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Século de prática de
ensino de geografia
permanências e mudanças
Maria Adailza Martins de Albuquerque

Introdução

Para abordamos uma temática como esta é importante recorrermos


ao passado, visto que ele pode nos dar algumas pistas para pensarmos o
presente e sermos propositivos com relação ao futuro. É nessa expectativa
que convido o leitor a passear por textos redigidos ao longo de um século
sobre metodologias do ensino da disciplina escolar de geografia e, a partir
deles, fazermos algumas considerações sobre o descompasso entre o que
se propõem para o ensino dessa disciplina e as queixas sobre as práticas
escolares dos professores, assim como analisarmos a relação da disciplina
escolar com a produção acadêmica.
É, ainda, importante esclarecer um segundo ponto: trabalhamos aqui
com uma proposta de análise fundamentada na história das disciplinas
escolares. Portanto, partindo dos pressupostos advogados por essa corrente
de pensamento, compreendemos que a disciplina escolar traz em si uma
certa autonomia em relação a disciplina acadêmica (Chervel, 1990), mas
que elas mantêm uma relação intrínseca. Mostrar que essa relação pode
se constituir como um campo de debate fértil para a geografia é um dos
objetivos deste capítulo.
As perguntas que orientam essa análise – que, em geral, são expostas
na introdução dos textos – serão apontadas depois que apresentarmos
14 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

algumas considerações necessárias ao debate. Um passeio por textos ela­


borados ao longo de um século pode nos trazer análises produtivas. Vamos,
então, ao passado, para repensarmos o presente.

Um século de críticas às práticas


de ensino de geografia

Em A Educação Nacional, José Veríssimo (1985, p. 9)* assim se re­


por­ta ao ensino de geografia:
Apesar da pretensão contrária, nós não sabemos geografia. Nesta matéria,
a nossa ciência é de nomenclatura e, em geral, cifra-se à nomenclatura
geográfica da Europa. É mesmo vulgar achar entre nós quem conheça
melhor essa que a do Brasil.[...] No ensino primário brasileiro o da geo­
grafia é lamentável e, quando feito, o é por uma decoração bestial e a
recitação ininteligente da lição decorada [...]. O ensino secundário é fei­to
com vista ao exame, apressada e precipitadamente, e resume-se na enu­
meração e nomenclatura.

Em Methodologia do Ensino de Geographico, Delgado de Carvalho,


três décadas depois de Veríssimo, aponta questões muito próximas àquelas
discorridas pelo seu colega:
A geographia tem por objeto o estudo da terra como ‘habitat’ do homem.
Infelizmente não é sob este ponto de vista que é estudado entre nós este
ramo scientifico. Nas escolas do Brasil e de outros países de nosso continente,
a geographia é o estudo de uma das modalidades da imaginação humana,
isto é, da sua faculdade de atribuir nomes, de chrismar áreas geographicas.
As montanhas, os rios, as regiões naturaes não são estudados em si, mas
apenas como merecedores de um esforço de nossa fantasia. Aqui, quem
não sabe nomenclatura não sabe geographia, e deste modo a poesia e a
geographia são produtos diretos da imaginação, apensar de fazerem parte
de cadeiras deferentes [...] (Carvalho, 1925, p. 3).

A visão de um grupo inteiro de renomados professores da USP sobre


as práticas escolares na década de 1930, quando da elaboração de um
documento curricular de geografia, publicado na Revista geografia, Ano I,
nº 4, AGB, não parece ter mudado significativamente quando comparada
à visão sobre essas práticas do final do século XIX:

* A primeira publicação desse livro é de 1980.


Geografia 15

Trata-se no momento da reforma do ensino secundário no Brasil. A As­


sociação dos Geógrafos Brasileiros não quis alhear-se do assunto e, na
par­te que lhe toca, trazer a sua contribuição à reforma. Justifica-se tanto
mais esta intervenção quanto o ensino da geografia passa atualmente,
em todo o mundo, por uma fase de transformação. Substitue-se o antigo
sistema puramente de nomenclatura e mnemônico, por uma compreensão
científica da matéria. E nestas condições é dever de todos que se interessam
pela geografia auxiliar os poderes públicos na difícil tarefa de modernizar
seu ensino (Azevedo, Monbeig e Carvalho, 1935, p. 113).

O livro de Antonio Firmino Proença, que, apesar de não trazer


impressa a data de publicação – temos no volume que nos pertence a data
de uso (1940) –, também nos orienta nesta mesma perspectiva:

O nome de uma sciencia nem sempre dá uma idéa exata do objecto da


mesma sciencia. Haja vista a palavra geografia. Pelos seus elementos
etymologicos (geo, terra + graphia, descrição), vem a ser a descripção
da terra. Mas descrever a terra será enumerar localizadamente as coi-
sas da superfície e esboçar quadros mais ou menos artísticos, pelos quaes
se ponham diante dos olhos da imaginação os aspectos mais interes-
santes do globo. É esta, geralmente, a concepção vulgar de geographia,
e com esta concepção tem ella tomado feições extremadas. Ora constitue
uma espécie de literatura, feita antes para deleitar do que para instruir,
e é, então, o que podemos chamar de geographia pinturesca... Outras
vezes cai no puro verbalismo e os nomes substituem as coisas. Ainda se
chama – geographia, muito embora nada tenha de descripção da terra
(Proença, s/d, p. 8).

Dando um salto muito grande no tempo, podemos encontrar uma


referência também destinada às orientações das práticas escolares, muito
próximas àquelas explicitadas no século XIX e, posteriormente, em todo
o século XX. Em Metodologia do Ensino de História e Geografia, assim se
expressa Heloisa Dupas Penteado (1991, p. 28):
[...] Conduta semelhante orientou o ensino geográfico. Extensas listas de
nomes de acidentes geográficos, bem como extensas listas de números –
indicando altura de picos e montanhas, altitude de planaltos e planícies,
extensão de rios, seus volumes de água, graus de temperatura máxima e
mínima de diferentes locais da Terra, etc., como se esses dados fos­sem
to­dos aleatórios e independentes entre si, eternos, constantes e imu­tá­
veis – nortearam a docência dessa disciplina, então preocupada com pro­
cedimentos meramente descritivos.
16 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

Apear das transformações por que passou o ensino de geografia,


o debate parece não ter mudado ao longo do tempo. Vejamos o que nos
trazem os PCN:
A memorização tem sido o exercício fundamental praticado no ensino de
geografia, mesmo nas abordagens mais avançadas. Apesar das propostas de
problematização, de estudos do meio e da forte ênfase que dá ao papel dos
sujeitos sociais na construção do território e do espaço, o que se avalia ao final
de cada estudo é se o aluno memorizou ou não os fenômenos e conceitos
trabalhados e não aquilo que pôde identificar e compreender das múltiplas
relações aí existentes (PCN História e Geografia – 1o e 2o ciclos, 2000, p. 108).

Como se pode verificar, esses depoimentos referem-se a períodos


distintos da história da educação brasileira e refletem parte das proble­
máticas metodológicas do ensino de geografia, ou melhor, da prática de
sa­la de aula. Até hoje, em encontros com professores de geografia, nos
cur­sos de extensão, ou com alunos de formação inicial – quando, em ati­
vidades, relembram suas aulas de geografia –, quando propomos reflexões
sobre os problemas metodológicos que enfrentamos em sala de aula, eles
apontam como questões centrais as práticas mnemônicas e os conteúdos
distanciados da realidade de seus alunos.
O que se pode perceber é que os problemas metodológicos aponta-
dos (conteúdos descritivos, método mnemônico, nomenclaturas como con-
teúdos, etc.) se repetem historicamente, são continuidades que teimam em
permanecer nas salas de aulas de geografia. Devemos ressaltar que esses
depoimen­tos foram feitos por professores do ensino básico, autores de livros
didáticos de geografia e/ou intelectuais ligados ao ensino. Portanto, tais
fragmentos de textos representam posições teóricas estabelecidas no debate
que é ine­rente à produção desse saber e que resultara da análise da prática.
Partindo dessas constatações, entendemos que as permanências e mu­
danças nas metodologias adotadas para o ensino de geografia devem ser
analisadas no bojo do desenvolvimento da história dessa disciplina escolar.
E, mais precisamente, devem ser analisadas a partir da relação entre as
propostas teóricas implementadas, ou não, e as práticas de sala de aula.
Para tanto, é importante apontar que compreendo, como nos assevera
Chervel (1990), que as disciplinas escolares não devem ser vistas apenas
como uma simplificação dos saberes desenvolvidos no nível acadêmico. As­
sim, as disciplinas escolares são entendidas como construtos sociais rela­
cionados às ciências de referência, aos saberes pedagógicos e aos saberes
dos educandos e dos educadores, de modo que elas apresentam uma certa
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autonomia. Estou, portanto, partindo de pressupostos fundamentados na


história das disciplinas escolares, e é sob a luz desse arcabouço teórico
que analisarei as metodologias do ensino de geografia, procurando trazer
algumas contribuições para repensarmos o ensino dessa disciplina.
Esse levantamento nos possibilita ressaltar uma série de questio­
namentos sobre o tema. Algumas dessas questões se configuram como
hipóteses, que venho analisando em pesquisas mais recentes. Como se de­
ram as rupturas efetivas no que diz respeito às metodologias adotadas para
o ensino básico de geografia no Brasil? As continuidades metodológicas
que ocorreram ao longo da história da disciplina escolar de geografia no
Brasil estão relacionadas à dualidade entre teoria e prática? As rupturas
e as permanências acerca das metodologias do ensino básico de geografia
têm relações com os embates teóricos ocorridos no âmbito da ciência de
referência ou estão atreladas aos referenciais teóricos pedagógicos? As
rupturas e as continuidades estão historicamente atreladas à formação
de professores? Essas rupturas surgem na academia e posteriormente
se difundem pela escola ou há um movimento de trocas entre produção
acadêmica e práticas/produção escolar?
Tentarei discutir essas questões sem me ater sistematicamente à se­
quência das perguntas, pois o debate em torno desse tema não nos permite
buscar respostas imediatas para cada questão, visto que elas estão entremeadas
nas inter-relações inerentes à história dessa disciplina escolar.
Queremos aqui deixar claro que entendemos a metodologia de
en­sino de geografia como uma construção permanente dos professores,
teóricos da geografia e da educação, formada na relação entre seleção e
abordagem dos conteúdos (conceituais, atitudinais e procedimentais), na
fundamentação teórica (ciência de referência), nas “técnicas” de ensino
propostas no âmbito da pedagogia (teoria/prática) e nas práticas de sa­
la de aula. Com esse posicionamento, colocamo-nos como Pontuschka
(1996), que, em várias palestras e seminários, tem defendido que não se
deve dissociar conteúdos de métodos.

A tradição de uma prática se dá


na prática, e as rupturas também

Esses fragmentos de textos nos permitem compreender que as


metodologias de ensino de geografia apresentam um movimento de per­
manência e resistência ao longo de muito tempo, sendo que parte delas é
18 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

vista como um problema que perdura na prática escolar até os dias atuais.
Por outro lado, contudo, é possível enxergar propostas de rupturas em ca­
da uma dessas citações.
Não há motivo para descrever aqui o contexto histórico do final do
século XIX e início do XX para que possamos retomar os fragmentos dos
tex­tos anteriormente expostos, pois somente algumas considerações se fa­
zem necessárias. No bojo dos movimentos de independência (1822), de
pro­­­clamação da república (1889) e de libertação dos escravos (1888) todo
um novo contexto histórico se configura no país. Uma série de movimentos
intelectuais passa a compor o debate acerca do papel da educação na formação
da nação brasileira. Nesse contexto, a escola e, mais especificamente, o ensino
de geografia e história tornam-se essenciais à difusão das ideias patrióticas.
É nesse contesto que José Veríssimo, no final do século XIX, escreve
o livro Educação Nacional (1890). A questão do nacionalismo e a ideia de
uma escola para todos é que motivava esse autor a questionar os métodos
utilizados no ensino de geografia e sua vertente europeizada quando do trato
dos conteúdos (leia-se nomenclaturas), e, além disso, reclamar a carência
de cientificidade na geografia escolar brasileira. Diante dessas questões,
propunha uma ruptura no ensino dessa disciplina. Para ele, era necessário
que se fizesse uma geografia brasileira – escrita por brasileiros – e que os
alunos pudessem estudá-la em vez de decorar nomenclaturas de cidades
e acidentes geográficos estrangeiros. Sugere a superação dos currículos
que tratavam de maneira simplificada a corografia (lugar) brasileira, e via
como urgente uma reforma na geografia pátria, visto que esta difundiria
o sentimento patriótico, necessário à construção da identidade nacional.
Também apontava propostas metodológicas, sugerindo a adoção do mé­
todo “hodierno” do ensino geográfico. Para o desenvolvimento de suas
pro­posições, aponta a necessidade de professores hábeis e devotados, bem
como o aparelhamento da escola com mapas e novos compêndios.
Compreendo que aquele era um momento de ruptura para as
metodologias de ensino de geografia empregadas na época, mas devo
lembrar que não existia formação superior destinada a professores de
geografia que, portanto, as metodologias resultavam da ação de “pro­
fessores leigos” de sua prática e da perpetuação do que já existia.
Quando novas ideias, como as mencionadas, eram introduzidas no
debate, nem sempre atingiam os professores, pois estes estavam distanciados
de tais preocupações, e, em geral, eram (e continuam sendo) obrigados
a seguir o que a sociedade de cada época, em especial pais e superiores
hierárquicos, estabeleciam como o melhor método/conteúdo de ensino.
Geografia 19

É assim que vemos constituir-se uma tradição, seja ela dos métodos
ou dos conteúdos. Podemos recorrer ao conceito de “tradição seletiva” pa­ra
melhor compreendermos esse processo. Rocha (1996), baseado em Apple
(1989), nos aponta como a disciplina escolar de geografia selecionou e
legitimou, ao longo de sua trajetória e diante de um leque de conhecimentos
geográficos, uma série de conteúdos “desinteressantes”, métodos mnemônicos
e distantes da realidade dos educandos.
Chervel (1990) nos aponta, ainda, que as disciplinas escolares
têm uma certa autonomia e que é preciso pensar em seus objetivos em
cada momento específico. Desse modo, o que compreendemos é que os
conteúdos, os métodos e as práticas mudam ou permanecem conforme
uma série de fatores (objetivos específicos, escolha de métodos e con­
teú­dos, relações sociedade-escola, etc.) e sujeitos sociais envolvidos no
processo de construção e reconstrução da disciplina escolar (pais, alunos,
professores, diretores, entre outros).

As permanências e as dificuldades
para propostas de rupturas

Ainda seguindo os ideais patrióticos, porém em uma vertente teórica


distinta, Delgado de Carvalho, recém-chegado da Europa, ingressa no
debate evidenciando a importância da escola para a formação da nação e
da identidade brasileira. Na década de 1920, aproxima-se dos intelectuais
que defendiam os pressupostos escolanovistas, chegando mesmo a as­
sinar o “Manifesto dos Pioneiros” (1932). Em seu livro Methodologia do
Ensino Geographico (1925), levanta os mesmos problemas apontados
anteriormente por José Veríssimo (1985). Propõem, então, alternativas
de superação dos problemas metodológicos que permaneciam nas salas
de aula de ensino de geografia no Brasil. Segundo esse autor, a geografia
deveria trabalhar com a compreensão dos fenômenos geográficos, e estes
deveriam partir do que é mais próximo do aluno – será que há alguma
novidade nesta fala atualmente? Em seu livro Geografia do Brasil (1913),
introduz o conceito de região natural, buscando superar os estudos
isolados por estados, como era comum aos compêndios da época.
Assim, o autor sugere que devemos estudar o rio São Francisco e ou­
tros rios brasileiros em vez de adentrarmos a nomenclatura da hidrografia
europeia. Além disso, o aluno deveria ser estimulado a compreender os pro­
cessos (naturais/sociais), e não a memorizar nomenclaturas. Visando a uma
20 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

abordagem regional para o Brasil, propôs uma regionalização do país baseada


nos aspectos naturais, de modo que superasse a abordagem encontrada nos
livros didáticos, em geral fundamentada na divisão dos estados.
O que se percebe nesta proposta de ruptura teórico-metodológica é
que temos aí dois enfoques que passaram a constituir os debates nacionais;
primeiramente os referenciais científicos modernos para a ciência da
geografia e, mais para o final dos anos de 1920, o enfoque escolanovista
para a educação. Essas proposições tiveram origem europeia e norte-
americana e influenciaram efetivamente os intelectuais que estavam em
áreas centrais e que acompanhavam os debates advindos do exterior. Desse
modo, Delgado de Carvalho, considerado o pai da geografia moderna
brasileira, propõe como base científica uma nova seleção e abordagem
para os conteúdos da disciplina e, por outro lado, passa a advogar os
preceitos pedagógicos escolanovistas, em que o enfoque de processo de
ensino/aprendizagem centra-se no aluno.
Esse aporte teórico também fundamentava os cursos livres de for­mação
de professores promovidos pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
tendo à frente professores como o próprio Delgado e Everardo Backheuser.
É possível verificar o alcance desse movimento de transformação no ensino
de geografia nos anais da I Conferência Nacional de Educação, em 1927, em
que encontramos duas propostas de ensino de geografia referendadas por
esse aporte: a de Renato Jardim (1927), O Ensino de Geografia – necessidade
de uma reforma de programas e métodos, e de Isaura Sydney Gasparini
(1927), O Brasil carece da difusão do ensino popular da geografia.
No entanto, constata-se que essas formulações atingiam um núme­
ro pouco significativo de docentes, de modo que a grande massa de pro­
fessores de geografia continuava com suas metodologias e seleção de
conteúdos pautadas em uma tradição que se constituía a partir da prática
cotidiana e dos diferentes setores que agem na escola e na constituição da
disciplina escola. Desse modo, uma ruptura teórica não significa neces­
sariamente uma ruptura na prática dos professores, mesmo que essa pro­
posta de ruptura tenha origem nas práticas escolares.
Diante das preocupações ocorridas no bojo das transformações da
geografia na década de 1930, com a institucionalização dessa ciência, evi­
denciada pela criação dos cursos superiores de formação de professores na
Faculdade de Filosofia (posteriormente USP), em 1934, e na Universidade
do Brasil (posteriormente UERJ), em 1935, tem início a influência direta da
geografia francesa moderna no Brasil. Nesse contexto, um novo currículo
foi proposto para o ensino secundário no Estado de São Paulo. Os então
Geografia 21

renomados professores da instituição paulista, em nome da Associação dos


Geógrafos Brasileiros (AGB), também deram sua contribuição. Aroldo de
Azevedo, Pierre Monbeig e Maria da Conceição V. Carvalho redigiram o
documento curricular. Nele, novamente se encontram os mesmos ques­
tionamentos sobre as metodologias empregadas e sobre a maneira como
os conteúdos são tratados (método mnemônico e nomenclaturas) em sala
de aula. Portanto, constatam-se as permanências, e novas propostas para
superação desses problemas são apresentadas. Também devemos ressaltar
o posicionamento da academia ao elaborar propostas de mudanças para as
práticas escolares.
Poderíamos dizer que, naquele momento, a geografia já contava com
cursos de formação de professores e passava a ser produzida oficialmente uma
geografia brasileira genuína – não que antes não tivéssemos geó­grafos que
escrevessem sobre o país, mas, a partir de então, isso se dá em caráter ins­titu­
cional. Entendemos que os dois últimos momentos de ruptura a que nos re­
ferimos estejam relacionados à institucionalização da formação de professo-
res de geografia e à adoção, por parte dos acadêmicos, de uma corrente de
análise francesa lablachiana que passou a dominar toda essa produção. Len-
do a proposta elaborada por esses autores, podemos notar que eles comunga-
vam com tal posição e desejavam para a geografia escolar o mesmo.
Mas será que essa formação superior seria suficiente para que­brar as
estruturas arraigadas na prática de sala de aula, tais como as me­todologias?
Essa interrogação não tem resposta imediata, pois, como veremos a seguir, os
mesmos problemas se perpetuam até a elaboração de documentos curriculares
mais recentes. Porém, outras perguntas podem orientar nossa análise e
estimular um debate profícuo: os professores, em sua luta cotidiana, foram
consultados quando da desconfiança por parte da academia da necessidade
de revisão da geografia escolar? Eles sabiam efetivamente o que significava
essa geografia francesa? Eles aplicaram as novas propostas em suas práticas?
Ou, ainda: eles conheciam a existência de tais propostas?
Acreditamos que a maior parte dessas perguntas tenha uma resposta
negativa, e essa negação tem um significado muito claro para nós. Elas se
originam a partir de diferentes posicionamentos: distanciamento entre
academia e escola; desconhecimento das novas proposições teóricas por parte
dos professores do ensino básico; desconhecimento, por parte da academia,
das transformações e das necessidades da escola. Além disso, a academia,
no alto de sua posição, em geral, aponta para a escola o que ela deve fazer,
como deve proceder. E a escola vem “aceitando” o papel de subalterna que o
“destino” lhe incumbiu.
22 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

Esse posicionamento muito tem prejudicando uma possível relação


profícua entre essas duas instituições. Porém, não devemos perder de
vista que, apesar dessa visão hierarquizada muito ter contribuído para
as permanências em sala de aula, as resistências dos professores frente
às velhas práticas, como também seu protesto em relação às inovações
implantadas sem consultas aos segmentos escolares, vem se dando ao
longo do tempo, promovendo novas propostas metodológicas na sala de
aula e possibilitando trocas entre a academia e a escola. Vejamos mais
adiante o que nos diz Vesentini (2004) sobre isso.

Novos objetivos ou uma ressignificação


de antigos objetivos para a disciplina?

Com a ditadura militar, mudou o objetivo da disciplina escolar de


geografia ou foram ressignificados antigos objetivos? A mudança foi tão
significativa que a disciplina foi praticamente extinta do currículo escolar,
sendo substituída pelos Estudos Sociais (uma disciplina sem tradição,
sem conteúdo definido, mas com objetivos muito bem estabelecidos), e a
formação de professores em cursos aligeirados tornou-se prática corrente
(Conti, 1971). As aulas de geografia ficaram restritas à parte dos conteúdos
que interessavam àqueles governos. O que víamos nas salas de aulas de
todo o país era a continuação das mesmas práticas mnemônicas, das
nomenclaturas e dos conteúdos recém-estabelecidos pelos militares, isto é,
a preocupação com um país grande, rico em recursos e belezas naturais e
com uma sociedade vivendo sem conflitos e sem diferenças sociais.
Com a abertura política no pós-ditadura militar, a redemocratização
do país e a organização das lutas sociais deu-se o fim dos estudos sociais.
Diante de uma retomada da história e da geografia no currículo do en­
sino fundamental, 100 anos depois do texto de José Veríssimo, as geogra­
fias críticas apontam com novas propostas, denunciando as práticas
mne­mônicas e o uso de nomenclatura como conteúdo da disciplina. A
Proposta Curricular de Geografia da Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (SEE de São Paulo/CENP, 1986) trouxe um novo enfoque
para o ensino de geografia, buscando uma fundamentação teórica pautada
pelas análises marxistas. Esse documento foi referencial para a elaboração
de propostas curriculares em muitos estados brasileiros (Moraes, 1998).
Entretanto, denuncia esse autor, em parte dos estados, os referenciais
curriculares foram elaborados a partir de tópicos de livros didáticos.
Geografia 23

Mais uma vez, porém, as propostas acadêmicas, mesmo daqueles


es­tados onde as propostas curriculares foram elaboradas de maneira
demo­cráticas (Albuquerque, 2004), não se tornaram um referencial de
mudança das práticas da maioria dos professores. Parte deles, por uma
série de fatores (Albuquerque, 2004), desconhecia esses documentos,
outros se colocaram contrários às propostas e deram continuidade a sua
prática. Entretanto, os referenciais curriculares foram de grande valia
para outro grupo. Acreditamos que é ai que está o x da questão: somente
uma parte dos professores de geografia, em geral em número pouco
expressivo, transcende práticas que estão enraizadas. Desse modo, as
permanências se perpetuam, e as mudanças parecem não ser assimiladas
pelos acadêmicos pouco sintonizados com a escola.
A partir da análise de Moraes (1998), podemos perceber que nem
sempre um movimento de ruptura se dá no país como um todo. É preciso
reconhecer as contradições existentes no processo. Neste contexto, garan­
tiu-se, pelo menos em parte das instituições superiores, a formação de
professores a partir de um referencial distinto do que se vinha constituindo
anteriormente. Mesmo que isso não tenha sido garantia do fim das prá­
ticas aqui denunciadas, tal ruptura trouxe mudanças significativas para a
escola, o que vem a comprovar nossa formulação anterior de que há uma
relação complicada entre a academia e as práticas escolares.
Penteado (1991), no livro Metodologia do Ensino de História e Geo­
grafia, que visava difundir uma nova abordagem metodológica, aponta
para os mesmos questionamentos sobre a metodologia empregada para o
ensino de geografia e a abordagem sobre os temas, o ensino mnemônico
e a nomenclatura como conteúdos.
As propostas de superação sugeridas por essa autora estão funda­
mentadas em uma visão mais atrelada à pedagogia do que ao enfoque
específico da ciência da geografia. Ela busca centrar suas propostas de
transformação da metodologia do ensino de geografia nos círculos concêntricos
– metodologia que advogava que a escola deve abordar os conteúdos a partir
do local para o global, do próximo para o distante. E a metodologia já havia
sido aplicada em escolas experimentais, e, naquele momento, já compunha
as metodologias adotadas para uma parte dos livros didáticos, assim como já
era a proposta de Delgado desde a década de 1920.
O certo é que essa metodologia passou a compor a prática de parte
dos professores que tiveram acesso a esses livros didáticos ou que, de um
modo ou de outro, tiveram contato com ela, mudando consideravelmente
a prática dos professores de geografia de 1a a 4a série. Tendo em vista que
24 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

as escolas passaram a compor seus currículos ativos (Goodson, 1999) a


partir dessa metodologia, o modo e o lugar onde vive o aluno passaram
a figurar como tema recorrente nas práticas, nos livros didáticos e em
propostas curriculares.
No final da década de 1990, os questionamentos em torno dos
círculos concêntricos apontavam para os problemas que então eram postos
para a sociedade e para as abordagens geográficas. Não é possível estudar
o bairro desconectado do mundo ou vice-versa. Segundo os críticos,
es­sa metodologia isolava uma realidade para ser estudada e não pos­
si­­bilitava ao aluno fazer relações entre os lugares. Entretanto, até hoje
nos cursos de que participo com professores de diferentes redes públicas
e privadas, especialmente os de 1a a 4a séries, ainda há uma insistente
continuidade dessa abordagem. Portanto, as continuidades das práticas se
propagam por muito tempo, e não podemos esperar que sejam superadas
muito rapidamente.
Pode-se justificar as continuidades a partir da afirmação de que os
professores que estavam na ativa tiveram sua formação prejudicada pelo
aligeiramento da formação anterior e dos conteúdos estabelecidos por um
governo ditatorial. Acreditamos que há uma relação truncada entre escola
e academia. Há um discurso inerente aos debates geográficos que aponta
para o fato de que os questionamentos que a academia vinha apontando
naquela década de 1980 não chegavam à escola. Assim, esse movimento
de renovação da ciência de referência não era suficiente para trazer uma
renovação sistemática para práticas de sala de aula. Esse discurso coloca,
mais uma vez, a academia em um lugar de destaque e traz à superfície a
questão da hierarquia e da produção do conhecimento.
No entanto, acreditamos que há ainda questionamentos que podem
tra­zer novas perspectivas sobre as rupturas e as permanências na relação
entre a disciplina escolar e a acadêmica, orientando nossa visão sobre
a ligação estabelecida entre as duas. Nesse embate, Vesentini (2004,
p. 226) é esclarecedor, pois aponta para o fato de que grande parte dos
questionamentos que desencadearam os debates acerca das geografias
críticas tiveram origem nas experiências de sala de aula. Ele entende que as
rupturas se dão em virtude das dificuldades em permanecer ou em romper
com práticas escolares arraigadas, como as temáticas que enfocavam
nomenclaturas, diante das novas questões postas pelo contexto histórico
e pelos movimentos sociais que traziam temas como “questões de gênero,
críticas ao socialismo real e à burocracia, choques culturais e civilizações,
orientação sexual, o novo racismo, etc.”
Geografia 25

Esse enfoque muda, portanto, a orientação comum ao discurso de


parte dos geógrafos, de que a escola não acompanhava os debates aca­
dêmicos. Pois se, como nos apresenta esse autor, a ruptura se deu na es­
cola e somente depois chegou à universidade, então podemos dizer que
as rupturas também podem ter origem na escola e influenciar o debate
na academia. Tendo em vista essa perspectiva, pode-se rever a relação
academia-escola no que diz respeito ao ensino de geografia. Entretanto,
é preciso ressaltar que esse debate não resulta dos debates na escola
brasileira em sua totalidade, ele foi pontual e continua sendo, visto que
é um número muito reduzido de professores que vem se posicionando e
propondo novos enfoques para suas práticas.
O texto dos PCN aponta as mesmas críticas já levantadas desde o
final do século XIX. E novamente uma proposta, agora curricular, se evi­
dencia. Como ela está sendo vista pelos professores? Será aceita? Aceita
em parte? Rejeitada inteira ou em parte ou nem será analisada pelos
professores de todo o país? Ela trouxe rupturas efetivas para as práticas
dos professores?
A distante relação entre teoria e prática fica aqui bastante evidenciada
quando os autores questionam os mesmos métodos de ensino aplicados
à disciplina escolar de geografia durante longos anos. Compreendo que
esses autores aqui citados partiram de observações da realidade de sala
de aula, de seu contato com outros professores, de suas práticas, das
con­dições escolares em geral. Todos eles fizeram propostas teóricas na
tentativa de superar os problemas elencados entretanto, o que se percebe
é a insistente permanência desses problemas.
Como se pode verificar, as propostas de superação dos problemas de
ordem metodológica foram feitas no âmbito da teoria. Eles reconhecem os
problemas da prática partem dele, no entanto, não levam em consideração
o contexto em que a prática se desenvolve. Percebe-se, ainda, que as re­
sis­tências, tão comuns ao mundo da educação, não são levadas em con­
sideração quando da elaboração de novas propostas.

Considerações finais

Algumas questões podem orientar nossas conclusões. A primeira


delas diz respeito ao distanciamento existente entre as propostas teóricas
e sua efetiva difusão pela rede de professores. A segunda se configura no
quadro de resistências conscientes ou não diante das propostas de ruptura
26 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

com as metodologias questionadas. Compreendo, ainda, que parte dessas


resistências está associada ao posicionamento da sociedade, em especial
de dirigentes, pais e alunos, em aceitar novas metodologias e romper com
a segurança das certezas tradicionalmente estabelecidas.
Tudo isso nos faz questionar as propostas de soluções para essas
questões, em geral vistas como tendo que ser buscadas fora da escola.
E então me pergunto: onde está o problema real? De onde devemos
partir para buscar propostas de soluções? Qual a relação entre prática e
formação de professores? Qual o papel da formação inicial e continuada
de professores? Quem deve ser consultado quando da proposição de
novas abordagens para o ensino de geografia? E, finalmente, como deve
ser pensada a formação do professor de geografia?
Sabe-se que a baixa qualidade da formação dos professores de
geografia é uma realidade encontrada em praticamente todos os estados
brasileiros. Ela também se configura com um dos fatores responsáveis pelo
distanciamento entre teoria e prática. Para agravar ainda mais a situação
atual, os projetos de formação continuada, quando existem, são oferecidos
em um curto espaço de tempo e não permitem um acompanhamento siste­
mático das práticas em sala de aula, de modo que não têm levado professores
a reverem e reelaborarem seus propósitos metodológicos.
O mesmo quadro de problemas de ordem metodológica, comum
aos fragmentos de textos apresentados, também foi encontrado pelos
professores universitários que participaram de um curso de educação
continuada promovido pela AGB no início da década de 1980, quando a
universidade reconhece as necessidades da escola e se rendeu aos debates
acerca dos novos referenciais teóricos que emergiam no período. O
quadro de questionamentos metodológicos não se diferenciava daqueles
apresentados nos fragmentos de textos iniciais. Desse modo, uma parte
dos professores não incorporou os novos referenciais por falta de um
arcabouço teórico-metodológico.
Assim, o documento curricular (Proposta Curricular da CENP, 1986) pro­
duzido no bojo desse debate e referencial para o país como um todo, resultado
de lutas e de encontros entre academia, escola e secretaria de educação, bem
como entre professores da universidade, professores do ensino básico e técnico
da secretaria, não teve a eficácia que se pretendia, isto é, transformar o ensino
de geografia no âmbito da rede pública estadual de São Paulo.
Essa proposta não foi abraçada, aceita ou compreendida pela maio­
ria dos professores de geografia da rede. Houve ainda um movimento de
resistência ao uso dessa proposta por parte dos professores, dos dirigentes
Geografia 27

e dos administradores escolares. Parte dos professores desconhecia esse


novo referencial teórico. Sua formação se deu com base em uma geografia
tra­dicional, e suas práticas fundavam-se em uma escola tradicional. Desse
modo, como eles deixariam seus “portos seguros (conteúdos e métodos)
para navegar em mares nunca dantes navegados?” Alguns conscientemente
se colocavam contrários ao aporte teórico metodológico (materialismo
his­tórico) estabelecido no documento, enquanto outros acusavam-no
ingênua ou propositadamente de comunista, marxista, etc. Além dis­so,
é necessário ser crítico e apontar, como o fez Moraes (1998), o di­rigismo
ideológico tão evidente naquele documento curricular.
O certo é que, mais uma vez, uma proposta de transformação
das me­to­dologias de ensino de geografia foi apresentada, e novamente
descartada na prática de sala de aula. Isso nos indica que até hoje o
que temos como propostas de metodologias de ensino de geografia não
conseguiu atingir de forma certeira a prática dos professores.
Em outros estados brasileiros, esse movimento de elaboração de
no­vos currículos trouxe um grande debate nacional para o ensino de
geo­grafia, mas o que se vê é que a disciplina sofreu transformações até
significativas, mas que ainda mantém continuidades.
Desse modo, compreende-se que as rupturas efetivas nas metodo­
logias do ensino de geografia demoram muito tempo para se estabelecer.
Algumas seguem transformações inerentes à própria prática escolar, outras
decorrem do contexto histórico, outras se fundamentam nos movimentos
de transformações desencadeados por debates estabelecidos na ciência
de referência, enquanto outras, ainda, estão associadas às mudanças no
mundo da educação.
Vejamos o que se propõem atualmente como metodologia do ensino
de geografia no âmbito da prática e da teoria.
A partir do final da década de 1980, nos grandes centros do país,
novas abordagens pedagógicas passam a ser divulgadas via centros de ex­
celências, o construtivismo torna-se um enfoque em questão, e a psicologia
cognitiva passa a dar grande suporte ao desenvolvimento de metodologias
de ensino. Além disso, as abordagens com base em Pau­lo Freire também
se evidenciam, algumas delas centradas na inter­dis­ciplinaridade, no es­
tudo do meio e tendo o tema gerador como centro do debate.
No âmbito da geografia, novas abordagens teórico-metodológicas
passaram a compor os debates da ciência de referência, assim como no
âmbito da disciplina escolar muitas transformações foram evidenciadas.
28 Nelson Rego, Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Kaercher (orgs.)

Desta forma, o materialismo histórico, a geografia da percepção e a feno­


menologia adentram os debates sobre o ensino de geografia e sobre as
possibilidades de construção de novas metodologias de ensino.
No âmbito desse debate, uma série de propostas metodológicas pa­
ra o ensino de geografia se configura. Vamos aqui destacar duas delas por
acreditamos que são mais representativas do momento atual.
Geralmente essas propostas são elaboradas por professores univer­
sitários que trabalham com formação de professores e, diferentemente do
que se acontecia no passado, não ficam mais atreladas às críticas sobre os
métodos mnemônicos e de conteúdos baseados em nomenclaturas. Elas
propõem abordagens sem necessariamente fundamentar suas propostas
em tais críticas, como se esses problemas metodológicos já tivessem sido
superados ou, pelo menos, amenizados, em virtude da melhoria dos
materiais didáticos produzidos, da ampliação dos cursos de formação
continuada e da abertura de mais vagas nas escolas superiores privadas.
Algumas questões são atualmente comuns a todas as sugestões
metodológicas: é preciso construir a cidadania, e o ensino de geografia
pode contribuir para isso, visto que as abordagens sobre cidadania são
diversas; e o aluno deve construir conceitos a partir de sua realidade. O
desenvolvimento dos conteúdos deve partir dos conhecimentos prévios
dos alunos. Verifica-se com isso que muito do que se propaga atualmente
como propostas metodológicas para o ensino de geografia nas escolas
fundamental e média está atrelado a abordagens teórico-pedagógicas.
Este momento deve ser visto como um salto na história dessa disciplina,
visto que o distanciamento das abordagens pedagógicas resultou em pro­
postas de seleção de conteúdos distintas do que ocorria no passado e não
necessariamente de metodologia de ensino, como ocorre hoje. Portanto,
nesse campo tivemos certo avanço.
Temos ainda as abordagens resultantes das análises histórico-dia­
léticas do ensino de geografia entrecruzadas com as propostas freireana
e socioconstrutivista de enfoque vygotskiano. Esse grupo compreende que
os conteúdos e os métodos de ensino de geografia não devem ser vistos
de maneira separada. Além disso, ele parte da interdisciplinaridade na
condução da produção do saber escolar e também advoga que o estudo
do meio possibilita ao aluno apreender a geografia a partir de sua rea­
lidade e de outras.
Outra abordagem difundida atualmente diz respeito a uma aproxi­
mação entre a geografia fenomenológica e o construtivismo, na linha
mais piagetiana. Essa corrente entende que as metodologias devem ser
Geografia 29

construídas de modo a considerar efetivamente os saberes prévios do edu­


cando no processo de ensino e aprendizagem. Os conteúdos (atitudinais,
procedimentais e conceituais) são vistos como meio para se construir um
conhecimento geográfico e uma atitude diante do mundo. Nessa linha estão
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia.
Os PCN são os referenciais teóricos metodológicos de maior des­
taque na literatura sobre o ensino de geografia. Eu pergunto: será que
os professores que estão na ativa conhecem e diferenciam esses aportes
teó­ricos? E outra questão se evidencia, visto que parte dos professores já
contempla novas práticas, inclusive baseadas nessas perspectivas teóricas,
em relação à dúvida que temos quanto a uma disseminação de novas
metodologias e seleção de conteúdos.
Compreende-se, com esse levantamento histórico, que as metodo­
lo­gias de ensino de geografia passaram por mudanças significativas, ora
provocadas pelos reclames da prática, ora pelos da academia. A partir
dessa análise também posso afirmar que as permanências, em geral, se dão
efetivamente nas práticas, tanto como resistência como por falta de acesso
e compreensão das novas propostas.
Trago, então, para este livro um repensar das metodologias para se ter
o cuidado quando da estruturação de um curso de formação de pro­fessores,
pensando no que se deseja neste momento. Não trago re­ceitas, mas sim
alguns questionamentos, para evitarmos os mesmos erros centenários.

Referências
ALBUQUERQUE, M. A. M. de. Lugar: conceito geográfico nos currículos pré-ati­vos
– relação entre saber acadêmico e saber escolar. 2004. Tese (Doutorado em Edu­ca-
ção) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
AZEVEDO, A. de; MONBEIG, P.; CARVALHO, M. da C. V. de. O ensino secundário de
geografia – secção resgatando textos – original de 1935. Revista Orientação, n. 8, p. 113-
115, 1990. Documento original disponível na Revista Geografia, v. 1, n. 4, [1935?].
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
história e geografia. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
CARVALHO, C. M. D. de. Geographia do Brasil, tomo II. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1927.
CARVALHO, D. de. Methodologia do ensino geographico: introducção aos estudos de
geographia moderna. Petrópolis: Vozes, 1925.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pes­
quisa. Teoria e Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.
CONTI, J. B. A reforma do ensino em 1971 e a situação da geografia. Boletim Pau­lista
de Geografia, n. 51, p. 57-70, 1976.

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