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O artigo apresenta uma revisão crítica das interpretações dobre o ritual funerário de
Cogotas I.
A proposta assenta em três vetores essenciais: a morte como conceito; a morte como
protagonista; o ritual como evidência integradora das duas primeiras conceptualizações.
A morte
A morte pode ser apenas um acontecimento individual sem projeção no grupo onde
acontece. Neste caso a morte não representa nenhum tipo de alteração ou modificação da
atividade do grupo;
A morte pode afetar – não o todo mas – uma parte do grupo onde acontece. Neste caso, a
morte pode ser um fator de modificação da atividade apenas do núcleo onde acontece
(normalmente próximo do individuo que morre);
A morte pode afetar toda a comunidade à qual o falecido pertencia. Neste caso a morte
de um indivíduo é um acontecimento de índole social que afeta todo o coletivo.
Nos dois últimos casos há que ter em conta a interferência de questões como o status
social; a intensidade da incidência do fenómeno no grupo ou a dinâmica social do grupo
Negativa – O defunto termina a sua existência tanto na dimensão física como na espiritual.
Neste caso a morte significa uma rutura como o mundo dos vivos que pode ser refletida
nos atos globais que giram em torno da morte.
O Ritual
A variabilidade do ritual pode ser influenciado por fatores culturais, étnicos, sociais ou
até económicos. Desta maneira, um grupo social que partilha uma série de premissas de
comportamentos sociais, comportar-se-á de formas semelhantes perante a morte. Entre
ambientes culturais diferenciados a divergência entre rituais pode ser absoluta. De
qualquer forma, dentro do mesmo ambiente cultural os rituais podem, ao longo do temp o,
sofrer transformações radicais. Estas transformações parciais ou totais podem ser
determinadas por processos evolutivos internos ou a adoção de modas externas ou ainda
uma combinação entre ambas as modalidades.
Os autores referem que apesar de haver escassos vestígios do mundo funerário deste
grupo cultural, fora avançadas várias propostas para os rituais: o ritual de inumação; a
prática de inceneração; a existência de rituais sem cadáver. Mesmo que sejam diferentes
entre si, pode ter-se dado o caso de terem sido praticados os três rituais. Os autores
argumentam que não parece lógico advogar que a prática de um dos três tipos de ritual
signifique a negação dos outros dois.
Os autores começam por fazer uma revisão da investigação para a proposta de rituais de
inumação para Cogotas I. referindo o estudo de esparza como o trabalho de referência.
Dos 21 sítios que Esparza considera para definir a inumação como prática funerária de
Cogotas I, os autores consideram como válidos (de acordo como os seus critérios), apenas
5. A falta de relação entre inumações e materiais é uma evidência que dificulta esta
ligação direta entre Cogotas I e inumações. Quanto à associação entre megalitismo e
inumações, não parece ser – de todo – uma situação possível dada a inexistência de
vestígios humanos junto a este tipo de estruturas. Para sublinhar a duvidosa prática
exclusiva de inumação em Cogotas I, Sastre e Martinez referem os – apenas – 15
cadáveres para uma faixa cronológica de cerca de 700 anos. Outra questão levantada é a
da baixa proporção de inumações perante as dimensões estimadas de povoados como o
da San Roman. Os autores concluem que o enterramento não pode ser considerada a
prática exclusiva (talvez seja até a exceção) do ritual funerário em Cogotas I.
Sastre e Martinez descartam desde logo a utilização destes fossas como áreas
habitacionais dada a configuração dos fossas e a inexistência de estruturas claras de
habitação. As medidas das fossas não permitem a sua utilização como habitação e se
fossem subestruturas de habitações, os vestígios das habitações teriam que estar
presentes. As evidências de fogo em intervalos entre as fossas foram inicialmente
interpretados como lugares de cabanas. Mais uma vez, para os autores os restos de fogo
associados a um único pavimento em barro em um das fossas, não prova esta teoria. A
ausência de vestígios de cerâmica, ossos, líticos ou carvões, é mais um indicador
contraditório à tese que defende as fossas como subestruturas de habitação.
Restos humanos sem conexão anatómica – É difícil admitir que a presença de uma única
mandíbula reflita a existência de um cadáver da mesma maneira como é difícil admitir
que a sua presença na fossa seja acidental.
Os autores concluem que o modo como estas comunidades do Bronze Final na Meseta
trataram os seus mortos pode estar relacionada com o significado que as comunidades
atribuem ao morto e à morte, sugerindo um tratamento diferenciado em função do estatuto
do morto.
João Gomes
3 de dezembro de 2018