Clubismo intelectual e cultura verbal (“gostosão intelectual”)
Existem algumas filosofias prontas às quais basta aderir da boca para fora (o Facebook é um excelente meio para tal) e logo o sujeito começa a julgar as filosofias alheias, sentindo-se um “gostosão intelectual”. Uma destas correntes é o marxismo, entendido em sentido lato, ao qual se pode aderir mesmo sem alguma vez ter lido uma obra de Marx, mas que dá um reconforto de pertencer à parte mais progressista e iluminada da humanidade. Outra linha é a do aristotelismo-tomismo, que também dispensa contacto com os mestres, 358 basta frequentar a paróquia e logo se tem uma autoridade para condenar os hereges. Uma escola com alguma importância pública é o liberalismo iluminista-materialista-cientifista, que para ser um expoente do mesmo basta ter lido o Dicionário Filosófico, de Voltaire, a Sociedade Aberta e Seus Inimigos, de Popper, e ter acompanhado algumas polémicas de Richard Dawkins. Podemos dizer que o positivismo perdeu a sua força autónoma e foi absorvido por esta terceira corrente. Existe uma quarta corrente de ideias, a dos tradicionalistas guenonianos, evolianos e duguininianos, mas que ela mesma se vota ao elitismo por submeter os seus membros à prática do segredo iniciático. Quem não tenha dissolvido a sua individualidade num destes quatro grupos e, pior ainda, ainda teime em estar apegado a práticas como a filosofia, a teologia, a ciência ou a sabedoria esotérica será chamado pelo primeiro grupo de “fascista”, pelo segundo de “herético, pelo terceiro de “fanático religioso” e pelo último de “profano”. Todos os membros destes grupos concordam com a superioridade da solidariedade grupal sobre a pretensão individual de investigar a verdade da situação concreta. Fora deste quatro “clubes” considera-se que não existe vida intelectual, que passou a resumir-se a uma actividade classificatória das ideias consoante a proximidade ou afastamento daquilo que diz o grupo de referência. Obviamente que a averiguação da concordância de proposições ou ideias com os parâmetros de certas escolas de pensamento é uma actividade puramente verbal, semântica, e que nada tem a ver com a realidade das coisas. Isto é apenas um actividade de análise de textos, mas a falta de consciência da distância entre palavras e factos indicia um fraco nível de alfabetização. As crianças durante muitos anos não têm capacidade de verificar a ligação objectiva entre palavras e realidade, há primeiro uma imersão na linguagem, o aprendizado das regras, e o resto da vida levamos a completar isto com a experiência. Mas há muitas pessoas quem nem se preocupam em buscar a realidade, simplesmente vão acumulando mais palavras para poder converter umas noutras, e no final podem acreditar que estas são objectos concretos, como na escola literária do concretismo. No limite temos o desconstrucionismo, que diz que o texto não têm referência à realidade, apenas a um outro texto, sem esquecer que este é também um elemento da realidade, que foi impresso e assim por diante. A identidade grupal que estamos a ver deriva de uma identidade verbal, isto é, não passa de uma capacidade de repetir as mesmas frases e de fazer certas variações em torno para obter um reforço social e psicológico. O tipo que diz “eu sou marxista” ou “eu sou liberal” apenas tenta proferir uma profecia auto-realizável. Isto é um sintoma psicótico e nem se confunde com o antigo defeito de possuir apenas cultura livresca, hoje é apenas uma cultura verbal, mas que é muito atractiva porque é uma forma de fazer amigos, reunir influência, ter um grupo de referência e até um sentimento e uma segurança