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Helena Maria Daquanno Martins Testi

O Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade – TDAH

Contribuições da Psiquiatria, Neurociência, Psicologia, Psicanálise e análise


de implicações da chamada patologização da aprendizagem

São Paulo

Julho - 2009
1

Helena Maria Daquanno Martins Testi

O Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade – TDAH

Contribuições da Psiquiatria, Neurociência, Psicologia, Psicanálise e análise


de implicações da chamada patologização da aprendizagem

Monografia a ser apresentada como exigência parcial


para a obtenção do certificado de: Especialização em
Psicopedagogia – Curso de Pós - Graduação “Latu
Senso” da PUCSP – COGEAE.

Orientadora: Profa. Dra. Anete Maria Busin Fernandes

São Paulo

Julho - 2009
2

Ao meu marido e filhos, pelo carinho, compreensão e por terem suportado minha
ausência durante a elaboração deste trabalho.

Meus profundos agradecimentos a professora Anete Maria Busin Fernandes por ter
acolhido meu trabalho e me orientado com sensibilidade e maestria.

As minhas amigas do curso de psicopedagogia que suportaram meus


questionamentos e minhas críticas com carinho e também souberam fazê-las
contribuindo para o enriquecimento de meu trabalho, Inês, Silvia, Kátia muito
obrigada.

A meus pais que me transmitiram o amor às coisas simples e belas, tarefa difícil que
tento transmitir aos meus filhos...

A professora Maria Lúcia Melo que com seu olhar profissional e ético para este
trabalho contribuiu com meu crescimento e meu aprendizado. Meus sinceros
agradecimentos.
3

Resumo

Esse trabalho nasceu da necessidade da autora de pesquisar e compreender o


chamado TDAH. Qual sua história clinica, onde nasce esse termo como chegamos a
ele? Que caminhos os pesquisadores percorreram para chegarem ao esse
conceito? Há de fato um consenso?

O objetivo da presente obra é explicitar quais os princípios teóricos norteiam os


procedimentos diagnósticos e terapêuticos relacionados ao sintoma hiperatividade
em crianças e/ou adolescentes.

Trazer para a prática clinica a contribuição das áreas psi, levando em consideração
que esse sujeito rotulado como hiperativo, tem seus impasses mediados pelo corpo
e sofre por não conseguir colocar em palavras seu mal estar.

É preciso sensibilizar aqueles que são responsáveis por essa criança e/ou
adolescente, também aos educadores e profissionais da saúde, para que não caiam
na falácia de que existe um consenso sobre TDAH e mais, que um simples
questionário ou um olhar para um corpo inquieto, darão conta de um diagnóstico
preciso.

Considerar o sujeito em sua singularidade já exclui a padronização de um


questionário que preenchido por um outro, pode claramente portar algo da
subjetividade desse último e também de seus impasses com relação a essa criança
como, por exemplo, o cansaço, a falta de paciência e as informações veiculadas por
uma mídia financiada por laboratórios farmacêuticos.

O próprio conceito de transtorno aponta para um déficit orgânico que só poderá ser
solucionado com medicamentos. Conceito oposto a definição Lacaniana de ‘sintoma’
entendido como produção do sujeito.

Palavras-chaves: Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH/I),


diagnóstico, sintoma, psicanálise, corpo.
4

SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................ 5

Cap. 1-TDAH e a visão da Psiquiatria............................................................ 10

1.1 Definição............................................................................................ 10

1.2 A História Clínica do Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera-

tividade.............................................................................................................. 10

Cap. 2- A visão da Neurociência e o conceito de Funções Executivas. 16

Cap. 3- Transtorno ou Síndrome?................................................................. 18

Cap.4- Contribuições da Psicologia.............................................................. 21

Cap.5- Contribuições da Psicanálise ao Diagnóstico e compreensão do


Sintoma Hiperatividade................................................................................... 23

5.1 Diagnóstico Psicanalítico..................................................................... 23

5.2 A escuta como Auxiliar no Processo de Cura..................................... 26

5.3 Etapas da Constituição da Subjetividade............................................ 32

5.4 Função materna função paterna e relações vinculares....................... 37

5.5 O Corpo na Psicanálise....................................................................... 39

Cap.6- A escola e a patologização da educação: um desafio para a


psicopedagogia............................................................................................... 42

Cap.7-Conclusões............................................................................................ 44

8- Referências Bibliográficas............................................................................ 50

9. Anexos.......................................................................................................... 53
5

Introdução

Polêmico e instigante o Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH)


propõe aos profissionais da área de saúde e educação um desafio. Como defini-lo,
diagnosticá-lo e como intervir clinicamente de maneira assertiva, evitando os
diagnósticos-rótulos e sem se submeter a uma tentativa equívoca de se produzir um
sintoma em massa?

Torna-se cada vez mais urgente formar profissionais bem informados com relação
aos diversos modos de entender o TDAH e de diferenciar os interesses da indústria
farmacêutica (interesses comerciais) na crescente medicalização indiscriminada das
crianças ditas hipercinéticas.

A submissão dos profissionais da área psi aos diagnósticos médicos há muito vem
sendo questionada. É necessário aprimorarmos nossos conhecimentos e nossa
prática clínica para sustentarmos a capacidade de elaborar dessas crianças, ditas
hipercinéticas, como sujeitos de sua própria história, e não como autômatos,
cordatos, silenciados pelos medicamentos.

Com relação ao caráter normatizador da biomedicina, Foucault (1974) associa o


fenômeno por ele chamado de “medicalização indefinida”: a medicina teria
começado a funcionar fora de seu domínio tradicional, definido pela demanda do
doente. Passando a responder a outra coisa que não à demanda do doente, a
medicina se imporia ao indivíduo. Para Foucault (1974), a sociedade passaria a ser
guiada pela distinção entre o normal e o anormal, fornecida pelo discurso médico em
vigor.
Noto em meus pacientes em atendimento, o crescente uso de medicação para a
abordagem das problemáticas infantis que, no meu entender, marca algo mais que o
resultado dos avanços das pesquisas na área farmacêutica.

Aliado ao crescente uso de medicação há um problema claro de excesso de


diagnósticos infantis. Temos em Cypel (2003) um alerta para que a epidemia seja
atacada usando mais critério diagnóstico e deixando de lado os rótulos:

“Quero ressaltar a importância de que diante de uma criança com déficit de atenção
e hiperatividade, seja adotada uma atitude de avaliação multiprofissional,
procurando aferir todas as circunstâncias que a cercam principalmente a familiar,
escolar e social.” (p. 57)

A relação de consumo em nossa sociedade atual fomenta a crença de que o objeto


de satisfação pode ser oferecido pelo mercado, ou por uma técnica comportamental
que permita maior assertividade. Vemos, assim, agonizar diante de nossos olhos a
prática clínica da escuta.
6

Segundo Blanco (2007) 1·:

“É hoje mais necessária do que nunca a utilidade social da escuta em uma sociedade
onde a resposta tecnocrática ao sofrimento se baseia nos protocolos standardizados
que apagam a particularidade do sintoma e sua dimensão individual, condenando
cada um à cronicidade. Acrescenta-se a esse quadro uma clínica infanto-juvenil
dominada pelo déficit da palavra o qual condena as crianças à hiperatividade e ao
consumo maciço e precoce de drogas e álcool. O mau-viver encontra cada vez mais
lugares de tratamento e menos lugares de escuta e de acolhimento.” (p.05)

Em acordo com o pensamento de Blanco, Gorodiscy (2006) afirma que tem


observado “efeitos desastrosos” resultantes do que ela chama de “abordagem
farmacológica” nos distúrbios de hiperatividade, que vêm, principalmente, dos
atendimentos apressados em ambulatórios de saúde.

A pergunta recai sobre a lógica que rege a responsabilidade de se estabelecer um


diagnóstico que irá aderir à pele do sujeito infantil. Que um nome avalizado por certo
saber funcione como código, como uma senha, que imponha algum traço do sujeito,
em detrimento de outros, que ameace o movimento de uma subjetividade em
constituição e produza efeitos de clausura.

Atualmente o diagnóstico dessas crianças, ditas hipercinéticas passa por um


questionário denominado SNAP-IV. Esse instrumento foi desenvolvido para
avaliação de sintomas do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade em crianças
e adolescentes. Pode ser preenchido por pais ou professores e emprega os
sintomas listados no manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-
IV) para o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e transtorno
desafiador e de oposição (TDO). (Anexo I.)

Seria coerente realizar um diagnóstico de uma criança com base apenas em um


questionário?

Com respeito a essa questão Cypel (2003) afirma que:

Esses questionários podem ser úteis e são de fácil aplicação. Entretanto, podem ter
limitações por sofrerem interferências subjetivas do examinador mais severo em seus
critérios, pouco motivado em aplicá-lo, ou estarem sujeitos a influência da
instabilidade do comportamento da criança.

Não existe ainda um instrumento de avaliação que por si só, permita a realização do
diagnóstico isento de risco de incorreções ou críticas.

Untoiglich (2005) 2· nos convida a pensarmos a psicopedagogia clínica de orientação


psicanalítica, que nos revela o diagnóstico como um processo no qual se procura
encontrar o sentido histórico subjetivo das dificuldades de cada criança e sua
singularidade que se manifestam através das problemáticas escolares.

1
Publicado na revista Latusa digital, Nº29 Julho/2007
2
Untoiglich, G. (2005). Diagnósticos em La Infância: em busca da subjetividade perdida.
7

No entanto o psicodiagnóstico transcende toda essa questão do lócus. Não é por


estar dentro da escola que esse sintoma diz respeito apenas a psicopedagogia.
Esse transtorno deve ser analisado sob diversos pontos, e necessariamente, o
diagnóstico deve ser analisado e discutido por uma equipe multidisciplinar.
3
Fernández (2001) está em acordo com os outros autores acima citados quando
aponta que:

“Depois de múltiplas experiências psicopedagógicas que nos demonstram que a


modalidade de aprendizagem de um sujeito e, em conseqüência, seus modos de
responder e estudar na escola, não é conseqüência de características do organismo,
mas efeito de uma série de fatores, entre os quais desempenha um papel
fundamental a modalidade de ensino dos ensinantes, não podendo esquecer esse
saber, ficando seduzidos por um suposto saber que estaria alojado com os donos de
laboratório.

Por sua vez a psicanálise e a leitura analítica provam-nos que os efeitos mais
decisivos na história de uma pessoa são produzidos por causas não biológicas. O
corpo não é sua anatomia nem sua psicologia. “O corpo é o entrecruzamento de um
organismo a partir da inteligência e do desejo de intersubjetividade que nos
caracteriza como humanos.” (p.206)

Freud traz em seu texto “O sentido dos sintomas” (1916) 4, uma questão crucial em
relação aos sintomas psicanalíticos, afinal qual o sentido de tudo isso? “Atos-falhos,
sonhos, e sintomas neuróticos, têm um sentido e se referem estritamente à vida
íntima do paciente.” (p.305)

A vida íntima das crianças da atualidade fez como sintoma a desatenção e a


hiperatividade, fazendo-nos pensar em um mal-estar em nossos dias. Famílias
desestruturadas ou com novos padrões, violência doméstica, crianças vítimas de
abuso, separação dos pais, o luto pela perda de alguém querido, a “patologização” e
a medicalização da educação.

Bergés (2008) legitima os estudos de Freud e aponta para o fato de que o sintoma
fala certamente, mas o que ele diz? Deve-se saber antes de tentar fazê-lo calar.

“Aqui os transtornos da criança nada mais são que a parte visível, explorável, do
espaço conflitual parental, ou familiar. Freqüentemente, este espaço é descoberto na
primeira entrevista, desentendimento conjugal, alcoolismo de um dos pais, existência
de um estado depressivo grave na mãe, recente falecimento. Mas às vezes, é só ao
fim de muitos meses, anos até, que emergirá devido ao desconhecimento dos
próprios pais, a revelação dramática de uma doença hereditária, um segredo de
família sobre a origem deste ou daquele. É por ocasião de um lance inesperado que
se esclarecem as verdadeiras razões que mantêm em um primeiro plano fictício a
doença da criança, verdadeiro testa-de-ferro do problema: o sintoma do drama
familiar nada mais é do que a própria criança doente.” (p.122)

3
Fernández, Alícia (1990). A Inteligência Aprisionada; Porto Alegre: Artes Médicas.
4
Freud, Sigmund (1916-1917). Conferências Introdutórias sobre a psicanálise. ESB XVI, p. 305.
8

Fernández (2001) 5 vai de encontro ao pensamento de Bergés ao nos colocar que:

“Diagnosticam de forma errônea, com excessiva leviandade, “dislexias”, “discalculias”,


“disgrafias”, “ADDs”: assim, fica excluída, para os professores a possibilidade de
responsabilizarem-se por seu ensinar, para os pais, o perguntarem-se por sua
implicação, e, o que é mais grave as crianças são colocadas como objeto de
manipulação. ”(p.33)

Legnani (2006) 6 nos alerta também para o risco de seguirmos uma lógica
medicamentosa em que a prescrição do medicamento é feita a partir da
homogeneização dos pacientes e em detrimento de suas singularidades e leva a
não responsabilização dos adultos educadores:

Pesquisadores e médicos que em suas práticas clínicas aderem a essa "lógica


medicamentosa", a qual, por sua vez, ancora-se em uma concepção
naturalista/biológica do psiquismo humano, discorrem sobre as vantagens de se
medicar essa problemática. A argumentação feita é a de que esses sujeitos (e suas
famílias) podem experimentar um alívio ao saberem que são portadores de uma
desordem biológica passível de tratamento, uma vez que essa visão descarta
qualquer enfoque moral culpabilizante para os envolvidos.

No entanto, sabemos que esse discurso pode facilitar o descompromisso subjetivo


dos pais e educadores diante da problemática da criança, pois "tudo" torna-se
decorrente de uma desordem da química do cérebro que a medicação pode corrigir.
Em nossa concepção, de fato, o caráter da culpa deve ser abolido, mas o caráter da
responsabilização dos educadores adultos, nos impasses subjetivos da criança que
se manifesta nessa sintomatologia, não deve, nem pode ser proscrito. (p. 04)

Os estudos recentes nas áreas da genética e psiquiatria apontam para um


determinismo genético em relação ao transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade TDAH. Mas o que nos interessa é o que pode ser feito com isso.
Jorge Forbes, psiquiatra e psicanalista, relata em seu último seminário “Genética e
Psicanálise” que é preciso lutar contra o vírus RC (Resignação e Compaixão). O
paciente diante da descoberta de uma doença genética (incurável) se resigna com
sua doença a ponto de já sair do consultório médico como portador real de uma
doença que ainda nem se manifestou. Em contrapartida, a família acolhe o
diagnóstico demonstrando total compaixão pelo paciente e passando a justificar
seus atos através disso.

Partindo de uma revisão bibliográfica esse trabalho visa conceituar o TDAH de


acordo com as mais recentes pesquisas, oferecendo uma visão da psiquiatria, da
neurociência, da psicologia e da psicanálise. Estudar o TDAH e analisar as relações
dessa síndrome com as questões vinculares pais-filhos, e, como é estabelecido por
esses primeiros ensinantes o aprendizado que depois passará à escola. Alertar para
a questão da patologização da educação e conseqüente medicalização do espaço
pedagógico.

5
Fernández, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Artes Médicas: 2001.
6
Legnani, Viviane N., Andrade, Mariana F. de, Cairus, Raquel Cristina dos R. et al. Impasses na construção da
noção de alteridade nos processos de subjetivação das crianças com o diagnóstico de transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH).
9

No primeiro capítulo, abordaremos a visão psiquiátrica da hiperatividade ao longo do


tempo e de que maneira os pesquisadores chegaram ao chamado consenso acerca
da denominação TDAH. No segundo capítulo, traremos a visão da neuropsicologia e
a definição das chamadas funções executivas do cérebro e o papel dos primeiros
cuidados com o recém nascido. No terceiro capítulo, analisaremos o conceito de
transtorno e o de síndrome hipercinética. No quarto capítulo, abordaremos a
contribuição da psicologia e a visão de Wallon sobre os transtornos
psicossomáticos. No quinto capítulo, abordaremos as contribuições da Psicanálise a
compreensão da constituição subjetiva e suas implicações no sintoma
hiperatividade. No sexto capítulo, faremos uma reflexão acerca do risco que os
diagnósticos rótulos, feitos de maneira apressada e sem o devido diálogo, entre os
diversos profissionais, provoquem uma medicalização do espaço pedagógico.
10

Capitulo I- TDAH e a visão da psiquiatria

1.1 Definição

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDHA) é definido como um


transtorno do desenvolvimento infantil, cujos sintomas surgem na infância e
persistem na vida adulta em mais da metade dos casos, e, resultam em dificuldades
nos âmbitos da vida pessoal, acadêmica, familiar, social e profissional do indivíduo
portador, além de provocar forte impacto na vida das pessoas com quem se
relaciona cotidianamente (Rhode et. al. 2003) 7.

1.2- A História do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Proponho aqui uma análise da bibliografia mais recente e as definições do termo do


ponto de vista médico. Não pretendo, em momento nenhum, fechar esse conceito
dentro de uma visão biológica, apenas começarei onde de fato ele tem início.
Estudando sua evolução podemos analisar com mais clareza como pesquisadores e
cientistas chegaram à conceituação do TDAH quais foram os caminhos percorridos
para que esse transtorno fosse cientificamente aceito.

Estudarei o transtorno que se apóia sobre três aspectos, desatenção, hiperatividade


e impulsividade.

O termo TDAH nasce na medicina, mais especificamente na psiquiatria. Barkley,


Benczic, Camargos e Hounie, Cypel, Rhode, Topoczewski, Weiss entre outras fontes
citam o século XIX como ponto de partida para os estudos do termo TDAH ao longo
da história.

No entanto é difícil dizer, em que momento da história da clínica, essas


manifestações começam a corresponder a uma condição particular.

Paul Bercherie (1989) traz em seu livro “Os Fundamentos da Clínica” que no ano de
1909 Dupré apresentou sua primeira descrição sobre o que ele chamou de
“constituição emotiva”, e que posteriormente, seria trabalhado e mais bem elaborado
em vários artigos. Dupré descrevia:

“Certo modo de desequilíbrio do sistema nervoso simultaneamente caracterizado pelo


eretismo difuso da sensibilidade e pela insuficiência da inibição motora, reflexa e
voluntária, em virtude do qual o organismo apresenta ante os abalos que solicitam
sua sensibilidade, reações anormais em sua vivacidade sua extensão e sua duração”
(pg. 213)

7
Rhode, L. A. Mattos, P. & cols. Princípios e práticas em TDAH. Porto Alegre: Artmed, 2003.
11

Bercherie ainda acrescenta que Dupré assinalou o caráter fisiológico desses


distúrbios na criança pequena, sendo que sua perenização até a idade adulta
constituía um fato patológico.

Cypel (2001) está de acordo com Bercherie a respeito das contribuições de Dupré
para a gênese dessa caracterização nosográfica. Segundo Cypel, no ano 1925, os
trabalhos de Dupré assinalavam o desajeitamento ou a debilidade motora nas
crianças sem lesão cerebral, trabalho este que já apontava para algo da ordem do
emocional participando desse sintoma.

Henry Wallon que naquele mesmo ano irá publicar também sua tese de doutorado
“L’enfant Turbulent” (A criança Inquieta), pesquisa que foi o marco fundamental e
inicial do autor na área da Psicologia, observa e analisa detalhadamente 214
crianças entre dois e três anos e quatorze e quinze anos, com sérios distúrbios
psicológicos como: instabilidade, perversidade e delinqüência.

As crianças observadas no estudo eram atendidas em um posto psiquiátrico


instalado em um grupo escolar em Boulogne-Billancourt, subúrbio de Paris, entre os
anos de 1900 a 1912. Esta proximidade de seu ambulatório com a escola não foi
meramente circunstancial. Wallon pretendia fazer dessa proximidade um recurso
para ter acesso à criança contextualizada, ou seja, inserida em seu meio. Isso
possibilitou a ele um contato maior com as questões da educação. Sua obra
constitui-se numa construção que nos permite enxergar o ser humano em seu
equilíbrio dinâmico que engloba fatores biológicos e sociais. Quando abordarmos
adiante as contribuições da psicologia, demonstraremos como a teoria de Wallon
nos auxiliará com as questões do TDAH.

Continuando com a história clínica desse transtorno, Barkley, Camargos e Hounie


(2008) citam como precursor desse tema um médico alemão Heinrich Hoffmann
(1809-1894), que escreveu em 1845 “Der Struwwelpeter”, equivalendo em português
a “Pedro, o agitado”. O livro trazia entre outros, relatos sádicos que encenam alguns
destinos trágicos de crianças. Tomemos como exemplo, a lamentável estória de
Pauline que brincava com fósforos e acabava transformada em um monte de cinzas,
para o terror de seus gatos que choravam com os laços de Pauline amarrados em
seus rabos. Estórias macabras e que até hoje habitam o imaginário de alguns pais e
educadores, quando não conseguem estabelecer os limites de seus filhos.

No entanto, o crédito científico ficou com, George Frederick Still e Alfred Tredgold
(1902), que descreveram, pela primeira vez, crianças excessivamente ativas e
agitadas como sendo hiperativas, com falta de atenção, dificuldades de aprendizado
e problemas de conduta, caracterizando-as como tendo “defeitos mórbidos de
controle moral”.
12

Still descreveu, em 19028, detalhadamente, a condição de 43 crianças atendidas em


seu consultório que tinham dificuldades sérias para manter a atenção. Para esse
autor o controle moral do comportamento significava “o controle da ação em
conformidade com o bem comum”, ou seja, a capacidade de entender os próprios
atos ao longo do tempo e de ter em mente informações sobre si mesmo e sobre
seus atos bem como sobre o contexto. Associando esses déficits de controle a uma
lesão celular significativa tendo como conseqüência modificações neuronais.

Barkley (2008) 9 cita outros autores que seguindo a teoria de Still sobre lesões
precoces, explicavam as deficiências no comportamento e na aprendizagem. Esses
autores seriam Tredgold (1908) 10 e, tempos depois, Pasamanik, Rogers e Lilienfeld
(1956) 11, todos usaram a teoria das lesões precoces, leves e despercebidas para
explicar as deficiências no comportamento.

Desde então, o que viria a se chamar TDAH, passou por denominações como
“Lesão Cerebral Mínima”, ou seja, aquelas alterações funcionais que as crianças
apresentariam seriam em função de pequenas lesões cerebrais. E também
disfunção cerebral mínima como veremos adiante.

Barkley (2008) analisa que Strauss e Lehtinem (1947), argumentavam que as


perturbações cerebrais, por si só, já eram evidência de lesões cerebrais. Deste
trabalho chamo a atenção para as recomendações feitas à época às escolas que
trabalhavam com crianças portadoras da síndrome da lesão cerebral mínima. “As
salas deveriam ser austeras e os professores não poderiam usar jóias nem roupas
de cor muito forte. Poucos quadros adornando a parede para não distrair os alunos.”

Em 1962, em Oxford, na Inglaterra, foi realizado um simpósio com o objetivo de


chegar a um consenso sobre esse termo. O termo “Disfunção Cerebral Mínima”
substituiu o anterior eliminando a palavra lesão. Segundo Cypel (2003) 12 alguns
clínicos sugeriram que uma criança não podia ser rotulada como lesionada cerebral
unicamente em conseqüência de seu comportamento.

De acordo com Cypel (2003) essa substituição trouxe uma maior abertura para os
estudos que se seguiriam:

“Essa qualificação nosológica da DCM foi extremamente importante, pois permitiu ao


neuropediatra, que estava acostumado às manifestações neurológicas mais graves, o
interesse pela caracterização de discretas alterações relacionadas com as atividades
nervosas superiores, passando a estudar com mais profundidade o aprendizado

8
Still, G. F. (1902). Some abnormal psychical conditions in children.
9
Barkley, R. A. (2008). Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade: Manual para diagnóstico e
tratamento.
10
Tredgold, A. F. (1908). Mental Deficiency (amentia). New York: Wood.
11
Pasamanik, b., Rogers, M., & Lilienfeld, A. M. (1956) Pregnancy experience and development of behavior
disorder in children. American Journal of Psychiatry, 112, 613, 617.
12
Cypel, S. (2003). A criança com déficit de atenção e hiperatividade: Atualização para pais, professores e
profissionais da saúde. São Paulo: Lemos Editorial.
13

escolar, a aquisição da linguagem, a atenção, as percepções, a memória e outras


funções importantes relacionadas ao desenvolvimento da criança. (pg.14)”

Barkley (2008) cita que o conceito de “disfunção cerebral mínima”, teria uma morte
lenta à medida que começou a ser reconhecido como vago abrangente demais, de
pouco ou nenhum valor prescritivo e sem evidência neurológica.

“O termo “disfunção cerebral mínima finalmente foi substituído por rótulos mais
específicos aplicados a transtornos cognitivos, comportamentais e de aprendizagem
que eram um pouco mais homogêneos, como “dislexia”, “transtornos da linguagem”,
“dificuldades de aprendizagem” e “hiperatividade”. “Esses novos rótulos baseavam-se
nos déficits observáveis e descritivos das crianças em vez de algum mecanismo
etiológico subjacente ao cérebro, que não poderia ser observado.”

No ano de 1968, o manual diagnóstico e estatística das perturbações mentais (DSM


II) 13 já descreve uma categoria diagnóstica de “Reação Hipercinética na Infância.” A
presença da expressão “reação”, indicava a influência que noções psicanalíticas
ainda exerciam na compreensão do transtorno e em todo o DSM-II. A ascendência
da psicanálise na psiquiatria americana permitia conciliar o reconhecimento da
existência da síndrome com a postulação de fatores ambientais e psicológicos
envolvidos em sua origem, entendendo-se que a inquietude da criança poderia ser
causada por eventos de sua vida familiar e social.

Na década de 1970, vários pesquisadores começaram a criticar a centralidade


concedida à hiperatividade na síndrome. Wender (apud Hounie e Camargos, 2005)
14
desenvolveu uma descrição de várias características dos pacientes com TDA/H,
desviando o foco da hiperatividade para outros aspectos como: dificuldade de
controle motor, dificuldade de aprendizado, desatenção persistente, descontrole de
impulsos, dificuldades no relacionamento interpessoal e descontrole na regulação
das emoções.

Segundo Camargos e Hounie (2005), duas novidades são introduzidas aqui a


respeito da hiperatividade, A primeira é que poderia existir um quadro apenas de
desatenção sugestão que rapidamente foi recebida no meio científico, e a segunda,
a noção de que os descontroles emocionais – fúrias repentinas, explosões,
irritações, reatividade emocional acentuada, etc.- também pudessem figurar como
critério integrante do diagnóstico. No entanto essa segunda novidade foi recebida
com mais reservas e acabou não prevalecendo como critério diagnóstico formal.

No final da década de 1970 e início da década de 1980 ficaram nítidas as


discrepâncias entre a visão americana e a visão européia desse transtorno. Barkley
(2008) e Cypel (2003) concordam com essas discrepâncias e acrescentam que os

13
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. American psychiatric publishing.
14
Camargos, W. Jr.& Hounie, A. G. (2005) Manual clínico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Nova Lima: Editora Info.
14

cientistas norte-americanos continuavam a reconhecer o transtorno como mais


comum, em necessidade de medicação e mais provável ser um déficit de atenção,
ao passo que os cientistas europeus continuavam a enxergá-lo como incomum,
definido por hiperatividade grave e associado a lesões cerebrais. Cypel (2003) que
na época desenvolveu seus trabalhos nessa área na London University avaliou
crianças com e sem dificuldade de aprendizagem associada ao transtorno, já
constatava uma diferença de 20% a 30% das crianças americanas diagnosticadas
contra 5% ou menos das crianças inglesas.

Ainda segundo o autor, as revisões críticas de Rutter (1977, 1982) e as pesquisas


de Rie e Rie (1980), enfatizaram a falta de evidências clínicas para uma síndrome
tão ampla. Sendo assim, não havia uma definição clara dos sintomas que também
não tinham co-relação entre si, com pouca ou nenhuma evidência de anormalidades
neurológicas. Mesmo em casos de lesões cerebrais bem estabelecidas, não havia
seqüelas comportamentais uniformes entre os casos.

A década de 1980 faz da hiperatividade o transtorno psiquiátrico infantil mais bem


estudado. Com a tentativa de desenvolver critérios diagnósticos mais específicos
toda uma gama de artigos, pesquisas, livros e conferências foram realizados. Devido
a toda essa produção científica houve progressos significativos em relação ao
diagnóstico diferencial da hiperatividade em relação a outros transtornos
psiquiátricos.

O manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-III elaborado pela


American Psychiatric Association, 1980) publicou o que era referido à disfunção
cerebral mínima, (DCM), como (TDA-H, TDA+H) baseado na presença ou ausência
de hiperatividade. O que caracterizava esse quadro eram desatenção, impulsividade
e hiperatividade.

De acordo com Legnani (2008) 15:

Na década de 1980, na edição do DSM III, a Academia Americana de Psiquiatria


propõe uma separação das perturbações por Déficit de Atenção e Hiperatividade em
relação aos Distúrbios de Aprendizagem. Propõe, também, uma abordagem
operacional para o diagnóstico das perturbações por déficit de atenção. Esta
orientação será, posteriormente, incorporada pelo DSM IV, o qual, como já se
destacou, em nome de uma facilitação da prática diagnóstica, propõe como critério de
inclusão em uma determinada categoria diagnóstica os traços comportamentais
apresentados pelo paciente.

Sua edição seguinte, DSM-III-R (1987) irá nomear novamente o transtorno


eliminando seus subtipos. Chegando aos nossos dias, com as denominações de
“Transtornos Hipercinéticos”, na classificação internacional de doenças CID-
10/OMS-1993 e de “Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade” no DSM-IV,
da Associação Psiquiátrica Americana (1994).
15
Legnani, Viviane. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Vol. 60, Nº 1, (2008).
15

A versão mais recente e revisada o DSM-IV-TR da American Psychiatric Association


(2000) usado principalmente nos EUA, tem uma semelhança, embora não seja
idêntico com a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) de 1994,
que é usada principalmente na Europa.

O DSM-IV-TR traz as últimas revisões do TDA/H dentro de novos e revisados


critérios. O DSM IV traz três subtipos:

• Predominantemente desatento

• Predominantemente hiperativo/impulsivo

• Combinado

O DSM-IV-TR não alterou esses três aspectos de forma significativa.

Os critérios do DSM-IV-TR estipulam que os indivíduos devem apresentar sintomas


de TDA/H por pelo menos seis meses, que esses sintomas devem aparecer em um
grau que represente inadequação ao nível de desenvolvimento, que os sintomas que
produzem comprometimentos devem ter se desenvolvido até a idade de sete anos.

O diagnóstico de TDA/H, apesar de ser feito a partir da disfunção atencional, exige


que estejam presentes a impulsividade e hiperatividade e em mais de um ambiente,
bem como a necessidade de dados fornecidos por pais e professores.

Camargos e Hounie (2008) esclarecem que o desenvolvimento de manuais e


critérios diagnósticos, no final do século XX, contribuiu para o controle do problema
da confiabilidade, mas deixou em aberto a questão da validade do diagnóstico
psiquiátrico.

Estando os sinais e sintomas CID, DSM dos transtornos mentais amplamente


distribuídos na população, porém, com freqüência, intensidade e impacto maiores nos
pacientes do que na população geral, a sua simples ocorrência não define a presença
de um transtorno mental. Existe a necessidade adicional de definir e de validar um
limiar para a presença ou ausência de um transtorno. A tarefa se torna mais
complexa quando se verifica que a nosologia psiquiátrica atual utiliza critérios
descritivos, como presença de sinais e de sintomas e observação de curso e de
resposta ao tratamento, sem levar em consideração possíveis causas. Dentro desse
processo diagnóstico, existe a necessidade adicional de uso de julgamento clínico
sobre a relevância dos sinais e dos sintomas, baseada em uma avaliação dos
prejuízos funcionais causados por eles. (p. 23)

Barkley (2008) continua suas pesquisas acerca deste tema do ano de 2000 até o
presente momento e traz para nós as últimas descobertas.
“As tendências dos anos noventa certamente continuarão no séc. XXI, com muito
mais pesquisas publicadas sobre, a hereditariedade genética, molecular e
neuroimagem juntamente com algumas tentativas de se relacionar esses campos
entre si. A base hereditária não apenas foi firmemente estabelecida por muitos artigos
16

recentes, como vários estudos atuais podem ter descoberto outros genes candidatos
ao transtorno (alelo DBH Taq I).”

“... de fato nenhuma parte da bibliografia do TDAH cresceu de forma tão espantosa
quanto à neuropsicologia. Essa literatura continua a sustentar a visão de que o TDAH
compreende um problema com a inibição comportamental (executiva). A
neuropsicologia sugere que os problemas de atenção associados ao transtorno
provavelmente representem déficits em domínio neuropsicológico mais amplo do
funcionamento executivo. (p.48)”

Cypel (2003) trata da questão das funções executivas acima descritas por Barkley e
faz todo um trabalho voltado ao estudo das relações das FE com os transtornos de
aprendizado. Para melhor avaliarmos as questões relativas às funções executivas
vamos conceituar e analisar, principalmente no que diz respeito à memória de
trabalho.

2.0- A visão da neurociência e o conceito das chamadas Funções Executivas

Barkley (2008) define as FE’s (Funções Executivas) como sendo: “uma classe
específica de ações auto dirigidas do indivíduo que são usadas para auto-regulação
relacionada com o futuro.”

Já Cypel (2003) trabalha com a definição de Fuster (1997), que conceitualmente


considera as FE “um conjunto de funções responsáveis por iniciar e desenvolver
uma atividade com objetivo final determinado”.

Esse conjunto de processos capacita os indivíduos a realizar de maneira


independente e autônoma atividades dirigidas a metas.

Segundo Welsh e Pennington (1989) corresponderia a “habilidade para manter um


set de resolução de problemas visando um objetivo futuro,” habilidade adquirida no
relacionamento dessa criança com seu meio e com seus primeiros ensinantes. Um
exemplo disso é que nos primeiros dias do bebê, é sua mãe quem tem que
estabelecer um ritmo de mamadas, e se, no intervalo ainda assim o bebê a solicitar
(com choro) ela pode administrar água ou um chá, mas o leite tem que ser dado no
intervalo de tempo que já vai sendo estabelecido por sua mãe.

Segundo Cypel (2003) esses primeiros cuidados com o recém nascido são
essenciais para criar um ambiente acolhedor e deixar o bebê mais tranqüilo. O fato
de deixá-lo por várias horas sem alimentação, sem cuidados (no caso de uma mãe
deprimida) faz com que essa criança fique ansiosa e desenvolva um modo de
resposta desencadeando um mecanismo de desadaptação, podendo gerar altos
níveis de ansiedade no par mãe/bebê que são fatores desorganizadores do vínculo.
17

“As vivências dessas ansiedades iniciais do bebê não acolhidas adequadamente


manteriam o núcleo amidalóide funcionando de modo exagerado (stress), com
registros inclusive na memória, atuando sobre as suas conexões com sistema
nervoso autônomo e provocando um funcionamento catecolaminérgico exagerado,
mais especialmente com a liberação de noradrenalina. Nessas circunstâncias, os
mecanismos inibitórios e de regulação mediados pela região pré-frontal e cíngulo não
iriam atuar de modo eficiente no controle e regulação da atividade da amígdala.”

“Do ponto de vista clínico verifica-se um bebê bastante irritado, com choro freqüente e
voraz, solicitando mamadas a curtos períodos; em geral há dificuldade no sono
acordando diversas vezes e ficando boa parte do tempo no embalo do colo materno.”

“A mãe por sua vez está exaurida sem estratégias nem condições emocionais para
lidar com essas circunstancias, agregando-se, com relativa freqüência, uma ausência
da participação paterna.” (p.14)

Tudo isso contribuirá para que o cérebro do bebê deixe de formar uma homeostase
comportamental interferindo, em sua “self regulation”, que é toda a base de
formação das Funções Executivas.

Segundo Baron apud Camargos & Hounie (2005), o constructo – Função Executiva
(FE)- é heterogêneo e inclui alguns comportamentos gerais e amplos, como
raciocínio abstrato, resolução de problemas e formação de conceitos, assim como
vários outros muito específicos que determinam subdomínios da FE oriundos, ou de
estudos empíricos, ou de julgamento clínico.

Baron (2004) identifica como subdomínio da FE as seguintes


funções:

• Antecipação;

• Autocontrole e autogerenciamento;

• Bom senso e criatividade;

• Capacidade de fazer estimativas;

• Comportamento inibitório;

• Controle de atenção;

• Controle do comportamento;

• Flexibilidade mental;

• Fluência;

• Formação de conceitos;

• Generalização de hipóteses;
18

• Iniciativa;

• Memória operacional;

• Organização e mapeamento de objetos;

• Planejamento de ação;

• Raciocínio abstrato;

• Resolução de problemas.

E é Baron (2004), quem conclui que “o termo FE engloba capacidades


metacognitivas que permitem ao indivíduo perceber estímulos do ambiente,
responder adaptativamente, ter flexibilidade para mudanças, antecipar, medir
conseqüências e responder de uma maneira integrada e com bom senso, utilizando-
se todas essas capacidades para atingir um objetivo final.”

3.0 - Transtorno ou síndrome?

Conforme o DSM IV-TR, um transtorno psíquico é diagnosticado quando existe um


conjunto de sintomas que deve ser constante em determinado período da vida de
uma pessoa. Além disso, esses sintomas devem provocar conseqüências negativas
na vida dessa pessoa, causando-lhe sofrimento ou incapacitação, aumento do risco
de vida, dor e deficiências que causem perda de sua liberdade. Os critérios para que
seja dado um diagnóstico de transtorno psíquico são os seguintes:

 Significância clínica: os sintomas, para serem considerados em um


diagnóstico, devem ter intensidade suficiente para interferirem de forma
considerável na vida do indivíduo. Esta interferência é avaliada de forma
objetiva e subjetiva. Na primeira é avaliado se os sintomas causam prejuízos
na funcionalidade do indivíduo, ou seja, faltas ao trabalho ou à escola.
Problemas nos relacionamentos interpessoais, problemas familiares, queda na
produtividade, incapacidade para se envolver em atividades de lazer,
incapacidade para realizar atividades do dia-a-dia, entre outros. Ou então os
sintomas devem representar risco de deficiência, perda da liberdade ou danos
à integridade física, psíquica e emocional da pessoa que os apresenta ou de
terceiros. Por exemplo, sintomas que causem surtos de agressividade;
sintomas que impedem que o portador possa viver de forma independente;
sintomas de humor tão intensos que levam a pensamentos suicidas. E a
avaliação subjetiva é aquela que não é “visível”, mas que o indivíduo relata
como sofrimento intenso, dor e incapacidade de se manter em um patamar
satisfatório de bem estar e de qualidade de vida.
19

 Freqüência dos sintomas: os sintomas devem estar presentes na maior parte


do tempo. Por exemplo, em transtornos de ansiedade, os sintomas devem
estar presentes durante quase todo o dia e quase todos os dias.

 Quantidade de sintomas: para cada diagnóstico, um número mínimo de


sintomas deve estar presentes. Os sintomas-chave são sintomas que
obrigatoriamente devem estar presentes para considerar o referido
diagnóstico. Já os sintomas secundários são os de menor importância para se
considerar um diagnóstico e sua ocorrência é muito variável. Por isso,
geralmente existe uma listagem de possíveis sintomas deste tipo para cada
transtorno e o critério para um diagnóstico exige que um dado número
daqueles sintomas deva estar presente. Por exemplo, para o diagnóstico de
depressão maior, necessariamente deve haver humor deprimido ou perda do
prazer na maioria das atividades para se considerar tal diagnóstico. Se
nenhum destes dois sintomas está presente, mesmo que os demais sintomas
estejam, deve-se considerar outro diagnóstico. Depois de verificar a presença
destes sintomas-chave, existem ainda outros sintomas secundários dos quais
devam estar presentes para selar o diagnóstico.

 Período de duração dos sintomas: para cada diagnóstico é definido um


período mínimo de tempo em que todos os sintomas mínimos para preencher
um diagnóstico devem estar presentes. No caso do TDAH os sintomas devem
estar presentes por, no mínimo, seis meses.

Tratarei por síndrome hipercinética o TDAH por se tratar em medicina (de um


conjunto de sinais e sintomas) que pode estar ocorrendo em conseqüência de
múltiplos fatores, ambientais, psicológicos envolvidos em sua origem, entendendo-
se que a inquietude da criança poderia ser causada por eventos da sua vida familiar
e social. Sem contar que o diagnóstico de transtorno parece privilegiar apenas os
aspectos biológicos da vida do sujeito. Nesta perspectiva se fragilizam as
possibilidades de pesquisa, pois, o enquadramento diagnóstico de crianças e
adolescentes, obstrui o campo para formulação de outras indagações em relação ao
sujeito do desejo. “Porque está agitado?” “Porque não vai bem à escola?” “Porque
está agressivo?”

Cypel (2003) acrescenta que, “é de fundamental importância uma vez identificado o


diagnóstico sindrômico, que o passo seguinte seja perguntar-se: ‘Por que isso está
ocorrendo? ’”
20

E esse “por que” diz respeito à particularidade de cada caso e como essa criança
portadora do TDAH, lida com seu entorno, pais, irmãos, amigos, professores e o
meio ambiente em que vive.

Prioritariamente cabe-nos observar ainda que ao diagnosticarmos uma criança com


TDAH todas essas questões trazidas até aqui, sejam levadas em conta. E, mais
importante ainda, é considerar que se trata de um sofrimento do qual padece em
nosso recorte específico, uma criança. Uma criança que por não ter sido ouvida fez
em seu corpo um sintoma.

Ansermet (2003) aponta que não podemos ver essa criança apenas como alguém
que manifesta um defeito orgânico ou mental, segundo a lógica da deficiência. (...)
Mesmo que o sujeito, como humano, efetivamente se apóie na realidade de seu
organismo, não deixa de estar preparado para o simbólico, para receber a
demarcação simbólica. (89p.)
21

4.0 – Contribuições da psicologia

É no corpo que esse sintoma hiperatividade se faz mais presente, e é através dele
que a criança irá manifestar seu mal estar.

Pain (1992) esclarece que existem condições externas para a aprendizagem, que
definem o campo dos estímulos e internas, que definem o campo do sujeito. A essas
condições internas ela faz referência a três planos intimamente relacionados. O
primeiro plano é o corpo, é com o corpo que se aprende, as condições do mesmo
favorecem ou atrasam os processos cognitivos, em especial os de aprendizagem.

O segundo plano está ligado à condição cognitiva da aprendizagem, isto é, à


presença de estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento.

O terceiro plano seria o das condições internas da aprendizagem e está ligado à


dinâmica do comportamento.

Nesse ponto retomaremos a pesquisa de Wallon, médico, psicólogo que se ocupa


do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na
construção do psiquismo. Isto permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à
emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo.

A noção de complexo familiar é um dos momentos que mais aproximam Wallon de


Lacan, o complexo como ambiência. Para Wallon há um ambiente que cerca o
sujeito como envoltório tecendo-o através da linguagem e da fala. E acrescenta: “É
preciso compreender que por trás da descarga impulsiva existe a expressão das
necessidades múltiplas da criança que reclama afeto, ajuda e compreensão.”

A citação da obra de Wallon, “L’enfant Turbulent” acima nesse trabalho se justifica


também pela preocupação central que este psicólogo teve em firmar a
especificidade da psicologia, opondo-se a qualquer espécie de reducionismo
(organicista ou sociológico) ou ao dualismo "alma e corpo". Wallon não aceitava
dissociar o biológico do social.
Ele mostra que, para se conhecer a natureza das funções e suas relações, não
basta uma análise neurológica. Mas, a referida análise pode dar referências sobre o
desenvolvimento maturacional psicológico que organiza e estrutura as funções
orgânicas ao longo da vida. Esse aparato biológico, em estruturação contínua e
constante integração com o meio que o estimula, dá condições para a evolução
individual dentro do coletivo.
“A influência do meio modifica-se à medida que se desenvolve o psiquismo,
possibilitando respostas cada vez mais diferenciadas e específicas para as mais
diversas situações.”
22

Por essas razões, as insuficiências psicomotoras não podem ser isoladas do


conjunto e o que se observa não é resultante apenas das deficiências em si, mas
também, das reações das áreas que não apresentam esse déficit.
Para o diagnóstico psicopedagógico devemos levar em conta as relações dessa
criança com os pais primeiros cuidadores. E analisarmos como se deram essas
relações desde a gestação. Ao escutarmos a história de vida dessa criança, contada
por seus pais, conseguimos estabelecer as necessárias correlações entre a
natureza de seus sintomas e suas relações vinculares
A preeminência, da clínica do olhar, na medicina tem como contraponto na
psicanálise o estabelecimento de uma clínica da escuta. Era para isso que Wallon já
apontava, pois ao pontuar as questões da criança que reclama afeto podemos ler aí
uma demanda.
Bergés (2008) nos dirá da importância de analisarmos algumas articulações da obra
de Wallon a partir das seguintes questões com relação à hiperatividade:

Porque esta forma tônico-motora de instabilidade mais do que outra forma?

Porque o corpo estará em jogo sob essa forma nessa criança?

Porque hipercinético uma vez que ele poderia encontrar outra coisa?

Um começo de introdução: existe então entre o desenvolvimento cognitivo e o


desenvolvimento motor uma articulação que cada um pode constatar. Mas a atividade
da criança faz que essa articulação entre os dois, entre a evolução cognitiva e a
evolução motora, seja tomada na erotização desta atividade. É a erotização da
atividade que faz o motor. Não são somente as estruturas neurofisiológicas ou os
neurotransmissores, mas esta atividade erotizada; ela vai se encontrar implicada na
repetição que a reproduz. Essa erotização tende a se reproduzir na erotização da
ação. Essa reprodução – e aí Wallon disse algo importante- essa reprodução decorre
do que Lacan destacou no sujeito aparecendo na imagem especular, ou seja, que é o
outro, a mãe que detém as chaves do meu corpo. (p.123)

Tendo em vista o acima exposto e visando articular teoria e prática, sem acentuar ou
destacar uma em detrimento da outra, mas sim privilegiar uma direção ética voltada
para o sujeito em sua dimensão inconsciente, sua demanda e seu desejo.
Pretendemos propiciar uma abertura interdisciplinar produzindo conexões com
outros campos de saber.

Isto posto passamos ao próximo capitulo deste trabalho, onde abordaremos as


contribuições do olhar psicanalítico ao diagnóstico, tratamento e intervenção
psicopedagógica ou de outras áreas psi que auxiliadas por essa escuta psicanalítica
busquem aprimorar seus conhecimentos a respeito do sofrimento psíquico e
propiciem uma melhora nos sintomas das crianças ditas hiperativas.

Onde está o sujeito? Há sujeito nesse sintoma TDAH? Lacan nos coloca esse
desafio como psicanalistas devemos resgatar o sujeito preterido no discurso da
ciência.
23

5.0. Contribuições da psicanálise ao diagnóstico e compreensão do sintoma


hiperatividade.

5.1. Diagnóstico Psicanalítico

As idéias de Freud realmente germinam no solo do mundo científico do final do


século XIX. Segundo Mannoni (1989), ao estudar a histeria, ele:

... Descobre que uma paralisia histérica pode cobrir um território anatômico que
contradiz aquilo que poderíamos chamar de cartografia neurológica. Não põe em
dúvida absolutamente a verdade e a exatidão da Neurologia, ao contrário. É sobre
essa verdade anatômica que irá se fundar. Mas, levantará a hipótese de que há algo
imaginário nessas paralisias... É por meio da verdade neurológica que se tenta refutar
as paralisias histéricas (o que não significa curá-las), mas, jamais a Psicanálise
tentará refutar a Neurologia... Em presença de uma paralisia, um neurologista deve
acabar por achar algo que não funciona em algum lugar na materialidade do sistema
nervoso. Freud, pelo contrário, pensa que seria preciso antes olhar para o lado da
"imaginação das histéricas." Falando assim, não contradiz em nada a ciência dos
neurologistas, ao contrário, fundamenta-se justamente nessa ciência para emitir essa
hipótese. (pp. 154-155)

Os pacientes procuram ajuda através de seus sintomas, que podem ser de ordem
física, familiar, sexual, profissional, etc. Para a Psicanálise, o sintoma precisa ser
apreendido na trama de sua elaboração inconsciente. Assim, o procedimento para a
investigação dos processos nos níveis inconscientes tem como modelo a
interpretação de sonhos que busca nestes um sentido e é essa decifração de
sentido que se impõe, mostrando a importância da linguagem e servindo de
paradigma para a apreensão do sintoma.

O objetivo, então, não é diretamente eliminar o sintoma, aliviar rapidamente o mal-


estar, corrigir possíveis deficiências, porque ele tem um sentido rigorosamente
subjetivo e é portador de uma verdade que precisa ser revelada ou desvendada. A
cura do sintoma virá como um desdobramento do próprio processo analítico. Freud
(1923 [1922]) 16 estabelece que o objetivo da análise seja capacitar o paciente:

... a poupar a energia mental que está despendendo em conflitos internos, obtendo do
paciente o melhor que suas capacidades herdadas permitam, e tornando-o assim tão
eficiente e capaz de gozo quanto é possível. Não se visa especificamente à remoção
dos sintomas da doença, contudo ela é conseguida, por assim dizer, como um
subproduto, se a análise for corretamente efetuada. O analista respeita a
individualidade do paciente e não procura remoldá-lo de acordo com suas próprias
idéias pessoais, isto é, as do médico; contenta-se em evitar dar conselhos e, em vez
disso, em despertar o poder de iniciativa do paciente. (p. 304)

16
Freud, S. ([1922] 1923). Dois verbetes de enciclopédia. ESB Vol. XVIII.
24

Quando uma criança é levada ao consultório por seus pais, faz-se necessário
investigar de onde procede a queixa, se dos pais, da criança, da instituição de
ensino, do pediatra. São de fundamental importância as entrevistas preliminares, as
quais já apresentam em alguns casos certa ação terapêutica.

O terapeuta desde o inicio tem um compromisso com a criança e com os pais no


sentido de acolhê-los e informá-los a respeito do diagnóstico e do tratamento.

O diagnóstico é uma construção de saber, e como tal, demanda tempo e habilidade


do terapeuta.

Infante (2003) traz que:

O sintoma analítico é um nó de sentidos que implica a subjetividade dos pais ou


daqueles que se encarregam dos primeiros cuidados com o bebê. O foco de atenção
gira em torno do sintoma, porém a importância da função paterna é crucial de ser
investigada.

Segundo esse autor, devem ser questionados os seguintes pontos em relação a


esses e outros sintomas da infância:

• Há colocação de limites? Como a criança reage a eles?

• A mãe e o pai são capazes de sustentar esses limites para além da resistência da
criança ou cedem com facilidade?

• Que idéia se tem sobre disciplina?

• Qual a história dos pais com seus próprios pais?

• Como é a relação do casal? Há inclusão ou exclusão mútua? Há competitividade? Há


atribuições claras e identificadas?

• A mãe/pai considera a palavra do pai/mãe ou a sabota?

• A criança é campo de disputa entre os pais? Protegem a criança um do outro?


Sustentam a ordem um do outro ou se desautorizam?

• Como a criança responde a essas situações: faz uso, fica confusa, dividida ou
ignora?(p.783)

Acrescentaríamos a essas questões em torno da clínica ainda outras como:

 Como os pais lidam com a hiperatividade de seu filho (a)? Eles o acham
normal? Acham-no insuportável? Tem vergonha de seu filho?

 Culpam seu filho (a) pelos desentendimentos do casal?

 Justificam seu comportamento fazendo uso desse rótulo?

Bergès nos dirá que é justamente do lado dos adultos que se dá a tentativa
equivocada de justificar os atos da criança.
25

Ora, quem de fato deveria falar sobre sua hipercinese, é a própria criança, desde
que, seja oferecido a ela esse espaço ela certamente fará uso da palavra.

Devemos ouvir nas entrevistas preliminares aquilo que Pain (1992) pede para
investigarmos a respeito do motivo da consulta, buscar o significado do sintoma para
a família e também o significado do sintoma na família.

Para tal é imprescindível que esse profissional, no caso o analista busque ouvir seu
paciente, ouvir os pais de seu paciente, buscar analisar por que via esse paciente
chegou até ao consultório. Quem o encaminhou? A escola, o pediatra, um
psicólogo? Ele chegou até nós após a leitura de um artigo em revista, um programa
de televisão que seus pais assistiram? Há uma questão familiar?

Isso demonstra o tipo de vínculo que o paciente pretende estabelecer ao colocar o


problema como próprio ou como imposto de fora.

Ouvir sua história vital contada por ele mesmo e por seus pais. Saber como se
relaciona com seus familiares, que lugar ocupa nessa família e como lida com isso.
Saber como o paciente se relaciona com seu sintoma e que uso faz dele.

Discorrer sobre a família ou qualquer outra instituição remete ao problema da


relação do ser humano com a lei.
Uma lei, para ser respeitada, precisa ter potência de interdição. Na concepção
freudiana, para a resolução do Édipo é necessário o temor à castração. É a partir da
aceitação das regras e interdições que o desejo pode se estruturar, integrando o
sujeito no circuito social. O momento atual não facilita esta elaboração, deixando
livre acesso aos impulsos primitivos.
Nas palavras de Hélio Pellegrino: “A ruptura com o pacto social, em virtude de
sociopatia grave como é o caso brasileiro, pode implicar a ruptura, ao nível do
inconsciente, com o pacto edípico. Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e
fundamental representante, junto à criança da Lei da Cultura. Se ocorre, por
retroação, tal ruptura, fica destruída, no mundo interno o significante paterno, o
Nome-do-Pai, e, em conseqüência, o lugar da lei. Tal desastre psíquico vai implicar
o rompimento da barreira que impedia em nome da lei a emergência dos impulsos
delinqüenciais pré-edípicos, predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos.
Assistimos a uma verdadeira volta do recalcado. Tudo aquilo que ficou reprimido ou
suprimido em nome do pacto com o pai, vem à tona, sob forma de conduta
delinqüente e anti-social.”

5.2 - A Escuta como Auxiliar no Processo de Cura


26

Severino (2007) 17 aborda a trajetória das Ciências Humanas trazendo que em sua
gênese essas ciências procuraram praticar a metodologia experimental/matemática
da ciência, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológicos do
Positivismo.

No entanto, o ser humano é portador de suas peculiaridades, e como diz Edgar


Morin o ser humano é um homo complexus e a metodologia positivista se viu
insuficiente para apreendê-lo e explicá-lo. Mesmo sem abandonar a tradição
positivista as Ciências Humanas foram enriquecendo-a e aprimorando-a. E é
Severino que continua a nos orientar nesse percurso quando diz:
O Estruturalismo é outra corrente epistemológica, também inserida na tradição
positivista, que muito marcou as Ciências Humanas, Tendo como referencia
fundamental a obra de Claude Lévi-Strauss. Na verdade, teve sua origem mais
imediata nos trabalhos de lingüística desenvolvidos por Saussure, ao mostrar que a
língua é de fato um sistema de signos que funciona independentemente das
intervenções eventuais dos sujeitos. Esta idéia de que a estrutura é um micro-sistema
anterior à intervenção histórica dos sujeitos acabou se generalizando para todo o
âmbito da cultura, vista como um grande sistema de comunicação, como um grande
sistema de signos, portador de suas leis e regras gerais que definem
apriorísticamente, as ações dos sujeitos. (p.113)

Citamos o estruturalismo, pois, foi a partir dele que pensadores como Lévi-Strauss,
Foucault e Jaques Lacan lançaram luz à questão do homem e de sua forma de vida
social. Apoiados no pressuposto de que todas as formas de vida social se organizam
sob o modelo de sistemas estruturados, sempre de acordo com regras de ordenação
e de transformação.

De onde deriva a psicanálise? Deriva da ciência nos dirá Elia (2000).

Mas se a psicanálise deriva da ciência, não se reduz a ela, operando segundo esse
autor em relação ao passo inaugural da ciência, um corte, um rompimento
discursivo, para cujo entendimento a noção de sujeito é a chave fundamental,
porquanto é em relação à posição dessa noção em cada um desses dois campos
discursivos, o da ciência e o da psicanálise, onde melhor se esclarecem as relações
entre esses campos. E continua:
Foi o pensamento de Lacan que trouxe as condições epistemológicas para este
esclarecimento. Freud aspirava a que a psicanálise viesse a ser reconhecida como
uma ciência. Nesse sentido, ele nutria o Ideal de Ciência, como dirá Jean Claude
Milner, o que significa que ele não podia do ponto em que se situava, como fundador
da psicanálise, tirar todas as conseqüências de seu passo.

Lacan coloca para a ciência a questão: “que ciência poderia incluir a psicanálise?”,
demonstrando com isso que é a psicanálise que coloca para a ciência uma questão,
precisamente a de ter reintroduzido o sujeito na cena discursiva em que a ciência ao
fundar-se, o situou e da qual, no mesmo golpe, o excluiu. (p.20)

17
Severino, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23 Ed.Rev. e Atual. –São Paulo: Cortez, 2007.
27

A psicanálise se propõe ir além do que se manifesta no visível. A escuta daria


acesso a algo inapreensível pelo olhar da clínica médica. Antes de tudo a
psicanálise é a clínica do sujeito, de um sujeito que não pode se perceber como tal.
A hipótese do inconsciente supõe um sujeito que não é senhor de si próprio. Uma
parte dele escapa. Ele é, por estrutura, divido. Arsemet (2003: 09)

Lévy (2008) trata sobre a especificidade do sintoma na criança trazendo como


contribuição a nossa reflexão as seguintes questões com base em textos freudianos
como A Psicopatologia da Vida Cotidiana:

Inicialmente poderíamos abordar a questão de saber o que é um sintoma na criança,


questão que Freud estudou com precisão esperando que a resposta o levasse a
esclarecer ao mesmo tempo a formação de todos os sintomas neuróticos: “É bem
possível que o esquecimento infantil nos dê o meio de compreender as amnésias
que, segundo nossos conhecimentos mais recentes, estão na base da formação de
todos os sintomas neuróticos”.

Desde o início de sua obra Freud define o sintoma como a etapa final da doença; é
uma função de compromisso resultante de um conflito que resultou numa defesa mal
sucedida. O que é para ser recalcado se impõe ou retrocede. O problema todo é
então colocado em termos de capacidade do recalque em exercer seu papel. Freud
distingue dois períodos da vida: de 8 a 10 anos e de 13 a 17 anos aproximadamente
que são os momentos em que o recalque se produz. (p.58)

Para compreendermos o sentido dos sintomas recorreremos a Freud em sua


conferência XVII questionando-se: “Afinal qual o sentido de tudo isso? Atos falhos,
sonhos e as parapraxias, os sintomas neuróticos, se relacionam e tem intima
conexão com as experiências do paciente.”

Em Psicopatologia da vida cotidiana, lembramos que Freud encara o sintoma com


base no princípio do sonho ou do ato falho, isto é, com base no princípio de uma
formação inconsciente na qual os mecanismos de deslocamento e de condensação
estão em funcionamento, do mesmo modo que nas outras formações do
inconsciente.

Assim “os sintomas neuróticos e os atos falhos têm em comum o fato de reduzirem-
se a materiais psíquicos incompletamente recalcados e que mesmo sendo
recalcados pelo consciente, não perderam toda possibilidade de se manifestar e de
se expressar”

Em seguida, no texto A interpretação dos sonhos ele dirá, “A fuga diante da dor nos
apresenta o modelo e o primeiro exemplo de recalque psíquico.”

Nesse mesmo texto Freud (1900, 1901), quando nenhum de nossos eminentes
cientistas acima descritos ainda pensavam em estudar as relações do aparelho
psíquico com as descargas motoras, postula a seguinte teoria:

Algumas hipóteses cuja justificação deve ser buscada de outras maneiras dizem-nos
que, a princípio, os esforços do aparelho psíquico tinham o sentido de mantê-lo tão
28

livre de estímulos quanto possível; conseqüentemente, sua primeira estrutura seguia


o projeto de um aparelho reflexo, de modo que qualquer excitação sensorial que
incidisse nele podia ser prontamente descarregada por uma via motora. Mas as
exigências da vida interferem nessa função simples e é também a elas que o
aparelho deve o ímpeto para seu desenvolvimento posterior. As exigências da vida
confrontam-no, primeiramente, sob a forma das grandes necessidades somáticas. As
excitações produzidas pelas necessidades internas buscam descarga no movimento,
que pode ser descrito como uma “modificação interna” ou uma “expressão
emocional”. O bebê faminto grita ou dá pontapés, inerme. Mas a situação permanece
inalterada, pois a excitação proveniente de uma necessidade interna não se deve a
uma força que produza um impacto momentâneo, mas a uma força que está
continuamente em ação. Só pode haver mudança quando, de uma maneira ou de
outra (no caso do bebê, através do auxílio externo) chega-se a uma “vivencia de
satisfação” que põe fim ao estímulo interno.

“Já exploramos a ficção de um aparelho psíquico primitivo cujas atividades são


reguladas pelo esforço de evitar um acúmulo de excitação e de se manter, tanto
quanto possível, sem excitação. Por isso ele foi construído segundo o esquema de
um aparelho reflexo. A motilidade, que é em primeiro lugar um meio de promover
alterações internas do corpo, está à sua disposição como via de descarga.
Discutimos as conseqüências psíquicas de uma “vivencia de satisfação” e a isso já
pudemos acrescentar uma segunda hipótese, no sentido de que o acúmulo de
excitação (acarretado de diversas maneiras de que não precisamos ocupar-nos) é
vivido com desprazer, e coloca o aparelho em ação com vistas a repetir a vivência de
satisfação, que envolveu um decréscimo da excitação e foi sentida como prazer. A
esse tipo de corrente no interior do aparelho partindo do desprazer e apontando para
o prazer, demos o nome de desejo. ”(p. 515, 516)

Mais adiante Freud é enfático em sua posição em seu texto O sentido dos sintomas

Que atitude a psiquiatria contemporânea adota em relação aos problemas da neurose


obsessiva. Está aí um capítulo árido. A psiquiatria dá nomes às diferentes obsessões,
mas não diz nada mais acerca das mesmas. Por outro lado insistem em que são
degenerados aqueles sofrem desses sintomas. Isto proporciona pouca satisfação; de
fato, é um juízo de valor _ uma condenação, em vez de uma explicação.

... A psiquiatria pouco se preocupa com as formas de manifestação e com o conteúdo


de cada sintoma; A psicanálise dá atenção tanto a um quanto a outro desses dois
aspectos e consegue estabelecer que cada sintoma tem um sentido e que está ligado
à vida intima dos pacientes. (p.308, 309)

Em Psicanálise e Psiquiatria, Freud não inviabiliza o convívio entre os saberes


apesar de reconhecer e sustentar suas diferenças. Nesse artigo, ele indaga se o
fator hereditário contradiz a importância da experiência, do sofrimento que o
paciente apresenta.
Compara o relacionamento da Psicanálise com a Psiquiatria com o da histologia e o
da anatomia, dizendo que, se há algo na natureza do trabalho psiquiátrico que pode
se opuser à investigação psicanalítica, “não é a Psiquiatria, mas os psiquiatras”
(FREUD [1917], 1976).
Ao tratar o corpo, a Medicina, inclusive a Psiquiatria, também se vê diante de um
corpo afetado pela linguagem, mas sua concepção de ciência faz com que tente
29

ocultar a real diferença entre o organismo biológico e o corpo da realidade psíquica.


A linguagem universalizante dos manuais das doenças mentais, DSM, funciona
como barreira à fala: é abstrata e confirma um saber sem sujeito, portanto sem
passado. A fala é lugar da verdade do sujeito, de sua linhagem genealógica, singular
e insubstituível.
Se a pergunta de Freud era pertinente em sua época, o que dizer da psiquiatria de
hoje, que tende a observar a reação do paciente somente para catalogar transtornos
e, a partir deles, acertar ou ajustar a medicação? A ênfase já não recai na relação
entre os elementos, classicamente tão importante para a confirmação diagnóstica.
Como parte da Medicina, a especialização psiquiátrica em nossos dias adere ao
conceito de que a doença é uma desordem biológica inscrita nos genes. Resta
perguntar qual lugar a Psiquiatria está decidindo ocupar hoje?
A tendência contemporânea de entender a doença mental como uma determinação
orgânica, não apenas é fortalecida pelas neurociências, sobre o funcionamento do
sistema nervoso central nos níveis dos neurotransmissores cerebrais, no campo da
genética, mas também coincide com o grande número de novos psicofármacos
presentes no mercado. Assim, a escolha do medicamento a ser prescrito atende a
certos objetivos: inibir, excitar ou estabilizar os comportamentos no que se refere ao
humor, à agressividade, à apatia, à depressão ou ao chamado estresse, — de forma
a tornar a pessoa socialmente aceitável ou, então, para reativá-la, a fim de que
prossiga suas atividades cotidianas. Como o tratamento é meramente sintomático,
enquanto tomar o remédio, a pessoa estará protegida de comportamentos
“indesejáveis”. Só se pode lamentar o crescente desaparecimento de uma
Psiquiatria mais clínica, que sustentasse a tradição da Psiquiatria dinâmica,
conservando a experiência de aproximação com o paciente, na escuta, no
diagnóstico, na evolução e no atendimento ao paciente, sem deixar de lado a
prescrição, quando necessária. Pode-se pensar quanto o uso do medicamento pode
ser bem-indicado, que incidir na dor não significa anestesiar ou drogar, até porque a
questão da dor é tão complexa que solicita múltiplas respostas (GUIOMARD, 2000).
Lacan (1975) retoma Freud ao dizer que seu domínio é o da verdade do sujeito. E
acrescenta:

“A pesquisa da verdade não é redutível a pesquisa objetiva, e mesmo objetivante do


método científico comum. Trata-se da realização da verdade do sujeito, como de
uma dimensão própria que deve ser destacada na sua originalidade em relação à
noção mesma da realidade.” (p.31)

A psicopedagogia clínica, de orientação psicanalítica, nos dirá que o diagnóstico é


um processo no qual se procura encontrar o sentido histórico subjetivo das
dificuldades de cada criança e sua singularidade manifesta no ambiente escolar. Eu
acrescentaria que esse mapeamento histórico seria impossível sem o desejo do
analista e sem uma formação psicanalítica que o sustente.

Onde situar as crianças e seus desejos? Onde podemos localizar seus desejos seus
temores e seus sofrimentos? Porque supor que são patológicos em lugar de pensá-
30

los como sujeitos com diferentes possibilidades, que estão atravessando momentos
difíceis? O que querem os pais quando, depois de peregrinarem por diversos
especialistas, após a leitura exaustiva de bibliografias médicas muitas delas
incompreensíveis, nos apresentam seus filhos-rótulos?

Freud (1916-1917), em suas Conferências Introdutórias, ao nos falar sobre as


resistências irá dizer que uma das estratégias das quais fazem uso os pacientes é
justamente a resistência intelectual ao tratamento psicanalítico de seus sintomas.
Esses pacientes lutam com argumentos, objeções que assaltam nossos ouvidos, em
coro a bibliografia científica referente àquilo que julgam ser sua doença.

Isso nos remete aos nossos pacientes que já adentram o consultório se dizendo
TDAH. Ou àqueles pais que, segundo Gorodiscy, apresentam seu filho TDA ao
terapeuta sem sequer lhe dizer o nome. Mas já trazendo o filho assim nomeado e
rotulado. Bradando à destra com uma revista, livro ou reportagem em mãos, afirmam
que seu filho é portador de tal doença.

É bom lembrarmos que uma palavra não é um conceito. Um conceito é uma


denominação e uma definição; é um nome dotado de um sentido capaz de
interpretar as experiências e observações, sendo que sua importância é medida por
seu valor operatório, ou seja, pelo papel que desempenha na direção das
experiências que permite interpretar.

No entanto, diferentemente do discurso da ciência, os conceitos não bastam ao


discurso analítico, o qual, para operar, depende também do desejo do psicanalista.

Lacan, apud Cirino (2001), nos ensina que devemos distinguir “severamente” o
sujeito que interessa à psicanálise- o sujeito do inconsciente, o sujeito do
significante- tanto do “indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica
classificável como objeto de compreensão.”

Myssior (2003) 18 contribui com nossa reflexão quando diz que o que a psicanálise
poderia contribuir para a clínica da criança é a de uma escuta que vá além da ordem
biológica, para uma clínica que não se limite a intervir no organismo. Uma clínica
que considere a subjetividade da criança nisso que ela apresenta como um sintoma.
Para tanto, nos parece necessário resgatar e diferenciar as dimensões em que o ser
se constitui em sujeito.

O objetivo nesse capítulo é trabalhar a hiperatividade com olhar psicanalítico e


buscar nessa teoria um eixo norteador que possibilite compreender a hiperatividade
do lugar do sujeito que se expressa através desse corpo. Para tal, já começamos
pelas Conferências Introdutórias, a revisar a posição freudiana a respeito dos
sintomas; adiante faremos uso da conferência XXI, O desenvolvimento da libido e as
organizações sexuais, onde Freud já assinalará que a mãe é o primeiro objeto de
18
Missior, S. G. (2003) Do ser vivo ao sujeito a constituição subjetiva. Transcrição de palestra proferida no curso
de desenvolvimento infantil do FUNDEP/UFMG.
31

amor desse sujeito em constituição. Daí apontarmos todos os atos regulares desse
corpo dirigidos por essa mãe:

“A essa escolha que a criança faz ao tornar sua mãe o primeiro objeto de seu amor
vincula-se tudo aquilo que sob o nome de Complexo de Édipo veio a ter tanta
importância na explicação psicanalítica das neuroses e tem tido uma parte não
menor, talvez, na resistência à psicanálise.” (pg.385)

Mais adiante Freud dirá que a primeira escolha objetal de um ser humano é
regularmente incestuosa, dirigida, no caso do homem, à sua mãe e à sua irmã; e
necessita das mais severas proibições para impedir que essa tendência infantil
persistente se realize. (p.391)

O complexo de Édipo é fundante na clinica do sujeito. Devemos nos deter um pouco


para compreendermos melhor esse termo e podermos seguir em frente na análise
das relações do sujeito com seus pais ou aqueles que exercem a função paterna e
materna.

Freud (1916-1917) dirá sobre o complexo de Édipo:

A análise confirma tudo o que a lenda descreve. Mostra que cada um desses
neuróticos também tem sido um Édipo, ou o que vem a dar no mesmo, como reação
ao complexo, tornou-se um Hamlet. A explicação analítica do complexo de Édipo é,
naturalmente, uma ampliação e uma versão mais crua do esboço infantil. O ódio ao
pai, os desejos de morte contra ele, já não são mais insinuados timidamente, a
afeição pela mãe admite que seu objetivo seja possuí-la como mulher. Devemos
realmente atribuir esses impulsos emocionais turbulentos e externos aos tenros anos
da infância, ou será que a análise nos engana com algum fator novo? Não é difícil
achar um desses fatores. Sempre que alguém faz um relato de um acontecimento
passado, ainda que seja um historiador, devemos ter em mente o que é que ele
intencionalmente faz recuar do presente, ou de alguma época intermediária, para o
passado, falsificando com isso seu quadro referente ao fato. (p.392)

A resolução do complexo de Édipo consistiria em que no final da infância o filho teria


a tarefa de desligar seus desejos libidinais de sua mãe e empregá-los na escolha de
um objeto amoroso real externo e em reconciliar-se com o pai, se permaneceu em
oposição a este, ou em liberar-se da pressão deste, se, como reação a sua rebeldia
infantil, tornou-se subserviente a ele. Essas tarefas são propostas a todas as
pessoas; e é de causar espécie diz Freud quão raramente as pessoas enfrentam
tais tarefas de maneira ideal – isto é, de maneira tal que seja correta, tanto
psicológica como socialmente.

Mais tarde Freud (1932-1936) descreverá o surgimento a partir do complexo de


Édipo de uma instância superior dentro do ego:

... o superego surge como herdeiro dessa vinculação afetiva tão importante para a
infância. Abandonando o complexo de Édipo, uma criança deve, conforme podemos
ver, renunciar às intensas catexias objetais que depositou em seus pais, e é como
compensação por essa perda de objetos que existe uma intensificação tão grande
32

das identificações com seus pais, as quais provavelmente há muito estiveram


presentes em seu ego.

(...) No decurso do desenvolvimento, o superego também assimila as influencias que


tomaram o lugar dos pais – educadores, professores, pessoas escolhidas como
modelos ideais.

Missior (2003) aponta que aquilo que Freud chama de castração é observável no
que diz respeito aos cuidados maternos. Assim as dificuldades que o outro enfrenta
para separar-se de sua criança podem deixar pouco espaço para o sujeito, o que
não deixa de trazer conseqüências à sua constituição.

5.3- Etapas da constituição da subjetividade

A infância é o tempo e lugar onde e quando se opera o processo de constituição


subjetiva, cujo final é o surgimento do sujeito desejante. Esse processo nada tem a
ver com as pautas ditas evolutivas, mas sim com a composição de instâncias
psíquicas que lhe permita funcionar como sujeito desejante. Isso quer dizer que a
pessoa venha a ter certo saber sobre suas escolhas, o que abre caminho na relação
com os outros.

A psicanálise nos ensina que da mãe para a criança não passa só aquilo que
satisfaz como o leite materno, passa-se sempre também alguma coisa de
insatisfeito. O desejo da mãe, afinal, é por sua vez o desejo do Outro: a
maternidade, embora tenha aparência de plenitude, nem por isso deixa de ser a
demarcação de um vazio. Vazio que começa pela separação do cordão umbilical
que marca no corpo uma ausência.

Françoise Dolto (2004) 19 fala desse momento como “a primeira castração imposta
ao bebê, separando-o do corpo da mãe... É a linguagem, portanto, que simboliza a
castração do nascimento que denominamos umbilical.”

É antes de tudo a marca de uma perda, marca sobre o corpo, em que a seriação
revela a mediação simbólica.

Arsemet (2003) cita Joyce que em seu primeiro capítulo da Obra Ulisses evoca o
ventre liso da mulher sem mãe. De fato, para se ter um umbigo, é necessário que
alguém tenha vindo antes de nós. Para cairmos no mundo, é necessário que
tenhamos tido uma mãe e sido carregados em uma cavidade interior. O umbigo é
uma cicatriz deixada por aquela separação primeira. É Uma marca que indica a
origem, uma marca deixada no corpo do pequeno homem por sua entrada no tempo.
Essa primeira marca é sucedida por outra que veremos adiante.

19
Dolto, F. (2004) A imagem inconsciente do corpo. São Paulo: Perspectiva.
33

A criança assim separada de sua mãe ainda depende dela para sua sobrevivência.
Jerusalinsk (2003) diz que essa criança ao nascer é pouco mais que um “bife com
olhos”. Quer dizer que ela nasce com equipamento potencial muito grande, mas num
estado de insuficiência tal que seu instinto por mais que opere não é suficiente para
orientá-la no mundo. No entanto o nascimento de um bebê ainda não é o tempo do
nascimento de um sujeito. Pois a criança depende logo de início de um grande Outro
desejante, que a nomeie e que interprete seu choro e seus desassossegos. Ela será
um sujeito à medida que viermos a supor isso nela. E na medida em que viermos a
supor isso nela ela tem todo um potencial para vir a se apropriar disso passo a
passo. Mas para que isso aconteça, deve haver a intervenção de outro semelhante
que suporte e que deseje isso nela. Ela depende do outro não só para sobreviver em
função de sua realidade biológica extremamente frágil; depende também do Outro,
com sua anterioridade lógica e desejo, para torná-la humana desejante.

Ansermet (2003), dirá que ao alimentar seu filho, a mãe concorre para que a
sensação orgânica de fome seja apaziguada. Porém ela, no momento em que provê
o objeto que acalma a necessidade, designa-se retroativamente como o agente de
um dano imaginário. “Ela não poderia ter trazido o objeto mais cedo?” Por mais
antecipadora que seja a resposta materna, a falta sempre pode ser reportada ao
momento exatamente anterior ao apaziguamento experimentado. A resposta ao
apelo paradoxalmente faz aparecer uma falta: “A resposta ao grito, com o seio,
interpreta a necessidade como frustração imaginária, causada precisamente pela
mãe simbólica, a única conhecida”.

Lacan (1938) indica que o desmame deixa no psiquismo humano a marca


permanente da relação biológica que ele interrompe, e que essa marca pode deixar
uma cicatriz como o umbigo. É, antes de tudo, a marca de uma perda. Uma segunda
marca simbólica deixada sobre o corpo.

Ainda que o infans esteja antes da palavra verbal, ele já se insere na estrutura da
linguagem, já que o mesmo é falado pelo Outro. Na triangulação de seu entorno já
se lhe destinava um lugar no desejo da mãe e do pai. É assim que uma criança vem
ao mundo a partir, por exemplo, de um encontro de amor, de um desejo particular
dirigido a um homem ou de uma vontade de gozo, até como dejeto, portando uma
pesada carga de rejeição. Seja como for motivos diversos e fantasias distintas
estarão na origem de um nascimento para torná-la sujeito algum tipo de
investimento deverá se antecipar à criança, para inscrevê-la na ordem simbólica.

É no processo de maternagem que o outro primordial se estabelece, permitindo ao


bebê vivências satisfatórias tais como quando o alimenta, dá banho, canta para
embalar o sono do bebê, que se intercalam com momentos de desprazer
insuportável quando o bebê se manifesta com choros, gritos, diante dos
desconfortos que é incapaz de localizar, fome, frio, calor, etc. Portanto as
necessidades puramente fisiológicas da criança é preciso que se acrescente uma
demanda para emergir o sujeito.
34

A construção das chamadas Funções Executivas citadas na primeira parte deste


trabalho, nada mais é do que o estabelecimento de um vínculo mãe-bebê formando
uma base reguladora para suas reações.

Isso nos mostra a possibilidade do diálogo entre disciplinas que pode e deve ser
usado em prol da compreensão do sintoma hiperatividade. Não podemos deixar de
nos atualizar quanto aos avanços da neuropsicologia, que contribuem para dar-nos
uma visão mais clara dos processos mentais.

A mãe estudada pela neuropsicologia é a mesma mãe da psicanálise, pois ao outro


nesse momento cabe a mediação dessas urgências que são da ordem do registro
do real. O outro do bebê é o outro imediato dos cuidados, mas também o Outro da
cultura, ou melhor, da linguagem.

Por isso se dirá que, a evolução do bebê não será uma evolução linear, a partir de
um núcleo qualquer, mas seguirá um percurso que irá sempre da impotência para a
antecipação.

Bergés (2005) traz que nessa antecipação de saber a criança faz apelo a alguém
que fale: está aí o que é antecipado. Ou seja, alguém capaz justamente de colocar
os significantes de tal maneira que sucessivamente colocados uns após os outros
possam provocar uma diferença. Produzindo uma descontinuidade. E continua:

...É aí, creio eu que é verdadeiramente interessante o fato de que Lacan coloca
S¹, S² e logo a seqüência dos S² especificando que S² é o corpo. Em que
medida? Esta discriminação vai se fazer inicialmente na fonética, quer dizer pela
via da audição. Existe um intervalo no funcionamento desta função auditiva, ou
na sintonia ritmada das funções: sono, o apetite, o transito digestivo, a
respiração, etc., aí não tem intervalo, está regulado como um ritmo próprio, como
um ritmo dito lógico, não há corte, eu não posso parar de respirar. (p.222)

Missior (2003) vai de encontro ao pensamento acima citado:

Uma questão fundamental que se coloca na clínica com o sujeito bem jovem:
quanto mais a criança é pequena, se ainda não fala, tanto mais ela irá utilizar
seu corpo como palavra para exprimir o que não anda bem. Desde seus
primeiros dias de vida os bebês sofrem de distúrbios digestivos os mais variados:
vomitam, regurgitam, tem diarréias, prisão de ventre, cólicas. Rejeitam o seio, a
sopinha, a papa de frutas, fazem anorexia... Ou fazem bulimia, exigindo sem
parar. Choram, tem pouco sono ou muito sono, ou acordam com freqüência.
Têm distúrbios cutâneos, respiratórios, leves ou mais severos. São hipotônicos,
apresentam alteração na curva de peso, gritam são agitados... Isso só para citar
o que aparece na clínica pediatria no primeiro ano de vida!

Freud (1905) já atribui à criança, mesmo a de pouca idade, um papel “ativo”. “Ativo”,
mas, não autônomo. Os distúrbios da primeira infância (intestinais, sucção,
regurgitação, excreção) são por ele associados à sexualidade, ou seja, à excitação
das zonas erógenas correspondentes à boca e ao trato digestivo. É assim que nas
situações que Freud pode constatar que se encaminharam às neuroses, a criança
35

se revela como agente de sua sexualidade, e não apenas como um joguete passivo
das influências do meio familiar. Isso é surpreendente, pois delimita a participação
da criança em seu sintoma.

Depois de Freud outros analistas importantes se ocuparam do sujeito em


constituição, fazendo descobertas no campo da infância: Anna Freud, Melanie Klein,
Winnicott, Françoise Dolto, Maud Mannonni, o casal Lefort e outros. No entanto só
foi possível à psicanálise fazer avanços na medida em que esses resgataram, em
Freud a referência da implicação da criança em seu sintoma, como ativa e
desejante. Ou seja, que o sujeito, embora dependa do Outro, participa do sentido de
sua vida desde muito, muito cedo.

Mesmo assim dirá Missior (2003), do ponto de vista da psicanálise, não há


prevenção. Nada pode ser previamente determinado (e nem determinante). O
principio não dá conta da origem, disso que seria o originário.

Freud delimitou esse tempo na origem como mítico: haveria uma marca, um
recalque originário, tomado muito mais como uma falta de saber, que nomeou de
falta originária. Nada existe que nos assegure como tudo começou para o particular
de um sujeito e por isso nossa estória nunca será factual e sim construída: só no a
posteriori poderemos dizer o “como terá sido”.

Ao fazer vacilar o ponto inicial da cronologia, coloca-se aí uma questão ética da


psicanálise: cede-se lugar ao que vai se remanejando, ao que vai se atualizando, no
percurso da constituição do sujeito, nas sucessivas re-transcrições, disso que terá
estado na origem. Inclui-se aí, também, outra operação que é a de ir recolocando os
elementos inscritos com os novos elementos que vão surgindo. Esse é o ponto ético
que enfatiza as possibilidades do sujeito, ou seja, “há chances”.

Pensando nesse sintoma que se dá no corpo, Freud (1895), em seu Projeto, dirá
que nos traços mnêmicos os resíduos de fragmentos vistos e ouvidos muito
precocemente pelo bebê, vão marcando o aparelho psíquico para constituí-lo. Aí
tanto o traço quanto o apagamento do traço deixam “pegadas”, demarcadas como
sulcamentos, que acabam por compor uma tessitura que implica em intervalos e
pontos de amarração esses se fixam por onde o Outro foi deixando suas marcas: de
olhar, de voz, de seio (oral) e no dom da troca as fezes (anal). São pontos que se
amarram através de um investimento de prazer. Estas zonas de prazer impressos
pelo Outro dão origem as pulsões.

A verdade freudiana é que a criança tem um corpo que goza. Um corpo pulsional,
cuja estruturação implica numa certa perda de gozo para que o sujeito possa vir a
desejar. A pulsão nos diz Freud, é a fonte do significante, do acesso à linguagem. É
por aí que se faz o elo do sexual com a linguagem. O significante propicia uma
montagem pulsional, bordejada pelo simbólico da linguagem. Como? Falando a
criança tenta produzir uma resposta para dar conta do que ela supõe que o Outro
36

quer dela. Temos aí, a função da palavra de localizar o sujeito na estrutura, ao


mesmo tempo em que revela sua relação com o Outro.

Em suas ultimas formulações, Lacan propõe a topologia estrutural do sujeito, e nos


dá como suporte o nó borromeano, dizendo que ele é efeito de linguagem. Indica
ainda que a finalidade da topologia seja traçar a constituição do sujeito, e aí, isso se
faz em três registros: Real, Simbólico e Imaginário. Essas dimensões se articulam
numa certa lógica não havendo um registro sem o outro.

São os caminhos traçados e enodados no tempo lógico que farão surgir o sujeito.
Supõe-se a escrita de um nó com três elos: um real, um simbólico e um imaginário,
cada um deles desempenhando a função de sustentar os outros dois. Cada
estrutura se entrelaça de maneira peculiar, de tal modo que, traçando rupturas e
continuidades se disponham em torno de um ponto vazio, irredutível. Esse enodar
marca o caráter de uma constituição, até que uma estrutura se destaque. O nó
borromeano estabelece a estrutura daquilo que Freud definiu como realidade
psíquica. As manifestações da criança estruturam-se como uma linguagem e devem
ser lidas como a escrita de um texto de sua relação com o Outro.

Finalmente, nesse trajeto, queremos ressaltar que na difícil operação que o infans
tem que fazer para enodar seu ser vivente como sujeito, se fazendo representar no
desejo do Outro, o sintoma pode ter um valor particular. Pode ser necessário para
que ele se estruture, ou um recurso para que permita à criança pacificar sua relação
com algo que se apresenta a ela como insuportável.

O sujeito é fundado a partir de uma alienação ao Outro. A alienação e a separação


são operadores derivados da lógica formal, que foram destacados por Jaques
Lacan, por serem capazes de nos permitir deduzir as duas operações constituintes
do sujeito, ou seja, operações que classificam o sujeito, em sua dependência
significante, ao lugar do outro. Só existe sujeito, por que esse ser vivo está inserido
num mundo atravessado pela linguagem. É na linguagem que a divisão do sujeito
aparece. Aparece o querer e o não-querer. O que se enuncia precisa ter uma
significação do outro. O campo do Outro é um lençol de linguagem.
37

5.4-Função materna e função paterna e as relações vinculares

É característica do gênero humano, a infância ser uma fase de total dependência


física e psicológica em relação aos adultos. É na célula familiar que tudo acontece. É
onde a criança encontrará suporte para que seu desenvolvimento aconteça e que se
estruture psiquicamente. Quando falamos da célula familiar não estamos falando de
um estereótipo de família, já que ao longo do tempo esta tem passado por
transformações.

Para a psicanálise, longe de apontar a importância de pessoas assumirem papeis


(de pai e de mãe), ela demarca a importância do conceito de função. Função no
sentido da função matemática, que é responsável por deflagrar uma operação. Isso
nos liberta de determinados rótulos como boa mãe, pai ausente etc. Para que a
função seja exercida é preciso sim, que alguém tome corpo. A relação mãe filho,
impulsionada pelo desejo materno, se construirá a partir das ações de cuidados que
ela tem para com ele, no cotidiano, tocando seu corpo, fixando o olhar, brincando,
mudando de posição, alimentando-o. Ela também recebe a resposta deste
investimento que quando há desejo materno é totalmente espontâneo. O sorriso, o
balbucio, o olhar irá contribuir para que a relação se retroalimente.

Problemas podem surgir nessa relação. Algumas vezes podem ser corrigidos pelo
pediatra que, no lugar de suposto saber, consegue restaurar a confiança do saber
da mãe sobre o filho.

Quando o déficit constitucional do bebê produz um desencontro precoce entre mãe e


filho, ali, uma dor se instala e a mãe não consegue se alimentar dos baixos níveis de
registro da resposta da criança. É necessário reconstruir os aspectos prejudicados,
com uma reinstalação dos códigos que a mãe faz ao interpretar os gestos desse
filho.

Mais uma vez, ressalto que é na relação com o outro semelhante, que exerce a
função de mãe, que o bebê vai construir sua subjetividade vai se tornar humano
desejante. Aqui também àquelas chamadas funções executivas, tão estudadas pelas
neurociências, estarão se formando.

A função paterna é exercida durante os primeiros meses, freqüentemente, pela mãe,


que diante da criança, representa o pai. Essa função aparece afetada quando ocorre
a suspensão da inscrição simbólica na criança e também pela rejeição afetiva dos
pais. Essa fratura abre à perigosa instancia da psicose precoce, algumas vezes
sobreposta a um déficit orgânico. Superado o momento em que o pai é representado
pela mãe, é necessário que surja um pai tomado nas três dimensões: real, simbólico
e imaginário. O pai real é aquele que contribui do ponto de vista genético e que é
apontado pela mãe.
38

Já a função simbólica paterna será responsável pela castração. Organizadora da


vida psíquica, a castração na maior parte das vezes é tomada na dimensão da
interdição, mas, antes de tudo, deve ser vista como promessa. Promessa, de poder
se inserir no mundo adulto e atingir a certeza subjetiva, que é a filiação. Ao introduzir
o elemento simbólico na estrutura, ao ver-se representada no desejo do Outro,
inicia-se para a criança o caminho que vai do “eu ideal” forma referida ao registro do
imaginário ao “ideal do Eu” articulado ao campo do simbólico, da cultura.
39

5.5 - O Corpo na Psicanálise

Para a psicanálise o corpo não está restrito ao organismo. O corpo carece de uma
construção imaginária que remete à idéia de um corpo erógeno, delimitado pelo
olhar e pela palavra.

Em 1923, o corpo é por Freud identificado ao ego e sua superfície é um lugar de


onde partem as percepções advindas do interior e do exterior. O ego é então
considerado essencialmente corpo, ego-corporal, constituindo não apenas
superfície, mas também projeção de uma superfície, sendo, portanto, efeito de
sensações corporais e de projeção da superfície corporal.
Vemos Freud também se voltar para o corpo-doente, através do qual pôde destacar
a ligação entre patologia somática e sintomas psíquicos. Freud discute casos em
que a manifestação orgânica se torna meio de expressão da verdade do sujeito e,
por conseguinte, a economia orgânica sendo atravessada pela economia libidinal.
Nesses casos, o corpo se oferece como sítio para expressão do psíquico e a doença
somática constitui um meio de sustentação e regulação da economia psíquica,
conforme defende ao analisar a economia masoquista (1924). Ele também aborda
casos em que as implicações psicopatológicas decorrem de doença orgânica. Os
casos referidos por Freud revelam a articulação soma-psique.
É com a mãe que o bebê estabelecerá seus primeiros vínculos e formará sua
imagem corporal, nessa relação podem surgir conflitos. Piera Aulagnier dirá sobre
esse conflito em seu texto Nascimento de um Corpo origem de uma História onde,
partindo do pressuposto de que toda história significante se constrói a partir do
nascimento de um corpo – corpo este que deverá ser investido libidinalmente. A
autora discute os movimentos constitutivos da psique e sua relação com o corpo. A
ênfase é dada ao postulado do auto-engendramento que diz que enquanto o espaço
psíquico e o espaço somático estão indissociáveis, a psique imputará à atividade
das zonas sensoriais o poder de engendrar suas experiências.

Aulagnier (2001) ressalta a importância que devemos dar aos sinais e inscrições
corporais que podem dizer de como o sujeito vive seu tempo e as relações que faz
com ele:

Tem lugar neste conjunto as manifestações somáticas da emoção e aquelas que vêm
anunciar ao sujeito e aos outros um estado de sofrimento no seu próprio corpo: estas
são as únicas sobre as quais eu me apoiarei neste trabalho.

O termo emoção, ao contrário de afeto, não goza de um lugar particular na


terminologia analítica. Sinto-me, desta feita, mais à vontade para dar-lhe uma
acepção bem precisa e designar com ele a parte imersa deste iceberg que é o afeto e
logo as manifestações subjetivas destes movimentos de investimento e de
desinvestimento, que o Eu (Jê) só não pode entender porque eles se tornam para ele
fonte de emoção. O Eu (Jê) pode ignorar na sua relação com outro e o mundo o
papel que representam estes afetos que são a inveja, o ódio, o amor; ele geralmente
não reconhece que eles são responsáveis por sua maneira de viver esta relação e
40

permanece convencido de que é preciso procurar a causa disso no exterior. Ao


contrário, a emoção se refere a um vívido do qual o Eu (Jê) não só tem
conhecimento, mas do qual, na maior parte das vezes, ele sabe o que o provocou.
Portanto, esta causa guarda uma relação privilegiada, se bem que não exclusiva, com
um visto, um ouvido, um tocar, ou seja, com o sensorial.

Além do mais, o estado emotivo faz parte daquilo que se oferece a ver ao olhar do
outro: pode-se ignorar o que emociona, percebem-se, todavia os sinais da
participação somática que comporta este vívido. A emoção modifica o estado
somático e são estes sinais corporais que se oferecem ao olhar, que emocionam
aquele que a testemunha e desencadeiam uma mesma modificação no seu próprio
soma, mesmo quando disso ele não é a causa direta. A emoção coloca, assim, dois
corpos em ressonância e lhes impõe respostas similares. O corpo de um responde ao
corpo do outro, mas como a emoção refere-se ao Eu (Jê), pode-se do mesmo modo
supor que este último está emocionado pelo que seu corpo lhe dá a conhecer e a
partilhar do vívido do corpo do outro. (p.19)

Uma importante contribuição que Aulagnier traz diz respeito ao conflito eu x outro se
transformar no conflito eu x corpo, ou seja, aquilo que a mãe não ouve e não vê do
sofrimento da criança, esta transfere para o seu corpo transformando esse
sofrimento em algo dado a ver. Essa colocação é iluminadora para os que lidam com
as crianças hipercinéticas, pois as mesmas portam um sintoma dado a ver em seus
próprios corpos.

Pain (1985) dirá sobre o corpo:

... O corpo não é importante só porque entra em jogo na relação sensório motora,
mas também porque é nele que se dá ao mesmo tempo uma ressonância emotiva do
ato que se está realizando. Ao mesmo tempo em que se produz uma coordenação
sensória motora se produz uma ressonância da emoção que esse ato desperta e que
é chamado de vida afetiva ou emocional. Essa vida afetiva ou emocional acompanha
todo tipo de pensamento, de imagem porque é contemporânea à sua efetuação.

Mariné (2000) dirá que a clínica da Psicanálise foi nos ensinando que nem sempre o
corpo fala pela via do simbólico e que às vezes emudece. Quando o corpo se
expressa de modo fortemente imaginário, há o risco de suscitar respostas
somáticas. Isso ocorre quando o psiquismo emite sinais de sofrimento físico e, como
a angústia está invisível, um órgão pode ser lesionado ou o corpo passa por
algumas devastações mais ou menos anônimas.
No tratamento analítico, quando a angústia se manifesta, acontece a confrontação
do sujeito com sua falta, sua divisão, já como uma marca no inconsciente. Na
elaboração das “neuroses de angústia”, Freud ([1895] 1976) estava atento à
ocorrência de uma inundação de energia, que vai diretamente para o corpo e faz
com que suas funções se alterem sem que o sujeito se implique nessa
manifestação. Mariné (2000) com base nessas afirmações de Freud nos diz:

Na clínica, constata-se que alguns sujeitos se apresentam envoltos numa linguagem


de palavras vazias. O sujeito parece dês-subjetivado, diluído no campo do Outro, num
discurso anônimo, porque não se deixa reconhecer com um nome próprio. Ele se
41

confunde com a doença, e se demanda alguma escuta, é porque o sofrimento não


20
falta. Mas estando reduzido a um ponto mínimo, parece ao sujeito inatingível.
Bergés (2008) nos dirá que:
“quanto mais o adulto traduz a criança mais a impede de falar. (...) Se não são
escutadas é a motricidade que vem tomar o lugar das palavras, que vem substituir o
lugar das palavras que nunca foram escutadas, isso é o que se chama passagem ao
ato.” (p.115)

Ato não deve ser confundido com agitação, na passagem ao ato, este se impõe
colocando de lado a linguagem, a palavra. O sujeito passa da linguagem que não
pode usar à ação. O resultado são os TDAH/I sendo o I de impulsividade tão
silenciosa quando mortal.

E Bergés continua a nos esclarecer:

É por que estou privado da palavra (porque não me escutam) que eu passo ao ato.
(...) A fala que não é dita por ocasião da ação faz com que ela não tenha sentido, e aí
o nó do que está em causa na criança hipercinética, é diante desse nó que o adulto
se crê obrigado a dar um sentido.

O corpo, sensível ao desejo, é afetado pelas intensidades que, sem representação,


chegam a sua superfície a partir de uma exterioridade. O inconsciente freudiano con-
siste nas marcas e nos traços que decantam das primeiras experiências de satisfação
em que incide o desejo do Outro. Os afetos - e dentre eles a angústia, por ser o único
afeto que não mente - são vividos pelo eu, segundo o modo pelo qual o inconsciente
toma o corpo.

O corpo da psicanálise se modula no dizer. Freud o delimitou a partir dos ditos da


histérica que revelaram uma dimensão simbólica contrária à própria anatomia.
Porém o corpo nem sempre fala pela via simbólica do sintoma. Às vezes emudece e,
no lugar onde falta, advém à angústia e um órgão pode ser lesionado; referimo-nos
aos fenômenos ditos psicossomáticos como já vimos até aqui.

O progresso da ciência modifica a relação que a medicina mantinha com o corpo. A


clínica médica da escuta vem sendo substituída pelos aparelhos que escrutam os
lugares recônditos do corpo. A ciência realiza um ideal de visibilidade que exclui o
sujeito de seu saber.

Carmo (2007) constata em sua prática que os profissionais envolvidos no


atendimento de seus pacientes ficam presos a descrições nosográficas e correm o
risco de minimizar a importância das questões emocionais, os desajustes ambientais
reduzindo a queixa da família e da escola ao discurso científico, oferecendo-se uma
terapêutica preventiva (exercício de atenção, relaxamento) e reeducação na
tentativa de controlar a disciplina na sala de aula, lugar onde a criança e o
adolescente mantém seu contato social.

20
MARINÉ, B. (2000), p. 323-328 Comentário a partir do texto citado.
42

6.0 – A escola e a patologização da educação: um desafio para a


psicopedagogia

A escola é o segundo meio social que a criança freqüenta depois da família e tem
sido na escola que alguns sintomas têm tido evidência.

Chama-nos a atenção o modo como se colocam defensivamente professoras,


orientadoras enfim, os profissionais da educação, com relação questão do aluno
hiperativo.

Rhode ET al.(2003) afirmam que o despreparo dos professores para lidar com o
TDAH pode levá-los a assumir posturas de cobrança e rivalidade com os pais e os
alunos.

Ribeiro (2008), em sua pesquisa cita alguns relatos de pais que expõem sua
preocupação com as atitudes dos professores:

“Menino assim tem que ter mais paciência com eles né? Explicar! Já chega gritano
chamano de burro direto, igualzinho essa professora: chamava os menino de burro
direto e num explicava nada! _ Ahh, num vou te explicar não porque ocê é muito
bobo, muito burro e não aprende nada! É muito mole para copiar! Num tinha
paciência apagava o quadro!” (88p.)

Uma das falas de seus sujeitos de pesquisa deixa claro que o despreparo dos
educadores pode ter conseqüências para além da sala de aula, levando-os a dar
aos pais orientações baseadas em suas próprias crenças e não no conhecimento
sobre essa síndrome:

“... Foi estudar no colégio X. Aí ela (a professora) falou assim:_ Não este menino está
sem limite, a gente tem que por limite nele, entendeu, dá uns tapa nele! Até então eu
nunca tinha dado uns tapa! Aí realmente eu dei uns tapa, entendeu?” (88p.)

Collares e Moysés (1992) dirão sobre a desinformação sobre o preconceito e a


difusão de certas patologias pela mídia:

A difusão acrítica e freqüente de “patologias” que provocariam o fracasso escolar de


modo geral, “patologias” mal definidas com critérios diagnósticos vagos e imprecisos
tem levado de um lado, à rotulação de crianças absolutamente normais e, de outro, a
uma desvalorização crescente do professor, cada vez menos apto a lidar com tantas
“patologias” e “distúrbios”. A criança estigmatizada incorpora os rótulos, introjeta a
doença. Passa a ser psicologicamente uma criança doente, com conseqüências
previsíveis sobre sua auto-estima, sobre seu auto conceito e, aí sim, sobre sua
aprendizagem. Na prática, ela confirma o diagnóstico/rótulo estabelecido. (p.29)

Recentemente ao visitar uma escola particular, de um bairro de classe média alta,


onde estuda um de meus pacientes, tive a oportunidade de questionar a professora
do mesmo, sobre seu comportamento em sala de aula e sua resposta surpreende:

“Ele até que é menos agitado, escuta, faz silencio quando se pede. Ao contrario do
irmão Gustavo que é um menino rico e mimado cujos pais não sabem dar limites e
agora inventaram essa doença TDAH, para justificar o inferno que o menino faz
dentro da sala de aula.”
43

Ao questioná-la sobre o que sabia sobre essa síndrome a mesma me respondeu:

“Aqui vira e mexe a gente tem palestras com médicos que explicam como
diagnosticar o aluno que não para na cadeira, que vive pedindo para ir ao banheiro,
que não espera a vez pra falar, que derruba os materiais no chão, incomoda os
colegas, esses são fáceis de perceber qualquer um pode dizer se é ou não. Aí temos
que chamar os pais e quase sempre eles têm uma desculpa para dar, ele é filho único
ou é o do meio, é muito sozinho, fica com a empregada o dia inteiro, ou então tem
atividades demais e não sobra tempo para brincar, no fundo a gente sabe que os
responsáveis são eles que não souberam colocar limite. E eu não tenho a menor
paciência com criança mimada e sem educação.”

Quase sempre, os portadores do TDA/H têm dificuldades em se adaptar ao sistema


educacional, mas não apresentam impossibilidade de aprendizagem. Também, têm
dificuldade de se perceberem, nunca achando que estão incomodando os outros.
Questionamos então:
Que espaço há, hoje, na escola para o estilo meditativo?
O discurso social da rapidez não estará levando o aluno a um comportamento
hiperativo?
O fracasso escolar não estará sendo produzido pela inabilidade nas relações
professor / aluno?
É nosso desafio como psicopedagogos ajudar os alunos a se ajustarem as suas
dificuldades, a descobrirem seus estilos e, se for possível, trabalharemos para
modificá-los, lembrando-nos sempre de que, geralmente, as pessoas que tem
algumas dificuldades para realizar certas ações, têm facilidades para outras tantas.
A escola tem que se organizar para receber todos, mas isso não passa, ainda, de
boa intenção.
Notamos que, na Educação Infantil e nas series iniciais, é possível diversificar
atividades para atender melhor as diferenças na sala de aula. Para tal, é de suma
importância, cuidar da formação docente em serviço, para que se tornem cada vez
mais competentes nas intervenções.
É importante ouvirmos pais e professores em conjunto e estabelecermos com eles
uma parceria dando suporte, informando-os e capacitando-os e sensibilizando-os a
lidarem com as crianças patologizadas. Assim os veremos implicados nessa relação
e buscando se informar mais, pesquisando e utilizando estratégias para lidar no dia
a dia com essa criança para, num futuro próximo, eliminar esses rótulos.

Ainda sobre o espaço escolar continuo a concordar com Collares e Moysés quando
diz que não podemos incorrer no erro de continuar a tratar o espaço pedagógico,
voltado para a aprendizagem, para a normalidade, para o saudável, como espaço
clínico, voltado para erros e distúrbios.

Vemos com isso como a escola se torna presa fácil de um discurso médico e
biologizante e não devemos perder de vista o alerta dado por Collares e Moysés
(1992):
44

A educação, assim como outras áreas sociais, vem sendo medicalizada em grande
velocidade, destacando-se o fracasso escolar e seu reverso, a aprendizagem, como
objetos essenciais desse processo. A aprendizagem e a não-aprendizagem sempre
são relatadas como algo individual, inerente ao aluno, um elemento meio mágico, ao
qual o professor não tem acesso – portanto, também não tem responsabilidade. Ante
índices de 50, 70% de fracasso entre alunos matriculados na 1ª série da Rede
Pública de Ensino brasileira, o diagnóstico é centrado no aluno, chegando ao máximo
até sua família; a instituição escolar, a política educacional raramente é questionada
no cotidiano da escola. Aparentemente, o processo ensino-aprendizagem iria muito
bem, não fossem os problemas existentes nos que aprendem. (p.26)

Particularmente no tocante ao TDAH gostaríamos mais uma vez que ficasse claro
que se trata de um diagnóstico multidisciplinar e que somente o psicopedagogo ou
qualquer outro profissional sozinho, não será capaz de diagnosticá-lo. É preciso uma
equipe que atue em sintonia e que com base em diversos procedimentos
diagnósticos, possam então discutir o caso, cruzar dados e estabelecer um
diagnóstico. Essa não é uma tarefa fácil e nem tampouco rápida, exige tempo,
conhecimento, transferência, participação/implicação dos pais, da escola e do aluno
(paciente) que não pode ser visto com único responsável por seu sintoma e nem
justificar-se por portar um transtorno.

6.0-Conclusões

O que pretendi analisar nesse trabalho e que constato em minha clínica é que de
fato existem crianças com sérias dificuldades de atenção, o que incide
desfavoravelmente em seu rendimento escolar.

Que sem dúvida há crianças e adultos com hiperatividade.

Que existem crianças e adultos impulsivos com tendências a passar ao ato com
mais ou menos nível de risco. Não contestamos.

No entanto juntar essas três manifestações de mal-estar num mesmo quadro e


classificá-las como TDAH/I como faz as classificações de transtornos psíquicos, com
seu “linguajar de catálogo”. O que produz uma exigência de medicalização em
massa. Isso a meu ver é desnecessário e obtura aquilo que é essencial na clínica,
ou seja, a particularidade do sintoma privilegiando o orgânico tratado pelos
psicofármacos.

A esse respeito dirá Lobosque (2001):

O avanço da psicofarmacologia tem coexistido com um prejuízo da investigação


clínica, cuja linguagem empobreceu-se notavelmente, sob o pretexto de modernizar-
se, o trabalho intelectual da psicopatologia e da nosologia trouxe úteis e belas
45

páginas à psiquiatria, tal como podemos lê-la em Kraepelin, Bleuler ou Clérambault;


lamentamos que trabalhos tão apurados não tivessem deixado marca na cultura
psiquiátrica dos nossos dias, dando lugar ao linguajar de catálogo que encontramos
nas atuais classificações dos transtornos psíquicos. (p.57)

Ana Marta Lobosque conclui dizendo que a disciplina psiquiátrica caminhou no


sentido da simplificação e com os perigos do empobrecimento.

Stiglitz (2006) partilha de mesma opinião e nos dirá que aparentemente apoiados
nas modernas classificações psiquiátricas e nos avanços da psicofarmacologia, da
genética, e de outros ramos da ciência milhares de artigos que circulam na mídia
seguem e fomentam uma lógica de classes. Em nosso caso específico a lógica de
classe dos TDAH ou dos hiperativos como queiram.

Essa mesma lógica de classes vem produzindo na Argentina, EUA, Canadá e em


outros países à hora R, para que as crianças rotuladas de hiperativas entrem na fila
e tomem seu medicamento que é administrado pela professora dentro da sala de
aula. A oferta de Ritalina, que não é o único, mas segue sendo o mais consumido,
criou uma clínica que segue essa lógica de classes e medica em massa as crianças
hiperativas.

Segundo Lacan 21, o que caracteriza nossa época são o capitalismo e o discurso da
ciência. Em nossos tempos, a ciência tem sido colocada inteiramente a serviço do
discurso do mestre, que foi modificado em discurso capitalista. O mestre
contemporâneo é o mercado, e sua demanda é a produção de objetos que o
trabalho da ciência coloca à disposição do capital.

No entanto o que nos ensinam as crianças hiperativas?

Alguns pontos, dado o acima exposto, podem ser levantados:

Em torno da regulação dos vínculos, por exemplo, temos que a hiperatividade revela
alguma das especificidades atuais do vínculo com o outro, que o sujeito infantil
estabelece.

E temos assistido de maneira cada vez mais presente o uso de uma química que
regula o estabelecimento desse vínculo de tal maneira que as dificuldades de
relação com o mundo e com o outro, se convertem em aumentar ou diminuir a dose
do medicamento. A hiperatividade seria então não só uma forma de responder a
presença do Outro, mas também uma das formas de regular o laço social com o
outro?

Faz-se necessário nas primeiras entrevistas investigar, como citado anteriormente, o


lugar que a criança ocupa para a mulher que é sua mãe. Essa mesma mãe que ao
entrar no consultório prediz o que filho fará e já o adverte para não fazê-lo como
podemos constatar nos exemplos que se seguem:

21
Lacan, Jacques. Discurso Capitalista e Psicofármacos
46

“Se você subir na cadeira vai apanhar, se você encostar no vaso ele vai quebrar e
eu vou quebrar você.” (sic)

“Fica quieto, não mexe em nada se não você apanha.” (sic)

“Se eu tiro os olhos dele, ele faz algo errado”. (sic)

A hiperatividade é em alguns casos uma resposta obrigada, forçada, do sujeito aos


mandatos do outro, e da conta de seu esforço por se livrar dessa palavra imperativa
e sem mediação. E é também uma resposta angustiada aos castigos que são
aplicados como forma de colocar limites.

Colocar o TDAH como uma disfunção química do cérebro desobriga e retira a


responsabilidade desses primeiros educadores, os pais, e em seguida a escola.
Deixando o medicamento como única saída possível para resolver as questões
vinculares familiares e sociais. Aumentando ou diminuindo as doses conforme vão
surgindo os problemas.

Barkley (2008) aponta o filho portador de TDAH como o alvo e o principal


responsável por interações familiares conflituosas. Em seguida cita a seguinte
pesquisa que endossa o uso do medicamento como mediador de conflitos:

Grande parte das perturbações na interação parece partir dos efeitos do


comportamento excessivo, impulsivo, desordenado, desobediente e emotivo da
criança e não dos efeitos do comportamento dos pais sobre a criança. Essa
observação foi documentada principalmente por meio de estudos que avaliaram os
efeitos de medicamentos estimulantes sobre o comportamento de crianças com
TDAH e os padrões de interação com suas mães. Essas pesquisas mostraram que a
medicação melhora a obediência das crianças e reduz o comportamento negativo,
prolixo e geralmente excessivo, de modo que os pais também reduzem os próprios
comportamentos diretivos e negativos. Esses efeitos da medicação são observados
mesmo no grupo de crianças portadoras de TDAH em idade pré-escolar, assim como
em crianças maiores. Além de haver uma redução geral nos padrões de interação
negativos, disruptivos e conflituosos dessas crianças com seus pais quando as
crianças são tratadas com medicamentos estimulantes, o funcionamento familiar
geral também parece melhorar. (p.209)

A atualidade do TDAH nos força a refletir sobre a maneira como os afetos atingem
esse corpo infantil e como são tratados. Devemos pensar não só na medicação que
aplaca a hiperatividade como também na que abranda a tristeza de adultos e
crianças. Silenciando-os e tornando-os cada vez mais adaptados ao que a medicina
atual julga padrão normal de comportamento.

Carmo (2007) constata em sua prática que os profissionais envolvidos no


atendimento de seus pacientes, ficam presos a descrições nosográficas e corre o
risco de minimizar a importância das questões emocionais, os desajustes ambientais
reduzindo a queixa da família e da escola ao discurso científico, oferecendo-se uma
terapêutica preventiva (exercício de atenção, relaxamento) e reeducação na
47

tentativa de controlar a disciplina na sala de aula, lugar onde a criança e o


adolescente mantém seu contato social.
Assim, de acordo com Guarrido (2007), presenciamos crianças e suas famílias
sendo submetidas ao domínio de um saber médico-psicológico sem que seus
sofrimentos possam ser norteados para outras formas de consideração da
subjetividade que não sejam a normatizante e de treinamento. A autora enfatiza que
há uma grande aceitação, no interior do discurso pedagógico, dessa “cientificidade
médica psicológica”, a qual, baseada na noção de déficit, explicaria os fracassos das
crianças na escola, que não seriam capazes de desenvolver competências
escolares em virtude de falhas presentes em seu organismo.
De acordo com Collares e Moysés (1992) e Escudeiro (2001), as proposições
teórico-metodológicas do campo médico conceitual acerca de TDA/H, à medida que
são divulgadas nas sociedades científicas, adquirem o caráter de falso consenso e
cada vez mais nutre a espiral viciada em torno de uma “verdade” que nunca se
comprovou.
Dado o acima exposto parece-me claro que é preciso cada vez mais investir na
formação dos profissionais que lidam com as crianças ditas portadoras do transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade e no esclarecimento da sociedade como um
todo. Esse investimento, sobretudo deve fomentar a área de pesquisa e pautar-se
na prática clínica.
Faz-se necessário e urgente que este seja um diagnóstico interdisciplinar onde o
diálogo aberto entre as disciplinas tragam benefícios aos pacientes, redução dos
diagnósticos equivocados, melhora na condição de aprendizagem das crianças e
que estas tenham uma relação mais harmônica com sua família, com os amigos, e
na escola.
A intervenção psicopedagógica pode ser terapêutica, preventiva e de inclusão social.
Desde que leve em consideração o sujeito da psicanálise, ou seja, o sujeito do
desejo, o sujeito do inconsciente e que procure dialogar com os outros saberes
elencados aqui de forma pontual, acerca desse sintoma e da criança que
supostamente seja TDAH. Isto propiciará uma abertura para que a criança ou o
adolescente possa falar de um lugar, e produzirá efeito de sentido.

Os problemas de atenção, concentração, organização e impulsividade afetam o


rendimento escolar e conseqüentemente, a auto-estima da criança.

A psicanálise, por sua vez, demonstra que os sintomas estão relacionados às


vivências constitutivas do sujeito. O psicanalista dirige o tratamento produzindo um
ato que visa modificar as defesas frente à angústia que, na visão analítica, é a causa
dos sintomas.

Tomando como base as contribuições da psicanálise, pensamos uma ética do


sujeito na qual seus sintomas representam uma verdade que não pode e nem deve
ser silenciada. Por trás das dificuldades escolares, da falta de atenção, da
hiperatividade, da impulsividade, existe uma criança que sofre, por conseguinte uma
48

família que padece com esse sofrimento. Há também uma instituição escolar que
não dá conta deste “novo” sintoma.

Para se construir um diagnóstico psicanalítico, é preciso tempo. O diagnóstico não é


um dado em si isolado e sim a construção de um saber que se dá através da
transferência. Dentro dessa construção de saber existem buscas que são
essenciais, o saber escolar, ou seja, como a escola percebe esse aluno e o que tem
feito para ajudá-lo ou não, é um deles. Nesse sentido a psicopedagogia permite ao
profissional da saúde transpor as paredes de seu consultório e buscar construir junto
à escola esse saber. Produzindo um intercâmbio entre o saber acerca da criança e
suas relações com os irmãos, pais, amigos, professores, com a aprendizagem, com
os objetos de conhecimento e com o mundo que o cerca, esse saber que faz
interlocução com a escola já aponta para um diagnóstico interdisciplinar necessário.
E finalmente um saber da própria criança, o mais valioso de todos, que colocado
com suas palavras permite que ela vá recontando sua historia e ressignificando seu
lugar no mundo.

A psicopedagogia faz-nos pensar nessas crianças rotuladas hiperativas, como


sujeitos na construção de seu próprio conhecimento. E a esse sujeito nós
psicopedagogos, nomeamos sujeito cognoscente. A esse respeito nos dirá Silva
(1998):

Quando ressaltamos que a psicopedagogia tem como objeto o ser engajado no


processo de construção do conhecimento, ou seja, o ser cognoscente, não o
definimos como uma totalidade acabada, visto que engajado em um processo de
construção, mas em um eterno “devenir”. Esse ser apresenta dimensões
desiderativas e relacionais que o constituem, o que nos permite defini-lo como ser
contextualizado, um ser de relação, um ser pensante e um ser apaixonado. Portanto,
se suas diferentes dimensões são construtivas elas não são simplesmente aspectos a
considerar na construção do sujeito cognoscente. (p.42)

No caso específico do uso indiscriminado de medicamentos na infância, com o


intuito de normatização dos comportamentos e supressão dos sintomas, tem-se o
agravante de que a criança pode vir a desenvolver, por meio do aprendizado, a
crença mágica de que a ingestão de pílulas pode eliminar qualquer tipo de mal-estar.
Tal atitude não permite escolhas e opções que possibilitem à criança criar
mecanismos próprios de participação pró-ativa, com implicações para a sua vida
adulta, na reversão de suas angústias, problemas e dificuldades.
Em outras palavras, a descrição médica hegemônica de TDA/H e a concepção de
“adoecimento” que advém dessa nosologia psiquiátrica, na contemporaneidade,
servem de justificativa para se eclipsar o sujeito e os aspectos intersubjetivos
responsáveis pela constituição e/ou cristalização de suas eventuais dificuldades.
Assim, ao tentar impedir que o sujeito encontre o valor da palavra que lhe permita
falar sobre o seu próprio sintoma, sua história de vida, o discurso da ciência separa
o sujeito de sua verdade e o aliena na certeza imaginária do conhecimento científico,
submetendo-o aos saberes da hora.
49

Pretendemos por fim, não limitar a um saber específico a compreensão do sintoma


hiperatividade, mas, buscar um diálogo enriquecedor que propicie a outros campos
de saber dialogar entre si e criar uma abordagem mais assertiva com relação a essa
problemática na infância. Cada um dos profissionais envolvidos tem a
responsabilidade de tratar de forma ética e profissional essa criança que é, acima de
tudo, um sujeito em constituição, um ser humano que sofre e um sujeito de direitos
que devem ser respeitados.
Encerro esse estudo com a palavra de Manuel Tosta Berlinck onde ele responde em
uma de suas entrevistas recentes, a questão da psiquiatria não reconhecer a
eficácia de outros saberes:
Penso que não existe nenhum saber humano capaz de dar conta completamente do
sofrimento psíquico humano. Nem a psiquiatria, nem a psicanálise, nem a psicologia,
nem a filosofia, nem a literatura. Todos esses saberes contribuem decisivamente para
a compreensão dos transtornos mentais. É indispensável que aqueles que fazem
pesquisa, que trabalhem nesses campos, conversem entre si, para que essa
compreensão se amplie de alguma forma. Só a conversa entre diferentes é que vai
22
permitir que a compreensão sobre o transtorno mental aumente.

22
HTTP://www.psicopatologiafundamental.org/?s=40
50

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18. FERNANDEZ A. A inteligência aprisionada; Porto Alegre: Artes Médicas,
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19. FREUD, S. A pulsão e suas vicissitudes [1915]. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
(Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud, 14, p. 89).
51

20. _________. Os caminhos da formação dos sintomas. In: Conferência XXIII


[1916-1917]. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 419-440 (Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol.XVI).
21. _________. Psicanálise e psiquiatria. In: Conferências introdutórias sobre
psicanálise, XV [1917]. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 16). P. 289-
303
22. _________. Projeto para uma psicologia científica [1895]. Rio de Janeiro:
Imago, 1977. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud, vol. I)
23. _________. Além do princípio do prazer [1920]. Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, vol. XVIII).
24. _________. Dois verbetes de enciclopédia (1922 [1923]) Obras Completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XVIII).
25. FOUCAULT, M. A crise atual da medicina. Reprodução de conferência
pronunciada por Michel Foucault na Escola de Saúde Pública do Rio de
Janeiro, 1974. (Mimeogr. sem paginação)
26. GORODSCY, R. C. A criança Hiperativa e seu Corpo: uma reflexão sobre a
gênese da hiperatividade em crianças. (1990). São Paulo, Tese de Doutorado
USP.
27. HALLOWELL E. M. Tendência à distração: identificação e gerência do
distúrbio do déficit de atenção (DDA) da infância à vida adulta. Rio de Janeiro:
Rocco, 1999.
28. INFANTE D.P; Pediatria Básica: Tomo I Pediatria Geral e Neonatal. Editora
Savier São Paulo, 2003.
29. JERUSALINSK, A; Psicanálise e Desenvolvimento Infantil: Um enfoque
transdisciplinar. 4ª Edição – Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2007.
30. MATTOS P. No Mundo da Lua: Perguntas e respostas sobre transtorno do
déficit de atenção com hiperatividade em crianças, adolescentes e adultos;
São Paulo: Lemos Editorial, 2003.
31. MILLER, J. A; Da utilidade social da escuta. In: Opção Lacaniana: Revista
Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, Prática Lacaniana - Nota
sobre a honra e a vergonha, n.38, p.19-22, dezembro 2003.
32. MYSSIOR, S. G. Do ser vivo ao sujeito a constituição subjetiva. FUNDEP,
UFMG. 2003.
33. MYSSIOR, S., G. Doenças e manifestações psicossomáticas na infância e
adolescência: construindo uma intersecção da psicanálise com a pediatria.
Belo horizonte, 2007. Dissertação de mestrado, UFMG Faculdade de
Medicina.
34. LACAN, J. Nota sobre a criança [1969]. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003. (p. 369-370.)
35. ________. A agressividade em Psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro;
Zahar, 1998. P.101-126.
36. ________. O estádio do espelho [1949]. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar,
1998. P.96-103.
37. ________. O seminário, livro I: Os escritos técnicos de Freud [1953-1954]. Rio
de Janeiro: Zahar, 1986. Ps. 12-71-168 LACAN, Jaques. Conferência, de 12
de maio de 1972. Milão: Universidade degli Studio. Inédita.
52

38. ________. O seminário, livro XVII: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro:


Zahar, 1992.
39. LEGNANI, Viviane N., ANDRADE, Mariana F. de, CAIRUS, Raquel Cristina
dos R. et al. Impasses na construção da noção de alteridade nos processos
de subjetivação das crianças com o diagnóstico de transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH). In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 5,
2006, São Paulo. Anais eletrônicos... Disponível em:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.
php?Script=sci_arttext&pid=MSC0000000032006000100059&lng=pt&nrm=ab
n>. Acesso em: 06 Mar. 2009.
40. LEITE M. P. S. Sujeito e fármaco na pós- modernidade in Clique, Revista
Horizonte, 2002.
41. QUINET, A. A. O corpo e seus fenômenos. In: Papéis do simpósio. Belo
Horizonte, 1988.
42. ROHDE, L. A., MATTOS, P.& cols. Princípios e práticas em TDAH. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
43. SILVA, M. C. A. Psicopedagogia: em busca de fundamentação teórica.
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1998.
44. VIDAL, E. A. Dimensões do corpo: Winnicott e Lacan. In: O corpo do Outro e
a criança. Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2004, ano XXIII, n. 33, p.
27-37.
45. VIDAL, E. A. O corpo da psicanálise. Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana,
2000, ano XVII, n. 27, p. 7-9.
46. VIDAL, M. C. V. (Org.). Neurose Infantil: cem anos de Winnicott; uma
contribuição à Psicanálise. In: Revinter. Rio de Janeiro: Escola Letra
Freudiana, 1996, n. 19-20.
47. VIOLANTE, M. L. V; Ensaios Freudianos em Torno da Psicosexualidade. São
Paulo: Via Letera, 2004.
53
54

ANEXO II

1.2 - Critérios do DSM-IV-TR para o TDAH

A. Ou (1) ou (2)

(1) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo período
mínimo de seis meses em grau mal adaptativo e inconsistente com nível de
desenvolvimento:

Desatenção

a) Freqüentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por


omissão em atividades escolares, de trabalho ou outras.

b) Com freqüência tem dificuldades em manter a atenção em tarefas ou


atividades lúdicas

c) Com freqüência parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra.

d) Com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres


escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a um
comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções)

e) Com freqüência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades

f) Com freqüência evita, demonstra ojeriza ou reluta em envolver-se em


tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou
deveres de casa)

g) Com freqüência perde coisas necessárias para as tarefas ou atividades


(ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais)

h) É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa

i) Com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias

(2) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram período
mínimo de seis meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de
desenvolvimento:

Hiperatividade

a) Agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira

b) Freqüentemente abandona sua cadeira na sala de aula ou outras situações


nas quais se espera que permaneça sentado
55

c) Freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações impróprias (em


adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de
inquietação)

d) Com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver


silenciosamente em atividades de lazer

e) Está freqüentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a


todo vapor”

f) Freqüentemente fala em demasia

Impulsividade

g) Freqüentemente dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham


sido completamente formuladas

h) Com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez

i) Freqüentemente interrompe ou se intromete em assuntos alheios

B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção causadores de


comprometimento estavam presentes antes dos sete anos.

C. Alguns comprometimentos causados pelos sintomas estão presentes em dois ou


mais contextos (p. ex., na escola [ou trabalho] e em casa).

D. Deve haver clara evidencia de comprometimento clinicamente importante no


funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.

E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno


global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico, nem são
mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor,
transtorno da ansiedade, transtorno dissociativo ou transtorno da personalidade).

Codificar como base no tipo:

314.01-Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo combinado: se


tanto o critério A1 quanto o critério A2 são satisfeitos durante os últimos seis meses.

314.00-Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, tipo


predominantemente desatento: se o critério A1 é satisfeito, mas o Critério A2 não
é satisfeito durante os últimos seis meses.
56

314.01-Transtorno do déficit de atenção / hiperatividade, tipo


predominantemente hiperativo-impulsivo: se o Critério A2 é satisfeito, mas o
Critério A1 não é satisfeito durante os últimos seis meses.

Nota para a codificação: Para indivíduos (em especial adolescentes e adultos) que
atualmente apresentam sintomas que não mais satisfazem todos os critérios,
especificar “Em Remissão Parcial”. (American Psychiatric Association, 2000).

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