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A grande reportagem jornalística em transição:

os desafios da mudança do suporte impresso para o digital*

Características do digital como a representação numérica, modularidade,


automação, variabilidade e transcodificação (MANOVICH, 2001) permitiram o
desenvolvimento de reportagens que reúnem múltiplos códigos em uma mesma tela: texto,
vídeo, áudio, foto, imagens, infografia e animação. Denominadas como Grande Reportagem
Multimídia - GRM (LONGHI, 2014), são matérias herdeiras da grande reportagem do
impresso e permitem acesso a um conteúdo interativo e imersivo vertical, durante o scrolling.
O Objetivo do trabalho é verificar como ocorre a transição da grande reportagem
do impresso para a internet com múltiplo códigos e, para isso, utilizamos a metodologia
Pragmaticista de Charles S. Peirce. Assim, levantamos a hipótese de que existem dificuldades
na transição, fase denominada como Abdução (PIMENTA, 2016). Em seguida, após realizar
experimentações mentais, propusemos três subhipóteses: as dificuldades relativas às
características intrínsecas ao meio, ao processo de produção de múltiplos códigos de acordo
com suas temáticas e aos efeitos interpretativos.
Na Dedução, levantamos as consequências práticas possíveis para as hipóteses.
Especificamos que as dificuldades intrínsecas ao meio estão relacionadas à sofisticação dos
softwares ou linguagens de programação, à baixa capacidade das redes, às restrições
econômicas das empresas ou ao pouco tempo fornecido aos jornalistas. Em relação à
produção, temos a necessidade de jornalistas que saibam lidar com a diversidade de códigos e
com todo o potencial oferecido por eles. Quanto aos efeitos interpretativos, verificamos que
os usuários podem ter dificuldade na navegação por um caminho mais fluido, na interação
com os códigos, e nas ações sobre a reportagem, como em comentários e compartilhamentos.
Na Indução, ocorre o teste empírico, no nosso caso, entrevistas semiestruturadas com
jornalistas, editores, designers e programadores dos jornais Folha de S.Paulo e O Tempo,
articuladas à aplicação de formulários para os leitores de ambas as publicações.
As três subhipóteses seguem as categorias fenomenológicas de Peirce: a
Primeiridade como os fenômenos ligados à possibilidade; a Secundidade enquanto o reino do
existente que inclui também a possibilidade; a Terceiridade, categoria da abstração, do
pensamento, que inclui as duas esferas anteriores (PIMENTA, 2016). Da mesma forma
funcionam os três correlatos do signo no processo de semiose ou representação: signo, objeto
e interpretante. O signo em si mesmo expõe características intrínsecas ao próprio signo, o
signo em relação ao seu objeto se relaciona às características intrínsecas do signo com as do
objeto e, o signo em relação ao interpretante gera ou um interpretante imediato, isto é, meras
possibilidades interpretativas, ou dinâmico, como interpretações que de fato ocorreram. Nesse
caso, seriam emocionais (sentimentos), energéticas (ações), lógicas (raciocínio), ou seus
híbridos (SILVEIRA, 2007).
A ideia de que há problemas relativos à sofisticação dos softwares e linguagens de
programação foi refutada, contudo, parece ter se confirmado a previsão de problemas
financeiros vivenciados pelas empresas jornalísticas, que a literatura já apontava, como em
Costa, 2014. Apesar de editores e secretário de redação terem registrado a vontade de investir
na GRM, reclamavam da falta de recursos para se fazer isso. Outra dificuldade que parece
confirmada é a influência da velocidade da internet na construção da GRM, pois os
programadores têm a preocupação de produzir layouts leves em que fotos, vídeos e
infográficos carreguem rapidamente mesmo em uma internet lenta. Também foi ratificada a
falta de tempo para produção da GRM. Com a equipe reduzida, os profissionais precisam
terminar rápido o serviço para não sobrecarregar os colegas.
Em relação à segunda hipótese, como os jornalistas são originalmente do
impresso, ainda possuem dificuldades para pensar a reportagem com vários códigos. Uma
repórter de O Tempo diz não conhecer todo o potencial das linguagens de uma GRM e
argumenta que o jornal nunca ofereceu capacitação para isso. Tais desafios são superados por
meio do trabalho em equipe, tendo papel importante neste contexto o profissional que
coordena o projeto, na Folha, e a coordenadora de cross media, Karol Borges, em O Tempo.
São eles que fazem a ponte entre jornalistas e tecnoatores (CANAVILHAS et. al., 2014)
durante a idealização, produção e finalização da GRM, na tentativa de integrar os códigos em
uma comunicação mais sinestésica.
Percebemos que não há um parâmetro para a utilização dos múltiplos códigos: os
profissionais não sabem definir objetivamente quando e por que os utilizam para a
representação dos temas tratados, o que resulta em conteúdos redundantes quando o trabalho
em equipe falha, como é o caso de textos repetindo o que já foi falado no vídeo. Assim,
utilizamos a teoria das Matrizes da Linguagem e do Pensamento (SANTAELLA, 2005) para
refletir o que predominantemente as Matrizes Sonora, Visual e Verbal podem expressar e
como os códigos gerados na hibridização dessas matrizes tendem a representar seus objetos.
Os resultados do teste empírico da terceira subhipótese apontam que apenas dois
dos 42 participantes não tiveram sentimentos despertados a partir dos códigos da GRM. A
maioria disse que os vários códigos além de causarem sentimentos, auxiliam na compreensão
da matéria, mas três ressaltaram que o excesso a torna cansativa, e que os diferentes códigos
transmitem a mensagem de forma diversa. Grande parte tem facilidade na interação com os
códigos e na navegação pela GRM. A preferência é por percorrer a matéria fazendo o próprio
caminho e, às vezes, intercalando com a navegação proposta, como a ordem dos capítulos.
Nesse percurso, muitos reclamam que a velocidade da internet pode atrapalhar a interação
com a matéria. Além disso, todos compartilharam a reportagem ou comentaram em posts, mas
ninguém utilizou ferramentas para modificação. A qualidade das artes, fotos e vídeos foi
considerada ótima ou boa, mas apenas 14 dos entrevistados conhecem os mecanismos de
construção da GRM, enquanto a maior parte percebe que as publicações defendem um ponto
de vista.
Palavras-chave: Digital. Grande Reportagem Multimídia. Transição. Dificuldades.
Pragmaticismo.

Referências

CANAVILHAS, J.; SATUF, I.; LUNA, D.; TORRES, V. Jornalistas e tecnoatores: dois
mundos, duas culturas, um objetivo. Esferas. Ano 3, n. 5, p. 85 a 95, Julho a Dezembro de
2014. Disponível em: <https://goo.gl/L8zRBL>. Acesso em 11 jul. 2017.

COSTA, Caio Túlio. Um modelo de negócios para o jornalismo digital. Revista de


Jornalismo ESPM, São Paulo, n. 9, p. 51-115, abr. mai. e jun. 2014. Disponível em:
<https://goo.gl/i9rZD3>. Acesso em 19 mai. 2016.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: 2009, Aleph.

LONGHI, Raquel Ritter. O turning point da grande reportagem multimídia. Revista


Famecos: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 897-917,
setembro/dezembro , setembro/dezembro 2014. Disponível em: <https://goo.gl/yY7sXf>.
Acesso em: 26 abr. 2016.

MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambrigde, Massachusetts: MIT Press,
2001.

PIMENTA, Francisco. Ambientes multicódigos, efetividade comunicacional e pensamento


mutante. São Leopoldo, Unisinos, 2016.

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e do Pensamento. Sonora, visual, verbal.


São Paulo: Iluminuras, 2005.

SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: 2007,
QuartierLatin do Brasil.

*Marina Aparecida Sad Albuquerque de Carvalho, graduada em comunicação social com


habilitação em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialista em
jornalismo multiplataforma pela mesma instituição e mestranda em Comunicação no
PPGCom/UFJF. E-mail: marina_sad@hotmail.com
*Francisco José Paoliello Pimenta, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP,
professor permanente do PPGCom/UFJF. E-mail: paoliello@acessa.com

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