja aplicação
excederia os limites da época feudal, e procuremos formular
os problemas essenciais que a teoria económica de qualquer
sistema, e portanto também a do sistema feudal, deveria,
em nossa opinião, abordar 12 .
A nosso ver, a teoria económica de um determinado
sistema deveria explicar:

1) as leis que regem o volume do excedente econó-


mico 15 e as modalidades da sua apropriação (por exemplo,
as leis que regem o emprego de métodos extensivos ou inten-
sivos de produção, as que regem o grau de utilização das
forças e meios de produção, a teoria do rendimento feudal);
2) a s leis que regem a distribuição das forças e meios
de produção, e sobretudo a do referido excedente (tncluem-se
aqui as regras que regem toda a actividade de investimento,

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desde o estabelecimento de colonos até aos investimentos
feitos n a indústria, o problema da utilização produtiva ou
improdutiva do referido excedente, etc.);
3) as leis que regem a adaptação da economia às con-
dições sociais em mutação, ou seja, a dinâmica a curto prazo
(adaptação da produção ao incremento ou à diminuição da
população, a passagem do estado de guerra ao estado de
paz, etc.);
4) as leis da dinâmica a longo prazo, de modo parti-
cular os factores internos de desintegração do sistema em
questão e da sua transformação noutro sistema. Nenhuma
teoria estará completa se não contiver este elemento. E
digno de admiração o facto de Marx ter sabido incluir esta
problemática na sua teoria do capitalismo, apesar de esta ter
amadurecido no período da primeira juventude do sistema
capitalista.
Forniulando de outra maneira estas mesmas ideias,
poderíamos dizer que a finalidade da teoria económica de
qualquer sistema consiste em formular as leis que regem
o volume do excedente económico e a sua utilização (ponto 1
e 2), tendo em conta que ambas as questões têm de ser eluci-
dadas na sua dupla dimensão: a curto e a longo prazo
(pontos 3 e 4).
Fica ainda por examinar um outro ponto, que consisti-
ria na análise do funcionamento dos fenómenos de mercado
(interno e internacional) e do seu papel no conjunto da
vida económica da época feudal. Este problema deveria ser
abordado com outro critério. Os aspectos nele abrangidos
estão mais ou menos relacionados (o que depende princi-
palmente da fase do sistema feudal que analisarmos) com
as questões incluídas nos nossos quatro pontos. A conve-
niência de separar esta problemática deve-se ao facto
de ela dar origem a muitos mal-entendidos na investi-
gação: muitas vezes não se percebe que os fenómenos de
mercado na economia pré-capitalista se regem por leis por
vezes completamente distintas, e sobretudo que é totalmente
diferente a sua influência sobre o outro sector da economia,
ou seja, o sector não mercantil, e portanto também sobre a
totalidade da vida económica.
Ficam então por determinar:
o) o funcionamento dos fenómenos do mercado num
meio não mercantil e não capitalista;
_b) o mecanismo da influência do sector mercantil sobre
o não mercantil e vice-versa;
12
c) a periodização destes fenómenos de acordo com a
fase de desenvolvimento do sistema feudal, e especialmente
em relação com os factores da sua desintegração, presentes
nos mesmos fenómenos.
Decidimos no entanto não abordar este tema, já que de
outro modo o estudo de qualquer dos quatro grupos de pro-
blemas atrás mencionados se tornaria irrealizável. Este pro-
blema poderia também ser posto de outra maneira. O sis-
tema feudal é um sistema em que predominam pequenas
unidades de produção e uma economia natural. Pois bem,
imaginemos um caso extremo: uma pequena exploração
camponesa com uma economia totalmente natural que
realizasse, quando muito, a reprodução simples e sem outros
encargos além das prestações pessoais de trabalho ias cor-
veias"). As possibilidades de análise teórica do fenómeno (en-
tre outras razões por falta de fontes) seriam sumamente
limitadas. O facto é que na prática, à escala social, um caso
desses raramente se verifica. Só fenómenos como os esforços
para aumentar o rendimento social, a luta pela sua distribui-
ção, os processos de adaptação a curto e a longo prazo, possi-
bilitam a análise teórica. E todos eles se processam não sem
relação com os fenómenos de mercado.
Os objectivos que acabamos de enumerar, que a nosso
ver são aqueles que toda a teoria de qualquer sistema social
se deveria propor, indicam claramente que antes de mais nada
nos interessam os problemas da produção, o seu volume e
utilização, a produção para Q consumo imediato e para o
consumo futuro (os investimentos) e as alterações que, a
curto e a longo prazo, afectam estes fenómenos. A dificul-
dade está em que a produção que se efectua numa explora-
ção fechada e isolada do mundo dificilmente pode ser investi-
gada. De uma maneira geral, só o contacto entre os sujeitos
económicos, as relações inter-humanas, que são essencial-
mente relações de troca, possibilitam a análise científica,
porque só elas criam fontes históricas e, o que é mais impor-
tante, porque só elas permitem comparar os efeitos da acti-
vidade e do comportamento económico dos diferentes grupos
sociais. Ê por isso que a análise dos fenómenos do mercado
ocupará um lugar importante no nosso trabalho, mas o seu
propósito será sempre penetrar nessa zona oculta da vida
económica de que a fontes quase não falam, mas que é a
mais importante e decisiva: a produção.

13
I
I
Capítulo II

A CONSTRUÇÃO DO MODELO

A elaboração de uma teoria requer a construção prévia


de um modelo'. Esta questão gera muitos mal-entendidos
nas ciências humanas em geral, e na história económica em
particular.
A grande maioria dos historiadores não sente qualquer
necessidade de construir um modelo, e quando um deles o
constrói, os colegas indignam-se. O mito da história como
ciência do concreto, como ciência do acontecimento único,
o mito da história descritiva e narrativa, a que só interessa
o individual, tem conduzido ao alheamento e até à hosti-
lidade para com a construção de modelos. Não vale a pena
citar exemplos. Até na-s investigações sobre a história dos
preços houve autores que consideravam como uma fonte
histórica utilizável a notícia de que em tal dia fulano tinha
comprado uma quantidade X de arrobas de centeio a este ou
àquele preço, enquanto o registo oficial dos preços dos
cereais (H. Hauser) ou não era considerado como tal, ou
pelo menos não interessava ao historiador. A concepção ideo-
gráfica da história não implica apenas um método de inter-
pretação dos dados; é uma atitude que determina todos os
elementos e etapas do trabalho do historiador, a começar
pela crítica das fontes e pela selecção dos factos. A ciência
marxista, que em princípio é contrária à história ideográfica,
na prática identificou-se mais de uma vez com essa atitude
na investigação de épocas passadas. Concebida dogmatica-
mente, a tese correcta de que «a verdade deve ser concreta»
impediu muitas vezes a procura de novas leis.
Por outro lado, encontramos também na história da
ciência uma atitude que peca por um extremismo de sentido

15
contrário. No Congresso de Heidelberga de 1903, Sombart,
irritado com as críticas mesquinhas à primeira parte (que
tratava da Idade Média) do seu Der moãerne Kwpitalis-
tnus, exclamou: «Para tornar compreensível a vida econó-
mica contemporânea, criei uma construção chamada «Idade
Média». 32-me absolutamente indiferente a maneira como as
coisas se apresentavam realmente nessa época. Querer inva-
lidar as minhas teorias com objecções extraídas de traba-
lhos históricos é absurdo» 2. Não tomemos estas palavras à
letra, como expressão da atitude metodológica de Sombart,
mas antes como uma exclamação lançada no fervor da dis-
cussão; constituem, no entanto, uma expressão da atitude
que referimos.
Para que a teoria a construir possa ser mais do que um
jogo intelectual, o sistema de premissas deve corresponder
a relações realmente existentes nas sociedades que são o
objecto do nosso interesse. A teoria construída só será
válida por referência a sociedades (conhecidas ou a deseo-
fcrír no futuro') nas quais apareçam efectivamente os ele-
mentos que introduzimos no nosso modelo. Quanto maior for
a quantidade de elementos incorporados no modelo, tanlo
mais rica poderá ser a teoria construída, mas tanto menor
será também o número de sociedades por ela abrangidas.
Para os objectivos que pretendemos atingir, devemos
considerar aqui as possibilidades de construção de modelos
deste tipo a partir da observação de sociedades nré-capita-
Ustas do passado, e da investigação das sociedades pré-
-industriais atrasadas de hoje, cuja economia apresenta
um baixo grau de comercialização.
Nas investigações sobre os países atrasados de hoje,
o modelo mais generalizado e de maior utilidade (se bem
que não esteja formalizado) é o de Lewis s . Este modelo
assenta na delimitação de dois sectores: capitalist e
de subsistance, segundo a terminologia do autor, que
correspondem aos conceitos correntes de «sector comer-
cializado» e «sector natural» 4. No modelo de Lewis, todos
os factores do sector comercializado são mais elevados: o
capital, o rendimento per capita, a taxa de poupança e a taxa
de crescimento. O sector «natural» é totalmente estático.
Há uma série de instituições que têm por função manter
este estado de desequilíbrio económico entre os dois secto-
res. No sector comercializado, nor exemplo, há instrumentos
institucionalizados que mantêm os salários a um nível
superior ao que resulta da oferta de mão-de-obra. O único
contacto entre os dois sectores é praticamente a oferta

16
de trabalho do sector «natural» ao capitalista, oferta excep-
cionalmente elástica: pode recorrer-se, em qualquer momento,
a massas suplementares de operários, que se podem des-
pedir, quando necessário, com a mesma facilidade, mandan-
do-os de volta para o sector «natural». Todo o processo de
crescimento deste modelo dá-se no sector comercializado, e
o sector «natural» vai-se reduzindo simultaneamente até ser
absorvido por aquele.
A utilidade do modelo de Lewis para a investigação dos
países atrasados dos nossos dias é notável, mas em certos
aspectos limitada. O aspecto que desperta maiores objecções
é a nítida disjunção entre os dois sectores e a sua extrema
contraposição 5 .
Em primeiro lugar, a divisão em sectores do modelo
de Lewis coincide com a divisão por tipo de empresa,
sendo pois incluída no sector comercializado toda a indústria
e a grande propriedade rural. Se adoptarmos como critério
de classificação a importância que têm na gestão da empresa
os seus vínculos com o mercado, a classificação de Lewis
será correcta. E„ no entanto, evidente que uma empresa
industrial, e com mais razão ainda uma grande propriedade
rural, actuam e calculam de maneiras diferentes no meio
típico de um país atrasado. A divisão em dois sectores, a que
Lewis atribui muito justamente uma importância primordial,
não corresponde a uma divisão das empresas, uma vez que,
na maioria dos casos, a linha divisória passa peio meio de
cada uma delas. E tanto assim que muitas vezes podemos pôr
razoavelmente em dúvida se uma grande propriedade rural
pertence ao sector capitalista ou não. O carácter específico
do cálculo económico da empresa numa realidade «bissecto-
rial» é aqui o problema mais importante e, sem o
compreendermos a fundo, não podemos apresentar uma
explicação dos obstáculos fundamentais que travam o cres-
cimento económico autónomo da maioria dos países subde-
senvolvidos fe particularmente daqueles que incluímos no
grupo dos países pós-feudais).
Lewis tem evidentemente razão quando insiste nas possi-
bilidades ilimitadas da oferta de mão-de-obra. Formula no
entanto este postulado de um modo demasiado abstracto.
O excesso notório de população do agro que produz essa
oferta de mão-de-obra, teoricamente ilimitada, é geralmente
acompanhado por manifestações de extrema imobilidade
da referida oferta. Para que essa oferta de mão-de-obra,
teoricamente ilimitada, seja efectiva, é necessário que a
sociedade camponesa tradicional se encontre num estádio

17
relativamente avançado de desintegração. Existiam efecti-
vamente possibilidades ilimitadas de oferta de mão-de-obra,
por exemplo, na Polónia, antes da última guerra, mas não
as há, pelo contrário, no México de hoje °. Além disso, nem
sempre é certo que essa oferta de mão-de-obra coincida
com factores institucionais que mantenham oa salários do
sector comercializado acima do nível determinado, pela oferta.
Onde essa oferta ilimitada existe efectivamente e não apenas
em teoria, como, por exemplo, na Polónia de antes da guerra,
os salários tendem a baixar, embora se mantenham sempre
acima dos rendimentos médios da pequena exploração agrí-
cola. Por outro lado, os salários mantêm-se a alto nível
nos países onde factores institucionais e económicos obstam
à transformação da oferta potencial em oferta efectiva.
De resto, quando se constrói um modelo, é difícil abstrair
de um fenómeno tão significativo e tão difundido na econo-
mia dos países subdesenvolvidos como é a enorme ampli-
tude do espectro salarial, que chega ao ponto de se poder
falar de dois mercados de trabalho. Esta afirmação refere-se
sobretudo ao trabalho qualificado (geralmente muito caro
nesses países) e ao trabalho não qualificado (geralmente
muito barato). Em muitos países, essa divisão é reforçada
por diferenças étnicas e privilégios institucionais concedidos
a trabalhadores imigrantes «brancos» em relação aos «indí-
genas». E possível observar certos aspectos desse fenómeno
na Polónia do século XIX e dos começos do século XX, por
exemplo, na região de Lodz ou na Alta Silésia, nas condi-
ções respectivas do trabalhador alemão e polaco. Nalguns
países subdesenvolvidos dos nossos tempos é essa uma das
manifestações de «economia dualista» T.
Finalmente, levanta também objecções o postulado de
que o sector «natural» é totalmente estável 8 . Se assim
fosse, a perspectiva do desenvolvimento económico desses
países seria mais triste do que o é na realidade,, JJáo é" certo
que a pequena exploração agrícola nunca tenha possi-
bilidades de reprodução alargada, de investimento e dfi.
aumento da produtividade do trabalho. Na Birmânia, o State
Agricultural Marketing Bòcurâ, ao garantir aos agricultores
a venda de qualquer quantidade de arroz a preço fixo (infe-
rior, embora, ao preço mundial), deu origem a um aumento
da produção da ordem dos 10% no decurso de 4 anos 9 . É
sabido que toda a reforma agrária liberta grandes, possi-
bilidades de crescimento. E também não se pode introduzir
no modelo o fluxo da mão-de-obra do sector «natural» para
o comercializado, negando ao mesmo tempo a possibilidade

18
de desenvolvimento das pequenas explorações agrícolas;
justamente quando estas se libertam do lastro dos «braços
supérfluos», elevam o grau de comercialização e acumulação,
começam a ter possibilidades de investir e, por conseguinte,
de aumentar a produtividade do trabalho e da terra; passam
a constituir um mercado de venda para a indústria, ou seja,
para o sector comercializado, etc.
Por último, Lewis considera como um fenómeno positivo
toda a transferência do sector «natural» para o comerciali-
zado, uma vez que a produtividade marginal do trabalho
no primeiro — devido ao excesso de população — é igual a
zero. Dado que esta premissa é impugnável no caso de
alguns países subdesenvolvidos, também a conclusão nem
sempre será válida.
Não se pode afastar «a limine» a existência de factores
de crescimento no sector minifundista de um país subde-
senvolvido. Esses factores são muitas vezes insignificantes
e actuam lentamente, é geralmente muito difícil fazer um
registo estatístico dos mesmos mas, quando actuam em
escala maciça, desempenham frequentemente um papel
importante na vida económica do país.
A história económica, e especialmente a história econó-
mica marxista, compreendeu há muito o papel da capitaliza-
ção, da comercialização e da intensificação da agricultura
no período de emergência da sociedade industrial. Sabe-
mos alguma coisa quanto a este ponto tanto a respeito da
Inglaterra, como da Europa Central ou da Rússia. O histo-
riador da economia dá-se perfeitamente conta das dificul-
dades ingentes que o estudo dessa problemática encerra.
IS por isso que a colaboração entre o investigador da econo-
mia dos países subdesenvolvidos e o historiador da economia
pode ser mutuamente proveitosa.
Retenhamos então, do modelo de Lewis, sobretudo a
divisão em dois sectores, coneebendo-a de uma forma um
pouco diferente. A nosso ver, essa divisão é o ponto de
partida da análise económica de qualquer sociedade pré-
-industrial. Retenhamos também da crítica que fizemos a
Lewis a distinção entre os países em que a desintegração
da sociedade rural tradicional está avançada, em que a
oferta efectiva de mão-de-obra é praticamente ilimitada e
o seu preço é baixo, e os países em que, apesar de haver
um excesso de população na agricultura, se observa uma
mobilidade muito fraca da mão-de-obra e os salários são
muito mais elevados.
19
Podemos citar como exemplo da construção de um
modelo deste tipo, feito, neste caso, por um historiador e com
finalidades de investigação histórica, a tentativa de F.
Mauro ,0 . O autor constrói o modelo para elaborar uma teoria
do funcionamento da economia da Europa Ocidental, e parti-
cularmente da Franqa, nos séculos XVI-XVTIT, que, segundo
ele, constituem o período do capitalismo mercantil, ou seja,
o período no qual a direcção e os lucros da produção estão
nas mãos dos comerciantes e no qual — embora, como ê
natural, nem toda a vida económica se reduza a isso —
o capital mercantil é o «sector motriz» em torno do qual
gravita a totalidade da vida económica do país.
Os trabalhos de Labrousse e dos seus sucessores são, pa-
ra Mauro, a base sobre a qual constrói uma teoria da dinâmica
económica do capitalismo mercantil à escala macroeconómica.
Deve-se-lhe seguir uma outra fase, de investigação micro-
económica; estudos sobre a contabilidade das empresas, a
relação preços-custos, o cálculo dos investimentos, a distri-
buição dos rendimentos, etc.
Dada a sua aversão às generalizações teóricas, tão difun-
dida entre os historiadores, Mauro julga necessário demons-
trar a justeza dos seus postulados, afirmando que o estabe-
lecimento de correlações eonstantes permitirá ao historiador
compreender os casos em que não há documentação histó-
rica, ligar os elementos conhecidos num todo coerente e,
principalmente, estabelecer comparações com as leis que
actuam no período seguinte (a que dá o nome de capitalismo
industrial) e compreendê-las, portanto, melhor, uma vez
que «para compreender a economia do presente é preciso
compreender a economia do passado.

Mauro divide as leis económicas em:

1) leis universalmente válidas, que se aproximam mui-


to das leis da lógica;
2) leis que se manifestam universalmente num dado
sistema socioeconómico, v. gr. o mecanismo do lucro como
elemento inerente ao sistema capitalista; ,
3) mecanismos próprios daquilo a que chamamos uma
estrutura definida, como por exemplo o «capitalismo mer-
cantil» no sentido atrás referido, ou seja, um sistema de
relações que se manifesta em mais de um país, mas dentro
de limites temporais e espaciais muito mais restritos do que
os dos grandes sistemas socioeconómicos ".

29
Segundo Mauro, o método de análise adequado inclui
três etapas: 1) macroanálíse estática; 2) microanálise;
3) macroanálíse dinâmica 12. Daqui poderia deduzir-se que
o elemento impulsionador da economia social reside, segundo
ele, na actividade de entidades economicamente operantes
(«empresas»). Mas não é assim, porque no seu esquema a
microanálise sucede à macroanálíse estática, de maneira
que é esta última que deve proporcionar o «sistema social
de referência» apto a explicar a actividade das empresas.
Mauro constrói o modelo propriamente dito a partir
dos seguintes elementos: 1} predomínio quantitativo da
agricultura na economia do pais; 2) tendência ,para o
esgotamento dessa agricultura; 3) elevado grau de comercia-
lização, que proporciona aos comerciantes enormes possibi-
lidades de acção; 4) influência da actividade comercial sobre
a variação incessante dos factores do cálculo económico das
empresas agrícolas e industriais, que dependem grande-
mente da comercialização, devido ao significado desta; 5)
penetração gradual do capital mercantil na produção. Para
os nossos objectivos, este modelo pode servir apenas como
«modelo de contraste».
Dada a falfa, de experiência neste sentido na
ciência actual, resolvemos encarar a nossa tarefa de
uma forma relativamente limitada, construindo um esque-
ma de funcionamento da economia a partir do exemplo con-
creto das relações económicas que prevaleciam na Polónia
nos séculos XVI-XVIII, ou seja- na época em que predo-
minava o sistema do domínio sennorial assente na servi-
dão. Este esquema será aplicável, ao menos parcialmente,
na análise de outraa entidades históricas? Não está provado
que o não seja (por exemplo, para o caso da Hungria ou
da Rússia), mas deixemos esta questão para uma investi-
gação ulterior.
Do conjunto das relações que prevaleciam na Polónia
dessa época, incorporaremos no modelo, sob uma forma sim-
plificada, os seguintes elementos: 1) o predomínio avassa-
lador da agricultura na economia; 2) o facto de a terra
não ser uma mercadoria, principalmente devido ao mono-
pólio da propriedade rústica exercido pela nobreza, mas
também porque a taxa de juro dos empréstimos em nume-
rário supera a rentabilidade da exploração agrícola; 3)
distribuição da totalidade das forcas produtivas na agricul-
tura entre a aldeia e a reserva senhorial; 4) barreiras ins-
titucionais eficientes contra a mobilidade social e geográ-
fica, especialmente dos camponeses (servidão da gleba);

21
5) a maior parte das prestações do campesinato assume
a forma de trabalho; 6) produção artesanal e industrial
integrada quer na grande propriedade rural, quer em orga-
nizações gremiais; 7) ausência de restrições jurídicas que
limitem a opção económica da nobreza; 8) forte propensão
da nobreza para o consumo de luxo, determinada por factores
inerentes ao regime social; 9) existência de países econo-
micamente mais desenvolvidos num raio acessível à comuni-
cação; 10) ausência de intervenção do Estado na vida econó-
mica (nem sequer por intermédio de taxas proteccionistas
ou medidas semelhantes).

A selecção e conveniência destes postulados, e sobre-


tudo a sua formulação categórica, poderiam discutir-se inter-
minavelmente. Ê certo que houve na Polónia aldeias perten-
centes à burguesia, mas não só eram muito pouco numerosas,
como ainda não é certo que o proprietário burguês as admi-
nistrasse de forma diferente do nobre. Por outro lado sabe-
mos com toda a certeza que os elementos de cálculo que
tanto o burguês como o nobre tinham de ter em conta eram
os mesmos (flutuação das colheitas, nível e flutuação dos
preços, custos de transporte, e t c ) . E certo que havia na
Polónia uma classe, a que se chamava a pequena nobreza,
que não possuía servos, mas esse fenómeno, sendo embora
numericamente significativo, só aparecia em regiões bem
delimitadas e duvido que a sua introdução no modelo pudesse
alterar alguma coisa, fi certo que houve na Polónia campo-
neses isentos de prestações, mas ninguém poderá afirmar
que foi um fenómeno típico. Também é certo que havia nas
cidades artesãos não integrados nas corporações, mas é natu-
ral (se bem que a história da actividade artesanal na Polónia
esteja pouco desenvolvida) que eles estivessem, por um lado,
frequentemente sujeitos a uma dependência pessoal, e que,
por outro, tal como o owíswíer face ao trus% não atentassem,
até no seu próprio interesse, contra o monopólio das corpora-
ções, aproveitando-se dele para venderem os seus produtos a
um preço inferior — se bem que não muito inferior — ao
estabelecido por aquelas. Poderiam multiplicar-se as objec-
ções, mas deixemos ao críticos o ónus -proba-ndi.
Estes postulados poderiam também ser discutidos do
ponto de vista da sua limitação geográfica e cronológica.
Não se aplicam com toda a certeza aos territórios periféri-
cos (Pomerânia, Ucrânia) nem a períodos extremos (pri-
meira metade do século XVI e, possivelmente, segunda me-
tade do XVTEI). O medo da crítica poderia induzir-nos a redu-

22
zir os limites no tempo e no espaço. Mas onde situá-los
então? Será talvez preferível não o fazermos, e declararmos
simplesmente que nos propomos abordar os aspectos domi-
nantes da história económica da Polónia na Idade Moderna.
A lista de elementos do nosso modelo poderia ser tam-
bém muito mais extensa. Mas nessa altura seria necessário
investigar se a incorporação dos elementos omitidos altera-
ria os resultados da nossa análise, apontando para um fun-
cionamento diferente do modelo. E ao pormos o problema
dessa maneira, estou certo de que verificaríamos que os ele-
mentos enumerados eram suficientes.
Como se processa, neste quadro, a vida económica e
quais as suas regularidades? Ê o que nos propomos mos-
trar no nosso trabalho. E se o nosso raciocínio tiver de assen-
tar, em mais de um caso, em bases empíricas relativamente
fracas, isso deve-se ao facto de que o abundante material
científico relativo à história económica da Polónia nos sécu-
los XVI-XVHI não foi compilado do ponto de vista dos
numerosos problemas que nos interessam. No caso de inves-
tigações ulteriores invalidarem alguma das nossas hipóteses,
será para nós motivo de satisfação o termos contribuído para
esclarecer «como ê que as coisas se passaram na realidade».
«O gosto do manjar conhece-se ao comer». O mesmo
acontece na construção de um modelo. Permitam-me pois
que cozinhe o manjar... e o leitor que aprecie o sabor, e
que diga se a minha tentativa foi ou não fecunda.

23
Capítulo IN

DINÂMICA DE CURTO PRAZO

O cálculo económico da empresa feudal

Afirmações como: «Cada época tem as suas próprias leis


económicas» ou «Para investigar uma realidade diferente
são necessários instrumentos de investigação também dife-
rentes» são frequentemente repetidas, sem que se faça uma
reflexão crítica sobre o seu conteúdo exacto. Estas afirma-
ções são no entanto correctas, e o facto de nem sempre
se lhes dar a devida atenção tem originado muitos erros.
Surgem grandes dificuldades, de que às vezes não nos
damos conta, sobretudo na análise do funcionamento econó-
mico da empresa feudal 1 . A análise da empresa devia, em
princípio, proporcionar-nos respostas para as seguintes duas
perguntas:

1) Quais são os resultados objectivos da actividade


da empresa, ou seja, os produtos por ela elaborados repre-
sentam um valop-maior do que a soma dos bens utilizados na
sua produção?
2) Quais os motivos e a orientação da actividade do
sujeito económico observado (e portanto, muito provavel-
mente, também da dos sujeitos análogos) ? Neste sentido,
a análise de empresa é um método que pode e deve ser
aplicado a qualquer sistema económico a investigar. Por
outro lado, não se pode — como o veremos mais adiante —
aplicar, na análise da empresa feudal, métodos elaborados
para a análise da empresa capitalista.

25
Os métodos de análise da empresa capitalista foram
frequentemente utilizados na análise de empresas não capi~
talistas, tanto na Polónia como noutros países, e tanto em
relação a material histórico como a países contemporâneos
economicamente atrasados. O resultado, porém, foi sempre
uma reãuatio aã ábsurdvm.
Para explicarmos este ponto, passamos a apresentar os
dados do balanço económico de uma propriedade senhorial
média do sul da Polónia, que compreendia três unidades de
exploração, nos anos de 1786-1798 (em zlotys: 1 zloty
= 30 grosz) \
Receitas em dinheiro 13 826,20 7 388,27 6 580,03
Despesas em dinheiro 3988,14 3 354,22 4373,06
Lucro em dinheiro 9 838,06 4034,05 2606,27
Prestações pessoais (corveias) ,.. 12 703,10 7 223,18 4180,24
Outras prestações dos camponeses 3 533,04 1290,24 330,15
Soma das prestações dos campo-
neses 16236,14 8514,12 4511,09
Valor da propriedade -. 160000,— 61000,—
Lucro em dinheiro em % do valor 6,2% 4,3%
Taxa de monetarização • 24 % 32% 51 %
1 zloty gasto anualmente produz
um lucro anual de 2,5 zl. 1,2 z.I 0,6 zl.
Gastos do senhor em dinheiro ... 3 988,14 3 354,22 4 373,06
Contribuição das prestações pes-
soais 12703,10 7223,18 4180.24

Soma dos custos de produção


(mínimo) 16691,24 10578,10 8 554 —
Receitas do senhor em dinheiro 13 826,20 7 388,27 6980,03

Perdas 2065,04 3189,13 1573,27

Como vemos, esta empresa é rentável, e em alto grau,


seja qual for o ponto de vista que presida à elaboração do
cálculo.
As duas reservas senhoriais, cujo preço de compra
conhecemos, rendem anualmente mais de 5%, e se acrescen-
tarmos a esse rendimento as prestações dos camponeses em
espécie e em dinheiro, mais de 7%. Cada zloty gasto no
decurso do ano rende quase 1,5 zloty, ou seja' 50% dos
gastos correntes em dinheiro. O capital circulante é relati-
vamente reduzido (11.716 zlotys 12 grosz por ano, enquanto
duas das três propriedades custaram 221.000 zlotys!)

* Relagao percentual entre os gastos em dinheiro e a soma dos


gastos em dinheiro+valor d a s prestações pessoais.

26
mas produz anualmente um lucro líquido de 16.479 zl. 8 gr.
Acrescente-se ainda que os gastos em dinheiro no consumo
pessoal da família do proprietário são reduzidíssimos, uma
vez que ascendem apenas a 1.948 zl. 2 gr. por ano 3 .
A situação apresenta-se, porém, de uma maneira com-
pletamente diferente quando a considerarmos do ponto de
vista do camponês. Os encargos anuais do camponês equi-
valem a quase o dobro do lucro anual líquido do senhor. Os
camponeses perdem portanto muito mais do que aquilo
que o senhor ganha! O que acontece então ao resto?
Calculando o custo social de produção daquelas três
propriedades segundo regras capitalistas, teríamos de incluir
pelo menos os gastos do senhor destinados à produção e o
valor do trabalho com que os camponeses contribuem. O
total ascende a 35.824 zl. 4 gr., enquanto as receitas
totais em dinheiro só representam 28.195 zl. e 20 gr. E certo
que a propriedade dava também um lucro não monetário,
sobretudo na forma de consumo próprio do senhor e da
família, mas, por outro lado, não incluímos nos custos diver-
sos investimentos não monetários realizados tanto pelo
senhor como — sobretudo — pelos camponeses.
Do ponto de vista do senhor, a propriedade é muito
rentável, já que deixa mais de 16.479 zl. 8 gr. de lucro líquido
(dizemos «mais de», porque não podemos determinar a ordem
de grandeza dos lucros monetários). Mas se incluirmos o
custo do trabalho dos camponeses utilizado na produção, o
balanço acusará uma perda anual de 7.618 zl. 14 gr., que na
realidade é ainda maior, mas não estamos em condições de de-
terminar o valor dos investimentos não monetários (por exem-
plo, a conservação dos utensílios de trabalho e do gado nas
explorações camponesas). E finalmente, se incluirmos o valor
das outras prestações dos camponeses (além do trabalho),
a perda anual atingirá os 12.782 zl. 27 gr.
Apesar disso esta «empresa» funciona durante anos e não
abre falência, nem coisa que se pareça. O seu proprietário
leva uma vida luxuosa e não limita os seus gastos monetários.
Tem a arca cheia de dinheiro (nela entram anualmente
16.478 zl. 8 gr. de lucro líquido em dinheiro, enquanto os
seus gastos em dinheiro para fins de consumo atingem apenas
os 1.948 zl. 2 gr.). Nada indica também que a propriedade se
vá desvalorizando *. Pode naturalmente admitir-se que se
Verifica uma pauperização das explorações camponesas —
as fontes nada nos dizem sobre isto —, mas são certamente
mais frequentes os casos em que ela se não verifica. O senhor
pode vender a sua propriedade em qualquer momento, e o

27
preço que receberá por ela dependerá unicamente do jogo da
oferta e da procura de propriedades rurais nesse momento.
Ao procurarmos índices adequados ao carácter especí-
fico da empresa analisada, aplicámos, como se pode ver,
alguns coeficientes «inusitados»:

1) Calculámos a relação entre os gastos monetários


com fins produtivos e o lucro monetário líquido, ou seja,
calculámos o lucro anual líquido produzido por um zloty
gasto com fins produtivos;
2) Calculámos aquilo a que chamámos «taxa de mone-
tarização da produção», ou seja, o índice que nos mostra a im-
portância dos gastos produtivos em dinheiro dentro do
conjunto dos gastos produtivos, e, como nos era impossível
calculá-lo com uma exactidão absoluta, considerámos como
aproximação verosímil a relação entre os gastos monetários
e a soma destes mais o valor das prestações pessoais.

O primeiro destes índices é relativamente verídico, uma


vez que a contabilidade dos nobres — despreocupada em
matéria de investimentos não monetários — regista escrupu-
losamente as receitas e despesas monetárias. O segundo
destes índices é com toda a certeza exagerado, uma vez que
conhecemos com bastante exactidão os gastos monetários,
enquanto os gastos produtivos globais eram certamente
maiores do que a soma dos gastos em dinheiro e do valor
do trabalho prestado pelos camponeses. Dado que havia,
porém, em todas as propriedades gastos não monetários
para além do trabalho, este coeficiente mantém o seu valor
informativo.
Convém insistir no facto de que os dados apresentados
sugerem que existe uma relação inversa não só entre o grau
de monetarização do processo de produção e a rentabilidade
monetária (o que não é de estranhar, uma vez que tal se
depreende do próprio pressuposto), como também entre o
grau de monetarização e a rentabilidade em geral. O coefi-
ciente de monetarização da produção é de 51% em Moczerady,
mas apenas de 24% em Izdebki, porém um zloty investido
na produção rende em Izdebki 2,5 zl. de lucro líquido,
enquanto em Moczerady rende apenas 0,6 zl., e o rendi-
mento produzido pelo capital investido na compra da
propriedade equivale a 6,2% em Izdebki, enquanto em
Moczerady é só de 4,3%. Esta importante questão exige,
evidentemente, uma verificação assente em material mais
amplo \

28
Voltemos porém ao problema da rentabilidade da em-
prega. No exemplo citado, a empresa mostrou-se altamente
rentável quando considerámos apenas o aspecto monetário,
e claramente deficitária quando incluímos no cálculo uma
avaliação dos custos não monetários. Pode considerar-se este
um resultado típico*. Ao analisarmos uma empresa feudal,
obtemos quase sempre resultados semelhantes.
Este problema, que aparentemente tem a ver com a
técnica de investigação, é, na realidade, muito mais vasto
e toca em questões teóricas fundamentais. Por um lado diz
respeito a todo o tipo de empresas cuja actividade não
assenta no trabalho assalariado 7 . Por outro lado, toca
numa questão de carácter essencial: o cálculo económico e a
racionalidade das decisões económicas em sistemas que não
assentem no livre jogo dos fenómenos de mercado.
Teremos ocasião de, mais adiante, voltar a todas essas
questões.
A dificuldade referida não respeita porém apenas ao
aspecto do trabalho obrigatório; pode aplicar-se a todos os
elementos da produção não adquiridos no mercado.
Tomemos o exemplo da madeira. Em 1785 um tal Tor-
zewski publicou, em Berdyczow, um manual polaco de fabri-
co de vidro 8 . Esse manual, redigido sob a forma de diálogo,
começa com uma cena em que o Alcaide (símbolo do pro-
prietário fundiário abastado) elogia, perante o senhor Wia-
domski (porta-voz do autor), o modo de administração que
introduziu nas suas propriedades. Menciona como a maior
vantagem do sistema aplicado, a auto-suficiência das suas
propriedades (não precisa de comprar quase nada). Dirige-se
a Wiadomski pedindo-lhe conselho numa única questão:
como aproveitar os muitos bosques que possui, onde as
árvores crescem sem qualquer proveito e a madeira se des-
perdiça? Wiadomski apresenta-Ihe então o projecto de cons-
trução de uma fábrica de vidros em cujos fornos poderia apro-
veitar a madeira como combustível. E interessante o facto
de Wiadomski justificar o seu projecto com o argumento de
que existe um mercado local para artigos de vidro s ; por outro
lado, a maneira como o Alcaide formula o problema indica
que, nesse período, não havia, nessa região, possibilidade
de vender madeira em bruto. Para o Alcaide, essa madeira
é de momento inútil e, portanto, desprovida de valor. Aceita
com grande alegria o projecto de a queimar numa fábrica de
vidros.
Que lição podemos tirar deste breve diálogo, certamente
realista? A situação descrita nesta cena indica que a decisão

29
económica de utilizar a madeira como combustível numa
fábrica não é uma opção económica, uma vez que o Alcaide
não tem, ou, pelo menos, não vislumbra nenhuma outra
possibilidade. A maneira de formular esta tese é evidente-
mente um tanto ou quanto paradoxal. A construção da
fábrica de vidros pelo Alcaide é, ao fim e ao cabo, uma opção
económica. O que este diálogo inegavelmente demonstra,
é que se pretendêssemos fazer o balanço da fábrica de vidros
atribuindo à madeira nela queimada o preço que o Alcaide
ou o seu vizinho teriam de pagar para a comprar, obtería-
mos resultados exorbitantes. O proprietário de um bosque
situado nas margens de um rio navegável, antes de construir,
por exemplo, uma fábrica de vidros, tem de calcular se ganha
mais transportando a madeira a flutuar até ao porto ou
vendendo o vidro obtido mediante a combustão dessa mesma
madeira (tendo em conta a diferença de outros custos rela-
cionados com ambas as operações). Mas o Alcaide do manual
de Torzewski não raciocinava nestes termos. Que instru-
mentos de cálculo devemos pois aplicar às suas decisões
económicas?
A plena possibilidade de escolha só existe num mer-
cado «perfeito». Mas o mercado «perfeito» é uma abstrac-
ção teórica da qual se afasta em diferentes pontos, inclusive
a própria realidade capitalista liberal. Aplicar essa abstrac-
ção ao estudo da economia feudal é um anacronismo crasso.
Mas numa economia pré-capitalista as pessoas também
fazem cálculos, ainda que à sua maneira. Sombart não tinha
razão ao considerar a contabilidade como uma invenção
«do espírito capitalista». Talvez que em épocas pré-capita-
listaa se tenham mais frequentemente em conta motivos
extraeconõmicos, mas não é certo também que esses motivos
sejam de todo dispiciendos no capitalismo. Como investi-
gar, então, o cálculo económico pré-capitalista e as leis da
actividade económica que lhe são próprias?
Com base no estado actual da ciência, podemos formular
a suposição de que, se fizéssemos o balanço de uma «empre-
sa» feudal (latifúndio, grandes propriedades, reserva senho-
rial ou manufactura) utilizando os métodos da contabilidade
capitalista, ou seja, atribuindo um preço a todos os elementos
que entram na produção e adquiridos no mercado 10 (terre-
no, edifícios, matérias-primas, e t c ) , teríamos de concluir,
quase sempre, que essa empresa funcionava com perdas.
Se, pelo contrário, fizéssemos esse cálculo sem ter em conta
esses elementos, o balanço revelaria geralmente lucros
enormes.

30
Daqui poder-se-ia inferir que a diferença entre estas
duas grandezas poderia ser a medida do desperdício social.
Afirmar tal coisa seria certamente uma simplificação ex-
cessiva.
O problema é mais complexo.
Antes de mais, temos de reconhecer que o primeiro
desses resultados é completamente absurdo: todas ou quase
todas as «empresas» de um país não podem funcionar
durante muito tempo quase constantemente com défice,
quando, por outro lado, se não observam indícios de uma
decadência económica catastrófica do país. Mas o segundo
resultado, no qual todas ou quase todas as empresas apresen-
tam constantemente enormes lucros, sem que se observem
simultaneamente indícios de um grande progresso da econo-
mia nacional, é igualmente inverosímil.
No primeiro caso, aplicando o método capitalista de con-
tabilidade, obtemos custos manifestamente exagerados. Na
economia capitalista é lícito (com certas reservas, por exem-
plo, em relação à economia minifundista) calcular a preço
de mercado os elementos não comprados que entram
na produção, uma vez que a fórmula: «se tivessem
passado pelo mercado, o preço de mercado não teria variado»
não se afasta muito da realidade. Ou seja, temos razões para
supor que o proprietário dos ditos elementos (matéria-prima
ou mão-de-ohra), em vez de os utilizar na produção, poderia
vendê-los no mercado ao preço corrente. Este raciocínio
aplicado ao feudalismo é absurdo. Como vimos para o exem-
plo da madeira numa região sem vias de navegação, frequen-
temente não havia qualquer possibilidade de vender deter-
minada matéria-prima no mercado, e essa matéria-prima
não podia portanto ser efectivamente considerada como uma
«mercadoria». Suponhamos, por outro lado, que toda a mão-
-de-obra da Polónia do século XV111 passava pelo mercado;
o seu preço situar-se-ia então muito abaixo dos preços efecti-
vamente pagos na época à parte reduzida dâ massa dos
trabalhadores que trabalhavam a troco de um salário.
No segundo caso — ou seja, excluindo do cálculo de
custos os elementos não adquiridos no mercado — os custos
ficariam reduzidos ao mínimo, tendendo para o zero em
casos extremos. Na manufactura de panos dos Radziwill em
Nieswiez — caso investigado por mim — o único gasto mone-
tário relacionado com a sua fundação foi praticamente a
compra de corantes em Koenigsberg. Não há dúvida de que
este cálculo também deforma a realidade. A deformação será
mais evidente se recordarmos um fenómeno muito conhecido

31
na história do latifúndio polaco, a «degradação» da proprie-
dade, tantas vezes motivo de acusações aos admi-
nistradores e aos rendeiros. Traduzida em linguagem
económica, a «degradação» significa a diminuição da capa-
cidade produtiva que essa propriedade representa potencial-
mente. Como se sabe, os processos por «degradação» eram
extremamente confusos e era muito difícil provar ou refutar
a acusação. O que não é de estranhar. A contabilidade de
então tinha regras elaboradas e uniformes apenas no que se
referia ao aspecto monetário das receitas e das despesas,
mas em geral não tomava em conta o valor da propriedade
ou as mudanças que podiam dar-se nela 11 . O facto não cons-
titui uma mera expressão da falta de «sentido de cálculo» ou
de conhecimentos económico-matemáticos. A avaliação de
todos os bens (móveis ou imóveis) que constituíam a proprie-
dade a preços de mercado correntes teria sido uma operação
injustificada, inclusive teoricamente, nas condições econó-
micas da época ia . E ainda que se procedesse a uma avalia-
ção desse tipo, seria impossível reduzir a um denominador
comum as alterações do potencial produtivo da propriedade
em determinado período económico: edifícios e utensílios,
número de cabeças de gado, superfície dos bosques, etc.
Por todas estas razões era objectivamente insolúvel a ques-
tão de saber se a «degradação» se tinha verificado efectiva-
mente e, no caso afirmativo, a determinação das suas dimen-
sões (o que conferia à nobreza polaca, conhecida pelo seu
gosto pelos processos judiciais, possibilidades verdadeira-
mente fantásticas).
Na economia de dois sectores (monetário e natural), o
sector natural é, em princípio, primordial para o camponês
e o monetário, para o nobre. Tudo o que possa aumen-
tar as receitas em dinheiro é visto com agrado pelo nobre.
Não se pode, no entanto, saber com exactidão, no sis-
tema vigente, se esse acréscimo foi conseguido a expensas do
património da propriedade. Daí a contradição entre a ânsia
de aumentar as receitas em dinheiro e o desejo de evitar a
«degradação».
De qualquer maneira, se abstraíssemos dos elementos
não adquiridos e utilizados na produção, poderíamos consi-
derar rentável uma manufactura cujo funcionamento redu-
zisse consideravelmente noutros aspectos o potencial pro-
dutivo da propriedade. Tyzenhaus, administrador dos bens da
coroa na Lituânia nos anos 1768-1780, construiu manufac-
turas que aumentaram muitíssimo as receitas do rei, mas

32
também é verdade que esses domínios13sofreram uma grande
«degradação» durante esse período .
O problema complica-se mais em virtude de um elemento
adicional de difícil avaliação. Suponhamos o caso de uma
manufactura (como a fábrica de vidro do exemplo anterior)
que devasta os bosques de uma determinada propriedade.
A avaliação económica deste fenómeno está dependente do
facto de haver ou não, nesse lugar e nessa época, outras
possibilidades de aproveitamento da madeira,, por exemplo,
enviando-a por flutuação até uma cidade portuária, o que,
como sabemos, nem sempre era possível. No caso de não
haver essa possibilidade, a «queima» dos bosques nos fornos
de uma fundição de ferro ou de uma fábrica de vidros cons-
tituiria a única forma economicamente correcta e, de qual-
quer maneira, rentável de utilizar essa madeira.
Raciocinando em termos simples de oferta e procura
à escala da economia nacional, é perfeitamente possível uma
situação em que a oferta seja superior à procura no conjunto
da economia, enquanto no sector comercializado se verifica
o contrário: a procura é superior à oferta.
Traduzindo esta situação em linguagem gráfica:

Oferta

Procura

A zona riscada representa a oferta e a procura na mercado.

Era assim que sem dúvida se apresentava nos fins


do século XVIII o problema do factor mais importante da
produção, a saber, a mão-de-obra. Por outro lado, temos
conhecimento de numerosos exemplos de desperdício de
mão-de-obra camponesa na economia latifundista, e, por
outro lado, os preços da mão-de-obra livre atingem, no mer-
cado, um nível relativamente alto 14 . Atendendo a que a
avassaladora maioria dos braços existentes no país estão
manietados pela servidão, aparece no mercado de trabalho
uma parte proporcionalmente insignificante de mão-de-obra;
comparada com ela, a reduzida procura de trabalho assala-
riado é relativamente considerável. Se avaliarmos então aos
preços elevados do mercado toda a mão-de-obra empregada na
reserva, chegaremos forçosamente à conclusão de que
esta era deficitária e de que não poderia subsistir sem a

33
servidão. Aparentemente davam-se situações análogas rela-
tivamente a muitos outros factores económicos.
A avaliação monetária — a preços de mercado — dos
elementos que entram no processo de produção sem passa-
rem pelo mercado, ou dos frutos da produção que não são
oferecidos no mercado, assenta em vários pressupostos que
pecam inegavelmente por falta de realismo:
1) Pressupõe-se a existência de um preço de mercado
relativamente uniforme para cada um destes elementos,
e em primeiro lugar para a mão-de-ohra;
2) Pressupõe-se que todos os elementos e todas as cate-
gorias da mão-de-obra possuem um valor económico e um
preço que permite medir esse valor;
3) Pressupõe-se que o «empresário», organizador da
actividade económica e proprietário dos meios de produção,
tem sempre a possibilidade de escolher entre vender um dado
artigo no mercado a preço corrente e utilizar esse artigo
no processo de produção. Além disso pressupõe-se ainda que
só tomará a decisão definitiva quando tiver razões fundadas
para esperar um lucro maior da produção.

Por outras palavras, reconstituir o cálculo económico


de uma empresa significa, de certa maneira, verificar a racio-
nalidade das decisões do empresário. O cálculo dos custos
tem por objectivo reconstituir a soma das perdas sofridas
na produção. Nesse cálculo o valor monetário da madeira
utilizada na produção, mas não comprada, só pode ser consi-
derado como uma perda se essa madeira pudesse ter sido
vendida por um dado preço. Mas realmente teria sido
possível fazê-lo? Incluir nos custos o valor das prestações
pessoais só teria sentido se, ao renunciar à produção, fosse
possível vender essas prestações a um determinado preço.
Mas seria possível fazê-lo?
Quem seguiu outro processo de investigação, poderá
apresentar a seguinte objecção. Poderá dizer concretamente
que, ao incluir-se, no cálculo dos custos, o valor estimado
dos artigos não provenientes do mercado, procura-se não
tanto reconstituir o cálculo dos lucros e das perdas do
empresário, quanto reconstituir os lucros e perdas sociais.
Mas esta objecção também é susceptível de refutação. Qual-
quer utilização produtiva de uma madeira que se não pode
vender é rentável do ponto de vista social, uma vez que
aumenta o rendimento nacional, ainda que em ínfimo grau.
O único limite perceptível neste ponto será a deterioração da

34
propriedade e da sua capacidade produtiva futura. O con-
ceito de «degradação doa bens» desempenhava, e com toda
a razão, uma função importante no raciocínio económico
da nobreza polaca 15 .
Tem muito interesse neste particular a análise do sis-
tema de contabilidade das reservas senhoriais. Gostomski,
cuja importância nunca é demais assinalar, dá os seus con-
selhos ao proprietário da reserva também nesta matéria'".
Ele — segundo o diz Gostomski no ano de 1588 — devia
abrir uma conta separada para cada um dos elementos mate-
riais e monetários que constituíam a produção e o consumo
da reserva: para o centeio e as cenouras, as maçãs e o car-
vão, os pregos e os aros de barril, os direitos de peagem
e as multas cobradas aos camponeses, etc. No total, 156
contas de valores materiais, todas separadas e, o que é mais,
irredutíveis a um denominador comum! Se todas essas contas
derem lucro, a conclusão será irrefutável: a propriedade dá
lucro. E quem tiver dúvidas quanto a esta interpretação da
contabilidade recomendada por Gostomski, encontrará no seu
livro um enunciado que a confirma exp*ressis verbis: «O
encarregado... deve zelar não só por que não haja qualquer
falta, mas sobretudo tem de se preocupar por que haja cres-
cimento em- cada. coisa»". Mas como apreciar a activi-
dade da reserva quando aumentam as quantidades de trigo
armazenadas no celeiro, e diminui simultaneamente a quan-
tidade de maçãs na dispensa?
A primeira impressão que se colhe da leitura de Gos-
tomski ou de qualquer das numerosas «instruções» da época,
redigidas pelos grandes proprietários para uso dos admi-
nistradores dos seus bens, ê a de que todos eles defendem
uma economia multifacetada, ou seja, a policultura. E
uma impressão superficial. Na realidade trata-se de uma
policultura ao serviço da monocultura. A maioria dos arti-
gos a produzir não são para vender, mas sim para não ter
de os comprar'% ou seja, para aproveitar melhor o dinheiro
obtido pelos únicos produtos que interessam verdadeira-
mente: os produtos exportáveis. Tudo tem de estar subordi-
nado à monocultura do centeio e do trigo, e o dinheiro
obtido por esse centeio e esse trigo será gasto exclusivamente
na compra de artigos que não podem ser produzidos na
reserva sem dispêndio monetário. Neste sentido será rentável
a produção de qualquer coisa, desde que essa produção se
faça com o que se tem e sem exigir gastos de dinheiro 19 .
Até agora referimo-nos principalmente à análise econó-
mica da reserva. Infelizmente, a falta de fontes impede que

35
procedamos a uma análise semelhante da exploração feudal
camponesa, mas tudo indica que o resultado seria análogo.
Indicam-no-lo antes de mais nada os resultados de investi-
gações levadas a cabo em países economicamente atrasados
dos nossos dias, principalmente na Índia, onde este ponto
tem sido objecto de um amplo debate (que lembra, em mais
do que um aspecto, os debates económicos na Polónia de
antes da guerra).
A análise teórica da exploração camponesa pré- ou
semi-capitalista como tipo de «empresa» reveste-se
actualmente de grande significado. A grande actualidade
científica deste problema resulta do facto de se relacionar
com um problema candente no mundo dos nossos dias, em
que a maioria da população vive em países subdesenvolvidos,
e a maioria da população destes vive precisamente em peque-
nas explorações camponesas de tipo familiar, pouco vincu-
ladas ao mercado, que trabalham principalmente para satis-
fazer as suas próprias necessidades de consumo 20 . A explo-
ração camponesa autárquica (se nos autorizam este termo
convencional) é sem qualquer sombra de dúvida a forma
mais difundida de organização da actividade produtiva no
mundo. Poder-se-â chamar-lhe «empresa»? Poder-se-á utili-
zar na investigação os critérios da análise da actividade
económica da empresa 3 1 ? E se não for possível utilizá-los,
em que plano deveremos então analisá-la? A ciência actual
está longe de ter encontrado respostas para estas perguntas
fundamentais.
Os métodos tradicionais de análise da empresa foram
aplicados vezes sem conta a este tipo de exploração. Conhe-
cemos já, em termos gerais,, oa resultados que deles pode-
mos esperar. Limítemo-nos a citar um exemplo muito elo-
quente: um estudo de 600 explorações, levado a cabo em
1937-1938 em 21 aldeias hindus," demonstrou que essas
explorações produziam, em média, 88 rupias de lucro anual,
a preços de mercado e sem ter em conta o custo da mão-
-de-obra familiar e a amortização do capital. Incluindo,
pelo contrário, o custo da mlo-de-obra segundo os salários
pagos, nesse lugar e nessa época, aos jornaleiros e acrescen-
tando uma percentagem de 3% de amortização do capital,
as referidas explorações eram altamente deficitárias (90
rupias de défice anual).
Lembremos que o Instituto de Pulawy, nas suas inves-
tigações sobre o minifúndio camponês, efectuadas no ano de
1932 23 , obteve resultados análogos para o campo polaco,
36
reduzido ao primitivismo económico numa época de crise
mundial.
Lembremos também que obtivemos praticamente o
mesmo resultado (rentabilidade quando se exclui dos custos
o valor estimado do trabalho não adquirido, e défice no
caso contrário) ao analisarmos uma reserva tipica assente
na servidão e muitas manufacturas feudais.
Como se pode ver, o problema é de grande importância.
A ciência tradicional não encontraria dificuldades de
maior neste ponto. Responderia que o camponês médio não
contabiliza o custo do trabalho da sua família nem a amor-
tização do capital, por ignorar esses conceitos e por não
saber fazer cálculos correctos. Responderia ainda que o
cálculo correcto deve tomar em conta estes dois factores,
que a única maneira de os avaliar consiste em aplicar os
preços de mercado do lugar e da época em questão, e que
essas explorações são na realidade deficitárias, embora os
seus proprietários o não saibam.
A conclusão de que metade da humanidade está empe-
nhada numa actividade produtiva deficitária constitui uma
espécie de reductio aã absurãmn. Seria igualmente absurdo
afirmar que todas as reservas senhoriais e todas as par-
celas dos camponeses servos da gleba na Polónia foram per-
manentemente deficitárias ao longo dos quatro séculos da
sua existência.
Por outro lado, este método não resiste à crítica nem
sequer do ponto de vista da ciência tradicional. Se para
iniciar uma actividade produtiva são necessários, por hipó-
tese, A quilos de matéria-prima e B dias de trabalho, e o
empresário dispõe de A kg de matéria-prima e de B mais
X dias de trabalho, e ao mesmo tempo não há nenhuma
outra maneira de aproveitar a mão-de-obra excedente, o
valor de toda a força de trabalho incorporada na produção
deve ser contabilizado como equivalente a zero. Neste sen-
tido poderíamos dizer que o camponês-proprietário faz um
uso correcto da teoria marginalista 2í.
Porém, é evidente que em certas condições, é perfeita-
mente justificável fazer o balanço económico da exploração
camponesa seguindo rigorosamente os métodos capitalistas
(avaliando o trabalho familiar a preços de mercado, incluindo
a amortização do capital, etc).
Para o historiador da economia a questão fundamen-
tal é responder à seguinte pergunta: que métodos aplicar
em determinadas condições sociais (em relação ao nivel de
desenvolvimento socioeconómico) ? Trata-se, como é óbvio,

37
de um tema vastíssimo; aqui não podemos ir além duma
sugestão.
Em nossa opinião, poder-se-ia adoptar como critério
a forma de que se revestem os encargos exteriores da explo-
ração. Referimo-nos às prestações pagas ao Estado (impos-
tos) e ao latifundiário (renda feudal e, por vezes, renda
capitalista). Podem incluir-se ainda, na mesma categoria,
as formas de crédito. Quando os impostos, as prestações
ao senhor e os empréstimos forem pagos em espécie (em
trabalho ou em produtos), não terá sentido um balanço da
exploração camponesa feito em obediência a normas capita-
listas e dará quase sempre resultados semelhantes aos que
atrás descrevemos (défice quando se inclui o custo do traba-
lho não assalariado e a amortização; rentabilidade no caso de
não serem incluídos). Nesta situação verifica-se:

1) que o produtor calcula em unidades naturais;


2) que os preços de mercado não são válidos nem
para os factores de produção (cujo valor geral-
mente exageram), nem para os produtos;
3) que o produtor não reage, em princípio, aos estí-
mulos do mercado (aumentos e baixas de preços).

Sempre que o regime socioeconómico impõe o paga-


mento em dinheiro dos impostos estatais, das prestações
ao senhor (proprietário da terra) e do crédito, a situação
sofre uma alteração radical. Aparece então um fenómeno
a que poderíamos chamar «comercialização forçada». O
camponês precisa de vender a fim de obter o dinheiro necessá-
rio para satisfazer todas essas obrigações, pois, caso contrá-
rio, arriscasse a perder a sua terra. A sua reacção aos
estímulos do mercado é contrária às hipóteses da ciência
económica burguesa. Quando os preços aumentam vende
menos; e quando os preços descem, tem justamente de vender
mais. Os encargos que tem de suportar são geralmente
rígidos, pelo que as quantidades que vende (frequente-
mente a expensas do seu próprio consumo) e o nível do£
preços são grandezas inversamente proporcionais. Em mais
de um caso, o alto nível dos preços ocasiona um regresso
parcial dessas explorações à economia natural e vice-ver-
sa 2S. iNo comportamento económico do camponês, b sector
natural prevalece sobre o monetário, e os preços de mercado
são inadequados para reconstruir as suas modalidades de
cálculo ou avaliar os resultados da sua actividade produtiva.

38
Só quando a exploração camponesa começa a reagir
positivamente aos estímulos do mercado (maior venda no
caso de subida,de preços e vice-versa) é que os métodos de
contabilidade capitalista podem passar a ser aplicados a este
tipo de «empresa». Por outras palavras, só então a explo-
ração se transforma numa empresa propriamente dita. Esta
reacção positiva aos estímulos do mercado só aparece quando
há possibilidades de opção no aproveitamento dos meios de
produção existentes (sobretudo quando o trabalho utilizado
na exploração agrícola pode ser vendido no mercado, no
caso desta ser pouco rentável, e quando a terra pode repre-
sentar um investimento de capital como qualquer outro).
Em resumo: aplicar uma contabilidade de tipo capita-
lista (ou seja, aquela que avalia a preços de mercado os bens
e serviços não adquiridos nem vendidos) a relações econó-
micas pré-capitalistas, equivale a proceder anacronicamente.
Aplicar à totalidade da produção de um país os preços de
mercado — através do qual passa apenas uma ínfima parte
dos bens e serviços produzidos — conduz forçosamente ao
absurdo. Este método é particularmente perigoso quando
aplicado à mão-de-obra, uma vez que o mercado do trabalho
no regime feudal é ex ãefinitione extremamente reduzido,
realmente marginal. Como a parte fundamental da mão-de-
-obra não tem o direito de se oferecer no mercado, é natural
que o preço da mão-de-obra seja, regra geral, extraordina-
riamente elevado (ainda que possa haver excepções). Se
nos basearmos, pois, nesse preço para avaliar as prestações
dos camponeses em favor da reserva, ou o trabalho por eles
investido nas suas próprias parcelas, não poderemos estra-
nhar o exagero dos resultados quando fazemos os respectivos
cálculos dos custos.

A economia do domínio feudal

Apesar de os estudos históricos sobre o agro polaco


— tanto antigos, como recentes — poderem apresentar nume-
rosos e indiscutíveis êxitos, não é tarefa fácil proceder a uma
análise, ainda que aproximada, da economia do domínio
feudal e, muito menos, da economia camponesa.
No que diz respeito à reserva, esta afirmação pode
parecer paradoxal, se se considerar a grande quantidade
de monografias e de fontes publicadas (e antes de mais nada
os inventários e as instruções) de que se pode dispor.

39
de um tema vastíssimo; aqui não podemos ir além duma
sugestão.
Em nossa opinião, poder-se-ia adoptar como critério
a forma de que se revestem os encargos exteriores da explo-
ração. Referimo-nos às prestações pagas ao Estado (impos-
tos) e ao latifundiário (renda feudal e, por vezes, renda
capitalista). Podem incluir-se ainda, na mesma categoria,
as formas de crédito. Quando os impostos, as prestações
ao senhor e os empréstimos forem pagos em espécie (em
trabalho ou em produtos), não terá sentido um balanço da
exploração camponesa feito em obediência a normas capita-
listas e dará quase sempre resultados semelhantes aos que
atrás descrevemos (défice quando se inclui o custo do traba-
lho não assalariado e a amortização; rentabilidade no caso de
não serem incluídos). Nesta situação verifica-se:

1) que o produtor calcula em unidades naturais;


2) que os preços de mercado não são válidos nem
para os factores de produção (cujo valor geral-
mente exageram), nem para os produtos;
3) que o produtor não reage, em princípio, aos estí-
mulos do mercado (aumentos e baixas de preços).

Sempre que o regime socioeconómico impõe o paga-


mento em dinheiro dos impostos estatais, das prestações
ao senhor (proprietário da terra) e do crédito, a situação
sofre uma alteração radical. Aparece então um fenómeno
a que poderíamos chamar «comercialização forçada». O
camponês precisa de vender a fim de obter o dinheiro necessá-
rio para satisfazer todas essas obrigações, pois, caso contrá-
rio, arriscasse a perder a sua terra. A sua reacção aos
estímulos do mercado é contrária às hipóteses da ciência
económica burguesa. Quando os preços aumentam vende
menos; e quando os preços descem, tem justamente de vender
mais. Os encargos que tem de suportar são geralmente
rígidos, pelo que as quantidades que vende (frequente-
mente a expensas do seu próprio consumo) e o nível do£
preços são grandezas inversamente proporcionais. Em mais
de um caso, o alto nível dos preços ocasiona um regresso
parcial dessas explorações à economia natural e vice-ver-
sa 2S. iNo comportamento económico do camponês, b sector
natural prevalece sobre o monetário, e os preços de mercado
são inadequados para reconstruir as suas modalidades de
cálculo ou avaliar os resultados da sua actividade produtiva.

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Só quando a exploração camponesa começa a reagir
positivamente aos estímulos do mercado (maior venda no
caso de subida,de preços e vice-versa) é que os métodos de
contabilidade capitalista podem passar a ser aplicados a este
tipo de «empresa». Por outras palavras, só então a explo-
ração se transforma numa empresa propriamente dita. Esta
reacção positiva aos estímulos do mercado só aparece quando
há possibilidades de opção no aproveitamento dos meios de
produção existentes (sobretudo quando o trabalho utilizado
na exploração agrícola pode ser vendido no mercado, no
caso desta ser pouco rentável, e quando a terra pode repre-
sentar um investimento de capital como qualquer outro).
Em resumo: aplicar uma contabilidade de tipo capita-
lista (ou seja, aquela que avalia a preços de mercado os bens
e serviços não adquiridos nem vendidos) a relações econó-
micas pré-capitalistas, equivale a proceder anacronicamente.
Aplicar à totalidade da produção de um país os preços de
mercado — através do qual passa apenas uma ínfima parte
dos bens e serviços produzidos — conduz forçosamente ao
absurdo. Este método é particularmente perigoso quando
aplicado à mão-de-obra, uma vez que o mercado do trabalho
no regime feudal é ex ãefinitione extremamente reduzido,
realmente marginal. Como a parte fundamental da mão-de-
-obra não tem o direito de se oferecer no mercado, é natural
que o preço da mão-de-obra seja, regra geral, extraordina-
riamente elevado (ainda que possa haver excepções). Se
nos basearmos, pois, nesse preço para avaliar as prestações
dos camponeses em favor da reserva, ou o trabalho por eles
investido nas suas próprias parcelas, não poderemos estra-
nhar o exagero dos resultados quando fazemos os respectivos
cálculos dos custos.

A economia do domínio feudal

Apesar de os estudos históricos sobre o agro polaco


— tanto antigos, como recentes — poderem apresentar nume-
rosos e indiscutíveis êxitos, não é tarefa fácil proceder a uma
análise, ainda que aproximada, da economia do domínio
feudal e, muito menos, da economia camponesa.
No que diz respeito à reserva, esta afirmação pode
parecer paradoxal, se se considerar a grande quantidade
de monografias e de fontes publicadas (e antes de mais nada
os inventários e as instruções) de que se pode dispor.

39
O problema consiste em que essas fontes e os trabalhos
nelas baseados apresentam sérios inconvenientes, quando se
pretende investigar este aspecto da economia, que é exacta-
mente o mais importante numa economia especializada: o
seu funcionamento.
As antigas investigações sobre a história agrária
apoiavam-se principalmente em fontes de tipo normativo,
começando pela legislação histórica e acabando nas instru-
ções aos administradores das grandes propriedades.
Rutkowski, cujos estudos marcaram uma viragem, descon-
fiava manifestamente desse tipo de fontes. E tinha toda a
razão. Negava-se a tirar conclusões acerca de «como foi» a
partir de uma fonte que dizia «como devia ser». Daí que,
para Rutkowski, o tipo preferido de fontes fossem os inven-
tários (incluindo a categoria especial constituída pelas
«actas de inspecção»): descrição positiva do estado de
coisas em cada propriedade num dado momento.
Dissemos já, noutro trabalho, que Rutkowski não aten-
dia suficientemente à presença de elementos normativos nos
inventários i . Mas neste momento não é isso que nos
interessa. O aspecto que aqui nos interessa principalmente
é o carácter por assim dizer «representativo» das infor-
mações proporcionadas pelo inventário. Se nalguns
casos é possível reunir um certo número de inventários
relativos à mesma aldeia e contar por conseguinte com uma
série de amostras representativas, entre a multiplicação das
amostras e a compreensão da dinâmica das transformações
vai uma grande distância s . Ê evidente que a comparação de
duas amostras nos informa sobre o rumo das alterações;
mas a interpretação causal ou funcional desse rumo só é
possível em conexão com o nosso conhecimento geral da
época. E aí reside todo o perigo do método. Se compararmos
os inventários anteriores ao ano de 1648 com os posteriores
ao ano de 1655, veremos em que direcção foi evoluindo a
situação no agro. Mas como sabemos, por outro lado, que
houve entretanto na Polónia guerras devastadoras e sangui-
nárias, poderemos estabelecer uma relação de causa e efeito
entre essas alterações e essas guerras.
A grande vantagem dos inventários,, particularmente
apreciada por Rutkowski, reside na sua abundância, o que
permite uma elaboração estatística dos dados que facultam.
Mas, como dissemos já, o método estatístico, apesar de todas
as suas qualidades, não será suficientemente frutuoso se não
for acompanhado por analises individuais. Da mesma manei-
40
ra, os mais frutuosos estudos maeroanalíticos não retiram
o interesse aos estudos mieroanalíticos.
E por isso que nos atrevemos a sugerir que se faça
agora um esforço especial no sentido da investigação das
fontes até aqui menos exploradas, a saber, as contas das
reservas. E certo que ainda falta muito para explorar devida-
mente os invèritâricis7 para elaborar estatisticamente e ana-
lisar em grande escala o sêú conteúdo com fins macroeconó-
micos. Mas o caminho já foi aberto, sobretudo pelo próprio
Rutkowski, e ainda pelas numerosas publicações de fon-
tes no pós-guerra. Mas no que se refere às contas das
reservas, a experiência metodológica é extraordinariamente
pobre s . Só o estudo de séries contínuas de contas (ainda
que abranjam períodos curtos) permitirá analisar o funcio-
namento da economia da reserva. Só elas podem mostrar
efectivamente como era administrada a reserva, qual era
o seu cálculo económico, como reagia às mudanças de situa-
ção, às variações nas colheitas e nos preços, e que alterna-
tivas escolhia. Ê nisso justamente que consiste a gestão
económica.
Dado que as publicações existentes nos não propor-
cionam estudos, sequer parciais, de grandes sucessões de
contas desse tipo, as considerações que se seguem apoiam-se
em bases muito frágeis. É muito provável que investigações
futuras deitem por terra mais do que uma das nossas hipó-
teses. Apesar disso, atrevemo-nos a propor aqui um modelo
de economia do domínio feudal tal como a concebemos
neste momento, sem intenção de o apresentar como algo de
duradoiro, mas apenas com a esperança de que futuramente
se venha a elaborar, e em comum, um outro modelo mais
adequado e melhor fundado.
Em princípio, a reserva feudal aplica uma economia
extensiva. O seu rendimento é função da área cultivada.
Quando a área da propriedade era maior do que a que podia
ser cultivada pelos servos — a extensão do cultivo dependia
do número de braços —, parte da terra ficava por lavrar *.
No caso contrário, quando o número de «almas» era superior
às necessidades de mão-de-obra (caso que ocorria muito
raramente), surgiam fenómenos como a venda de presta-
ções pessoais a reservas vizinhas ou a venda livre do traba-
lho pelo próprio servo, que redimia assim a prestação,, como
acontecia no sul da Polónia s . Se bem que a venda de pres-
tações pessoais a reservas vizinhas — caso pouco frequente
na Polónia — equivalesse apenas a uma transferência de
mão-de-obra de uma propriedade para outra, podemos afir-

41
mar que de uma maneira geral, e com algumas excepções
de pouca importância (v. g. o sistema de censos), o número
de braços disponíveis determinava o volume da produção
agrícola (incluindo a criação de gado, a exploração florestal,
e t c ) . Toda uma série de fenómenos, o sistema destinado
a prevenir a fuga de servos próprios, a admissão e estabele-
cimento de servos alheios em fuga, o «sequestro» de servos \
a preferência concedida aos matrimónios em que uma das
partes fosse um servo alheio «transferível» para o próprio
domínio, a admissão da servidão «voluntárias', o fomento
da colonização (os chamados «holandeses» 8 ) , em suma, toda
a política «demográfica» da grande propriedade só se explica
em função do facto de a produção ser determinada pelo
número de servos e, naturalmente, pela grandeza dos encar-
gos que lhes eram impostos B .
Chamemos «limite fisiológico» à quantidade de trabalho
que se pode conseguir dos camponeses em regime de servidão
sem os conduzir à ruína; é claro que esse limite será inatin-
gível, devido à resistência dos camponeses. Por isso é de
introduzir um outro conceito, a que chamaremos o «coefi-
ciente de opressão praticável». 0 «limite fisiológico», modi-
ficado pelo «coeficiente de opressão praticável», dar-nos-á
como resultado o «limite social», que representa os encargos
que é possível impor ao camponês em determinadas condi-
ções institucionais, tendo em conta o rendimento do traba-
lho, a correlação das forças sociais e as possibilidades de
sabotagem e de fuga.
iNa prática, segundo parece, não se atingia sequer o
limite social. O ritmo sazonal dos trabalhos agrícolas fazia
que, nos meses de Inverno, a procura de mão-de-obra na
reserva fosse relativamente reduzida. A tendência para a
monocultura cerealífera tinha como consequência a re-
serva quase não precisar do trabalho das mulheres e das
crianças. Temos portanto de ter em conta, além do «limite
fisiológico» e do «limite social», um «limite tecnológico»,
As instruções das grandes propriedades e os tratados agrí-
colas da época estão cheios de conselhos e indicações de
como elevar o «limite tecnológico», para o aproximar do
«limite social». A recuperação dos dias de trabalho obriga-
tórios do Inverno em períodos de tarefas agrícolas urgentes
era um processo bastante frequente, se bem que fosse consi-
derado ruinoso, pois ameaçava a própria existência do cam-
ponês, que não ficava assim com tempo para lavrar a sua
própria terra. Procurava-se de preferência e na medida do
possível, concentrar no Inverno oa trabalhos de desbaste das

42
florestas para o abastecimento de madeira para todo o ano,
os transportes, as obras de manutenção, as reparações, a
preparação de materiais para a construção, etc. As manu-
facturas proporcionavam simultaneamente possibilidades de
intensificação do aproveitamento do trabalho das mulheres
e das crianças camponesas. A redução da superfície das
parcelas camponesas, não afectando o «limite fisiológico»,
deixava mais tempo livre à família camponesa, elevando por
conseguinte o «limite social».
Seja como for que abordemos o problema, é evi-
dente que o limite máximo da produção era definido pela
quantidade de trabalho que nele se podia investir. Na prá-
tica, a produção só podia tender para esse limite nos anos
«normais», isto é, nos anos de paz e de boa colheita, que não
eram muito «normais» na época feudal. As flutuações da
produção global (que costumam ser enormes) eram geral-
mente, a curto prazo, o resultado de factores extra-econó-
micos, tais como guerras ou calamidades naturais. O fim
da actividade económica consistia justamente na adaptação
a tais contingências.
Não se pode, no entanto, pôr de parte a possibilidade de
que o limite superior da produção agrícola do país fosse
determinado não tanto pela quantidade de trabalho humano,
como sobretudo pela quantidade disponível de força de trac-
ção animal.
Ê indubitável que o problema do gado era, em certas
situações, o ponto de estrangulamento da economia feudal.
A criação de gado em grande escala deparava então, pelo
menos na maior parte do território polaco, com grandes
dificuldades técnicas e sociais. Entendemos por dificul-
dades «técnicas» o problema da forragem, o problema da ali-
mentação do gado durante o Inverno. Os anos de seca cau-
savam assim grandes estragos no gado. As dificuldades
sociais eram de vários tipos. Por um lado as guerras, que na
época feudal eram tão mortíferas para os seres humanos
como hoje, eram-no tanto ou mais para o gado. As
«guerras» dos soldados do país contra o gado e as aves de
capoeira foram descritas de .forma muito expressiva na
sátira e na literatura de circunstância 10 . Por outro lado,
e o que era mais importante ainda, o sistema que trans-
feria para a exploração do servo a parte essencial das fun-
ções de reposição da capacidade produtiva da propriedade —
refiro-me à alimentação do gado — criava as piores condi-
ções para o seu desenvolvimento. A negligência com que os
camponeses tratavam o gado, do qual beneficiava o senhor e

43
não eles, era motivo de preocupação constante para aquele
ou para o seu administrador. Em anos de más colheitas, o
camponês via-se por vezes perante a alternativa de se ali-
mentar a si mesmo ou ao gado. fi fácil deduzir qual era
a opção. O reduzido rendimento do trabalho dos bois obri-
gava a manter muitos animais de trabalho, o que agravava
ainda mais o problema forrageiro. Todos estes factores
técnicos e sociais fizeram que o problema da tracção animal
constituísse, nessa época, um obstáculo importante ao desen-
volvimento da actividade económica.
Parece, no entanto, que este factor restringia efectiva-
mente a produção apenas em momentos excepcionais, pre-
cisamente em caso de catástrofes naturais ou de devasta-
ções bélicas. Tanto mais que para remediar a escassez do
gado era sempre possível recorrer aos bois, que eram objecto
de um tráfico internacional intenso, cuja rota passava pelo
território polaco, das estepes sul-orientais até para lá da
Silésia. Em caso de falta de animais de tracção, parte desse
gado podia ser adquirido em trânsito.
Um sistema de economia assente na reserva e no tra-
balho obrigatório implica um regime agrário no qual a
exploração camponesa não passa, em princípio, de uma
parcela de subsistência"; mas também não pode ser menos
do que isso. A parcela do camponês tinha de produzir o indis-
pensável para satisfazer as suas necessidades básicas, além
do necessário para a continuação da exploração («reprodução
simples») ' 2 . 0 que deveria conduzir a um nivelamento das
condições de vida e de trabalho dos camponeses 13 . Mas, na
prática, as coisas não se passavam assim, e desde épocas
anteriores à organização dominial, pois o senhor também pre-
cisava de explorações camponesas maiores, que lhe assegu-
rassem a parte essencial da reprodução simples do poten-
cial produtivo do domínio e, principalmente, a manutenção
dos animais de tracção, a sua reprodução, a conservação
e renovação das ferramentas, etc. Daí o papel fundamental
desempenhado no sistema pela divisão das explorações
camponesas em «pedestres» e «de junta», de acordo com o
tipo de prestação pessoal exigida: sem animais ou com eles.
O caso é que, na prática, é extremamente difícil deter-
minar as «dimensões ideais» da exploração que lhe permi-
tissem ser uma «parcela de subsistência e reprodução» 14 .
Isso era tanto mais difícil, quanto a produção agrícola da
época se caracterizava por grandes oscilações anuais do
rendimento do trabalho e da terra. Das duas uma: ou o ano
era bom e a exploração tinha excedentes de produção que

44
podia vender no mercado (com o que o senhor se não con-
formava facilmente); ou o ano era mau e a produção não
chegava para sustentar o camponês, a família e o gado,
e muito menos para a sementeira. Na prática, deve ter-se
verificado portanto uma tendência para reduzir a parcela
camponesa, em anos de boas colheitas, a dimensões inferio-
res às «ideais», o que tinha forçosamente de se repercutir
no processo de reprodução. Como se verá mais adiante,
será este um dos elementos essenciais de desintegração da
economia feudal.
Em condições ideais, nem a reserva nem a exploração
camponesa podem realizar uma reprodução ampliada 15 . O
produto excedente (produto global menos autoconsumo e
menos o necessário para renovar a capacidade produtiva)
deve ir parar na íntegra às mãos do senhor. O que é faci-
litado pela divisão do trabalho no espaço: a exploração
camponesa produz quase tudo o que é necessário para o seu
próprio consumo (e em parte também para manter a admi-
nistração, mediante tributos em espécie) e assegura quase
toda a renovação da capacidade produtiva, enquanto, por ou-
tro lado, as terras do domínio proporcionam quase exclusiva-
mente o produto excedente lfl . Desta forma, a proporção
entre a área da reserva e a área das explorações campone-
sas equivale simultaneamente à proporção entre o tempo
de trabalho consagrado à produção para o autoconsumo
e o tempo destinado a produzir excedentes para a venda " ,
e também entre o autoconsumo juntamente com a reposição
e o produto excedente. Numa situação destas, toda a expan-
são da propriedade à custa das terras camponesas é um
meio para aumentar o produto excedente.
A distribuição da terra entre o senhor e a aldeia como
base da distribuição do produto entre o autoconsumo e o
excedente (e também do rendimento entre o senhor e os
camponeses) coincide com a distribuição do trabalho pro-
dutivo dos camponeses entre a reserva e as parcelas. Dado
que a técnica de produção é, em princípio, idêntica — de
carácter extensivo — a reserva não deveria ter motivos para
se apropriar de uma quantidade de trabalho camponês
superior à que resultasse da distribuição proporcional da
terra. Pelo contrário, deveria exigir uma quantidade de tra-
balho inferior, considerando que a criação do gado se faz
principalmente na exploração camponesa e tendo ainda em
conta os tributos camponeses em espécie e em dinheiro.
Mas isto não passa de teoria. Quando a mão-de-obra não
custa nada, toda a utilização da mesma é proveitosa para

45
a reserva, ainda que represente uma dilapidação evidente,
pelo menos enquanto não conduzir os camponeses à ruína.
A utilização desse excedente (sempre nas condições
clássicas, e adiante veremos como se apresentava essa ques-
tão no período da decadência do sistema feudal) reduzia-se,
na realidade, ao consumo, em parte directo e em parte
indirecto, quando se trocava no mercado parte desse exce-
dente por outros artigos de consumo.
O consumo directo era importante e manifestava uma
tendência ascendente. Aumentava também de acordo com a
escala social, que ia da baixa à alta nobreza.
O consumo próprio do dono do domínio e da sua família
é aqui o menos importante. O aspecto importante da questão
era que a posição social do nobre naquela sociedade
hierarquizada era determinada pelo número dos clientes
a que era preciso dar de comer e beber. Os «parasitas»
e os parentes pobres na pequena propriedade 16 , e as grandes
cortes senhoriais: os criados, a milícia, a multidão de nobres
hospedados nos palácios e nos castelos dos magnates, são
fenómenos da mesma categoria. Um outro elemento que,
além da clientela, determinava a posição do nobre na escala
hierárquica, era a pompa feudal. Pois bem, este esplendor,
inerente ao regime social, estava condicionado pelo consumo
indirecto do produto excedente, e na prática, durante o
período clássico, pela quantidade daquele produto que era
possível transportar até uma cidade portuária e trocar por
artigos de luxo importados. E é neste ponto que interfere
um factor de mercado sobre o qual o nobre não tinha poder:
o importante não era apenas a qualidade posta à venda, mas
também as condições de troca, ou seja, a relação entre o
preço dos produtos vendidos e o dos artigos comprados.
Dada a grande oscilação do produto global, a do excedente
era ainda mais intensa. O nobre esforçava-se então por
transferir os efeitos dessa oscilação para o produto destinado
ao autoconsumo.
Nem o volume do produto excedente de que o senhor se
apropriava nem, muito menos, as condições de troca que
regiam a comercialização desse excedente influíam de modo
algum na sua decisão de empreender ou não uma reprodução
ampliada. Nada indica que, nos períodos de crescimento do
produto excedente (por exemplo, vários anos seguidos de
boa colheita em tempo de paz), o senhor se mostrasse mais
disposto a investir. Nesse caso limitava-se a lançar uma
maior quantidade de produtos no mercado, elevando conse-
quentemente o seu nível de vida. Também nada parece indi-

46
car que o senhor investisse mais em épocas em que as con-
digoes de troca eram mais vantajosas para ele.
Em determinadas épocas, a situação podia diferir, neste
aspecto, do esquema apresentado. Por exemplo, tem que
haver alguma relação entre os investimentos extensivos do
período de desenvolvimento da reserva assente na corveia
(século XV-XVI)—investimentos que se manifestam na
expansão da área cultivada — e as possibilidades vantajosas
de colocação dos frutos da terra (condições de troca). Por
outro lado, nos fins do século XVH e na primeira metade do
século XVIII, época em que as condições de troca são menos
favoráveis, os esforços da nobreza no sentido de manter o
seu «nível de luxo» ameaçado manifestam-se quase exclusi-
vamente sob a forma de uma luta para modificar, a seu
favor, a distribuição do rendimento nacional, o que — como
já dissemos — consistia em alterar a proporção entre a área
da reserva e a área das explorações camponesas, em detri-
mento destas últimas.
Quando a reserva «investe», fá-lo de uma forma não
onerosa 19 . Os seus investimentos exigem certas matérias-
-primas de produção própria (e em primeiro lugar a madeira)
e principalmente certa quantidade de mão-de-obra, utilizan-
do-se para esse efeito a parte das prestações pessoais não
aproveitada nas tarefas correntes, ou ainda impondo novos
encargos aos camponeses. A decisão de efectuar esses inves-
timentos não tinha nada a ver com a situação do mercado,
e, quando havia alguma relação, era de carácter muito
peculiar. Não constitui qualquer absurdo o facto de o nobre
decidir investir não porque as condições do mercado tivessem
melhorado (como aconteceria no capitalismo) mas antes
porque essas condições tinham piorado, vendo-se portanto
obrigado a aumentar a produção global para compensar as
perdas e para poder manter o seu nível de vida e a sua
posição social,
Esse nível de vida e essa posição eram determinados por
dois factores: o volume da produção comercial da exploração
e as condições de troca desta por outros artigos. Uma vez
que o senhor feudal não tinha qualquer influência sobre o
segundo factor a °, restava-lhe apenas tentar aumentar a pro-
dução comercíalizável. Se se pode portanto falar aqui de
«estímulos ao investimento originados pelo mercado», estes
— ao contrário do que acontece no capitalismo — só podem
ser negativos; o agravamento das condições de troca esti-
mula o produtor a compensar as perdas, vendendo mais.
Como o sabemos, na prática procurava-se precisamente o

47
incremento do volume comerciável. Este objectivo constitui,
por assim dizer, a ideia directriz do cálculo económico e da
organização do domínio. Para o conseguir recorria-se — pelo
menos dos fins do século XVI em diante — não a investimen-
tos, ainda que extensivos, mas antes a transferências na dis-
tribuição do produto social, em detrimento do camponês.
As decisões da nobreza em matéria de investimentos
não dependem, portanto, ou dependem apenas em muito
pequeno grau, dos fenómenos do mercado, que provocam,
quando muito, reacções negativas. Essas decisões parecem
estar também totalmente desligadas das flutuações da pro-
dução global (por exemplo, uma boa colheita). Nada indica
que a reserva estivesse mais disposta a investir em períodos
de boas colheitas. Podia até suceder o contrário: um ano
de más colheitas, que requeria menor quantidade de mão-
-de-obra nos trabalhos agrícolas, principalmente na debulha,
libertava excedentes de mão-de-obra utilizáveis em obras
de reparação de caminhos, hidráulicas ou de construção.
Consideremos agora o problema da elasticidade das dife-
rentes receitas e despesas do domínio.
A parte comerciável da produção do domínio é extraor-
dinariamente flutuante. Isto aparece de forma muito clara
e sistemática nos dados empíricos, e nada tem de estranho.
0 rendimento agrícola, como se sabe, regista, nessa época,
enormes oscilações de ano para ano. O consumo interno do
domínio é, pelo contrario, uma grandeza constante. Pode
supor-se que, num ano de boa colheita, os servos se alimen-
tavam um pouco melhor e semeavam no ano seguinte um
pouco mais, mas os dados conhecidos sugerem que isto não
se revestia de qualquer importância prática. Só no caso de
uma colheita particularmente abundante, especialmente
quando o facto se repetia durante vários anos sucessivos,
o volume dos produtos postos à venda parece aumentar
menos do que seria de esperar. Tratar-se-á de esforços
de adaptação à situação do mercado, de formar reservas
para as vender no ano seguinte a melhor preço? Não. creio.
O que acontecia é que era impossível colocar quantidades tão
grandes no mercado local (os dados em que nos apoiámos
aqui não procedem de uma região tipicamente exportadora
de cereais). O problema requer, contudo, investigação ulte-
rior.
Por outro lado, tem-se a impressão (tentaremos funda-
mentar esta hipótese mais adiante, neste mesmo capítulo)
de que as receitas a título de venda de cereais—que represen-
tam a maior parte das receitas totais da reserva 2 1 — são

48
muio mais função da colheita do que dos fenómenos de
mercado (cotação dos cereais). Por outras palavras: num
ano de má colheita o aumento dos preços compensa em
pouco a diminuição da quantidade comerciável de cereal.
•É possível que algumas reservas, tais como as que per-
tenciam à cidade de Poznan, soubessem (ou pudessem) apro-
veitar as oscilações de preços da temporada, vendendo os seus
produtos nos meses de alta 2 2 , mas geralmente era muito
difícil especular sobre as oscilações a longo prazo, devido
às dificuldades e aos perigos inerentes ao armazenamento
do grão durante vários anos. Apesar de Gostomski admitir
que o «bom administrador pode, por vezes, guardar a colheita
de um ano propício à espera de um ano mau», as possibili-
dades eram,. neste aspecto, muito limitadas (no máximo
um ou dois anos) e o risco era grande 2S.
Se estas generalizações são certas, ainda é mais certo
que a reserva típica — e com mais razão ainda o camponês
— depende não do nível dos preços, mas antes do nível das
colheitas (no que toca às oscilações a curto prazo, pois a
situação é diferente no que diz respeito às tendências a
longo prazo, ponto que abordaremos mais adiante). É tam-
bém evidente que a reserva que exporta a sua produção atra-
vés do porto de Gdansk não poderá aproveitar — nem sequer
dentro dos limites em que o fazem os domínios de Poznan
— as oscilações da temporada, uma vez que o cereal terá
de ser despachado juntamente com todo o cereal da região,
ou seja, quando o estado dos rios o permite ". O camponês
ainda menos poderá aproveitar as oscilações da temporada;
pelo contrário, é ele, devido ao carácter sazonal da oferta
dos seus produtos, o principal responsável pelo fenómeno
de oscilação dos preços.
A fraca influência dos fenómenos de mercado, ou seja,
dos preços — cuja oscilação, aparentemente muito forte,
é, no entanto, muito menos acentuada do que a flutuação
das colheitas 2S — cria uma situação diametralmente oposta
à que observamos no sistema capitalista. Neste sistema, o
vaivém dos preços — que depende principalmente da con-
juntura e não das colheitas—exerce uma influência pode-
rosa e até decisiva sobre as receitas monetárias do campo-
nês. A significação deste fenómeno é tanto maior, quanto
neste sistema a importância das receitas monetárias (uma
yez que os impostos e os créditos são pagos em dinheiro)
é incomparavelmente maior, tanto nara o bem-estar do
camponês, como para as suas possibilidades de produção e,
finalmente, para a própria sobrevivência da sua exploração.

49
Se os anos de preços altos são propícios para o produtor
camponês numa economia capitalista, o facto deve-se a
duas causas: 1) a existência de recursos potenciais de pro-
dução cujo aproveitamento só se torna rentável graças à alta
dos preços; 2) a existência de um sistema de credito que
possibilita esse aproveitamento. No sistema feudal essas
duas condições não se verificam. O factor limitativo aqui é
a quantidade de mão-de-obra disponível, que constituí uma
variável independente no que se refere a c movimento dos
preços. De tal modo que, abstraindo de casos particulares
(anos de guerra, por exemplo), não há aqui reservas de
potencial produtivo que a alta de preços possa pôr em acção,
enquanto o crédito — devido aos juros elevadíssimos —
não tem carácter produtivo. Para o agro feudal — ao con-
trário do que acontece em relação ao agro capitalista — os
anos de preços baixos são, pois, precisamente os anos «bons».
Finalmente, no sistema capitalista, em caso de alta dos
preços agrícolas, actua também o mecanismo de transmis-
são: o agricultor, ao gastar as suas receitas acrescidas,
ocasiona o incremento das receitas de outros grupos pro-
fissionais, o accionamento de capacidades latentes de outros
sectores da produção,, etc. No regime feudal esses factores
não entram em jogo: não há reservas nos outros sectores
da produção, e ainda que elas existissem, o aumento da
produção não as movimentaria, devido à política monopo-
lista dos grémios. Mas principalmente, e como o dissemos
já, em caso de alta de preços as receitas monetárias do cam-
ponês não aumentam, mas antes diminuem, arrastadas por
um outro factor mais potente, o volume à& colheita, que se
renercute com redobrada força sobre a parte comerciável
da produção.
Vem a propósito recordar que a alta conjuntural dos
preços numa economia capitalista está ligada funcionalmente
sobretudo à descida do rendimento médio do trabalho (acti-
vação de empresas que não seriam rentáveis com um nível
de preços baixo, ou seja, empresas de menor rendimento)
e à descida do salário médio real (se bem que a classe operá-
ria, no seu conjunto, ganhe com essa situação, uma vez
que a descida do salário real ê mais do que compensada
pela redução do desemprego). No regime feudal, a alta de
preços implica também uma diminuição do rendimento do
trabalho (não importa que isso obedeça a causas extraeco-
nómicas, por exemplo, meteorológicas), mas essa diminui-
ção não é compensada por nada, implicando, portanto, uma
diminuição real do rendimento nacional per oatpita.

50
O rendimento nacional é o emprego multiplicado pelo
rendimento do trabalho. A relação funcional entre o volume
do rendimento e outros factores — como, por exemplo, o
volume dos investimentos no sistema keynesiano — deve, a
meu ver, ser interpretada da seguinte maneira: «outro
factor», neste caso os investimentos, influi sobre um dos
dois factores que determinam o volume do rendimento
nacional, ou sobre os dois. No sistema feudal, os fenómenos
do mercado não influem sobre nenhum desses factores, uma
vez mais porque não existem nele reservas potenciais.
Mas põe-se o problema, sujeito ainda à discussão, de
saber como é que as oscilações sazonais e anuais dos preços
se repercutem sobre a distribuição do rendimento entre
o domínio e a aldeia.
Na realidade, o vaivém sazonal dos preços não reflecte
a flutuação do volume do rendimento nacional, mas antes
o ritmo descoordenado da produção e do consumo. Neste
sentido, as oscilações da temporada constituem apenas um
mecanismo que facilita a distribuição do rendimento produ-
zido. Só tiram proveito dessas oscilações as poucas reservas
que produzem apenas para o mercado local. O camponês
perde geralmente com elas, mesmo que esteja vinculado
ao mercado. Ganha a burguesia rica, que não vive no dia a
dia e que pode abastecer-se de produtos para todo o ano
durante a baixa de preços. Perde o trabalhador da cidade,
que vive precisamente no dia a dia. A situação privilegiada
da cidade em relação ao campo manifesta-se geralmente nas
oscilações sazonais dos preços.
Apesar de tudo, essas oscilações relacionam-se, num
aspecto, com o volume do rendimento nacional: simplesmente
são muito mais fortes nos anos em que o volume da pro-
dução baixa e sensivelmente mais fracas quando o ren-
dimento está a subir. Neste sentido as oscilações sazonais,
consideradas ao longo de vários anos, representam um meca-
nismo que permite atenuar os efeitos do decréscimo do rendi-
mento nacional sobre a camada mais remediada da popula-
ção urbana, transferindo-os em toda a sua extensão para
o camponês.
A evolução dos preços a curto prazo (alguns anos)
manifesta-se numa repetição característica de coincidências
entre a diminuição das colheitas e a alta de preços (púnha-
mos, por agora, de lado o facto de a influência do comércio
internacional atenuar em parte esta dependência). Como
já dissemos, o volume da colheita influi aparentemente
muito mais intensamente nos lucros da propriedade do que

51
o nível dos preços. Se assim for, a afirmação aplicar-se-á com
muito mais razão à exploração camponesa, quanto mais não
seja devido ao facto de os seus contactos com o mercado
terem unia importância incomparavelmente menor.
A questão merece um exame mais demorado, uma vez
que, como sabemo3, o contacto com o mercado — ainda que
seja insignificante em números absolutos ou relativos —
pode em certas condições converter-se num factor determi-
nante, devido à sua importância marginal. Em caso de alta de
preços (má colheita), o camponês vulgar, ou seja, aquele que
tem um contacto limitado com o mercado, pode permitir-se
reduzir, ainda que numa medida muito restrita, a quantidade
de dinheiro que vai buscar ao mercado, uma vez que só pre-
cisa desse dinheiro para pagar o tributo e para uma ou outra
compra indispensável. Obterá a soma necessária para pagar
o tributo sacrificando uma menor quantidade de produtos
do que num ano de boa colheita. Mas como a flutuação das
colheitas é mais acentuada do que a dos preços, e atendendo
ao baixo nível de vida (em escala absoluta) do camponês
e, consequentemente, ao grande valor marginal de cada
arroba de trigo no caso de a colheita global diminuir, o sacri-
fício dessa quantidade menor num ano mau pode ser — e é
geralmente — mais penoso do que o sacrifício de uma quan-
tidade maior num ano bom. E se o camponês, após ter pago
o tributo, tiver ainda de fazer algumas compras indispensá-
veis no mercado (sal, uma foice, e t c ) , que não possa adiar
para um ano de melhor colheita, a sua situação será pior
do que no caso do tributo. Porque o tributo é uma quantia
nominal fixa, enquanto os preços dos artigos adquiridos
na cidade aumentam em caso de carestia geral (se bêm que,
como é evidente, não tão depressa como os dos artigos
alimentares).
O camponês também não pode tirar vantagem da alta de
preço dos seus produtos num ano de má colheita, dado que
o ponto culminante dessa alta sobrevem na temporada se-
guinte. É que o camponês não pode geralmente esperar por
esse momento e tem de vender os produtos da sua colheita,
mesmo inferior, no momento em que a baixa da produção,
regional ou nacional, mal começa a repercutir-se sobre os
preços.
Os poucos dados empíricos de que dispomos e a análise
lógica indicam-nos que a flutuação do produto global era
mais intensa do que a dos preços, fenómeno natural, dado
que a baixa da produção afectava muitos produtores iso-
lados, que ofereciam os seus produtos a poucos consumido-

52
res bem organizados. Se isto é certo, podemos partir do prin-
cípio de que a flutuação do produto comercializado era ainda
mais intensa. Também neste caso o mecanismo funcionaria a
favor do consumidor urbano, em detrimento do camponês.
As tendências, que se fazem sentir na economia impri-
mem, pois, os seguintes rumos à actividade da reserva:

1) esforço para aumentar a população adscrita à gleba.


Podemos ignorar este factor, uma vez que não
desempenha qualquer função à escala macroeconó-
mica: as migrações compensam-se tanto ao nível
interno (as fugas de servos prejudicam umas pro-
priedades mas beneficiam outras) como ao interna-
cional, pois a imigração compensa a fuga de cam-
poneses para outros países;
2) incremento quantitativo da parte da produção apro-
priada pelo senhor, o que pode conseguir-se me-
diante
o) alterações na distribuição das terras;
6) agravamento das prestações pessoais (possí-
vel e necessário devido à transferência das
terras dos camponeses para o domínio):
3) monocultura de trigo e centeio;
4) transferência das relações mercantis do mercado
externo para o interno.
Fica ainda por elucidar a questão dos limites da esfera
de opção económica do proprietário do domínio. Como vere-
mos, essa esfera era relativamente reduzida.

53
Neste gráfico, que representa a superfície das terras da
reserva, os três sectores iguais AOB, BOC e COA corres-
pondem aos três campos do sistema de rotação trienal:
alqueive, sementeira da Primavera e sementeira de Outono
respectivamente. Na sementeira da Primavera a área BOa
é reservada à aveia, aOb ao centeio, bOc ao trigo e cOc
à cevada. Na sementeira de Outono, COX indica a área do
centeio e XOA a do trigo.
Quanto ao campo AOB (alqueive), não é necessário
tomar qualquer decisão económica. A superfície do sector
BOa, semeado de aveia, está determinada de antemão: a
aveia, cereal não comercializável2fl, cultivasse apenas em
função das necessidades de alimentação do gado e de consumo
dos trabalhadores. Põe-se, pois, ao administrador exclusiva-
mente o problema técnico (que de resto não é nada fácil,
numa época em que a flutuação das colheitas era tão grande)
de obter uma produção que não seja nem inferior, nem supe-
rior à procura interna do domínio.
A superfície dos sectores aOb e bOc, destinados às
sementeiras da Primavera de centeio e de trigo, é deter-
minada pela necessidade de grão de semente para os campos
a semear no Outono e, especialmente no que se refere ao
centeio, pelo consumo interno.
Em resumo, toda a superfície analisada até aqui, ou
seja, dois dos três campos da rotação, não oferece qualquer
possibilidade de opção económica. As suas dimensões são
determinadas por necessidades de reprodução no sentido
lato do termo, ou seja, incluindo o consumo do senhor e do
pessoal do domínio.
Do sector cOa (todo o campo de sementeira do Outono
e ainda a sementeira de cevada da Primavera), a parte AOX
(trigal) produz para o mercado externo e a parte XOc
para o mercado interno: a cevada, sob a forma de farro e
de cerveja, o centeio, sob a forma de farinha e de aguardente
(para simplificar, não consideramos a exportação de centeio
e a venda de trigo no mercado interno). A superfície total
do sector AOc também está predeterminada: é o «resto» que
fica, uma vez satisfeitas as necessidades derivadas de impera-
tivos técnicos ". A decisão económica consiste na determina-
ção do raio OX, que indica a orientação geral da produção:
quando se destina uma parte maior desta ao mercado interno,
o ponto X desloca-se na circunferência em direcção a A, e
quando se favorece a produção para a exportação, X deslo-
ea-se em direcção a C.

54
Uma vez que a superfície destinada à produção comer-
cializada (cOa) está determinada, e uma vez que a produ-
ção é proporcional à superfície, está portanto também deter-
minado o volume do produto comercializado. Mas como, por
outro lado, o vendedor (por exemplo, o senhor) não pode
influir sobre as eondições de venda, nem tão-poueo sobre
as de compra dos artigos que lhe são indispensáveis, o campo
da decisão económica é muito limitado. O proprietário do
domínio, apesar das aparências, tem uma latitude de decisão
limitada quanto à quantidade de produtos a pôr à venda,
o prego de venda desses produtos e o preço daquilo que
precisa de comprar.
Nesta situação, o proprietário só tem uma possibilidade
de aumentar o valor real das suas receitas: activar o poten-
cial latente de produção das suas terras, ampliar a gama de
artigos produzidos, promover a transformação dos mesmos,
etc. Quanto mais variado for o sortido de artigos produzidos
na sua propriedade, tanto melhor poderá utilizar a soma
obtida pelo produto comercializado, cujas dimensões esca-
pam à sua decisão; quanto melhor possa satisfazer a sua
própria procura de artigos industriais com o que é manu-
facturado pelos seus servos, tanto maior será a parte das
suas receitas monetárias que poderá destinar à compra
de artigos de luxo. É precisamente este o processo que obser-
vamos na Polónia a partir do século XVI e até aos fins do
século XVm.
A segunda opção do senhor consiste em aumentar as
terras submetidas ao seu domínio directo, em detrimento
das parcelas camponesas, aumentando assim a produção
comercializada (processo que se regista durante toda esta
época, mas que é mais característico do século XVII).
De qualquer maneira era sempre o camponês a pagar
os custos de qualquer dessas operações: no primeiro caso,
mediante maiores prestações e, no segundo, mediante a
diminuição da sua exploração.
Poderia dizer-se que o senhor dispunha, em princípio,
de outras possibilidades de escolha. Podia, por exemplo,
escolher entre o sistema de trabalho obrigatório e o censo
em dinheiro. Mas existiria realmente essa alternativa? Não
se registam praticamente decisões desse tipo nos séculos
XVI e XVTI. Porquê? Pessoalmente, desconfio muito das
explicações em que se atribui o fenómeno a factores subjecti-
vos («falta de racionalidade da economia tradicional da
nobreza», etc. 2 8 ). Se entre todos os nobres não encontramos
nenhum que procure uma solução mais ousada, ou se, no caso

55
de os haver, o seu exemplo não vinga, estou convencido de que
isso se deve à existência de uma limitação nas opções caracte-
rística do sistema económico vigente. Se, por outro lado, a
adopção do sistema censual se torna mais frequente no século
XVIII, sabemos também que o sistema deparava com gran-
des dificuldades e como a solução era frequentemente efé-
mera. A substituição das prestações em trabalho por presta-
ções em dinheiro não dependia da vontade do senhor. Para
que essa opção fosse realmente possível, o sistema econó-
mico vigente no país devia obedecer a uma série de condições
já enumeradas por Marx: «um desenvolvimento apreciável
do comércio, da indústria urbana, da produção mercantil
em geral e, por conseguinte, da circulação monetária...
pressupõe também que os produtos têm um preço de mercado
e que se vendem mais ou menos de acordo com o seu valor» 2B.
Desde que estas condições se não verifiquem, qualquer refor-
ma tendente a estabelecer uma renda monetária está con-
denada ao fracasso. Os casos, tardas vezes mencionados nas
fontes, de bens de raiz que se não podiam vender ou arrendar
por estarem sujeitos ao regime censual são muito signifi-
cativos. A apreciação das variantes económicas, o cálculo
de qual das alternativas é mais rentável, o trabalho obriga-
tório ou o censo, só se tornam correntes e normais na primeira
metade do século XIX. Quando o sistema económico muda,
surgem os critérios e maneiras de raciocinar corresponden-
tes ao.

A exploração camponesa no regime de prestações pessoais

A exploração camponesa típica ai num sistema de reser-


vas assente na prestação pessoal (corveia), é — como já
dissemos — uma parcela destinada ao autoconsumo e à
«reprodução». As diferenças notáveis entre as dimensões
destas parcelas obedecem principalmente à distribuição
desigual das funções reprodutivas. Esta afirmação é corro-
borada, pelo menos em parte, pelos casos notórios de cam-
poneses que se negavam a aceitar explorações de maior
superfície. A soma dos encargos que pesavam sobre essas
explorações (a grandeza das prestações e a quantidade
de gado que o camponês devia manter) era tão grande, que
uma exploração assim não garantia ao seu dono um melhor

56
nível de vida, e menos ainda a possibilidade de enriquecer ss .
Além disso, qualquer sinal visível de enriquecimento era
perigoso, pois podia provocar a imposição de encargos por
parte do senhor.
^Atendendo à oscilação considerável do rendimento do
trabalho de ano para ano, uma das características essenciais
da parcela do camponês devia ser que num ano o seu
rendimento era excedentário eP no outro, deficitário. No caso
de haver excedentes, tudo levava o camponês a consumi-los
e, no caso de insuficiência, a transferi-la para o senhor.
O significado concreto desta flutuação merece um exame
maia detalhado.
Num ano bom, de colheita abundante, o camponês
tinha de reservar a mesma quantidade de produtos de
sempre para as prestações em espécie a favor do senhor,
uma quantidade um pouco maior para satisfazer as presta-
ções em dinheiro (dado que, nssses anos, os preços baixa-
vam no mercado urbano e era necessário reservar uma maior
quantidade de produtos para obter a mesma quantidade de
dinheiro necessário para pagar o tributo e o imposto), uma
quantidade proporcional ao incremento da produção para a
dízima a pagar à Igreja e, finalmente, uma quantidade cer-
tamente também um pouco maior para a «reprodução»
(sementeira mais densa, melhor alimentação do gado, incre-
mento da criação de aves, etc). Todo o resto do excedente
destínava-se, com toda a certeza, em parte ao consumo
pessoal e, na maior parte, à troca no mercado por outros
artigos de consumo. Esta última parcela era sem dúvida a
mais elástica, como no-lo prova, entre outras coisas, a grande
flutuação dos preços dos produtos agro-pecuários nos mer-
cados urbanos em função do nível das colheitas.
Estes fenómenos encontram-se expressos no gráfico
da pág. 58.

No caso hipotético de um aumento de 30% na produção


(em volume), registado num ano considerado de boa colheita
relativamente ao ano anterior, verificam-se as seguintes
alterações:
a) os gastos produtivos em principio não variam;
b) as prestações em espécie em princípio não variam;
c) as prestações em dinheiro, invariáveis no seu valor
nominal, devido à baixa de preços que acompanha
a boa colheita, obrigam à venda de uma maior quanti-
dade de produtos (suponhamos que mais 20%);

57
d) a dízima aumenta proporcionalmente ao aumento
da produção total (ou seja, 30%).

Produto consumido 45 Produto líquido

'3
Dízima.
Prestações em dinheiro
Prestações em espécie
Gastos produtivos

(sementeira, penso do gado,


H
$ijS
tlNVC
et c .) ^
Ano N Ano N + 1
Produto bruto = 100 Produto bruto = 130
Em unidades convencionais
a zona não riscada representa o produto líquido

No exemplo escolhido, o aumento da produção bruta em


30% implica portanto:
um aumento de 40% da produção líquida
um aumento de 55,5% do produto consumido.
Como, por outro lado, a parte do produto consumido
que o camponês leva ao mercado é a mais elástica, podemos
concluir que esta aumenta em mais de 55,5%.
Estudos posteriores de verificação poderão obviamente
concretizar muitas das grandezas aqui apresentadas a título
de hipótese. Neste caso, os nossos objectivos eram oa
seguintes:
a) indicar o sentido das alterações em função do nível
da colheita;
b) propor um método de análise dos resultados da acti-
vidade económica de uma exploração desligada, em
princípio, do mercado (método a que poderíamos
chamar «vectorial»).
58
Nos casos de má colheita devia forçosamente manifes-
tar-se a tendência para transferir o peso das perdas para
o senhor. O camponês tinha grandes possibilidades de o
fazer, pois detinha os elementos essenciais da renovação
do potencial produtivo da exploração e, em certo sentido,
era também um desses elementos. Assim, em épocas de má
colheita, o camponês podia manter o nível do seu consumo
em detrimento da alimentação do gado, cuja manutenção
interessava mais à reserva do que a ele. Nessa situação,
o senhor tinha de recorrer às suas reservas para manter o
gado e, no caso de este sucumbir, tinha de o substituir, para
evitar que as suas terras ficassem por cultivar. O camponês
podia até comer o trigo destinado a semear na sua parcela.
Se no ano seguinte não tivesse grão para semear, o senhor
não podia permanecer indiferente, pois tal afectaria as
possibilidades de produção do domínio, ameaçando-o de
«degradação».
As prestações pessoais representavam uma mão-de-obra
gratuita para a reserva na medida em que o camponês esti-
vesse em condições de trabalhar. Questão tanto mais impor-
tante, quanto se não tratava apenas da condição física do
camponês, mas também do estado em que se encontravam os
utensílios de trabalho e os animais de tracção. Forçar o
«limite ideals> de subsistência do servo significava reduzir
gradualmente a produtividade e elevar o custo da mão-de-
-obra, embora fosse gratuita. Se o camponês tem de for-
necer o seu trabalho, é necessário ajudá-lo nos momentos
difíceis. E quando a sua exploração diminui ou decai, os
momentos difíceis são mais frequentes. Se o senhor o não
ajuda, o camponês morre ou foge. Uma solução intermédia
consiste em incorporar na reserva (definitiva ou tempora-
riamente) a terra abandonada pelo camponês. Mas isso
significa cair num círculo vicioso: a expansão da reserva,
dada a reduzida superfície das explorações dos camponeses,
faz que se torne necessária a intervenção económica
frequente do senhor» o trabalho obrigatório começa a es-
cassear e, se o fenómeno se repetir amiúde, a reserva terá
dificuldades cada vez maiores. Uma parte da terra acabará
por ficar inculta. Tudo isto explica as tentativas filantró-
picas de organização'de «caixas de auxílio mútuo», tão fre-
quentes no campo polaco no século XVTTI. Essas caixas,
organizadas por ordem do senhor, constituíam uma reserva
de cereais para a qual os agricultores contribuíam todos os
anos e que servia de fundo de ajuda aos camponeses arrui-
nados. Ê óbvio que se tratava de uma tentativa para trãns-

59
ferir os encargos dessa ajuda necessária para os ombros
dos próprios camponeses. Esse tipo de instituição funcionava
bem quando se tratava de socorrer camponeses isolados,
mas fracassava quando toda a aldeia precisava de ajuda
(anos de más colheitas ou de epizootia). A atitude do cam-
ponês, expressa nesta fórmula «Pertenço ao meu senhor,
o meu senhor que me dê de comer» *s era, efectivamente, mais
frequente do que poderia parecer.
Uma outra forma do camponês mitigar os efeitos das
oscilações da produção consistia no atraso do pagamento
das prestações. Num sistema ideal, tentar-se-ia transferir
o pagamento de um ano «mau» para um ano «melhor» para
não afectar, em última análise, as receitas globais reais do
senhor. Na prática, como se sabe, essas dívidas acumula-
vam-se, atingindo dimensões exorbitantes.
Em princípio, como já dissemos, a reserva tendia a
reduzir a parcela camponesa a dimensões inferiores ao
mínimo indispensável à subsistência. O facto de nos anos
«bons» essa exploração dispor de excedentes, que encami-
nhava para o mercado, levava o senhor a reduzi-la, ou então
a impor-lhe encargos maiores. Por conseguinte, quando vinha
um ano «mau», a parcela não permitia sequer que o cam-
ponês satisfizesse as necessidades mais prementes. Ao
longo da vigência do feudalismo na sua forma económica
assente na reserva e na prestação pessoal, os anos «maus»
vão-se assim tornando cada vez mais frequentes. E isto acon-
tece porque basta um decréscimo muito pequeno da colheita
— em relação ao nível médio — para que a exploração
não possa cumprir as suas funções de «parcela de subsistên-
cia e reprodução». Nos casos extremos, a exploração só
as podia cumprir satisfatoriamente nos anos excepcional-
mente «bons», e todos os outros eram «maus».
Pode depreender-se do que acabámos de dizer que, no
sistema clássico, a exploração do camponês sujeito a servi-
dão mantinha algum contacto com o mercado, embora muito
limitado. O seu âmbito era determinado pelo montante das
prestações e dos impostos em numerário. Nos anos «bons»,
de colheita abundante, esse contacto era maior, pois o exce-
dente era trocado no mercado pelos produtos artesanais da
cidade.
A parte comercializada da produção camponesa {tal
como a da reserva) devia oscilar, por conseguinte, muito mais
intensamente do que a produção global, se bem que —
como sabemos — as flutuações desta última fossem já enor-

60
mes. Tudo isto não podia deixar de provocar um estado de
grande intranquilidade nos mercados urbanos.
A oscilação do índice de comercialização difere, no
entanto, fundamentalmente nos casos da exploração campo-
nesa e da reserva. Para o caso da reserva, formulámos já
a tese de que as enormes variações do produto global coexis-
tem com a tendência para a estabilização do auto-consumo,
pelo que o volume comercializado oscila ainda mais intensa-
mente do que a produção global, como no-lo revela o seguinte
esquema:

Produção global liquida


Zona riscada: parte da
produção destinada & venda

Autoconsumo

Adiante comprovaremos a exactidão deste esquema.


No <(ue toca à exploração camponesa, sobre a qual
possuímos uma informação muito mais deficiente, duas
coisas são certas: 1. a curva da produção global tem de
se assemelhar à curva correspondente do esquema da reserva
(papel decisivo do clima), 2. a diferença entre o nível de
autoconsumo e a curva da produção é incomparavelmente
menor do que no caso da reserva, e nos anos de pior colheita
a produção situa-se abaixo do nívei habitual de autoconsumo,
de acordo com o seguinte esquema:

Produção global liquida


Zona riscada: parte da
produção destinada & venda

Autoconsumo

Este esquema peca no entanto por uma inexactidão


importante. Corresponderia à verdade se o camponês não
estivesse também subalimentado nos anos medianamente
bons. Como sabemos, porém, que isso acontecia com frequên-
cia, temos de concluir que o autoconsumo não era tão estável
como nos aparece no esquema: nos anos bons elevava-se cer-
tamente um pouco, para decair nos anos maus até ao nível
determinado peia quebra da produção global (nesses anos não
pode vender e não tem com que comprar).

61
Mas como, no sistema em questão, a comercialização
forçada não existe — dado que as prestações em dinheiro
a favor do senhor são reduzidas e em anos maus, como sabe-
mos, geralmente nem sequer são pagas, e dado que as com-
pras que o camponês faz no mercado se referem, na sua
maioria, a artigos não indispensáveis, pelo que podem ser
adiadas—, não há neste sistema lugar para a «oferta de
fome» tào usual, por exemplo, nas décadas de 20 e de 30
na Polónia do nosso século, quando o camponês, nos piores
anos e nas piores condições, se via obrigado a vender —
tirando assim o pão da boca — para não perder a terra,
uma vez que os impostos eram pagos exclusivamente, e as
dívidas quase exclusivamente, em dinheiro. No sistema que
estamos a estudar, mesmo o camponês que costuma comprar
e vender, pode viver perfeitamente um ano ou dois sem nada
vender ou comprar. Pode recolher-se à sua carapaça, como
a tartaruga.
Foi talvez precisamente por esta razão que a repetição
periódica dos anos desfavoráveis não provocou, na Polónia
(pelo menos em grau sensível), alterações irreversíveis e
acumulativas na estrutura da aldeia, como as que sem dúvi-
da produziu na França do século XVIII (como se de-
preende dos trabalhos de C. E. Labrousse) e como as que
produziu simultaneamente na estrutura da propriedade nobi-
liária da Polónia. Em França, cada ano ds más colheitas
gerava alterações irreversíveis, que afectavam certas catego-
rias da população camponesa (tudo dependia das dimensões
da exploração e do tipo de prestações), enquanto outras não
eram afectadas. Esses anos, ao repetirem-se periodicamente,
tinham efeitos acumulativos, transformando a prazo a iestru-
tura do agro. Na Polónia, depois de um ano mau a tartaruga
tirava cuidadosamente a cabeça da sua carapaça, e quase
tudo voltava à normalidade. Com uma excepção importante:
fenómeno irreversível, e por isso mesmo parcialmente acumu-
lativo, era a redução da superfície média da exploração
camponesa e o aparecimento de terrenos baldios. Nem todos
os camponeses que se dispersavam por causa da fome
regressavam imediatamente à sua aldeia. Nem todas as
explorações cujos donos morriam passavam para novas
mãos. A redução do número dos animais de tracção em
períodos de má colheita impedia alguns camponeses de lavra-
rem toda a superfície da sua parcela.
O contacto do camponês com o mercado urbano era
sem dúvida constante, mesmo em períodos de predo-
mínio absoluto da reserva assente no trabalho obrigatório,
62
uma vez que o camponês precisava sempre de algum dinheiro
para fazer frente aos encargos impostos pelo senhor ou pelo
Estado. Mas esse contacto tinha amiúde carácter unila-
teral: o camponês vendia, mas não comprava. Por um lado
o facto tinha grande importância para as cidades, condicio-
nando virtualmente a sua existência, uma vez que lhes asse-
gurava o abastecimento em víveres, mas, por outro lado,
não criava mercado de venda para o artesanato urbano.
O camponês servo só aparecia como comprador dos produtos
da cidade nos anos «bons» e, com o correr do tempo, só
nos anos excepcionalmente propícios.
O âmbito e a índole dos contactos do camponês servo
com o mercado constituem um problema muito interessante
e de grande importância para a síntese da história econó-
mica da Polónia, mas trata-se ao mesmo tempo de um
problema mal conhecido e decerto um dos mais difíceis.
Existem, no entanto, algumas possibilidades de o investigar
mais a fundo.
Pode pôr-se agora a questão de saber se o camponês
polaco utilizava o ferro, o vidro e outros produtos indus-
triais que só se podem adquirir no mercado.
Muitos dos poemas satíricos polacos da época do Renas-
cimento exploram o tema do camponês no mercado da cidade.
Ora este tema raramente aparece na literatura do Ilumi-
nismo. Tratar-se-á apenas de uma mudança na moda poética
ou reflectirá a desactualização do fenómeno na vida real?
Quando Tyzenhaus queria difundir o uso da gadanha nos
domínios reais da Lituânia, obrigava os camponeses a com-
prarem gadanhas (produzidas não na Polónia, mas na Estí-
ria), como lhes tinha imposto já o consumo do sal, dos aren-
ques ou da vodka. Mas essas compras integravam-se obvia-
mente no sistema de coacção e de exploração feudal, e os
camponeses consideravam-nas como tal. A prova é que
proporcionavam lucros chorudos ao tesouro real. Mas os
objectos de ferro não eram coisa rara entre os apetrechos
de uma casa camponesa dos arredores de Cracóvia, por
exemplo 34 . Torzewskí tentava convencer os nobres endinhei-
rados a fundar fábricas de vidros, afirmando que «o vidro
é um artigo sem o qual o mais pobre dos camponeses não
pode passar» 9S. A quem vendiam a sua mercadoria os vende-
dores ambulantes, chamados «escoceses», porque o eram
frequentemente? Apenas aos senhores? Certamente que não.
Os produtos dos oleiros de Hza encontrados nas casas campo-
nesas de Krowodrza 3° vinham de muito longe. E a ideia de
que o camponês polaco se vestia essencialmente com panos

63
tecidos em casa parece ser — pelo menos em relação à maior
parte do território — pura lenda 37.
Apesar das investigações nesta matéria estarem muito
atrasadas, podemos arriscar a hipótese de que o contacto
do camponês servo com o mercado se orientava principal-
mente para o consumo, permitindo-lhe, nos anos de boa
colheita, elevar um pouco o seu nível de vida. Quando o
camponês investe — apesar de todos os obstáculos inerentes
ao sistema — fá-lo sem recorrer ao mercado e sem ter em
conta o estado actual das suas relações com o mercado. A
sua atitude assemelha-ae, neste ponto, à política adoptada
nesta matéria pela reserva.
Quer isto dizer que o camponês não investe nada? Que
não procura o incremento da capacidade produtiva da sua
parcela? Tal conclusão seria totalmente errónea. O que
acontece é que a s possibilidades de investimento do campo-
nês não dependem em absoluto nem do volume da sua produ-
ção global, nem da conjuntura do mercado, mas sim da mão-
nie-obra de que dispõe — principalmente da sua família—,
da dimensão das prestações pessoais relativamente a essa
mão-de-obra (poderíamos chamar ao conjunto destes dois
elementos o saldo da mão-de-obra da exploração camponesa)
e, em menor grau, das possibilidades locais de aumentar a
área cultivada.
Este último ponto é, a nosso ver, importante e subesti-
mado. Que significavam então esses inventários periódicos
das terras dos camponeses, que habitualmente revelavam
que uma parte dos camponeses tinha mais terras do que
as que figuravam no cadastro precedente? Consideramo-los
geralmente como um mero acto de agressão por parte do
senhor, com o objectivo de diminuir as explorações campo-
nesas, um acto clássico de violência feudal, disfarçado sob
a falsa constatação de que as parcelas eram maiores do que
o «deviam ser» segundo cadastros anteriores, ou seja, que
tinham sido entretanto ilegalmente aumentadas. Tratava-se
decerto, nalgumas ocasiões, de uma jogada de má fé por
parte do senhor. Não lhe faltavam os meios para tal. Um
deles consistia em reduzir gradualmente a medida, e portanto
também a superfície. O senhor cortava a vara ^ue servia de
medida, confiado na ignorância do camponês, que se não
apercebia de nada. Mas o camponês opunha resistência. A
aldeia arranjava, por vezes, a sua própria vara de controlo,
o que dava como resultado que, com o tempo, a diferença
entre as duas varas era cada vez maior. Nessa situação, em
que o camponês deparava com um atentado às suas condi-

64
coes de vida, o seu tradicionalismo — por muito paradoxal
que isso nos pareça—era uma forma de luta de classe aB.
Mas, por outro lado, pode-se arriscar a tese de que
amiúde sucedia precisamente o contrário. A constatação de
que a área das explorações camponesas aumentara era falsa,
mas, muitas outras, podia também ser verdadeira. Os cam-
poneses, -per fas et per nefa&r aumentavam a área das par-
celas. Por um lado, incorporando na sua exploração franjas
adjacentes de terras sem dono aparente ou de terras da
reserva; por outro, quando conquistava terras à floresta 30 ,
quando lavrava terras até aí inúteis ou campos de pasto-
reio pouco ou nada explorados, e t c , quando cultivava terras
sem dono, nos cases bastante frequentes em que o abandono
fora total >e era já antigo. Assim a sua acção conduzia muitas
vezes ao aumento das terras úteis da região.
Pois bem, num sistema de economia agrária extensiva,
o incremento das forças produtivas faz-se principalmente
através do aumento da superfície cultivada. No período
em que vigorou na Polónia o sistema de reserva assente na
prestação forçada, o motor dessa expansão parece ter sido
o próprio domínio. Mas devido às devastações bélicas dbs
fins do século XVII e da primeira metade do século XVIII,
acontece muitas vezes que o senhor, não dispondo de gado
nsm de instrumentos de trabalho próprios, e não dispondo
também de recursos financeiros, ou não querendo inves-
ti-los nesse empreendimento, não está em condições de desem-
penhar essa função, transferindo-a para o camponês. Como
é natural, num regime de classes os investimentos •são sempre
custeados, em última análise, pela classe explorada. Nesse
período isso verificava-se também, mas de uma forma muito
peculiar, a que os historiadores não têm prestado até aqui
a devida atenção. Era o camponês quem reconstruía a arrui-
nada economia agrária do país, suprindo com o seu trabalho
a falta de meios de produção, mas os frutos desse trabalho
eram paulatinamente apropriados pela reserva. Os inventá-
rios da aldeia sucediam-se mais ou menos ao ritmo de cada
geração, no momento em que o herdeiro tomava posse da
herança (por vezes o ciclo era mais longo, mas por vezes
também mais breve, quando a reserva estava arrendada).
Nessa altura fazia-se também frequentemente uma nova
medição das terras. A superfície adicional de terra útil, que
a última geração de camponeses tinha adquirido à força de
trabalho, era transferida para a reserva. Ora, esse aumento
da superfície das terras aráveis coincidia também geralmente
com o aumento do valor e do potencial produtivo das explora-

65
ções camponesas, representando no conjunto da economia
nacional a parte essencial do desenvolvimento das forças
produtivas *°.
A manifestação mais eloquente desse mecanismo foi o
método frequentemente adoptado quando era necessário
reconstruir uma aldeia ou reconstituir a produtividade da
terra depois de uma guerra. Recorria-se então ao sistema
censual; mas depois de reconstruída a aldeia, voltava-se ao
sistema das prestações pessoais. Rutkowski tinha razão
quando punha em relevo o papel do trabalho assalariado
na reconstrução do agro polaco depois da devastação bélica
do século XVII. Pica em aberto a questão de saber até que
ponto esse recurso foi duradouro.
Ê curioso o facto de verificarmos amiúde, nas fontes, que
os camponeses servos aceitavam de mau grado explorações
mais extensas, sobre as quais pesavam, naturalmente, maiores
encargos, mas que arrendariam de bom grado terras senho-
riais abandonadas, além de trabalharem nas parcelas que lhes
correspondiam. Do ponto de vista macroeconómico (à escala
do rendimento nacional) o facto não tem importância: a
exploração abandonada por uma família camponesa (que
fugiu ou morreu aquando de uma epidemia) viria a ser culti-
vada por outra família. Mas a questão é muito interessante
do ponto de vista do cálculo económico do camponês e é de
admitir que tenha um significado mais profundo. Como sabe-
mos já, quando o camponês arrenda uma terra baldia, fá-lo
a troco do pagamento de um censo em dinheiro, e nunca em
troca de maiores prestações pessoais. As suas possibilidades
de prestação de força de trabalho esgotam-se em geral nos
encargos que tem de suportar a título da sua posse da par-
cela pessoal. Mas como essa parcela satisfaz as necessidades
fundamentais de consumo da sua família, a exploração
arrendada multiplica as suas possibilidades de comerciali-
zação, permitindo-lhe pagar o censo e elevar, ao mesmo
tempo, consideravelmente o seu nível de vida. A exploração
— que foi assim duplicada — deixa de ser uma parcela de
subsistência e reprodução, uma vez que quase toda a pro-
dução líquida da terra arrendada pode ser vendida. Isto
explica o interesse do camponês por este tipo de transacção.
Ê claro que esse interesse só existia realmente quando era
possível tomar conta da segunda parcela sem maiores custos,
ou seja, sem empregar ganhões (ou recorrendo a eles em
pequeníssima escala), por outras palavras, só quando a
família camponesa dispunha de reservas de mão-de-obra.
Trata-se de mais um indício de que, no sistema que estuda-

66
mos — no qual, como já sabemos, as famílias camponesas mais
ricas são as mais numerosas —, as famílias não são nume-
rosas por serem ricas, mas são ricas por serem numerosas 41 .
O que vem apoiar a tese de que o número de braços é o factor
limitativo da produção.
E se a exploração camponesa chegou a ser mais do que
uma parcela de subsistência, se apesar de todos os obstá-
culos conseguiu realizar uma reprodução ampliada, foi por-
que este método trazia benefícios ao senhor.
O camponês luta porfiadamente para que lhe seja dada
a possibilidade de produzir um excedente e de o vender. A
reserva faz o que lhe é possível para lhe impedir o contacto
com o mercado (a não ser o estritamente necessário para
que o camponês possa pagar as prestações em dinheiro e os
impostos). Mas é justamente esse contacto que determina,
em grande parte, o nível de vida do camponês (e não as suas
possibilidades de produção).
O nível de vida do camponês depende, assim, do exce-
dente de produção, este depende do volume da produção
global, e este último (dado o carácter extensivo da economia)
da superfície cultivada. O aumento da superfície cultivada
depende, por sua vez, da relação entre a mào-de-obra e as
condições topográficas (existência de terras incultas, pasta-
gens não exploradas, matagais, bosques desaproveitados,
etc., nos arredores e sobretudo na vizinhança das terras
cultivadas) 42. Uma vez que o saldo da mão-de-obra da explo-
ração camponesa era aparentemente — e apesar de tudo —
positivo (não porque os testemunhos sobre o peso dos tra-
balhos obrigatórios fossem exagerados, mas sim porque
o camponês subestimava o seu próprio trabalho e o da sua
família), o factor «topográfico» era, em última análise, deci-
sivo ".
Vejamos mais de perto o balanço da mão-de-obra da
exploração camponesa.
Reconstituir esse balanço de uma forma válida para
uma exploração típica é tarefa difícil, mas não impossível.
Seria evidentemente necessário fazer uma análise das dife-
rentes categorias de exploração e da sua evolução. A ten-
dência para reduzir as dimensões médias da exploração
influía «positivamente» sobre esse balanço. A regra cons-
tatada por Rutkowski, a saber, que quanto menor era a
exploração, tanto maiores prestações pessoais lhe eram
impostas, operava, pelo contrário, «negativamente». Dificil-
mente poderemos determinar hoje a resultante dessas tendên-
cias opostas. Parece que prevalecia, no entanto, a primeira:

67
isto é, à medida que a superfície cia exploração do camponês
diminuía, as suas necessidades de mão-de-obra diminuíam
mais rapidamente do que aumentavam os seus encargos de
trabalho obrigatório. Esta afirmação é, porém, extrema-
mente discutível.
O balanço da mão-de-obra da exploração camponesa é a
resultante da acção de vários factores extraeconómicos. A
quantidade de trabalho que o senhor pode extrair da explo-
ração camponesa não é determinada exclusivamente em
função da quantidade de trabalho de que a exploração
necessita. A reserva não pode monopolizar todo o excedente.
O grau em que o pode fazer depende da correlação das
forças sociais e também — até certo ponto — da resistência
que o camponês opõe. Foi este facto que tornou possível
maior lentidão no aumento das prestações pessoais relati-
vamente à diminuição das parcelas dos camponeses.
Mas a analise do balanço da mão-de-obra, atendendo
ao carácter heterogéneo dos elementos que a compõem e ao
ritmo sazonal da sua procura, tem forçosamente de ter em
conta os «factores limitativos». O principal factor deste tipo
era com toda a certeza o problema da mão-de-obra mascu-
lina adulta nas temporadas de maior acumulação dos tra-
balhos agrícolas. Não há dúvida de que coexistiam frequen-
temente na mesma exploração um balanço equilibrado ou
até negativo dessa mão-de-obra nas referidas temporadas,
e um balanço positivo de todas as outras categorias de mão-
-de-obra durante o resto do ano.
Mas como o défice temporário de mão-de-obra masculina
na exploração camponesa afectava unicamente a produção
agrícola, particularmente a de cereais (cuja expansão depa-
rava com enormes dificuldades), os possíveis excedentes do
balanço global podiam ser canalizados para a produção hor-
tícola, a criação de suínos e aves ou ainda para a manu-
factura caseira, principalmente de tecidos. Daí a enorme
importância do trabalho feminino na economia camponesa •".
Uma última questão: qual será a reacção da exploração
camponesa, a curto prazo, aos altos e baixos da colheita?
A concepção por que se rege a reserva assenta na esta-
bilidade do valor real das prestações, garantida pela própria
natureza destas. O valor real dos dias de trabalho obrigató-
rios (cujo número está determinado) e das prestações em
espécie é fixo por definição. E se abstrairmos, de momento,
das prestações insignificantes em dinheiro, essa concepção
implica que o risco inerente à flutuação do produto global
camponês recai integralmente sobre a exploração camponesa.

68
E nessa época o risco, em toda a acepção da palavra, era
muito grande. Uma exploração anémica não estava de modo
algum em condições de o suportar. À medida que a área
média da exploração camponesa diminuía, o risco torna-
va-se cada vez maior e mais prenhe de consequências. Surge,
porém, neste ponto uma das contradições fundamentais do
sistema: se o senhor se não decide a compartilhar o risco,
pelo menos até certo ponto, a exploração camponesa ficará
arruinada, com prejuízo evidente para a reserva. O senhor
— quer o quisesse, quer não — não podia portanto subtrair-
-se ao risco.
As relações monetárias do camponês com a reserva
resumem-se às prestações em numerário e ao sistema de «dre-
nagem» dos recursos monetários do camponês, principal-
mente através do monopólio da produção e venda de aguar-
dente, reservado ao senhor. Em períodos de maior produção
global, o camponês pode vender mais, mas a mais baixo
preço. Tudo parece indicar que o maior volume das vendas
compensa amplamente a baixa dos preços e que, por conse-
guinte, lhe é então mais fácil pagar as referidas prestações.
A reserva beneficia também, ao receber a mesma soma
nominal, de maior poder aquisitivo, devido à baixa dos
preços. De tal maneira que ambas as partes ficam a ganhar,
o que reflecte muito simplesmente o aumento do rendimento
nacional global.
Nas relações comerciais entre o camponês e a cidade,
a situação é determinada pela pouca elasticidade dos preços
dos produtos manufacturados (monopólio das corporações),
juntamente com a grande elasticidade dos preços dos pro-
dutos agro-pecuários. Por essa razão, é o camponês que
suporta quase por inteiro as consequências de qualquer
diminuição do rendimento nacional — por exemplo, um ano
de má colheita. O camponês está, porém, em condições de
contrair essa tendência, adiando a compra de produtos
manufacturados para um ano melhor, o que parece ser uma
regra.

A economia da corporação artesanal

O cálculo económico do artesão no regime gremial está


ligado a um sistema de concorrência muito imperfeito —
para lhe não chamarmos um sistema monopolista-—que
funciona num mercado muito limitado", Nas transacções

69
do mercado, o habitante da cidade estava organizado face
ao camponês, que o não estava, o que constitui um meca-
nismo típico da exploração do campo pela cidade í0 .
O grémio, como elemento do sistema social corporativo,
constitui, como se sabe, uma organização que vincula inte-
gralmente os seus membros, as famílias destes e os aspi-
rantes a membros, em todas as suas funções, actos e necessi-
dades sociais. Numa sociedade corporativa só se é membro
da sociedade na qualidade de membro de uma corporação.
0 grémio, como organização de produtores, orienta
a sua actividade pelo objectivo de garantir um «preço de
monopólio», limitando, por um lado, a produção do artigo
correspondente, e aumentando, por outro, o seu preço até
onde for possível, para obter o máximo benefício global.
A tendêneia para aumentar o preço era limitada pela procura
efectiva. A supressão da concorrência através da regula-
mentação da corporação (que proibia a publicidade, regula-
mentava os preços de venda e os preços da matéria-prima,
fixava a remuneração dos oficiais e dos aprendizes e, sobre-
tudo, a quantidade de trabalho que uma oficina podia
utilizar, limitando a mão-de-obra auxiliar e o número de
dias e de horas de trabalho, o que — dadas as técnicas
manuais e uniformes de produção — implicava a imposição
de um limite de produtividade a todas as oficinas) tinha
por objectivo garantir uma repartição igual dos benefícios
obtidos, graças a uma posição monopolista no mercado.
Esta concepção assentava na invariabilidade ideal dos
preços. A prática introduzia, porém, modificações conside-
ráveis.
O sistema estava construído de maneira a que «a pro-
dução seguisse sempre o consumo a um passo de distância»,
ou seja, de modo a que o consumo mantivesse sempre a dian-
teira. Assim seria garantida a relação desejável entre a oferta
e a procura e assegurada a venda da totalidade da pro-
dução 47 . Só assim podia funcionar cabalmente o «mercado
do vendedor», ou seja, aquele em que o vendedor desfruta
de uma posição privilegiada. Só assim tinham sentido eco-
nómico as limitações quantitativas impostas à produção.
Mas o aumento da procura efectiva coincide, segundo parece
(e segundo se depreende dos parágrafos anteriores'), com
períodos de aumento do rendimento nacional, de plena uti-
lização de todos os factores de produção, com anos de paz
e de boas colheitas, ou seja, com períodos de baixo nível
geral de preços, A baixa geral dos preços significa, natural-
mente e antes de mais nada, uma baixa de preços dos pro-

70
dutos agrícolas, pecuários e florestais (artigos alimentares
e matérias-primas), enquanto os preços dos produtos
manufacturados se mantêm relativamente rígidos. Por isso
o período de baixa é, em muitos aspectos, vantajoso para
o artesão, uma vez que:

1) baixam os preços da matéría-prima;


2) baixa o custo da mão-de-obra(uma vez que a remu-
neração dos oficiais e aprendizes se fazia principalmente em
espécie);
3) aumenta a procura efectiva global, permitindo apro-
veitar toda a capacidade produtiva da oficina;
4) a procura cresce mais rapidamente do que a oferta,
o que proporciona boas condições para o funcionamento
eficaz do «mercado do vendedor».

Mesmo quando — caso nada frequente — a situação for-


çava os grémios a baixarem os preços (por exemplo, devido
à pressão dos compradores: a nobreza, certos grupos da
burguesia), isso acontecia com uma certa demora em rela-
ção à acção dos quatro factores enumerados, criando assim
uma margem de lucro para os membros do grémio.
Pelo contrário, nos períodos de baixa procura global
efectiva (que coincidiam com os anos de menor rendimento
nacional e da alta de preços), não aparece o «mercado do con-
sumidor». Impede-o o sistema corporativo, que tem esta como
uma das suas funções essenciais. Nessa situação os preços
dos produtos manufacturados têm forçosamente de aumen-
tar, dado que:

1) aumentam os preços da matéria-prima;


2) aumenta o custo da mão-de-obra (novamente devido
à remuneração em espécie);
3) aumentam as despesas de manutenção do próprio
mestre.

E tudo isto acontece num momento em que a produção


da oficina está a decrescer. Os preços dos produtos manu-
facturados não podem, porém, aumentar muito, devido à
redução da procura. A eficácia do preço de monopólio dimi-
nuiu, mas o sistema corporativo continua a funcionar como
sistema de repartição igual dos lucros diminuídos e inclusive
da repartição igual das perdas eventuais.
A curto prazo, a elasticidade do volume da produção
gremial é praticamente nula. O seu limite superior é deter-
71
minado pelo aproveitamento total da capacidade produtiva
das oficinas existentes. A produção pode oscilar apenas
até esse limite e, como já o dissemos, em sentido oposto
à oscilação dos preços.
A longo prazo, havia naturalmente maiores possibili-
dades de modificar o potencial produtivo do grémio consi-
derado no seu conjunto. Na prática isso era possível conce-
dendo facilidades aos oficiais para se estabelecerem por
conta própria ou, pelo contrário, multiplicando ca obstá-
culos, o que reduziria forçosamente, a longo prazo, o número
das oficinas. Recorria-se também a medidas intermédias,
autorizando-se, por exemplo, os mestres a aumentarem o
número dos oficiais e aprendizes. Surge, no entanto, a
dúvida de se a opção por uma ou outra linha de acção era
exclusiva ou sequer parcialmente determinada pelo cresci-
mento ou pelo decréscimo da procura, se em geral, dependia
dos fenómenos do mercado.
Uma vez que o regime gremial clássico recusa altera-
ções nas técnicas de produção — e portanto alterações radi-
cais do rendimento do trabalho — a produção global do
grémio é determinada:

1) pelo número de oficinas;


2) pela quantidade de mão-de-obra auxiliar fixada para
cada oficina (ou pela proporção entre a mão-de-obra quali-
ficada e a não qualificada, ou seja, entre os oficiais e os
aprendizes);
3) pelo grau de utilização da capacidade produtiva
da oficina e da mão-de-obra.
Em suma, o sistema gremial é um sistema muito pouco
sensível aos estímulos do mercado e incapaz de se adaptar
a qualquer mudança na situação.
Seria, no entanto, impossível estudar a economia
artesanal da época sem analisar outros factores que influen-
ciavam a formação dos preços dos produtos manufactura-
dos e o cálculo económico do próprio artesão.
No sistema capitalista liberal, o preço é uma variável
independente do ponto de vista do empresário isolado. Este
tem de incluir no seu cálculo o preço efectivamente exis-
tente no mercado, modificado de acordo com as previsões
sobre a sua evolução futura. A sua acção é demasiado
fraca e a quantidade de produto que lança no mercado
demasiado pequena para que possa influir, por essa via,
sobre o preço.

72
No feudalismo a situação é diferente. A concorrência
é muito imperfeita, sobretudo no mercado que liga a cidade
à comarca circundante. As possibilidades que os diversos
sujeitos económicos têm de influenciar os preços são consi-
deráveis e variadas. Num mercado deste tipo, o grémio
ocupa uma posição de monopolista colectivo,, actuando de
forma organizada face aos fornecedores camponeses não
organizados, o que lhe permite fazer baixar o preço dos
artigos que vende, através de regulamentação adequada
e principalmente limitando a produção. Mas os órgãos
representativos da nobreza podem também influir nos preços,
promulgando tarifas especiais — ou seja, listas de preços
máximos — em cada vowodia (província). Os historiadores
influenciados pela concepção liberal da economia, que reco-
nhecem valor absoluto às leis que caracterizam a economia
mercantil capitalista, têra tendência para não atribuir a
devida importância ao significado económico das tarifas e
negar a sua eficácia. Se as coisas fossem assim, a aplica-
ção continuada dessas tarifas ao longo dos séculos revelaria
uma aberração evidente de certas camadas sociais, que por-
fiavam em utilizar arma tão ineficaz.
O problema das tarifas requer um estudo completo. A
lista de produtos sobre os quais incidem e que mudam com o
tempo é por si só muito eloquente. Os estatutos de Warka
de 1423 introduziram uma regulamentação oficial dos preços,
a fim de que uma «manobra» dos burgueses não provocasse
uma baixa artificial dos preços dos artigos alimentares,
cujo principal fornecedor era, na época, o nobre. No século
XVI, quando os preços estão em acentuado aumento, a consti-
tuição do ano de 1565 exclui os cereais da lista de produtos
cujo preço pode ser objecto de regulamentação. Como se vê,
a nobreza quer tarifas para o que compra e o comércio livre
dos artigos vendidos por ela 1S, evidentemente, apenas quando
a tendência altista é geral \ Na Idade Moderna, quando a
tendência altista é quase permanente -— quer devido à con-
juntura internacional, quer devido à inflação, quer ainda por
causa das guerras —, a nobreza revela grande interesse
em impor tarifas às bebidas, panos e seda n°, enquanto no
caso dos cereais, muito raramente apela para esse recurso,
e só quando é necessário prevenir uma baixa iminente de
preços s l . E quando as tarifas afectam os preços dos artigos
alimentares, é principalmente para ajustar os preços dos
artigos manufacturados aos preços da matéria-prima, que
se considera como uma espécie de «variável independente»:
por exemplo, o ajustamento do preço do pãó ou do farro

73
ao preço dos cereais , a . Tratar-se-ia, pois, de uma análise de
regulamentação da taxa de lucro dos produtores urbanos.
B por essa razão que os mercadores boicotam muitas vezes
as assembleias municipais convocadas para estabelecer as
tarifas ss. Sabemos, por outro lado, de tarifas especiais apli-
cadas aos artigos importados". Além disso, a opinião bur-
guesa em vão exigia a regulamentação dos preços do pão e
de outros produtos alimentares Sí .
Muitos historiadores polacos negaram qualquer eficá-
cia às tarifas. «Toda a legislação relativa à regulamentação
dos preços no século XVI — diz Rybacki — não teve impor-
tância de maior. O comércio era, em princípio,, livre. As
tarifas provinciais foram aplicadas apenas a algumas mer-
cadorias e nem sempre foram eficazes» 5e. Também não acre^
ditam na eficácia das tarifas historiadores como Lanowski,
Szelagowski, Hoszowski e com ele todos os investigadores
dos preços de Lvov. A posição mais extremista nesta matéria
é a de Siegel, que passamos a citar no tocante a este ponto.
Diz, por exemplo: «Sério estorvo para o comércio polaco
dos séculos passados foram as tarifas»"; «o sistema de
tarifas deixava... o consumidor totalmente à mercê dos espe-
culadores, expondo simultaneamente o comerciante honesto
a severas penalidades, podendo este ser privado da sua loja
ou oficina no caso de se ver obrigado a exercer as tarifas» 6S.
Esta afirmação dificilmente é compatível com a sua tese
de que «o ajustamento das tarifas dos artigos alimentares
aos preços dos produtores agro-pecuários tinha por objecti-
vo evitar as perdas que os comerciantes poderiam sofrer
devido a uma política pouco hábil» M . Para avaliar da
eficácia das tarifas, Siegel compara os preços regulamenta-
res e reais da manteiga e do sebo. Na sua análise, em que
não faltam erros de aritmética 6n , cada resultado obtido
parece provar a sua tese. Quando o preço realmente pago
se distancia muito do preço da tarifa, diz: «Qual era então
o sentido de fixar preços obrigatórios, quando ninguém
queria nem podia adoptá-los». E quando o preço real quase
coincide com o preço regulamentar, constata: «A diferença
é apenas de 6% a favor dos preços de mercado, o que prova
claramente que a imposição de tarifas no século XVTII não
correspondia a nenhuma necessidade real» 01 . Não se deve,
pois, estranhar o facto de Siegel concluir as suas conside-
rações afirmando que «as sessões das comissões de tarifas
não passavam de perda de tempo» 32. Em todo o caso, não
se pode negar ao autor o dom de saber expor claramente a
sua posição.

74
Mas encontramos também opiniões opostas. 0 primeiro
investigador das tarifas, F. Bostel, acreditava até certo ponto
na sua eficácia. Erecinski, ao estudar o comércio da cidade
de Poznán, diz-nos que «as tarifas eram geralmente respeita-
das» es. A posição mais razoável, no estado actual das inves-
tigações, é a de Rutkowski, quando diz: «Não há dúvida de
que os preços fixados pelas tarifas eram ultrapassados em
mais de uma ocasião e de que estas infracções nem sempre
eram castigadas. Apesar de tudo isso, as tarifas influencia-
vam, até certo ponto, a formação dos preços, constituindo
um dos factores que determinaram, na Polónia, uma varia-
ção dos mesmos, benéfica para os produtores agrícolas e
desfavorável para os operários e para os artesãos» *4.
Não é necessário demonstrar que as tarifas eram exce-
didas, pois trata-se de um facto notório. Mas esse facto não
prova a sua ineficácia. A acção das tarifas podia manifes-
tar-se de duas maneiras: 1. travando a tendência altista; 2.
oferecendo melhores condições de transacção aos comprado-
res cuja posição social lhes permitia obrigar o vendedor a
respeitar as tarifas. Resta saber se as tarifas provinciais
foram ou não uma causa parcial (uma vez que não foram
com toda a certeza a única) do facto de os preços dos artigos
de artesanato terem aumentado mais lentamente na Polónia
dos séculos XVT-XVTO do que os preços dos frutos da berra.
O problema merece ser investigado.
Outra questão a pôr refere-se aos factores decisivos
do cálculo económico da produção artesanal. E. J. Hamilton
toma em consideração, em toda a sua obra, um único desses
factores, os salários. Segundo ele, o facto de os preços das mer-
cadorias aumentarem mais rapidamente do que os salários
constitui uma prova do incremento dos lucros. Este raciocí-
nio peca porém por não tomar em conta alguns elementos
fundamentais,, um dos quais tem para nós, neste momento,
um interesse muito especial: o custo da matéria-prima. O
peso deste factor no cálculo varia de acordo com os sectores,
mas nunca é insignificante. Na situação concreta da Poló-
nia da Idade Moderna, o produtor principal — se bem que
não o único — das matérias-primas é a reserva, isto é, a
nobreza, que é também quem impõe as tarifas. Este duplo
aspecto do problema ainda não foi estudado. O facto de,
por exemplo, o preço do trigo tender a aumentar muito mais
do que o preço da farinha de trigo sugere uma redução da
margem de lucro daquele que transforma a matéria-prima
fmas pode tratar-se também de uma decadência dos moinhos
independentes, provocada pela moenda obrigatória do grão

75
nas reservas). Para progredirmos com segurança neste
terreno, seria necessário analisar os preços das matérias-
-primas e dos produtos manufacturados em diversos mer-
cados e em diferentes períodos de tempo, tendo em conta a
condição social do fornecedor de cada uma das matérias-
-primas (como o dissemos já, esse fornecedor era geralmente
o domínio, mas nem sempre).
E, finalmente, é necessário chamar a atenção para o
facto de que a rigidez da oferta da actividade artesanal é
acompanhada por uma grande elasticidade da procura dos
artigos que ela produz, pelo menos na maioria dos sectores.
Essa elasticidade deve-se em especial ao elevado grau
de auto-suficiência das economias domésticas camponesas e,
em parte também, burguesas, que limita as suas relações com
o mercado, em geral, a contactos destinados a satisfazer
necessidades não imperiosas. Se não são imperiosas, quer
dizer que a sua satisfação pode ser adiada por um ano ou
dois. Ê um dos métodos de entesouramento consiste justa-
mente em adiar as compras para um momento mais pro-
pício.
Em conclusão, a situação económica do artesão caracte-
riza-se por uma elasticidade considerável da procura e por
uma elasticidade reduzida da oferta.

Confrontações empíricas

A primeira hipótese que temos de submeter à verificação


é a que se refere à tendência do autoconsumo para a estabi-
lidade, e o seu corolário: a flutuação da quantidade comer-
cializada é muito mais acentuada do que a flutuação das
colheitas, que, por seu lado, também é considerável. Partire-
mos, para este cotejo, de dados sobre a produção e a venda
de trigo num dos domínios pertencentes à cidade de Poznan,
nos anos de 1588-1610. Utilizámos quatro métodos de repre-
sentação gráfica desta questão, e todos eles corroboram as
hipóteses formuladas. Obtivemos como resultado a equação

y=ax —b
era que y representa o volume comercializado, x a produção, o
tende para um [neste caso concreto a = 1,15] e 6 repre-
senta o autoconsumo estável.
76
Esta conclusão não constitui qualquer revelação, mas
para nós é de grande importância. O autoconsumo como
objecto de investigação, sobretudo histórica, é um tema
muito ingrato. Como saber o que foi produzido e consumido
dentro da exploração agrícola, sem passar pelo mercado, sem
passar pelas mãos de diferentes pessoas, sem ser objecto de
relações inter-humanas, para lá das que se processam no seio
da própria «empresa»? Se há razões para afirmar que o
consumo é quantitativamente estável a curto prazo, temos
por conseguinte o direito de concentrar a nossa atenção
sobre a análise das alterações quantitativas e das altera-
ções do valor real da parte comercializada da produção.

Elasticidade relativa das colheitas e das vendas à escala mlcro-


económica (colheita e venda do trigo no domínio de Wilda entre 1583
e 1610). índice em cadeia: os pontos situados acima do eixo 100 repre-
sentam o aumento relativamente ao ano precedente; os pontos situa-
dos abaixo desse eixo representam uma diminuição- Nota-se que nos
anos de boa colheita o aumento das vendas é maior do que o da
colheita, e que nos anos m a u s a diminuição das vendas é mais pro-
nunciada do que a da colheita.
Fonte: J. Majewskl, Gospod&rka fohoarcsna we wsiach mlasta
Poenama w l, 1582-164$ («Economia do domínio feudal nas aldeias
da cidade de Poznan entre 1982 e 1614»), Poznan, 1957.

77
A
BOO-

700-
* f
ÓOO-


* *f
JOO-

Grão •
(lebulbado
400- ••
3OO- •

200-

100-

0* i
rnn
1 1
?nn s n n A
1
on
1
ÍOO
1 1
í o o 700 8c
Vpndu

Debulha e venda do .trigo no domínio de Wilda, 1582-1610 (em nú-


meros absolutos).
Fonte: J. Majewstei, Economia do domínio feudal, ap. cit.,
pp. 284-285. (Um ponto situado sohre o eixo OA significaria que nesse
ano se tinha vendido toda a colheita. Se os pontos marcados estão
distribuídos mais ou menos paralelamente ao eixo significa que o con-
sumo interno do domínio é relativamente estável.)

Na economia feudal, isolada do mundo, o nível geral dos


preços é determinado pela variação dos preços agrícolas, e
esta última (a curto prazo, em que a procura se pode consi-
derar invariável) pela colheita. A flutuação doa preços deve-
ria ser, portanto, inversamente proporcional à flutuação das
colheitas. E uma vez que quase toda a flutuação do volume
da produção global se transmite à parte comercializada, este
facto deveria forçosamente traduzir-se por uma flutuação
muito forte dos fenómenos do mercado, mesmo que a parte

78
comercializada da produção seja insignificante, ou precisa-
mente por essa razão. As investigações históricas mais recen-
tes sobre os preços permitiram estabelecer essa correlação
em vários mercados. Para o caso da Polónia, os dados dispo-
níveis parecem indicar no entanto que essa correlação é
muito menos significativa.
O problema tem grande importância e exige uma aná-
lise detalhada.
Em primeiro lugar temos razões para supor que essa
correlação foi na realidade mais íntima do que no-lo mostra
o material de que dispomos. A relação efectiva é parcial-
mente obliterada, na medida em que o material em questão
utiliza o ano civil e não o ano agrícola. A colheita, boa ou
má, pode influenciar os preços até à Primavera do ano seguin-
te, pelo que uma comparação entre as colheitas e os preços
confinada ao ano civil pode falsear a correlação. E dada a
forte variação anual das colheitas, fenómeno típico da época,
essa correlação pode ser completamente obliterada 85 .

J
1.0 1 1 1 1 1 1 TT-| 1 1 1 1 ] 1 1 1 1
158} I J S J 1J90 IJJJ 1600

(índices calculados segundo a lei dos mínimos quadrados)


Correlação entre a dehullia e a venda de trigo no domínio de Wilda,
1582-1600.
Fonte: J. Majewskl, Economia do domínio feudal—, op. cit.

79
y
too

JOO

400

•a
g 300-

>

aoo-

É0
o 100 aoo 300 400 Soo ° 7°° E°o
Grão debulhado

Correlação da colheita e da comercialização à escala microeco-


nômica (colheitas e vendas de trigo no domínio de Wilda entre 1583 e
1600).
Fonte: J. Majewski, Economia do domínio feudal, <yp. cií.

A relação preços-colheitas pode, por outro lado, ter


tido uma importância relativamente maior do que aquela
que lhe atribuímos nas nossas tentativas de cálculo, pela
simples razão de que, para as fazer,partimos dc3 preços nomi-
nais. Os resultados podem estar falseados devido à influência
de perturbações monetárias; um ano de boa colheita pods
coincidir, por exemplo, com uma alta de preços inesperada,
devido a fenómenos inflacionistas. Prova de que esse fenó-
meno era possível é o facto relativamente frequente do
aumento simultâneo da exportação de grãos feita por Gdansk
(que pode servir grosso modo de índice das colheitas na bacia
do Vístula) e da alta de preços. A diminuição da exportação
raras vezes coincide, porém, com a baixa de preços. Não
nos pareceu conveniente responder a essa dificuldade atra-
vés do recurso ao cálculo dos preços em prata ou em ouro,
até porque os dados sobre a cotação da moeda que aparecem
nas publicações da «escola de Bujak» nos não inspiram
grande confiança. De qualquer modo, é pouco provável que
esses dados possam reflectir imediatamente as rápidas mu-
danças das cotações.

80
no — Prego do trigo em Poznan
IIO ~— Colheitas num domínio doa
IOO - arredores de Poznan
9o- .—'
8o

fio
;o
40
}0
JO-
IO -

—1—'
T58; 159» 1595 rfioo

Colheitas e prego à escala mlcroeconómlca (domínio de Wilda,


entre 1584 e 1600, em números absolutos).
Fontes: para a s colheitas (colheita de trigo de um dado ano,
dividida pela quantidade semeada no ano precedente), J. Majewski,
Economia do domínio feudal..., op. cit.; p a r a os preços: dados facul-
tados ao autor pelo Prof. S. Hoszowki

Porém, é irrefutável que a correlação negativa entre


as colheitas e os preços não é ideal e que intervêm aqui outros
factores para além dos monetários. E é irrefutável apesar
de os nossos pontos de apoio serem muito defeituosos, já
que, se o conhecimento que temos da história dos preços
é bastante completo, conhecemos muito mal as flutuações
das colheitas.

81
3.J- _ Primei ras diferenças das colheitas
3,0- _ - Primeiras diferenças dos preços
^.5-
1,0 • <
* / \
i\ / Vi
• */
0.5-
' w A \r*\
0-
M il A r
o,j-

r.o -

1
15SJ
M/i i
ijgo
i i i i i
•595
i i i i
i&

Correlação das colheitas e dos preços à escala microeconômica


(domínio de Wilda, entre 1585 e 1600).
Fontes: as mesmas que para o diagrama precedente.

Um ponto de apoio muito mais firme desta conclusão


resulta da concordância, aparentemente bastante grande, da
evolução dos preços de todos os cereais em todas as cidades
da Polónia. Este fenómeno também não foi objecto de
estudos especiais, mas os resultados que apresentámos, a
título de exemplo, nos diagramas aqui inseridos são elo-
quentes r,°.

Vejamos alguns números:


Correlação simples Poznan-Gdansk 0,860
Poznan-Cracóvia 0,699
Gdansk-Cracóvia 0,655
Correlação simples com
atraso de um ano Gdansk-Cracóvia 0,820
Correlação múltipla Poznan, Gdansk e
Cracóvia 0,879
Gdansk, ÍPoznan e
Cracóvia 0,864
Cracóvia, Poznan e
Gdansk 0,707
82
Wisniewski chamou a atenção para a correlação dos
preços em Varsóvia e em Gdansk no século XVIII<". Se con-
siderarmos provada a relação íntima existente entre os pre-
gos dos cereais nas maiores cidades da Polónia — apesar das
reduzidas dimensões dos territórios que abasteciam cada uma
delas e das diferenças notáveis do rendimento agrícola exis-
tentes de região para região — impõe-se concluir que deviam
intervir outros factores na uniformização dos preços. Um
deles podia ser, evidentemente, a influência dos preços de
exportação, ou seja, do volume da exportação e dos fenó-
menos que ocorriam no mercado mundial aa .
Assim chegamos a um problema muito importante e
muito discutido pelos historiadores polacos.
Tem-se discutido por mais de uma vez e com grande
entusiasmo a função do mercado externo — ou melhor, as
funções correlativas do mercado externo e interno — na eco-
nomia polaca da Idade Moderna, em particular em torno do
debate sobre a origem do domínio assente na servidão. Não
se encontrou ainda, em nossa opinião, um método de inves-
tigação adequado do ponto de vista da análise económica para
este problema.
•Por um lado, os próprios índices quantitativos são
discutíveis. Korzon calcula que nos anos posteriores à pri-
meira divisão da Polónia (1772) e à instituição dos direi-
tos alfandegários pela Prússia, a exportação de cereais
da Polónia (com um território já reduzido) constituía entre
4 e 7,5% da colheita global fl9 ; Hoszowski, que considera este
cálculo verosímil, supõe que antes da primeira divisão essa
percentagem poderia ter sido o dobro, entre 10 e 15% da
produção 70 .
Por outro lado, a influência da exportação sobre a vida
económica do país exerce-se unicamente através do meca-
nismo do mercado, e sobretudo através dos preços. Mas
para podermos formar uma ideia acerca da possível influên-
cia da exportação sobre os preços, deveríamos comparar
as quantidades exportadas não com a produção global, mas
sim com a produção comercializada. Ora, o volume desta
última é muito difícil de determinar. Os «coeficientes de
comercialização»calculados porRutkowski a partir das«actas
de inspecção» dos fins do século XVT parecem demasiado
elevados 71. Além disso, esses coeficientes dizem exclusiva-
mente respeito à produção das reservas. Supondo que o
índice médio de comercialização da produção camponesa era
de 10% ™ e que as explorações camponesas produziam 50%
da produção líquida, e aceitando os coeficientes exagerados

83
de Rutkowski para as reservas, chegamos, para o conjunto
da agricultura polaca dos fins do século XVI, a um coefi-
ciente de comercialização da ordem dos 35-40%. Entre o
século XVI e o século XVHI duas tendências opostas actua-
ram sobre este coeficiente: 1) o aumento da superfície das
reservas relativamente à superfície total das terras cultiva-
das, facto que se repercutia favoravelmente sobre o referido
coeficiente; 2) a diminuição do rendimento por unidade de
superfície, facto que se repercutia negativamente. Supon-
do que as duas tendências se anulam mutuamente, pode-
mos aceitar também para a segunda metade do século XVHI
o coeficiente de comercialização de 35-40%. Se assim é,
os 10-15% que representam, segundo Hoszowski, a parte da
produção global líquida destinada à exportação, significa-
riam que as exportações representavam entre 25 e 45% da
produção comercializada 7S. Tal percentagem é elevadíssima.
Além disso, como já dissemos, as grandes flutuações
da produção global (a curto prazo) eram quase totalmente
transferidas para a parte comercializada, que equivaleria
a uma percentagem reduzida daquela e cujo volume variava,
portanto, ainda mais de ano para ano.
Mas se quisermos avaliar a influência da exportação
sobre os fenómenos do mercado interno, não podemos limi-
tar-nos a determinar a parte exportada da produção global
ou da produção comercializada. Até uma exportação relati-
vamente reduzida pode (ainda que não necessariamente)
exercer uma influência poderosa sobre os preços internos.
Podem concorrer para tal uma série de factores difíceis
de prever em abstracto. O único caminho que resta é estudar
empiricamente essa influência.
A título de prova, analisemos a questão a partir dos
dados do período de 1584-1600 (que escolhemos por ser o
único de que possuímos dados contínuos sobre as colheitas) ".

84
120

1 10-
— Prego do trigo em Poanan
— — Prec» do centeio em Gtlansk
TOO-
""" Preço da aveia em Cracóvia
90-
8o-

jo-
40-
3°"
20-
10-
o " 1 — 1 — I — I — I — I — 1 — 1 — I — 1 — I — I — I — I —

1585 ijgo IJSJ tSoo

Pregos doa cereais n a s grandes cidades d a Polónia entre 1584 e


1600 (em números absolutos).
Pontes: Poznan (prjço do cwiprtnia de trigo), dados facultados
ao autor pelo Prof. S. Hoszowskl. Gdansk (prego do last de centeio),
J. Pele, Ceny w Gãansku, w XVI i XVII w. («Pregos em Gdansk nos
séculos XVT e XVII»), Lvov, 1937. Cracóvia (prego do amertnia de
aveia), J. Pele. Geny w KraJcowie te. I. 1369-1600 («Preços em Cracóvia
nos anos d e 1369-1600»), Lvov, 1935.
Nota: eteiertnia e last são medidas de cereais variáveis segundo
as épocas e a s regiões; equivalem aqui, aproximadamente, a 136 e
3,000 litros, respectivamente.

Ao comparar os dados sobre as colheitas de trigo nos


arredores de Poznan com os preços do trigo na cidade ™,
observamos que — tal como esperávamos — aparece a
correlação negativa característica do regime feudal, mas,
neste caso, relativamente fraca.

85
— Preso em Poznun
••-o Preço em Cracóvia
••—Preço em Gdansk

J
1,5 1 1 — . — i — . — i — i — , , , .—| > 1 ,—i 1—
J385 1590 IJ9J IÉOO
(índices calculados segundo a lei dos minimos quadradas)

Correlação das flutuações dos preços dos cereais nas grandes


cidades da Polónia entre 1584 e 1600.
Fontes: as mesmas que para o diagrama precedente.

Comparámos igualmente a flutuação dos preços em


três cidades da Polónia durante os mesmos anos. A corre-
lação é extraordinariamente forte, apesar de uma série de
factores de cálculo que tendiam a enfraquecê-la:

1) foram objecto da nossa comparação os preços em


Gdansk, Cracóvia e Poznan, isto é, duas cidades da bacia
do Vístula, mas muito distantes uma da outra, e outra, Poz-
nan, que não pertence a essa bacia, e que exercia segura-
mente grande influência uniformizadora sobre os preços;
2) por falta de dados uniformes e contínuos para esse
período, tivemos de recorrer aos dados disponíveis, relativos
ao centeio em Gdansk, ao trigo em Poznan e à aveia em
Cracóvia. Ê de supor, porém, que a correlação para uma
única espécie de cereais teria sido mais intensa 7S.
A intensidade desta correlação não é característica ex-
clusiva do período que escolhemos a título de exemplo, como
o provam os coeficientes referentes à segunda metade do
86
século XVIII. O cálculo assenta nos preços nominais do cen-
teio. Os resultados são os seguintes " :

Período 1750-1795
Correlação simples Cracóvía-Varsóvia 0,760
Varsóvia-Gdansk 0,800
Cracóvía-Gdansk 0,872
Correlação mútlipla Varsóvia-Cracóvia e Gdansk 0,815
Cracóvía-Varsóvia e Gdansk 0,834
Gdansk-Varsóvia e Cracóvia 0,866
Período 1750-1772

Correlação simples Cracóvía-Varsóvia 0,607


Varsóvia-Gdansk 0,509
Cracóvía-Gdansk 0,823
Correlação múltipla Varsóvia-Cracóvia e Gdansk 0,608
Cracóvía-Varsóvia e Gdansk 0,852
Gdansk-Varsóvia e Cracóvia 0,822

Voltemos ao exemplo de Poznan nos fins do século XVI,


uma vez que é o único caso em que dispomos simultaneamen-
te de dados sobre os preços locais e sobre as colheitas locais.
Tomemos os anos em que, na comparação entre os preços
e as colheitas, se não manifestou a correlação negativa que
esperávamos, ou seja, os anos em que o preço e a colheita
sobem ou descem simultaneamente. São os anos de 1585
(baixa), 1588 (baixa), 1599 (alta) e 1600 (alta). Verifica-
mos que em todos estes anos, à excepção do de 1600, a evo-
ção do preço do trigo em Poznan, inexplicável em termos
da relação com o volume da colheita, coincide com a evolu-
ção do preço doa cereais em Gdansk, o porto exportador. Na
nossa opinião, estamos perante um fenómeno de grande
importância.
Chegamos assim à etapa seguinte: a análise dos factores
que determinam o preço de exportação.
O passo inicial consistirá forçosamente em estabelecer
a correlação entre os preços de Gdansk e os preços nos mer-
cados importadores. Infelizmente, a publicação de Posthumus
sobre os preços na Holanda fornece-nos, para este período,
87
dados muito fragmentários. Procuremos cotejar o que é possí-
vel. O maior número de dados refere-se aos preços do cha-
mado centeio «prussiano> em Amesterdão (prego do last em
florins) 7tt. Podemos compará-los com os preços do centeio
em Gdansk, segundo Pele (preço do last em ouro) '», nos
anos em que dispomos de ambos os dados a o :

Amesterdão Gdansk
1579 78,40 71,79
1580 96,00 83,19
1581
1582 67,90 56,92
1583
1584 73,15 60,00
1585 73,85 61,52
1593 75,60 53,19
1594 93,80 66,90
Correlação simples: + 0,776

Como se vê, a correlação é elevada, na medida em que


é possível emitir um juízo a partir de dados fragmentários.
Não é tão elevada como a dos preços dos cereais nas grandes
cidades da Polónia, mas é superior à que se verifica entre as
colheitas e os preços em Poznan. Temos pois uma correlação
relativamente forte entre os preços de Poznan e Gdansk, por
um lado, e entre os de Gdansk e Amesterdão, por outro.
Tudo isto parece reforçar a tese de que o mercado externo
exercia uma grande influência sobre a produção comerciali-
zada, mas não sobre a produção global.

88
,,J
J ^ Prece, d o c e n t e i o e m A m s t e r d ã o

11,0- • — P r e ç o do centeio e m G d a n s k

10,0-
$•}•
9,0-
í.j-
B,o-
7.J-
7.»"-
í.3-
í,o-
J.J-
í.o-
•J94

(Índices calculados segundo a lei dos mínimos Quadrados)

Correlação do prego do centeio em Gdansk e em Amesterdão nos


últimos anos do século XVI.
Fontes: J. Pele, Os preços em Gdansk..., op. cit. N. W- Poathumus,
Inçptiry into the history of privas In Hoílanã, t. I, Ijeiden, 1946.

P r e ç o em A m s t e r d ã o

Correlação •entre aa flutuações do preço do centeio em Gdansk e


em Amesterdão entre 1579 e 1594.
Fontes: a s mesmas que para o diagrama precedente.

89
Trata-se de um elemento importante de análise, mas
não passa de um elemento. Em primeiro lugar, a importância
do factor exportação não se manifesta necessariamente numa
correlação ideal entre os preços do mercado exportador e os
do mercado importador. Em certas circunstâncias é assim,
mas noutras pode suceder exactamente o contrário. Em
períodos de funcionamento eficiente do comércio, essa corre-
lação deveria ser intensa. Mas em caso de interrupção do
intercâmbio por esta ou aquela razão, a evolução dos preços
nesses mercados pode acusar tendências opostas. A diminui-
ção da exportação polaca na época das guerras contra os
cossacos (1648-1658) e do «dilúvio» (nome pelo qual é de-
signada a devastadora invasão sueca da Polónia de 1655-1660.
acompanhada de lutas internas) produziu naturalmente uma
alta de preços, tanto em Gdansk, como em Amesterdão. Por
outro lado, a peste negra da Holanda de 1664-1665 e aparen-
temente também, a peste «marselhesa» de 1720 devem ter
ocasionado, e foi esse realmente o caso, uma alta de preços
em Amesterdão e uma queda em Gdansk. A flutuação dos
preços em sentidos opostos no mercado exportador e no im-
portador não denuncia, porém, a debilidade de influência
do factor exportação, pelo contrário, revela a sua força 81 .
Mas avancemos um pouco mais. Se se admite, o que
é muito provável, que se podiam geralmente vender, em
Gdansk, quaisquer quantidades de grão proveniente do inte-
rior (excepto nos anos em que o funcionamento do comércio
sofria perturbações), podem extrair-se daí consequências
importantes:

1) o volume das exportações de Gdansk devia ser


directamente proporcional ao excedente comercializado, isto
é — a curto prazo — à flutuação das colheitas, registando
uma flutuação um pouco exagerada S2 e, a longo prazo, à
resultante de vectores como a variação do rendimento do
trabalho e da terra, as transferências na propriedade a favor
do domínio e em prejuízo do campesinato, as alterações nas
dimensões da zona exportadora 8a devidas à construção de
caminhos, às mudanças de fronteiras, e t c ;
2) o volume das exportações de Gdansk devia ser
inversamente proporcional à flutuação dos preços no mer-
cado nacional, na medida em que estes preços são, por sua
vez, inversamente proporcionais à colheita (vimos atrás que
o são até certo ponto) ; convém assinalar que a relação inver-
sa entre o volume da exportação e a flutuação dos preços
no país, embora semelhante a certos fenómenos do capita-

90
lismo liberal, tem um carácter económico completamente
diferente. No capitalismo a exportação pode aumentar
precisamente porque baixam os preços nacionais, enquanto
aqui não há relação de causa e efeito, uma vez que ambos
os fenómenos se devem a um terceiro, que é uma boa colheita;
3) se o raciocínio precedente está correcto, a exporta-
ção deveria actuar como factor nivelador sobre a flutuação
dos preços no país.
E isso porque o nosso modelo, levado ao extremo,
supõe: 1. a possibilidade de vender em Gdansk qualquer
quantidade de grão levada até esse porto; 2. a influên-
cia preponderante do comprador organizado (comerciante
estrangeiro, e principalmente o intermediário de Gdansk).
Por conseguinte, num ano de má colheita o comprador adqui-
rirá menores quantidades de grão (porque a oferta é mais
reduzida), mas não terá qualquer motivo para o pagar mais
caro. Se assim fosse, o gráfico dos preços pagos em Gdansk
deveria apresentar «cumes nivelados» em comparação com
outras cidades da Polónia. Como se vê, também este racio-
cínio sugere que a exportação exerce uma influência nive-
ladora sobre os preços internos. Pelo menos, assim seriam
as coisas num plano abstracto. Mas o fenómeno exige um
exame mais detalhado.
Se supusermos que o cereal produzido pelo camponês
abastece a cidade e o que é produzido pela reserva é lançado
no mercado internacional, e se tivermos em conta que a
parte comercializada da produção camponesa é muito infe-
rior à da reserva, um ano de má colheita pode facilmente
provocar uma escassez catastrófica no abastecimento do
mercado urbano, afectando muito menos a afluência do
grão aos portos. Isso implicaria: 1. maior flutuação dos
preços nas cidades do interior do que nos portos; 2. que a
exportação fomentasse essa flutuação no jnterior, em vez de a
nivelar. Mas, por outro lado, o aumento dos preços internos
tem um limite, determinado pelos preços vigentes nas cida-
des portuárias menos o custo do transporte até essas cidades.
Entretanto o preço nas cidades portuárias é, segundo parece,
eficazmente rebaixado pelo comprador (comerciante da Euro-
pa Ocidental ou intermediário de Gdansk), que o pode fazer
devido à sua situação privilegiada. Mais importante ainda é
a intervenção de duas tendências opostas: por um lado,
a diminuição gradual das dimensões médias da exploração
camponesa origina uma redução da produção comercializada,
pelo que pode haver o perigo de ela desaparecer completa-
mente num ano de má colheita, o que significa que o abaste-

91
cimento das cidades se torna cada vez mais precário; por
outro lado, desenvolve-se paralelamente um outro processo
(e pode ser que haja, entre ambos, uma relação recíproca),
o da ruralização das pequenas vilas, que tem como conse-
quência a dependência do abastecimento camponês.
Em última análise, a hipótese da influência niveladora
da exportação sobre a evolução dos preços no mercado inter-
no parece verosímil. Será por essa razão que as sucessivas
ondas de subida e queda dos preços são menos pronunciadas
na França continental da mesma época? 64 Pode também
acontecer que precisamente este factor, que explica uma
menor intensidade da flutuação dos preços do que das colhei-
tas, seja, pelo menos, uma das causas para que o rendimento
agrícola (tanto o do domínio, como o do camponês) dependa
mais das colheitas do que dos preços.
Se considerarmos que os preços nos mercados locais
dependem: 1) da colheita; 2) dos preços de exportação,
seria conveniente analisar, uma por uma, todas as combi-
nações possíveis dos dois factores mencionados:
a) má colheita na região de Poznan, coincidindo com
uma tendência altista em Amesterdão;
&) boa colheita em Poznan, coincidindo com uma ten-
dência baixista em Amesterdão;
c) má colheita em Poznan, coincidindo com uma ten-
dência baixista em Amesterdão;
d) boa colheita em Poznan, coincidindo com uma ten-
dência altista em Amesterdão.
A direcção das flutuações nos casos o) e 6) é evidente,
restando apenas determinar a sua intensidade. Por outro
lado, nos casos c) e d), em que actuam forças de direcção
oposta, podemos afirmar, com toda a certeza, que a resul-
tante será mais débil que cada um dos vectores em questão
(isto reforçaria a tese acerca da acção niveladora da
exportação sobre os preços internos), mas é impossível pre-
ver qual das duas forças terá o predomínio. Os diagramas
apresentados no princípio deste capítulo (um relativo às
eolheitas e preços na região de Poznan e outro, relativo
aos preços em Poznan e em Gdansk) parecem indicar que,
na prática, ambos os casos eram possíveis.
Encerrou-se assim o círculo do nosso raciocínio.
à luz do material analisado até aqui, podemos passar
agora, de acordo com o nosso enunciado, à demonstração da
tese segundo a qual o crédito agrário (o do senhor e o do
camponês) depende mais das quantidades vendidas do que

92
do preço. Ê inútil dizer que em vez de falar em «demonstrar
uma tese», seria mais correcto falar em «mostrar a proba-
bilidade de uma hipótese».
Como já mostrámos, a grande elasticidade da colheita
repercute-jse quase exclusivamente sobre a parte mercantil da
produção, quer do senhor, quer do camponês. Uma vez que
a parte «natural» da produção global, que, como já dissemos,
é relativamente estável no plano quantitativo, é por isso
mesmo realmente estável por definição, as oscilações do
rédito real dependerão das oscilações do valor real da parte
da produção destinada ao mercado, que oscila muitíssimo
no plano quantitativo. As oscilações do valor real da parte
da produção destinada ao mercado serão, por sua vez, a
resultante de três factores: 1) quantidades vendidas* 2)
preços conseguidos, 3) preços dos artigos adquiridos. Uma
vez que os preços dos artigos comprados pelos agricultores
são relativamente estáveis a curto prazo (a longo prazo já
assim não é, como veremos mais adiante), podemos pres-
cindir por agora desse elemento e admitir que o rédito real
dos produtos agrícolas, proveniente da parte mercantil da
produção, é proporcional à utilidade que se obtém através
dela, e que é a resultante dos dois primeiros factores atrás
indicados.
Se num regime económico isolado, em que a procura é
estável, os preços oscilam de forma inversamente proporcio-
nal às oscilações do volume de mercadorias (da oferta), a re-
sultante desses dois factores terá evidentemente menorampli-
tude. Não é, no entanto, possível prever qual dos dois facto-
res terá mais força, e de acordo com qual dos dois esquemas
a seguir indicados se passarão as coisas.

Preço

Preço x colheita.

Colheita

93
Preço x colheita

Examinámos já os argumentos a favor da hipótese


segundo a qual as quantidades vendidas exerceriam uma
influência maior do que os preços. Tentemos agora verificar
empiricamente essa hipótese, ainda que no estado actual
das investigações a tarefa seja muito difícil.
Examinemos, primeiro, o problema no plano miero-ana-
lítico e, depois, no plano macro-analítieo.
A escolha do objecto da micro-análise é determinada pelo
facto de que as únicas fontes à nossa disposição e utilizáveis
— embora parcialmente apenas — para os nossos fins se
referem às reservas da comarca de Poznan.
Como já vimos, as oscilações das colheitas nas reservas
da região e as oscilações dos preços na cidade de Poznan
estão ligadas entre si por uma correlação negativa. A resul-
tante dessas duas curvas drstingue-se naturalmente por uma
menor amplitude das oscilações (porque as duas curvas,
oscilando em direcções opostas, nivelam-se parcialmente);
mas, em úíitma análise, aproxima-se mais da curva das
colheitas do que da dos preços. Na realidade, às oscilações
violentas dos preços correspondem oscilações ainda mais
violentas das colheitas.
Poderia dizer-se que são as oscilações do volume das
mercadorias, e não as oscilações dos preços, que incidem
sobre o volume das receitas 'em dinheiro da reserva; no
entanto, e como o demonstrámos já, as oscilações do volume
das mercadorias são o reflexo ampliado das oscilações da
colheita, uma vez que estas últimas se reflectem quase exclu-
sivamente sobre a parte do produto destinada ao mercado.
Se constatamos agora que as oscilações da colheita são
maiores do que as oscilações dos preços e se sabemos que
as oscilações do volume das mercadorias são mais fortes do
qua as da colheita, é fácil compreender que as oscilações do
volume das mercadorias devem ser, por maioria de razão,
superiores às dos preços.
Examinando mais de perto os números apresentados,
verificamos quie, no decurso dos dezasseis anos considera-
94
dos, a tendência das variações dos preços é oito vezes maior
que a tendência das variações da colheita. Estas quase não
interessam, porque é óbvio que a resultante destes dois
factores deve forçosamente crescer ou diminuir nesses anos.
Por outro lado, durante os outros oito anos em que o
movimento dos preços segue um movimento contrário ao
das colheitas, só dois não confirmam a nossa hipótese (em
1590 a colheita diminuiu relativamente ao ano anterior de
3,1 para 2,5, enquanto o preço aumentou de 40,5 para 51,8:
por conseguinte, o produto de ambos os factores aumen-
tou 3 % ; em 1596, a colheita diminuiu de3,2 para 3,1,
enquanto o preço aumentou de 75,0 para 80,5: o produto
aumentou aproximadamente 4 % ) . Sublinhemos que, em
ambos os casos, as divergências relativamente à nossa hipó-
tese são mínimas. Nos restantes seis casos o fenómeno
desenrolou-se de acordo com a nossa hipótese: o vendedor, ao
vender maior quantidade de mercadorias, ganha mais do
que aquilo que perde em consequência da diminuição simul-
tânea dos preços.

7,5
— » Colheita
7.°- —«• Preso >
6,5- • • • • Colheita Í preço
6,o-
J.J-
5,0-
4>J-
4.o-
M-
3.o-

3,0-
1.5-
i 1 r ~>—1—
I58J J5°o '595 1600

(índice calculado «segundo u lei dos mluiinot quadradtfs)

Correlação entre as colheitas e oa preços à escaia microeconómica.


Fontes: colheitas: dados do domínio de WUda (colheita de trigo do ano
indicado, dividida pela quantidade semeada no ano anterior), J.
Majewskl, Economia do domínio feudal..., op. cít.; os dados sobre os
preços do trigo em Poznan foram facultados ao autor pelo Prof. S.
Hoszowski.

95
É evidente que, em condições normais, sobretudo nos
períodos em que não hâ sérias perturbações monetárias ou
complicações nas trocas internacionais, a curva do produto
da colheita multiplicado pelo preço oscila numa escala
muito mais limitada do que as duas curvas que a determi-
nam. Isso significa que, a curto prazo, os fenómenos do mer-
cado conduzem a uma certa estabilização do valor real do
rédito dos produtores agrícolas, limitando a incidência das
enormes oscilações da colheita.
O mesmo problema, sempre à escala microanalitica, pode
ainda examinar-se de outra maneira. Consideremos as colhei-
tas da região de Poznan (rendimento do trigo na reserva
senhorial de Wilda, igual ao quociente da quantidade de grão
semeado no ano anterior) dos três melhores e dos três piores
anos, e comparemo-las com os preços do trigo na praça de
Poznan:

3.J
t Primeiras diferenças entre as colheitas
3.o-
• Primeiras diferenças entre os presos
3,5-
2,0-

1.3-

1,0-

0,3-

O'

1,0

1666 1680

Correlação entre aa colheitas e os pregos à escala macroeconó-


mica, entre 1665 e 1680.
Fontes: conaiderou-se como índice das colheitas a exportação de
cereais através de Gdansk em milhares de last: S. Hoszowsk, Hcwidei
Gdanska w okre&le XV-XV1II w. («O comércio de GdanSk aos séculos
XV-XVH3), Cracóvia, 1960, Pregos do ceoteio em Gdansk segundo
leitura aproximativa dos gráficos pp. 50a, 50b e 50 c. J. Pele, Os
preços em Gdansfc,.,, op. cit.

96
Anos melhores Colheita Preço Produto
1592 5,8 40i2 233,16
1593 5,8 49,0 284,20
1603 4r6 75,5 347,30
Anos piores Colheita Preço Produto
1604 2,2 120,0 264,00
1597 2,6 85,4 222,04
1616 2,8 70,0 196,00

Temos pois, durante os anos piores:


um rendimento médio igual a 2,5 grãos de cereal por
grão semeado,
um preço médio igual a 91,6;
e durante os anos melhores:
um rendimento médio igual a 5,4 grãos por grão se-
meado, um preço médio igual a 54,9.
Para que a comparação seja concludente, temos de re-
portar estas grandezas a uma base comum. Considerando
como 100 as grandezas correspondentes ao ano médio pior,
as grandezas correspondentes para o ano médio melhor
serão:
rendimento igual a 216
preço igual a 60
produto igual a 129,6
pelo que o produto do rendimento multiplicado pelo preço é
muito superior em 1/4 ao do ano médio pior.
Mas assim estamos a comparar o rendimento e o preço
e não o volume das mercadorias e o preço. Para nos aproxi-
marmos da realidade, admitamos que da colheita total é
necessário subtrair um grão para a sementeira do ano
seguintes e outro para o autoconsumo aG. Subtraímos, por-
tanto, dois grãos a cada colheita para nos aproximarmos das
oscilações do volume das mercadorias que, como sabemos,
são muito mais violentas do que as oscilações das colheitas.
Vemos então que:
nos anos piores a massa de mercadorias de cereal é
constituída por
0,5 grão por grão semeado
o preço médio é igual a 91,6
97
noa anos melhores a massa de mercadorias é constituída
por 3,4 grãos de cereal por grão semeado;
o preço médio é igual a 54,9.

Supondo uma vez mais que os dados correspondentes aos


anos piores são iguais a 100, as grandezas correspondentes
aos anos médios serão:
massa de mercadorias igual a 680
preço igual a 60
produto igual a 480.
As receitas em dinheiro provenientes da venda da massa
de mercadorias são portanto, no ano médio melhor, quatro
vezes mftiores do que no ano médio pior; e isso apesar de os
preços serem 40% mais baixos.
Este resultado confirma, uma vez mais, a nossa hipó-
tese.
Como já dissemos, tamém se pode examinar o problema
no plano macroeconómco. Não foi ainda publicada nenhuma
estatística das exportações dos cereais polacos via Dantzig
e não podemos fiar-nos nos dados de Kranhals, que foram já
convincentemente criticados 80 . Ultimamente S. Hoszowski
publicou dados que parecem fidelignos e ', mas sob a forma
de diagramas. Podemos lê-los com aproximação no diagrama
e correlacioná-los com os preços do centeio em Pantzig.
A título de exemplo consideramos o período de 1654-SO.
Tivemos de recorrer aos preços do centeio, por falta de dados
relativos aos preços do trigo no século XVII; o que não tem
importância de maior, porque só nos interessa as oscilações
dos preços que, no que se refere aos dois principais cereais
exportados, eram quase de certeza paralelas (no caso do
trigo tinham, provavelmente, maior amplitude).
Como já dissemos, o volume da exportação de cereais
pode ser considerado como um índice ampliado das oscilações
da colheita no país.
Por este método e em relação ao mesmo período, obtive-
mos resultados análogos aos resultados referentes às reservas
senhoriais da região de Poznan durante os anos de 1584-
-1600: dos sete casos em que as colheitas e os preços variam
em direcções opostas, só dois não confirmam a nossa hipó-
tese, enquanto os outros cinco a confirmara.
Estamos ainda, evidentemente, bastante longe de uma
verificação completa da nossa hipótese; mas a concordân-
cia dos resultados obtidos na análise micro e macroeconó-
mica em dois períodos diferentes parece-nos suficiente para
que possamos considerar provável esta hipótese 8S.

98
Tentativa de interpretação

Pelo que toca às oscilações a curto prazo (à escala de


alguns anos), Labrousse e os seus continuadores não extraí-
ram todas as consequências de um facto que conheciam
perfeitamente: no sistema feudal, crise significa aumento
violento do nível geral de todos os preços, enquanto no
sistema capitalista, pelo contrário, crise significa diminui-
ção violenta do nível geral dos preços. Assim é porque, no
sistema capitalista, pelo menos até 1939, as oscilações do
nível geral dos preços mantêm uma correlação simples (posi-
tiva) com as oscilações do volume global do rédito social,
enquanto no sistema feudal, essas duas grandezas estão em
correlação inversa (negativa).

200
_— Preso do centeio em Gdattsk em moeda corrente
130- _ a Preço do centeio em Gdansk calculado em prata
180- »••• Eiportaç&o de cereais através de Gdansfc
170-
160-
i;o-
140-
130-
110-
110-
r\
100
90-
80- h
70- V* jT%^r
60-
50-
40-
ftCA A
30-

10-
\yv/
-T—]—r -1—r
166; 1670 1675 1680

Preço do centeio em Gdanak e exportação de cereais através


desta cidade entre 1665 e 1680 (em números absolutos).
Fontes: as mesmas que para o diagrama precedente.

99
No sistema capitalista, se a conjuntura é favorável, tudo
começa a «funcionar»: aumenta o grau de utilização das
forças produtivas, aumenta a ocupação, aumenta o nível dos
preços, aumentam os benefícios globais, aumentam os ganhos
globais da população. O índice-valor do rédito social aumenta
duplamente, em consequência da acumulação do aumento
do volume físico do produto nacional e do nível geral dos
preços.
Isso não acontece no sistema feudal. Num período favo-
rável, a utilização plena dos factores produtivos coincide
com a descida dos preços, porque, graças ao pleno rendi-
mento dos factores produtivos, aumenta o rédito social.
Aumentam os benefícios e aumentam os réditos da popula-
ção. Aumentam principalmente porque a descida dos preços
não incide minimamente sobre a parte «natural», não mercan-
til, da produção, que é quase sempre muito grande. Mas
aumentam também porque, no que se refere à parte mercan-
til da produção, as oscilações inversas dos preços só parcial-
mente nivelam as oscilações do seu volume global (quando a
colheita é boa, o senhor e o camponês, vendendo mais,
ganham mais do que o que perdem devido à descida dos
preços; e o mesmo acontece com o artesão).
Neste sentido, enquanto no sistema capitalista o
índice-valor do rédito social tem uma amplitude de oscila-
ções cíclicas superior à do índice do volume físieo do rédito
social (a correlação do rédito social e dos pregos ê positiva
e, consequentemente, os dois elementos são cumulados), no
sistema feudal, pelo contrário, o índice-válor do rédito social
{se fosse possível calculá-lo) seria mais estável do que o
índice do volume físico (correlação negativa, com efeitos
de nivelamento parcial) 89.
Não parece difícil explicar esta diferença.
No sistema capitalista, o aumento dos preços constitui
o estímulo que movimenta as reservas. O aumento dos
preços provoca a utilização de factores produtivos até aí
não utilizados, torna possível a conexão de factores produ-
tivos potencialmente existentes, mas não utilizados. No
sistema capitalista há sempre reservas mais ou menos consi-
deráveis. Há, além disso, possibilidades ilimitadas de aumento
do rédito nacional, através da possibilidade de efectuar
transferências de emprego de ocupações menos produtivas
para ocupações mais produtivas, o que acontece devido ao
estímulo do aumento dos preços. Assim, no capitalismo de
livre concorrência, o aumento dos preços é condição necessá-
ria e suficiente *° para o aumento do rédito nacional.

100
No sistema feudal B1 em tempos normais, de uma ma-
neira geral, não há reservas. Não há factores produtivos
não utilizados e potencialmente utilizáveis. Esta afirmação
pode parecer paradoxal, mas pela parte que nos toca esta-
mos dispostos a sustentá-la. Há, evidentemente, no sistema
feudal muitos campos incultos, ou cultivados extensivamente,
bosques não utilizados, jazigos conhecidos e não explorados,
etc. Mas poderiam utilizar-se essas reservas potenciais nas
condições vigentes? E, o que é ainda mais importante para
nós neste momento, a sua utilização eventual dependeria do
nível geral dos preços, ou antes, do aumento dos preços?
A resposta a dar a estas perguntas será provavelmente nega-
tiva. O factor que limita a utilização dessas possibilidades
latentes é a mão-de-obra (especialmente se considerarmos
que a técnica de produção manual era predominante no sis-
tema feudal); mas não há geralmente mão-de-obra dispo-
nível. Não nos deixemos enganar pelo facto de ser caracte-
rística da época feudal a existência de uma multidão de
mendigos, de vagabundos, de «homens de ninguém», de
pessoas que vivem permanentemente à margem da socie-
dade organizada. Ao contrário do que possa parecer, a
maioria dessas pessoas estava integrada nessa sociedade e
era-Ihe, em certo sentido, indispensável. A corporação dos
mendigos de Cracóvia e2 constitui um exemplo do que acabo
de afirmar; e não seria difícil citar muitos outros exemplos
análogos. O sistema feudal não podia prescindir dos men-
digos: eles prestavam serviços muito importantes e bas-
tante baratos, embora não produzissem quaisquer bens mate-
riais. (Também o capitalismo não pode prescindir dos caixei-
ros-viajantes.) E quanto aos grupos dessa categoria que
não estavam realmente integrados na sociedade feudal, em-
bora existissem fisicamente (de resto só se tornaram nume-
rosos na época do declínio do feudalismo na Polónia), não
constituíam na realidade, ou eram-no apenas em muito
pequena medida, um factor produtivo potencial B3 .

Se o factor que limitava portanto a utilização das capa-


cidades produtivas potencialmente existentes era a mão-
-de-obra realmente existente e utilizável, todos esses
factores produtivos não utilizados devido à carência de
mão-de-obra «latente» ou «excedente», todos esses campos,
bosques e jazigos não explorados, tinham nas condições
económicas dadas, ura valor igual a zero.
No sistema capitalista, o rédito nacional pode aumentar
de duas maneiras: em consequência da diminuição das reser-
vas, ou seja, da utilização de factores produtivos não

101
utilizados antes, ou então em consequência de uma transfe-
rência da raào-de-obra de sectores menos rentáveis para
sectores mais rentáveis, isto é, na prática, da agricultura
para a indústria. No sistema feudal, esta última possibili-
dade ou simplesmente não existe (quando o princípio da
servidão da gleba impera e a emigração para a cidade é
dificultada), ou é muito limitada, ou ainda, quando se veri-
fica (geralmente em escala bastante modesta), tem muito
pouca repercussão sobre o aumento global do rédito social:
quer porque o valor da produção urbana constitui apenas
uma parte do rédito global de um país agrícola, quer porque
o rendimento médio do trabalho no sector artesanal, ao
contrário do que acontece com o rendimento do trabalho na
indústria de um sistema capitalista, não é muito superior
ao rendimento do trabalho no sector agrícola. Em todo o
caso, quando o referido processo se verifica nunca é por
efeito do estímulo dos preços. Quanto ao primeiro dos dois
factores registados, isto é, a diminuição das reservas,
quando se verifica (e em certos períodos manifesta-se com
bastante intensidade), também não é estimulado pelo aumen-
to dos preços. Nada indica que o senhor esteja menos dis-
posto a aceitar como servo um «homem de ninguém» e a
confiar-lhe uma quinta abandonada num período de baixa
de preços do que num período de alta. Nada nos leva a pensar
que teria sido mais fácil para um «oficial» tornar-se inde-
pendente e estabelecer-se com loja própria num período de
alta de preços do que num período de baixa.
A relação entre as variações do nível dos preços e as
variações do volume do rédito nacional e das reservas
no sistema feudal não só é inversa da que se verifica num
sistema capitalista,, como também tem um carácter dife-
rente. No sistema capitalista, o aumento dos preços é um estí-
mulo que movimenta as reservas, determinando assim o
aumento do rédito social. No sistema feudal, pelo contrário,
a diminuição do rédito social provoca o aumento dos preços.
No sistema capitalista, a prioridade lógica pertence à varia-
ção do nível dos preços; no sistema feudal, à variação do
volume do rédito social.
No sistema feudal, a diminuição a curto prazo do rédito
social devesse quase sempre a causas extraeconómicas, tais
como uma colheita escassa ou uma guerra, que provoca a
destruição e a desorganização (movimentos migratórios,
etc.). Em caso de má colheita, a diminuição do rédito social
não dá origem a quaisquer reservas. Só em certos casos pode
acontecer que a diminuição do poder de compra da popula-

102
ção rural, causada por uma colheita escassa, impeça transito-
riamente a plena utilização das capacidades produtivas das
lojas artesanais. Em caso de destruições bélicas, e principal-
mente de desorganização da vida eeonómica devida a uma
guerra, a diminuição do rédito social pode ser provocada
pela formação de reservas produtivas de carácter transi-
tório. Em ambos os casos o regresso à normalidade ou a
adaptação a uma situação parcialmente modificada não
se faz através do mecanismo de mercado.
A análise que acabamos de fazer confirma, em nossa
opinião, as hipóteses precedentes formuladas a partir de
dados muito escassos, hipóteses segundo as quais eram
favoráveis e prósperos justamente os períodos em que o nível
geral dos preços era baixo, ou seja, quando as receitas
tanto do senhor, como do camponês e do artesão aumen-
tavam, embora os seus produtos se vendessem a preços
mais baixos. Se o nível geral dos preços coincide com um
alto nível do rédito social global, estas hipóteses parecem-
-nos muito verosímeis. Quando há muito para repartir, as
receitas aumentam; quando há pouco, diminuem.
Resta ver em que proporção crescem ou diminuem as
receitas dos diversos estratos sociais.
Quanto ao artesanato (relação mestre-aprendiz), a
situação parece simples. A retribuição do aprendiz é paga
em grande parte em espécies e é portanto, nessa medida e por
definição, realmente estável. Também nessa medida, as van-
tagens dum período favorável são monopolizadas pelo mes-
tre. No período favorável, ou seja, como dissemos j á , no
período em que os preços são baixos, o mestre provavel-
mente consegue utilizar mais plenamente as suas próprias
capacidades produtivas e, por outro lado, os preços dos
artigos que vende não descem, ou descem mais lentamente
do que os dos artigos que adquire. Consegue assim um
aumento da sua participação no rédito social muito superior
àquele que cabe ao seu aprendiz.
Examinemos agora a s relações entre o senhor e o cam-
ponês. O carácter da exploração camponesa, que é a menor
parcela suficiente para alimentar a família do eamponês
e reproduzir as forças de produção, implica, por definição,
uma estabilidade relativa do valor real das receitas no
decurso das oscilações a curto prazo. Uma vez que o senhor
se apropria da quase totalidade do excedente e uma vez
que as enormes oscilações do produto global comportam
oscilações mais intensas ainda do excedente, é evidente que
as oscilações do rédito real do senhor devem ser muito

103
pronunciadas. O que não exclui naturalmente o facto de as
oscilações do rédito real do camponês, sendo embora muito
menores, poderem ter, no entanto, consequências muito
importantes, favoráveis ou trágicas, para esse mesmo cam-
ponês.
Um ano bom (colheita abundante, aumento do rédito
nacional, baixa de preços) implica portanto um aumento
do rédito real tanto do senhor, como do camponês, mas um
aumento incomparavelmente maior do rédito do primeiro
do que do segundo e, finalmente, um agravamento da dis-
paridade na repartição do rédito social. Um ano mau tem o
resultado oposto "4.

104
Capítulo IV

DINÂMICA DE LONGO PRAZO

A ideia de estudar separadamente os fenómenos de longo


e de curto prazo pode suscitar evidentemente diversas
objecções 1 . Para um positivista clássico, assim como os
fenómenos macroeconómicos são uma resultante dos mi-
croeconómicos, os fenómenos de longo prazo são uma resul-
tante dos fenómenos de curto prazo. Pessoalmente defendo,
pelo contrário, a tese de que as variações a longo praTO, os
processos de desenvolvimento, «não são de maneira nenhuma
uma simples resultante dos processos a curto prazo» 2 ;
como diz F. Perroux, «la croissance n'a de signification...
que comme phénomène de transformation des structures» a.
Pode pôr-se em dúvida esta afirmação quando conside-
rada do ponto de vista ontológico, mas tal não é possível
quando se trata do método de investigação a seguir para a
construção de modelos. Toda uma série de variáveis de que
podemos abstrair nas investigações sobre os fenómenos de
curto prazo (em primeiro lugar as variações das técnicas
de produção e por conseguinte do rendimento do trabalho
e as variações demográficas) constituem elementos funda-
mentais do raciocínio nas investigações relativas aos fenó-
menos de longo prazo. Simultaneamente toda uma série de
fenómenos de curto prazo, reversíveis e não cumulativos,
podem deixar-se de lado quando se procede a uma investi-
gação relativa a fenómenos de longo prazo.
A tarefa principal das investigações dos fenómenos de
longo prazo consiste, em última análise, em individualizar
os fenómenos contínuos ou recorrentes que, actuando cu-
mulativamente, conduzem a transformações estruturais.

105
Não é fácil analisar as tendências de longo prazo da eco-
nomia polaca nos séculos XVI, XVII e XVIII. A enorme quan-
tidade de investigações realizadas até à data permite-noa
conhecer aproximadamente as tendências em jogo, mas a
falta de investigações quantitativas e macroeconómicas torna
difícil fazer um balanço das mesmas; e é precisamente esse
balanço que, a nosso ver, é importante.
O problema fundamental neste caso é evidentemente o do
rendimento social médio do trabalho, particularmente no sec-
tor económico quantitativamente dominante, isto é, na agri-
cultura. As variações do rendimento do trabalho podem
resultar de transformações das técnicas de produção ou de
transformações das instituições sociais (utilizando essen-
cialmente a mesma técnica, o camponês rende menos traba-
lhando nas terras da reserva senhorial do que nas da sua
exploração).
O problema pode ser estudado através de sondagens
feitas sobre o material referente a esta ou àquela propriedade,
desde que as fontes contenham dados suficientes e para um
periodo bastante longo acerca da utilização efectiva da mão-
-de-obra.
O problema pode ainda abordar-se no plano macroeco-
nómico.
Consideremos o período que vai de cerca de 1550 até
aos fins do século XVTIL Dado que não dispomos de dados
relativos às variações do rendimento do trabalho na agri-
cultura durante esse período, examinemos as variações da
área cultivável e dos efectivos de mão-de-obra que a culti-
vavam.
Na era feudal, a superfície dos terrenos cultivados
muda com muita frequência e bruscamente. Destruições béli-
cas e epidemias reduzem-na de forma surpreendente, mas
mais tarde ou mais cedo há um regresso ao ponto de par-
tida. Uma vez que o que aqui nos interessa são as variações
de longo prazo, podemos abstrair desaas perturbações, dedi-
cando toda a nossa atenção à comparação entre os momentos
extremos: a segunda metade do século XVI e os fins do
século XVm. Ambos os momentos foram precedidos por
uma época bastante prolongada de estabilidade económica
e política, o que nos permite prescindir das variações de
curto prazo.
Nestas condições, as modificações da área cultivável
correspondem principalmente ao arroteamento dos terrenos
incultos, isto é, à história da colonização.
106
Fizeram-se, na historiografia polaca, investigações sobre
a colonização, levadas a cabo por numerosos e ilustres estu-
diosos, que deram provas de verdadeira mestria neste
campo. A grande maioria destas investigações limitou-se,
porém, à era medieval. O que não é de estranhar, porque
«a história socioeconómica da Idade Média não é mais do
que a história da colonização» *. A colonização dos tempos
modernos atraiu a atenção de muito poucos estudiosos (I. T.
Baranowski, W. Rusinski) '. Só a «escola de Bujak» elaborou
um método (os denominados estudos sobre as variações da
paisagem) capaz de proporcionar materiais úteis aos nossos
objectivos s . O ponto de partida dessas investigações consiste
em recolher material rico e possivelmente completo relativo à
delimitação da área das florestas e dos pântanos. É certo que
nem todas a s zonas não florestais e não pantanosas são
necessariamente cem por cento cultiváveis'; mas é lícito
supor que a área subtraída à floresta e ao pântano tenha
sido cultivada pelo homem.
Os cálculos realizados por Hladylowicz a conduzem aos
seguintes resultados:

Superfície total da Grande Polónia (Wielkopolska) 32.393


Superfície das zonas de floresta e de pântano na
segunda metade do século XVI 13.266
Superfície das zonas de floresta e de pântano por
volta dos fins do século XVrtl 9.956
Temos portanto que a área cultivável da Grande Polónia
na segunda metade do século XVI era inferior a 19.127 km2
(32.393 -13.266) e que, nos fins do século XVIII, na mesma
região, era inferior a 22.437 km2 {32.393 - 9.956). O aumento
da área cultivável teria sido portanto de 3.310 km* (13.266 -
-9.956); este ultimo dado é mais plausível do que os ante-
riores. Se a superfície cultivada durante a segunda metade do
século XVI tivesse sido efectivamente de 19.127 km2, o
aumento da área cultivável teria sido de 17,3% no decurso
de mais de dois séculos. Uma vez que a área efectivamente
cultivada na segunda metade do século era inferior a
19.127 km ! , o mesmo aumento deve corresponder a uma
percentagem mais elevada.
Este resultado parece-nos, porém, demasiado optimista *,
uma vez que não tem em conta os terrenos abandonados.
Adoptando um método diferente e mais seguro, J. Topolski
calculou que entre os fins do século XV e os fins do século
XVin houve não um aumento, mas sim uma diminuição de

107
14% da área cultivada 10 . E este resultado não será dema-
siado pessimista? Saberemos, por acaso, quantos eram os
terrenas juridicamente tidos como abandonados que eram,
na realidade, utilizados de uma maneira ou de outra pelo
senhor, ou por ele arrendados aos camponeses?
Durante o mesmo período a população da Grande Poló-
nia aumentou em 3% ". Esta percentagem constitui natural-
mente o limite inferior da avaliação.
Se admitirmos portanto, contrariamente ao que nos
dizem os dados de Hladylowicz, que a área cultivada na
Grande Polónia sofreu ligeira diminuição ou se manteve
estacionária, enquanto a população dessa região aumentou,
ainda que pouco, isso significaria que a área cultivável de
cada agricultor teria sofrido uma redução de menos de 10%,
ou, no máximo, de menos de 20%.
Mas a Grande Polónia é uma região de colonização anti-
ga. Se, por exemplo, estudássemos o caso da Pequena Poló-
nia (Malopolska), região em que, nos tempos modernos, a
colonização se orientou para terras cada vez mais altas
da zona montanhosa (Podgórze) e se estendeu principal-
mente em direcção à fronteira oriental, o aumento da
área cultivada seria evidentemente muito maior. Hlady-
lowicz obteve uma percentagem menor para a região de
Lowow I! . Isso resulta, porém, do facto de o seu método
não ser aplicável ao estudo dessa região geográfica: as
terras da Ucrânia ocidental estão situadas numa zona de
transição entre a zona das florestas e a das estepes, e por con-
sequência o arroteamento desenvolvia-se sem ser necessá-
rio desbastar florestas. Por outro lado, ao aumento pro-
vavelmente mais importante da área cultivada na Pequena
Polónia correspondia um aumento muito maior da popula-
ção, e consequentemente movimentos migratórios de outras
regiões polacas e particularmente da Masóvia.
A alteração da área cultivável na Grande Polónia é
quase com certeza inferior à média nacional; mas também
é inferior à média nacional o crescimento da população nessa
região. Não é, pois, improvável que o índice nacional fosse
apenas ligeiramente mais favorável do que o relativo à
Grande Polónia.
Para podermos passar dos dados relativos às varia-
ções da área cultivável de cada agricultor aos relativos às
variações do rendimento do trabalho na agricultura, são
necessários os dados referentes às variações do rendimento
da terra por unidade de superfície cultivada. No período em
questão, essa produtividade diminuiu. Não nos parece que

108
tenha diminuído (comparando os pontos limite do período)
tanto quanto supunha Rutkowski 13 ; mas a tendência das
transformações por ele constatadas parece-nos exacta.
Topolski, que reconhece que os dados referentes à co-
lheita, que constam dos inventários, são habitualmente infe-
riores à realidade, defende a opinião de que, por volta dos
fins do século XVI, a colheita era igual a 5, e por volta
dos fins do século XVIII, a 3,5 — 4 grãos por cada grão de
cereal semeado " ; o que significaria uma diminuição muito
importante, de pelo menos 20%. Mas não esqueçamos que,
nos inventários, se fala apenas das colheitas nas terras dos
senhores. As colheitas dos camponeses — tal como o teste-
munham numerosas fontes de diversos géneros — eram mais
elevadas do que as dos senhores 1S, quer porque as terras dos
camponeses eram melhor adubadas, quer porque o camponês
trabalhava melhor na sua própria terra. Não é portanto
improvável que a média nacional esteja estimada em menos
10%.
Se a superfície de terreno por cada trabalhador agrí-
cola diminuiu ligeiramente e se o rendimento agrícola por
unidade de superfície diminuiu também, devia necessaria-
mente diminuir com eles, embora em menor proporção, o
rendimento do trabalho na agricultura.
Esta conclusão é confirmada pelo facto de que, nos
fins do século XVHI, a exportação de cereais polacos estava
muito abaixo do nível alcançado nos princípios do século
XVII. Dado que durante o período de tempo compreendido
entre essas duas datas se não manifesta nenhum desenvol-
vimento importante da urbanização; dado que se não pode
supor um aumento do consumo de farinha por pessoa; dado
que admitimos já que a exportação constituía um índice
ampliado das colheitas na bacia do Vístula — se, nestas con-
dições, a exportação diminuiu num grau que não pode ser
explicado pelo aumento da população, a única explicação
possível reside na diminuição das colheitas. Tanto mais que,
no decurso desse lapso de tempo, os limites geográficos da
zona exportadora provavelmente se ampliaram, e certamente
ocorreram algumas transferências na distribuição dos terre-
nos em proveito dos estratos sociais de mais elevado coefi-
ciente de comercialização (isto é, em benefício dos nobres
e em detrimento dos camponeses, ou em benefício dos magna-
tas e em prejuízo dos nobres).
Tentemos dar uma representação gráfica do problema,
começando pela economia da reserva senhorial. Para des-

109
tacar a tendência de longo prazo, comparemos os pontos
extremos, sem atender à subdivisão interna do período.

Não há dúvida de que, durante este período, a população


rural submetida à servidão da gleba cresce (A); cresce tam-
bém o nível médio das prestações feudais (B). Aumenta
portanto — e numa medida superior a qualquer das duas
grandezas — o seu produto, isto é, o total da força de
trabalho à disposição do senhor (AXB). Além disso, aumenta
também com toda a certeza a área das reservas senho-
riais (C).
O problema põe-se, portanto* nos seguintes termos: o
que é que aumenta mais rapidamente, A X B ou C? O total
da força de trabalho de que o senhor dispõe, ou a área que
cultiva? Se, como parece provável, AXB aumenta mais
rapidamente do que C, isto é, se o total da força de trabalho
utilizada para o cultivo das reservas senhoriais cresce mais
rapidamente do que a sua superfície total, enquanto os
instrumentos e os métodos de cultivo permanecem substan-
cialmente inalterados, deduz-se que o rendimento do tra-
balho ( » = C / [ A X B ] ) nas terras das reservas senhoriais
diminui a longo prazo. Devemos ainda supor que o rendi-
mento do trabalho de um camponês diminui mais rapida-
mente do que o rendimento de uma unidade de superfície
da terra das reservas senhoriais (a diminuição do rendi-
mento do trabalho é parcialmente compensada pelo aumento
quantitativo do trabalho realizado).
Passemos agora do problema das terras das reservas
ao da totalidade dos terrenos cultivados no plano nacional
(terras das reservas mais terras dos camponeses). Os ele-
mentos do nosso raciocínio serão os seguintes: aumenta
a população rural que cultiva a totalidade dos terrenos (é a
mesma grandeza A do raciocínio precedente); a área culti-
vada aumenta no tocante às reservas senhoriais (C no caso
anterior) e diminui no tocante às explorações dos campo-
neses (D). O que interessa saber é se C aumenta mais do

110
que D diminui, ou vice-versa. Pode aceitar-se a primeira
hipótese e admitir-se o aumento de C + D. Põe-se agora a
seguinte pergunta: o que é que aumenta mais, A ou C + D,
ou seja, a população rural ou a superfície cultivada do país?
Parece que a população rural cresce mais rapidamente; nesse
caso diminuirá o rendimento do trabalho no conjunto da
agricultura polaca,, embora menos do que nas reservas
senhoriais. Também o rendimento dos terrenos será uma
grandeza decrescente, embora menos no conjunto da agri-
cultura polaca do que nas reservas senhoriais. Por conse-
guinte, tanto o rendimento dos terrenos como o do tra-
balho diminuem mais nas reservas senhoriais do que nas
explorações dos camponeses.
Esta afirmação pode dar lugar a um mal-entendido.
Pode objectar-se que, nos fins do século XVI, Gostomsbi
convida os nobres a observarem os métodos de cultivo segui-
dos pelos camponeses para aprenderem com eles, enquanto,
nos fins do século XVIII, encontramos no Pan Podstoíi,
de I. Krasickí uma aldeia que vegeta na miséria, ao lado de
uma reserva senhorial brilhantemente administrada. Tudo
isso é verdade, mas o facto de a diminuição do rendimento
e dos terrenos ser menor na terra dos camponeses do que
na dos senhores não exclui em absoluto a miséria dos cam-
poneses. O nível de vida doa camponeses era, na realidade,
a resultante do rendimento da terra da área que possuíam
e do número de pessoas a alimentar. Que importa que o
rendimento da terra, de acordo com o nosso raciocínio (no
caso de vir a ser confirmado por investigações ulteriores),
tenha diminuído lentamente, se ao mesmo tempo diminuía
a área média da exploração camponesa e crescia o número
de bocas a saciar?
Contudo este raciocínio é muito problemático. Qual
era o balanço do aumento da população e do aumento das
prestações nas explorações camponesas ? Qual era a relação
entre a resultante destes dois factores e a área decrescente
das terras dos camponeses? Em que medida o aumento do
trabalho investido podia compensar a diminuição da área
da exploração para a família camponesa? Todos estes pro-
blemas terão de ser atentamente estudados.
Encaremos agora o problema das variações de longo
prazo da economia polaca nos séculos XVI-XVIU, precisa-
mente do ponto de vista das tendências de longo prazo que
nela se manifestam. Essas tendências consistem, como já
dissemos, em numerosos factos que se dão periodicamente ou
de forma continuada e cuja acção é irreversível. Os efeitos

111
desses factos acumulara-se e provocam uma alteração das
estruturas. As referidas tendências exprimem simultanea-
mente as contradições inerentes ao sistema, e sobretudo
as contradições de classe. Faiámos já de algumas delas; as
outras são universalmente conhecidas. Recapitulemos:

1) tendência para reduzir as dimensões da exploração


camponesa abaixo do ponto óptimo, considerado
como a parcela mínima suficiente para alimentar
uma família camponesa e para reproduzir as forças
de produção;
2) tendência contrária por parte d03 camponeses, no
sentido de produzirem, a todo o custo, excedentes
para a venda e de manterem uma relação estável com
o mercado;
3) {tendência para unificar e isolar economicamente a
grande propriedade fundiária;
4) processo de concentração da propriedade da terra
nas mãos dos latifundiários;
5) tendência do latifundiário para «naturalizar» a
actividade de produção e de transporte.
Defendo que são estas as tendências mais importantes
da economia polaca nos séculos XVI-XVIII, tendências que
resultam de contradições internas.
Essas tendências manifestam-se, no entanto, numa eco-
nomia que não está separada do resto do mundo, pelo con-
trário, que está ligada a ela por laços de importância essen-
cial para a classe dominante. Os processos que se desenro-
lam no mundo circundante, e particularmente nos países
com os quais a Polónia mantém relações económicas estrei-
tas (mas também em países longínquos, com os quais não
tem nenhum contacto económico directo) provocam, com o
andar do tempo,, uma variação dos elementos do cálculo,
uma alteração das condições exteriores. Alteram-se assim
elementos essenciais que não podem ser controlados nem
pelo nobre isolado, nem pela nobreza polaca no seu conjunto.
No estado actual da investigação é impossível descrever
com precisão os processos a que aludimos. Todos eles devem
influir, de alguma maneira, sobre as relações de troca em
que o nobre exportador participava, isto é, sobre os terms
of trade. O problema é que as condições de troca em Dantzig,
(Gdansk), Szczcin(Stettin)ou Krolewiec (KÕnigsberg, actual-
mente Kaliningrado), consideradas do ponto de vista dos cál-
culos dos nobres, nunca foram seriamente estudadas. A meu

112
ver, os processos mais importantes poderiam ser definidos da
seguinte maneira:

1) aumento dos preços dos produtos exportados pelo


nobre, principalmente dos cereais, e em particular
do trigo; aumento inicial (século XVI) muito rá-
pido, depois mais lento (até cerca de 1660) e, pos-
teriormente, após uma diminuição momentânea nos
fins do século XVII, lento mas quase constante
(para todo o século XV1H);
2) diminuição dos preços relativos de alguns artigos
de importação, devido à valorização, por parte
das potências europeias, das suas colónias do ul-
tramar (especiarias, açúcar, e t c ) ;
3) diminuição menos importante (mas também real)
dos preços relativos de outra categoria de artigos
de importação, em consequência dos progressos
verificados no campo da técnica e da organização da
produção (tecidos, papel, ferro, etc.).

Processo essencialmente análogo dá-se também no mer-


eado interno e nos mercados das cidades e das aldeias pola-
cas. Também aqui, por exemplo, o preço do trigo aumenta
muito mais rapidamente do que o preço do papel. Mas a diver-
gência é muito menorfo aumento dos preços agrícolas é trava-
do pela política das cidades, e sobretudo pela concorrência de
numerosos vendedores-camponeses; a diminuição relativa dos
preços dos artigos artesanais, apesar de facilitada pela
política das «tarifas voivodais», dá-se mais lentamente, por-
que o progresso da técnica e sobretudo da organização eco-
nómica da produção são mais lentos). Para o pequeno nobre
ou para o camponês próspero que vende ou compra no mer-
cado local, o benefício que retira dos processos em questão
é mínimo. O acesso directo ao mercado mundial, a possibili-
dade de chegar directamente à cidade portuária, representa
só por si um enorme privilégio económico. Seria interessante
saber se essa possibilidade não teria condicionado parcial-
mente o processo de concentração das propriedades rurais
nas mãos dos magnatas que já constatámos. O latifúndio
não era superior à propriedade de um nobre médio, nem
na técnica produtiva, nem na organização da produção,
nem no rendimento do trabalho ou da terra. Não podemos,
no entanto, pôr de parte a hipótese de que o latifúndio
obtivesse resultados económicos muito superiores, pelo menos
durante boa parte do período aqui considerado, devido jus-

113
tamente à sua possibilidade de acesso ao mercado mundial.
Ê igualmente possível que, na segunda metade do século
XVIII, essa estado de coisas tenha mudado parcialmente, e
que tenha sido essa uma das razões da consolidação econó-
mica — que então se verificou — da chamada média nobreza.
Mas nem então deve ter sido essa a razão principal desta
transformação: pelo contrário, o privilégio dos latifúndios
de estarem em contacto directo com o mercado mundial,
privilégio esse que, na segunda metade do século XVIII,
ainda se mantém, embora mais atenuado, é equilibrado
por outros fenómenos que acompanham o desenvolvimento
excessivo do latifúndio e que actuam em seu prejuízo.
Tentemos, no entanto, fazer uma verificação empírica
das hipóteses aqui formuladas acerca das variações das
relações de troca na época que nos interessa.
Antigamente os estudiosos da história dos preços dedi-
cavam muita atenção ao problema do chamado «poder de
compra do dinheiro» ,a . Havia quem acreditasse optimistica-
mente na possibilidade de reconhecer, ç inclusive de repre-
sentar numericamente as suas variações; outros, mais pessi-
mistas, duvidavam de que tal fosse possível. Hauser expri-
miu o seu pessimismo nas seguintes palavras: «Para saber
qual era o valor de cem mil francos nos belos tempos do
Segundo Império, será melhor consultar Zola... IZola ou
Balzacl saberão situar um burguês rico no seu ambiente
melhor do que as estatísticas, revelar-nos-ão melhor do
que os cálculos o seu poder de compra relativamente ao seu
tempo e à sua classe, as rendas, os créditos provenientes da
terra, as especulações bem sucedidas ou ruinosas dos seus
protagonistas... Poder de compra? Um problema insolúvel,
mais ainda, um problema que se não pode formular histori-
camente em termos numéricos» 17 . Apesar disso o problema,
inclusive formulado nesses mesmos termos, continuou e con-
tinua a ser discutido ,s .
Esse problema está realmente formulado em termos
errados. Ê difícil resistir à impressão de que a sua formu-
lação foi condicionada pela posição social do historiador
moderno. O historiador, que é quase sempre um professor
universitário que vive da retribuição do seu trabalho, conhe-
ce por experiência uma única situação: ao receber um salá-
rio interroga-se sobre qual é o poder de compra desse dinhei-
ro e como é que ele muda com o tempo. Mas o trabalhador
assalariado, e sobretudo aquele que recebe uma retribuição
paga exclusivamente em dinheiro, é um fenómeno tão raro
nos períodos pré-industriais que uma situação dessa natu-

114
reza deve ser considerada absolutamente excepcional nesse
período. O nobre polaco não se interrogava sobre qual era o
poder de compra do dinheiro, mas sim qual era o poder
de compra dos produtos que vendia em relação aos que com-
prava. O mesmo se pode dizer do camponês ou do artesão.
E são estas as categorias sociais fundamentais que se mani-
festam no mercado. A diminuição do poder de compra do
dinheiro relativamente aos artigos adquiridos podia ser
compensada, e talvez mais do que compensada, pelo aumento
dos preços dos produtos vendidos, ou vice-versa. As razões
de troca podem pois oscilar de maneira diferente, e inclusive
em sentido contrário, em relação ao «poder de compra
do dinheiro», calculado em abstracto.
Sabe-se aproximadamente o que o nobre polaco vendia,
tanto no plano microeconómico, como no macroeconómico.
Sabemo-lo graças a alguns estudos monográficos sobre deter-
minados latifúndios, e à estatística das exportações de
Dantzig.
Mas não sabemos tão bem o que o nobre comprava. A
estatística das importações é menos exacta, e além disso
não é lícito supor que todo o volume das mercadorias impor-
tadas se destinasse a satisfazer as necesidades da nobreza.
Interessaria mais fazer uma análise das «contas» e dos «me-
moriais» conservados em grande abundância nos arquivos
dos magnatas, que consistiam em listas de produtos a com-
prar, destinadas aos empregados encarregados de ir vender
o grão às cidades portuárias 19 . No entanto, e dado que ainda
não se fez um trabalho desse tipo, e porque estamos a
tentar, a todo o custo, tornar verosímil no plano empírico
a nossa hipótese, temos de recorrer a uma aproximação mais
«grosseira».
Adoptámos o preço do centeio como índice do preço
dos produtos vendidos pelos nobres. Ê certo que, a longo
prazo, os preços do trigo aumentavam mais; mas os da
madeira e dos produtos florestais aumentavam menos; a
nossa escolha do preço do centeio como índice do preço ãs
todo o sortido vendido parece-nos portanto justificada.
O passo seguinte a dar numa investigação desta natureza
deve consistir em estabelecer a composição do sortido ven-
dido e em calcular um índice aproximado para esse sortido.
O problema dos artigos adquiridos é mais complicado
e, para o abordar no estado actual da investigação, tivemos
de recorrer a um processo mais arbitrário. Considerámos:
1) pano de boa qualidade, 2) papel de primeira qualidade, 3)
vinho francês, 4) café, 5) pimenta. Calculámos quanto cus-

115
tava, em cada um dos anos considerados, um «cabaz» que
contivesse uma braça de pano, uma resma de papel, um
barril de vinho, uma «pedra» (medida equivalente a cerca
de 16 quilos) de pimenta, uma de café e uma de açúcar. Esta
composição do «cabaz» é, evidentemente, arbitrária, mas
por agora não podemos proceder de outra maneira; investi-
gações ulteriores deverão abordar o estudo da composição
das compras dos nobres e dos magnatas. Admitamos, pois,
para simplificar, que o preço do centeio reflecte igualmente
o preço do sortido de mercadorias vendidas tanto pelo
magnata como pelo nobre, inclusive se não for muito
exacto, pois o nobre vendia, provavelmente, menos ma-
deira e produtos florestais, e por isso as suas receitas
deviam aumentar um pouco mais rapidamente do que as do
magnate. Admitamos ainda que a composição das compras
do nobre e do magnate são idênticas, e que só são diferentes
as quantidades compradas por um e por outro: esta hipótese
é plausível, dado que os nobres tentavam imitar o estilo de
vida dos magnates.
Admitamos ainda que o magnate vendia os seus produ-
tos em Dantzig e que o nobre médio ou pequeno, que não
estava em condições de organizar o transporte de longa
distância, vendia os seus produtos no mercado local. Cal-
culemos agora, por um lado, o preço de um last de centeio
e,. por outro lado, o preço do «cabaz» de artigos adquiridos,
primeiro no mercado de Dantzig e, depois, no de Cracóvia 2".
Repitamos o cálculo para todos os meios-séculos (tomando
para cada preço uma média de cinco anos: um ano divisível por
cinquenta, mais os dois anos anteriores e os dois anos seguin-
tes) , Dividamos os resultados entre si (o preço de um last di-
vidido pelo preço do «cabaz») e obteremos, assim, algo a que
poderíamos chamar o «poder de compra de um last de cen-
teio expresso em produtos adquiridos pela nobreza», e a que
chamaremos as razões de troca dos magnates (resultados
obtidos a partir dos dados de Dantzig) e dos nobres (resul-
tados obtidos a partir dos dados de Cracóvia). Com esses
resultados elaboramos um índice.
Finalmente, para ilustrar melhor o problema, arriscá-
mo-nos a dar um outro passo ainda mais arbitrário: calcu-
lámos as razões de troca do camponês. Supusemos que o cam-
ponês vendia um foorzec (cerca de 120 litros) de centeio,
um Jcorzec de aveia, um garniec (cerca de 4 litros) de man-
teiga e sessenta ovos e comprava uma braça de pano,
sessenta pregos e um barril de sal. Repetimos este procedi-

116
mento com base nos preços de uma cidade de província (Cra-
cóvia). Os resultados são surpreendentes. Ei-los:

1550 1600 1650 1700 1750


Razões de troca
do magnate 100 276 385 333 855
do mobre 100 80 144 152 145
do camponês 100 205 169 118 51

Se fixarmos em 100 o estado de coisas em 1600, o


quadro será um pouco diferente:

1600 1650 1700 1750


Razões de troca
do magnate 100 139 121 310
do nobre 100 180 190 181
do camponês 100 82 58 225

São estes os resultados da troca do produto suplementar


do trabalho dos camponeses pelos artigos de luxo para o
consumo dos magnates *e dos nobres 21. Os resultados que
aqui apresentamos são quase com certeza exagerados. Atri-
buímos muito provavelmente, no suposto «cabaz» de compras
do mangnate e do nobre, uma parte demasiado grande aos ar-
tigos coloniais, cujos preços absolutos aumentam mais lenta-
mente do que todos os outros, e uma parte demasiado
pequena aos artigos industriais, cujos preços aumentam um
pouco mais rapidamente. Quanto às compras do camponês,
atribuímos uma parte demasiado grande ao sal,, cujo preço
aumenta mais do que nenhum outro. Além disso é lícito
supor que os preços de Cracóvia são demasiado elevados
para poderem constituir um índice dos preços dos artigos
adquiridos pelos camponeses; mas esta consideração não
tem grande importância, porque na nossa comparação inte-
ressam-nos as transformações no tempo, e é muito provável
que a relação entre os preços pagos realmente pelos campo-
neses e os preços de Cracóvia não se tenha alterado muito
ao longo dos anos; acrescentemos ainda que, se os preços
de compra são demasiado elevados, os preços de venda são
também provavelmente demasiado elevados, e na mesma
proporção.
Mas ainda que se admita que o fenómeno revelado pelas
comparações que acabamos de fazer esteja exagerado, mani-
fasta-se no entanto nestes números com uma força e uma
117
regularidade tão surpreendentes (excepto para o período de
1650-1700), que não é possível duvidar da sua realidade.
Partindo do estado de coisas existente nos fins do
século XVI e nos princípios do século XVII oeteris pwríbus
(isto é, admitindo inclusive que a área da reserva senhorial
não tenha aumentado e que a da exploração camponesa não
tenha diminuído, que o consumo interno se tenha mantido
invariável, e t c ) , o valor real da parte do rédito que passa
através do mercado está triplicado no caso do magnate, dupli-
cado mo do nobre e diminuído quatro vezes no do camponês.
As coisas passam-se de uma maneira um pouco dife-
rente na segunda metade do século XVI; devemos dizer que
a degradação das razões de troca do nobre e do magnate
neste período nos não parece um facto real, mas antes uma
ilusão devida a algum erro nos materiais (erro que correspon-
derá a 1550, e não a 1600); a questão exigiria um exame mais
profundo. Mas não nos surpreende a melhoria das razões de
troca do camponês no mesmo período; pelo contrário, era de
esperar. É esta, segundo nos parece, uma das razões que
explicam a relativa docilidade dos camponeses face ao desen-
volvimento da reserva senhorial assente na prestação pes-
soal " : o camponês, que possuía cada vez menos terrenos
e vendia cada vez menos produtos, fazia-o a pregos cada vez
mais vantajosos. No século XVU este estado de coisas inver-
teu-«e porém, assim como sofreu uma travagem o progresso
técnico no campo industrial, que começara a manifestar-se
nos fins de quatrocentos e nos começos do século seguinte,
e que dera origem, exactamente no século XVI, a uma des-
cida relativa do preço dos artigos comprados pelo camponês.
Estamos talvez a exagerar as consequências do fenómeno
que constatámos aqui: é natural que assim seja. Talvez que
as suas dimensões tentam sido mais modestas do que as que
ressaltam da nossas comparações. Essas comparações abrem,
no entanto, vastas perspectivas de interpretação em diversos
campos para quem tiver imaginação no domínio dos números.
Antes de mais nada esclarecem as transformações veri-
ficadas na Polânia dessa época nas relações de força entre
as classes. Os números aqui indicados não são evidente-
mente um índice do valor real do produto total ou do rédito
total do magnate, do nobre ou do camponês, mas apenas
da parte desse rédito que passava pelo mercado. Essa
parte era maior no rédito do magnate do que no do nobre,
e muitíssimo maior no rédito do nobre do que no do campo-
nês. Supondo (apenas para ilustrar o nosso raciocínio)
que a parte do rédito que passava pelo mercado constituía

118
60% do rédito do magnate, 40% do rédito do nobre e 10%
do rédito do camponês, e que a parte que não passava pelo
mercado se mantinha invariável, poderíamos concluir, dos
números anteriormente apresentados e relativos ao período
de 1600-1750, que no mesmo período o rédito real global
(também aqui cèterig panibus, não tendo em conta o aumento
da área possuída, do rendimento, da comercialização, etc.)
aumentava de 100 para 220 no caso do magnate e de 100
para 142 no do nobre, tendo diminuído de 100 para 92,5
no caso do camponês. Este resultado seria absurdo, se não
recordássemos que o grosso do rédito do camponês tinha
carácter «natural». Ora, se considerarmos que a dis-
paridade económica entre magnates, nobres e camponeses
era muito grande já nos fins do século XVI e nos princípios
do século XVTt, se considerarmos que no período de 1600-
-1750, além do factor em questão,, muitos outros factores
tendiam também a agravar essa disparidade, (principal-
mente a concentração da propriedade da terra nas mãos
dos magnates em detrimento dos nobres, e nas mãos dos
nobres em detrimento dos camponeses); e se acrescentarmos
a tudo isso o factor em questão, que actuava com tanta força,
poderemos compreender melhor os processos socioeconómi-
cos que ocorreram na Polónia durante esse período.
Em segundo lugar, o fenómeno aqui descrito contribuiu
para esclarecer o processo de contracção do mercado interno
da Polónia no período que vai dos fins do século XVI a mea-
dos do século XVIII (em boa verdade, delimitações cronológi-
cas tão genéricas também não nos satisfazem; o problema de-
via ser examinado para todo o período acessível à investiga-
ção, para todos os anos, um por um; e só assim seria possível
proceder a uma periodização empiricamente fundamentada
correspondente aos pontos em que a tendência apresenta
quebras). As razões de troca em Dantzig são muito mais van-
tajosas do que no interior do país "3, a tal ponto que magnates
e nobres abandonaram gradualmente o mercado interno:
para o magnate é vantajoso adquirir os produtos do nobre
e até do camponês e transportá-los para Dantzig 24 . Por outro
lado, uma tão grande degradação das razões de troca do
camponês contribuiu para esclarecer o processo de elimina-
ção do camponês como comprador no mercado urbano.
Mesmo continuando a vender ag mesmas quantidades de
produtos e assegurando assim o abastecimento das popula-
ções citadinas, em meados do século XVHI o camponês está
em condições de comprar, oom o dinheiro que realiza, ape-
nas a quarta parte dos artigos que adquiria ainda nos fins

119
do século XVI e nos princípios do século XVII, isto é, quando
se pode dar por concluído, na bacia do Vístula, o processo
de formação da reserva senhorial assente na prestação
pessoal.
Era terceiro lugar, os dados aqui discutidos contribuem
para esclarecer o problema do desenvolvimento económico
(ou antes, da ausência de desenvolvimento) no período 1600-
-1750, os problemas do rendimento do trabalho, do rendi-
mento da terra, dos investimentos agrícolas, ete. Imagine-
mos qual a percentagem de aumento dos réditos que poderia
conseguir-se, no melhor dos casos, através de melhoramentos
vários, e confrontemo-la com o facto de que o valor real
do rédito proveniente do mercado octuplicou no decurso de
dois séculos, ou inclusive apenas com o facto de que triplicou
ao longo de cento e cinquenta anos: compreenderemos clara-
mente que o nobre, e particularmente o magnate, se encon-
travam na situação da pessoa que vive dos seus rendimentos
e que não tem qualquer interesse em pensar em investimen-
tos produtivos. O camponês, pelo contrário,: 'está inte-
ressado em investir e até, considerando que certas compras
no mercado lhe são indispensáveis, podemos admitir que se
vê obrigado a realizar investimentos. O problema é que as
suas possibilidades neste campo são mínimas. Como dissemos
atrás, tenta explorar essas possibilidades por todas as ma-
neiras e manter, a todo o custo, o contacto com o mercado;
os fenómenos que acabamos de descrever ajudaro-nos a com-
preender a intensidade desses seus esforços.
O quarto problema de que queremos falar, sempre com
o mesmo propósito, é de carácter metodológico. Deparamos
aqui com um exemplo típico de «história inconsciente» s s : os
homens que estavam empenhados nesses processos, na sua
grande maioria, nada sabiam acerca deles; ignoravam as
suas causas e geralmente nem sequer se apercebiam dos
sintomas que, actuando lentamente, provocando mudanças
imperceptíveis à escala de décadas, mas sempre no mesmo
sentido, transformavam de forma decisiva a situação e as
relações recíprocas dos diversos estratos sociais. As duas
grandes ondas inflaccionístas da Polónia do século XVII
suscitaram grande interesse e agitação no país; mas com-
paradas com os processos aqui descritos, a sua transcendên-
cia foi bastante limitada e, se exerceram uma acção dura-
doura, foi só na medida em que aceleraram estes processos
fundamentais. Apesar disso, é evidente que os fenómenos
de consciência ligados a estes processos deveriam ser objecto
de uma investigação rigorosa.

120
Mas os processos aqui discutidos põem ainda um outro
problema metodológico: o problema da interdependência do
desenvolvimento económico mundial. Esta interdependência,
no seu aspecto mais evidente e maia facilmente cognoseívei
através das fontes, isto è, o aspecto do comércio interna-
cional, foi sempre, desde os primeiros estudos de história
económica, o problema favorito da investigação. O grande
desenvolvimento do comércio internacional na Alta Idade
Média e inclusive nos chamados tempos pré-hiatóricos, sus-
citaram o interesse de muitos estudiosos. Surgiu assim o
perigo de uma deformação especial de perspectivas: a imagem
cie trocas internacionais florescentes à escala mundial desem-
penha um papel de relevo em estudos relativos a épocas
nas quais as referidas trocas envolviam exclusivamente
artigos de luxo e tinham incidência no estilo de vida de
uma percentagem ínfima da população. Sombart tinha razão
ao observar, gracejando, que ao ler certos estudos da his-
tória económica se fica com a impressão de que as pessoas
na Europa medieval se alimentavam principalmente de pi-
menta. Mas Sombart não tinha em conta a interdependência
funcional de todos os elementos da vida social, que faz
que a variação de um elemento determine, em certa medida,
a variação de todos os outros.
As mudanças de que falámos e que afectaram a econo-
mia polaca entre os séculos XVI e XVIII, tiveram (para
simplificar) as seguintes causas fundamentais:

1) o afluxo de metais preciosos à Europa, em conse-


quência dos descobrimentos geográficos, o que pro-
vocou fenómenos «inflaccionistas» que se manifes-
tam, na economia de mercado, por um aumento dos
preços dos artigos de primeira necessidade superior
ao aumento dos preços dos artigos de luxo;
2) o acesso — sempre em consequência dos descobri-
mentos geográficos — às fontes de numerosos arti-
gos sumptuários (especiarias), o que causou uma
baixa relativa dos preços dos mesmos;
3) o progresso técnico nalguns sectores da produção
industrial (produção de ferro, de papel, etc.}, que
causou uma baixa relativa dos preços desses artigos
face aos preços dos produtos agrícolas; este pro-
gresso, se não no século XVI pelo menos nos
séculos XVH e XVIII, foi mais rápido na Europa
Ocidental do que na Polónia e provocou uma baixa
121
relativa dos preços dos artigos importados, benefi-
ciando aqueles que tinham acesso a esses artigos 2C;
4) o progresso da organização socioeconómica da pro-
dução nalguns sectores industriais (por exemplo,
na indústria têxtil); esse progresso foi mais rápido
na Europa Ocidental do que na Polónia, com resul-
tados análogos aos que referimos na alínea ante-
rior;
5) o processo de urbanização e de industrialização pre-
coce nalgumas regiões da Europa Ocidental, cau-
sado pelos fenómenos descritos nos pontos 3 e 4,
o que fez que essas regiões deixassem de ser
auto-suficientes no campo do abastecimento, sendo
obrigadas a procurar as bases de abastecimento
economicamente mais vantajosas;
6) o progresso da técnica dos transportes, e em parti-
cular da navegação marítima, graças ao qual se
tornou rentável o transporte de certos artigos a
distancias que anteriormente o tornavam demasiado
oneroso.

Poderíamos discutir indefinidamente se é ou não opor-


tuno prolongar esta enumeração; mas deixemos essa tarefa
para as investigações especializadas. Também não vale a pena
lançar aqui uma discussão sobre a hierarquia dos diferentes
grupos de causas (pessoalmente atribuiria menos impor-
tância ao factor que encabeça a lista): não é isso o que
importa neste momento. O que é importante é um determi-
nado conjunto de factores que, através da intensificação
das trocas internacionais e do aumento da participação
polaca nessas trocas, provocou determinado conjunto de con-
sequências na vida económica da Polónia. Essas consequên-
cias (a ordem por que aparecem na lista é arbitrária) são as
seguintes:

1) a fo-maeão (pelo menos no que toca aos cereais)


de um preço nacional num país em que as trocas
entre as diversas regiões estavam relativamente
pouco desenvolvidas. Por exemplo, de Poznan a Cra-
cóvia os preços oscilavam de forma bastante seme-
lhante, não porque fossem nivelados como conse-
quência das trocas entre a Grande Polónia e a Pe-
quena Polónia Ocidental, mas sim porque ambas as
cidades dependiam do preço corrente num terceiro
mercado, isto é, do preço de Dantzig;
122
2) a aparição de uma certa dependência regional dos
preços dos artigos de exportação, caracterizada pelo
facto de esses preços descerem à medida que se
sobe o curso dos principais rios " ;
3) a evolução em sentido inverso dos preços dos artigos
•de importação 28 ;
4) uma alteração fundamental na relação entre os pre-
ços dos produtos agrícolas transportáveis e dos pro-
dutos não transportáveis (uma baixa relativa dos
preços do gado, que não suportava o transporte a
longas distâncias, em comparação com os preços
dos principais cereais, etc.);
5) um encarecimento relativo (que se verificou, ao
que parece, não durante o século XVI, mas durante
os séculos seguintes) dos artigos industriais de
fabrico nacional vendidos nos mercados locais e
destinados a satisfazer as necessidades dos consu-
midores economicamente débeis, em comparação
com os preços dos artigos industriais de importa-
ção, adquiridos pelos compradores economicamente
poderosos;
6) uma travagem no desenvolvimento da produção
industrial nacional, para a qual os consumidores
economicamente poderosos se tornam um mercado
inacessível;
7) variações das relações de força entre as classes,
restrição do mercado interno, interrupção do pro-
cesso de crescimento económico; em suma, tudo
aquilo de que falámos antes.

Ê evidente que esta lista poderia alongar-se muito.


O que nos interessa agora é a conclusão metodológica
que ressalta claramente dos fenómenos descritos: os aconte-
cimentos da história económica não podem ser explicados
dentro dos limites da história de um único país 23 . O facto
de nestes últimos anos a história universal ter sido descu-
rada na Polónia é lamentável e nocivo, não porque rara-
mente se publiquem entre nós trabalhos sobre problemas
relativos à história de outras nações, mas porque a nossa
própria história não é estudada no contexto mundial, mas
sim isoladamente, apesar de se não ter desenvolvido iso-
ladamente.
Uma outra conclusão metodológica refere-se ao pro-
blema da consciência, ou antes, neste caso, da inconsciência
em que ocorrem processos de tal importância e duração.
123
Por último, uma terceira conclusão, que diz respeito
à necessidade de estudar os fenómenos sociais do ponto de
vista da conexão funcional existente entre todos os ele-
mentos da vida social. Mesmo no seu período mais flores-
cente, as trocas internacionais da república polaca abrangiam
uma parte relativamente pouco importante da produção e do
consumo nacionais. Então só uma pequeníssima parte da
população vendia no exterior os produtos que lhe competiam
dentro da repartição do rédito social, e consumia produtos
de importação. O que não significa que o lugar da Polónia
nas trocas internacionais não determinasse, em certa medida,
a situação económica de todos os estratos sociais ou o
volume global da produção e do consumo nacional. A alte-
ração de um elemento provocava a alteração de todos os
outros. O camponês, de uma maneira geral, não vendia
para a exportação nem comprava produtos de importação;
mas a existência da exportação e da importação fazia dimi-
nuir o poder de compra do sortido de mercadorias que ele
vendia (por exemplo, devido ao lugar importante ocupado
nesse sortido pelos produtos de origem animal). O magnate,
pelo contrário, sem realizar qualquer investimento nos seus
terrenos, beneficiava do acréscimo do poder de compra dos
produtos de que dispunha: e era um acréscimo muito impor-
tante.
Raciocinando segundo categorias actuais, diremos que
nessa época as razões de troca do comércio internacional
evoluíam «a favor» da Polónia, porque estava em condições
de importar cada vez mais pela mesma quantidade de mer-
cadorias exportadas. Situação aparentemente vantajosa,
oposta à situação em que se encontram hoje em dia os países
exportadores de matérias-primas, que são, regra geral, os
países subdesenvolvidos, para os quais as condições de troca
se têm degradado gradualmente neste último século, agra-
vando dificuldades económicas já existentes. Aqui está mais
um exemplo que mostra como a situação económica dos
países subdesenvolvidos de hoje é, em muitos aspectos, dife-
rente da que caracetriza a era pré-industrial, e como no
período pré-industrial as leis económicas funcionavam de
outra maneira. As variações das raízes de troca, aparente-
mente vantajosas para a Polónia, dificultaram na realidade
o desenvolvimento económico polaco 30 , porque facultavam
vantagens económicas fabulosas a um único estrato social.
Graças à contribuição de grandes transformações mundiais,
os nobres e, sobretudo, os magnates polacos encontravam-se,
nessa época, na situação de pessoas que viviam dos rendi-

124
mentos, «extraindo dividendos» do processo de retrocesso
económico do país.
Se são estas as leis que regem as transformações de
longo prazo no âmbito do sector comercializado (recorde-
mos que, de acordo com a nossa tese, a divisão num sector
comercializado «natural» e num sector «monetário*
não coincide com uma determinada divisão das explo-
rações,, mas passa por cada uma delas, ou quase), para
esclarecer a s transformações de longo prazo do volume do
rédito social total e da estrutura da sua distribuição, tere-
mos de examinar mais de perto as relações existentes entre o
sector «monetário» e o sector «natural» nos.diversos tipos
de exploração, em particular na reserva senhorial e na explo-
ração camponesa.
O nó da questão reside, segundo nos parece, em duas
das tendências que assinalámos no princípio deste capítulo:
1) a tendência para reduzir as dimensões da exploração cam-
ponesa abaixo do ponto óptimo, que é a parcela mínima indis-
pensável para alimentar uma família camponesa e para
reproduzir as forças de produção; 2) a tendência do cam-
ponês para conseguir, a todo o custo, excedentes para venda
e para entrar em relação com o mercado. Estas duas ten-
dências são opostas entre si. Qual delas era a mais forte?
A força da classe privilegiada trabalhava a favor da
primeira tendência. A segunda tendência, que actuava de
uma forma ilegal ou semi-legal, exprimia, no entanto, as
necessidades profundas de milhões de camponeses. Estes,
mesmo sem estarem organizados, sem se terem posto de
acordo, agiam, no entanto, constantemente no mesmo sen-
tido, explorando todas as possibilidades existentes, por mais
pequenas que fossem, porque a sua situação social os dirigia
nessa direcção. Só dessa maneira podiam melhorar um pouco
a sua própria sorte.
Não parece possível determinar qual das duas tendên-
cias era mais forte através do raciocínio ou da investigação
estatística. Mas será possível extrair algumas conclusões
de uma análise da economia da grande propriedade da
terra, e particularmente das transformações dessa econo-
mia no período que nos interessa. Como veremos, essas
transformações resultavam em grande parte da adaptação
da reserva senhorial às alterações da situação, e um dos
factores importantes que contribuíam para alterar a situa-
ção era precisamente essa acção não organizada, mas diri-
gida sempre no mesmo sentido, das massas camponesas. A
premissa-chave que nos permitirá responder às perguntas

125
formuladas está nas transformações da estrutura dos réditos
do latifúndio. Estamos ainda muito longe de conhecer a
fundo essas transformações. As excelentes investigações
de Rutkowski sobre a primeira lustrajca (inventário dos
bens do património nacional) de 1564 S1 não tiveram, até
agora, continuadores. Vemo-nos pois, uma vez mais, obri-
gados a partir de uma base muito fragmentária. Apoiar-nos-
-emos na sondagem das lustracjas de 1564, 1661, 1764 e
1789, realizada por J. Leskiewicz la .
O resultado que mais impressiona nessa sondagem é o
quadro das alterações da importância das receitas provenien-
tes da venda de bebidas alcoólicas (propmaoja) no rédito
global dos bens patrimoniais nacionais. Essas receitas cons-
tituíam:

segundo a lustracja de 1564, 0,3% do rédito global


1661 6,4
1764 37,6
1789 40,1

Este enorme aumento mostra-se ainda mais acelerado


se tivermos em conta o facto de que, nas lustracjas de 1661,
1764 e 1789, o rápido crescimento da percentagem de rédito
arrecadado pela propinacja é acompanhado de um aumento
notável do rédito global, e que a taxa de aumento das recei-
tas arrecadadas pela propinacja é ainda muito mais elevada
em números absolutos.
Infelizmente, no estudo de Leskiewicz, não é possível
decompor a expressão «prestações camponesas em espécie
e em dinheiro». Se fosse possível, somaríamos as receitas
provenientes da propinacja com as que eram arrecadadas
através das prestações em dinheiro, e assim obteríamos,
como total, a quantidade de dinheiro que o senhor recolhia
dos camponeses, sobretudo para podermos acompanhar
as variações dessa quantidade.
Se era possível recolher essas somas dos camponeses, o
facto significa que os camponeses realizavam, nas suas rela-
ções com o mercado, pelo menos essas somas. Põe-se-nos,
pois, uma pergunta: em que medida o aumento das somas
recolhidas dos camponeses é função do aumento das somas
de dinheiro que os camponeses realizavam através das rela-
ções com o mercado?

126
Ê muito difícil responder. Não só não está excluído que
os gastos em dinheiro do camponês na compra de merca-
dorias de que necessitava (exceptuando a vodka) tenham
diminuído no período que estamos a examinar, como há
grandes probabilidades de que assim tenha sido. Não pode-
mos certamente supor que diminuíssem com a mesma rapidez
com que aumentaram as receitas provenientes da -propmacja
e das prestações em dinheiro. Consequentemente, o aumento
das somas extraídas ao camponês constituiria um índice
exagerado do aumento das receitas em dinheiro do campo-
nês, e reflectiria um fenómeno que se verificava realmente,
ainda que em proporções mais reduzidas.
Não é fácil explicar este fenómeno. Como é que, apesar
de todas as dificuldades e de todos os obstáculos, apesar de
toda a política da grande propriedade tender a impedi-lo,
o camponês conseguia aumentar, nestas condições, a quan-
tidade de produtos que vendia no mercado? Podia conse-
gui-lo de várias maneiras: através de uma ampliação clan-
destina da área cultivada (ainda que a tal se opusessem as
medições e os «inventários», como já sabemos); através de
um cultivo mais intenso, de um maior investimento em tra-
balho por unidade de superfície; através da subalímentação
do gado, que servia principalmente para satisfazer as neces-
sidades da reserva senhorial; através da utilização dos exce-
dentes de mão-de-obra da exploração camponesa no cultivo
de hortas e pomares, na criação de porcos e de aves e em
actividades artesanais e de transporte; através de uma
limitação extrema do consumo próprio — eis algumas das
explicações possíveis.
O mecanismo das transformações parece-nos ser o se-
guinte. A grande propriedade esforça-se consequentemente
por reduzir ao mínimo as relações do camponês com o mer-
cado. O camponês «não devia» dispor de dinheiro para além
do necessário para pagar a renda e os impostos. Apesar disso,
às vezes tem dinheiro. Quando não é possível impedi-lo de
o obter, o senhor trata de adaptar os seus métodos à nova
situação, drenando o dinheiro da aldeia para o fazer afluir
à sua caixa: se o camponês, apesar de tudo, tem dinheiro,
há-de gastá-lo; e já que o vai gastar, façamos o necessário
para que esse dinheiro entre na nossa caixa. O significado
da pjwpinacja e o grande desenvolvimento dessa instituição
nos séculos XVI a XVIII, a nosso ver, não podem compreen-
der-se a não ser situando-os dentro destas categorias.
O mecanismo da drenagem económica assente na pro-
pinacja continua a funcionar no século XVHI, ou antes, fun-
127
ciona cada vez melhor; mas já não é suficiente. A criação
de manufacturas no âmbito dos latifúndios significa diversi-
ficação dos métodos de drenagem. Isso é patente no caso
das manufacturas dos Radziwill. A fábrica têxtil de Nieswiez
e a fábrica de loiça de Swierz devem ter o monopólio da
venda dentro dos limites do latifúndio; a polícia do latifún-
dio deve impedir o contrabando de loiça mais barata de
Kõnigsberg e de tecidos mais baratos da Prússia 3S. O cam-
ponês compra portanto tecidos e loiça, e a criação de uma
manufactura que goza de um monopólio «mercantil» 34 pro-
tegido pela polícia tem por finalidade fazer afluir às arcas
do príncipe o dinheiro gasto pelos camponeses. E certo que
as medidas mercantis do «iluminado» senhor absoluto de
Nieswiez, Mir e Olyka não serão eficazes, porque o estímulo
económico ao contrabando será muito forte, dada a dife-
rença de qualidade e de preço entre os produtos das manu-
facturas do príncipe e os importados. Mas o que nos inte-
ressa é, porém, o facto de que já na primeira metade do
século X V m os latifundiários sentiam a necessidade de
tentar experiências deste tipo. A drenagem assente na pro-
pfotacja dá resultados eada vez melhores em números abso-
lutos, mas, como se vê, não esgota todas as possibilidades.
Acaso será possivel que, à medida que progredia a recons-
trução económica posterior às guerras, o elemento mercantil
da economia da exploração camponesa crescesse ainda mais
rapidamente do que as receitas dos senhores provenientes
da propinacjal Não se pode excluir esta hipótese.
A hipótese aqui formulada deixa vários pontos na som-
bra e, a ser aceite, seria necessário modificar consideravel-
mente a nossa imagem tradicional do servo da gleba. Para
ilustrar as consequências da aceitação dessa hipótese citemos
mais um exemplo.
Trata-se dos territórios do sudeste da república polaca,
afastados do porto, onde, como se queixava na Dieta o depu-
tado Darowski, «havia enormes feixes de cereal abandona-
dos às lagartas, sem possibilidade de serem vendidos» 3"% e
onde um magnate que era bom administrador, o príncipe
Josef Czartoryski, o fundador da manufactura de Korec,
não considerava possível aumentar os seus próprios réditos
em dinheiro intensificando a produção agrícola, nem lutando
para aumentar a venda do grão, nem exigindo aos campo-
neses um foro em dinheiro, nem fundando fábricas, mas
exclusivamente mediante a propinaeja. «Sem a propmacja —
escreve — não poderemos conseguir um rédito regular em
dinheiro»; «às destilarias de vodka do nosso país poderíamos

128
chamar casas da moeda, porque só graças a elas podemos
vender o nosso grão nos anos em que não há carestia»'3<s.Mas
também na Polónia central, no latifúndio de Nieborów, em
1783,, se diz que «a produção de cerveja, a destilaria e a
propinacja são a alma das receitas líquidas» 3 \
Também aqui se abre um vasto campo para a interpre-
tação. O mercado interno da Ucrânia desses tempos absor-
via ou não muito grão? O latifundiário lamentava-se de que
não absorvia muito: mas então onde é que o camponês
ia buscar o dinheiro necessário para comprar vodka? Por-
que é que o latifundiário não consegue vender o grão e con-
segue vender esse mesmo grão transformado em vodka? E
a quem o vende então? Naturalmente ao camponês, que
compra o vodka com o dinheiro realizado com a venda do
grão.
As interrogações multiplicam-se, e ocorrem-nos certas
hipóteses.
Não podemos afastar a possibilidade de o camponês ter
mais facilidade em vender os seus próprios produtos no mer-
cado, dado que a sua produção era mais diferenciada. Num
mercado em que dificilmente se poderiam vender grandes
quantidades de trigo, podia colocar-se, em compensação, um
pouco de centeio, de cevada, de hortaliça, de produtos deri-
vados do leite, etc. Também se não pode pôr de parte a hipó-
tese de que, num mercado restrito, a posição do camponês
como pequeno vendedor fosse mais vantajosa. Outra circuns-
tância devia ter mais peso, a saber, o facto de que o servo
da gleba não tinha, por assim dizer, qualquer custo. Qualquer
que fosse a quantidade de mercadoria vendida e o preço
a que a vendesse, a venda representava sempre para ele
um lucro real 3S . Pelo contrário, o senhor tinha custos. Para
um pequeno nobre, proprietário de uma única aldeia, os
custos eram, na prática, mínimos. A actividade produtiva
propriamente dita processava-se quase completamente sem
gastos de dinheiro (sobretudo no período «clássico» da
economia da reserva senhorial assente na prestação
pessoal). E r a o camponês que tinha de alimentar os animais
de tiro e assegurar a sua reprodução. A conservação dos
arreios estava também a seu cargo. Teoricamente o campo-
nês não podia deixar de cuidar dos animais de tiro, pois
se o não fizesse prejudicaria a sua própria economia (quando
surgem indícios de que este mecanismo deixa de funcionar,
revelam-nos simultaneamente a desagregação do sistema
assente na reserva senhorial e na prestação pessoal). As
pequenas somas de dinheiro pagas ao reduzidíssimo número

129
de empregados e aos trabalhadores sazonais, como suple-
mento da retribuição em espécie, devem ser equili-
bradas pelas pequenas prestações em dinheiro pagas ao
senhor pelos servos da gleba. Os vínculos dos débitos, se exis-
tem, não dizem respeito à produção, mas sim ao consumo;
não podem portanto ser tomados em consideração no cálculo.
A economia monetária de um nobre desta classe consiste
em vender o excedente para poder suportar as despesas do
consumo sumptuário. Se considerarmos porém, não o peque-
no nobre proprietário de uma única aldeia, mas antes os
grupos mais ricos da nobreza, a importância dos custos
em dinheiro cresce numa proporção cada vez maior 39. De
um nobre proprietário de uma aldeia a um nobre proprie-
tário de vinte aldeias, os custos globais não aumentavam
vinte vezes, mas muitíssimo mais.
Se o acesso directo ao mercado internacional (à cidade
portuária) representava portanto, como já vimos, para
aquela parte da nobreza que o abastecia (graças à dimensão
do domínio e à sua posição geográfica, ou melhor, hidrográ-
fica) , um privilégio material enorme, no mercado local pre-
dominava o pequeno produtor, a quem convinha qualquer
venda dos seus produtos.
A este respeito convém fazer outra observação. Os
dados recolhidos por Leskiewicz distinguem o rédito da
reserva senhorial proveniente da produção agrícola e do
gado, do rédito proveniente da elaboração dos produtos
agrícolas, pecuários e florestais. Ou antes, distinguem o
rédito proveniente da venda da primeira categoria de produ-
tos, ou seja, das matérias-primas, do rédito proveniente da
venda da segunda categoria, ou seja, dos produtos semitrans-
formados de fabrico próprio. Somando ambas as categorias,
resulta:
segundo a lustracja de 1564, 61,6% do rédito global
1661 69,5%
1764 40,5%
1789 39,4%
Por conseguinte, durante a segunda metade do século
XVI, a importância destas categorias no rédito global ainda
é grande; o rédito global é importante, e o rédito prove-
niente da propinacja, mínimo. Mas se examinarmos as
três lustracjas sucessivas, veremos que a parte das re-
ceitas provenientes da produção própria da reserva senho-
rial é tanto maior, quanto menor é o rédito global, e que
a parte das receitas provenientes da produção própria

130
oscila de maneira inversamente proporcional à parte das
receitas provenientes da propmacja; portanto, o aumente
do rédito global durante o período de 1661-1789 faz-se, em
maior escala, através da intensificação de uma drenagem
eficaz do que através do incremento da rentabilidade da pro-
dução da reserva senhorial. Isso parece indicar que as
destruições económicas da segunda metade do século XVII,
se diminuíram enormemente o rédito global dos latifundiá-
rios, diminuíram ainda mais as possibilidades de drenar
dinheiro dos camponeses (com uma diminuição correspon-
dente do papel das prestações em espécie e em dinheiro
dos camponeses, e uma enorme diminuição dos réditos pro-
venientes das cidades, que eram quase exclusivamente em
dinheiro). O rédito global dos latifundiários, muito dimi-
nuído devido às destruições bélicas, provém não obstante,
nessa época, em quase dois terços, da «produção própria». A
reconstrução económica levada a cabo no decurso dos cento e
trinta anos seguintes fez que o rédito global triplicasse, mas
esse resultado parece ter sido conseguido em larga medida
através da intensificação de uma drenagem eficaz, e não tanto
através do incremento da rentabilidade da produção da
reserva senhorial. Isso viria confirmar a hipótese de um
forte aumento do elemento mercantil na economia das explo-
rações camponesas durante os últimos cento e trinta anos
da república polaca. Confirmaria também a hipótese rela-
tiva ao papel preponderante desempenhado pela exploração
camponesa na obra de reconstrução económica do país 4a .
Para evitar equívocos, recordemos que os números
relativos anteriormente citados e referentes à composição
do rédito dos latifundiários no período de 1661-1789 corres-
pondem a um rédito em notável crescimento; em números
absolutos (quer em preços nominais, quer no seu equiva-
lente em prata), o rédito proveniente da «produção própria»
aumenta consideravelmente segundo as sucessivas lustracjas
de 1661, 1764 e 1789. Se tivermos em conta a melhoria das
razões de troca dos magnates, a que já nos referimos ante-
riormente, o aumento será ainda mais considerável.
Como já sublinhámos, as hipóteses aqui esboçadas têm
bases restritas. Faltam-nos r para as justificar, ou sequer
para as concretizar, diversos elementos essenciais. Pode-
mos apresentar em apoio das mesmas um único facto, indubi-
tável e importantíssimo, ainda que exagerado nos seus
termos numéricos: o enorme reforço da importância do papel
das receitas provenientes da propmacja, e por conseguinte
o papel da drenagem no cálculo económico do latifúndio.

131
Não pode haver dúvidas a este respeito. Porém, embora esse
facto deva indicar alguma coisa, ainda estamos longe de
compreender a fundo tão importante fenómeno.
Os problemas que abordámos têm a ver com as três
últimas tendências anteriormente mencionadas, a saber,
com a tendência para procurar a máxima coesão económica
da reserva, para a isolar e para «naturalizar» a maior parte
da sua actividade económica ", e a tendência para concentrar
a propriedade da terra nas mãos da nobreza.
A tendência para a coesão, para o isolamento e para a
«naturalização» é realmente muito conhecida, graças às
numerosas monografias e sobretudo às também numerosas
fontes impressas, quer sob a forma da literatura económica
da época, quer sob a forma de publicação cientifica em que
se reproduzem as instruções, os estatutos das aldeias, etc.
Infelizmente essa documentação copiosa ainda não foi até
agora analisada no seu conjunto ".
De qualquer modo, a existência dessa tendência está fora
de dúvida. Todos os proprietários de reservas se esforçavam
por não comprar qualquer artigo de primeira necessidade e
por produzir o máximo de coisas necessárias no próprio
domínio, evitando todos os gastos em dinheiro. «Porque não
só é prejudicial — diz Gostomski na sua linguagem tão
expressiva — como também vergonhoso comprar a dinheiro
aquilo que, se não houver negligência, se pode ter grátis» ,a .
(Sublinhemos esta extraordinária classificação de «gratuito»
aplicada a tudo o que provém da reserva; adiante voltaremos
a esta questão.) A produção deve, pois, manter-se a si
mesma e satisfazer as necessidades do consumo corrente do
pessoal e da família do proprietário, e todo o dinheiro
obtido através da venda do maior excedente possível deve
destinar-se à compra de artigos de luxo. Naturalmente,quanto
maior fosse o número de artigos produzidos na reserva
em substituição dos que normalmente se adquiriam, maior
seria o «nível de luxo» dos bens adquiridos a troco de moeda
sonante. Tratar-se-ia pois de uma tendência para a «natura-
lização» máxima em ordem a alcançar a comercialização
máxima: fórmula que, por mais paradoxal que pareça,
corresponde fielmente à realidade ou, pelo menos, às inten-
ções do nobre.
A tendência para «naturalizar» toda a actividade pro-
dutiva e a maior parte possível do consumo corrente, junta-
mente com a tendência para elevar ao máximo o excedente
destinado à venda, acompanhavam a tendência para a coesão
e isolamento económicos da reserva. Seria possível atingir os

132
dois primeiros objectivos explorando as possibilidades laten-
tes de produção da reserva. Podia deixar-se de comprar mel,
instalando colmeias; tecidos de lã, criando ovelhas e man-
tendo tecelões; vidro comum, instalando uma fábrica de
vidros, se se possuíssem bosques, etc. A desurbanização do
artesanato, que se manifesta a partir de fins do século XVI,
deve-se, por um lado, às dificuldades criadas ao artesanato
urbano pelo facto de o camponês estar a ser gradualmente
eliminado do mercado e, por outro, à aspiração do latifun-
diário a concentrar na sua propriedade um potencial de
transformação que lhe permitisse abastecer-se, pelo menos,
de artigos de primeira necessidade.
Quanto à «naturalização», evidentemente que as possibi-
lidades eram tanto maiores, quanto mais variadas fossem as
condições naturais da reserva: quando fosse possível desen-
volver simultaneamente a produção cerealífera e pecuária,
a produção florestal ou piscatória, estas ou aquelas activi-
dades de carácter industrial, etc. Isto está patente no caso
do aparecimento das manufacturas no século XVIII. Assim,
por exemplo, o príncipe Radziwill possui nas suas pro-
priedades da Ucrânia uma criação importante de gado
ovino e em Nieswiez, a centenas de quilómetros de distância,
uma manufactura de tecidos, e para evitar a compra de
matéria-prima impõe aos seus camponeses a obrigação de
transportarem a lã à sua casa solarenga de Nieswiez ii. Um
outro magnate, Prot Potocki, cria ovelhas na região de Lublin
e tem uma manufactura de tecidos em Machnówka, na Ucrâ-
nia. No seu caso a lã fará uma longuíssima viagem para
atingir a mesma região de onde é despachada a lã de
Radziwill. Podemos imaginar o imenso desbarato de tra-
balho humano que todas estas operações implicavam. No
entanto, e do ponto de vista do proprietário, o cálculo era
inteiramente racional. Ao fim e ao cabo, não é o único caso
na história em que o interesse da «empresa» não coincide
com o interesse público. De qualquer maneira, se a autar-
quia senhorial era tanto mais viável quanto mais diversifica-
das fossem as possibilidades de produção desta ou daquela
propriedade, é claro que o latifundiário — cujas proprieda-
des estavam geralmente disseminadas por regiões de topo-
grafia, clima e meio natural diferentes — dispunha de maio-
res oportunidades neste aspecto do que o pequeno nobre, pro-
prietário de uma única aldeia. Não terá sido este factor econó-
mico mais um dos elementos do proceso de concentração
da propriedade nobiliária?

133
A par da tendência do nobre para a coesão económica
interna da sua propriedade, referimos a tendência para
o isolamento económico da mesma. Trata-se, na reali-
dade, de dois aspectos de uma mesma tendência.
O isolamento económico da propriedade territorial tinha
como objectivo, antes de mais, garantir o monopólio da
exploração dos recursos que ela oferecia. Em certo sentido,
a ideia do isolamento económico inspirou desde tempos
muito remotos a actividade dos senhores feudais, embora
fosse inconsciente e se disfarçasse sob as mais diversas
roupagens ideológicas. Foi essa ideia que inspirou a funda-
ção de muitas vilas e cidades, e também de novas paróquias.
Se o regime feudal concedia ao proprietário da terra
o direito exclusivo de explorar os servos que viviam dentro
da propriedade, esse monopólio devia ser protegido não só
através da coerção jurídica — de resto muito ineficaz —
como ainda de uma ampla gama de instituições sociais.
O ideal tácito do sistema feudal era o de que a vida
do servo se desenrolasse, do berço à sepultura, dentro dos
limites territoriais da propriedade a que estava adscrito.
«Berço» e «sepultura» implicam uma paróquia. Todas as
necessidades reconhecidas do servo — religiosas, sociais, eco-
nómicas, etc. — deviam ser satisfeitas dentro desses limi-
tes territoriais. Se o servo tem de ser baptizado e sepultado,
se tem de ir à igreja, divertir-se na feira, efectuar pequenas
transacções no mercado, beber na taberna com os vizinhos,
bailar numa boda, etc.,. as instituições que respondem a
todas essas necessidades devem existir dentro das terras do
senhor. 15 conhecida e correcta a tese dos clássicos do mar-
xismo que diz que os camponeses, como classe, não estão
em condições de derrubar, por si sós, o regime vigente,
nem sequer o regime feudal, de que são as vítimas principais,
uma vez que a sua dispersão e isolamento circunscrevem
o desenvolvimento da sua consciência de classe e, em última
análise, também as suas possibilidades de organização para
a luta de classes. Instituições sociais poderosas e profunda-
mente arreigadas, geralmente muito prestigiosas, perfida-
mente eficazes—embora ninguém as tenha «programado»—,
zelavam para que este estado de coisas permanecesse inal-
terável. Só no contexto da actividade destas instituições
podia funcionar, como factor complementar, a coerção pura
e simples. A luta para que os camponeses não fossem aos
mercados de cidades alheias ou às igrejas de outras aldeias
ou não bebessem em tabernas alheias.

134
Só o isolamento económico da propriedade garantia que
todas as transacções do servo fossem agravadas com um
«imposto de consumo» sui geweris. As inevitáveis tran-
sacções camponesas — por exemplo, a utilização dos servi-
ços de moagem — eram monopolizadas pelo senhor. E se o
mercador ou o artesão da vila lucravam com uma ou outra
transacção, o seu enriquecimento servia também, em última
análise, para aumentar os réditos do senhor da vila. Final-
mente, quando tudo isto se mostrava ineficiente, recorria-se
ao mecanismo, atrás descrito, da «drenagem monetária»,
de modo particular por meio da aguardente.
O isolamento económico proporcionava ainda outras
grandes vantagens ao latifundiário. Apesar de todos os
seus esforços, o senhor não podia administrar os seus bens
sem incorrer nalguns gastos monetários. A moeda sonante
escasseava frequentemente até nas arcas do nobre a que
poderíamos chamar remediado. Todo o gasto em dinheiro
diminuía a olhos vistos as suas possibilidades de consumo
de luxo, de acção política, etc. Daí a tendência para reduzir
ao mínimo as somas indispensáveis à exploração da reserva
senhorial, e o esforço para as recuperar. Ora isso só era
possível na condição de a propriedade estar economicamente
isolada. Criava-se, assim, um sistema fechado de circulação
monetária. As somas que a reserva transferia durante o ano
para a aldeia regressavam, no decurso do mesmo ano, à
reserva, principalmente através da taberna «adscrita» à
propriedade ,= . Havia assim uma espécie de «perpetuum
mobile», um capital circulante mínimo investido nesta ou
naquela actividade da reserva que podia servir, em teoria,
indefinidamente para os mesmos propósitos. Desde que,
repitamo-lo, a reserva estivesse economicamente isolada.
Atendendo a tudo o que acabamos de dizer, creio que nos
podemos fiar na impressão produzida pela leitura das fontes
(insisto em que o problema não foi, até agora, objecto de uma
investigação sistemática): os esforços do grande proprietá-
rio para assegurar esse isolamento, lutando contra a fre-
quência de tabernas ou de mercados alheios, tornam-se muito
mais intensos no decurso do século XVIII.
Esta tendência persistirá durante muito tempo na
vida económica da Polónia. Só nos meados do século XDC,
quando o processo de comercialização da economia nacional
estava já muito adiantado e o regime de servidão muito
relaxado, a nobreza se vê obrigada a inventar métodos mais
engenhosos. Foi assim que os sucessores de Steinkeller na
fundição de Zarki, ao deixarem de ter a certeza de que

135
Quando um elemento da nobreza média está em dificul-
dades (um ou vários anos seguidos de más colheitas, incên-
dios, epidemias e sobretudo epizootias, etc.), encontra sem-
pre um magnate benévolo disposto a socorrê-lo com um
empréstimo. E este o único «banco» e a única «companhia
de seguros» a que pode recorrer, pois as outras fontes de
crédito exigem juros tão elevados que é impossível apelar
para elas quando é necessário contrair um empréstimo com
fins produtivos. Quando as dificuldades de um desses
nobres se multiplicam, obrigando-o a vender uma parte
da sua propriedade, é novamente o magnate que se dispõe
a comprá-la, ou antes, a aceitá-la por conta ou em troca da
dívida. Quando os nobres fazem empréstimos uns aos outros,
o magnate está sempre pronto a adquirir as promessas de
pagamento. Em consequência de tudo isso o nobre de posição
média baixa à categoria de pequena nobreza, e o pequeno
nobre perde as suas terras. Aqueles que, depois de terem
vendido as terras e pago as dívidas, ficavam ainda com
algum dinheiro, começavam — segundo a expressão da época
— a «trazer de renda» outras propriedades. Os que ficavam
com uma soma demasiado pequena para aspirar a um arren-
damento, depositavam-na nas mãos do magnate a troco
de um pequeno juro 4 9 , ocupando simultaneamente algum
posto na corte desse mesmo magnate ou, o que era mais
frequente, na administração das suas propriedades. Seja
como for, em consequência dessa actividade meio creditícia
meio usurária, a terra passava quase de graça para as mãos
do magnate. E como se isso ainda fosse pouco, o magnate,
depois de ter arruinado o nobre, transformava-se em seu
magnânimo benfeitor, salvando-o da degradação social. Nas
monarquias absolutas do período iluminista, o nobre que
perdia a sua terra podia manter a sua posição social servindo
no exército, na administração pública, entrando para a
magistratura, etc. Mas na Polónia daquela época não existia
praticamente nem exército regular, nem administração está-
vel, nem sequer magistratura profissional. Por outro lado,
o exercício de qualquer actividade puramente comercial ou
industrial poderia acarretar a perda da condição de nobre,
pois todo aquele que se dedicasse a tal actividade cobria-se
ipso facto de «ignomínia». Mas tudo aquilo que o Estado
não tem — exército regular, burocracia ou administração
profissional da justiça—, tem-no noa seus domínios um
Radziwill, de Nieswiez, ou um Potocki, de Tulczyn. Só eles
podem evitar a degradação do nobre arruinado, pelo que este
não tem outro remédio senão entrar ao seu serviço.

138
Assim se processava uma mudança de importância fun-
damental : mudança do título de propriedade no que respeita
ao factor fundamental da produção, que era a terra; alteração
das bases do sistema de distribuição do rendimento nacional •
alteração da correlação de forças entre as diferentes camadas
da nobreza, aparentemente homogénea e que se orgulhava
de o ser. Assim se consolidava a base material do poderio
dos magnates, enquanto aumentava, por outro lado, a multi-
dão submissa de nobres despojados das suas terras, ligados
àqueles para a vida e para morte. Com o sacrifício da nobreza
média constituiu-se a pouco e pouco uma aliança entre os
magnates e essa multidão, aliança funesta para o trono,
e para todos os projectos de reforço do Estado. Os magnates
dão de comer e de beber a essa multidão de nobres
sem terra, permitindo-lhes manter os seus privilégios polí-
ticos e sociais e evitar a degradação que sobre eles pesa e,
graças aos arrendamentos, o serviço na administração
senhorial, nas milícias privadas ou no palácio. Todos esses
nobres sem terra serão a força armada da ditadura político-
-militar dos magnates sobre o país, servindo-lhes para exer-
cer o poder sobre as pequenas dietas, sobre os tribunais,
o exército, a administração geral, fiscal, judicial, ete. Não
é por acaso que a Dieta dos Quatro Anos, ao pretender
atacar os magnates, retira os direitos políticos aos nobres
que não são proprietários de terras. Nos anos que prece-
deram a divisão, e mais rapidamente ainda depois da queda
da República, essa aliança começou a fragmentar-se.
No século XV1I1 e, particularmente, na segunda metade,
tendem a diminuir as possibilidades dos magnates de con-
centrarem as terras nas suas mãos através dos méto-
dos tradicionais. Começam então as espoliações por meios
semilegais no interior da propriedade latifundiária. 13 neste
contexto que, na nossa opinião, devem ser interpretados
certos factos e sobretudo certos negócios duvidosos, tais como
a espoliação do morgadio dos Ostrogski depois da tran-
sacção de Kolbuszów, a espoliação dos bens dos Radziwill
após o exílio de Karol Radziwill e, sobretudo, a espoliação
dos jesuítas e o caso de Poninski 80 .
Além destes, que eram provavelmente os factores funda-
mentais, outros dois factores já mencionados parecem ter
contribuído também para concentrar a terra nas mãos dos
magnates. Por um lado, a variedade das possibilidades produ-
tivas proporcionadas pelos latifúndios, graças às suas dimen-
sões e sobretudo à sua dispersão geográfica, tornava muito
mais difícil a consolidação e o isolamento económico dos

139
bens; por outro lado, a possibilidade de chegar directamente
ao mercado mundial (isto é, à cidade portuária), a que só
tinha acesso o grande produtor e vendedor, proporcionava-
-lhe um enorme privilégio económico, dado que as condi-
ções de troca nesse mercado eram muito mais favoráveis
do que no mercado local.
Por outras palavras, se a reserva senhorial não era
superior às explorações camponesas nem a grande proprie-
dade às reservas da nobreza média do ponto de vista
da qualidade dos animais de tracção, da qualidade dos instru-
mentos de trabalho e tão-pouco do da organização da pro-
dução— isto é, nem no rendimento do trabalho nem no
rendimento da terra — isso não significa, como parece suge-
rir Rutkowski, que lhes não pudesse ser superior nos resulta-
dos económicos. É possível que justamente este último factor
tenha contribuído grandemente para a concentração das
terras.
Mas este processo de concentração tinha um outro as-
pecto, negativo do ponto de vista do proprietário, que
Rutkowski analisou magistralmente: um aumento não pro-
porcional dos custos de produção. Este factor afectava
essencialmente a posição da «empresa produtora» face aos
fenómenos do mercado. Se um camponês rico ou um pequeno
nobre podiam vender com lucro a qualquer preço, dado que
a produção não lhes «custava» praticamente nada, para o
magnate a venda só era rentável acima de um determinado
nível de preços. Havia aqui uma contradição interna: a ten-
dência orgânica imanente para a concentração da proprie-
dade da terra nas mãos dos magnates — conscientemente
fomentada pelo grupo mais forte da classe privilegiada —
criava simultaneamente dificuldades cada vez maiores aos
beneficiários desse processo. A substituição do trabalho
obrigatório pelo censo monetário nos grandes latifúndios,
que teve lugar no século XVIII e principalmente na pri-
meira metade do século XIX,. a redução das suas dimensões
(que só se tornou visível no século XIX), o recurso ao cré-
dito de investimento para aumentar o rendimento tanto do
trabalho como da terra, são outros tantos meios para superar
essa contradição.
Nestas circunstâncias, não se deve estranhar que o pro-
cesso de concentração das terras implique um endividamento
sistemático dos magnates. Quando o referido endividamento,
que atingira entretanto dimensões exorbitantes, chegou ao
conhecimento da opinião pública nos tempos do Ducado de
Varsóvia, constituiu uma revelação para os contemporâneos,

140
mas o historiador não tem razão para o estranhar. Trata-se
de um fenómeno muito mais antigo do que a origem das «so-
mas de Baiona» ". Anteriormente, no ano de 1793, quando os
magnatas não puderam ou não quiseram pagar as suas
dívidas ao banqueiro varsoviano Tepper, foi este quem
abriu falência, e não eles. No século XIX tinha que se pagar
as dívidas. Na Europa ocidental, «na Idade Média a luta
termina na ruína do devedor feudal, que perde o poder
político quando se desmorona a base económica que lhe
servia de apoio» B2. Na Polónia, até aos fins do século XVIII,
o «devedor feudal» não teme a falência. O aparecimento do
capitalismo irá alterar radicalmente esta aituaeão. Mas o
processo de que estivemos a falar e a que chamamos, a falta
de melhor, «concentração da propriedade da terra», nada
tem a ver com o processo de concentração do capital.
Todas as tendências de longo prazo estudadas neste
capítulo são certamente vias que conduzem ao capitalismo.
Mas ao capitalismo na Polónia, ou noutros sítios? A existên-
cia de uma base, institucionalmente sólida, de abastecimento
de produtos alimentares e de matérias-primas não deixava
de ser importante para o desenvolvimento do capitalismo
nalgumas zonas da Europa ocidental 53 . Mas a nós inte-
ressam-nos principalmente as vias de aparecimento das rela-
ções capitalistas no território polaco. Adiante voltaremos
a esta questão.
Antes de concluirmos o estudo dos problemas de adapta-
ção a longo prazo, temos de nos ocupar, por um momento,
de um fenómeno paradoxal que mais de uma vez conduziu
os investigadores a conclusões aparentemente correctas, mas
na realidade absurdas. Refiro-me aos estudos sobre as recei-
tas da população urbana, e especialmente sobre os salários
reais.
Muitos investigadores, e principalmente E. J. Hamilton,
exageraram a importância do problema a longo prazo M .
O papel insignificante do trabalho assalariado, sobretudo
do trabalho exclusivamente remunerado em dinheiro, ao
longo dos séculos que precederam a revolução industrial,
faz que este problema, cuja elucidação foi considerada
por mais de um investigador como a coroação dos seus
esforços, tivesse tido, na realidade, uma importância mar-
ginal na vida económica da época. Merece, no entanto, a
nossa atenção, tanto porque apaixonou muitos historiadores,
como porque o seu estudo nos proporciona uma oportunidade
para mencinar um reflexo interessante da adaptação a longo
prazo.

141
Para começar, expliquemos em que consiste o paradoxo.
S. Hoszowski, depois dos muitos anos que consagrou ao
estudo dos preços em Lvov no período de 1500-1914, conse-
guiu elaborar numerosas listas de preços dos mais diversos
artigos, e listas de salários. Utilizando um método que referi-
mos noutro trabalho ", Hoszowski calcula índices a partir
de números absolutos e índices de conjunto a partir de
índices específicos; e, na parte final do segundo tomo da sua
obra, faz uma comparação entre o custo da vida e os salá-
rios dos trabalhadores ao longo de um período que abrange
três séculos. Qual a conclusão? Calculado desta maneira, o
poder de compra dos salários ou, se se preferir, o índice doa
salários reais, tomando 100 como índice de referência para
o lustro de 1521-1525, baixa para 11 no período de 1781-
-1800. Ao longo das trinta décadas abrangidas pelo quadro,
só em sete casos este índice acusa um aumento em relação
à década precedente, baixando nos vinte e três restantes
casos I 0 .
Encontrar-nos-íamos, portanto, perante uma «paupe-
rização absoluta» de dimensões verdadeiramente fantás-
ticas! Das duas uma: se o salário do trabalhador no tempo
de Sigismundo o Velho lhe garantia o mínimo vital ou mais
do que isso, no tempo de Estanislau Augusto esse tra-
balhador deveria encontrar-se na mais extrema miséria,
porque a sua remuneração mensal não lhe permitiria viver
mais do que alguns dias. Ou então, se o salário lhe assegu-
rava o mínimo vital no tempo de Estanislau Augusto, esse
trabalhador teria sido um homem bastante rico no tempo
de Sigismundo. A menos que admitamos que o mínimo
vital, imprescindível do ponto de vista fisiológico e social,
se tenha reduzido enormemente no decurso desses três
séculos.
O equívoco assenta, em nossa opinião, no facto de se
aplicarem à investigação de fenómenos de longo prazo méto-
dos que só são eficazes na investigação de fenómenos de curto
prazo.
A tese segundo a qual os preços dos artigos «de pobre»
sobem mais rapidamente do que os outros em períodos de
alta geral foi provada, pela primeira vez a partir de docu-
mentos históricos, por C. E. Labrousse. Ao formulá-la, o
autor teve o cuidado de a rodear cuidadosamente de uma
série de reservas, prevendo possíveis excepções à regra
em função do lugar, do tempo ou do produto, e sem se arris-
car a afirmar que essa tese — justa quanto à «alta ciclica»
142
— era ÍSigualmente justa no que diz respeito à alta de longo
prazo .
De então para cá passaram-se trinta anos, durante os
quais a tese foi submetida a repetidas verificações, sobre-
tudo a partir de documentação francesa, verificações essas
que confirmaram sempre a sua exactidão 5S . Vejamos como
se apresenta esta questão com base na copiosa documen-
tação polaca relativa à história dos preços.
O quadro que se segue contém os resultados dos nossos
cálculos. Tomámos como ponto de partida, sempre que
possível, os dados não elaborados, isto é, evitámos as «mé-
dias» e, com maioria de razão ainda, os índices, calculados
pelos investigadores da «Escola de Lvov». Para eliminar os
dados extremos, calculámos para cada artigo e para cada
uma das cinco cidades a média do preço nominal médio para
cada um dos quinze períodos de vinte anos. Calculámos
depois o preço nacional médio como média não ponderada
dos preços das cinco cidades. Este processo pode parecer
primitivo, mas trata-se apenas de uma primeira aproxima-
ção, suficiente para mostrar com clareza o fenómeno que
nos interessa.
Os preços nacionais médios (nominais) dos 48 artigos
que tomámos em consideração foram depois transformados
em índices para cada um dos quinze períodos de vinte anos.
Agrupámos depois os diferentes artigos. Os índices de
grupo foram calculados como médias aritméticas não pon-
deradas. O índice dos artigos cerealíferos compõe-se dos índi-
ces de seis artigos; o dos artigos pecuniários, de outros seis;
o das bebidas importadas, dois; das bebidas nacionais, três;
dos artigos ultramarinos, onze; sal, um, como é evidente;
combustíveis (aquecimento e iluminação), quatro; custo de
construção de uma casa de tijolo, três; custo de construção
de uma casa de madeira, quatro; roupa de luxo, dois; roupa
vulgar, cinco; e papel, um, naturalmente. 0 índice de salários
compõe-se dos índices correspondentes aos salários de seis
artesãos de baixa qualificação e de dois aprendizes. Os
grupos foram constituídos de acordo com os seguintes cri-
térios: possibilidade de substituir um artigo por outro dentro
do grupo (caso dos artigos cerealíferos, pecuários, das bebi-
das e da roupa), origem dos artigos, capaz de determinar
a flutuação conjunta dos seus preços (ultramarinos) e, final-
mente, destino dos artigos (por exemplo, habitação).
Obtivemos assim os índices de grupo que referimos nos
quadros apresentados mais adiante.

143
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índice contínuo

Artigos alimentares

ultramarinos
o
u
ô I

nacionais
tu

bebidas
r. o j5 £•
ti CJ 0J p "3
rd a. -a .5
1501-1520 100 100 100 100 100 100
21- 40 131 127 115 114 114 131
41- 60 174 155 151 156 156 162
61- 80 284 212 288 203 203 191
81-1600 335 252 372 294 207 321
1601-1620 459 348 472 370 186 254
21- 40 1143 773 1034 636 389 523
41- 60 1417 051 1189 941 405 445
61- 80 1474 961 1159 1139 535 565
81-1700 1798 1086 2779 1333 637 548
1701-1720 2445 12S2 3585 1466 631 685
21- 10 2152 1370 3585 1422 827 617
41- 60 2561 1603 3872 1493 827 747
61- 80 2740 1747 3756 1687 1199 837
81-1800 3754 2141 3981 1754 1451 904

Habitação Roupa
de madeira
de tijolo

CQ
B o t>
X
Papel

3a 3 Si U
*3
&
60
3
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S)
•o "3
U2
>
1501-1520 100 100 100 100 100 100 100
21- 40 121 i93 118 91 118 101 104
41- 60 148 105 J26 102 110 110 114
61- 80 210 131 152 113 128 125 171
81-1600 269 148 181 146 128 146 202
1601-1620 401 189 221 171 124 168 271
21- 40 750 457 446 404 239 312 509
41- 60 930 530 540 589 289 334 621
61- 80 986 551 545 756 370 384 703
81-1700 1055 623 621 854 366 415 843
1701-1720 1287 822 764 982 373 486 910
21- 40 1223 847 726 962 380 525 974
41- 60 1480 847 878 1116 353 604 1130
61- 80 1791 1033 1220 1261 388 755 1277
81-1800 1827 961 1257 1173 330 785 1456

145

Estes quadros confirmam com grande exactidão a tese
de Labrousse. Ao examiná-los, podemos ver como o preço
dos artigos cerealíferos sobe mais rapidamente do que o dos
produtos pecuários; como o preço do sal acusa uma alta
mais pronunciada do que o dos condimentos importados
(a regularidade não é total, devido ao imposto sobre o sal
cobrado, nalgumas épocas, pela tesouraria real); como
o custo da construção de uma casa de madeira cresce a um
ritmo mais rápido do que o de uma casa de tijolo, assim
como o preço da roupa vulgar em relação ao da de luxo.
Vemos também como o preço dos alimentos básicos acusa
uma alta mais pronunciada do que a dos alimentos secundá-
rios (bebidas e condimentos), e maior ainda do que o custo
da habitação e o preço do papel, que representa aqui o grupo
dos artigos industriais não indispensáveis, que o povo não
comprava. A única excepção é a alta das bebidas importa-
das, que é mais acentuada do que a das bebidas de produção
nacional.
Se se construísse um modelo qualquer (desde que fosse
razoável) da estrutura do consumo de uma família e se se
utilizasse como base invariável para calcular o custo de
vida ao longo de três séculos, imagina-se facilmente que
resultados se iriam obter.
Estas desigualdades na alta de preços constituem um
factor muito importante, tanto mais que esse factor actua
quase constantemente ao longo dos séculos, embora com
intensidade variável. Mas o sentido da sua influência não
é tão evidente como poderia parecer à primeira vista. E a
interpretação «univalente» deste fenómeno, frequente entre
os historiadores ocidentais, tem o defeito de assentar no
pressuposto de que a natureza humana é imutável, de que
o indivíduo actua sempre da mesma maneira em situações
análogas, qualquer que seja a época histórica.
Entretanto, como explicámos noutro trabalho eo, a «lei
de Engel» sobre a importância crescente dos gastos de ali-
mentação à medida que diminui o rendimento familiar, não
é aplicável a todos os países nem a todas as épocas. Por
exemplo, na Polónia antiga, onde o custo da alimentação
popular era relativamente baixo e o dos artigos manufactu-
rados de primeira necessidade bastante alto, o luxo das
classes superiores, e sobretudo das classes médias, era, de
uma maneira geral, precisamente um «luxo de mesa»: espe-
ciarias, frutas, vinhos importados, etc.

146
Se o fenómeno constatado por Laforousse na Franga do
século XVIII aparece igualmente na história da Polónia do
século XVI ao XVIII, numa situação económica completa-
mente diferente (quanto mais não seja porque se trata
de um país exportador de cereais e muito menos industria-
lizado), podemos supor que nos encontramos perante um
fenómeno fundamental da economia pré-capitalista. A corres-
pondência entre os nossos quadros e os de Labrousse é total.
Notam-se apenas duas diferenças, perfeitamente compreensí-
veis: o preço relativamente elevado do vinho na Polónia, país
importador em comparação com a França, que é o seu
grande exportador; b) a ausência, na Polónia, da enorme
alta do preço da madeira, que caracteriza a França, país
cujos recursos florestais começam a esgotar-se nessa
época G1.
O outro dos nossos quadros, que contém dados sobre
a mesma evolução dos preços, mas expressa num índice em
cadeia, permite-nos constatar que o fenómeno em questão
se manifesta não só como a resultante final de diferentes
flutuações que ocorreram ao longo de 300 anos, mas também
como um fenómeno quase contínuo, perceptível na maioria
dos quinze períodos em que dividimos todo esse lapso de tem-
po. Recordemos também que se depreendia já claramente da
análise de Simiand ea que, pelo menos desde o século XV, os
períodos de alta foram sempre mais longos que os de baixa,
e que a alta foi sempre mais forte do que a baixa. A Europa
viveu durante a maior parte da Idade Moderna sob o signo
da alta de preços, não interessando se a causa dominante
da mesma foi a afluência de metais preciosos (como afir-
mava a ciência de outrora), o auge dos investimentos (como
pensa Cipolla) ou apolítica inflaccionista dos governos.
Mas o fenómeno de que estamos a tratar apresenta
ainda um outro aspecto. O progresso técnico que se foi
produzindo, a partir do século XV, através das sucessivas
«revoluções industriais», afectava em grau diferente os dife-
rentes grupos de artigos. Regra geral, quanto maior era a
importância do custo de transformação ou de transporte
na formação do preço de um artigo, maior era a baixa
relativa desse preço. Pelo que é possível que, proporcional-
mente, talvez não tenham aumentado os preços dos artigos
de primeira necessidade, mas sim que tenham baixado os
preços dos artigos que satisfaziam necessidades humanas de
segunda ordem as.
O rico comprava naturalmente maiores quantidades
de artigos não indispensáveis do que o homem de fracos
147
recursos, tirando portanto maior vantagem da baixa relativa
dos preços. E o fenómeno tem certamente alguma relação
com a indiscutível intensificação dos antagonismos sociais
nessa época.
Por outro lado, à medida que o preço relativo dos
artigos que satisfaziam necessidades de segunda ordem (que
são também as de ordem «superior») baixava, baixava igual-
mente o nível da condição económica do homem eujo trabalho
tornava esses artigos acessíveis. Democratizava-se progressi-
vamente o consumo de artigos cada vez mais «luxuosos».
Este fenómeno está certamente relacionado com a elevação
indiscutível do nível de vida de amplas camadas das socie-
dades europeias dessa época a4 .
Por último, seguindo o exemplo de Hoazowski — embora
se trate de um procedimento arriscado—, confrontemos os
dados dos nossos dois quadros com a estrutura do orça-
mento familiar de um trabalhador, tal como o estabeleceu
Ernst Engel, cotejando o resultado com o índice dos salários
(tudo isto com base nos índices em cadeia). Seria esta a
configuração do custo de vida (veja-se na pg. 149).
Como se vê, o resultado é totalmente diferente daquele
a que chegou Hoszowski (que citamos atrás), mas é cer-
tamente mais verosímil. Este quadro indica que, na realidade,
o nível de vida das camadas inferiores da população ur-
bana quase se não alterou no decurso destes três séculos.
Daqui se conclui que, para todas as camadas superiores da
população, um cálculo análogo revelaria um nível de vida
crescente (tanto maior, quanto mais elevada for a classe
social), à medida que os «artigos de ordem superior» se tor-
navam relativamente maia baratos e ocupavam um lugar cada
vez mais importante nos orçamentos familiares.
Seria já mais difícil responder à pergunta de se este em-
baratecimento relativo dos «artigos de ordem superior» —
manifestação do capitalismo incipiente — se ficou a dever a
processos em curso na Polónia ou aos que se desenrolavam
no mundo circundante. Certamente que tanto a uns como
a outros. Mas qual era a força relativa de cada um destes
dois grupos de factores? De qualquer maneira, devemos
observar que o fenómeno está de acordo com a evolução
dos termos de troca, socialmente diferenciados, que descre-
vemos atrás. E está também de acordo — o que é mais impor-
tante — com o nosso conhecimento geral das transformações
económicas que se deram na Europa durante a Idade Moder-
na, e sobretudo com aquilo que sabemos, grosso modo,
acerca da evolução do rendimento do trabalho (no

148
sentido lato do termo, ou seja, incluindo os serviços, o trans-
porte, etc.) nessa época. Evolução lenta mas segura, e sobre-
tudo desigual nos diferentes sectores da produção.

índice continuo
Ano índice
em cadeia 1501-1520^=100 1541-1560=100

1501-1520 100 _
1521-1540 87 87
1541-1560 86 77 100
1561-1580 110 85 110
1581-1600 98 83 107
1601-1620 106 83 113
1621-1640 89 7S 101
1641-1660 104 81 105
1661-1680 104 84 109
1681-1700 104 78 113
1701-1720 89 87 101
1721-1740 107 87 108
1741-1760 100 82 108
1761-1780 95 78 102
1781-1800 96 75

149
Capítulo V

POSSIBILIDADES DE VERIFICAÇÃO

Sublinhámos mais de uma vez, no decurso dos capítulos


anteriores, o carácter fragmentário das fontes que servi-
ram de base à nossa reflexão, ou o facto de que — apesar
da existência das necessárias fontes — elas não foram, até
agora, objecto de uma análise sistemática.
Gostaríamos agora de discutir brevemente as modali-
dades de uma possível verificação das diferentes hipóteses
que formulámos. A tarefa parece difícil, mas, a nosso ver,
não é irrealizável.
O ponto crucial é, naturalmente, a escolha do método.
Quase nenhuma das questões que abordámos pode ser objecto
de uma investigação estatística global, isto é, que abarque
a totalidade dos dados referentes ao problema estudado (por
exemplo, todos os domínios senhoriais da Polónia). Feliz-
mente que tal não é necessário. Muitas questões nem sequer
exigem uma investigação estatística de fundo, bastando
para as elucidar as sondagens mlcroeeonomicas. A relação
entre o excedente comercializado e o volume das colheitas,
basta estudá-la no exemplo concreto de vários domínios
ou grupos de domínios. Isso também é válido para a
correlação entre as receitas monetárias do domínio, por
um lado, e o volume das colheitas ou o nível dos preços, por
outro. No primeiro caso, não há motivos para supor que
os proprietários de outros domínios pudessem actuar de
maneira diferente. No segundo caso, há ainda mais razoes
para pensar que a correlação não podia variar muito de um
domínio para outro ; como consequência de factores objecti-
vos. Se quisermos estudar a elasticidade do preço dos cereais
em função das colheitas (uma outra maneira de abordar

151
o problema da dependência entre as receitas do produtor
agrícola e o volume da colheita ou o nível dos preços), bas-
taria examinar a correlação entre as colheitas dos domínios
suburbanos e os preços no mercado de cada cidade.
Poderiam ainda confrontar-se todas estas investigações
com a análise das instruções da época, a que tantas vezes
nos referimos, e da correspondência contemporânea que trata
de negócios, uma vez que os dois tipos de fontes nos revelam,
em mais de uma ocasião, os actos conscientes do proprietário
latifundiário e as suas intenções de se adaptar à evolução
da situação do mercado.
Também não seria necessário estudar as actividades de
todos os grémios para compreender a sua política face à
evolução da situação do mercado, para averiguar em que
momentos facilitavam ou dificultavam o acesso à corpora-
ção gremial, quando baixavam ou aumentavam as suas
tarifas ou qual dos períodos, o de alta ou o de baixa, lhes
era mais favorável.
Noutros casos, porém, não se pode fugir ao método
estatístico. No caso dos inventários dos domínios (em que
dispomos de uma documentação mais completa acerca da
grande propriedade e deficiente no que diz respeito aos
outros domínios), o carácter pouco representativo dos dados
pode ser suprido através da classificação da documentação
disponível em grupos, de acordo com as dimensões da pro-
priedade, para atribuir depois a cada um desses grupos
de dados um peso relativo, conforme com as proporções
realmente existentes entre os grupos de domínios correspon-
dentes na estrutura económica do país no momento em ques-
tão, abstraindo da maior ou menor abundância de dados
dentro de cada grupo. No caso das actas de inspecção, tem
de se ter em conta o carácter específico dos domínios que
eram objecto dessas inspecções, se se tratava de domínios
régios que o monarca concedia aos nobres a título de pro-
priedade vitalícia (os «starotwa»). Para podermos extrair
desses dados conclusões válidas para toda a grande proprie-
dade rústica da Polónia, teríamos de analisar com precisão
as características específicas desses domínios e as modali-
dades da política económica dos «concessionários» (ou me-
lhor, os arrendatários, uma vez que o «starotwa» raramente
administrava pessoalmente a propriedade). Em determina-
dos aspectos, quando se trate, por exemplo, da evolução
das colheitas em certos domínios (mas não do seu volume
absoluto), os dados reunidos poderão ser considerados repre-
sentativos de toda a grande propriedade. Noutros aspectos

152
(por exemplo, o volume dos investimentos), o resultado
obtido, atendendo a que se trata de uma propriedade vita-
lícia, poderá ser encarado como limite inferior, o que não
deixa de ter importância científica.
A verificação deveria também incluir a perspectiva da
diferenciação geográfica e cronológica. A verificação geográ-
fica é frequentemente encarada, no nosso país, como uma mul-
tiplicação de monografias regionais. Do ponto de vista da
economia dos esforços e da rapidez dos resultados, o método
não é recomendável. A selecção das regiões para uma análise
mais detalhada deve pautar-se pela finalidade da investiga-
ção. De uma maneira geral, creio que não é correcta a ten-
dência para estudar exclusivamente as regiões «típicas».
Em primeiro lugar, porque essas regiões não existem. Em
segundo lugar, porque as regiões não típicas, os casos extre-
mos, permitem muitas vezes investigar melhor o problema
e chegar mais rapidamente a resultados concretos. Partindo
destes princípios, parece-nos que a tarefa imediata deveria
consistir na investigação do mecanismo de funcionamento
da economia regional em dois territórios extremos: 1) a
Pomerânia, a única região do reino da Polónia onde, ao
que parece, até o camponês tinha ligações com o mercado
internacional'; 2) a Ucrânia, região que, na maioria das épo-
cas, esteve quase totalmente isolada do mercado mundial;
região onde o cereal, em anos de boa colheita, não chegava
a ser colhido ou ficava no campo em medas, porque não se
sabia o que fazer com ele.
Para proceder a uma verificação cronológica seria
necessário investigar os problemas referidos e comprovar
as hipóteses formuladas relativamente a períodos concretos
da época em questão. Num outro nosso trabalho formulámos
a hipótese de que a periodização da história da Polónia na
Idade Moderna ou, pelo menos, da sua história económica, se
deveria basear em linhas divisórias situadas, uma por volta
de 1620, e outra, por volta de 1720. Para se chegar a uma
periodização empiricamente justificada deverá proceder-se
a uma série de investigações suplementares, e particular-
mente a uma análise da evolução dos preços a longo prazo.
Uma vez feita essa divisão em períodos, analisar-se-iam os
diferentes problemas dentro de cada uma das subdivisões da
época em questão.
Mas, sobretudo, é necessário que se faça um esforço
no sentido de estabelecer séries estatísticas, embora curtas
ou relativas a um exemplo específico. Ê certo que não é
fácil analisar os problemas que formulámos com base em

153
dados fragmentários ou em casos isolados, por muito repre-
sentativos que sejam. Como já vimos, essas séries são indis-
pensáveis, ainda que abranjam apenas dez ou quinze anos
seguidos, na condição de que se disponha para um dado
período de séries correspondentes a fenómenos diferentes
(por exemplo, colheitas, vendas, receitas monetárias e pre-
ços).
Por último, poderiam estabelecer-se, de forma defini-
tiva, várias correlações apresentadas neste trabalho a título
de exemplo mas não provadas (limitámo-nos apenas a de-
monstrar a sua verosimilhança para períodos curtos).
Por exemplo:
1) a exportação e o preço dos cereais em Gdansk
(tomando em consideração os principais cereais
exportados, o preço de cada um deles e o seu peso
relativo na exportação);
2) a correlação entre os preços dos cereais básicos em
Gdansk e nos mercados importadores mais impor-
tantes (por exemplo, Amesterdão);
3) a correlação entre os pregos dos artigos de expor-
tação em Gdansk e noutras cidades da bacia do
Vístula (Varsóvia e Cracóvia), e noutras cidades
situadas fora dessa bacia, como Poznan, Lvov;
4) As condições de troca em Gdansk do ponto de vista
do exportador (para todo o período em questão,
tendo em conta a composição aproximada da expor-
tação e da importação);
5) o mesmo, mas relativamente aos grandes mercados
do interior do país: Varsóvia, Cracóvia, Poznan,
Lvov;
6) uma análise mais rigorosa das condições de troca
do ponto de vista do camponês, para todo o período
e nos diferentes mercados.
Poderíamos multiplicar es exemplos. É espantoso o
número de problemas económicos de importância- capital que
têm sido descurados, que nunca constituíram matéria de
estudo ou nem sequer foram formulados, apesar do desenvol-
vimento considerável das investigações de história econó-
mica. Assim, por exemplo, o enorme investimento de trabalho
que 03 onze volumes da História dos preços na Polónia
representam é praticamente improdutivo, do ponto de vista
da ciência histórica; é difícil encontrar uma monografia ou

154
uma análise que tenha aproveitado esse trabalho. É o exem-
plo mais evidente, mas não o único.
Mencionemos mais alguns problemas, entre os muitos
que valeria a pena investigar. Por exemplo, a uniformiza-
ção dos preços nos principais mercados urbanos da Polónia
nos séculos XVI-XVIII parece ser considerável, talvez maior
do que a que se verificava em França na mesma época. Como
é que se explica este fenómeno, que está ligado a todos os
elementos da vida económica do pais? Seria difícil encontrar
um problema de maior transcendência.
Parece também que a Polónia, entre os séculos XVI e
XVIII, não conheceu a praga da fome, tão forte, periódica
e extensa como a que imprimiu o seu ritmo à vida económica
da França da mesma época. Tratar-se-á de uma falsa impres-
são, filha da nossa ignorância? Ou será mesmo uma reali-
dade? E, nesse caso, como explicar esse facto, dado que não é
possível supor que o rendimento do trabalho ou da terra, o
grau de comercialização da produção agrícola fossem maio-
res na Polónia do que no Ocidente? Eis um outro problema,
de não pouca importância,
E, finalmente, um terreno praticamente virgem: a con-
tabilidade da produção artesanal e o economia beàaviour dos
grémios. A nossa ignorância nesta matéria é quase absoluta,
apesar de tantos trabalhos consagrados à história dos gré-
mios. A investigação não será fácil, dado que o artesão não
tinha contas, mas a análise dos documentos relativos à fixa-
ção das tarifas (sessões em que se verificava a qualidade
da produção para determinar o seu custo, discussões, pro-
testos, etc.) poderia ser muito fecunda, assim como a aná-
lise dos pleitos entre os próprios grémios, ou entre eles e
outras entidades. Mas, na nossa opinião, o método mais fru-
tuoso seria a análise indirecta da actividade dos grémios,
através dos dados que possuímos acerca de outros aspectos
da vida económica em determinada época e lugar. Se, por
exemplo, depois da Peste Negra de 1348, os grémios de
Orvieto decidem, a título expiatório, celebrar as festas dos
santos padroeiros de todas as igrejas, capelas e bairros da
cidade, isso significa a introdução adicional de 50 dias
de feriado ao longo do ano, e equivale a reduzir de um dia
a semana de trabalho! ! Seria difícil não ver aqui uma ten-
tativa de repartição equitativa dos inconvenientes da dimi-
nuição da procura, que — como se pode inferir do mesmo
facto — teria diminuído mais fortemente do que as possi-
bilidades da oferta. O raciocínio post hoc ergo pr&pter hoc
e com frequência enganador, mas nem sempre.

155
De qualquer maneira, temos ainda muito trabalho à
nossa frente para podermos compreender cabalmente o fun-
cionamento do sistema económico vigente na Polónia do
século XVI ao séc. XVIII.
A última questão diz respeito ao significado do modelo
que construímos. Ainda que o verificássemos perfeitamente
e que o situássemos com exactidão no tempo e no espaço,
ficaria por determinar, através da comparação com
outros modelos assentes noutros dados, se o nosso modelo
é válido para a economia feudal em geral. Não o é com toda
a certeza, ainda que alguns dos seus elementos tenham
essa característica. Será um modelo de «feudalismo regional»
— por exemplo, da forma que esse sistema assumiu na
Europa oriental —, ou um modelo de determinada etapa de
declínio no desenvolvimento dessa formação socioeconómica?
Ou uma coisa e outra ao mesmo tempo? E, finalmente, quais
são, neste modelo, os elementos próprios de determinada
estrutura socioeconómica, e quais os elementos comuns a
toda a economia em que a agricultura desempenha um papel
preponderante, e principalmente àquela em que a agricul-
tura assenta na grande propriedade rural e em que as pres-
tações da pequena propriedade a favor da grande (renda
feudal ou censo enfitêutico) se processam por via não
monetária ?

156
Capítulo VI

A RACIONALIDADE DA ACTIVIDADE ECONÓMICA


NO SISTEMA FEUDAL

O problema formulado no título deste capítulo pode


parecer aos historiadores um falso problema, apesar de ter
sido objecto de grandes e tradicionais discussões económicas.
O qvÀd do problema apresenta-se da seguinte maneira:
uma actividade económica racional exige que haja possibi-
lidade de comparar os custos e os resultados. Mas como os
custos e os resultados se exprimem em substâncias de natu-
reza diferente (os custos, em trabalho e em matérias-priraas,
os resultados em produtos), a comparação só é possível se
essas diferentes categorias puderem ser reduzidas a um
«denominador comum», tornando-se assim mensuráveis e
comparáveis. Esse denominador comum é proporcionado pelo
mercado e exprime-se em forma monetária, isto é, em uni-
dades homogéneas (preços), aplicáveis tanto ao trabalho e
às matérias-primas como aos produtos finais.
Para que o preço possa desempenhar esta função, é
necessário que se verifiquem certas condições:

1) deve haver um preço de mercado mais ou menos


uniforme;
2) o preço deve formar-se por via da livre concorrên-
cia e não por imposição de qualquer poder auto-
crático;
3) o preço de mercado deve existir para todos os
elementos que entram na produção e para todos os
artigos que resultem dela; deve, portanto, haver
um preço de mercado para a mão-de-obra, e natu-
ralmente também um mercado de trabalho.

157
E. Taylor, ao criticar as concepções da escola histórica
e institucionalista na economia política, diz, a propósito do
«pressuposto da liberdade económica»: «a economia teórica
deve tomar este princípio como premissa fundamental, como
primeiro pressuposto, imprescindível no estudo de quaisquer
regularidades económicas, dado que só ele permite conhecer
a dinâmica específica e as tendências de todos os elementos
do sistema económico: ponto de partida para a formação
ulterior de leis económicas válidas para qualquer situação
histórica concreta. Pois só este pressuposto nos permite
conhecer as tendências inerentes à actividade humana (sic!)
e as reacções da natureza, livres da influência que lhes é
imposta pelas condições exteriores... Onde não há liberdade,
pelo menos na escolha do consumo e do trabalho, as leis
económicas não se aplicam, permitindo quando muito prever
em que grau a realidade se afasta da prossecução doa fins
económicos da sociedade, isto é, do máximo aumento do ren-
dimento nacional e da satisfação máxima das necessidades
dos membros da sociedade» \ Noutra passagem, o autor
afirma que «quanto aos fins directos da actividade econó-
mica {o autor pensa certamente o mesmo dos custos de pro-
dução), depreende-se do próprio objecto da ciência econó-
mica (sic!) que os factores que ela estuda têm de ser mensu-
ráveis em dinheiro» *.
Não se pode negar clareza a esta posição, que não é,
de resto, original. Trata-se efectivamente de uma opinião
comum a certas correntes das ciências económicas. Foi pre-
cisamente este problema o motivo essencial da polémica
sobre a possibilidade de uma gestão económica racional no
socialismo (Mises^Lange) 3.
De acordo com a maneira de pensar dos representantes
desta corrente, a resposta à pergunta sobre se é possível uma
actividade económica racional sem livre concorrência, pres-
supõe a resposta a uma outra questão: é possível elaborar
a teoria económica de um sistema que não assenta na livre
concorrência? Ê frequente ligar estas duas questões e fazem-
-no ambas as partes intervenientes na controvérsia, apesar
de — diga-se de passagem — essa ligação não ser nada evi-
dente. Porque haveria de ser impossível elaborar uma teoria
de actividades de natureza social, maciças e regulares, mas
irracionais (por exemplo, a magia) ?
E ainda que os argumentos utilizados por Mises ou
E. Taylor se não dirijam contra o regime feudal, aplicam-se-
-lhe todos perfeitamente. Ê óbvio que no sistema feudal
não há livre concorrência; a liberdade de produção e de opção
158
do produtor está muito restringida, tal como a livre opção
do consumidor; a grande maioria da mão-de-obra não passa
pelo mercado do trabalho, o qual — por outro lado —está
fortemente regulamentado; há também uma regulamentação
dos preços, etc.
Também nos devemos pôr a questão de saber se é
possível ou não, no sistema feudal, uma actividade econó-
mica racional. A resposta que dermos a esta pergunta não
pressupõe, como já dissemos, a resposta à pergunta sobre
a possibilidade de uma teoria económica do sistema feudal,
mas determina muitas das características de uma possível
teoria.
Em primeiro lugar queremos advertir que a realidade
histórica, que é heterogénea e concreta, não permite uma
formulação dilemática do problema. A possibilidade ou im-
possibilidade de uma economia racional não é uma alterna-
tiva, mas aim uma questão de proporções. Todas as activi-
dades económicas são, em certa medida, tradicionais e, em
certa medida, racionais. Quando observamos o desenvolvi-
mento económico, registamos um grau crescente de racio-
nalidade. Lange tem razão quando afirma que os sucessivos
sistemas socioeconómicos permitem uma actividade econó-
mica cada vez mais racional *. O sujeito económico tem,
portanto, muito maiores possibilidades de actuar racional-
mente no capitalismo do que no feudalismo. A divisão das
actividades económicas em actividades tradicionais e activi-
dades racionais, tal como a estabelece Max Weber, tem de
situar-se dentro da categoria dos «tipos ideais», isto é,
extraídos da realidade, mas ampliados e simplificados a fim
de permitirem a análise ulterior dos conceitos que implicam.
Na prática coexistem elementos tradicionais e racionais
em toda a aetividade social concreta.
Ora, porque é que os sucessivos sistemas socioeconó-
micos reflectem uma actividade económica cada vez mais
racional? Quando se comparam o feudalismo e o capitalismo,
aduzem-se geralmente argumentos de dois tipos: 1) argu-
mentos de psicologia social: o «espírito capitalista», a apro-
vação social da eficiência e o lucro por oposição ao culto
das tradições e à estabilidade, etc; 2) argumentos relativos
ao mecanismo económico: o mercado e o preço, como «deno-
minador comum» de todos os elementos do cálculo, a conta-
bilidade por partilhas dobradas, ete. Observe-se que estes dois
tipos de argumentos se não excluem reciprocamente, de tal
modo que é possível defendê-los simultaneamente, e que os

159
desacordos entre os especialistas resultam, muitas vezes, do
grau de preferência concedido a um ou a outro grupo.
Se entendermos, porém, por «economia racional» a ten-
dência para conseguir o máximo de resultados com o mínimo
de meios, essa economia, para ser operante, exige: 1) que
o estado dos conhecimentos técnicos permita diversas solu-
ções para um problema; 2) que haja possibilidade de compa-
rar as soluções possíveis e de escolher a variante mais eco-
nómica. A nosso ver tem-se subestimado a importância do
primeiro requisito. A possibilidade de actuar racionalmente
será tanto maior, quanto maior for o número de variantes
de que se dispuser e maiores forem também as possi-
bilidades de comparação das mesmas. Mas o numero
da variantes efectivas depende do grau de avanço técnico
e das condições sociais, uma vez que, em determinado con-
texto social, algumas das variantes teoricamente válidas
não podem ser tidas em conta se, por exemplo, são interditas
pelo direito escrito ou consuetudinário. Neste sentido o capi-
talismo proporciona maiores possibilidades de «racionaliza-
ção» da actividade económica, uma vez que, ao favorecer o
desenvolvimento da ciência, amplia a gama de variantes
teoricamente aplicáveis e, ao aumentar a elasticidade social,
aumenta o número das variantes efectivas.
Mas, ao contrário do que alguns economistas pensam —
para os quais o mundo em que vivem é o único «natural»,
«livre», numa palavra, «o melhor dos mundos» —, as res-
trições da liberdade de opção entre as variantes teoricamente
válidas existem em todos os sistemas, sem excepção.
No capitalismo podem aplicar-se os progressos técnicos,
mas não se pode fazer comércio de escravos, nem empregá-
-los, apesar de poder ser extremamente rentável. No século
XVI acontecia precisamente o contrário. O proprietário de
uma manufactura com privilégio real, em regime de monar-
quia absoluta, tem o direito de empregar crianças sem quais-
quer restrições, mas não tem o direito de alterar o sortido
dos artigos que produz. No capitalismo, é o contrário que
acontece. A duração do dia de trabalho, de carácter tão
«tradicional» na época pré-capitalista, é efectivamente regu-
lada por factores não menos racionais do que no capitalismo.
No sistema capitalista pode recorrer-se a uma publicidade
obviamente falsa, do estilo de «o sabão X lava melhor», mas
é proibido anunciar um medicamento como remédio para
todas as enfermidades. No sistema feudal este último tipo
de publicidade é lícito, mas o artesão não tem o direito
de colocar sobre a sua porta um letreiro que difira do regu-

160
lamento para todas as oficinas do ramo. Hoje em dia, ao proi-
birem o comércio do ópio, todos os governos sabem que, a
partir desse momento, o comércio ilícito desse artigo vai
gerar lucros enormes, mas sabem também que a tendência
para o nivelamento das taxas de lucro não abrangerá esse
artigo, que não haverá transferência de capitais para esse
sector e que a força da opinião pública e da acção policial
serão suficientes para que o comércio do ópio seja relegado
para a margem da vida económica. O economista que não
hesita em qualificar de irracional, porque motivado por
razões não económicas, o luxo feudal ou a atitude do cam-
ponês dos nossos dias que compra um tractor por razões de
prestígio, considerará simultaneamente como muito racional
o facto de o representante comercial de uma companhia
norte-americana comprar todos os anos um automóvel do
último modelo. Quando num país capitalista um cartel fixa
um máximo de produção a cada empresa e um preço de venda
que todas devem respeitar, alguns economistas consideram
esse procedimento conforme com o princípio da racionali-
dade económica. Mas quando se trata de um procedimento
idêntico aplicado a um pequeno mercado urbano por um
grémio que agrupa os artesãos do mesmo ofício a , esses mes-
mos investigadores consideram que essa economia é tradi-
cional, que carece de liberdade e de racionalidade económica,
e que é portanto impossível construir uma teoria económica
de semelhante sistema. Repare-se no entanto que, se em
determinada situação se considera mais racional uma deci-
são que fixa o volume da produção e os preços a um nível
que garanta o lucro máximo, veremos que nem os cartéis,
nem os grémios atingem geralmente esse limite «racional»,
pois a sua liberdade de opção é travada por considerações
sociais, pela oposição de outros sectores da população, etc.
Em suma, os actos de opção económica realizaram-se
sempre, em todos os sistemas socioeconómicos. Mas esses
actos não se realizam nunca numa situação de «liberdade abso-
luta», ou seja, a opção nunca é determinada exclusivamente
por razões de cálculo económico. Os actos de opção económica
são sempre socialmente condicionados, têm carácter reiterati-
vo, manifestam determinadas regularidades entre as quais
existem determinadas relações. E se pudermos provar a exis-
tência dessas regularidades e dessas relações, poderemos ela-
borar uma teoria. O grau de racionalidade das decisões
económicas aumenta à medida que a economia se desenvolve,
uma vez que aumenta, em cada caso, o número de varian-
tes a escolher. Esse numero aumenta por acção de dois pro-

161
ceasos, ligados funcionalmente entre si; o progresso da ciên-
cia e o aumento da elasticidade da estrutura social.
Bica por discutir o problema da «mensurabilidade» e da
«comensurabilidade» dos elementos do cálculo económico
enquanto condição da sua racionalidade. Pretende-se que
essa possibilidade de «medir e comparar» só existe na prá-
tica quando há um preço, formado numa situação de livre
concorrência, para todos os tipos de produtos e de mão-de-
-obra, isto é, se verifica apenas no sistema capitalista.
O historiador pode dar também algum- contributo para
esta velha discussão.
Em primeiro lugar, temos de lembrar algo que é evi-
dente: o preço, como base do cálculo económico, para além
de todas as suas qualidades, apresenta também algumas defi-
ciências, tanto do ponto de vista dos interesses sociais,
como no que toca à decisão dos sujeitos económicos. Até no
capitalismo mais liberal, os direitos aduaneiros ou a diferen-
ciação nos impostos alteram os elementos do cálculo". Uma
nova tarifa alfandegária torna rentável uma produção que
até aí o não era, e vice-versa, ainda que nada tenha mudado
na esfera física, no mundo das coisas, na proporção entre o
produto e a soma de matéria prima, energia e trabalho utili-
zados. O fenómeno será ainda mais patente se passarmos
do capitalismo de livre concorrência ao capitalismo actual.
A limitação do crescimento quantitativo da produção agrí-
cola nos Estados Unidos e a manutenção artificial da massa
de pequenos armazenistas em França supõem a alteração
dos elementos de cálculo por efeito da luta política entre as
diferentes camadas sociais, obrigando — neste caso, os go-
vernos — a adoptar decisões completamente irracionais, se
entendermos por racionalidade o esforço para reduzir ao
mínimo os meios ou para maximalizar os resultados. As con-
dições criadas por decisões políticas obrigam os agricultores
norte-americanos e os armazenistas franceses a fazer
opções que são racionais se se lhes aplicar o critério mone-
tário, mas são manifestamente irracionais do ponto de vista
do princípio do «mínimo de meios e máximo de resultados»,
inclusive à escala da empresa. E, finalmente, não podemos
esquecer que o nível geral dos preços, e sobretudo as propor-
ções entre eles, se modificam no decurso do ciclo conjun-
tural. Essas modificações podem tornar rentável uma pro-
dução que até aí o não era, e vice-versa, apesar de nada
ter mudado no cálculo físico dos meios e dos resultados.
Os preços de mercado, como denominador comum de todos
os elementos que entram na produção, por um lado, e dos

162
resultados da produção, por outro, constituem portanto
um mecanismo muito imperfeito, obrigando por vezes os
diferentes grupos de sujeitos económicos a tomar decisões
manifestamente irracionais. Apesar disso ninguém ousará
negar a possibilidade de uma actividade económica racional
no sistema capitalista, se essa racionalidade — repitamo-lo
— for entendida não em termos de alternativa, mas como
uma questão de proporções; não como uma racionalidade
perfeita ou absoluta, mas relativa, histórica; maior no capi-
talismo do que a que era possível na época feudal, menor
em comparação com as possibilidades proporcionadas pelo
sistema socialista.
Em segundo lugar, não é certo que todas as decisões
económicas do capitalismo se baseiem em elementos mensu-
ráveis ou comensuráveis, por outras palavras, em elemen-
tos que se possam medir em dinheiro. Esta afirmação apli-
casse principalmente às decisões que dizem respeito à distri-
buição do rendimento nacional entre o consumo e a acumu-
lação. Uma investigação sociológica poderia talvez definir
as condições em que aumenta nos possuidores de capital
a tendência para o investir, e as condições em que se mani-
festa a tendência para o transformar em capital de consumo,
quais são as camadas da classe abastada do capitalismo que
manifestam maior inclinação para o consumo, e quais as que
preferem a colocação de capitais (em igualdade de circuns-
tâncias e ao mesmo nível de receitas, o indivíduo das profis-
sões liberais revela uma maior inclinação para o consumo, e
o pequeno-burguês para a colocação do capital; a classe
média polaca de antes da guerra inclinava-se menos para
investir o seu dinheiro do que a classe correspondente
em França, etc.). No entanto, essas decisões, fortemente
influenciadas por factores sociais — decisões que reve-
lam grandes regularidades e que por isso podem ser-
vir de base à elaboração de uma teoria —, são toma-
das na ausência de denominador comum monetário. Ne-
nhum denominador comum pode servir de base para deci-
dir «objectivamente» se o dinheiro disponível será inves-
tido numa viagem de lazer, na compra de um casaco de
peles para a esposa, na aquisição de valores, ou se há-de ser
depositado num banco. O camponês feudal pode igualmente,
num ano de boa colheita, vender o cereal excedente no mer-
cado, gastando o dinheiro que recebeu na taberna ou na
compra de tecido para o vestido de noiva da sua filha, mas
pode também utilizar esse cereal por exemplo para a criação
de aves. Insistamos uma vez mais em que estas decisões,

163
socialmente condicionadas, apresentam regularidades eviden-
tes, que se repetem quando se repete um determinado con-
junto de circunstâncias, e que é, portanto, possível investi-
gá-las e incorporá-las na teoria, embora não utilizando o
método de redução de todos os elementos a um denominador
comum. E repare-se bem que estamos a falar de um grupo
de decisões económicas extraordinariamente importante, tal-
vez o mais importante do ponto de vista da dinâmica de
longo prazo.
E, finalmente, falta também o denominador comum
monetário para um outro grupo de decisões económicas não
menos importantes, dado que condicionam o volume global
do rendimento nacional. Referimo-nos às decisões referentes
à divisão da soma do tempo da vida humana em work e
leisure (trabalho e ócio). Sombart, numa frase que se tornou
célebre, definiu a psicologia pré-capitalista, por oposição à
capitalista, como aquela em que man wwtschafteí} atrbeite,
wm ou leben, nicht lébe vim za wirischaften, zu arbeiten
(o homem produz e trabalha para viver, e não vive para
produzir e trabalhar). O artesão da época dos grémios não
dedica ao trabalho todo o tempo em que poderia produzir.
Participa em numerosas festividades, descansa, por vezes
põe simplesmente o trabalho de lado, faz numerosas pausas
durante o dia de trabalho, etc. Exactamente a mesma atitude
para com o trabalho produtivo que muitos economistas
observam nos países subdesenvolvidos dos nossos dias. Dei-
xemos para mais tarde o problema de saber se o comporta-
mento desse artesão não seria racional também segundo crité-
rios capitalistas, se haveria comprador para o par de sapatos
suplementar que pudesse produzir, se se não tratava de uma
forma de «desocupação parcial forçada», e se esse artesão
não trabalharia mais quando tinha mais encomendas. O que
nos interessa neste momento é o facto de que também no
sistema capitalista de hoje, se aumentássemos a duração
da semana de trabalho, se baixássemos o mínimo de idade
legalmente necessário para trabalhar como assalariado, se
aumentássemos o limite da idade exigida para a reforma,
etc, todas essas quantidades adicionais de trabalho pode-
riam ser racionalmente aproveitadas e produzir resultados
de maior valor do que os meios investidos para os obter.
Se isso se não faz, é devido a decisões de ordem social, mais
ou menos democraticamente adoptadas. Essas decisões limi-
tam de modo considerável a dimensão do rendimento nacio-
nal, tratando-se como se trata de decisões económicas de
importância fundamental. Mas essas decisões também não

164
aão fruto do acaso, regem-se por numerosas «leis» cuja
existência é possível comprovar. Não se lhes pode negar
racionalidade, prestam-se à investigação e podem ser intro-
duzidas numa construção teórica e, contudo, não assentam
num denominador comum monetário.
Temos pois que o principal factor que determina o limite
superior do rendimento nacional exequível em determina-
das condições e o principal factor da distribuição desse rendi-
mento entre o consumo e a acumulação também não podem
ser avaliados em dinheiro no sistema capitalista.
A própria existência de um preço de mercado, inclusive
em sociedades altamente comercializadas, não é a única base
para toda uma série de decisões económicas. O cálculo dos
custos de alguns sectores da produção camponesa orienta-
dos para o consumo interno da exploração, se avaliarmos a
preço de mercado o trabalho, as matérias-primas e os pro-
dutos, conduzirá muitas vezes à conclusão de que esse sector
funciona irracionalmente. O erro reside em não se ter tido
na devida conta que essa produção se baseia noutros ele-
mentos de cálculo, e que nem por isso esse cálculo deixa de
ser racional, ou é menos racional do que um cálculo baseado
nos preços de mercado '. Muito pelo contrário. Tem-se gene-
ralizado ultimamente em muitos países um fenómeno a que
em França se chama bricaiage e nos países anglo-saxóni-
cos, â&it-yourself: os membros da família executam os
trabalhos de conservação da sua própria casa, de reparação
de todo o tipo de aparelhos electromecânicos, dedieam-se
à jardinagem, etc. Na origem desse fenómeno estão razões
económicas profundas: por um lado, a produção em massa
de peças sobressalentes e de ferramentas baratas, por outro,
a carestia dos serviços. Mas a decisão de pintar a casa por
conta própria, em vez de recorrer aos serviços de um pintor,
não pode avaliar-se com base num denominador comum mone-
tário. O trabalho realizado por pessoas que não são do ofício
exige geralmente uma maior quantidade de mão-de-obra e
muitas vezes também de matéria-prima. Calculado a preços
de mercado, esse trabalho será quase sempre irracional. E
no entanto, não é esse o caso.
A actividade económica será tanto mais racional, quanto
maior for a gama de variantes teoricamente conhecidas e
praticamente aplicáveis, entre as quais possa escolher quem
toma uma decisão económica. A amplitude dessa gama
depende dos fenómenos sociais, de factores inter-relaciona>-
dos, tais como o desenvolvimento da ciência, a elasticidade
da sociedade e a sua capacidade para assimilar as inovações.

165
Nenhum desses factores equivale a zero em época nenhuma,
nem nenhum deles é ilimitado. Compete à análise económica
constatar até que ponto são racionais as opções económicas
numa dada época e país, e se as condições vigentes na socie-
dade estudada favorecem ou não o desenvolvimento dessa
racionalidade. Trata-se naturalmente de uma racionalidade
metodológica e não objectiva 8, isto é, do que é racional do
ponto de vista da soma de conhecimentos do sujeito inter-
veniente (técnicas que conheça e saiba aplicar, etc). O uso
do critério de racionalidade objectiva — em que o racional
corresponde ao nosso conhecimento da matéria — conduz
a conclusões extremamente anacrónicas. E, no entanto, é
uma atitude frequente entre os historiadores. Korzon (conhe-
cido investigador polaco, 1839-1918) sabia melhor que Ty-
zenhaus como é que este deveria ter fundado manufacturas
em pleno séc.XVTII,e observava que só a falta de verdadeiro
saber tinha provocado a decadência dessas fábricas; o pró-
prio Rostow sabe melhor do que os empresários ingleses
da época da revolução industrial em que ramos da produção
deveriam ter investido os seus capitais B. Mas por este cami-
nho não se podem fazer grandes progressos.
Também no sistema feudal se manifestam constantemen-
te actos de opção económica de massa, socialmente determina-
dos ; esses actos orientam-se no mesmo sentido dentro de cada
camada social, repetindo-se quando se repete um certo con-
junto de circunstâncias. Mais ainda: é possível apreender o
sentido e a escala dessas decisões em termos quantitativos,
mesmo quando são tomadas sem se basearem num denomi-
nador comum monetário, tal como nós próprios procedemos
várias vezes no decurso desta obra.
Ao dizer tudo isto não estamos de modo algum a menos-
prezar o significado da falta desse «denominador comum».
O presente modelo assenta, na sua totalidade, na tese de
que o carácter bi-sectorial da actividade económica define
essencialmente o comportamento dos sujeitos económicos,
e que os actos de opção desses sujeitos se regem por critérios
diferentes conforme se referem ao sector monetário ou ao
sector «natural». O proprietário do domínio feudal poderia
realmente saber se a sua actividade económica era, a longo
prasso, ruinosa? A resposta não é tão evidente como parece.
Quando a envergadura da «degradação» dos bens já era
grande, era fácil convencer-ge. E quando a degradação
dos recursos do domínio ainda era imperceptível ou
estava no começo? Os historiadores da economia tentaram
dar uma resposta negativa a esta pergunta 10 . Pessoal-

166
mente, e como se depreende das considerações anteriores,
inclinar-me-ia a dar uma resposta positiva, se bem que o
problema seja difícil e exija investigações especiais. A
análise da documentação existente relativa aos numerosos
pleitos entre os grandes proprietários de terras e os seus
rendeiros em torno da «degradação» das propriedades, como
também a análise das «instruções» e contratos de arren-
damento que tinham por objectivo prevenir essa degra-
dação, poderiam fornecer-nos alguns dados importantes.
Da leitura de muitos documentos desse género resulta a
impressão de que o critério mais frequentemente aplicado
para verificar a degradação era o da «diminuição do número
de almas», da «dispersão dos camponeses», ete. Ê um critério
sensato, «racional», baseado numa compreensão correcta
do facto de que o número de camponeses servos constitui
o fundamento da rentabilidade do domínio, mas é ao mesmo
tempo um critério tosco, pouco sensível: só revela o pro-
cesso quando a destruição dos recursos já está bastante
adiantada.
Não é menos complicado o problema que implica uma
pergunta análoga formulada a respeito da actividade econó-
mica do camponês; não menos complicado, e muito menos
bem documentado. Mas investigações recentes, levadas a
cabo em condições mais difíceis, sobre a economia campo-
nesa dos povos primitivos — que podem servir os nossos
propósitos como uma espécie de «caso extremo» — infundem
optimismo quanto à capacidade cognitiva da ciência".
O factor que condiciona a possibilidade de elaborar uma
teoria relativa a uma dada categoria de fenómenos sociais
é o carácter socialmente determinado dos actos humanos, que
faz que esses actos se produzam em massa, obedeçam à
mesma orientação dentro dos limites de uma determinada
estrutura social, e das diferentes camadas sociais, e que se
repitam, em condições iguais, dentro de determinados limi-
tes temporais e espaciais. E como este conjunto de factores
se manifesta em todas as sociedades, é possível construir,
para cada uma delas (desde que se disponha de documenta-
ção suficiente), uma teoria mais ou menos ampla, de maior
ou menor envergadura.

167
Capitulo VII

«SISTEMA ECONÓMICO» E «TEORIA DE UM SISTEMA


ECONÓMICO»

Estudámos, nos capítulos anteriores, o mecanismo de


funcionamento da economia polaca do século XVI ao século
XV111. Por isso consideramos o presente trabalho como uma
contribuição para a teoria económica do sistema feudal.
Não é possível elaborar construções teóricas quando os fenó-
menos se não repetem. A ciência histórica tradicional negava,
em princípio, que os fenómenos se repetissem.
Defendemos, noutro trabalho', a tendência que procura
realçar a especificidade do conhecimento histórico dentro do
conjunto das ciências sociais. Os historiadores tradiciona-
listas exageravam essa especificidade, simplesmente porque
estavam pouco familiarizados com ciências como a Economia
ou a Sociologia. Os fenómenos sociais não se reproduzem
efectivamente se os considerarmos superficialmente, de um
ponto de vista descritivo. Cada uma das crises que se veri-
fica no sistema capitalista é, efectivamente, «diferente»,
«única». O que não impede que se possa formular uma teoria
das crises capitalistas, generalizando os elementos que se
repetem em cada uma delas.
Para precisar melhor a nossa tese, tentemos «saltar»
meio século, situando-nos, por exemplo, na sexta década
do século XIX, na Polónia ! . Encontramo-nos ainda no
mundo feudal, mas que diferença!

1) Até aos fins do século XVIII, a actividade económica


da nobreza tem como regra inquebrantável evitar a todo o
custo os gastos monetários. No século XIX, a nobreza começa
169
a tentar investir o máximo de dinheiro na produção, ainda
que tenha de pedi-lo emprestado.
2) Até aos fins do século XVIII, o valor da propriedade
rural é, em princípio, proporcional à superfície. O mesmo
se pode dizer em relação à produção. No século XIX, o valor
de um domínio depende muito mais dos investimentos que
nele tenham sido realizados do que da superfície. Vendendo-
-se uma parte da terra e investindo-se o dinheiro na parte
restante, aumenta-se o valor da propriedade, operação inau-
dita até aos fins do século XVIII.
3} Até aos fins do século XVIII, os camponeses tentam
fugir, enquanto os senhores procuram — na medida das
suas possibilidades — perseguir os fugitivos. No século XIX,
pelo contrário, regista-se o fenómeno dos «desalojamentos»:
o camponês agarra-se à sua pequena porção de terra, en-
quanto o senhor tenta expulsá-lo.
4) Até aos fins do século XVIII, a nobreza procura
impor limites à diferenciação do camponês do ponto de
vista da sua condição económica; o nobre precisa natural-
mente de explorações maiores e mais pequenas (não dize-
mos «mais ricas» e «mais pobres» para não induzirmos
em erro), mas não demasiado grandes nem demasiado peque-
nas. No século XIX, quando a diferenciação do campesinato
se começa a manifestar com uma certa intensidade, o senhor
intervém no sentido de fomentar esse processo. Oferece
condições mais favoráveis aos camponeses ricos, que pedem
acolher-se ao regime enfitêutico, desalojando, por outro lado,
os camponeses pobres, que não têm outro remédio senão
transferír-se para os «czworaki» (barracas para jornaleiros),
comprometendo-se em contrapartida a trabalhar para o
senhor sempre que precise deles,
5) Até fins do século XVIII, a mão-de-obra assalariada
na Polónia é relativamente cara. Chegámos a esta conclusão
por diferentes vias. A opinião dos polacos contemporâneos
não pode servir de prova, pois a classe dominante queixa-se
sempre e em toda a parte da carestia da mão-de-obra. Têm
muito mais força probatória as opiniões dos estrangeiros que
trabalham na Polónia, por exemplo, os chefes das manu-
facturas 5 . A comparação entre os salários e os artigos de
consumo popular na Polónia e em países economicamente
mais avançados dessa época tem, neste ponto, importância
decisiva. Na Polónia do séculoXIX,tal como em qualquer país
economicamente atrasado, a mão-de-obra assalariada come-
ça a ser visivelmente mais barata do que nos países mais
desenvolvidos.

170
6) Até aos fins do século XVIII, os magnates alimen-
tam e empregam centenas ou milhares de nobres empobre-
cidos. No século XIX já não precisam deles. Precisam, sim,
de agrónomos e de engenheiros. A maioria da nobreza «su-
pérflua» continua ao serviço da mesma classe, mas indirecta-
mente, por exemplo, ocupando cargos na administração
pública. Uma parte reduzida dessa pequena nobreza passa-se
para as fileiras dos que lutam pela independência nacional
e pela revolução «social».
7) Até aos fins do século XVIII, as receitas, tanto
do nobre como do camponês, são determinadas (a curto
prazo, era igualdade de todas as outras condições) pela
colheita. No século XIX, a influência dos fenómenos de mer-
cado, principalmente da oscilação dos preços dentro do
ciclo conjuntural é, por vezes, muito mais forte do que
a influência da colheita..
8) Até aos fins do século XVIII, nem a economia do
domínio nem a economia camponesa incorrem no risco de
uma falência no sentido estritamente económico do termo,
isto é, um estado de insolvência devido a um erro no cálculo
económico ou à alteração dos elementos deste último. Quando
algum domínio ou exploração camponesa se arruina nessa
época, a causa fundamental situa-se na esfera dos fenóme-
nos não económicos. No século XIX, as falências são um
fenómeno normal.
9) Até aos fins do século XVHI, os preços oscilam em
sentido contrário à oscilação do rendimento nacional. Sob
este ponto de vista, os fenómenos de mercado constituem,
em certa medida, um factor moderador na vida económica.
As receitas da exploração agrícola (tanto do latifúndio
como do minifúndio) denotam, na sua expressão monetária,
uma menor amplitude de oscilação do que a receita na sua
expressão física. No século XIX a situação é diametralmente
oposta.
10) Até aos fins do século XVIII, os anos de baixa de
preços são anos de rendimento nacional elevado e, por con-
seguinte, anos «bons». No século XIX dá-se o contrário.

Poderíamos continuar indefinidamente esta enumera-


ção das diferenças entre os dois períodos, mas contentar-
-nos-emos com os pontos que referimos.
Quando ocorreram mudanças tão profundas? Por in-
fluência de que factores externos e internos? Por que ordem
ocorreram? Quais delas apareceram antes, e quais apare-
ceram depois? Como datá-las?
171
Não estamos ainda em condições de responder a todas
essas perguntas, que constituem um campo de eleição para
a investigação futura. Mas não é isso o que nos interessa
neste momento. O objecto do nosso interesse é o próprio
conceito de sistema económico e de teoria do seu funcio-
namento.
As relações que estudámos ao longo deste livro mani-
festam-se de forma sistemática, isto é, reproduzem-se durante
um período bastante dilatado. Essas relações aparecem liga-
das entre si. Constituem um sistema económico. Deixemos
para uma investigação ulterior a questão de quando apare-
cem essas relações e quando cedem o lugar a outras. A sua
estreita interdependência permite-nos, no entanto, supor
que — apesar de não aparecerem nem desaparecerem todas
no mesmo dia — o seu aparecimento e desaparecimento se dá
num lapso de tempo relativamente curto, e até muito curto, se
o compararmos com o extenso período durante o qual se
manifestam. Neste sentido, o funcionamento da economia
polaca no ano de 1780, por exemplo, está mais próximo
dos fenómenos do ano de 1580 do que dos do ano de 1850 —
para não falarmos já do de 1880! —, pois num dado momento
situado entre 1780 e 1850 deu-se uma viragem cuja localiza-
ção no tempo se pode verificar empiricamente. Donde se
pode concluir que conceitos como o de «sistema económico»
e «periodização da história económica» não foram introdu-
zidos de fora na investigação histórica, mas antes constituem
entidades empíricas: síntese do conhecimento científico
actual e instrumento do saber futuro*.
Sistema económico é um conjunto de relações económicas
internamente ligadas, que precisamente por estarem ligadas
surgem mais ou menos simultaneamente, e também quase
simultaneamente cedem o lugar a outras relações. O apareci-
mento e o desaparecimento dessas relações, que se podem
datar empiricamente, permitem definir os limites cronoló-
gicos de um sistema económico. A construção de uma teoria
de um sistema económico consiste em definir (mais
uma vez empiricamente) o conjunto mais rico possível
de relações que nele aparecem e em explicar os nexos recí-
procos existentes entre essas relações.
Estas mesmas teses podem formular-se noutros termos.
A criação de uma teoria de uma formação económica con-
siste em elaborar um sistema de equações reciprocamente
ligadas. Estas equações devem incluir parâmetros, variáveis
independentes e variáveis dependentes. Conhecendo os parâ-
metros e elaborando as equações, podemos averiguar como

172
mudarão as variáveis dependentes em função de cada variá-
vel independente escolhida. E claro que o funcionamento de
uma formação económica, devido aos seus efeitos acumula-
tivos, produz uma alteração gradual dos parâmetros. Con-
vém acrescentar que um tal sistema de equações (uma tal
teoria) só será aplicável enquanto os parâmetros não varia-
rem, ou antes, enquanto variarem num grau tão reduzido
que as equações continuem a ser correctas.
A variação dos parâmetros pode também ser introdu-
zida, por sua vez, no sistema de equações, o que significaria
a etapa seguinte da investigação. Se se trata de uma varia-
ção não vectorial, teremos uma situação apropriada para
aplicar a teoria dos jogos. Se se trata, pelo contrário, de
uma variação vectorial (ou seja, acumulativa), enriquecere-
mos simplesmente o nosso sistema de equações.
Mas como os parâmetros variam sempre — ainda que
nunca se repita nenhum conjunto de elementos característi-
cos de uma dada situação económica — o problema está em
que o modelo construído seja suficientemente elástico para
resistir a essa variação.
Por exemplo, se no modelo de funcionamento da econo-
mia polaca dos séculos XVI a XVTII apresentado não tiver-
mos em conta a possibilidade de utilizar o capital de crédito
na produção agrícola — a taxa de juro do crédito monetário
supera, nessa época, a rentabilidade dos bens de raiz—, e
ainda que ambas as grandezas variem com o tempo, não
nos interessa que a razão entre elas seja de 7 para 4; de 8
para 5; de 8,5 para 4,5, etc. Os consumos podem ser muito
variados, mas neste aspecto o modelo é elástico, e resiste
à variação em grande escala. Esse mesmo modelo inclui,
porém, a tendência para a baixa da taxa de juro, actuante
a longo prazo, permanecendo relativamente estável a renta-
bilidade dos bens de raiz. Por conseguinte, ambos os
«vectores», a taxa de juro e a rentabilidade, têm de se inter-
sectar (a intersecção produziu-se realmente, mas creio que
não antes da fundação da Sociedade de Crédito Rural, em
1825). 33 esse o limite a partir do qual o modelo deixa de ser
aplicável. Nesse momento o modelo desmorona-se, pois a
variação dos parâmetros ultrapassou o limite da sua elasti-
cidade. Para investigar o período seguinte tem de se cons-
truir outro modelo.
No nosso modelo, para darmos um outro exemplo, admi-
te-se a hipótese de que o domínio feudal não seria rentável
se se apoiasse no trabalho assalariado, apesar de quase
todos os domínios o utilizarem, ainda que em pequena

173
escala. Mas este modelo inclui também a tese de que,
apesar dos esforços da nobreza, os camponeses devem
manifestar, em certas ocasiões, a «tendência para a fuga».
Enquanto a população «não adscrita» for pouco numerosa,
o trabalho assalariado será caro e não haverá a certeza de
o conseguir no momento oportuno e na quantidade necessá-
ria. Mas quando surge o mercado do trabalho (a despeito
dos esforços conscientes da nobreza, mas como consequência
dos seus actos não intencionais), os dados do modelo mudam
radicalmente: a mão-de-obra torna-se barata e acessível
em qualquer momento, e a economia do domínio pode por-
tanto apoiar-se daí em diante no trabalho assalariado. PÕe-se
assim aos proprietários de explorações agrícolas uma possi-
bilidade de opção, cuja ausência tínhamos incorporado no
modelo. O modelo desmorona-se, e tem de se construir outro.
Quando se desmorona violentamente o regime insti-
tucional, a maioria dos parâmetros deixa também quase
instantaneamente de ser válida.
Ao formularmos estas reflexões aflorámos, embora de
outro ponto de vista, o tão discutido problema da periodi-
zação da história económica. Quanto a este problema, são
duas as atitudes geralmente adoptadas: os realistas defen-
dem que uma boa periodização deve reflectir as divisões
que se produzem efectivamente, no devir histórico, entre os
sistemas; os «convencionalistas» consideram que toda a
periodização, ainda que indispensável devido às limitações
das nossas faculdades intelectuais e para facilitar a exposi-
ção, constitui virtualmente uma violação da realidade, que é,
na sua essência, um fluxo contínuo, ininterrupto, de trans-
formações s .
Tentemos abordar o problema de uma forma sensata.
Ê indiscutível que os fenómenos económicos estão sujei-
tos a uma variação permanente, contínua. Também não creio
que possa constituir motivo de controvérsia o facto de essa
variação ser incoerente e oscilante no que se refere a certos
elementos e dentro de determinados limites, enquanto nou-
tros elementos está orientada em determinada direcção e é
cumulativa. Esse carácter direccional e cumulativo só se
torna geralmente visível nas investigações a longo prazo,
enquanto nas investigações a curto prazo predominam
as variações oscilantes. Finalmente, podemos arriscar uma
generalização, a saber, que nas sociedades pré-industriais
muitos índices económicos estão sujeitos a grandes oscila-
ções a curto prazo, e que são muito lentas as mudanças
de direcção do trema, enquanto na sociedade industrial

174
se passa o contrário: diminui a amplitude das oscilações de
curto prazo, e as mudanças do trend são mais tangíveis
e rápidas (por exemplo, os coeficientes demográficos, a pro-
dutividade da terra, etc.) ". Também não há dúvida de que
alguns elementos mudam mais rapidamente, enquanto outros
mudam lenta ou muito lentamente, e outros ainda se podem
considerar invariáveis (embora variem, e por vezes intensa-
mente, a curto prazo).
Assim, ao abordar-se, pela primeira vez, as fontes que
a vída económica do passado nos deixou, impõe-se natural-
mente uma impressão de infinita heterogeneidade e de uma
variação sem limites. «Fotografar» essa heterogeneidade e
essa variação tem constituído desde sempre o objectivo de
inúmeros trabalhos no campo da história económica, L'êvé-
nementiel predomina quantitativamente na história econó-
mica, tanto e às vezes mais ainda do que em qualquer outro
sector das ciências históricas. 33 certo que essas contribui-
ções empírico-descritivas foram talvez de maior utilidade
neste campo do que noutros, devido ao carácter de massa dos
fenómenos económicos e à enorme quantidade e dissemina-
ção territorial das fontes da história económica. Mas também
não há dúvida de que é tarefa inútil e, além do mais, irrea-
lizável cobrir o mapa-múndi com monografias de todas as
instituições, de todos os tempos e de todos os lugares.
32 missão da história económica compreender qual foi
o comportamento económico dos homens em diferentes
situações sociais. Desejamos conhecer o seu «comporta-
mento económico», através do qual — como seu efeito invo-
luntário e geralmente ignorado — surge um determinado
sistema de relações reproduzíveis («sistema económico»),
que condiciona, por sua vez, esse comportamento. Se um
modelo explica correctamente o funcionamento desse sistema,
o momento em que a variação dos parâmetros excede a elas-
ticidade conferida ao modelo, ou seja, o momento em que
este deixa de ser válido, indica ao mesmo tempo a linha
divisória de uma periodização real e não convencional.
Um bom modelo deverá explicar o funcionamento de uma
economia e a sua adaptação às variáveis independentes, so-
bretudo às que se repetem. Neste sentido, o modelo da eco-
nomia pré-industrial deve incluir uma explicação da adapta-
ção desta economia ao «ciclo das colheitas». Trata-se de um
exemplo clássico (que não tem, evidentemente, nada a ver
com o ciclo conjuntural capitalista, a não ser o facto de
ambos ss poderem reproduzir).

175
Mas os fenómenos «conjunturais» no sentido acima indi-
cado compreendem geralmente tanto elementos reversíveis
como elementos cumulativos.
O potencial produtivo dos recursos existentes na agri-
cultura, sobretudo o da terra, depois de um ou mais anos
de más colheitas, regressa geralmente ao nível anterior. Em
compensação, o processo de acumulação do rendimento, ace-
lerado em cada ano de má colheita — processo tão magis-
tralmente analisado por Labrousse para o caso da França
do século XVIII — é um exemplo de fenómeno cumulativo.
São-no igualmente a s mudanças que se verificam na estru-
tura da população camponesa: pauperizaçào de uma cate-
goria dessa população, consolidação económica de outras.
Ao analisarmos o modelo de funcionamento deste siste-
ma económico, devemos pois distinguir, no decurso da
investigação, os elementos reversíveis dos irreversíveis. Na
investigação de curto prazo, interessam-nos tanto uns como
outros. Na investigação de longo prazo, são principalmente
os elementos cumulativos que nos interessam. As tendências
constantes e o efeito acumulado dos fenómenos de tipo «con-
juntural» conduzem, em última análise, à mudança da estru-
tura. Como consequência, o modelo desmorona-se e o investi-
gador tem de construir outro: assim se comprova a exis-
tência efectiva do limite de um período. Pode bem dizer-se
que «a quantidade se transforma em qualidade».
Esta concepção implica, portanto, que o modelo ideal
deve conter em si mesmo elementos de autodestruição. Por
outras palavras: ao analisarmos o funcionamento de um
sistema económico, deveríamos poder dizer quais serão as
causas da sua queda, e quais serão — pelo menos em grandes
traços — os elementos essenciais do sistema que o substi-
tuirá. Tal como Marx, ao analisar o modelo de funciona-
mento do capitalismo, procurou descobrir os factores que
conduziriam à sua desagregação e esboçar as principais
características do sistema que iria surgir sobre as ruínas
do anterior.
Não há dúvida de que um modelo que incluísse elemen-
tos de autodestruição seria o mais elegante do ponto de vista
intelectual. Mas será sempre viável?
Detenhamo-nos por um momento nesta questão.
Em primeiro lugar, qualquer modelo deve conter certas
«entradas» e «saídas» que o relacionem com os sistemas
económicos coexistentes. Para voltarmos ao modelo da
economia polaca do século XVI ao séc. XVIII: é evidente que
este modelo contem uma «saída» muito importante ao adop-

176
tar a hipótese das possibilidades ilimitadas de exportação
de cereais polacos para a Europa ocidental. Como se sabe,
essas possibilidades foram interrompidas pelo bloqueio de-
clarado por Napoleão no ano de 1806, para não tornarem a
aparecer, por razões diversas. Os direitos alfandegários
que a Inglaterra impôs aos cereais, o papel cada vez mais
importante desempenhado pelos investimentos de capital
na produção agrícola, a concorrência do cereal russo e, final-
mente, a do cereal norte-americano: todos esses factores
fizeram que a situação existente nos séculos XVI-XVTII
se não voltasse a repetir. Essas mudanças eram natural-
mente imprevisíveis dentro do modelo. Mudaram os dados
exteriores ao modelo e, consequentemente, mudaram tam-
bém os dados do cálculo económico de todos os produtores
agrícolas comercializados, fato é, mudaram os dados que
condicionavam o comportamento económico. A partir deste
momento, o investigador tem de construir um novo modelo.
E não é o único exemplo de mudanças exteriores ao modelo
e capazes de o destruírem.
Mas também deparamos com dificuldades dentro do
próprio modelo.
Se o funcionamento do sistema se explica pela sua estru-
tura, isso acontece precisamente porque cada sistema econó-
mico é uma estrutura, um conjunto coerente, em que cada
elemento existe em função de todos os outros. Mais U serait
contraire à Vévidence de pretendre — diz com razão
Marczweski — que toutes Zes variables du système ainsi
conçu soni entièremente dMermmées par le système". Pode-
ria citar-se a propósito uma frase igualmente sugestiva de
C. Lévi-Strauss: «Dizer que toda a sociedade funciona é uma
banalidade. Mas dizer que tudo funciona na sociedade é um
absurdo».
Se por acaso não incluirmos na construção do modelo
alguns elementos económicos ou extraeeonómicos essen-
ciais para o funcionamento do sistema, dar-nos-emos conta
dessa omissão ao comparar o modelo criado com a realidade.
Nesse caso, o modelo não a explicará. Mas quantas vezes ele-
mentos que são insignificantes enquanto o sistema funciona,
se tornam essenciais no período de transformação de um sis-
tema noutro! Aqui torna-se necessária a creatwe response
de Schumpeter. Os homens, com a sua actividade espontâ-
nea, construíram o sistema, e serão também eles a destruí-lo.
Mas quando e como o destruirão... é o que só parcialmente
se pode deduzir do sistema analisado.
177
No princípio deste capítulo enumerámos, em dez pontos
— formulados talvez de um modo demasiado categórico—,
as diferenças, a nosso ver essenciais, entre o modelo da eco-
nomia polaca apresentado neste livro, e o modelo que vis-
lumbramos para a economia do reino da Polónia no período
de 1820-1860. Que aconteceu entretanto?
Entretanto, certos elementos inerentes ao modelo, ao
actuarem cumulativamente, forçaram o limite da sua elasti-
cidade. Por exemplo, a taxa de juro do crédito monetário bai-
xou até ao nível da rentabilidade dos bens de raiz. A mobilida-
de mais ou menos ilegal da população culminou, na prática, no
aparecimento de um mercado de trabalho no agro. A luta
mais ou menos legal dos camponeses para conquistarem o
acesso ao mercado deu origem à formação gradual de um
mercado do pequeno produtor agrícola.
Entretanto, e por outro lado, a independência do país
esteve em perigo, houve uma luta para a sua defesa, suce-
deram-se as partilhas, as guerras napoleónicas, mudanças
institucionais de fundo (introdução da hipoteca, uma política
fiscal severa, abolição da servidão no Ducado de Varsó-
via, e t c ) .
Entretanto, e talvez o mais importante, fora do sistema
investigado ocorreu a revolução industrial. No exterior sur-
giu um sistema poderoso, expansionista, sem rival aparente.
Um efeito secundário desse acontecimento foi a diminuição
brusca e duradoira das possibilidades de exportação dos
frutos da terra da Polónia.
Os economistas admitem que, por vezes, não é possível
relacionar duas cadeias temporais sucessivas, quando há
entre elas uma grande «descontinuidade estrutural». Será
este o caso?
0 modelo que apresentámos foi criticado, por uns, por
ser um modelo que não conduz a lado algum, por não se
lobrigar nele a acumulação dos elementos do sistema que
havia de substituí-lo °; outros elogiaram-no exactamente pela
mesma razão 10 .
A pergunta anterior poderia formular-se de outra manei-
ra: o modelo apresentado, caso tivesse funcionado durante
mais tempo, teria provocado por si só o aparecimento do capi-
talismo e da revolução industrial? Os elementos do modelo
sugerido para os anos de 1820-1860, esboçados neste capítulo,
implicam justamente um sistema em que se processa uma
acumulação e que conduz ao capitalismo. Mas será lógico
passar do nosso modelo a um modelo de acumulação do

178
capital? Ou talvez que o nosso modelo não conduza realmente
a lado algum!
Ou, de outra forma: o capitalismo e a civilização indus-
trial, que surgiram em Inglaterra, teriam surgido esponta-
neamente em qualquer outro lado e sem a pressão cada
vez mais ampla e forte de um capitalismo que tinha apare-
cido antes?
Como isso nunca aconteceu, nunca poderemos dar uma
resposta empiricamente fundada. O sistema aqui analisado
foi criado pelos homens, pelos seus repetidos comportamentos
e reacções. Uma vez criado, governou-os durante muito tem-
po. Como sistema cheio de contradições internas, produziu, a
longo prazo, uma série de 'efeitos imprevistos, e até contrá-
rios à sua essência. As mais importantes dessas contradi-
ções são as contradições de classe. O sistema, ao dominar os
homens, despertou o espírito de rebelião contra ele próprio.
Se o nosso modelo compreende realmente factores que,
acumulando-se, poderiam levar à destruição do sistema, creio
que o mais importante foram os actos incoerentes, espontâ-
neos, mas orientados sempre na mesma direcção — uma vez
que eram determinados pela mesma situação de classe —, das
massas camponesas disseminadas por centenas de milhares
de quilómetros quadrados: a sabotagem do trabalho obriga-
tório, as fugas, a sua luta para entrar em contacto com o
mercado. Actos tacitamente incluídos no modelo, que se des-
prendem logicamente da sua estrutura e que ao mesmo tempo
vão cortando, uma a uma, as suas raízes. Se falta realmente
algum parâmetro essencial no nosso modelo, é o incomen-
surável «coeficiente da paciência humana» ou o «coeficiente
do espírito humano de rebelião».
Não voltemos as costas — podemos repetir com C, Lévi-
-Strauss " — à natureza humana, quando, para apurarmos
certas constantes, substituímos os dados da experiência por
modelos, sobre os quais efectuamos operações abstractas,
como o matemático com as suas equações. 'Censuraram-no-lo
por mais de uma vez. Mas... quem é do ofício... sabe como é
grande a fidelidade à realidade concreta paga pela liber-
dade que se dá para sobrevoá-la por breves instantes».

179
N O T A S

CAPITULO I

1
F. Engels, Anti-Dãhring.
a
Orientam-se neste sentido os trabalhos de A. Malewski, de
modo particular «Empiryczny sens teorii materialízmu historycznego»
(«O sentido empírico da teoria do materialismo histórico»), Studía Filo-
zoficssne, 1957. N.° 2, pp. 58-81.
' Isto deve-se ao facto de Marx só ter estudado os elementos
do sistema feudal que lhe eram necessários para investigar o processo
de desenvolvimento do capitalismo. Of. V. Lenine, Quem são os «amigos
do povo» e como lutam contra os sociais-democratas.
* W. Kula, ftozvyaeania o historií (Reflexões sobbre a história),
Varsóvia, 1958, p. 34-36.
o Na Polónia compreendeu-o perfeitamente J. Rutkowski. «Czy
potraebna jest teoria ekonomiczna ustroju feudalnego?» {«Será neces-
sária uma teoria económica do sistema feudal?»), Sprawosd. Foz. TPN
1934, l.« semestre, pp. 44-52.
a Quanto aos problemas metodológicos relacionados com o estudo
comparado da economia dos países subdesenvolvidos da nossa época
e da economia das fases anteriores de desenvolvimento dos países
actualmente avançados, cf. W. Kula, Problemy i metody historli gos-
poderczej (Problemas e métodos da história económica), Varsóvia,
1963, pp. 717-28.
' M. Bloch, La société fêoãale, t. I : La formation des liens de
dépendance, t. H : Les classes et ie gouvememsnt des hommes, Paris,
1939-1940.
s) R. Coulborn, ed. Feudalism iw History, prefácio de A. L.
Kroeber, Princeton, 1956. Contribuições de J. R. Strayer (Europa
Ocidental), E. O. Reischauer (Japão), D. Eodde (China), B. C. Brun-
dage (Mesopotâmia Antiga e Irão), W. F . Edgerton (Egipto Antigo),
D. Thorner (Índia), E. H. Kantorowicz (Bizâncio), M. Szeftel (Rússia)
e A Oompa-rative Stwãy of Feudalism de R. Coulborn. Cf. resenha desta
obra, de O. Lattimore, em Past anã Present, n.° 12, Nov. 1957,
pp. 48-57.
» Omito aqui, por ser alheia ao tema, a análise destas «leis»,
que náo podem evidentemente ser defendidas nem do ponto de vista da
lógica, nem por razões de fundo. A dei fundamental do socialismos,

181
por exemplo, nada nos diz sobre o que deve necessariamente aparecer
num sistema socialista, mas apresenta-se sob a forma de um postulado,
i« Independentemente desta discussão, os problemas da econo-
mia feudal foram tratados em quase todos os manuais económicos sovié-
ticos {p. ex,, K. V. Ostrovitianov, Introdução à economia dos sisfemns
pré-ca-pitalistas, ou Economia Política, Manual). Mas o que
•encontramos nesses manuais não c uma teoria económica do sistema
feudal, é uma síntese superficial da história económica, do feudalismo.
Esta maneira de evitar generalizações teóricas e de as substituir pela
história (concepção deformada do historicismo do método marxista)
era tão evidente (e não só no que se refere aos problemas do feuda-
lismo), que o próprio Es.aline censurou este fenómeno em Problemas
económicos do Socialismo na URSS.
n A questão da «lei fundamental» 6 hoje objecto de amplo
debate nos círculos científicos soviéticos, L, Leontév («Reminiscências
do passado e eloquência da realidade», Ekono-micheskaia Gazeta, n.u 16,
20-IX-1961) pronuncia-sç categoricamente contra esse conceito. Mas
também tem os seus defensores (p. ex., L Jermakov «Sobre as leis
económicas do socialismos, ibiã., 19-11-1962). Na Polõtiia, a concepção
de «leis económicas fundamentais» foi defendida por Oskar Lange.
is Problema específico nesta matéria são as afirmações referen-
tes às economias comercializadas, que abrangem também os sistemas
pré-capitalistas, tia medida cm que a comercialização neles intervém.
Adiante voltaremos a esta questão.
>' Quanto ao conceito de «excedente», <tf. P. Earan, Ehonomia
politycsno, wzrostu (em espanhol Economia política- dsl cr?cimienio,
FCE, México, 1959, p. 25 e seguintes).

CAPITULO II

i A elaboração do presente ensaio teria sido impossível sem a


ajuda e o conselho de inúmeros colegas. O autor deseja agradecer
de modo particular ao Prof. S:anislaw Hoszowski por ter posto ã sua
disposição os resultados dos seus estudos sobre os preços dos cereais
em Poznan; ao Prof. Henryk Greniewski e ao Lie. Erunon Górecki,
pelos seus conselhos e pela elaboração de numerosos cálculos; aos
professores Stanislaw Arnold, Maria Bogucka, Bronislaw Geremek,
Aleksander Gieysztor, Oskar Lange, Janina Leskíeváczowa, Marian
Malowist, Antoni Maczak, Henryk Samsonowicz, Andrzej Wyczó.nskí e
Benedykt Zientara, por terem lido a primeira versão deste trabalho e
pelas observações que fizeram. Fera and Eraudel, Camille-Ernest
Labrousse, Jean Meuvret e Mlchel Postan, com observações críticas
feitas no decurso de reuniões de trabalho efectuadas na École Pratique
des Flautes Studcs, ajudaram igualmente o autor a aprofundar, em mais
de um aspecto, a análise aqui apresentada. Muito me ajudou também
o Dr. Jerzy Jedlicki.
2 Cito segundo A. Sapori eEsame di coscienzía de uno storicoa,
Università degli S'udi di Napoli, Istituto di Storia Económica e Socla-
le, Annali I, Nápoles, 1950, p. 6.
8
W. A. Lewis, Eflonomic Development with Vnlimited Supplies
of Làbour, Manchester School, Maio 1954, pp. 139-191 e, do mesmo
autor, Theory of Economic Grc-wth, Londres, 1955.

182
4
Empregamos aqui o termo snatural» à falta de outro melhor.
São muito interessantes aa associações mentais de ordem sociológica
que deram origem a esse termo destinado a designar & economia não
comercializada.
5 P. T. Bauer, «Lewis Theory of Economic Growth. A Review
Articles, American. Economic Review, XLVI 1856, 4, pp. 632-641.
* W. Moore. Inãustrialization and Labour, Ithaca, 1951, Cf. Tam-
bém M. Meier e R. E. Baldwin, Economic Development Theory, Ilistory,
Policy, Nova Iorque 1957, p. 295 e sega., W. Kula «Recherches compara-
tives sur la formation de la classe ouvrière, em Première Con-
férence Internationale d'Histoire économique, Estocolmo, 1980, pp.
511-523. O fenómeno d a coexistência d e uma população livre numerosa
e da falta de mão-de-obra na indústria é o tema principal da obra
de N. Assorodobraj, Poczatki klasy robotiiicsej (Os ermeços ãa clisse
operária»), Varsóvia, 1946.
' J. H. Boeke, Economics and Economic Policy of Dual Socieíies,
Haarlcm, 1953. Encontramos também nos trabalhos de D. Thornev
muitas e valiosas observações críticas e objecções à teoria cia economia
dualista concebida desta maneira.
s P. T. Bauer, loc. cit.
:
' C. Wolf J., «Institutions and Economic Development*, Ame-
rican Economic Review, XLV, 1955, 5, p. 877.
i° F. Mauro, «Pour une théorie du capitalismie commercial»,
Viertsljahrschrift fiir Soeial-und Wirtschaftsgeschichte, XLH, 1955,
pp. 117-121, e do mesmo autor «Théorie économique et histoire économi-
que», RechercJies et Dialogues Philosophiques et Sconomiqu-es, IV
(Cahiers de 1'Institut de Science Économique Appliquée, nr. 79), Paris,
1959, pp. 45-75.
ii F. Mauro, «Théorie économique...», p. 47.
>« IUd., p. 59.

CAPITULO III

i Acerca da aplicabilidade do conceito de «empresa» à época


pré-capitalista, cf. W. Kula, Problemy t metody historii gospoãarczej
(Problemas e •métodos da história económica), cap. «Mikroanaliza I».
2 R. Zubyk, «Gospodarstwo folwarczna z Itoncem XVIII w.»
(«Economia do domínio senhorial nos fins do s. XVIII»), in Studia z
historii spotecsinej i gospodarezej póswiecone prof. dr. Franciszkowi
Bujdkowi, Lvov, 1931, p. 227-261.
a
O problema da função do dinheiro no consumo corrente da
pequena e média nobreza terratenente foi objecto de uma disputa entre
Korzon e Smolenski. Este último impugnou a generalização de Korzon
de que «o domínio alimentava e vestia [o nobre] praticamente sem
despesas em dinheiros. Smolenski cita, em apoio da sua crítica, dados
extraídos das contas domésticas da família de Tomasz Lecki, senhor
de Unislawice, aldeia de uma vintena de fogos camponeses da comarca
de Wloklawek, de 1792 a 1795. Essa família — trata-se de uma família
numerosa — gasiou, durante os três anos referidos, 14.200 zlotys em
dinheiro, Dado que esta soma inclui 4.300 zlotys pagoa em dotes às

183
irmãs, o resultado é de 3.EM zlotys por ano destinados ao consumo.
Infelizmente Smolenskl nâo refere pormenorizadamente os gastos, Indi-
cando apenas que, no ano de 1793, se gastaram 433 zlotys 27 grosz
na «comida e outras necessidades vitais» e 2861 zlotys e 3 grosz
em vestuário, remuneração dos criados, impostos e utensílios de tra-
balho. Uma vez que os impostos e os utensílios dificilmente podem
conslderar-se como despesas de consumo, os dados de Smolenski não
são muito concludentes. (W. Smolenskl, «Z dziejów wewne.rznych
Polski za króla Stanislawa Augusta» («Da história interna da Polónia
durante o reinado de Estaníslau Augusto»), em Piama Historyczne
(Escritos históricos), t. / , Cracóvia 1901, pp. 22-29, publicados pela
primeira vez em zAteneumx, nos anos de 1883, 1884 e 1887.)
Korzon cita também, seguindo J. S. Dembowski (O podatktnvaniu
(Dos impostos), Cracóvia, 1791) as despesas médias de um nobre
sem mulher nem filhos, que vive na cidade e cuja receita ê de 500
zlotys. Essa3 despesas distríbuem-se anualmente d a seguinte forma:
Carne: bois, vitelos, aves 418 zl. 22,5 gr.
Cerveja 48 zl.
Vinhos, café, açúcar, especiarias 475 zl. 6 gr.
Sebo 174 zl.
Roupa branca, vestuário, calçado 1032 zl.
Tabaco 84 zl.
Lavadeira, cozinheiro, criado, cocheiro 1672 zl.
Total 3895 zl. 28,5 gr.
(T. Korzon, Weumetrzne Apieje (História interna da Polónia durante
o reinado de Estaníslau Augusto), T. II, p. 104). As despesas que se
fazem quase sempre em dinheiro, quer a pessoa viva na cidade, quer
no campo, ou seja, vinhos, -especiarias, tabaco, vestuário e calçado,
representam aqui apenas 1.591 zl. 6 gr. (40% do total), mas a pessoa
que vive no campo consome certamente menos artigos deste tipo.
Quando se vive na cidade, mais ruinosa é a remuneração dos criados
(43% do total), coisa que no campo não provoca geralmente despesas
em dinheiro.
Finalmente Jarosz Kutasinski (da obra de F . S. Jezierski) diz
de um pequeno nobre de Podlasie que este «depois de comprar ferro,
ferramentas agrícolas, sapatos e sal, estavs livre de todo o gasto
doméstico» («Jarosza KutaslnSkiego herbu Deboróg, szlachica lu-
kowskiego uwagi nad stanem nieslachekim w Polszcze, 1790» («Obser-
vações de Jarosz Kutasinski da linhagem de Deboróg, nobre da região
de Luków, sobre o estado não nobre da Polónia»), em F. S. Jezierzkl,
Wybór Pism (Obras escolhidas), ed. Z. Skwarczynski, Varsóvia, 1952,
p. 87). Dos gastos de consumo propriamente ditos temos aqui apenas
o calçado e o sal. ít certo que o autor quer desenhar o retrato de uma
exploração rural primitiva de um pequeno nobre de província.
O carácter «naturais da economia do domínio senhorial aparece
a cada passo. Quando lemos as «instruções» ou a correspondência da
época relativa às questões económicas, deparamos continuamente com
esta regra suprema da boa administração dos bens: evitar as despesas
em dinheiro. Quando se lêem os inventários tem-se por vezes a impressão
de que se t r a t a de uma verdadeira obsessão, especialmente ao obser-
var-se a minúcia com que se registam os gonzos enferrujados ou
«um pouco estragados» das portas (W. Kula, Szkice o manufakturach
(Ensaios sobre as manufacturas), pp. 70-71). «Cada objecto que se
tem de pagar em dinheiro—diz Baranowski referindo-se à nobreza,
se bem que sie trate de uma região pobre como a de Podlasie, no

184
século XVI —adquire um valor especial; os nobres não hesitam em
provocar um processo judicial ou em apelar para o rei por causa de
doía machados ou de um fato de tecido vermelho, por «xemplo» (I T.
Baranowski, «Podlasíe w przededniu Unii Lubelskiejs («A região de
Podiasie em vésperas da União de Lublin»), in Przgglad Hi&torycznv
VII, pp. 53-54).
1
Por casualidade, conhecemos a história ulterior da família
do proprietário; pelas memórias de seu filho, que se conservaram,
sabemos que veio a ser bastante rico. M. Smarzewski, PamielnHa,
1809-1831 (Memórias, 1809-1831), Wroclaw 1962, p. VIU, 21, 130.
o Os números citados implicam que, ao fim de quatro anos
aproximadamente, o proprietário podia comprar uma quarta proprie-
dade do mesmo valor que Moczerady. Seria realmente assim? Que
aconteceria se todos os médios proprietários rurais pudessem aumentar
as suas propriedades a um ritmo semelhante? Mesmo que se excluam
os que eram eliminados devido a catástrofes e a cataclismos, que não
eram menos raros, os preços da terra teriam de aumentar rapidamente.
Iníelizmente o nosso conhecimento da flutuação dos preços da terra
na Polónia antiga é muito limitado.
» PuczynsM, que investigou a história destas mesmas proprie-
dades durante as três décadas seguintes, chegou a conclusões aná-
logas. B. Fuczynski, «Gospodarstwo folwarczne z pocz. XDÍ w. na
podstawie lcsiegi rachunkowej Smarzewskich z Moczerad, 1798-1828»
(«O domínio senhorial nos princípios do século XIX, com base no
livro de contas dos Smarzewsld de Moczerady, 1798-1828»), Roczniki
dzlejow spolecznyck i gospodarceych, IV, 1935, pp. 71-104.
* Fréderic Mauro obteve recentemente resultados análogos:
Le Portugal et 1'Atlantique au IV siècle, 1570-1670, Paris, 1960, prin-
cipalmente p. 213 e aegs.
8 Torzewski, Rozmowa, o sztukach robieiáa szMa, palenia
potassów i topienia seíasa...., w Beréyczowie, w Fortecy N. M. P. na
przywitejem J. K. M. Roku 1785 («Discurso sobre a arte de fazer
vidro, calcinar potassa e fundir o ferro... em Berdyczõw, na fortaleza
de Nossa Senhora, com privilégio de S. M-, no ano de 1785»).
» Cf. W. Kula, Bzkicp o manufakturach.. (Ensaios sobre as
manufacturas), Varsóvia, 1956, pp. 210-211.
i" Como o sugeriu C. E. Labrousse numa discussão que teve
comigo em Paris.
" J. RuEkowsfci, Radania naã podzialem dochodów w Polsce
csasach nowossytnych (Investigações sobre a distribuição das receitas
na Polónia na Idade Moderna), t. I., pp. 66-68.
12 J. RutkowsKi (ibid., p. 68) opõe-se, e com toda a razão, a que
o cálculo económico da grande propriedade se baseie na avaliação dos
bens móveis e imóveis; ainda que tal fosse possível, «obteríamos núme-
ros totalmente alheios às condições vigentes na época, alheios à men-
talidade dos homens que organizavam a vida económica nessa época e,
portanto, sem qualquer influência sobre o curso da vida económica».
A tese é justa, ainda que a argumentação tenha em conta um aspecto
apenas do problema.
is W. Kula, Szkice o manufacturach... op. cit., pp. 309-310,
443-148.
i* Rutkowski afirma que os preços elevados da mão-de-obra
assalariada limitaram a sua utilização em certas propriedades da
Ucrânia ocidental; Zabko-Potopowicz analisa um fenómeno análogo
nas terras lituanas (J. Rutliowski, Studia z dstejtft) wsi polskiej XVI-
-XVIII w>. (Estudos sobre a história do campo polaco nos séculos

185
"•• J. Kryaanowski, Maãrej glovAe dose dioie slowie (Ao sábio
bastam duas palavras), 2 tomos. Varsóvia, 1960, passim.
ae Lenine define as explorações dos camponeses feudais e semi-
-feudais como um salário em espécie, uma vez que a função dessas
explorações era a de proporcionar o produto suficiente para permitir
a reprodução da capacidade produtiva do camponês. V. Lenine,
Quem são os amigos do povof, e também O conteúdo económico do
populismo. Marx raciocina da mesma maneira tem O Capital, edição
francesa, Paris, 1967, t. I, p. 210, t. I, 3, p. 11.
« De momento abstraio das prestações em dinheiro (que,
apesar de não serem grandes, constituem um problema Importante),
que existiam até no regime mais absoluto de prestações pessoais.
ss No que se refere à influência niveladora da servidão sobre
o campesinato, vide V. Lenine, O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia.
ao K. Marx, O Capital, cit-, t. III, p. 171. Gostomski (op. cif.,
p. 21) diz a este respeito, no século XVT: «...e ao aldeão deve pro-
porcionar-se uma tal quantidade de terra, que em bom ano o bom
lavrador não compre pão». E nos anos de má colheita?
Quase duzentos anos mais cedo, Kluk dtz-nos também: «Ao servo
deve conceder-se a terra necessária para que possa alimentar-se sufi-
cientemente, à mulher e aos filhos, e .para que tenha com que
atender às necessidades Indispensáveis da sua casa e campo, ou
para que tenha as coisas indispensáveis nesse lugar, a saber, pasto,
lenha, madeira para os utensílios, etc». (K. Kluk, op. cit., p. 85). E
o que nos diz nos fins do século XVIII um autor favorável aos canv-
poneses.
*° Lenine, op. cit., p. 58. Se bem que, como é evidente, a repro-
dução ampliada não esteja em contradição com o feudalismo. K. Marx,
O Capital, op. cit., I, 3, p. 39.
*> V. Lenine, op. cit., p. 190; K. Marx, O Capital, cit., t- III, 3
p. 170 e segs.
« K. Marx, O Capital, cit., t. III, 3. pp. 173-174; V. Lenine,
O conteúdo económico do populismo.
** Fenómeno típico do antigo domínio polaco. Mickiewicz, que
tinha emigrado, pergunta, em meados do século XIX, se esse fenómeno
subsiste ainda na Polónia. Sobre o desaparecimento das «cortes
feudais» como sintoma típico dos começos do capitalismo, cf. K. Marx,
O Capital, clt-, t, I, 3, p. 158.
« Tentei demonstrar esta orientação da politica económica
da grande propriedade com numerosos exemplos referentes aos inves-
timentos nas manufacturas, no meu livro Safcice o manufakturach...,
clt. Este fenómeno manlfesta-se praticamente da mesma maneira, e
talvez de forma mais acentuada ainda, nos investimentos agrícolas.
*fi Com algumas excepções. Por exemplo, os esforços dos pro-
prietários dos domínios médios para levar directamente os seus produ-
tos a Gdansk. Os grandes proprietários de terras, como classe social,
tinham ainda uma outra oportunidade de influir sobre este facior,
impondo as chamadas tarifas de voivodia. Mas no que toca a cada
domínio particular, trata-se de um factor externo, de uma variável
independente, sobre a qual o domínio não tem qualquer influência.
*« J. Majewskl, op. cit., pp. 352-353.
*' Ibid., pp. 236-237.
43
A. Gostomski, op. cit., pp. 45-46.
*• A. Gostomski (op. cit., p. 72) formula a seguinte indicação
dirigida aos proprietários de terras: «Cada um deve procurar chegar

188
primeiro a Gdansk na Primavera»; mas, d e a c o r d o c o m 0 c a r f c t e p
da sua obra, este conselho é tipicamente «microecoaómico» • cada miai
deve empenhar-se, mas não o podem fazer todos.
50 A ciência não apreciou até agora devidamente a importân-
cia deste fenómeno, por uma razão muito simples: dispomos de um
enorme número de séries contínuas de pregos e de poucas séries con-
tínuas de dados sobre a produção. Esta dificuldade não se faz apenas
sentir no que se refere à Polónia.
" O facto de a aveia ser um cereal praticamente subtraído à
comercialização é confirmado, a cada passo, pela análise da economia
do domínio feudal. Podemos citar, a titulo de exemplo, os dados refe-
rentes a uma propriedade dos domínios dos Lanc&oronski em Wodzis-
law, perto de Kielce (I. V. Sozln, «K. voprosu o tovarnosti pomesclc
ego chozjajstva juznoj casti Poll'sy v 70-90 gg. XVUIv.», em Ucenye
Zopisfci Instituía Slavjanovedenija, XX, 1960, p. 112-158). Por outro
lado, quase nos sentimos tentados a atribuir à malícia das fontes o
facto de estarmos relativamente melhor informados no tocante ao
cereal menos comercializado. O que não é, porém, de esiranhar. Os
municípios, de cujos registos os Investigadores de Lvov extraíram
dados relativamente homogéneos sobre os preços, tinham cavalariças
e precisavam, portanto, de comprar aveia. Podemos atribuir a uma
ironia semelhante do destino a falta de dados sobre os preços do trigo
em Gdansk. Também nada ha aqui de estranho. Nos hospitais de
Gdansb, cujos livros de contas foram fontes muito abundantes de
dados, não se alimentavam os doentes com trigo.
ca O. Dange, Ekouomia palítyczna, t. I, «Zagadnl'snia ogólne>,
Varsóvia, 1959, pp. 58-63.
63 M . Confino procura Interpretar o problema dentro desta
perspectiva: «La comptabilité des domaines prives en Russie dans la
seconde moitié du X V m - e siècle d'après les «Travaux d e la soclété
libre d'économie» de St. Pettersbourg», Revue d/hlstoire modeme et
contemporains, VIII, 1961, pp. 5-34.
M K. Marx, O Capitai, cit, t. I, 1, p. 145 e t. III, 3, pp. 177-178.
55 Discutiu-se e continua a discutir-se se se deve pôr o problema
do «âmbito da liberdade de opçãoa, principalmente na investigação
histórica. Mas é praticamente impossível fazer história económica
sem pôr esse problema (apesar de ser raramente formulado!), dado
que toda a actividade económica consiste igualmente, ou mesmo exclu-
sivamente, em realizar actos de escolha. A nosso ver, a liberdade de
opção económica entre diversas variantes é um estado no qual
as probabilidades de escolha da variante A, E ou C não são de 100:
0 : 0 ou de 98 : 1 : 1, mas antes de 33 : 33 : 33. O «âmbito da liberdade
de opção» é justamente o grau em que as probabilidades de opção
de cada uma das variantes se afastam de 100, por um lado, e de 0 por
outro. No caso de a probabilidade ser igual a 100, trata-se de uma
necessidade absoluta, e no caso de ser igual a 0, da impossibilidade
de optar por essa variante. Nas invesligações históricas a resposta
é dada pela estatística (sempre que se disponham de fontes satisfa-
tórias). A estatística indica-nos a percentagem dos casos em que a
referida opção se torna efectiva. O homem só está sujeito à lei dos
grandes números na esfera da sua vontade, da sua liberdade de
escolha. Veja-se a este respeito W. Kula, Problemy í metody historii
gospoãarcsej, op. cit., capítulo «Slatystyka historiyezna», e ainda
C. Morazé, «Trois essais sur 1'histoire et la culture», Càhiers des
Annales, Paris, 1948, cap. II. Segundo M. Postan, em Inglaterra,

189
j á no século x n i o grande proprietário de terras fazia cálculos
para saber se era mais rentável organizar a produção da pro-
priedade por conta própria ou entregá-la em arrendamento aos cam-
poneses.
5u Os trabalhos de A. Chayanov ajudaram-me muito a compreen-
der a economia da exploração camponesa pré-capitalista: Die Lekre
von der bãuerlichen Wirtschaft, Berlim, 1923; e «Zur Frage einer
Theorie der nichtkapitalistischen Wirtschaftssysteme» Archiv fúr
Sotzialwi&senschaften uni PoiitUe, 1924, Band 51, Heft 3.
" Quanto a o facto de que, em regime de servidão, o que influi
sobre o nível de vida do camponês não é tanto a exíensão da sua par-
cela, como antes a quantidade de encargos que pesam sobre ele,
cf. V. Lenine, 0 conteúdo económico do populismo. No que ss refere
ao facto de as grandes explorações só superarem as pequenas em
regime de economia de mercado,ibid. Quanto ao facío de que, na Investi-
gação da estrutura do agro feudal ou semifeudal, é mais importante
o critério económico do que o jurídico, cf. V. Lenine, Quem são os
«amigos do povo» f
os Bartlomiej DzieikonsM, Zasady o rolnicPwie rékodeielach i
handlu... (1790), {«Postulados sobre a agricultura, as manufacturas
e o comércio.,.»). Este mesmo autor censura, no seu estilo muito expres-
sivo, os proprietários de domínios que, depois de terem colocado os
seus servos para lá do «limite fisiológico», se vêem obrigados a aju-
dá-los: «Não convém ao bem público reduzir primeiro à pobreza todos
os camponeses estabelecidos nas terras do senhor, para depois os
socorrer com víveres» (Materialy do dzi.ijów Sejmu Gzteroletniego
(Fontes para a Jiisfdri* da Dieta Quadrienal), I, Wroclaw, 1955,
pp. 509 e 511).
es J. Blenlarzówna, O chlopskie prawa, Szkice a dziejów wsi
malopoWeiej («Pelos direitos do campesinato. Ensaios sobre a liis orla
do campesinato na Polónia meridional»), Cracóvia 1954, pp. 229-262.
Klonowicz (1583) admlra-se com a perfeição das técnicas arcaicas
ulllizadas na Ucrânia ocidental, que permitem aos camponeses fabricar
de tudo (ferramentas, veículos, etc.) sem recorrer ao ferro (S. F.
Klonowicz Zyemie Czerwonej Rusi (As terras ãa Ruténia Vermelha),
trad. de W. Syrokomla, Vílnius, 1851, pp. 29-32) o que permite concluir
que já nessa época, a sUuação era diferente nas regiões etnicamente
polacas. Mas na Lituânia, Cox (1788) «admirava-se ainda de como
eram reduzidas as necessidades do camponês lituano: carros sem ferro,
rédeas e arreios de líber ou de raminhos entrançados, um único ma-
chado para todos os trabalhos — tanto os de carpinteiro, como os de
carroceiro — camisa e calças de linho, abafo de pele de carneiro para
o Inverno, socos, casas quase sem móveis, e, no casario em que
passaram a última noite antes de vollar para Borysów, os viajantes
encontraram uma única caçarola furada, em que cozinharam a ceia»,
T. Korzon, Wewnetmne dzteje..., cit-, t. II, p. 101.
eo Torzewsfkt, op. cit., p. 7.
oi Blerniarzówna, op. cit., p. 244.
«a Ibid., p. 259.
83
W. Kula, Problemy i metody Matorii goQpodarczej, cit. cap.
Metrologia historyczrux (Metrologia histórica).
"* Sobre a abertura clandestina de clareiras nos bosques pelos
camponeses, vide W. Kula. Szlcice o manufaktwrach., cit.
65
Ibid., pp. 312-313. Desempenhavam uma função económica
análoga nos países da Europa Ocidental os direitos de herança pagos
ao senhor, costume muito menos divulgado na Polónia. Também nesse

190
caso o senhor se apropriava do aumento do valor da exploração cam-
ponesa, produzido pelo trabalho de uma geração,
*i Chayanov tratou este tema no locante à economia camponesa
na Rússia czarista. Os contemporâneos sabiam-no também perfeita-
mente. Um au;or anónimo (Pawlilcowski?) diz, em 1788, que «se os
filhos do camponês chegarem por um acasc surpreendente à Idade
adulta, só então ele vê melhorar a sua situação, dado que tem
mais braços para o trabalho. Mas quando não tem filhos ou quando
morrem, espera-o uma vida e uma morte de fome». («Dos servos pola-
cos», Materialy do dsàej ow Sejmu Czteroletniego, clt., p. 25). Este autor
afirma decididamente que o balanço da mão-de-obra da exploração
camponesa é negalivo. «De maneira que — diz ele — seria melhor que
os senhores dessem menos terra aos camponeses, deixando-lhes em troca
mais tempo para a lavrar» (p. 25). E mais adiante: «Que género de
homens escolhem os senhores para servos? Aqueles que têm filhos
adultos, pois de outra maneira, trabalhando a dois com duas juntas
de bois durante a semana, não lhes sobraria tempo para trabalharem
para si mesmos... Aquele que não tem filhos tem de manL-er peões.
E quanto não custa um peão!... Os filhos perdoar-lhe-iam a penúria,
mas o peão reclamará o que lhe é devido no tempo oportuno. B geral-
mente, depois do pai morrer, os filhos, como não querem piorar a sua
situação, vivem juntos, ainda que a terra seja pouca, e juntos a tra-
balham, pois de contrário empobreceriam...» (p. 26). Outro autor
escreve algo de semelhante em 1790: «O camponês estabelecido com os
seus filhos, todos juntos... desde que sejam numerosos, ainda que não
sejam muito fortes, cultivará melhor a t e r r a e colherá mais do que
o que estiver sozinho, sem ajuda nem auxílio de outros braços». (Mie
wszyscy blodxa, Rossmowa Bartka s panem rzecz cala objasm... («Nem
todos erram. A prática entne Bartek e o seu senhor explica tudo»).
Materialy... cit., 351.) E justamente por esta razão qua as «instruções
para os domínios de Ros (1773) mandam os capatazes estabelecer,
pela força, nas explorações abandonadas jovens ajuizados, separando
os filhos dos país e os irmãos que vivam no mesmo lar». Instrukcjc...
I, p. 438.
•'i Este é um dos muitos exemplos possíveis. Nas «instruções»
redigidas pelo administrador dos bens -da família Zamoyski (1800)
lemos: «Quanto à medição das terras camponesas, deve começar
pelas aldeias onde seja possível encontrar mais tarras conquistadas
ã floresta» (InstrvJccjc... cit, II, p. 51).
es Supondo naturalmente que o volume das prestações era
invariável — sobretudo no tocante ao trabalho obrigatório —, uma vez
que são elas que decidem da possibilidade do camponês obter exceden-
tes. (K. Marx. O Capital, cit., t. III. 3, .p. 173).
os W. Kula, Szkice o maniifaJctwacH..., cit,, p. 714.
'° G. Miekwitz, KartellfwnJctionen der Ztínfte imã ihre Bedcu-
tung bei d?r Entstehwng der Zúnfte, Helsínquia. 1936; V. Lenine. O
desenvolvimento do capitalismo na Rússia, refere «a prosperidade
patriarca] do pequeno produtor industrial, assente na sua condição
de monopolista de facto».
" K. Marx, O Capital, t IH, 3, p. 180.
« V. Lenine, As características do romantismo económico.
" R, Rybarski, Handel i polityka handlowa Poísfci w XVI stuleçiu
(O comércio e a políUca comercial da Polónia no século XVI), t. I,
pp. 250-251, Varsóvia, 1958,
74 Daí o seu maior interesse pelas tarifas nos períodos de inflação
ou de carestia devida às guerras, v. na primeira e na sétima décadas

191
do s. XVIII, Cf. S. Hoszowski, Ceny w>e hwowie v>. I. 1701-iSíi (Os
preços em Lvov, 1701-1914), Lvov, 1934, p. 112.
" S. Hoszowski, op. cit., pp. 112 e 117.
ia No ano de 1764 ou de 1772. S. Hoszowski, op. oit., p. 113.
i7 S. Hoszowski, Ceny toe Ltvmoie w XVI i XVII w). («Os preços
em Lvov nos séculos XVI e XVII»), Lvov, 1928, p. 29; e, do mesmo
autor, Ceny w Warszawie w. I. 1701-19$$, p. 111; J. Pele, Ceny w
Krakowie w l. 1369-1600 («Os preços em Cracóvia, 1369-1600), Lvov,
1935, p. 45; B. Tomaszewski, Ceny w KrOkowie w. I. 1601-1795 («Os
preços em Cracóvia, 1601-1793»), Lvov, 1934, pp. 28 e 33; W.
Adamczyk, Ceny tu WarszavAe w XVI i XVII w. («Os preços iem Var-
sóvia, séculos XVI e XVII>), Lvov, 1938, p. 46; S. Siegel, Ceny w
Warszawie v> l. 1701-1815 («Os preços em Varsóvia, 1701-1815») Lvov,
1936, pp. 27-28; R Rybarski, op. oit., p. 256.
" E. Tomaszewski, op. oit., p. 28; S. Siegel, op. cit., p. 29.
ia W. Adamczyk, Ceny v> Lublinie od XVI do XVIII w. («Os
preços em Lublin, do s, XVI ao XVIU»), Lvov, 1935, p. 11.
ao A. SzelagowSki, Pieniadz i przewrót cen w XVI i XVII
w. w PoUce («O dinheiro e a revolução dos preços na Polónia nos sécu-
los XVI e XVII»), Lvov, 1902, p. 211.
si R. Rybarski, op. cit., p. 260.
sã S. Siegel, op. cit., p. 277.
as Ibid., p. 29.
6i Ibid., p. 34.
es Assinalado por J. Wisnlewski na sua resenha das obras de
Furtak e Siegel, Ekanomista, 1937, cad. I, pp. 92-97.
»o S. Siegel, op. cit, p. 33.
B7 Ibiã.
es T. Erecinski, Prawo pnsemyaUnoe miasta Poanania w XVIII w.
(«A legislação industrial da cidade de Poznan no século X v m > ) ,
Poznan, 1934, p. 720.
sfl J. RutkowsJd, Historia gospodareza Polski {História econó-
mica da Polónia), t. I, 3.* ed., Poznan, 1947, p. 165.
eo Com base nos volumes publicados pela «Escola de Bujak»
podem ealeular-se aproximadamente os preços por «ano de colheita»,
tomando os dados relativos aos quarto, primeiro, segundo e .terceiro
trimestres de dois anos consecutivos.
*' O íenómeno, apesar d« indiscutível, não deixa de ser sur-
preendente. Na Alemanha da mesma época os preços, nas diferentes
províncias, flutuam, por vezes, em direcççfies diversas (como o indicam
os dados de M. J. Elsas, Umriss einer Geschichte der Preise und
Lijhne MI Deutschland, S vol., Leiden, 1936-1949; coníirmou-mo também
em conversa o Prof. Kuczynski). í: de pôr a hipótese de que a unifor-
mização dos preços nos mercados das grandes cidades, que conhecemos
graças às publicações de Bujak, coexiste com uma diferenciação dos
preços (que desconhecemos) nos pequenos mercados locais. Contradi-
zem, no entanto, esta hipótese os resultados obtidos por Helena Madu-
rowicz Urbanska no seu trabalho Ceny zbóe tu zachodniej Malopolsce
to drugiezlowie XVIII w. («Os preços dos cereais na Polónia ao «uaoeste
na segunda metade do século XVIII»), Varsóvia, 1963. fi certo que os
preços estudados pela autora se referem unicamente a localidades
situadas junto do Vistula e dos seus afluentes. De qualquer maneira,
o grau de uniformidade dos preços constatado pela autora é surpreen-
dente. Ao fazer a recensão desta obra, dei-tne ao cuidado de calcular
a correlação «ntre os preços dos cereais em Andrychow, uma pequena
vila da Polónia meridional, e em Amesterdão. Obtive como resultado

192
uma correlação invulgarmente elevada. A esta mesma questão se refe-
riu recentemente I. Rychlikowa, «Niektore sagadnienia metodyczne
w badaniach een y rynku w drugíej polowíe XVHI w. tia podsta-
wie rynku pazenlcznego w Malopolsce» («Alguns problemaa metodológi-
cos das investigações doa preços e do mercado na segunda metade do
século XVHt, a partir do mercado do trigo na Polónia meridional),
em Kwartainik HiatorH Kuitttry Materidtnej, XII, 1964, p. 375 e se-
guintes.
BÍ J. Wisniewskí, op. cít.
ss Dizemos «podia ser> e não «era», uma vez que o assunto
não está completamente esclarecido, especialmente â lua das observa-
ções feitas na nota. A tese sobre a correlação dos preços como prova da
existência de vínculos de mercado foi contestada ultimamente por
I. Rycnlikowa n a sua obra citada. A autora recorda (loc. cií., 382-333)
que sobre os preçoa actuam factores de índole diversa, nomeada-
mente: 1) Os factores que denotam tendências evolutivas, como a ten-
dência para a inflação, o crescimento da população, as alterações na
estrutura da alimentação; 2) Os factores que, pela sua índole, não
podem expressar-se sob a forma de coeficientes estatísticos, factores
«anormais» como as guerras e as epidemias; 3) Os factores de flu-
tuação dos preços a curto prazo, como a colheita, a oferta, a capa-
cidade de absorção do mercado. Se oa factores dos grupos 1 e 2 actuam
simultaneamente em duas regiões afastadas uma da outra, podemos
obter uma correlação elevada de preços sem que isso prove a e>ds-
tência de ligações entre os dois mercados. A autora propõe-se explicar,
por este processo, a correlação surpreendente e misteriosa exisiente
entre o movimento dos preços nas pequenas localidades da Polónia
meridional e nos mercados holandeses. Os factores do grupo 1 podem
influir, quando muito, na formação de um «trend»; a autora ellminou-os
e a correlação subsiste, mesmo depois dessa eliminação. Mas os factores
do grupo 2 não deveriam, em absoluto, intervir simultaneamente ou
actuar no mesmo sentido noa dois mercados (muitas vezes, como
dissemos já, actuam mesmo em sentido oposto). O mistério continua
pois por elucidar. Temos de referir, por outro lado, que nos surpreende
a ausência de dois factores que são, a nosso ver, os mais importantes
na enumeração que a autora faz dos factores que influenciam, a longo
prazo, a formação dos preços: 1. As alterações do rendimento do tra-
balho, e sobretudo do rendimento relativo do trabalho (que provocam
uma queda relativa dos preços de alguns artigos e a alta de preços
de outros artigos); 2. As transformações sociais que provocam o incre-
mento da comercialização (na Polónia, por exemplo, o aumento da per-
centagem das terras senhoriais em detrimento das do campesinato,
ou o aumento das t e r r a s na posse d03 magnates à custa da pequena
nobreza).
»* T. Korzon, Wewnetrznp dzieje..., cit, 1.1, p. 339 e t. II, p. 122.
8» S. Hoszowskl, «Handel Gdanska w akresla XV-XVIII w.» («O
comércio de Gdansk do século XV ao X V m » ) , Zeszyty Wow-
kowe Wysszej Ssfeaíj/ Ekon&micznsjw Kràkaioie, n.° 11, Cracóvia
1960, p. 10. Digamos, de passagem, que Hoszowski baseia a sua suposi-
ção no facto de as exportações terem sido reduzidas a metade como
consequência da implantação pela Prússia doa direitos alfandegários.
Resta-nos dizer que essa base é discutível.
88 Esta suposição assenta na suspeita de que as «actas de inspec-
ção» registam um rendimento por grão {isto ê, produto global) infe-
rior ao que na realidade se obtinha, exagerando, em contrapartida, as
quantidades utilizadas para reprodução (sementeira, pensos, e t c ) .

193
Se as actas de inspecgâo registam um produto bruto=l00, e um con-
sumo de reprodução=30, isto é, um produto líquído=70, lentáo as ven-
tlas=50 representam 71% da produção líquida. Se, por outro lado, a
produção bruta efectiva foi igual a 20, então a produção liquida é
100 e as mesmas vendas=50 constituirão apenas 50% da produção
liquida.
o' Não estamos dispostos a defender -este coeficiente (10%) de
comercialização, que não pode ser provado .empiricamente. Não ê de
estranhar que tenha sido atacado ultimamente por demasiado baixo,
pelo m«nos no que se refere à segunda metade do século X V m (C.
Boblnska, «Zgoda i niezgoda a ekonomiczym modelem feudalizmu»
(«Acordo e desacordo com o modelo económico do feudalismo»),
Kwartalnik Hisíoi-j/caitj/, LXX, 1963, pp. 913-918). Mantemos, no en-
tanto, este coeficiente inalterado por duaa razões: 1. Não se t r a t a
aqui do coeficiente de comercialização em geral, mas apenas do coe-
ficiente de comercialização da produção cerealífera do camponês, numa
época (como já dissemos, e nisto esta de acordo a autora) em que o
principal esforço de comercialização do camponês incidia sobre as
hortaliças, a criação e, por vezes também, sobre os produtos artesa-
nais. 2, Ainda que estivéssemos de acordo com a autora da referida
crítica e supuséssemos que o índice de comercialização da produção
cerealífera do camponês era o dobro do que tínhamos admitido, elçvan-
do-se aos 20%, o que não é verosímil, nessa altura: a) o índice geral
de comercialização da agricultura polaca teria sofrido um aumento
de apenas alguns pontos, b) e em nada seria afectada a conclusão
sobre o papel importante da exportação na produção comercializada
da Polónia,
as Segundo WyczánsM, a exportação representava, nos princípios
da segunda metade do século XVI, cerca de 15% da produção comer-
cializada. (A. Wyczánski, intervenção na discussão da comunicação
de "W. Rusinski em VIII Powsesechny Zjazã Historykõw Potekich \vm
Congresso Geral de Historiadores Polacos), t. VI: Historia Go&po-
darcza (História Económica), Varsóvia, 1960, p- 157. P a r a emitir uma
opinião valida sobre o assunto, hã que aguardar que o autor publique
a totalidade das suas investigaç5es.
"» Obtivemos os dados sobre as colheitas a pai-tir dos quadros
de MajewSki, dividindo—para o domínio de Wilda—-a colheita de
trigo pela quantidade destinada à sementeira no ano anterior. Ora
isto não é exacto, u m a vez que se não produzia apenas trigo de
Inverno (sementeira outonal), mas não tínhamos outra alternativa.
i°° Estes dados íoram-me gentilmente cedidos pelo Professor
Hoszowski, a quem desejo exprimir aqui o meu mais sincero reconhe-
cimento.
i»i A aveia aqui incluída não é um artigo exportável, mas está
relacionada com os cereais exportáveis (trigo ou centeio), uma vez
que podia substituf-los no consumo dado o papel importante que
desempenhava na alimentação da época. De resto, o resultado obtido,
isto é, uma correlação elevada (excepto no ano de 1600), indica que é
admissível a inclusão do preço da aveia no nosso cálculo.
los Estes cálculos foram efectuados por Tadeusz Gruszkowski
na sua tese de licenciatura, redigida sob a minha orientação na Facul-
dade de Economia Politica da Universidade de Varsóvia. Destes dados
ressalta o papel determinante de Gdansk e o carácter peculiar do
mercado de Varsóvia. Será necessário retomar estas questões numa
outra ocasião.

194
N.B.—Tivemos de recorrer aos preços do centeio, uma vez que
não dispúnhamos de dados sobre os pregos do trigo no mercado de
Gdansk, que tem Importância capital neste contexto.
103 N . w . Posthumus, Inquiry into the History of Prices i»
HóOanã, t. I, Leiden, 194B, p. 19-22.
=°i J. Pele, Ceny w Gàanaku w XVI i XVII -w. («Os pregos em
Gdansk nos séculos XVI e XVH»), Lvov, 1937, p. 48.
íos Devido à escassez de dados, incluímos aqui alguns anos
anteriores a 1584, o que carece de significado para a ilustração do
fenómeno.
íos E precisamente por Isso que optámos por fazer as referidas
avaliações para períodos relativamente certos. Quando apresentei
os resultados aqui publicados na VI Secção da Scóle PraMqu? ães
Boates Studes de Paris, vários dos presentes (F. Braudel, E. La-
brous3e, J. Meuvret) criticaram esta limitação, propondo que os cál-
culos abrangessem períodos mais extensos. Essas observações, porém,
não me convenceram. Se dois mercados se encontram numa relação
de estreita interdependência, quando as trocas entre eles nâo deparam
com obstáculos, os preços que se registam em ambos indicam uma
elevada correlação positiva; mas quando surgem obstáculos, essa
correlação torna-se negativa. Se calcularmos a correlação para ambos
os mercados durante um período bastante longo, essas duas ten-
dências anular-se-ão e obteremos apenas uma correlação positiva
muito baixa, que nos Induzirá forçosamente em erro. O que é impor-
tante realçar é que os cálculos aqui apresentados constituem apenas
um primeiro passo na investigação do fenómeno em questão. Deveriam
seguir-se-lhes cálculos relativos a outros cereais, outros artigos e
outros períodos.
ioi Seria possível pôr em causa esta afirmação recordando
que Gdanak nem sempre vendia tudo o que comprava, pelo contrário,
armazenava uma parte e especulava com os preços. Mas o único
resultado desta política dos mercadores de Gdansk podia ser um certo
nivelamento dos picos (nos anos de maior produção parte dela era
armazenada para os próximos anos), e não é provável que a forma
geral da curva se alterasse.
íos O âmbito efectivo da zona exportadora é pouco conhecido.
Vejam-se, a este respeito, as reflexões de W. Czermak, «Handel zbozowy
gdanski w XVII w.» («O comércio cerealífero de Gdansk no s. XVH»),
Relatórios das actividades e sessões da PAU, N.° 5, p. 8-9. Não são
multo convincentes as teses de W. Achilles, «Getreídepreise und
Getreidehandelbeziehungen europHischer Râume im 16 und 17 Jhdtr.»,
Zeitschrift ftir AgrargeschicMe und Agrarsosnologie, 1959, p. 32 e sgtes.
109 Facto que chama a atenção na publicação de M. Baulant e J.
Meuvret, Prix ães céréales eartraiís de la mercuriale de Paris, 1520-
-1698, t. I, Paris, 1960, e nos trabalhos de Labrousse.
" » Este modo de proceder é arbitrário. Foi assim que procede-
ram os inspectores ao avaliarem as receitas do domínio de Mlawa
em 1777. Cf. Lustracje Plockie, p. 130.
I H D. Kranhals, «Danzig und der Weichselhandel in seiner
Bltitezeit. Vom XVI zum XVII J h d t » , Deutschlanã und der Osten,
t. 19, Leipzig, 1942; recensão de C. Biernat em Xtoctsnik 0-danski, x m ,
1954, p. 224-231.
112 S. Hoszowski, op. cit, diagramas p. 50-a, 50-b, 50-c. Depois de
termos redigido o presente trabalho, apareceram dois volumes de
fontes fundamentais: Zródla do ifeiejdw han&lu zeglugi Gdanska
(«Fontes para a história do comércio e da navegação em Gdansk»),

195
sob a direcção de S- Hoszowshi, e particularmente E. Biernat, Sta-
tyatyka obrotn totoarowego Gdanska w i. 1651-1&15 («Estatística do
comércio de Gdanák, 1651-1815»), Varsóvia, 1Ô62, e S. Gierszewski,
Statystyka segVagi (Matish ic í. 1670-1815 («Estatística da navegação
de Gdansk, 1670-1815»), Varsóvia, 1963. Deixamos a verificação das
m, -jas hipóteses ã luz desta riquíssima documentação para investiga-
ções ulteriores-
u3 Bata hipótese foi verificada por 1. Rychlikowa no seu artigo
já citado, e foi comprovada pelo menos para os mercados importantes.
ii* Em condições totalmente diferentes, mas também contraria-
mente ao que acontece no siatema capitalista, tentou-se por vezes
impor uma correlação análoga (ou seja, negativa) entre o rendimento
nacional e os preços no sistema socialista, no qual o aumento do ren-
dimento nacional pode teoricamente conduzir ao aumento dos rendi-
mentos reais da população, mediante descidas graduais dos preços dos
artigos por ela adquiridos. Estes fenómenos produzem também altera-
ções curiosas d a psicologia social. Nas sociedades capitalistas, espe-
cialmente entre as duas guerras mundiais, a opinião pública mani-
festava inquietação .perante qualquer indicio de baixa de preços, en-
quanto a alta despertava confiança. Nas sociedades em que o
capitalismo não penetrou muito profundamente, a opinião pública
manifesta grande inquietação perante qualquer indício altista. Era
talvez por essa razão que Estaline defendia com t a n t a firmeza a posição
de que o crescimento do nível de vida no sistema socialista sç deve
fazer não mediante o aumento dos salários, mas sim mediante a descida
dos preços.
IIB Abstraindo de situações anormais, por exemplo, tempos de
guerra. Problema diferente, é o facto de a alta de preços em tempo de
guerra constituir um sintoma, se bem que não seja causa, da plena
utilização doa factores de produção e do aumento do rendimento
nacional, embora esse aumento se exprima no aumento da produção de
canhões, e não de pão.
na Também nos países subdesenvolvidos de hoje a alta d e preços
nâo mobiliza frequentemente as reservas. Cf. N. S. Euchanan
e H. S. Ellis, Approaches to Bconamic Qrotvth, Nova Iorque, 1955,
p. 53-51,
m A. Chmiel, «Dzlady i Betelfochty kraltowskie» («Os mendigos
e os «betelfochts» de Cracóvia»), em SzJeicp Krakowskie (Apontamentos
cracovianos) do mesmo autor, Cracóvia, 1939-1947, pp. 88-90.
"6 Assorodobraj, op. cit.; W. Dworzacaelt, <xp. cít. Este último
autor refere um dos métodos pelo qual os indivíduos socialmente
degradados se incorporavam na sociedade organizada, provocando
geralmente a activação de forças produtivas latentes (por exemplo,
mediante a exploração de terras baldias). Esta observação confirma
a nossa analise.
H9 Lembremos que a diminuição das receitas reais do camponês
num ano desses era, até certo ponfto, atenuada pelo sistema de adia-
mento das prestaçOes a pagar ao senhor.

CAPITULO IV

i J. Topolskí, «Teoria eltonomiczna ustroju feudalnego» {«Teoria


económica do sistema feudais). A margem do livro de Wltold Kula,
Ekonomista, 1984, p. 137-144.

196
2 I. Sv.ennilson, «Growth and Stagnatlon la the European Eco-
nomy», em Economia Comrmssion for Europe, Columbla, U. P., 1954,
a F . Perroux, «Introdução ao ensaio La croissance économique
françaisei, na colecção Incarne and Wealth, Série Hl, 1953.
* F . Bujak, História osadnict-toa miem polskich w> krótkim zaryáie
(Breve esquema da história da colonização interna na Polónia) Var-
sóvia, 1920.
= Encontramos interessantes observações metodológicas acerca
das investigações sobre a colonização Interna na Idade Moderna em
T. Lallk, resenha da obra de J. Warezak, Osaãnictoto kaszteíanii
lowickie) (Colonização int&rna na castelanía de Lowics), Kwart. Bist.
Kult. Mat., 1954, N.» 2, p. 232-240.
« K. J. HIadylowicz, Zmiany krajóbrasnt i roewój osadnictioa
v) Wietkopolsce od XIV do XIX w. (Modificação da paisagem e desen-
volvimento da colonização na província de Poznan entre os séculos XIV
e XIX), Lvov, 1932; e, do mesmo autor, «Zmiany krajobrazu ziemi
lwowskiej od polowy XV w do poczatltuXXw.» («Modificagão da paisa-
gem na região de Lvov a partir dos meados do século XV até ao inicio
do século XX»), cm Stndia z historii spolecznej i gospoãarczej poswie-
cone prof. dr. Fr. Bajakoiai, p. 101-132.
T K. J. HIadylowicz, op. cit., p. 77.
* Ibid., p. 78.
B
Foi J. Topolski quem, com toda a razão, chamou a atenção
para este ponto, loc. c i t .
i" J. Topolski, Goapodarstioo wiejskie w dobrach arcybiskupstwa
gnteznimsMego od XVI do XVIII w, (A economia agrícola nos domí-
nios arquiepiscopais de Gniezno etitrr, os séculos XVI e XVIII), Poznan,
1958, p. .148.
" W. Kula, «gtan i potrzeby badan nad demografia historyczna
dawnej Polskis («O Estado e as necessidades das investigações no
campo da demografia histórica da antiga Polónia»), em Roczniki
Dzíejow Spol. i Gosp., XIII, 1951, p. 104.
12 K. J. HIadylowicz, Zmiany krajóbrasu ziemi hootoskie}...
cit., p. 111.
is Rutkowski, a partir das «actas de inspecção», comparou a
quantidade de grão que nos diferentes períodos era deduzida para a
sementeira. Mas estes números Incluem também, ao que parece, ele-
mentos convencionais, reflectindo sobretudo o aumento dos privilégios
fiscais da nobreza, uma vez que essas deduções eram aproveitadas
para reduzir os encargos obrigatórios.
i* J. Topolski, op. cit., p. 217. .
"> Vejam-se esemplos em Topolski, op. cit., p. 213. Em todo o
nosso raciocínio supusemos que o rendimento por grão muda proporcio-
nalmente ao rendimento por unidade de superfície; trata-se de uma
simplificação admissível do ponto de vista dos nossos objectivos.
ifl Sombart considerou insolúvel este problema. (Der moderne
KapitaMsmus, Munique, 1919, í. I, 2, p. 555.) Joan Robinson afirma
também, nos nossos dias, que «o poder de compra do dinheiro é um
conceito metafísico» (Akumulacja kapitalu, Varsóvia, 1958, p. 41).
! ' H. Hauser, Reckerches et documents svsr Vhistoire des prix en
France de 1500 à 1800, Paris, 1936, p. 82.
is B. J. Hamilton, The Bistory of Prices 1>efore 1750, em XI
Oongrès International des scienoes historiques, Estocolmo, 1960,
Rapports, Parts, 1960, p. 144-164.
ia S. Rostworowski, «Co szlachic polski kupowal w Gdansku,
Materialy historyczne z lat 1747-1757 z archiwum rodzinnego» («O
197
que o nobre polaco comprava em Gdansk, Dooumentos históricos de 1747-
-1757, extraídos dos arquivos familiares»)emRocenik Gdanski, VII-VIII,
1933-1934, p. 348-354. Pode encontrar-se grande número de documentos
semelhantes em qualquer arquivo dos antigos domínios.
=o Não contradiz a nossa afirmação de que as cidades eram
quase exclusivamente abastecidas com os produtos do camponês, en-
quanto a produção da reserva se destinava principalmente à expor-
tação. A produção da reserva podia ser exportada mesmo que o não
fosse pelo seu proprietário. O pequeno nobre vendia a sua colheita ao
magnate ou ao mercador de uma cidade da província, os quais com toda
a certeza pagavam ao preço local.
2i Aeerca do comércio externo, por meio do qua! um país troca
artigos de luxo por artigos necessários para a produção e para o
consumo corrente ou vicenversa, vide K. Marx, O Capital, cit., t. I,
3, p. 22.
A tese acerca da melhoria a longo prazo das condições de troca
da nobreza foi criticada, com grande surpresa minha, por J. Topolski
{Teoria ekonomiczmt..., c i t ) , que cita os resultados dum cálculo feito
por R. Rybarski por volta de 1939 (Skarb i pieniadz za Jana Kazi-
miersa, Michala Korybuta i Jana III (O fisco e a moeda durante
os Trinados de João Casimiro, Sfíguel Korytmt e João III), p. 437). De
acordo com esses resultados, os índices dos preços seriam os seguintes:

1641-1650 1691-1700
Produtos agrícolas 100 202
Artigos de origem estrangeira 100 272

O facto é que o índice dos preços dos produtos agrícolas foi


calculado por Rybaráki de maneira muito discutível. Trata-se de uma
média não ponderada de seis índices de preços: do feijão (dois índices),
de uma vaca, de um vitelo, da manteiga e da aveia. Os produtos
pecuários — produtos não exportáveis — representam aqui 50%, e os ce-
reais apenas 16%; além disso, o único cereal considerado é a aveia, eisto
numa região de trigo como era Lublin. Por um lado, Rybarski não
se apercebeu de que o livro de J. Pele (Ceny w Gdanskw w XVI i
XVII te. (Os preços em Gdansk nos séculos XVI e XVII), Lvov, 1937,
pp. 49-50) não inclui, como se sabe, os preços do trigo, e de que os
seus dados não são infelizmente comparáveis, dado que o preço do
centeio aumenta quando o da avela, o cereal menos comercializado,
diminui. Se se excluírem, por outro lado, os produtos pecuários, o
resultado seria ainda mais desfavorável à minha tese. Como não me
era possível interpretar correctamente os cálculos de Rybarski, dado
que o método por ele utilizado é mais do que duvidoso, considerei con-
veniente repetir os seus cálculos.
O mais importante é que, apesar do método de Rybarski ser duvi-
doso, no fundo os resultados a que chegou são exactos: é evidente
que as condiç&es de troca das exportações de Gdansk pioraram na
segunda metade do século XVTI. O que é curioso é que eu afirmo
o mesmo. De acordo com os números atrás apresentados, entre 1660 e
1700 as condições de troca em Gdansk (para o magnate) baixam de
385 para 333, enquanto a s do nobre (em Cracóvia) aumentam real-
mente, mas de forma insignificante (de 144 para 152). P a r a a difi-
culdade de percepção deste fenómeno deve ter contribuído o erro tipo-
gráfico da edição polaca no segundo quadro (com base no ano de

198
1600, pois os dados do primeiro quadro estão certos). A minha tese
refere-se ao processo de longo prazo e não só admite a possibilidade
de que as condições tenham variado nalguns sub-períodos, como até
a demonstra mediante os números apresentados.
sã Trata-se d e um problema controverso. Cf. K. Dobrowolsld,
«Dzleje wsi Niedzwiedzia w powiecie Limanowskim do schyikii
dawnej Rzeczypospolitej» («História da aldeia de Niedzwiedzia no
distrito de Limanowa ate aos últimos anos do 'Reino da Polónia»), em
Stndia z historii spolecznej i gospodarcze) poswieconc fr. Bujakowt,
p. 536-7; W. Kula, «Przywilej spoleczny a postep gospodarczy» («O pri-
vilégio social e o progresso económico») em Oreegkaã Socjologiczny,
Di, 1947, p. 188-189.
as Lembremos que ncs referimos a fenómenos a longo prazo.
A curto prazo poderia naturalmente suceder o contrário. Para não
multiplicarmos os exemplos, digamos apenas que o excelente cronista
Marcin Matuszkiewicz ao transportar, em 1736, cereais para Gdansk,
os vendeu logo em Ploclt (cidade situada a mais de 300 km., por via
Marcin Matuszklewicz, ao transportar, em 1736, cereais para Gdansk,
(Pamlet w&í Marcina Matuszkienincza, ka&stelana brseskiego-li-
tewskisgo, 1714-1765 (Memórias de Marcin MatuwtMewicz, castelão
ãe Brest-Litovsk, 1714-1765), ed. por Pawinskí, T. I, Varsóvia, 1876,
p. 59.) Este mesmo autor conta a seguinte história oriunda da tradi-
ção familiar: «Aconteceu que... o meu pai não tinha preparado a
tempo o carregamento p a r a Gdansk, enquanto no interior da
Lituânia o ano tinha sido de péssima colheita, pelo que a carestia era
muito grande. Como todos os da nossa voivodia de Erest tinham
levado o seu cereal para Gdandk, o meu pai vendia o seu aos que
chegavam do interior da Lituânia, ganhando dessa forma 16.000 tynfs».
(Ibiã., t n , p. 20.)
24 J. Burszta, «Handel magnacki i kupiecki mledzy Sieniawa
nad Sanem a Gdanskiem od konca XVII do polowy X V m w.» («O
comércio dos magnates e dos mercadores entre Sieniawa sobre o San
e Gdansk do fim do século XVII até aos meados do século XVIII»),
em Rocziniki Dziej. Spol. i Gosp., XVI, p. 174-232. Este interessante
trabalho revelou as dimensões do fenómeno, que ocorria também com
toda a certeza em muitos oiítros domínios. Cf- igualmente as nume-
rosas referências encontradas nas «Instruções», por ex. Instruktarse,..,
cit., II, p. 60-61.
25 A expressão é de F. Braudel, «Histoire et sciences sociales.
La longue durée*, Annales, 1958, p. 725-753. A consciência dos pro-
cessos económicos, sobretudo os de longo prazo, e das transforma-
ções da estrutura socioeconómica é um tema importante e pouco
conhecido. E igualmente importante para a análise estritamente econó-
mica, dado que a consciência das mudanças económicas que se estão a
dar constitui um dos elementos que condicionam a actividade económica.
Talvez porque nunca me tivesse dedicado ao estudo, nas fontes, da
história da formação do domínio assente na servidão n a Polónia, adml-
rou-me a noção muito exacta que os contemporâneos e as gerações
subsequentes tinham desse processo, facto que se pode observar em
numerosos documentos publicados por S. Kuras {Ordyttacje i ustawy
wiejskie ss archiwow MetropoUtalnego i Kapitulnego v> Kràko-
toie, 1451-1689) {Ordenanças e éditos referentes às aldeias, extraídos
dos arquivos metropolitano e capitular ãe Cracóvia, 1451-1689),
Cracóvia, 1960.

199
i6 A eareátia dos artigos industriais de boa qualidade na Poló-
nia, em comparação com o que acontecia na Europa ocidental, já
chamava a atenção dos estrangeiros na primeira metade do século XVII.
«tudo o que diz respeito ao vestuário é aqui (em Torun) duas vezes
mais caro do que em França» — diz o secretario do embaixador
de Luís XIII (K. Ogier, Journal d'un voyage en Pologne, 16SS-1636, ed.
em polaco por W. Czaplinski, it. I, GdanaTt, 1950, p. 113). Matuszewicz,
autor das memórias atrás mencionadas, recorda que o seu pai
«tinha trazido montões de coisas compradas a baixo prego noutros
países... e v,endeu-as (na Polónia) arrecadando uma soma de três mil
táleres» (Pamietniki Marcina Matuszetoicza..., cit., t. II, pp. 16 e 19).
E certo que ambos os testemunhos se referem a épocas em que o
comércio báltico se encontrava perturbado devido a guerras.
ar A formação do «preço nacional» é um problema importan-
tíssimo, embora pouco investigado. O facto de os preços dos cereais
aumentarem ao longo do eixo sudeste-noroeste era conhecido dos
homens da época. Lojko, em viagem para a Ucrânia, anota, em cada
paragem, os preços dos cereais, constatando a sua descida de
dia para dia. Segundo Korzon (Wewnetrsne dissieje... cit., t II, p. 86),
«os preços de Braeiaw (na Ucrânia) podiam ser 9 vezes mais baixos
que os de Masovia, mais de 14 vezes inferiores aos de Torún e
16,5 vezes mais baixos que os de Gdansto. Esta escala reduziu-se,
mais tarde, devido ã guerra russowturca, à colonização das esvepes
ucranianas e ao comércio do Mar Negro, que originaram uma alta de
preços na Ucrânia polaca. Mas não nos referimos aqui à escala dos
preços, mas sim ao sentido uniforme da sua flutuação. O trabalho
citado de H. Madurowicz-Urbanska demonstra o extraordinário grau
de uniformização registado na Polónia logo na segunda metade do
século XVIII.
as De outra maneira, Jan DuMan Ochocki (autor de umas memó-
rias muito conhecidas) não teria podido fazer tão excelentes negócios,
comprando em Varsóvia artigos industriais de luxo para os ceder
depois, fazendo-se rogado e a titulo de grande favor, aos nobres
da Ucrânia.
29 «O historiador da economia, mais do que qualquer outro, não
deveria confinar-se aos limites nacionais, uma vez que a civilização
económica é uma criação Internacional. Em vez de histórias econó-
micas nacionais com. referencias ã história económica universal, pre-
cisamos de estudos comparativos dos movimentos e problemas comuns
a numerosos países», R. H. Tawney, «The Study of Economic History*.
Económica, 1933, p. 1-21. Esta orientação é seguida por M. Malowist
em muitos dos seus trabalhos: «The Economic and Social Development
of the Baltic Countries from the Pifteenth t o the Seven-
teenth Centuries», Economic History Revíeio, 1959, p. 177-189; «tíber
die EYage der Handelspolitik des Adels in dem Ostseelãndern Im 15.
und 16. Jhdt.s, Han&ische GmchichtsblaUer, 1957, p. 29 segtes;
L'évolutíon industrieHe en Pologne du, XlVe au XVIIIe siècla. StwU
in onore ãi Armando Sapori, I, Milão, 1956.
'o J ã Cantillon chamou a atenção para os resultados de seme-
lhante divisão do trabalho (proveito para a Holanda e perda para
a Polónia) (cit. segundo A. Landry, La Révoluíion Démographique,
p. 320). Lenine critica Sismondi, porque ameaçava o camponês inglês
de que não poderia resistir ã concorrência dos cereais polacos e russos.
V. Lenine, As características do romantismo económico.

200
si J. Rutkowski, Badania nad podzialem dochodów... cit., T. I.
32 J. Lesklewicz, «Le montant et les composants du revenu des
bíens fonciers en Pologne au XVI-XVIH siècles», em Preroiére Con-
férence Internationale d'Histo%r<e Sconomique, Estocolmo, 1960, Paris
1960.
33 N ã o o compreendeu, e m nossa opinião, a a b u n d a n t e l i t e r a t u r a
p o l a c a sobre o monopólio senhorial d a a g u a r d e n t e .
34 W . K u l a , SzMce o manwfakturach... cít., p . 59-62, como
t a m b é m « P o c z a t k i u k l a d u k a p i t a l i s t y c z n e g o w P o l s c e X V m w . s («Co-
m e ç o s d o s i s t e m a c a p i t a l i s t a n a P o l ó n i a n o século X V I I I » ) , e m Koliataj
i vriek Q&wiecema, Varsóvia, 1951, p . 61-63.
3s P o m o s e s i a s p a l a v r a s e n t r e a s p a s , pois, p o r razões de p r i n -
cípio, c o n s i d e r a m o s i m p r ó p r i o f a l a r d e u m m e r c a n t i l i s m o d o s m a g n a -
tes. A. Grodek, n u m t r a b a l h o que a i n d a n ã o foi publicado e q u e t i n h a
j u s t a m e n t e esse título, concordou com a n o s s a opinião.
se T. Korzon, Wevmetrzne dzieje... cit, II, p. 73.
37 w . Kula e J. Lleskiewiczowa, «Ks. Józef Czartoryski: Mysli
moje o zasadach gospodarskich» («Príncipe Jozef Czartoryski: As
minhas reflexões sobre os fundamentos da actividade económica»),
Przeglaã Bistvryczny, XLVI, 1955, p. 445-452.
sã Jnstrukoje... cít., I, p. 305.
39 Também durante a grande crise de 1929-1932 o camponês
polaco vendia a prego inferior ao custo de produção calculado «racio-
nalmente» e, contudo, isso convinha-lhe, porque não contava o seu
trabalho e o da sua família. Só que ao prescindir dessa componente
importante do custo de produção, não podia prescindir de outras
(o pagamento dos créditos, os impostos, a amortização dos edifícios,
o custo da viagem por caminho-de-ferro quando ia vender os produtos
da sua exploração ao mercado, e t c ) . Assim, podia vender os seus pro-
dutos por menos do que lhe tinha custado a sua produção, sempre que
o cálculo seja feito segundo critérios capitalistas. Mas isso não significa
que os pudesse vender a qualquer preço. Sabe-se, por exemplo, que nal-
gumas regiões afastadas do país o consumo camponês de leite e ovos
aumentava devido à miséria, porque o preço da viagem por caminho-
-de-ferro era superior ã soma que podia receber no mercado por dois
cabazes de produtos deste tipo.
io o problema dos custos na economia do latifúndio foi tra-
tado em vários trabalhos por J. Rutkowski, especialmente em «Za-
gadnienie reformy rolnej w Polsce XVIII w.» («O problema da reforma
agrária na Polónia do século XVIIIs), publicado em Stuãia s ãziejów
wsi polsktej XV1-XVIII w. {Estudos sobre a história do agro polaco
s. XVI-XVIU), Varsóvia, 1956, p. 350.
4i W. Kula, Szkice o mamifaktumch... cit., p. 311. Para citar
um exemplo entre muitos: nos domínios dos Zâmoyskl, ao proceder-se
ã reorganização das explorações depois das guerras polaco-suecas
(1656), ordenou-se aos inspectores: 1) que prestassem atenção aos
novos campos conquistados ao bosque pelos servos; 2) que atendessem
ao caso dos camponeses «que podendo ser reduzidos ã servidão são
censitários e, nesse caso, anular o censo para os fazer trabalhar no
domínio» (Instrukoje... cit., II, p. 3). E fácil deduzir que aqueles que
não podiam, num dado momento, trabalhar no domínio continuariam
sujeitos ao regime censual até enriquecerem, e nessa altura tornariam
a ser submetidos ao regime da servidão.
ia V. Lenine, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia.
Sombart defendia o contrário, opinião dificilmente aceitável. Se-

201
gundo ele, a organização da grande propriedade implica a tendência
para quebrar o Isolamento tanto da sua própria economia, como da
economia da exploração camponesa {Der moãerne KapitaM&mus, Muni-
que, t. I, 1, p. 103.
** No domínio das ciências históricas acontece com frequência
que fontes importantes relattvas à Idade Moderna, depois de publica-
das, não são aproveitadas, devido ao atractivo d a busca de fontes
inéditas. Pode dizer-se o mesmo acerca da publicação de fontes
«semi-elaboradas» (por exemplo, os preços). A utilização dessas
fontes em trabalhos de análise ou de síntese é menosprezada por
alguns, e até condenada pelos tradicionalistas mais empedernidos,
que qualiíicam essa maneira de proceder como «recolher os frutos
do árduo trabalho alheio». Se todos compartilhassem desta opinião,
teria de se combater a publicação de fontes importantes, pois isso equi-
valeria a eliminá-las dos trabalhos científicos. Uma tal atitude acarreta
prejuízos concretos: basta mencionar o baixíssimo (na realidade,
nulo) grau de aproveitamento dos resultados do trabalho verdadeira-
mente árduo da escola de Lvov sobre os pregos, em monografias e
sínteses já publicadas, e antes de mais nada na «História da Polónia»
do Instituto de História da Academia Polaca das Ciências. Defende-
mos portanto a posição — que parece evidente, mas que nem por isso
deixa de ser impugnada — de que o respeito pelo árduo trabalho dos
outros se deveria manifestar no aproveitamento dos seus resultados.
44
A. Gostomskl, op. cit., p. 106.
<" W. Kula, Sakice o manafaJeturach... cit., p. 59.
« Numa tentativa de cálculo que fiz, a titulo de exemplo, para
as forjas dos domínios dos bispos de Cracóvia (ano de 1746), estas
scmas coincidiam praticamente até ao último centavo (W. Kula, Szkice
o manu-faJcturach..., cit., p. 85-88).
« Gazeta coãstierma, 1859, N." 268.
*R W. Kula, Szkice o manv-íaJctarach... cit., p. 741.
"> W. Kula, Pròbl&nvy i metoãy Mstorii gowpo&arcsej, cit-, cap.
Zaleznosc cslowieka od pr&yrody (A dependência do homem- em rela-
ção à natureea).
so
As funções bancárias dos magnates polacos constituem um
tema de não pouca importância e cujo estudo poderia contribuir gran-
demente para rever a imagem tradicional da sociedade polaca. Regra
geral, o magnate era o devedor e o médio ou pequeno nobre era o
credor, como o demonstraram, entre outras, as conhecidas investi-
gações sobre as contratações de Lvov. Mas nem todas as transacções
de empréstimo têm o mesmo significado social e económico. Onde é
que o médio ou pequeno nobre ia buscar esse dinheiro? Quem é que
caía numa situação de dependência em consequência dessas transac-
ções (nesse caso, é evidente que o «credor» passava a depender do
«devedor») 7 Pagava-se efectivamente o Juro combinado? Ou o magnate
gratificava o pequeno nobre com outros «favores»? B se o juro era
pago, que forma revestia esse pagamento: em dinheiro, ou, por exem-
plo, através do arrendamento de uma aldeia? «Na sequência desses con-
tratos — lembra Ochocki — formava-se uma grande turbamulta em casa
do príncipe, tantos eram os fidalgos que lhe traziam dinheiro. Por
certo... não eram somas tâo grandes como agora, mas os pequenos
capitais chegavam pouco a pouco... só com grande esforço, alguém
podia aproximar-se da caixa,,.*. J. D. Ochocki, Pamietniki (Memórias),
Varsóvia, 1882, t. I, í>. 46.

202
si Marx, O Capital, cit., t. I, 3, p. 163, fala da pilhagem de bens
de raiz, levada a cabo pela aristocracia Inglesa depois da GlorUnts
RevolutUm.
" A introdução do crédito hipotecário nas regiões anexadas
pela Prússia depois da divisão da Polónia (1772-1795) provocou um
extraordinário endividamento da nobreza polaca (principalmente dos
magnates). Depoia da vitória de Jena, Napoleão apoderou-se dessas
hipotecas, consentindo depois, após a s negociações celebradas entre o
Imperador e os ministros do Ducado de Varsóvia em Baiona, em
1808, em amortizar p a r t e dessas dívidas a troco de uma maior partici-
pação militar dos polacos na campanha espanhola. O montante dessas
dívidas era tão elevado que a frase «somas de Baiona» entrou na
linguagem corrente p a r a designar, em polaco, qualquer soma exorbi-
tante. (Nota do tradutor.)
M Ibid., T. I, 1, p. 111. Mas na Polónia o problema das relações
creditícias entre os magnates e as outras classes sociais é multo
complicado. A. Zajacakowski, Glóvme étementy kultwry ssJacheckiej
«i Pólsce. Ideologia a struJctitry spaleczne («Os elementos principais da
cultura nobiliária na Polónia. Ideologia e estruturas sociais»), Wroclaw,
1961, p. 87, ao entrar em polémica com W. Rusinski acerca desta
quês ião, parece ignorar que a opinião expressa por este último na
História ãa Polónia, do Instituto de História (assim chamada, dado o
caracter da publicação), não é uma Impressão geral colhida na leitura
das fontes, mas uma conclusão baseada numa documentação abundante
e estatisticamente elaborada sobre as chamadas contratações. Mas con-
tinua em aberto o problema do sentido social das transacções de
empréstimos entre camadas sociais concretas no quadro da estrutura
social concreta da nobreza da Polónia. O facto constatado num docu-
mento de que este ou aquele magnate recebeu de empréstimo certa
soma deste ou daquele pequeno nobre pode ser interpretado de diversas
maneiras. A clientela dos magnates e a pequena nobreza depositavam
muitas vezes o seu dinheiro nas mãos do príncipe, a troco de um certo
juro. A caixa do magnate era assim um banco de depósitos stti generis.
Interessaria, repetimo-lo, investigar esta função do magnate. Of. W.
Kula, Poczathi ukladu TeapitaRstycanego te Poisce, cit. «Praeglad K s -
horycznyí, 1951.
s< «A história de reis e guerras» sabe, por exemplo, que os
cereais polacos desempenharam um papel importante na guerra de
Filipe II contra os Países Baixos. O rei polaco Stefan Batory, para
contentar Filipe II, intervém no sentido de diminuir a s exportações
de grão polaco para os Países Baixos, em rebelião, enquanto o
embaixador inglês em Istambul persuade a Porta Otomana a aban-
donar a ideia de atacar a Polónia, para não privar de cereais polacos
os inimigos de Filipe II (W. Konopczynski. Dsieje, Polski notoozytne)
(História da Polónia na Idade Moderna), Varsóvia, 1936, t. I, p. 169
e 184-185). Mas ainda não foi estudada a maneira como a exportação
através do Báltico, •«máquina notável, mas não inesgotável, para forne-
cer o Ocidente com cereais baratos», como dizia Braudel (num seu
trabalho sobre a história dos preços, destinado ã Cambridge Economic
Histary of Europe, cujo manuscrito me foi amavelmente facultado
pelo autor), influenciava o cálculo de uma empresa industrial nos
alvores do capitalismo na Europa ocidental, particularmentee a longo
prazo.
os W. Kula, Problemy i meto&y historii gospodarcsej, cit., cap.
Historycznp badanie cen («Investigação histórica dos preços»).

203
158 Ibid.
37 S. Hoszowski, Geny w Lwowie w l. 1701-191$, cit., p. 193.
™ C. E. Labrousse, Esquisse du mouvement des prix et des
revenus en Erance au. XVIIIe siècle, Paris, 1933, I. p. 241.
si» C. E. Labrousse, «Observations complemeataires sur les sour-
ces et la méthodologie de l'histoir« des prix et des salalres au
X V i n e siècle», Revue dtHistoire Economique et Sociale, XXIV, 1938,
p 289-308. E. Sol, «Les céréales inférieures en Quercy. Les prix de
1T51 à 1789», ibid., XXIV, 1938, p. 335-355; W. E. Schaap, «ffitude du
mouvement des prix des céréales dana quelques villes de la Généralité
de Champagne pendant les aanées qui précédent la Révolution»,
Commission de Recherches et de PubMcation des Documenta Relotifs à
la Vie Economique de la Révolution Assemblée Génêrale ãe la Commis-
sion Gentrale et des Comités Départementawt, 1939, Paris, 1945,
p. 37-72.
eo W. Kula, Próbl&my i melody historU gospodarczej, cit.
>
' > H. Sée, Landes, coTwmwnaux et défríchpments en Haute-Bre-
tagne, 1926; do mesmo autor, Histoire economique de la France, t. I,
p. 205-207; C. E. Labrousse, Esquisse..., t. II, p. 343-348.
«z F. Simiand, Recherches anciennes et riouveUes swr le -mou-
vement general ães prix du XVIe au XIXe siècle, Paris, 1932.
«» R. Marjolin, Pria;, mcwnaies et production. Essai SUT les mou-
vements êconomiques de longue durêe. Paris, 1941, p. 172-178.
a* Se não tomássemos em consideração este aspecto do pro-
blema, teríamos de dar razão a René Parod quando intitula um seu
livro com a exclamação; «Nous gagnons moins qu'en Van 1500?» (Pards,
1914.) Teríamos de acreditar também na «pauperização absoluta»
das camadas mais pobres da população urbana no período compreendido
entre 1500 e 180O, na proporção de 10: 1.

CAPITULO V

i P a r a este ponto constituem valioso contributo os trabalhos


de M. Malowist e dos seus discípulos.
2 B. Carpentier, Une ville devant la peste. Orvieto et la Peste
Noire de 1SÍ8. Paris, 1862, p. 193.

CAPITULO VI

1
O. Lange, Historia rozwoju ekonomiki (História do desen-
volvimento da economia política), t. n , Varsóvia, p. 37.
2 IUd., p. 33.
' O Lange, «Zag&dnienia rachunku gospodarczego w ustroju
socjalistycznym» («Problemas do cálculo económico no sistema socia-
lista), Ekonomista, 1936, N.° 4, p. 53-75. Este trabalho foi depois incor-
porado no livro de O. Lange e P. M. Taylor, The Economic Theory of
Socialism, Minneapolis, 1938.
4
O. Lange, Ekonomia PoliVyczna (Economia politica), t. I:
Zagadnienia ogólne («Problemas gerais»), Varsóvia, 1959, p. 140-143.

204
5 Miekwitz, loc. cit., e o exemplo citado de Orvieto em 1348.
8 Esta questão foi tratada de uma maneira muito interessante
por H. Tennenbaum, Europa srodkowo-wachodnàa w gospodars-
twie stoiatowym (A Europa cmtro-orlentál na economia mundial),
Londres, 1942, no capítulo Rentownosc jako zjawieko instytucjonolne
{«A rentabilidade como fenómeno institucional»).
T J. Klatzmann, «Les limites du ealcul économlque en agrieul-
ture», Studes Rurates, I, 1961, p. 50-56. Falámos aqui dos factores
económicos que estão em jogo. Mas seria necessário ter também em
conta aqueles factores que os economistas tradicionais costumam con-
siderar como extraeconómicos. Os economistas franceses, ou seja, de um
pais profundamente marcado pelo capitalismo, apresentam numerosos
exemplos de factores «extraeconômicos» que condicionam a actividade
económica do camponês. Um técnico de pecuária que aconselhava um
camponês a vender a s suas seis vacas e comprar em troca três vacas
de boa raça, demonstrando-lhe com números que a transacção seria
rentável, ouviu a seguinte resposta (a história passava-se no Massiço
Central): «Se só tiver três vacas, o meu filho não se pode casar com
a filha de um lavrador rico da qual está noivo» (Ibid., p. 55). Creio
que este camponês agia racionalmente do ponto de vista estritamente
económico: o dote da futura nora representava certamente um lucro
maior do que aquele que poderia esperar das três vacas de boa raça.
Aparecem atitudes semelhantes face aos novos meios de produção (a
compra de um tractor, que não é rentável n a pequena exploração, por
razões de prestígio), e não podemos -esquecer que o prestígio tem certa
importância no funcionamento económico da empresa. Um economista
francês disse que se os camponeses do seu pais se encontram em
situação desvantajosa relativamente a outras camadas sociais (ou
seja, têm uma participação relativamente menor no aumento do
rendimento do seu trabalho), tal se verifica porque «gostam do seu
trabalho»... Esta afirmação será perfeitamente racional se tomarmos
em consideração todas a s dificuldades que a mobilidade social implica
para o camponês. Ora, se se podem introduzir na teoria elementos
como a aspiração a viver dos rendimentos ou a preferência pela liqui-
dez, porque é que havemos de considerar os comportamentos
económicos do camponês, citados aqui a título de exemplo, como irra-
cionais e não susceptíveis de serem incorporados numa teoria?
s Segundo a terminologia de T. Kotarbinski {Troktat o ãobrej
robocie (Tratado do bom trabalho), Wroclaw-Lodz, 1955, p. 137-139),
adoptada por O. Lange, op. cit., p. 141. Esta distinção é criticável: a
«racionalidade objectiva» não passa, aqui, de racionalidade segundo
o nosso conceito, de um «medir pela nossa própria medida*.
» W. W. Rostow, The stages of Economic Growth, Cambridge,
1960.
io M. Confino, op. cit. A falta de denominador comum na conta-
bilidade da nobreza foi enfaticamente assinalada por Rutkowski
(Baãania nad podaialem ãochodow... cit.). Entrei em polémica com
este autor na recensão publicada no Prseglaã 8ocjologicem/, t. TV, 1938,
p. 287. Rutkowslci, em carta que me dirigiu em 8-XII-1979, manifestou
o seu desacordo comigo nesta matéria. Hoje penso que tinha razão.
' i R. Firth, «Problema of Economic Anthropology: Formatlon
and Maintenance of Capital in Peasant Societles», Wenner-Green Foun-
dation for Ánthropological Research, 1960, Summer Symposàa Pra-
gram at Burg-Wart&nstein, Áustria (policopiado, «não destinado a
publicação»).

205
CAPITULO VII

i W. Kula, Rrmvazama o hi&torii, op. cit., p. 42-60.


2 W. Kula, Kztattowa/nie ate kapitoUasmu w Poísce (A formação
do capitalismo na Polónia}, Varsóvia, 1955.
3 W. Kula, Szlcice o vumufákturach, cit., p. 385, 4&S-467, 664.
* W. Kula, Problemy i metoãy historH goapúdarcgej, cit., cap.
Periodyisacja ftistorti gospodarcsej («Periodização da história econó-
micas).
* Por exemplo, L. Beuthin, EtnfUhrung in die Wirtachaftsges-
chichte (Colónia-Graz, 1958, p. 137) diz que «der chaotische Strom
der Geschlchte ist anders nicht zu uberblicken*. N. S. B. Gras adopta
uma posição semelhante: «Stages in Economlc History», Journal of
Economic anã Business History, Maio de 1930. Para este último autor,
a periodização é uma triste necessidade.
* 35 justamente neste ponto que reside uma séria dificuldade para
a s investigações historie o-estatístlcas: no que se refere a épocas lon-
gínquas, o historiador está frequentemente condenado a utilizar dados
isolados de um único ano, porque não bem outras fontes; e, para cúmulo,
esse processo é particularmente perigoso quando aplicado a essas épo-
cas. Marczewski não se apercebe desta dificuldade quando formula com
caracter programático a tese contrária: *Des fluetuations de courte
période.. .ne sont guères profondes... La strueture de la consommation,
celle du commerce extêrieur, celle des dlfférentes cultures agricoles,
celle de la populatlon totale et de la population active, et Wen d'autres
encore, possèdent un degré suffisant de stabilité» (J. Marczewskl, «His-
toire quantitative, buts et méthodes, Cahier fy VISEA, N.° 115, p. XI e
XXVTTI). Será a estrutura do consumo estável no Ancien Regime? Com
a s mas colheitas periódicas e os consequentes anos de carestia?
* Referimo-nos aqui às dependências a que O. Lange chamou
*leis que resultam dos actos humanos» (O. Lange, Ekonomia polityczna,
cit., t I ) .
s J. Marczewskl, op. cit., p. XXXVII. Praga da história econó-
mica (embora possam ter constituído uma etapa útil no »eu
tempo) são as numerosas «sínteses» da história económica de
cada país e de cada época que acumulam os factos sem indicarem
as ligaçóes entre eles, e das quais se pode subtrair uma grande quan-
tidade de factos, acrescentar outros tantos ou mudar a ordem dos
capítulos sem prejuízo para o conjunto. Não nos agradam essas sín-
teses, como é evidente. Temos no entanto de perguntar se, na realidade
económica e social estudada nesses livros, esses fenómenos estiveram
efectivamente ligados entre si. Quais estiveram ligados, e quais o não
estiveram? Um dos críticos da presente obra (A. Maczak) observou,
com toda a razão, que uma das qualidades dos estudos sobre modelos
é o facto de que sô por essa via é possível chegar ã «comparabili-
dade» inacessível em obras de compilação.
B
A.Maczak, «Oprzydatnosci modeli ekonomicznychnaprzyklaazie
wiejskiej gospodartd feudalnej» («Sobre a utilidade dos modelos econó-
micos a partir do exemplo da economia agrícola feudal»), Kvmrtatnik
Historyvamy, LXX, 1963.
i<" Z. Bauman: resenha do livro de W. Kula, Teoria ekonomicsna
astroju feudatnego {Teoria económica, do sisíemo. feudal), Studia soejo-
logiczne, 1963, 3/10, p. 219-238.
" C. Lévi-Strauss, «Leçon inaugurale au Collège de France»,
Paris, 1960, ,p. 35-36.

206
Í N D I C E

CAPITULO I

A QUE PERGUNTAS DEVE RESPONDER UMA TEORIA ECO-


NÓMICA DO FEUDALISMO?

CAPÍTULO II
A CONSTRUÇÃO DO MODELO lô

CAPITULO III
DINÂMICA DE CURTO PRAZO 25
O cálculo económico da empresa feudal 25
A economia do domínio feudal 39
A exploração camponesa no regime de prestações pessoais 56
A economia -da corporação artesanal 69
Confrontações empíricas 76
Tentativa de Interpretação ,99

CAPITULO IV
DINÂMICA DE LONGO PRAZO 105

CAPITULO V
POSSIBILIDADES DE VERIFICAÇÃO •-. 151

CAPITULO VI
A RACIONALIDADE DA ACTD7IDADE ECON-ÕMICA NO SIS-
TEMA FEUDAL 157

CAPITULO VII
«SISTEMA ECONÓMICO* E «TEORIA DE UM SISTEMA ECO-
NÓMICOS. 169
NOTAS 181

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